ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO CAMPUS XIV LICENCIATURA EM HISTÓRIA ALEX TEIXEIRA DE ARAÚJO ENSINO DE HISTÓRIA E DIALOGICIDADE: DESAFIOS E PERSPECTIVAS. Conceição do Coité 2010

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Page 1: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV

LICENCIATURA EM HISTÓRIA

ALEX TEIXEIRA DE ARAÚJO

ENSINO DE HISTÓRIA E DIALOGICIDADE: DESAFIOS E

PERSPECTIVAS.

Conceição do Coité

2010

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ALEX TEIXEIRA DE ARAÚJO

ENSINO DE HISTÓRIA E DIALOGICIDADE: DESAFIOS E

PERSPECTIVAS.

Artigo apresentado à Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV como requisito parcial para

obtenção do título de graduado em Licenciatura em

História sob a orientação da professora Iris Verena

Santos Oliveira..

Conceição do Coité

2010

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ENSINO DE HISTÓRIA E DIALOGICIDADE: DESAFIOS E

PERPECTIVAS

Alex Teixeira de Araújo1

“... o ensino de história deve contribuir para libertar o indivíduo do tempo presente e

dar imobilidade diante dos acontecimentos, para que possa entender que cidadania não se

constitui em direitos concedidos pelo poder instituído, mas tem sido obtida em lutas

constantes e em suas diversas dimensões”.

(BITTENCOURT, 2005, P. 20)

Resumo

O presente artigo propõe uma reflexão sobre o ensino de história a partir da questão da

ausência de diálogo em sala entre professores, professoras e alunos. Este trabalho faz uma

objetiva análise dos caminhos que a disciplina traçou no Brasil, séculos XIX e XX, bem como

as mudanças curriculares ocorridas mais recentemente. Um dos pontos de referência desse

trabalho são entrevistas feitas com docentes e discentes em duas escolas públicas na cidade de

Biritinga, Bahia, onde são discutidas as possíveis causas da passividade de professores e

alunos frente à necessidade de debate nas aulas. Buscamos em nossa análise discutir caminhos

possíveis para a consecução de um ambiente polifônico com o ensino de história, capaz de

propiciar as condições necessárias ao desenvolvimento de competências e habilidades nos

educandos.

Palavras-chave: Ensino, Currículo, Diálogo, Monologismo, Polifonia.

Introdução

O presente trabalho tem como proposta básica discutir alguns aspectos relevantes

relacionados com o ensino de história nas escolas brasileiras, mas principalmente tem como

referência as escolas da região do semi-árido e/ou região sisaleira. Propomos aqui uma

reflexão, do ponto de vista pedagógico, sobre os caminhos da história ensinada em nossas

escolas, a partir de realidades concretas. Muitos trabalhos acadêmicos por todo o país têm

abordado, ao longo dos anos, os caminhos que o ensino de história traçou até o presente

momento, bem como as mudanças e os avanços ocorridos. Algumas abordagens constantes

dessas publicações serão objetivamente tratadas e/ou citadas nesse artigo, necessariamente

para entendermos como o ensino da disciplina história foi conduzido nos últimos anos e como

1 Graduando em História pela Universidade do Estado da Bahia, Campus XIV – UNEB. Email:

[email protected].

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as mudanças curriculares propostas para o mesmo foram importantes para a atual

configuração da disciplina em nossas escolas. Diante do fato de haver poucos estudos que

abordem especificamente o ensino de história nas escolas de nossa região, é oportuno propor

essa reflexão tendo como ponto de partida uma realidade mais próxima.

Este artigo é fruto de uma inquietação surgida e crescente ao longo dos anos com

docente em história. Dois aspectos merecem atenção em relação a isso. O primeiro relaciona-

se com a passividade dos alunos diante das aulas que são, geralmente, tachadas de chatas e

desinteressantes e, conseqüentemente, há ausência de participação/envolvimento nas mesmas.

O segundo diz respeito ao componente curricular de Laboratório de História VIII, do curso de

licenciatura em História da UNEB2, Campus XIV

3. Durante este componente e a realização

um trabalho de resenha da obra A Linguagem & as práticas no ensino de história de Gledson

Rocha e Stella Rodrigues (2006) a inquietação inicial foi multiplicada ao conhecermos a

discussão destes autores sobre monologismo e polifonia4 no ensino de história. A partir desse

momento foi iniciada uma auto-reflexão sobre a docência com história, buscando certificar-

nos se esta estava relacionada (ou de acordo) com a discussão que os autores supracitados

propuseram; em seguida a questão era buscar saber o porquê de tamanha inércia dos alunos

diante das aulas de história ou dos temas que lhe são propostos. Para responder a estas

questões foi realizado um trabalho de revisão bibliográfica buscando entender os caminhos

percorridos pela disciplina até o momento atual, além de realizar também entrevistas com

alunos do ensino fundamental II, de duas escolas públicas, e com professores e professoras

das mesmas, sendo que destas entrevistas resultaram as considerações que compõem a

segunda parte desse artigo.

Breve História do Ensino de História

Refletir sobre educação é refletir sobre o próprio homem (FREIRE, 1979). Nesse

ínterim, o ensino não pode ser pensado fora das dimensões humano-sociais e das demais

estruturas que o circundam (política, econômica, cultural/religiosa), uma vez que todas estão

interligadas. Todos os que se debruçaram sobre a educação para entendê-la e escrever sobre

ela depararam-se com estas e outras questões fundamentais para a compreensão do processo

2 Universidade do Estado a Bahia – UNEB. 3 Conceição do Coité – Bahia. 4 Estes conceitos serão esclarecidos ao longo do trabalho.

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de ensino e aprendizagem ao longo do tempo. São variados os campos de interesse de

professores e pesquisadores na área de ensino de história, dada sua importância.

Dos muitos trabalhos desenvolvidos para analisar os caminhos que o ensino de história

percorreu até o presente momento, nota-se que geralmente, o contexto histórico e social foi

levado em consideração. Ao longo dos tempos o ensino foi ganhando novas roupagens e

objetivos de acordo com o momento histórico em vigência. A título de exemplo, podemos

citar como esse ensino de história esteve atrelado aos interesses da época, no século XIX na

antiga escola primária. Se no início do século citado o ensino de história não havia ganhado

muito importância, segundo Circe Maria Bittencourt

a partir da década de 70 do século XIX, sua importância foi ampliada como

conteúdo encarregado de vincular uma “história nacional” e como instrumento

pedagógico significativo na constituição de uma “identidade nacional”. Esse

objetivo permeou o ensino da História para os alunos de “primeiras letras” e ainda

está presente na organização curricular do século XXI. (BITTENCOURT, 2004,

p. 60)

Essa vinculação do ensino de história com uma identidade nacional acompanhou o

ensino durante todo o século XIX, principalmente depois da proclamação da República em

1889. Sobre isso Bittencourt afirma:

Com a introdução do regime político republicano e do direito de voto para os

alfabetizados, as políticas educacionais procuravam proporcionar a escolarização

para um contingente social mais amplo, e novos programas curriculares procuravam sedimentar uma identidade nacional, por meio da homogeneização da cultura escolar

no que diz respeito à existência de um passado único na constituição da nação.

(Idem, 2004, p. 64)

Nesse sentido, fazia-se necessário então, segundo a crença da época, a aprendizagem

obrigatória dos feitos heróicos de homens “ilustres” que marcaram a história do Brasil com

seus feitos notórios. O ensino de história deveria dar conta de reproduzir estes fatos para que

não fossem esquecidos. Para tanto, estas eram apresentados aos alunos nos diversos níveis de

ensino. Um método predominante nesse momento era o da memorização mecânica desses

feitos “ilustres” e de seus personagens além das respectivas datas associadas a estes.

A chegada do século XX não significou muitas alterações, do ponto de vista das

propostas para o ensino de história nas escolas brasileiras. A década de 30 consolidou grande

parte das metas que já eram pretendidas em momentos anteriores, ou seja, continuou sendo

dada ênfase aos feitos heróicos, formação nacionalista e patriótica, com apelo às festas cívicas

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que reafirmariam o papel dos “grandes homens” do Brasil. Curiosamente, predominava nesse

mesmo ambiente um exacerbado estudo da história da Europa, sendo a história do Brasil um

conteúdo suplementar. Somente a partir de 1942, com o ministério de Gustavo Capanema que

a nossa história ganhou uma carga horária maior. (BITTENCOURT, 2004, p. 81).

Até a década de 70 do século XX ocorreram algumas importantes mudanças nos

currículos relacionadas aos métodos e práticas de ensino nas escolas brasileiras, sem, no

entanto, ocorrerem alterações quanto aos objetivos e conteúdos, pois os mesmos continuavam

buscando a reafirmação de uma identidade nacional a ser ensinada. As décadas de 80 e 90 dão

continuidade a estas reformulações curriculares. No primeiro caso, o processo de

redemocratização impôs à escola a necessidade de adaptar-se a nova realidade político-social

brasileira, buscando atender os anseios das camadas populares. A década de 90 também

seguiu essa tendência. Para Circe Bittencourt, “o movimento de reformulações curriculares

dos anos 90 decorre da nova configuração mundial, que impõe um modelo econômico para

submeter todos os países à lógica de mercado”. (Idem, 2004, p. 101)

Essas reformulações refletem a necessidade de adaptação pela qual vem passando a

educação, e especificamente, o ensino de história nos últimos anos. O advento de uma

sociedade moderna e tecnológica, marcada por uma gigantesca pluralidade e por tamanha

desigualdade, exigiu um ensino que atendesse a estas demandas. Ainda sobre as últimas

décadas do século XX e as propostas curriculares e as práticas educativas, Selva Guimarães

Fonseca afirma o seguinte:

Do movimento historiográfico educacional ocorrido nesse período, é possível

apreender uma nova configuração do ensino de história. Houve uma ampliação dos

objetos de estudo, dos temas, dos problemas, das fontes históricas utilizadas em sala

de aula. Os referenciais teórico-metodológicos são diversificados – questões até

então debatidas no ensino de graduação – e chegam ao ensino médio e fundamental

mediados pela ação pedagógica de professores que não se contentam com a

reprodução dos velhos manuais. (FONSECA, 2003, p. 36)

Ao comentar as transformações ocorridas no ensino de história no século XX com a

„ampliação dos objetos de estudo e a diversificação dos referenciais teórico-metodológicos‟, a

autora faz uma alusão indireta ao movimento historiográfico conhecido como “Nova História”

ou Escola dos Annales (BURKE, 1991) ocorrido na França na década de 30 e que vai

influenciar os estudos historiográficos e, conseqüentemente, o ensino de história. Se até então

prevaleceu um estudo pautado em feitos heróicos de cunho nacionalista, com a utilização de

documentos oficiais escritos/produzidos pelas elites, essa nova perspectiva historiográfica

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propôs a ampliação dos objetos de estudo, das abordagens, redimensionando até mesmo o

conceito de documentos. De modo geral, a Escola dos Annales abre uma nova visão sobre a

importância de estudar o cotidiano das pessoas ao longo do tempo, independente de sua

origem sócio econômica. Para o ensino de história, isso representou uma importante mudança

com relação aos objetos de estudo. Uma superação do modelo baseado no conhecimento de

feitos heróicos e datas, que eram apresentados de modo enfadonho. Claro que essa mudança

não aconteceu abruptamente, ela processou-se ao longo dos anos e continua em curso. A

análise feita sobre as mudanças curriculares evidencia como o ensino de história no Brasil

vem assimilando novas posturas teórico-metodológicas. Os PCNs e a LDB são exemplos

dessa reorientação para o ensino de história, uma vez que os pressupostos apresentados nos

mesmo primam por uma postura voltada para o aluno e o desenvolvimento de competências e

habilidades por parte do mesmo, a partir de sua própria realidade, do seu cotidiano

sociocultural.

A inserção das camadas populares na escola demandou uma série de readaptações que

vem sendo processadas ao longo dos últimos anos e que ainda enfrenta uma série de

obstáculos para se efetivarem. Numa sociedade com intensas demandas, em todos os campos,

um ensino pautado na memorização passiva de datas e de feitos heróicos não atende aos

objetivos especificados e desejados por muitos profissionais comprometidos com a educação.

Por isso, as propostas curriculares mais atuais têm um foco específico, estão atentas as

transformações evidentes. Circe Bittencourt afirma

as propostas de renovação dos métodos de ensino pelos atuais currículos organizam-

se em torno de dois pressupostos. Um pressuposto básico e fundamental é a

articulação entre método e conteúdo. O segundo pressuposto é que os atuais

métodos de ensino têm de se articular as novas metodologias para que a escola possa

se identificar com as novas gerações, pertencentes a “cultura das mídias.

(BITTENCOURT, 2004, p.106-7).

Quando se fala de articulação com as novas tecnologias e as novas gerações, é

necessário entendermos que isso acarreta responsabilidade a todos os envolvidos no meio

escolar e a sociedade também. Isso ainda implica afirmar que gestores, professores e

professoras precisam compreender que essas mudanças exigem readaptações pedagógicas

efetivas, para impedir que a escola ande na contramão em relação a sociedade e suas rápidas

transformações. Não podemos também perder de vista que existe uma diferença entre o que é

proposto nos currículos oficiais de educação e o que efetivamente é realizado/produzido na

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vida escolar. Implica dizer, portanto, que existe um currículo formal e outro real, ou seja, uma

diferença substancial e significativa entre o que é pensado/proposto e o que é efetivamente

realizado.

Apesar da necessidade de adaptar-se às novas tecnologias não é raro encontrarmos

exemplos de exclusão digital, ou seja, professores(as) e alunos que desconhecem noções

básicas de informática, escolas que ainda sonham com a inserção no mundo tecnológico (ou

seja, serem contemplados com um laboratório de informática e capacitação para seus

profissionais utilizarem-no). Parece simplista demais falarmos em inserção com o mundo

tecnológico uma vez que ainda há escolas pelo Brasil que funcionam a luz de querosene ou

outra fonte qualquer de energia. Por isso, quando falamos em reformulação curricular, não

nos esqueçamos de que os processos e as realidades não são homogêneos.

Mesmo com tantas renovações propostas e inseridas (mas não necessariamente

efetivadas), ainda predomina, em muitos casos, um ensino de história pautado na idéia de

criação de um sentimento nacional, patriótico, de uma identidade nacional comum; um ensino

que insiste em privilegiar determinados fatos e personagens em detrimento dos feitos dos

demais grupos sociais e de seu papel na história; um ensino que mantém a memorização de

datas e fatos, sendo o professor ou professora um detentor do saber. Conseqüentemente, tudo

isso é pouco atraente para os estudantes, uma vez que não estimula a compreensão e

problematização de importantes questões relacionadas com a nova realidade brasileira e

mundial.

Dentro desse quadro, é possível afirmarmos que se há ainda uma insatisfação com a

vida escolar, ou com a forma como o ensino (o de história) tem sido praticado, por outro lado,

há um desejo de mudança (ROCHA, 2008). Para os profissionais de ensino de história o

caminho a ser percorrido para que os objetivos propostos para esta área sejam alcançados

satisfatoriamente ainda é longo. Mas já é possível notar a adoção de ações que visam produzir

alterações nesse quadro e uma consciência significativa da importância que este campo de

conhecimento tem na vida dos indivíduos e busca-se dentro das escolas, em muitos

momentos, atingirem aquilo que é pretendido para o ensino de história. Dentre estes objetivos

podemos corroborar com os citados por Andréia Rocha e Elvis Pereira ao proporem que

o ensino de história deve criar condições para que o aluno possa compreender e agir

criticamente no e sobre o mundo no qual se insere, desenvolvendo competências e

habilidades e fazendo-se sujeito da construção de seu conhecimento. (ROCHA;

PEREIRA, 2008, p. 46).

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Mesmo que em muitas experiências seja possível perceber que estas metas pretendidas

estejam sendo atingidas, há ainda outras inúmeras situações onde tem havido pouco progresso

no sentido de se por em prática os pressupostos teóricos para o ensino de história visando à

participação direta dos educandos na (re)construção dos próprios saberes e no

desenvolvimento da criticidade. Podemos claramente afirmar que há uma dissociação entre o

que se propõe (teorias e/ou pressupostos teóricos) e o que efetivamente é

realizado/vivenciado, ou seja, existe uma dissonância entre as teorias e a prática. A Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDB), publicada em 1996, e os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCNs), lançados em 1997, apresentam-se como os principais instrumentos teórico-

pedagógicos que visam orientar a ação docente/educativa no Brasil nas diversas áreas de

conhecimentos, pré-estabelecendo princípios orientadores e objetivos a serem alcançados por

todos os envolvidos no processo de educação em todos os níveis de escolarização (do infantil

ao superior,) para atender aos novos pressupostos educacionais.

Ao tratar do que se pretende para os alunos com ensino de história o PCN de História

dá a seguinte orientação didática:

Propõe-se, assim, que os alunos conheçam e debatam as contradições, os conflitos, as mudanças, as permanências, as diferenças e as semelhanças existentes no interior

das coletividades e entre elas, considerando que estão organizadas a partir de uma

multiplicidade de sujeitos, grupos e classes (com alguns interesses comuns e outros

diferentes), de uma multiplicidade de acontecimentos (econômicos, sociais,

políticos, culturais, científicos, filosóficos) e de uma multiplicidade de legados

históricos (contínuos e descontínuos no tempo). (BRASIL, 1997, p. 76)

Percebemos que o proposto no PCN de História, no trecho citado, harmoniza-se com

os objetivos dos professores, em muitos casos, em relação à postura dos alunos nas aulas. Tal

atitude destes frente às questões levantadas em sala de aula propiciaria uma aprendizagem

mais significativa, além de promover maior participação e consequente debate dos temas

propostos. Porém, muitas vezes encontramos um número muito grande de alunos que ainda

entendem a história como uma narrativa de fatos do passado, sem conexão com o seu

presente. Isso, em parte, revela resquício de uma mentalidade reprodutivista e nada inovadora

que permeou o ensino de história por décadas em nosso país, mas que já tem sido deixada

para trás por aqueles que vêem a disciplina por outro prisma e que a trabalham pautados nas

inovações metodológicas propostas nas últimas décadas para o ensino de história.

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Por outro lado, tais alunos também são fruto de uma formação inicial que não reflete

as mudanças já ocorridas na educação e em suas propostas curriculares. Formação essa que é

dada nas séries iniciais e mesmo no ensino fundamental e/ou ensino médio. Isso nos conduz a

duas constatações relevantes (e preocupantes) que estão relacionados com a formação dos

professores que atuam nesses níveis de ensino e/ou com a atitude dos mesmos frente à

educação. Primeiro, muitos destes carecem tanto de uma formação específica na área como de

uma visão renovada/ampla acerca das novas propostas curriculares e da nova realidade

escolar, que agora demanda do ensino e dos profissionais muito mais do que o fazia em

décadas anteriores, dadas as transformações vivenciadas em nossa sociedade neoliberal. É

importante ressaltar que a ausência de uma formação acadêmica específica não invalida ou

desqualifica o trabalho que muitos professores desempenham em sala com ensino de história.

Segundo, e mais preocupante ainda, constatamos que mesmo aqueles graduados em história

ou graduandos demonstram uma desilusão/desinteresse pela prática docente, apesar de já

conhecerem as novas propostas curriculares e terem consciência das mudanças necessárias

ocorridas na sociedade e na educação. Neste último caso, a formação universitária não foi (ou

é) o suficiente para que estes repensassem suas práticas docentes ou para, ao menos,

comprometerem-se com uma educação transformadora. Por isso, continuam a reproduzir

modelos e métodos ineficazes. Em consonância com o que fora constatado acima, Selva

Guimarães afirma o seguinte:

Entretanto, no que concerne à difusão, o peso da tradicional historiografia e a

concepção de história de pais, alunos e muitos professores – identificada muitas

vezes, apenas com grandes feitos dos heróis – dificultam a incorporação de novas

compôs temáticos, de novos problemas e fontes, como postulam as novas

concepções historiográficas. Uma única história pode se impor. (GUIMARÃES,

2003, p. 46)

Esses elementos apontados acima acabam por criar mais obstáculos a que alcancemos

os objetivos propostos na LDB e nos PCNs e nas atuais propostas curriculares. Se voltarmos

a nossa atenção para o trecho transcrito do PCN de História, encontraremos nele um elemento

essencial para a discussão proposta nesse trabalho, a saber, o debate. Por isso, interessa-nos

aqui discutir quais os caminhos possíveis para que os alunos atuem como sujeitos ativos na

construção de seu próprio saber e, nesse sentido, contribuam para que isso aconteça por

debaterem com os professores e professoras a partir de diversos e relevantes temas da

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historiografia e da atualidade. Além disso, poderia com isso ser superada a visão de uma

história factual (decoreba) e desestimulante que insiste em predominar nas escolas brasileiras.

Há, portanto, diferentemente do que propõem os estudiosos em educação e os

instrumentos teóricos pedagógicos supracitados, um distanciamento entre a realidade

pretendida e a que é vivenciada. Em um cenário onde remanesce entre os alunos um conceito

de história como mero e enfadonho estudo do passado, de datas, de homens e seus feitos

heróicos; em um cenário também caracterizado por resquícios (para não falar em

predominância) de uma prática docente prejudicada por falta de recursos dos mais diversos,

por falta de compromisso também daqueles que atuam desencantados/insatisfeitos com a

profissão, sejam graduados na área ou não, é previsível que predomine alguns “modelos” de

educação pautados na figura do professor, na idéia de que o educando é um ser passivo e

incapaz de carregar consigo conhecimentos. O ensino que é permeado por essas visões

inviabiliza o debate proposto no trecho do PCN de História já citado e comentado. Em

detrimento desse debate teremos outro conceito que discutiremos a seguir, a saber,

monologismo.

Docência, Monologismo e Polifonia no Ensino de História

Stella Rodrigues e Gledison Rocha (2006) discutem com autoridade essa questão do

monologismo. Fazem isso quando apontam que ao invés do tão pretendido debate entre

professores, professoras e alunos, que propicia a construção coletiva e consciente do

conhecimento e o desenvolvimento de competências e habilidades nos educandos, vê-se ainda

prevalecer a figura do educador “detentor do saber”, predomina a ausência de diálogo em sala

de aula; entra em cena um professor que detém e monopoliza a fala, o discurso, sem que haja

diálogo ou participação dos alunos. Portanto, esses autores demonstram na obra A

Linguagem & as práticas no ensino de história (2006) os obstáculos para se alcançar os

objetivos pleiteados pela LDB e os PCNs nos demais postulados pedagógicos, ou seja, há uma

distância entre intencionalidade e realidade. Para tanto retomam a questão do monologismo e

da explicação como um dos obstáculos para aguçar a criticidade, a conversação, a

dialogicidade.

Sem interação, sem um diálogo bilateral (professores e alunos) o ensino de história vai

continuar sendo visto como algo “chato”, cansativo e sem sentido pelos alunos, nos diferentes

níveis de ensino, como constatamos atualmente. Não pretendemos nesse trabalho dar “receitas

prontas” de como ministrar aulas de história, mas gerar reflexões e indagações acerca de

nossa prática docente, frente às constantes mudanças pelas quais vem passando a sociedade

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nos últimos anos e, consequente e necessariamente, a educação. Pretendemos apontar

caminhos que possibilitem, dentre outras coisas, identificarem as possíveis causas dessa

ausência de diálogo e como podemos diminuí-la e/ou erradicá-la, apresentando mais que

teorias, mas também experiências bem sucedidas.

Nesse sentido, foi realizado um trabalho de entrevistas com alunos do ensino

fundamental II (6º ao 9º ano), ensino médio e professores e professoras de duas escolas

públicas, sendo, respectivamente, uma da rede municipal e outra da estadual, no Município de

Biritinga (Bahia). As unidades de educação escolhidas foram o Colégio Municipal de

Biritinga (CMB) e Centro Educacional Dom Bosco (CEDB). Antes de se proceder ao relato

dos resultados desse trabalho de pesquisa/entrevistas, cabem algumas considerações acerca da

realidade escolar no município citado e nas referidas instituições, uma vez que tal realidade

reflete de algum modo a situação enfrentada por milhares de escolas não só em nossa região

como também em todo país.

O município de Biritinga localiza-se na região nordeste do Estado da Bahia a 192 KM

de Salvador. Tem, segundo dados do Istituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE),

uma população estimada em cerca de 14.260 habitantes5, enquadrando-se como município de

pequeno porte que apresenta diversas carências estruturais, principalmente na questão social.

Como outras cidades nordestinas, Biritinga enfrenta deficiências também na área educacional.

O ranking da qualidade do ensino público do país comprova que a Região Nordeste é a que

necessita de mais investimentos na área de educação. De cada dez municípios incluídos entre

os que têm os piores indicadores nas primeiras séries do ensino fundamental, oito estão no

Nordeste6. Em 2008 foi divulgado o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)

das cidades brasileiras e o município de Biritinga amargou o quinto pior lugar entre os

municípios brasileiros com um Ideb de 1,177. Segundo o Ministério da Educação

(MEC), para ter sistemas educacionais com qualidade equivalente à dos países desenvolvidos,

o Ideb deve ser de pelo menos 6,0. Atualmente, a média brasileira é de 3,8. É importante

lembrar que o Ideb é obtido a partir do resultado da Prova Brasil, realizada no 5º e no 9º ano

do ensino fundamental. Apesar de o Ideb divulgado para Biritinga revelar uma situação

5 Divisão Territorial do Brasil e Limites Territoriais. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) (01 de julho de 2008). Página visitada em 11 de outubro de 2008. 6 O levantamento foi feito com base no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), com

resultados referentes a 2005, divulgados pelo Ministério da Educação (MEC). 7 Ranking baseado em dados do Inep/MEC.

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preocupante, ele não significa automaticamente que todo o trabalho com educação realizado

nesse município não seja sério e não surta bons resultados.

Voltemos então, aos resultados do trabalho de entrevistas com os alunos do CMB e do

CEDB. Ambas as escolas estão inseridas nessa realidade que permeia os municípios

nordestinos e foram os alunos do 9º ano destas instituições que participaram da Prova Brasil.

Estes são oriundos, em sua maioria, das zonas rurais do município e convivem com os já

aludidos problemas sociais. O Centro Educacional Dom Bosco (CEDB), em 2009, contava

com o número de 536 alunos matriculados no ensino fundamental II, médio (também com

Ensino de Jovens e Adultos-EJA) e um quadro de vinte e dois (22) professores, sendo que

destes, somente seis são funcionários efetivos do Estado, estando os demais em Regime

Especial de Direito Administrativo (REDA) ou como prestadores de serviço, carecendo ainda

coordenação pedagógica.

Dentre os seis docentes efetivos, foram entrevistadas duas professoras que trabalham

com história. Ambas não são licenciadas na área, mas em pedagogia. Trabalham com a

disciplina, segundo relatado por uma delas, por uma questão burocrático-pedagógica, ou seja,

completar carga horária. Afirmaram não haver em suas aulas a dialogicidade necessária e

esperada, alegando desinteresse dos alunos que estão sempre apáticos ao que é proposto nas

aulas. Dentre ambas, foi possível perceber que só uma delas preocupa-se com a ausência de

debate, uma vez que a mesma relatou seus esforços no sentido de diversificar/propor

atividades que contribuam, a priori, para um maior envolvimento do educando nas aulas,

apesar de manter um ponto de vista que aponta os alunos como os principais culpados. A

outra tratou a questão como estando unicamente ligada a apatia dos alunos, eximindo-se de

qualquer responsabilidade frente à situação não dialógica. Já os alunos entrevistados, no

geral, atribuíram às aulas de história o rótulo de chatas e cansativas e que estas falam de um

tempo muito longe, pelo qual eles não se interessam. Dentro desse pequeno e breve quadro

relatado evidencia-se, não como regra, que a monofonia é uma constante nessa realidade

estudada e que sem reconhecimento da responsabilidade recíproca e sem a ação para corrigir

o problema da falta de diálogo estes alunos, professoras e professores os mesmo continuarão

reproduzindo/perpetuando os estereótipos já existentes sobre a disciplina de história.

As demais entrevistas foram realizadas no Colégio Municipal de Biritinga (CMB).

Este conta com um quadro de docentes efetivos, em sua maioria absoluta, de cerca de sessenta

professores (60) em efetivo exercício da função, sendo os mesmos graduados e pós-graduados

nas mais diversas áreas, que contavam com uma equipe pedagógica que se compunha, até o

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final de 2009, de cinco coordenadores que se revezavam nos três turnos de funcionamento da

instituição. O CMB tinha matriculado cerca de um mil e trezentos (1.300) alunos entre o 6º e

9º anos do ensino fundamental e também do ensino médio. Dos dois educadores entrevistados

nessa unidade de ensino, uma faz graduação/licenciatura em história, sendo o outro graduado

em pedagogia. Ambos revelaram tanto inquietação frente à ausência de diálogo, como

descreveram o que fazem no sentido de superar a mesma em suas aulas. No geral, os alunos

apontaram os mesmos motivos já citados pelos discentes do CEDB para não debaterem nas

aulas de história e outros professores também deram respostas similares as que foram dadas

por seus colegas do CEDB, ocorrendo algumas boas exceções que aparecerão citadas mais

adiante.

Esse trabalho de campo revelou-nos, dentro dos limites possíveis, como a polifonia

não é presente em sala e qual a posição/visão dos participantes dessas entrevistas sobre esse

assunto. Vale ressaltar que o resultado dessa pesquisa não reflete a totalidade, ou seja, não

reflete o que pensam todos os professores, professoras e alunos em nosso país e muito menos

tem a intenção de indicar “culpados” para a ausência de um discurso polifônico no ensino de

história, mas serve como princípio indicativo da realidade em muitas escolas, uma vez que os

entrevistados trabalham em outras instituições e alguns dos alunos ouvidos já estudaram em

outras escolas da micro região.

Nessas entrevistas foi possível perceber como docentes e alunos jogam a

responsabilidade um no outro, evitando em alguns casos, assumir que todos são responsáveis

diretos pelo processo de aprendizagem e que este é uma construção que requer a

participação/envolvimento de todos, além da sociedade como um todo. Veja, por exemplo, o

que dizem, em essência, duas alunas do 8º ano do ensino fundamental sobre as aulas de

história que elas assistiam antes de mudar-se para o CMB e sobre o papel do professor em

sala de aula ao trabalhar com história:

(...) os outros professores dos outros colégios não sabiam explicar... os outros só

pegavam o livro, passavam o dever – façam. (...) os professores chegavam escreviam

e pronto, não explicavam nada não. (...) têm professores que passam o assunto falando de coisas passadas – D. Pedro blá, blá, blá, não sei o quê, não sei o quê.

Patrícia8.

(...) A função do professor é essa, ensinar a gente, participar com a gente (...) levar

isso para a sala de aula, não só como um lugar para ensinar, mas como também para

participar da vida do aluno, ajudá-lo (...). História é... fala sobre os antepassados...

8 Os nomes civis foram mudados, estes são fictícios.

Page 15: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

14

mas não é só o passado, a história é o presente e o futuro. (...) meus professores

nunca explicou pra gente... eles chegavam à sala de aula, passavam a atividade e

tomavam a aula toda conversando... minhas professoras parecem que não tinham

tomado curso da história... minha professora mesmo nas provas só passava prova de

assinalar, as provas todas de assinalar (...). Faltava participação do professor, dos

alunos, debate, estas coisas (...). Fernanda.

Excetuando-se as hipérboles (“os outros professores dos outros colégios não sabiam

explicar”, “meus professores nunca explicou pra gente”.), estas falas refletem como ainda

predomina nas escolas, senão um descaso com o ensino de história e a falta de formação

específica, ao menos uma visão de ensino pautada no livro didático ou na figura do professor,

no saber deste. É evidente nestes depoimentos, que a polifonia não faz parte da proposta de

trabalho, o modelo é monofônico; e este modelo não comunga com o que propõe a LDB, os

PCNs e os teóricos da educação. O aluno funciona como “recipiente de informações”. É o

conceito de educação chamado por Paulo Freire (1987) de “educação bancária”. Esse conceito

de educação não liberta, nem confere autonomia aos educandos, não os permite atuarem como

sujeitos de sua construção intelectual. Nesse sentido Freire afirmou:

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a

libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres ‟vazios‟ a

quem o mundo „encha‟ de conteúdos; não pode basear-se numa consciência

espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como „corpos conscientes‟ e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode

ser a do depósito do conteúdo, mas a da problematização dos homens em suas

relações com o mundo. (FREIRE, 1987, p. 67)

É importante ressaltar que encontramos uma série de situações adversas ou fatores que

dificultam e até, em alguns momentos, inviabilizam o desenvolvimento de um trabalho mais

produtivo. Porém, a realidade constatada nesse trabalho de entrevista é um importante

indicativo de que ainda há muito a ser feito para que tenhamos uma simetria entre as teorias e

a prática, ou ainda melhor, que as teorias tornem-se práticas efetivas e eficazes. Outros

estudiosos já constataram, a partir de suas experiências e de seus estudos, que a postura de

muitos professores ratifica o que as alunas entrevistadas apontaram em suas falas. Vejamos

um exemplo citado pela doutora em educação e professora de Prática de Ensino de História na

Faculdade de Educação Unicamp, Ernesta Zamboni.

Há um número bastante significativo de professores que passam maior parte do

tempo das aulas escrevendo no quadro-verde a matéria (conteúdo, nem sempre

acompanhado dos objetivos) a ser estudada e poucos são aqueles que estimulam a

discussão de temas em sala de aula. Os professores afirmam que os cursos que

Page 16: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

15

fizeram não os prepararam para desenvolver propostas curriculares promulgadas

pelas Secretarias de Educação dos Estados. (ZAMBONI, 2001, p. 09)

É importante que o professor esteja atento para não limitar sua atuação em sala a esta

ou aquela atividade, a este ou aquele método de ensino. Posicionar-se como detentor do saber,

como se o seu saber fosse absoluto é uma atitude que não estimula a participação dos alunos.

Nesse sentido, merecem atenção as palavras do mestre Paulo Freire: “Por isso, não podemos

nos colocar na posição do ser superior que ensina um grupo de ignorantes, mas sim numa

posição humilde daquele que comunica um saber relativo a outros que possuem outro saber

relativo”. (FREIRE, 1979, p. 290)

Sem o diálogo em sala os alunos continuarão vendo a história como algo sem

sentido/significado para eles, como algo “chato”, o estudo do passado; sem o diálogo o

discurso monofônico prevalecerá e a polifonia continuará ausente. É importante trazer à

discussão um ponto muito relevante, isto é, polifonia pressupõe diálogo, debate,

questionamento. Para que isso aconteça professoras e professores precisam estar preparados

para serem questionados, para eles próprios proporem os questionamentos. Infelizmente ainda

são muitos os que optam, consciente ou inconscientemente, pelo silêncio em sala, uma vez

que isso, a priori, facilita sua ação de transmissores de informações. A polifonia é o novo. O

novo traz consigo desafios, implica mudanças, adaptações. Para muitos daqueles

despreparados para promoverem o diálogo e o debate em sala, a explicação, geradora de

silêncio, basta. Ao afirmarmos isso, não estamos fazendo juízo de valor. O dia-a-dia nas

escolas, as conversas com professores e professoras, as reuniões pedagógicas e este trabalho

de entrevistas com os docentes revelam que as afirmações anteriores têm fundamentos.

Rodrigues e Rocha (2006) apontam que “a ordem explicadora” nega o princípio da

igualdade das inteligências e conduz ao embrutecimento. Por isso, defendem que o espaço

escolar é um espaço onde as múltiplas inteligências devem dialogar entre si, um espaço de

enunciação e não um espaço de propriedade do professor. Ainda segundo os autores

supracitados, há os efeitos da negação da propriedade comunicativa da linguagem, a saber,

baixa intensidade de revezamento de enunciados, ou seja, ausência de diálogo. Não há assim

sujeitos falantes, mas sim sujeito falante (o professor). A alternância dos sujeitos no espaço

escolar transforma a sala de aula em espaço polifônico. A homofonia é o oposto da polifonia,

da alternância das falantes e aquela favorece a hierarquização, a explicação, rompendo com a

Page 17: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

16

cadeia de enunciados, com o dialogismo, a instância comunicativa. A explicação é limitadora

ela evidencia uma suposta incapacidade de se aprender só.

Para aqueles educadores e educadoras que primam/desejam o debate é angustiante,

estarem em uma sala com uma média de 30 alunos e sentirem a ausência do diálogo. Em

muitos casos, destacam-se três ou cinco dentre os alunos ou alunas, no máximo, que fazem

das aulas de história um espaço para expor opiniões, tirar dúvidas e compartilhar saberes

adquiridos em outros(as) espaços/fontes e/ou fazer indagações. Os demais se mantêm calados,

ouvindo ou muitas vezes em conversas paralelas. Há alegações das mais variadas possíveis

por parte destes estudantes para essa passividade diante do que está sendo trabalhado. Dentre

estas se destacam as que apontam que „os conteúdos de história são difíceis de entender‟, que

eles „não nasceram naquele tempo‟ e por isso não sabem o que aconteceu; acham que estudar

aquilo não é importante para eles; estão cansados porque já estudaram outras disciplinas.

Diante de tais situações, como os professores e professoras podem agir para romperem

com estas concepções equivocadas sobre a história? Como desenvolver/despertar nestes

alunos o interesse pelo que é estudado? Como o material didático usado pode ser importante

para promover a polifonia em sala? E, principalmente como alguns educadores têm

conseguido resultados animadores e significativos com o ensino de história propiciando a

dialogicidade?

Polifonia: Caminhos e experiências

Diante do que já foi apresentado até aqui, fica evidente a importância que o diálogo

exerce em sala de aula, uma vez que este pode tanto tornar as aulas mais atrativas e/ou

significativas como pode desenvolver o senso crítico e as necessárias competências e

habilidades para a compreensão da sociedade com os seus problemas e a superação dos

mesmos. Paulo Freire reconhecendo a importância da dialogicidade entre os sujeitos da

educação, assim discorre sobre a mesma: ”Se é dizendo a palavra que, „pronunciando‟ o

mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens

ganham significação enquanto homens. Por isso, o dialogo é uma existência existencial”.

(Idem, 2006, p. 79).

A dialogicidade rompe com a verticalização do conhecimento e equipara as

inteligências, dá a discentes docentes a oportunidade de compartilharem saberes e

experiências em sala de aula contribuindo de modo significativo para a polifonia. A “ordem

Page 18: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

17

explicadora” verticaliza o conhecimento na figura do professor(a), o que não favorece a

dinamicidade, a socialização e interação. Segundo Rocha e Rodrigues

o professor é um tradutor, um enunciador, e, como tal não porta uma verdade.

Superar a ordem explicadora supõe o reconhecimento do enunciado9 como a

possibilidade de remover as tensões de interpretes diversos frente aos enunciados

que precipitam as vontades e as inteligências que habitam esse espaço de enunciação

– a sala de aula. Assim, supõe-se a necessidade de conversão da explicação em

enunciado. (ROCHA; RODRIGUES, 2006, p. 84)

A sala de aula é o espaço para o debate, para o enunciado, para a discussão de diversos

temas dentro da história e outros que sejam oportunos e necessários serem discutidos. É a este

e a outros aspectos que o professor de história precisa estar atento. Necessita compreender a

importância de adaptar-se às mudanças ocorridas em nossa sociedade, ele precisa aproximar

sua prática da realidade dos alunos, permitindo que estes infiram sua visão e compreensão em

durante as aulas. Romper com a visão ultrapassada do professor(a) como detentor(a) do saber

é outro aspecto a ser considerado dentro desse contexto onde se busca maior

participação/envolvimento e a ruptura da “monofonia” nas aulas.

Retomemos o trabalho supracitado de entrevistas, buscando identificar nas falas dos

entrevistados os possíveis caminhos para se romper com o “silêncio” nas aulas de história e as

experiências positivadas nesse sentido. Vejamos o que uma aluna do 8º ano do Fundamental,

do Colégio Municipal de Biritinga (CMB), fala sobre o que é necessário acontecer em sala

para que alunos e professor(a) debatam o assunto de modo prazeroso:

O professor explicar bastante... Não escrever tanto, escrever o básico, ensinar

brincando, mas não brincar sempre (...). Ele perguntar também as coisas, apontar o

aluno também porque os alunos às vezes ficam com vergonha de responder. (...)

Aqui (no CMB) também a gente apresenta bastante trabalho, lá (no Colégio Estadual

30 de Julho10) agente não apresentava. Aqui tem muito mais participação da gente

do que lá (...). Mariane.

Mesmo em se tratando de um depoimento onde a aluna sabia para qual fim estava

sendo entrevistada, é possível extrair dessa fala alguns aspectos importantes dentro da

discussão que está sendo proposta neste trabalho. Uma metodologia diversificada com

perguntas, incentivo, atividades desenvolvidas pelos próprios alunos (as apresentações ou

9 Resultado da produção discursiva, levando-se em conta o contexto em que ocorreu. Novo Aurélio,

2009.

10 Escola da qual a aluna foi transferida para o CMB.

Page 19: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

18

seminários citados pela aluna) são elementos importantes para propiciar e/ou incentivar a

participação/envolvimento nas aulas. É importante corroborar o que já fora dito em outro

momento, não objetivamos com este trabalho apresentar receitas de como dar aulas de

história, mas conhecer e discutir elementos relevantes para que consigamos criar um ambiente

polifônico em nossas aulas. Nesse ínterim, é cabível saber/conhecer como outros/outras

docentes vêem essa questão da polifonia e se ela acontece em suas aulas e através de quais

meios. Segue a essência das entrevistas feitas com uma professora e um professor de história

do CMB, sendo possível também extrair desses relatos algumas considerações ou conclusões

acerca do tema aqui proposto. A professora Amanda, graduanda em história, depois de ser

questionada sobre a possibilidade de criar um ambiente onde todos os alunos participem

(ambiente polifônico) e como conseguir isso, respondeu:

Que é possível é, eu não consegui ainda. Porque já usei de várias estratégias,

diversifiquei minha metodologia, e não consigo, porque assim, eles (os alunos)

acham o seguinte “eu não vivi nessa época, eu não era nascido, eu não tenho nada a

ver com isso”, então eu digo assim, “ta, então você não sabe quem é seus pais ,

quem é sua mãe, isso também não tem muita importância porque você também não

tinha nascido quando eles nasceram”? Aí eles começam a discussão, aí acontece a

polifonia porque eles querem justificar que o pai dele e a mãe, a história da família

dele é importante, mas a história a nível geral não tem importância nenhuma e que

eles não se sentem na obrigação de aprender porque eles não estavam aqui, que eles

tem que se preocupar com o hoje (...). E a idéia que se passou, ao longo de toda historia, é o seguinte, que a historia não tem importância porque no primário eram só

datas comemorativas (...). Então, isso prejudicou o ensino de história, e prejudicou

os educadores que trabalham com história (...). Eu procuro direcionar algumas

atividades para a prática. A gente também tem uma parcela de culpa porque a gente

foi educado de um jeito, a gente tenta mudar, mas fica muito preso a nossa... a

prática que foi utilizada com a gente. A nossa prática foi influenciada... ainda tem

seus ranços. Aí você vai para a faculdade, cheio de vontades pensando que você vai

encontrar alguma formula mágica e que também você não encontra, o que faz você

aumentar sua angústia. A forma como eles (os alunos) foram alfabetizados

contribuiu para esse comodismo.

A fala da professora entrevistada contempla algumas questões já discutidas até aqui,

como por exemplo, a formação inicial dos alunos em outros níveis de ensino; a formação dos

próprios professores como um elemento que condiciona a prática pedagógica ou facetas desta;

a distância entre as teorias e a prática, entre o que é debatido na faculdade e a realidade

encontrada nas escolas. Por outro lado, ela traz a tona uma questão importante que é a questão

da problematização. Quando ela problematiza, quando traz para a realidade dos alunos a

discussão, a polifonia acontece, segundo ela. Trazer os conteúdos para a prática já funcionou

em algumas situações com as turmas que a professora Amanda trabalha.

Page 20: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

19

Em uma dada ocasião, essa professora propôs aos alunos que fosse realizado um

banquete na sala (7º ano do Ensino Fundamental) para discutirem algumas coisas importantes

e tomarem decisões para aquele período letivo, escolher líderes na sala, delegar outras

responsabilidades. Os alunos se encarregaram de levar os alimentos que seriam consumidos

por eles mesmos. Nessa oportunidade a professora debateu importantes questões referentes à

vida escolar deles e a convivência em sala de aula, firmou acordos e delegou

responsabilidades. Este banquete em grupo foi uma estratégia usada para trabalhar as relações

entre os senhores/nobres na Idade Média, demonstrar, na prática, como muitas decisões eram

tomadas, prevalecendo os laços de fidelidade. O que é digno de nota nesse fato, feitas as

devidas observações, é que tal atividade promoveu total envolvimento dos alunos tanto na

atividade em si, como com o assunto a ser discutido.

É bom observarmos que nós educadores estamos tomando consciência de que é

preciso e possível fazer mais em sala para que alcancemos resultados mais plausíveis em

nossas aulas. É importante não só reconhecer os desafios e suas possíveis causas, como

também buscar superá-los, com atitudes positivas e ações efetivas, fazer da sala um espaço de

experiências, de trocas, uma oficina de prática pedagógica e de aprendizado múltiplo, tendo

os alunos como parceiros indispensáveis na busca pelo conhecimento debate também pelo

debate.

Vejamos como outro profissional, professor de história e com formação em pedagogia,

posicionou-se sobre a questão levantada na entrevista em ralação à possibilidade de se criar

um espaço de múltiplas falas em sala com ensino de história:

Uma coisa que eu venho percebendo é que aula de historia se você falar, falar, falar,

o aluno acaba caindo no marasmo, então uma das coisas que tem de ser trabalhado

assim é a questão do recurso. O professor de história tem que buscar recurso visual ou áudio visual, mas tem que tentar trazer coisas para que o aluno possa (é...),

interagir mais, (é...), ter mais vontade de participar das aulas, e conseqüentemente

melhorar sua participação e seu aprendizado. Acho que a busca de novos recursos,

musica, (é...), filmes, vídeos, tudo que possa ser usado como ferramenta de trabalho

que possa motivar o aluno ao aprendizado. (...) Tem um ponto também que é preciso

tomar cuidado, pelo menos eu procuro tomar cuidado. Porque não dá pra em todas

as aulas você tá dando aula com data show, botar televisão, senão até isso eles vão

acabar enjoando. Acho que tem que ter o incentivo. Tem que ter o estímulo? Tem,

mas o aluno tem que saber que a aula é esse retorno, tem que haver o feedback. (...)

Uma das experiências que mais dão certo é você trabalhar com recursos visuais, não

só a TV a internet, mas principalmente trabalhar a elaboração de cartazes, até porque o aluno possa ali na construção, ele já tá fazendo essa relação do teórico com o

prático. Acho que o recurso áudio visual, o recurso visual mesmo, produzido pelo

aluno ou até intermediado pelo professor, é isso que ajuda com que o aluno nas aulas

de historia, não só nas aulas de historia, como em outras disciplinas, ele possa ter um

aproveitamento bem melhor.

Page 21: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

20

Acho assim, quando a gente trabalha com história, o próprio historiador pra contar a

história ele se vale de vários objetos, de várias ferramentas para poder contar aquele

fato, desde uma carta, uma fotografia, uma panela ou uma faca, tudo que possa

remontar àquele fato que ocorreu. Eu acho que dentro da sala de aula o professor

pode se valer disso também, como muitas vezes utilizei fotografias de locais de

viagens (leia-se: locais visitados), imagens, objetos, para que o aluno ele possa pegar

(leia-se: compreender), ele possa sentir, ele possa ver e com aquilo ele visualizar o

que ta sendo levado diante do assunto. Eu acho que vai mais além dos recursos

tecnológicos, vai dos mais práticos, como uma carta, (é...), um documento, tudo

isso, a própria elaboração desses materiais pelos alunos são (é...) possibilidades para

que eles possam interagir no que ta sendo trabalhado. Paulo11.

Essa última fala requer algumas considerações mais aprofundadas. O entrevistado traz

para a nossa discussão questões muito importantes e que comungam com o que estamos

buscando refletir. Em seu posicionamento o professor Paulo ratifica o que Rocha e Rodrigues

(Idem, 2006) trouxeram para o debate, que é o perigo da prevalência da “ordem explicadora”,

enquanto elemento limitador das inteligências. Tal “ordem explicadora” monopoliza o

discurso, põe o professor no centro do processo e os alunos a margem deste. Fica evidenciado

que o critério adotado nas aulas desse professor é a diversificação, tanto nos matérias/recursos

usados, como na metodologia para utilizá-los. Ainda nesse sentido, Selva Guimarães afirma:

“O professor, ao diversificar as fontes e dinamizar a prática de ensino, democratiza o acesso

ao saber, possibilita o confronto e o debate de diferentes visões, estimula a incorporação e o

estudo da complexidade da cultura e da experiência histórica”. (GUIMARÃES, 2003, p. 37).

Nesse sentido, cabe fazermos uma importante observação frente ao que foi dito pelo

entrevistado sobre o uso variado de recursos, como os áudios visuais (data show, internet,

filmes, TV.) e outros. Não se podem confundir recursos com metodologia. Pouco adiantaria

usarmos recursos ultramodernos, como lousa eletrônica, se na mesma exibimos uma lista de

nomes de “personagens heróicos importantes” da história e as respectivas datas nas quais seus

feitos aconteceram pedindo/exigindo aos alunos a memorização passiva dessas informações.

Como tão pouco um filme na TV não deve ser usada como aula, uma espécie de substituto do

professor, liberando-o até mesmo para ir a outros locais da escola enquanto os seus alunos

assistem a tal filme. Portanto, recursos audiovisuais e outros precisam ser acompanhados de

uma metodologia adequada, de um roteiro bem elaborado, de objetivos pré-definidos para que

os mesmos não se tornem os elementos essenciais das aulas, despercebendo ou

desconsiderando a importância do debate e da interação entre alunos e entre estes e o

professor(a).

11 Os nomes civis foram mudados, os que aqui aparecem são fictícios.

Page 22: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

21

Conforme relatado, mesmo na ausência de muitos recursos eletrônicos é necessário e

possível ministrar aulas que estimulem a participação, trabalhando com objetos concretos,

sendo que muitos deles são encontrados nos lares dos próprios alunos, como as fotografias,

registros de compra e venda, registros civis de ente queridos mais velhos. A linguagem em

sala deve ser plástica, flexível, tem que estar próxima da realidade dos educandos, para que os

usos desses materiais surtam os efeitos desejados.

Assim, o professor, apesar de não ser o detentor do saber absoluto, tem um papel

importante. A escola é um espaço plural, de encontro de pluralidades, acolhedora de pessoas

das mais variadas classes sociais e formações, por isso, ela deve estar apta a acolher estes

indivíduos, a adaptar-se aos novos tempos e demandas, compreender as multiplicidades, a

(re)direcionar a ação destes agentes históricos e sociais para a consecução de seus objetivos

individuais e, principalmente, os coletivos . Nesse contexto, é o docente que fará a

intermediação, a interlocução, que mediará o debate, que estimulará as inteligências. Vejamos

como o professor(a) e o ensino de historia tem um papel importante nesse processo nas

palavras de Selva Guimarães:

O professor de história, num determinado contexto escolar, com sua maneira própria

de agir, ser, viver e ensinar transforma um conjunto de conhecimentos históricos em

saberes efetivamente ensináveis e faz com que os alunos, não só compreendam, mas

assimilem e incorporem esses ensinamentos de variadas formas. No espaço da sala

de aula, é possível o professor de historia fazer emergir o plural, a memória daqueles

que tradicionalmente não têm direito a historia, unindo os fios do presente e do

passado, num processo ativo de desalienação. Mas também pode, inconsciente ou

deliberadamente, operar o contrário, apenas perpetuando mitos e estereótipos da

memória dominante. (Idem, 2003, p. 35)

Diante disso, precisamos repensar nossa prática constantemente, refletir em como é

possível e por quais meios, promovermos debates que sejam significativos para os nossos

alunos; temos a obrigação de conhecer, dentro das possibilidades, o nosso público, os pontos

fortes, as deficiências e objetivos que os acompanham em sua caminhada escolar para que

possamos ajudá-los a desenvolver suas capacidades e inteligências. Com isso não estamos

fechando os olhos aos muitos problemas que afetam a educação em nosso país e as

circunstâncias individuas/pessoais que interferem na pratica de cada docente, bem como no

estado deplorável no qual se encontram milhares de escolas.

São inúmeros os casos de sucesso de professores que comungam esforços,

persistência, determinação, aliados com criatividade para empolgarem seus alunos com aulas

que se tornam significativas para eles. Torna-se importante que os profissionais da educação

Page 23: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

22

compartilhem entre si as suas experiências bem sucedidas (ou os seus “fracassos”) na busca

de contribuir para o sucesso de toda a equipe e na superação dos desafios que cada escola ou

grupo de profissionais de história enfrenta em suas práticas cotidianas.

A problematização é fundamental nesse processo de romper o discurso isolado e

dominante do professor. Mesmo em uma aula essencialmente expositiva é possível

problematizar, trazer para o debate e a apreciação dos alunos questões que lhe sejam conexas,

familiares, que permeiem sua realidade. É prontamente possível discutir desigualdade social,

avanços tecnológicos, ideologias políticas e religiosas, racismo, pobreza, marginalização de

certos grupos, diversidade cultural, destruição ambiental, má distribuição de riqueza, reforma

agrária, movimentos sociais, dentre muitos outros temas da atualidade a partir de consagrados

temas da história. Cabe ao professor(a) pesquisador(a) desenvolver metodologias que

contemplem as demandas educacionais atuais. Sem promovermos a devida problematização

estaremos reproduzindo informações e depositando-as, temporariamente, na mente dos

alunos, sem que isso tenha para os mesmos usualidade prática, sem que lhes seja significativo.

Assim Zamboni discorre sobre a importância da devida problematização:

O mais importante é que o professor se acostume a problematizar o conteúdo,

porque cria condições para um aluno pensar sobre ele, argumentar e fundamentar as

suas opiniões. A problematização exige que o aluno pesquise, levante hipóteses,

classifique-as e passe a um processo de comprovação ou rejeição com argumentos

da hipótese escolhida. Ao problematizar, o professor sempre está criando condições

para o aluno refletir, pensar sobre um determinado tema e dessa forma contribuir

para que ele fuja da memorização pura e simples do fato. (ZAMBONI, 2001, p.

10)

A seleção de conteúdos é outro elemento que precisa ser levado em consideração por

aqueles que primam pelo diálogo, pelo debate e pela problematização. O livro didático é um

instrumento de trabalho e não é necessário vê-lo ser como a lei máxima de cada disciplina. Os

conteúdos são selecionáveis de acordo com a realidade vivenciada em cada região ou em sala

de aula. Isso não implica, necessariamente, abdicar ou desmerecer importantes temas da

historiografia mundial/brasileira, não, mas exige adaptabilidade prática com vistas a se

conseguir maior envolvimento e reflexão.

Pode-se citar como exemplo A Guerra de Canudos. Esse é um tema indispensável para

o homem/aluno do semi-árido e sertão, dadas à relação de proximidade geográfica da guerra e

de sua relevância na historiografia baiano-brasileira e mundial. Os livros didáticos trazem esse

tema comprimido em dois ou três parágrafos sem a devida contextualização, tratam-no como

Page 24: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

23

mais uma das revoltas sociais do Brasil República sem dar-lhe a devida atenção. É em

situações como essa que os professores (em especial em nossa região sertaneja) podem

selecionar esse conteúdo como essencial, dado o fato de ser um tema gerador de debates. Nele

é possível, a título de exemplo, problematizar questões atualíssimas como a religiosidade

sertaneja (personificada no catolicismo nordestino), a questão da seca e mau uso dos recursos

financeiros destinados a assistir as vítimas das estiagens prolongadas; os descasos políticos; a

cultura nordestina, a geoclimatologia como elemento influenciador do aspecto econômico e

cultural da região, dentre tantos outros. Esse é um assunto que pode ser bem trabalhado com

documentários (como por exemplo, Paixão e Guerra no Sertão de Canudos), fotografias,

objetos encontrados hoje em poder de colecionadores; fazer visitas ao Parque Estadual de

Canudos. Enfim, são múltiplas as possibilidades. É importante que prevaleça nesses

momentos a experiência e, principalmente, a autonomia do professor(a) em seu fazer

pedagógico. Circe Maria Bittencourt ao falar sobre os desafios da proposta da história

integrada faz a seguinte observação em relação a essa questão da seleção do conteúdo e do

uso do livro didático:

Dentre as indagações que permeiam o cotidiano dos professores, nesse momento

significativo de mudanças que caracterizam a disciplina de história, as mais

prementes, sem dúvida, são as que se referem à seleção de conteúdos históricos

significativos e a escolha de materiais didáticos e necessários para auxiliar de forma

satisfatória o trabalho do professor em sala de aula, onde diariamente se encontram

diante de jovens de diferentes setores sociais e culturais e com os quais tem de

dialogar, debater, transmitir conhecimentos (BITTENCOURT, 2001 p. 04).

Considerações Finais

A polifonia sobrepuja a “ordem explicadora” onde os profissionais da educação

entendem o saber como o fazem Rocha e Rodrigues (2006 p. 117): ”Saber, é assim, efeito de

interação. Não só o discurso da professora, do professor, mas todos os materiais que se leva

para a sala de aula promovem tensão comunicativa”. O professor e/ou professora precisam,

senão apaixonado ou apaixonante com o ensino de história, ser no mínimo comprometidos

com a educação, porque não poderão assim conscientizar aos alunos da importância da

mesma. Como Rocha e Rodrigues “apostamos em uma educação que mesmo reconhecendo os

seus limites, esteja a favor da igualdade das inteligências e interação de vontades, na direção

da esperança de uma sociedade mais justa”. (Ibid. 2006 p 109).

Portanto, a discussão proposta aqui nesse trabalho representa muito mais do que a

inquietação de um professor em torno da questão do debate e dinamicidade dialógica nas

aulas de história, representa também os anseios de muitos outros profissionais que desejam

Page 25: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

24

promover diálogo com os alunos e destes com o mundo, a partir de temas relevantes da

história, selecionados pelo professor(a) para as aulas. As entrevistas realizadas com os

professores, professoras e os alunos evidenciaram, dentro dos limites, que outros profissionais

comungam da mesma angústia frente ao monologismo, que os alunos têm

noção/conhecimento da ausência do debate (claro, acreditamos tratar-se de algumas

exceções), mas, naturalmente, esperam que a iniciativa parta do professor e acomodam-se

uma vez que não estão devidamente conscientizados da importância da problematização na

vida escolar e para a instrumentalização e desenvolvimento de importantes competências e

habilidades que lhe são tão essenciais.

Mesmo que não tenha sido possível, dadas as circunstâncias, fazer um trabalho de

pesquisa mais abrangente, do ponto de vista do número de escolas analisadas e de pessoas

entrevistadas (professores/professoras e alunos/alunas), a reflexão proposta aqui serve de

ponto de partida para uma compreensão da realidade enfrentada nas escolas brasileiras, no

geral, e nas escolas da região sisaleira e das adjacentes, no tocante a como o ensino de história

está acontecendo ou sendo encarado. Além disso, é possível e necessário que façamos uma

(re)leitura da nossa prática pedagógica. A sociedade atual corre a passos largos, impulsionada

pela globalização e suas conseqüências. A escola e/ou os profissionais ligados a ela precisam

compreender estas mudanças no cenário mundial e também local, observando as

especificidades, e promover/incentivar uma leitura consciente e aguçada do mundo atual, seja

com a disciplina de história ou com as demais; debater as questões que dizem respeito a todos

nós.

Portanto, diante do que foi discutido e apresentado nesse trabalho, acreditamos que

tanto é necessário, como é possível promover a polifonia em sala. As experiências brevemente

relatadas e transcritas demonstram isso. Também, podemos inferir que a dialogicidade já é

uma realidade (mesmo que não preponderante) em escolas de nossa região e do país com o

ensino de história, a partir de atitudes positivas e eficientes de profissionais que vêem a

educação com outro olhar, que vêem a si mesmos como peças essenciais, e não centrais, do

processo de aprendizagem; que atuam com a postura de “educador educando” (FREIRE, 1987

p. 84) e contracenam com outros agentes sociais e históricos dotados de capacidades e

competências próprias, a saber, os alunos. É com esta certeza que estamos caminhando e

superando obstáculos na busca de uma educação pública de qualidade, emancipadora das

múltiplas inteligências.

Page 26: Ensino de história e dialogicidade desafios e perspectivas

25

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto,

2004.

____________________. Ensino de História: Fundamentos e Métodos. São Paulo: Cortez,

2004.

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