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Ene Pithon Samuel Nebkheperure PRIMEIRA EDIÇÃO São Paulo 2013

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Ene PithonSamuel Nebkheperure

PRIMEIRA EDIÇÃO

São Paulo

2013

Ene PithonSamuel Nebkheperure

PRIMEIRA EDIÇÃO

São Paulo

2013

Copyright © 2013, Ene Pithon/Samuel Nebkheperure

Roberto Nunes Bittencourtrevisão

Ranieli Santoscapa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Pithon, Ene Guerra pelo novo Éden : as profecias da ciência / Ene Pithon, Samuel Nebkheperure. -- 1. ed. -- São Paulo : PerSe, 2013. ISBN 978-85-8196-431-7 1. Ficção científica brasileira I. Nebkheperure, Samuel. II. Título.

13-10737 CDD-869.9308762

Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção científica : Literatura brasileira 869.9308762

E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim. Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino, e haverá fomes, e pestes e terremotos, em vários lugares.

Mateus 24: 6, 7.

PRIMEIRA PARTE

Two strong shrill whistles answered through the calm.

James Joyce, Ulisses.

capítulo um

A manhã estava fresca e indiferente. O céu, encoberto por nu-vens cor de chumbo, deixando uma solidão e angústia envolverem as pes-soas de Atenas. Kolonaki estava calmo, saboreando o resto da quietude da noite anterior. Não havia triveículos, considerados os melhores meios de transporte do mundo devido sua flexibilidade e fonte de energia. Imagine um meio de transporte cuja superfície externa captura CO² da atmosfera e transforma em energia para seu funcionamento, sendo capaz de trafegar na terra, em autovias, no ar, em aerovias e na água, em hidrovias, nem naves cruzando o espaço aéreo como acontecia rotineiramente.

Aléxis Palaionides encostou-se ao vidro translúcido da janela e contemplou a paisagem. No canto esquerdo, em contornos esverdeados, estava o menu de ferramentas do seu apartamento.

Onde foi parar o meu sol? Mas, que cidadezinha é esta? Talvez dê tempo de ver algumas notícias antes de sair. Se bem que hoje meu âni-mo está abaixo da média. Droga de jornalista estúpido. Tinha de alarmar na Rede que o Ágora estava me recrutando para a conferência da CPU? Agora me tornei a notícia do momento. Extra! Extra! O primeiro jornalis-ta de trinta e dois anos a ocupar cargos tão importantes na mídia impres-sa, virtual e blablablá, pensou enquanto tocava com o indicador no ícone JORNAIS ONLINE. Imediatamente apareceram no painel azul-esver-deado os logotipos dos principais jornais online do planeta. Selecionou a opção ÁGORA. Inúmeras janelas abriram-se. Cada uma trazia as opções daquele dia. No centro, a edição matutina do Ágora Notícias da cidade de São Ivanesburgo, com uma lista de manchetes ao lado da imagem da âncora, a jornalista Branka Galiyeva, com quem tivera passado uma incrí-vel noite em Moscou na última convenção jornalística da qual participara.

Aléxis pensou em ativar seu dispositivo de inteligência artificial

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doméstico. Contudo, desistiu da ideia assim que se lembrou do perfil aborrecível daquele programa responsável pelo controle absoluto de sua residência digitalizada.

Essa era uma das vantagens de quem morava em uma casa ou apartamento convencional do século XXI. Não ter um governante como o Hermes deve ser uma das sete maravilhas do mundo contemporâneo! Mas, como eu vou conseguir ficar sem um robô desse tipo? Não consigo nem me lembrar de verificar a agenda todos os dias...

– Mas que merda! – esbravejou Aléxis correndo para o seu com-putador de bolso sobre a escrivaninha de madeira, instalada ao lado de sua cama. Sempre preferiu deixar suas ferramentas de trabalho à mão. Em dezenas de casos não tinha inspiração alguma para iniciar um artigo, fosse ele sobre a crise política na França ou na Alemanha, os ataques terroristas australianos ou os arrancos e solavancos do Reino Unido do Oriente e os Estados Anglo-Saxões, e deitava-se para dormir. O sono lar-gava-o esperando, e sua mente estabanada e visguenta começava a traba-lhar sofregamente. Levantava-se bruscamente, os dedos sobre o teclado, digitando um artigo tão denso, complexo e extenso que seu editor sempre resolvia transformá-lo em uma matéria especial e publicá-la em mídias di-ferentes da marca Ágora. Talvez por essas características tão particulares Aléxis fosse um jornalista tão talentoso. Talvez tivesse sido seus artigos e matérias os responsáveis pelas nomeações para cargos que nunca fo-ram conferidos a jornalistas de sua faixa etária antes. Recebera inúmeros prêmios jornalísticos nos últimos dois anos que o deixaram surpreso e aturdido. Costumava comentar, num tom brincalhão, entre os colegas de trabalho: “Acho que nos últimos tempos os julgadores dessas premia-ções estão meio perdidos ou completamente cegos no que concerne à análise de obras jornalísticas!” Como alguém tão irresponsável chegara tão longe em tão pouco tempo? Isso é um paradoxo. Seria um alarmante paradoxo afirmar que um premiado e prestigiado jornalista é irresponsá-vel. Entretanto, ele sabia que não era, não. Esquecia a todo o momento de cumprir rigorosamente a agenda de trabalho, deixava de atualizar seu blogue semanal na página virtual do Ágora e religiosamente não enviava suas matérias para a edição do jornal no fim da tarde, como era exigido, e sim na manhã, horas antes da publicação.

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“Se qualquer dia desses a Rede der uma pane e eu não receber seus textos antes da publicação do jornal, Aléxis, eu te guilhotino”, dizia seu editor num tom entre o pilhérico e o admoestador.

Ali estava ele diante do computador de bolso procurando de-sesperado um prefácio enviado pelo famigerado escritor Hugh Skinner, o qual ele teria de ter revisado para a página do romancista e enviado na noite anterior.

Como pude me esquecer desse prefácio? Não acredito nisso! Seu imbecil... Aquela oriental no bilhar estava encantadora. Deixá-la com aqueles insensíveis pra revisar o prefácio de um escritorzinho que se acha digno do Nobel de Literatura não compensaria... Ai, o que está dizendo seu palerma. Ele é um ás na imprensa mundial. Se permitir que ele des-cubra o quanto você é irresponsável e espalhe por ai verá onde irá flertar! Agora quero ver como irá resolver isso, pensava enquanto procurava em seus arquivos o texto que lhe fora enviado por correio eletrônico uma semana antes.

Levou vinte longos minutos para encontrá-lo em uma pasta de textos enviados por amigos e colegas. Saiu para o living, rumo à cozinha. Deixou o aparelho sobre o balcão e retirou do refrigerador seu leite em-balado e supercalórico, fechou a porta e deu-se de cara com o termostato, onde uma sequência de números lhe indicava a hora. Haviam passado treze minutos do horário de início do seu expediente na revista Apolo, onde trabalhava como colunista.

Não havia alternativa agora: tinha de ligar Hermes. Ativou a interface de voz, dizendo:– Senha de acesso Palaionides. Executar governante virtual:

Hermes.– Bom dia, senhor Palaionides! – disse Hermes ao carregar suas

configurações.– Meu dia não começou nada bem, Hermes. Aliás, nada de con-

versa. Envie para o meu servidor pessoal o texto Entre estátuas e homens, está nalgum daquelas pastas de meu computador de bolso com os arqui-vos do pessoal que me envia aquele monte de lixo eletrônico todo dia.

– Não consegui localizar o arquivo solicitado. Suas informações foram impreci...

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– Vê se cala a boca e faz o que mandei se não te deixo um mês de quarentena.

– Como se o senhor conseguisse ficar um dia sequer sem um auxiliar virtual como eu – respondeu o governante em tom displicente.

– O quê? Não acredito nisso. Faça logo o que eu disse. É um pre-fácio daquele escritor russo... o tal de... como é mesmo o nome daquele pateta?... – falava enquanto tentava vestir suas calças numa luta frenética por todo o apartamento.

– O texto está em seu servidor. Deseja que faça mais alguma coisa, senhor Palaionides? – perguntou Hermes.

– Sim, por favor, fique online em meu telecomunicador. Não me deixe quebrar mais nenhum compromisso hoje – respondeu Aléxis arru-mando às pressas sua pasta de trabalho.

Fez-se um breve silêncio enquanto Aléxis pegou seus últimos equipamentos e o cartão que dava acesso a seu triveículo. Dirigiu-se à porta de saída e completou:

– Tranque o apartamento e só dê acesso a alguém caso eu auto-rize.

– Sim, senhor. Falei que não conseguia ficar um dia sequer sem um dispositivo do meu calibre.

– Mais uma palavra e apago sua memória – concluiu Aléxis ao sair e fechar a porta.

A nave com o brasão do Estado de Israel, um escudo ostentando um menorá no centro, em cujos lados içam-se dois ramos de oliveira e na parte superior está grafado o nome Israel em hebraico, desceu lentamente para o hangar das novas instalações do Departamento de Tecnologia e Ciências Aplicadas do campus Givat Ram, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Nela vinham os principais colaboradores da universidade e da Direção de Inteligência Militar, cujo trabalho em ciências como a Física, Química e Biologia contribuíam para o desenvolvimento de armas pode-rosíssimas a fim de assegurar a defesa da nação.

Desde que o novo departamento fora instalado a Força de Defesa de Israel resolveu criar um esquema de transporte especial para os cientis-

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tas que trabalhavam lá. O risco de qualquer atentado de nações inimigas ou sequestro dessas pessoas não permitia uma atitude cômoda por parte das autoridades israelenses. Daquele departamento saiam equipamentos e dispositivos de relevância para o Estado. FDA-01 Nesher, a nave que os transportava, a única capaz de se tornar completamente invisível aos radares, computadores e até satélites de reconhecimento, além de uma das inteligências artificiais mais sofisticadas do mundo, foi desenvolvida lá.

Yossef Agnon desceu da nave e parou diante da entrada do la-boratório.

A única coisa que não me agrada é esse lugar criar tantas ar-mas destrutivas. Como se já não tivéssemos o bastante. Contudo, como convencer meu primeiro-ministro de que não precisamos de armas mais sofisticadas se a todo o momento somos atacados por inimigos que as criam desenfreadamente? Como dizer a ele: “Ataque o leão com um ca-jado, não precisa forjar um machado pra isso?” A única coisa que posso fazer é continuar defendendo uma política mais tolerante e diplomática. Nesse inferno caótico que chamamos de mundo o homem só destrói sem pensar nas consequências... Se soubessem como nosso planeta é susce-tível à obliteração não seriam tão selvagens e irracionais, pensava Agnon enquanto fitava o sistema de identificação instalado na entrada do com-plexo.

Eram três formas de confirmação de identidade: primeiro o re-conhecimento da voz através do sobrenome seguido do nome do cien-tista, em seguida as digitais e por último o escaneamento da pupila. Não havia demonstração maior do medo de infiltração que seu sistema de segurança. Como o complexo estava vinculado ao campus universitário ele estava constantemente sendo vigiado por três sistemas de inteligên-cia artificial que mantinham ligação direta com uma base subterrânea do exército localizada ao norte de Jerusalém. Qualquer falha na segurança e uma divisão de elite entraria em ação instantaneamente.

Além de tudo isso, todo o campus era rigorosamente revestido por um sistema de autodetenção, confirmado o rompimento de qualquer protocolo de segurança todo o lugar era trancado e armas com detectores de movimento acionadas por toda parte. Estudantes, professores, cien-tistas e demais inquilinos desse ambiente tinham de ficar, em situações

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como essas, dentro de um perímetro, estabelecido por holograma gerado pelo programa, e permanecerem inertes ou seriam vítimas do sistema de segurança mais eficaz e sanguinário do planeta.

A polêmica em torno desse dispositivo era agressiva e constante. O próprio Agnon, diretor do departamento, era absolutamente contra a utilização do mecanismo. Vez ou outra conseguiu junto a parlamentares a discussão acerca da matéria e a proposta de desativação do sistema, contudo grupos radicais de direita conseguiram a permissão de aplicação e aperfeiçoamento da arma que revestia o Givat Ram, e, a duplicação para que fosse instalado em outros locais importantes do Estado de Israel, como no próprio parlamento. Travava-se uma verdadeira guerra em tor-no dessa questão.

Como pacifista Agnon tentava não permitir que tais atitudes passassem despercebidas. Seus artigos para jornais de Jerusalém, Haifa e Tel Aviv eram incisivos e categóricos. Bradava com obstinado vigor contra essa política belicista do parlamento e do governo em si. Seu nome era sinônimo de influência intelectual e conscientização pública. Em seus discursos em conferências ou palestras era aplaudido de pé, com grande vigor, por simpatizantes de suas causas. Era um nome interna-cional de maior prestígio na comunidade científica. Nobel de Física e Prêmio Albert Einstein. Embaixador da CPU para diálogo intercientífico. Diretor do Departamento de Astrofísica do Technion e catedrático em Física Quântica pela Universidade de Tel Aviv, onde lecionava a matéria. Considerado um dos maiores gênios da história da humanidade pela co-munidade internacional. Yossef Agnon não era ouvido não por sua voz ser fraca, desprovida de força política, social ou científica, mas, por ser considerado um gênio, e, como gênio, um louco alienado.

Entrando em seu gabinete Agnon examinou-o investigando cada detalhe e comparando a imagem obtida com a armazenada em sua me-mória, registrada na última vez que estivera no recinto, no dia anterior.

O som do interfone, que o comunicava com sua secretária, cor-tou o silêncio cessando também seu meticuloso estudo.

– Senhor Agnon, o senhor Chaim deseja ter contigo... – ia dizen-do Ruth Krigsman com sua voz musical e polida de sempre.

– Peça-o para entrar, Srta. Krigsman – atalhou Agnon em tom

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impassível e aparentemente alienado. Chaim entrou cumprimentando-o. Sentaram-se nos estofados de

couro que guarneciam o gabinete, cuja decoração fora feita pelo próprio Yossef.

– Desculpe incomodá-lo no início de seu dia... – ia dizendo Chaim jovial.

– Chaim, por que você não acessa seu conteúdo restrito de seu computador pessoal ou de seu próprio gabinete? – interrompeu-o Agnon com leve repreensão na voz.

– É... De lá ficarão sabendo e aí não será mais restrito – disse gracejando.

Agnon franziu a sobrancelha como se esperasse a legítima ex-plicação do delito que Chaim cometera. Como ele permanecera quieto, calado e com um riso amarelo estampado na face, prosseguiu:

– Acho que você é um dos equipamentos defeituosos desse de-partamento que nunca serei capaz de consertar, sabia?

– É bom saber que você me ama também – riu e levantou-se var-rendo o local com seu olhar lento e preguiçoso. – Larguei um microchip aqui ontem. Preciso dele para começar minhas atividades.

Agnon dirigiu-se à estante de madeira onde ficava sua coleção de artefatos antigos, inclusive um toca-discos no qual costumava ouvir discos de Beethoven e Bach.

– Sobre a mesa, detrás de minha fotografia retirada diante do acelerador de partículas do Weizmann – disse para Chaim.

– Esta sala nem precisa de filmadora ou qualquer aparelho de vigilância, hein! Garanto que se sumisse um grão de pó pertencente a este local você seria capaz de notar e talvez tivesse pistas acerca do perfil do criminoso – disse Chaim pilhérico e jocoso.

– Não seja ridículo – disse Agnon ao correr o indicador sobre os títulos dos discos, no canto superior esquerdo da estante. – Aliás, eu não suporto todos esses instrumentos de segurança, sobretudo o desse campus.

– Deveria gostar. O criador dele é seu primo, o diretor do Technion. Ranon Grun, nosso maior engenheiro bélico – disse revirando estabanadamente a mesa de trabalho de Agnon à procura do microchip.

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– Você sabe que repudio as armas. Tirou um disco cuja capa era inteiramente negra e no centro, em

letras brancas e pequenas, estava grafado o nome de Johann Sebastian Bach.

– Ah, sim, sim – replicou Chaim pegando o microchip encon-trado com tanto esforço a despeito de Agnon ter-lhe informado precisa-mente sua localização. Dirigiu-se a sua pasta, largada sobre o estofado. – Trouxe-lhe algo não muito animador. Para um pacifista você anda mui-to ligado a armas destrutivas.

Agnon expressou um amálgama de incompreensão e susto. Chaim fez uma pequena pausa. Retirou um jornal de sua pasta, e conti-nuou:

– É a edição impressa do jornal Folleto Europea. A manchete principal diz: “Equipe de cientista dos Estados Anglo-Saxões anunciam a fabricação iminente da primeira bomba de antimatéria.” Na sequência te-mos algumas considerações introdutórias de pouca relevância ao caso e... aqui temos: “O engenheiro bélico e físico George Clancy anunciou que o protótipo da primeira bomba de antimatéria estará pronto dentro de trin-ta dias. Explicou que o feito só foi possível devido aos recentes estudos do cientista israelense Yossef Agnon, publicados no livro Considerações sobre antimatéria, sobre a produção e armazenamento da antimatéria. ‘Sem as perspicazes anotações de Agnon esse invento não seria possível’, dis-se Clancy. Calcula-se que o artefato bélico terá um poder de destruição expressivamente superior à versão mais atual da temível bomba de fusão termonuclear. Devido essa estimativa a equipe responsável pelo dispositi-vo o batizou de bomba T, de Tanatos, deus da morte na mitologia grega. O fato foi...”

– Não poderiam ter escolhido um nome melhor para mais esse brinquedinho do irresponsável e pecaminoso ser humano. Uma bomba de antimatéria! – disse Agnon nitidamente exasperado. – Não posso acre-ditar que tiveram a coragem de fazer isso. É uma calamidade! Expliquei naquele estudo que a antimatéria é demasiadamente nociva para manu-seio. Armazená-la nas cápsulas de vácuo não é um método cem por cento seguro e eficaz. Um acidente com essa substância e adeus a nossa irracio-nalidade. Que o Eterno tenha misericórdia de nós! Quem aqueles ineptos

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pensam que são?! Não há como calcular as consequências da explosão de uma bomba desse calibre. Nem temos uma precisa noção da energia libe-rada pela antimatéria em contato com a matéria. Essa bomba pode... Pelo Eterno... Ela pode simplesmente transformar o planeta Terra em luz.

– Não seja tão dramático, meu caro – falou Chaim esboçando um sorriso brincalhão.

– Não estou sendo. Os efeitos dessa atitude são imprevisíveis. Nem em meus piores pesadelos pude conceber algo assim – volveu Agnon indo pra sua cadeira e deixando o disco em seu lugar.

Em sua mente vinham estimativas, cálculos, equações e hipó-teses num ritmo frenético e torturante. Sentiu um repentino mal-estar crescer dentro de si. Se soubesse que aqueles estudos seriam utilizados posteriormente para fins bélicos não os teria publicado. Como pôde ter sido tão ingênuo? Era somente isso o que esperavam os incentivadores das pesquisas. Para o homem só importa encontrar meios de estender seu poder e influência sobre o restante da humanidade.

Os governantes não estão preocupados tão somente na seguran-ça de suas nações, eles anseiam, com uma gana corrosiva, pôr as mãos em todos os estados-nações. Governarem um gigantesco e uniforme império. Serem soberanos universais e assim dizerem, com dissimulada benevo-lência: “Ora, para que todos os povos coexistam pacificamente somente debaixo de uma única e firme autoridade. A globalização consistiu no primeiro passo rumo à centralização do poder nas mãos de um único in-divíduo. A paz e a prosperidade só são viáveis em uma potência absoluta, implacável e inabalável.” Chegar a essas conclusões não requeria nenhum esforço intelectual sobre-humano. Não precisaria entrar para a lista dos maiores pensadores da história da humanidade. Era uma ideia que circu-lava sobre os olhares gananciosos de todos os governantes, presidentes, primeiros-ministros, reis.

Agnon era mesmo capaz de enxergar isso nos olhos azuis e in-trépidos do primeiro-ministro israelense. Entretanto, ele mesmo dera ao leão garras ainda mais afiadas e mortíferas para estraçalhar o cordeiro. Nessa metáfora onde o leão era o homem pecador e sórdido e o cordeiro a humanidade desprotegida e a criação, os resultados seriam cruéis.

– Não posso permitir que essa atitude fique impune. Essa ma-

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tula terá de assumir as consequências desse ato abominável – exclamou Agnon como se tivesse diante dum inimigo.

– Sei que não. Você é embaixador para diálogo intercientífico da CPU. Terá direito de protestar contra o que eles fizeram...

– Não será mais uma denúncia ou protesto ordinário, tenha ple-na certeza disso, caro Chaim – atalhou cerrando os punhos sobre a mesa. Sua expressão era de fúria e repúdio. Agnon estava visivelmente transfi-gurado. Era o mesmo gigante imponente que se erguia diante de todos com condescendência e mansidão. Agora, porém, estava sedento por uma batalha e exalava vigor de sua aparência insólita.

– Isso terá uma péssima reação em todo o mundo – disse Chaim preocupado.

– Sim, sim. Só que o livre-arbítrio, às vezes, coloca-nos em con-fronto direto contra o restante da humanidade. Eles tiveram liberdade para desenvolver a bomba e eu terei na mesma proporção a de criticar essa atitude – remendou Agnon espontaneamente.

– A Conferência Internacional da CPU será dentro de vinte dias, não é? – quis confirmar Chaim.

– Precisamente dezenove. Fui designado para falar sobre os avanços da ciência e abordar questões sobre desenvolvimento sustentá-vel, nossa utopia contemporânea, como Morus diria se estivesse vendo isso tudo acontecer. Vou aproveitar este ensejo pra dar uma sacudida, mais que merecida, devo acrescentar, nesta tropa de feras selvagens que estão trabalhando em prol de nossa extinção.

– Agora você deixou-me verdadeiramente preocupado. Nunca pensei bem a respeito da utilização de antimatéria. Na verdade, sequer conheço de perto a substância. Não fazia ideia de seu poder de destrui-ção – disse Chaim como se suplicasse em seu tom de voz uma palavra de conforto por parte de Agnon.

Era exatamente isso o que ele buscava. Sabia que a antimatéria libera imensa quantidade de energia em contato com a matéria. Contudo, Agnon, que havia trabalhado com a substância tanto tempo em laborató-rio a fim de destrinchá-la afirmou com todas as letras que não era possível determinar até onde iria essa liberação energética. Matéria-antimatéria são conceitos antagônicos. São matérias antagônicas que juntas se atracam

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mutuamente até restar somente o vácuo.– Ninguém o faz. O que temos até hoje são hipóteses batizadas

de teorias. Embora, depois das pesquisas que fiz com ela posso lhe afir-mar uma coisa: a antimatéria é de longe uma vilã como a energia nuclear. Não há nenhum item para compararmos com ela. Coloco a antimatéria como o Mal que se opõe ao Bem. Como Trevas e Luz. Como a Vida e a Morte – falou Agnon pausadamente, dando uma gravidade ao assunto que deixava Chaim cada vez mais inquieto.

Eterno, o que será de nós. Os Estados Anglo-Saxões com uma arma dessas. O mundo está perdido. E se a o Reino Unido do Oriente não reagir a essa iniciativa anglo-saxônica? E se ele reagir de forma muito ne-gativa? E se..., pensava Chaim num fluxo psicológico agitado e temeroso.

– Chaim? – disse Agnon trazendo-o de volta de seus pensamen-tos.

– Ah... Desculpe... Acabei indo longe em minhas reflexões – consultou o relógio de pulso mecanicamente para exprimir a percepção de que estava atrasado. – Estou atrasado, devo ir agora.

Se é que vou conseguir fazer alguma coisa hoje. Desde o Weizmann que tenho medo dessas fontes de energia agressivas. E agora isso...

Dirigiu-se até a porta, abriu-a e volveu para Agnon:– Agnon, o reitor quer saber por que você bloqueou o acesso de

Yaakov ao seu gabinete? Ele não parece muito contente e está procuran-do o secretário da Força de Defesa responsável por essas instalações...

– Primeiro: não gostei nem um pouco de darem o nome de um dos nossos patriarcas àquele computador que dizem ser uma inteligência artificial, parece mais uma tolice artificial. Segundo: eu não preciso de ne-nhum aparelho para realizar tarefas para mim. Posso fazer isso sozinho e muito bem, obrigado. E finalmente: sentia-me sem privacidade com aque-le tal de Yaakov o tempo inteiro vendo, ouvindo e registrando tudo que se passava aqui – disse Agnon. E repentinamente completou com um riso singelo: – Ah, e tenho um amigo que precisa de privacidade para acessar de meu computador certo material: extraordinário e nocivo.

– Muito engraçadinho... – respondeu Chaim rindo. Volveu-se para sair e apertou no botão para que a porta abrisse.

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– Chaim? Ele voltou-se para Agnon. – Por favor, mantenha-me informado.Como eu gostaria de nem estar a par disso agora. Se tivesse pen-

sando no assunto ao ler a manchete talvez nem tivesse chegado até aqui!– Não se preocupe, farei isso – disse saindo.