entrevista com henrique salinas

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O novo agregador da advocacia 6 Fevereiro de 2011 www.advocatus.pt Entrevista Henrique Salinas, especialista em Penal da Carlos Cruz e Associados “O que temos vindo a assistir nos últimos anos, com a crise económica, é ao aumento de processos que entidades jurídicas podem vir a originar de foro Penal Económico”, afirma Henrique Salinas, 42 anos, advogado por tradição e académico por paixão Ramon de Melo Crise favorece Penal Económico Advocatus i A opção de exercer numa sociedade de média dimen- são como é a Carlos Cruz e Asso- ciados (CCA) foi propositada? Henrique Salinas i Sim, porque en- tendo que nas sociedades maiores a estrutura é muito mais rígida e é difí- cil chegar alguém e impor-se, tendo uma progressão rápida na carreira. Nas sociedades de média dimensão é possível fazer a diferença e contri- buir activamente para o crescimento da sociedade. a advocacia em prática individual continua a ser o padrão predomi- nante no país. Assim, do ponto de vista da formação profissional, e dada a individualidade da advoca- cia, penso que é possível atingir o sucesso, quer numa pequena fir- ma, como num grande escritório. Tudo depende daquilo que o ad- vogado, individualmente, consiga fazer e do valor acrescentado que consiga trazer para a respectiva firma. Advocatus i Do lado da oferta, acha que as pequenas e médias sociedades conseguem oferecer condições atractivas aos seus as- sociados? HS i Nos Estados Unidos há mui- tos advogados que exercem indi- vidualmente e facturam a níveis iguais ou superiores a colegas que integram grandes sociedades. E, mesmo em Portugal, as socieda- des de advogados são um fenó- meno que tem cerca de 30 anos,

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Henrique Salinas, especialista em Penal da Carlos Cruz e Associados

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Page 1: Entrevista com Henrique Salinas

O novo agregador da advocacia6 Fevereiro de 2011

www.advocatus.ptEntrevista

Henrique Salinas, especialista em Penal da Carlos Cruz e Associados

“O que temos vindo a assistir nos últimos anos, com a crise económica, é ao aumento de processos que entidades jurídicas podem vir a originar de foro Penal Económico”, afirma Henrique Salinas, 42 anos, advogado por tradição e académico por paixão

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Crise favorece Penal Económico

Advocatus i A opção de exercer numa sociedade de média dimen-são como é a Carlos Cruz e Asso-ciados (CCA) foi propositada?Henrique Salinas i Sim, porque en-tendo que nas sociedades maiores a estrutura é muito mais rígida e é difí-cil chegar alguém e impor-se, tendo uma progressão rápida na carreira. Nas sociedades de média dimensão é possível fazer a diferença e contri-buir activamente para o crescimento da sociedade.

a advocacia em prática individual continua a ser o padrão predomi-nante no país. Assim, do ponto de vista da formação profissional, e dada a individualidade da advoca-cia, penso que é possível atingir o sucesso, quer numa pequena fir-ma, como num grande escritório. Tudo depende daquilo que o ad-vogado, individualmente, consiga fazer e do valor acrescentado que consiga trazer para a respectiva firma.

Advocatus i Do lado da oferta, acha que as pequenas e médias sociedades conseguem oferecer condições atractivas aos seus as-sociados?HS i Nos Estados Unidos há mui-tos advogados que exercem indi-vidualmente e facturam a níveis iguais ou superiores a colegas que integram grandes sociedades. E, mesmo em Portugal, as socieda-des de advogados são um fenó-meno que tem cerca de 30 anos,

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Fevereiro de 2011 7O novo agregador da advocacia

www.advocatus.pt Entrevista

Advocatus i Qual é a avaliação que faz do seu percurso dentro da CCA? HS i Cada vez mais é essencial o advogado ter uma sólida formação profissional em várias áreas. No meu caso, nunca perdi a ligação à Aca-demia e penso que isso é impor-tante do ponto de vista teórico. Em concreto, no Direito Penal Econó-mico, que é o ramo em que exerço, é fundamental haver esse elo entre a prática que a advocacia permi-te com um estudo constante que a Academia promove. Uma das áreas jurídicas que mais carece de desen-volvimento é a advocacia preventiva dentro do Direito Penal Económico, e isso só é possível através do seu aprofundamento teórico. Em Itália e em Espanha já existem muitas em-presas com regulamentos internos sobre esta matéria.

Advocatus i Em suma, quais são então as mais-valias que a carrei-ra académica lhe pode trazer?HS i A implantação de regulamentos internos por parte das empresas, para ter algum impacto junto dos tribunais, tem de ser elaborada por pessoas que sejam reconhecida-mente especialistas no mundo jurí-dico, que tenham obras publicadas. Estas regras de conduta têm de ser objectivas e imparciais, realizadas por profissionais independentes que não sejam contratados pela empre-sa depois de surgir o problema. Em Itália e França, essa independência tem sido garantida através do recru-tamento de pessoas ligadas à Aca-demia. Esta é a principal vantagem para os advogados ligados à advo-cacia preventiva na área do Direito Penal Económico.

Advocatus i Qual o diagnóstico que faz de Portugal em relação aos crimes de colarinho branco de que trata o Direito Penal Eco-nómico?HS i Como noutras áreas, nesta ma-téria Portugal está um pouco atra-sado em relação aos outros países. Há 10 anos este era um ramo ma-nifestamente residual. Burlas, furtos e homicídios eram os crimes a que se resumia o Direito Penal no país. Na viragem do milénio houve uma

verdadeira revolução e, de repente, o Direito Penal Económico ficou na ordem do dia. Basta abrir um jornal para ver que a maioria dos casos mediáticos está ligada a esta área, como o BPP ou o BPN. Também no domínio das contra-ordenações há um campo vasto a explorar dentro desta matéria pelas sociedades de advogados.

Advocatus i O mediatismo do Di-reito Penal Económico contribuiu, de alguma forma, para a sua po-pularidade?HS i Sem dúvida alguma. De início, os casos que iam a tribunal, no âm-bito do Direito Penal Económico, envolviam pequenas empresas, que se tornavam conhecidas através dos media. Actualmente, chegámos a um ponto sem retorno, onde os ca-sos nesta área proliferam e as enti-dades e protagonistas envolvidos são conhecidos de todos os portu-gueses. A dimensão deste tipo de processos – derivada da sua com-plexidade – também os torna ten-dencialmente populares.

Advocatus i Existe algum proces-so, em particular, que tenha mar-cado a viragem do Direito Penal Económico em Portugal?HS i Não me atreveria a identificar um caso específico, mas a propen-são para um determinado tipo de criminalidade: fraudes relacionadas com fundos comunitários, proces-sos de corrupção e – como con-sequência da crise financeira – os processos relacionados com a acti-vidade bancária.

Advocatus i Concorda com a per-cepção generalizada de que os crimes de colarinho branco são mais permeáveis à Justiça, exac-tamente por envolverem persona-lidades de renome?HS i Não, aliás, o próprio facto des-sas pessoas estarem a responder em tribunal já é – por si só – demons-trativo de que estão sujeitas à mes-ma lei do cidadão comum. Trata-se é de um tipo de criminalidade muito complexa, em que a produção da prova é muito complicada. A própria mediatização do caso também não ajuda…

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“Nas sociedades maiores a estrutura é muito mais rígida e é difícil chegar alguém

e impor-se, tendo uma progressão rápida na

carreira”

“Uma das áreas jurídicas que

mais carece de desenvolvimento é a advocacia preventiva

dentro do Direito Penal Económico, e isso só é possível através do seu aprofundamento

teórico”

“Para se fazer impor, a Ordem tem de ter uma intervenção assertiva nos media, e isso tem sido conseguido pelos últimos

bastonários. O Dr. José Miguel Júdice foi quem iniciou este caminho inevitável”

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Advocatus i Existe alguma pro-pensão para que os crimes de co-larinho branco sejam mega pro-cessos?HS i São de uma enorme complexi-dade técnica que depois dá origem a alegações muito mais complexas que, por sua vez, conduzem a um julgamento mais complexo. Essa complexidade também está muitas vezes relacionada com o número de processos envolvidos e de arguidos acusados. Da conjugação destes factores nascem, muitas vezes, os tais megas processos.

Advocatus i Os mega processos não pecam pela eficácia que sub-traem às decisões, dada a delon-ga nos tribunais?HS i Não tenho a mais pequena dúvi-da que assim é. Processos morosos e muito complexos, se a aplicação da pena vem 10 a 15 anos depois da prática dos factos, já não faz muito sentido. A pessoa julgada já não é a mesma pessoa que praticou os fac-tos. O próprio sentido de justiça sai beliscado aos olhos da sociedade.

Advocatus i Relativamente à sua carreira profissional, quando é que começou a dividir o seu tem-po entre a Academia e a advoca-cia?HS i Mal terminei o curso fiz logo o estágio profissional e comecei a exercer advocacia até às primeiras provas do mestrado. Quando come-cei o doutoramento suspendi a ad-vocacia, sem prejuízo de continuar a trabalhar neste ramo preventivo do Direito Penal Económico, que tam-bém considero benéfico para a tese.

Advocatus i A advocacia foi uma vocação ou a obrigação?HS i Confesso que foi uma tradição familiar, já vamos na terceira geração de advogados, é normal que haja sempre essa curiosidade e impulso para exercer a mesma actividade. Sinceramente, sinto-me mais voca-cionado para esta área nova da ad-vocacia, da consultoria e colabora-ção preventiva, do que na advocacia tradicional de barra.

Advocatus i imagina-se a fazer outra coisa para além do Direito?

Com 42 anos, Henrique Salinas é casado e tem três filhos. Sendo-lhe “indiferente” que algum deles dê continuidade à tradição familiar e se venha a tornar num advogado, essencial é que cada um dos seus descendentes siga aquilo em que tenha gosto. “O importante é que eles tenham uma actividade profissional que os realize e que lhes dê um meio de subsistência onde possam ter sucesso”. Apreciador de música jazz e de fotografia, Pat Metheny é um dos seus intérpretes de eleição. “No trabalho, por exemplo, acho que não poderá ser muito produtivo”. Com os filhos, como alvo principal da sua objectiva, o ad-vogado já chegou a tirar um curso, “que foi uma faca de dois gumes, porque fiquei inteiramente consciente da minha completa ignorância, mas também me abriu perspectivas para me aperfeiçoar no futuro”. Desejoso por se ver livre do frio invernal, assegura que se metia num avião com destino tropical, logo então. “O ideal eram umas férias fa-miliares, a cinco, acho sempre mais divertido com as crianças. Só penso numa viagem que irei fazer com certeza, às Maldivas. A nível de praias, é o ‘projecto-paraíso’ por realizar”.

Sonha com férias nas MaldivasPERFil

bastonário e da sua predisposição para divulgarem as opiniões da OA. Esta, para se fazer impor, tem de ter uma intervenção assertiva nos media, e isso tem sido conseguido pelos últimos bastonários.

Advocatus i Já inclui, portanto, Rogério Alves nesta geração de bastonários mais mediáticos?HS i Sim, e mesmo o Dr. José Miguel Júdice, que foi quem iniciou este ca-minho inevitável.

Advocatus i Dada a conjuntura económica, quais são os princi-pais desafios que considera que o Direito Penal Económico enfrenta em Portugal?HS i Dividindo o Direito Penal Eco-nómico em duas áreas – preventiva e reactiva – o que todos os clientes gostariam era de não ter problemas. O que temos vindo a assistir nos últi-mos anos, com a crise económica, é o aumento de processos que entida-des jurídicas podem vir a originar de foro Penal Económico. Basta pensar nos casos BPP e BPN. Aquela acal-mia que se verificou há 20 anos nes-tas áreas nunca mais vai regressar. Em relação aos projectos preventi-vos, de Corporate Defense, temos de consciencializar as empresas de que este é o momento adequado para avançar por aí.

HS i Imagino. Como disse, segui a advocacia por curiosidade e tradição familiar, mas sempre gostei muito de Gestão. Era uma actividade que exerceria com todo o gosto e sem qualquer sacrifício.

Advocatus i Colaborou no gabine-te da Ordem dos Advogados (OA). Quais os principais projectos que estão em estudo?HS i A ideia é que a OA deve ser consultada sempre que são apre-sentados diplomas que possam dizer respeito à classe profissional. Colaborei durante três anos, respei-tantes ao mandato do Dr. Rogério Alves [2005/2007], na análise de alguns diplomas na área do Direito Penal Económico.

Advocatus i Entende que, com a reeleição de Marinho e Pinto, está favorecida a concretização dos objectivos do gabinete da OA?HS i A OA beneficia sempre de uma projecção pública forte, para a qual não é decisiva a manutenção do bastonário por mais do que um mandato. Por exemplo, o Dr. Rogério Alves esteve na Ordem durante ape-nas um triénio e deu bastante pro-jecção à Ordem. Logo a seguir, veio o Dr. Marinho e Pinto com um estilo muito particular. Acho que tudo de-pende, no fundo, do estilo de cada

“Em relação aos projectos preventivos, de Corporate Defense, temos de consciencializar as empresas de que este é o momento adequado para avançar por aí”