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Embrapa Informação TecnológicaBrasília, DF

2002

Carlos Estevão Leite CardosoAugusto Hauber Gameiro

Adição de Derivados da Mandiocaà Farinha de TrigoAlgumas Reflexões

ISSN 1677-5473

Texto para Discussão 12

Exemplares desta publicação podem ser adquiridos na:

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EmbrapaSecretaria de Administração EstratégicaEdifício-Sede da EmbrapaParque Estação Biológica – PqEB – Av. W3 Norte (final)CEP 70770-901 Brasília, DFFone: (61) 448-4452Fax: (61) 448-4319

Editor da sérieIvan Sergio Freire de Sousa

Coordenador editorialVicente G. F. Guedes

Corpo editorialAntonio Flávio Dias AvilaAntonio Raphael Teixeira FilhoIvan Sergio Freire de Sousa – PresidenteLevon Yeganiantz

Produção editorial e gráficaEmbrapa Informação Tecnológica

Revisão de textoCorina Barra Soares

Normalização bibliográficaRosa Maria e Barros

Editoração eletrônicaJosé Batista Dantas

Projeto gráficoTênisson Waldow de Souza

Tiragem: 500 exemplares

CIP-Brasil.Catalogação-na-publicação.Embrapa Informação Tecnológica.

Todos os direitos reservados.A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei no 9.610).

Cardoso, Carlos Estevão Leite. Adição de derivados da mandioca à farinha de trigo. Algumas re-

flexões / Carlos Estevão Leite Cardoso e Augusto HauberGameiro. — Brasília : Embrapa Informação Tecnológica, 2002.30 p. ; (Texto para Discussão ; 12).

1. Mandioca – Farinha de raspa. 2. Mandioca – Fécula. 3.Trigo – Farinha. I. Gameiro, Augusto Hauber. II. Título. III. Série.

CDD 641.33682 (21ª ed.)

© Embrapa 2002

Apresentação

Texto para Discussão é um veículo utilizado pelaSecretaria de Administração Estratégica – SEA –, da Em-presa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa –,para dinamizar a circulação de idéias novas e a práticade reflexão e de debate sobre aspectos relacionados à ciên-cia, à tecnologia, ao desenvolvimento agrícola e aoagronegócio.

O objetivo da série é fazer com que uma comunida-de mais ampla, composta de profissionais das diferentesáreas científicas, debata os textos apresentados, contri-buindo para o seu aperfeiçoamento.

Os trabalhos trazidos a esta série poderão, emseguida, ser submetidos a publicação em qualquer livro ouperiódico. Não se reserva aqui o direito de exclusividadede artigo ou monografia posta em discussão.

O leitor poderá apresentar comentários e sugestões,assim como debater diretamente com os autores, em semi-nários especialmente programados, ou utilizando qualquerum dos endereços fornecidos: eletrônico, fax ou postal.

Os trabalhos para esta coleção devem ser enviadosà Embrapa, Secretaria de Administração Estratégica,Edifício-Sede, Parque Estação Biológica – PqEB –, Av. W3Norte (final), CEP 70770-901, Brasília, DF. Contatos coma Editoria devem ser feitos pelo fone (61) 448-4452 oupelo fax (61) 448-4319.

Os usuários da Internet podem acessar as publica-ções pelo endereço http://www.embrapa.br/novidades/publica/apresent.htm/. Para os usuários do SistemaEmbrapa, basta clicar em novidades, na Intranet.

.OAgradecimentos

s autores agradecem aos parceiros anônimos da sérieTexto para Discussão da Embrapa pelas valiosascontribuições apresentadas na formulação deste texto.

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Adição de Derivados da Mandiocaà Farinha de Trigo

Algumas Reflexões

Carlos Estevão Leite Cardoso1

Augusto Hauber Gameiro2

1 Pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura edoutorando em Economia Aplicada pela Esalq-USP.Caixa Postal 007, CEP 44380-000, Cruz das Almas, BA.E-mail: [email protected].

2 Pesquisador do Centro de Estudos Avançados em EconomiaAplicada – Cepea-Esalq-USP – e doutorando em EconomiaAplicada pela Esalq-USP. E-mail: [email protected].

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.AIntrodução

adição de derivados de mandioca (farinha de mandio-ca refinada, farinha de raspa de mandioca e fécula demandioca) à farinha de trigo não é uma prática nova.Historicamente, a decisão de produzir farinhas mistasesteve atrelada a questões econômicas e políticas. Issopode ser constatado nos termos do Decreto-Lei de1937, do Serviço de Fiscalização do Comércio, queestimulava a produção de pão misto com 70% de fari-nha de trigo e 30% de sucedâneos. Naquela época, oaspecto econômico que justificava o referido decretoera justamente reduzir as importações de trigo e me-lhorar o desempenho da balança comercial.

Parecia claro, portanto, que as restrições de or-dem técnica que existiam (e que persistem) podiamser resolvidas, em parte, pelo mercado, desde que am-paradas por força das leis de mercado (relação de pre-ços) ou pela intervenção governamental.

Faz-se necessário, agora, discutir com profundi-dade as implicações e as restrições de ordem econô-mica e social da proposta de inclusão de farinhas demandioca à farinha de trigo, assunto que volta à tona,por provocação do Projeto de Lei no. 4.679, apresen-tado pelo deputado federal Aldo Rebelo. O referidoProjeto de Lei dispõe sobre a obrigatoriedade da adi-ção de, no mínimo, 10% de farinha de mandioca refi-nada, farinha de raspa de mandioca ou fécula de man-dioca à farinha de trigo.

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No contexto do referido Projeto de Lei, algumasconsiderações precisam ser explicitadas, para identi-ficar as restrições de ordem econômica e social de-correntes da obrigatoriedade da inclusão da farinhade mandioca à farinha de trigo.

ivencia-se, mais uma vez, a justificada busca do go-verno (e por que não dizer “da sociedade”) por medi-das que possam reduzir o déficit na balança comercialbrasileira. Além disso, verifica-se que a adição de fa-rinha de mandioca à farinha de trigo é uma prática jáadotada por algumas empresas do setor alimentício,indicando, que, talvez, possa ser dispensada a formu-lação de uma lei específica.

Indústrias de biscoitos e macarrão vêm adicio-nando parcelas consideráveis de fécula de mandiocaà farinha de trigo na fabricação de seus produtos, aexemplo da Zadimel Indústria e Comércio de Alimen-tos, sediada em Goioerê, PR. As condições de merca-do favorecem esse procedimento, que resulta em re-dução de custos e conseqüente aumento de competiti-vidade da empresa diante da estabilidade econômicae da concorrência acirrada, sem com isso comprome-ter a qualidade do produto.

O que há de recorrente nessa discussão?

.VA força do mercado

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Há também informações de iniciativas, tanto daEmbrapa Mandioca e Fruticultura como da Associa-ção Brasileira dos Produtores de Amido de Mandioca– Abam –, de estímulo à adoção dessa prática. A pri-meira, pelo estímulo concedido a panificadores noEstado da Bahia; e a segunda, em treinamentos apanificadores na região de Paranavaí, PR. As açõesimplementadas tanto pelas iniciativas privada quantopública são apoiadas por estudos já realizados nasunidades de pesquisa da Embrapa e por outras insti-tuições públicas. A título de exemplo, citam-se El-Dashet al. (1994) e Cereda (2001).

Iniciativa pública vs. iniciativa privada

Economia de divisas

No que tange à evasão de divisas, a imple-mentação da lei nos termos propostos poderá resultarnuma economia estimada em U$ 104 milhões (a pre-ços médios de 2001), considerando-se uma reduçãonas importações em volume equivalente ao incremen-to dos derivados de mandioca (farinha de mandiocarefinada, farinha de raspa de mandioca ou fécula) adi-cionados à farinha de trigo.

Há também recorrentes argumentos que invocama maior geração de emprego ao se substituir farinha detrigo por farinha de mandioca. Para atender à demandaadicional de fécula, estimada em 630 mil toneladas,

Geração de emprego

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seriam gerados, só na atividade agrícola, mais de50 mil empregos diretos, supondo uma produtividademédia de 25 t/ha, um rendimento médio de 25% defécula e uma relação de 2:1 de área plantada/empregodireto. Se fossem utilizados os dados da Fundação Sis-tema Estadual de Análise de Dados (Seade, 2002), pu-blicados para o Estado de São Paulo, seriam geradosmais de 4,7 mil EHAs (equivalentes-homens-ano), quecorrespondem a mais de 40% dos EHAs gerados nacultura da mandioca no Estado de São Paulo em 2001.Ressalve-se, entretanto, que os sistemas de produçãode mandioca já não são tão intensivos em mão-de-obracomo eram no passado.

Na Região Centro-Sul, onde ocorreria maior es-tímulo à cultura, possivelmente por conta da lei, boaparte dos produtores já mecaniza o plantio e usa her-bicidas no controle de ervas daninhas, substituindo as-sim parte das capinas manuais que tradicionalmente de-mandam grande quantidade de mão-de-obra. Essa práti-ca é uma resposta às pressões de custos decorrentes daescassez de mão-de-obra em algumas localidades.

O incremento do uso de herbicidas na cultura damandioca poderá também abalar os argumentos queindicam essa cultura como a que causa menos danosao meio ambiente quando comparada à do trigo. Háainda o agravante de se utilizarem herbicidas não re-comendados para a cultura da mandioca, em doses quepodem comprometer os custos e, sobretudo, o ambi-ente. Um processo de incremento da demanda deveagravar essa situação. Esse é um campo que está a

Impacto ambiental

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exigir a colaboração imediata da pesquisa agrícola eda atuação de instituições públicas envolvidas com oassunto.

A situação permanece praticamente inalterada noque diz respeito aos estratos de área dos produtoresde mandioca e trigo. Ocorre, entretanto, que, quandoos preços são estimulantes, observa-se a entrada deprodutores de estratos de áreas mais extensas. NaTabela 1, pode-se observar que, com base nos dadosdo Censo Agropecuário realizado em 1996, mais de76% da produção de mandioca encontrava-se emáreas com menos de 50 ha, enquanto, para o trigo, omesmo estrato de área respondia por aproximadamen-te 33% da produção. Isso significa que a produção dotrigo continua não concentrada nos estratos de áreasinferiores, o que não poderia ser diferente, conside-rando as próprias características da cultura, que exigeganhos de escala, sobretudo na mecanização.

Desse modo, um deslocamento na demanda demandioca, derivada do processo de substituição dafarinha de trigo por farinha de mandioca, certamentebeneficiaria os produtores que estão concentrados naspequenas áreas (até 50 ha), considerando que o perfildo sistema de produção não será alterado imediata-mente. Posteriormente, produtores de outros estratosde área poderão ser beneficiados. Tudo dependerá docomportamento dos preços e das inovações tecnológi-cas geradas, pois se sabe que algumas tecnologias (me-canização do processo de colheita, por exemplo) po-derão estimular a entrada de produtores que ocupamestratos de maior área.

Estímulo aos pequenos produtores

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Quanto aos efeitos da lei sobre a renda dos agri-cultores, pode-se arrolar algumas hipóteses. O aumentoimediato da demanda sem a contrapartida da oferta3

irá provocar elevação imediata dos preços em todosos níveis (matéria-prima e produto final). Conside-rando-se que a oferta e a demanda de mandioca têmcomportamento inelástico, espera-se que ocorra umaelevação mais que proporcional no preço, refletindo-se diretamente na renda. Esse efeito terá maior inten-sidade no início do processo e tenderá a se reduzircom o ajuste final, depois de cessados os efeitos dochoque de demanda.

A intensidade do incremento da renda dos pro-dutores vai depender do nível da elasticidade-preçoda oferta na região em que a lei provocar maior im-pacto (Região Centro-Sul, a princípio). Considerandoa atual conjuntura, esse benefício inicial na renda dosagricultores se contrapõe, porém, à competitividadeda cadeia de mandioca.

Cessados os efeitos do choque de demanda, per-corrido o tempo em que se processam os ajustes e tudopermanecendo constante, espera-se que o novo equilí-brio seja restabelecido ao mesmo nível de preço an-terior ao choque e com maior quantidade produzida.Isso só será possível, como já foi mencionado, se aoferta aumentar em valores equivalentes aos da de-

Impacto sobre a renda dos agricultores

3 Esse mecanismo será mais bem explicado oportunamente.

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manda, ou seja, na mesma proporção, o que acontece-rá em médio e longo prazos. Nesse caso, consideran-do o atual nível de preço, os produtores que não man-tiverem eficiência deverão sair do mercado. Assim,os ganhos em termos de renda, que poderão não seralterados por unidade produzida, serão auferidos pe-los produtores remanescentes ou por novos produto-res competitivos, aumentando apenas o volume de ren-da de todo o setor.

Ajustes na oferta e na demanda de matéria-primae produtos

.CImpactos na demanda

onsiderando-se que a produção média de farinha detrigo nos últimos 5 anos foi de aproximadamente6,3 milhões de toneladas (Tabela 2), a demanda deri-vada proporcionada pela lei seria de 630 mil tonela-das de derivados da mandioca (farinha de mandiocarefinada, farinha de raspa ou fécula de mandioca). Le-vando-se em consideração que nesse processo seriampreferidas a farinha de raspa e a fécula de mandioca,pois apresentam melhor qualidade que a da farinha demandioca refinada e interferem menos na qualidadeda farinha de trigo, espera-se que a demanda por es-ses dois produtos seja maior.

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Segundo El-Dash et al. (1994), a farinha de ras-pa é o derivado de mandioca mais recomendado paraa panificação. Entretanto, as informações disponíveisregistram apenas uma unidade de processamento defarinha de raspa em operação no Brasil. Desse modo,seriam necessários novos investimentos para atuali-zar parte do parque industrial que se encontra obsole-to ou desativado, ou, então, fazer investimentos emnovas unidades de produção de raspa de mandioca ouadaptar as fecularias (estratégia que parece pouco pro-

Tabela 2. Produção de farinha de trigo no Brasil, de 1987 a 2000.

Fonte: Abitrigo (2001).

Ano

19871988198919901991199219931994199519961997199819992000Média da década de 90Média do período 1995-00

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Farinha de raspa de mandioca: uma boa opção?

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vável)4. Portanto, ao se optar pelo melhor derivado demandioca (farinha de raspa) para adição à farinha detrigo, enfrentar-se-ia, em médio prazo, a escassez deproduto e, conseqüentemente, pressões sobre o preço.

Além disso, haveria pressão sobre o preço damatéria-prima, uma vez que se admite que seriam pro-duzidas, além dos volumes atuais, mais 630 mil tone-ladas de farinha de raspa. Essa pressão sobre os pre-ços resultaria da defasagem na resposta da oferta aospreços que, no caso da mandioca, em um período, al-cança 55% do ajustamento de longo prazo5. A intensi-dade do aumento da oferta vai depender do efeito dochoque de demanda sobre os preços e da combinaçãodas elasticidades-preço de oferta e demanda.

Impactos sobre toda a cadeia

A pressão sobre os preços traria reflexos portoda a cadeia, haja vista que as pressões sobre o pre-ço da matéria-prima seriam transmitidas aos demaisprodutos, podendo inclusive tornar a fécula e os ami-dos modificados não-competitivos em mercados nosquais houvesse disputa direta, por exemplo, com osderivados de milho.

Conseqüências negativas também poderiam serobservadas no mercado de farinha comum, com impli-cações diretas aos consumidores, que tradicionalmen-

4 O montante de investimento para montar uma unidade de farinha deraspa é menor do que o para montar uma fecularia.

5 O período de ajustamento da oferta foi calculado com base nos dadosestimados por Pastore (1973) para o Estado de São Paulo.

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te compõem as classes de renda mais baixa. Nelas, osgastos com alimentos representam uma porcentagemconsiderável da renda. É evidente que essa previsãopressupõe uma situação em que não haja nenhum tipode compensação para as partes que venham a ser pre-judicadas, até que o mercado se ajuste à nova si-tuação.

Para a fécula de mandioca, normalmente as res-trições relacionam-se à viabilidade econômica. Dadaa conjuntura atual de oferta e demanda, essa restriçãonão é relevante. Aos preços vigentes em 2001, seriaeconomicamente viável substituir parte do trigo porfécula (como mencionado anteriormente, há indústriasque já fazem isso), mas não o seria se fosse para aten-der ao imediato incremento na demanda de 630 miltoneladas. A justificativa reside no fato de que se esti-ma uma demanda atual de fécula de mandioca no Bra-sil em torno de 450 mil toneladas, enquanto a produ-ção para 2001 deve ter alcançado 550 mil toneladas(há previsões mais otimistas que apontam para600 mil toneladas). Portanto, haveria apenas um ex-cesso de oferta de 100 a 150 mil toneladas, o que nãoatenderia à demanda derivada imposta pela obriga-toriedade da substituição, implicando o incremento de80% na demanda atual.

Como o excesso de oferta atualmente existenteno mercado pode tornar a política de substituição eco-nomicamente viável, é de se esperar que esse preço

Fécula de mandioca: uma boa opção?

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só se sustente se houver, imediatamente, umacontrapartida na oferta, equivalente à soma do exces-so de produto (para facilitar, consideram-se as esti-mativas mais otimistas, ou seja, 150 mil toneladas)mais a demanda atual (450 mil toneladas), acrescidadas 630 mil toneladas proporcionadas pela demandaderivada. Em outras palavras, seria necessário aumen-tar imediatamente a oferta de fécula para níveis emtorno de 1,2 milhão de toneladas. Nesse cenário, mes-mo se houvesse uma capacidade instalada no parqueindustrial de praticamente dobrar a produção de fécu-la de mandioca, ocorreriam restrições de curto prazoassociadas ao segmento de oferta de matéria-prima6.Assim, as considerações feitas sobre a farinha de ras-pa, determinadas pelos efeitos do processo de trans-missão de preços, aplicam-se, em boa parte, à fécula.

Para completar a análise, seria preciso conside-rar uma possível combinação dos dois produtos deri-vados da mandioca que melhor se ajustassem ao pro-cesso de substituição. Essa estratégia, além de apre-sentar restrições de ordem técnica, considerada a di-ferença de características dos produtos, exigiria estu-dos aprofundados para que fosse possível projetar asconseqüências socioeconômicas.

Nas análises anteriores (farinha de raspa ou fé-cula), supôs-se que tanto a demanda por produtos de-rivados da mandioca como a oferta de trigo permane-ceriam as mesmas. Essa é uma forte suposição, mas

6 As pesquisas de campo realizadas no âmbito de um projeto em anda-mento em parceria da Embrapa com o Cepea/Esalq/USP, para estudar osetor de fécula de mandioca, não apontam para a existência de capaci-dade ociosa equivalente a 50%.

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facilita as análises e não compromete o sentido dasconclusões. Se for considerado que, mantendo-se ospreços vigentes no mercado, as demandas de fécula ederivados (amidos modificados) tendem a crescer,maiores serão os impactos causados pela defasagemna oferta.

Quanto ao aspecto de defasagem na oferta, cujasconseqüências já foram expostas nas duas situaçõesanalisadas, há alguns pontos a ser ressaltados. Pode-se afirmar que não haverá aumento imediato na ofertanos mesmos níveis aos do choque de demanda.

Além das restrições associadas às expectativasdos produtores com relação ao mercado e aos “custossubjetivos”7 – muito bem considerados por Paiva(1975) –, as características inerentes à cultura, a rigi-dez dos fatores fixos de produção e as informaçõesincompletas8 explicam essa defasagem. Ou seja, não é

Haverá oferta compatível de matéria-prima?

7 Segundo Paiva (1975) os “custos subjetivos” estão associados às difi-culdades de aquisição de conhecimento técnico adequado, de obtençãode recursos materiais suficientes, de contratação de mão-de-obra res-ponsável e eficiente, de garantia regular de insumo de boa qualidade(principalmente defensivos, vacinas, rações e mudas) e, principalmente,de risco financeiro no caso de uma mudança de atitude dos agricultores.Esse aspecto foi utilizado pelo autor para explicar as restrições ao pro-cesso de mudança de uma tecnologia tradicional para uma tecnologiamoderna. Sem grandes prejuízos, acredita-se que isso possa ser adotadoaqui para também explicar a rigidez na oferta.

8 No caso da mandioca, dada a facilidade de se entrar e sair do mercado,é possível que a rigidez da oferta esteja mais associada à maneira pelaqual os produtores criam suas expectativas com relação ao preço demercado.

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possível, por exemplo, alocar imediatamente mais má-quinas plantadeiras de mandioca ao processo de pro-dução, já que a maioria dos pequenos produtores nãodispõe de capital para investimento imediato. Não épossível também efetuar plantio no período seco, amenos que se use irrigação. De qualquer forma, a mu-dança na oferta pode ocorrer via aumento de área oude produtividade, ou mesmo pela combinação das duasalternativas.

Expansão da área

Estimular a oferta por meio do aumento de áreatem sido a opção geralmente adotada pelos produto-res de mandioca. Considerando a Região Centro-Sul,onde potencialmente a lei deverá causar maior impac-to, pelo menos num primeiro momento, tem-se as se-guintes implicações:

1) No Paraná e em São Paulo, onde as fronteirasagrícolas já não são tão elásticas, poderá haver restri-ções, pois ocorrerá competição por terra nas áreas ondese possam cultivar outras culturas. Isso também vaidepender da situação de mercado dos outros produtosem relação ao mercado de mandioca.

2) Em Mato Grosso do Sul, Estado no qual severificou o mais elevado incremento relativo da pro-dução no ano de 2001, ou mesmo nas áreas plantadascom pastagem nos Estados citados anteriormente, cer-tamente essa restrição será de menor intensidade ouquase ausente.

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Se a alternativa for pelo aumento da oferta viaincremento da produtividade, a questão a se apresen-tar será: existem tecnologias disponíveis para aumen-tar imediatamente a produtividade nos níveis em que aaplicação da lei exigirá? Mesmo que se considere oestoque de tecnologia disponível nas instituições depesquisa, na atual conjuntura de mercado, haveria exi-gência por novas demandas tecnológicas.

Cardoso et al. (2001) apresentam algumas su-gestões para alimentar a discussão a respeito da de-manda por novas tecnologias. É importante destacarque, com o aumento da demanda, pressupõe-se maiorprocura por alternativas tecnológicas devidamenteajustadas à nova conjuntura econômica e social, quese instalará na cadeia de produção de mandioca apósa implementação da lei.

Incremento da produtividade

ive-se em uma economia aberta e globalizada. Logo,as decisões domésticas deixam de ser influenciadasapenas pela conjuntura nacional. Se, no passado, a po-lítica de subsídio ao trigo atuava como um elemento

O que há de novo na discussão?

.VAbertura econômica, globalização e Mercosul

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desencadeador de processos que visavam desonerar asociedade, atualmente os pesados subsídios aos pro-dutos agrícolas concedidos pelos países desenvolvi-dos concorrem para tornar a produção brasileira, emalguns setores, menos competitiva.

Some-se a isso a intenção do governo brasileiro(pelo menos em tese) de consolidar a proposta, aindanão efetivada, de um mercado comum para o Cone Sul– o Mercosul. Em favor da produção argentina de tri-go9, tem-se a necessidade de consolidar o Mercosul,contam-se as melhores condições de produção e omenor custo de transporte – em relação aos outros for-necedores, como Canadá e Estados Unidos –, fatoresque, associados aos preços deprimidos no mercadointernacional, permitem, na maior parte do ano, umaoferta de trigo a preços mais baixos do que os pratica-dos no mercado brasileiro.

Conquanto haja indicações de que a queda desubsídios no mercado internacional possa induzir oaumento da produção de trigo no Brasil, é difícil pre-nunciar a retirada de subsídios nos países desenvolvi-dos, sobretudo nos Estados Unidos. Acredita-se que,cessadas as condições externas que expõem o trigoproduzido pelo País a condições desfavoráveis decompetitividade, haverá a possibilidade de resolver odéficit de oferta de trigo. Questiona-se, então, se, nes-sa nova circunstância, seria mantida a adição de deri-

9 É evidente a participação da Argentina nas importações brasileiras detrigo. Entretanto, ao longo dos anos, essa participação tem se alterado.Até o final da década de 60, a supremacia era argentina. A partir daí, atémeados da década de 80, a Argentina perde espaço para o Canadá e osEUA, vindo a se recuperar desse momento em diante.

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vados de mandioca à farinha de trigo. É possível queviesse a ocorrer estímulos à substituição, a dependerda relação de preços. Não mais seria possível, po-rém, recorrer ao argumento de estancar a saída dedivisas, prevalecendo, certamente, as forças políticase econômicas que controlam o comércio de trigo.

Organização Mundial do Comércio – OMC

A despeito das recentes decisões tomadas naConferência Ministerial da Organização Mundial doComércio – OMC –, que apontam para uma reduçãodos subsídios às exportações e maior liberalização docomércio multilateral, a política protecionista deverápermanecer por muito tempo, uma vez que a “Cláusulade Paz” não foi tratada na conferência realizada emDoha, no período de 9 a 14 de novembro de 2001,persistindo assim os subsídios agrícolas nos níveisexistentes em 1992.

Outro aspecto a ser considerado é que, interna-mente, os produtores respondem às políticas de incen-tivo à produção do trigo, ficando-se, assim, à mercêdas políticas orientadas para o setor. Segundo Dotto(2001), “na década de 80, quando houve uma decisãogovernamental de produzir trigo no País via preço, ostriticultores brasileiros, por dois anos consecutivos,86 e 87, conseguiram produzir o equivalente a 95%do consumo brasileiro”. Portanto, na presença de uma

Nova configuração do setor de trigo

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política de incentivo à produção de trigo, só será adi-cionado derivado de mandioca à farinha de trigo se ospreços forem compensadores.

Novo também é o fato de que, a partir do fim domonopólio estatal na comercialização do trigo, em1990, a dependência de importações vem aumentandoconsideravelmente, com tendência a crescimento. Alia-se a isso o financiamento das importações com prazosuperior a 400 dias e juros de 8% a.a.10. Isso implicamatéria-prima barata, que interessa ao setor de ali-mentos, e explica, em parte, a falta de interesse desetores internos por investimentos que reduzam as im-portações ou mesmo apóiem ações antidumping naOMC. Ressalta-se, entretanto, que essa não é uma po-lítica específica para o setor de trigo (Ambrosi et al.,2001). Embora seja uma política de intervenção esta-tal11, ela causa, de qualquer forma, distorções no mer-cado interno, com efeitos perversos sobre a oferta deempregos e a estrutura produtiva do País.

Para finalizar, é necessário considerar as con-seqüências da crise econômica na Argentina, naçãoque parece ainda não ter definido os seus rumos.

Impactos decorrentes da crise argentina

10 Esse é um exemplo de uma linha de financiamento existente nomercado.

11 Atualmente, não há mais política de subsídio ao trigo, em contraposiçãoà política das décadas de 70 e 80.

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A desvalorização cambial na Argentina deveráfavorecer a competitividade do trigo argentino com-parativamente ao brasileiro. Isso pode implicar a que-da nos preços do trigo no mercado brasileiro e, con-seqüentemente, prejudicar o processo de substituiçãoda farinha de trigo por derivados de mandioca, a me-nos que seja acompanhado pela queda simultânea dopreço de derivados de mandioca. As condições atuaisdo mercado não apontam nessa direção (ou seja, deredução no preço da fécula), haja vista que, para ospróximos 2 anos, há expectativa de elevação de pre-ço, provocado pelo aumento do preço da matéria-prima, em virtude do processo de redução de área deprodução, decorrente de preços deprimidos em 2001.

Sugestões

Avaliados os aspectos positivos e negativos deuma lei que determina a adição de farinha de mandio-ca à farinha de trigo, podem ser feitas as seguintesconsiderações:

• Se o projeto for aprovado, será preferível uti-lizar um porcentual mais baixo de adição defarinha de mandioca.

• Ao invés de 10%, propõem-se as seguintes al-ternativas: a) aproximadamente 2,5% sobre oconsumo total de farinha de trigo; b) ou 5,0%sobre a metade do consumo de farinha de tri-go; c) ou até mesmo 10% sobre um quarto daprodução de farinha de trigo.

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Qualquer estratégia adotada corresponderia a150 mil toneladas de fécula, por exemplo. Esseporcentual traria menor impacto sobre o setor de trigoe resolveria o problema de excesso de oferta de fécu-la existente no mercado. Os porcentuais propostos se-riam experimentados, inicialmente, por um período de2 a 3 anos12. Encerrado esse prazo, seria realizadauma avaliação para decidir se o setor apresentava con-dições para responder a um nível mais elevado de de-manda. Esse prazo também permitiria que inovaçõesorganizacionais maturassem¹³, tais como a implemen-tação do processo do contrato na cadeia e novas ali-anças estratégicas em curso no setor. Nesse ínterim,as instituições de geração e difusão de tecnologia ga-nhariam tempo para implementar novas estratégias como propósito de solucionar (ou amenizar) os principaisgargalos tecnológicos já identificados e os que estãopor surgir.

12 Em 2 anos, quase 80% do processo de ajuste de longo prazo estariacompletado segundo os dados apresentados em Pastore (1973) para oEstado de São Paulo. Mais uma vez, ressalta-se que a mudança naoferta vai depender da intensidade do choque e das elasticidades-preçode oferta e demanda. Na falta de informações para os demais Estados,acredita-se que os valores apresentados em Pastore (opus cit.) repre-sentam uma boa aproximação (proxy), embora se reconheça que esti-mativas atuais possam ser diferentes. As inovações tecnológicas incor-poradas ao sistema de produção de mandioca não sugerem, entretanto,essa possibilidade.

¹³ Nos levantamentos de campo realizados no âmbito do projeto em anda-mento, conduzido em parceria da Embrapa com o Cepea/Esalq/USP,também está sendo verificada a implementação de inovaçõesorganizacionais.

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ABITRIGO. Disponível em: <http://www.abitrigo.com.br/>. Acesso em: 07 out. 2001.

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SEADE. Disponível em: <http://www.seade.gov.br/>.Acesso em: 15 maio 2002.

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Títulos lançados:

No 1 – A pesquisa e o problema de pesquisa: quem os determina?Ivan Sergio Freire de Sousa

No 2 – Projeção da demanda regional de grãos no Brasil: 1996 a 2005Yoshihiko Sugai, Antonio Raphael Teixeira Filho, Rita de CássiaMilagres Teixeira Vieira e Antonio Jorge de Oliveira

No 3 – Impacto das cultivares de soja da Embrapa e rentabilidade dosinvestimentos em melhoramentoFábio Afonso de Almeida, Clóvis Terra Wetzel e Antonio FlávioDias Ávila

No 4 – Análise e gestão de sistemas de inovação em organizaçõespúblicas de P&D no agronegócioMaria Lúcia D’Apice Paez

No 5 – Política nacional de C&T e o programa de biotecnologia doMCTRonaldo Mota Sardenberg

No 6 – Populações indígenas e resgate de tradições agrícolasJosé Pereira da Silva

No 7 – Seleção de áreas adaptativas ao desenvolvimento agrícola,usando-se algoritmos genéticosJaime Hidehiko Tsuruta, Takashi Hoshi e Yoshihiko Sugai

No 8 – O papel da soja com referência à oferta de alimento e demandaglobalHideki Ozeki, Yoshihiko Sugai e Antonio Raphael Teixeira Filho

No 9 – Agricultura familiar: prioridade da EmbrapaEliseu Alves

No 10 – Classificação e padronização de produtos, com ênfase naagropecuária: uma análise histórico-conceitualIvan Sergio Freire de Sousa

No 11 – A Embrapa e a aqüicultura: demandas e prioridades depesquisaJúlio Ferraz de Queiroz, José Nestor de Paula Lourençoe Paulo Choji Kitamura (eds.)

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Produção editorial, impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica