elementos modernistas na canção “pela internet”, de gilberto gil
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IV Encontro Internacional de Literaturas, Histórias e Culturas Afro-brasileiras e Africanas
Universidade Estadual do Piauí – UESPI
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NA JANGADA DE SIGNOS: ELEMENTOS MODERNISTAS NA CANÇÃO “PELA INTERNET”, DE GILBERTO GIL
José Wanderson Lima Torres1 Alfredo Werney Lima Torres2
RESUMO
Constata-se, no âmbito nacional, uma ligação da música popular com a literatura,
fundamental para compreendermos a formação da cultura artística brasileira. Este fato
moveu muitas pesquisas, nas mais diversas áreas, como as realizadas por Sant’Anna,
Naves, Vasconcelos e Oliveira. Com a consolidação da canção como o gênero musical
brasileiro por excelência, o papel desempenhado pela literatura no processo de formação
cultural dos leitores enfraqueceu, principalmente na década de 1970, pois a música
popular entra em cena e passa a ser uma das matrizes de intepretação da realidade
brasileira. Gilberto Gil, nesse contexto, é uma das vozes poético-musicais que mais se
destacou na história da música popular brasileira. Um dos inventores da Tropicália,
juntamente com Caetano Veloso e Torquato Neto, ele sempre esteve conectado com as
experiências literárias do Modernismo brasileiro. Profundamente ligado ao
antropofagismo de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, suas letras procuram
realizar uma fusão de elementos da cultura pop e da cultura afro-brasileira. Processos
compositivos como a paródia, a intertextualidade, a bricolagem, a crítica social aliada a
uma linguagem de alta elaboração poética são frequentemente utilizados pelo
compositor. Em sua obra musical coabitam as múltiplas vozes da tradição brasileira e
estrangeira, compostas por meio de um discurso alegórico e fragmentado. Nessa
perspectiva, este artigo pretende realizar uma leitura músico-literária da obra “Pela
internet”, uma composição que resume os procedimentos mais reveladores da dicção de
Gilberto Gil. Examinaremos, principalmente, as relações empreendidas entre essa
canção e a estética modernista.
PALAVRAS-CHAVE: Canção. Modernismo. Gilberto Gil. “Pela Internet”.
1 Doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Professor do
Mestrado Acadêmico em Letras da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. E-mail:
2 Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Professor do Instituto Federal do Piauí
-IFPI – Campus Floriano. E-mail: [email protected]
ISBN: 978-85-8320-162-5
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1- Introdução
É inegável o diálogo existente entre a canção popular brasileira e a literatura
moderna. O Modernismo de 1922, embora tenha sido um movimento que deu mais
relevância às produções literárias, deixou marcas visíveis no discurso dos cancionistas
populares, sobretudo no final da década de 1960, com as inovações estéticas
empreendidas pela Bossa nova e com o surgimento do Tropicalismo. Essa ligação
orgânica da música popular com a literatura, fundamental para compreendermos a
formação da cultura artística brasileira, moveu muitas pesquisas, nas mais diversas
áreas, como as realizadas por Affonso Romano de Sant’Anna, Santuza Cambra Naves,
Anazildo Vasconcelos e Solange Ribeiro de Oliveira.
O fato é que no Brasil, diferente do que ocorreu na maioria dos países de
tradição europeia, a canção popular urbana participou das experiências mais
substanciais da intelligentsia do país. Negligenciar o papel de fundamental importância
dessa arte é deixar de compreender questões cruciais do processo de construção social e
da formação da identidade cultural do Brasil. Como argumentou José Miguel Wisnik, a
música popular brasileira “além de ser uma forma de expressão vem a ser também [...]
um modo de pensar – ou, se quisermos, uma das formas de riflessione brasiliana”
(WISNIK, 2004, p. 215).
Com a consolidação da canção como o gênero musical brasileiro por excelência,
o papel desempenhado pela literatura no processo de formação cultural dos leitores
enfraqueceu, principalmente na década de 1970, pois a música popular entra em cena e
passa a ser uma das matrizes de interpretação da realidade brasileira. Anazildo
Vasconcelos da Silva (1980, p.75) afirmou que nesse período “rompe-se o paralelismo
entre manifestação poética designada de literária e a manifestação paraliterária chamada
de letra poética, devido à utilização comum dos canais de massa”. Para ele, a poesia
abandonou o canal tradicional de comunicação poética, o gráfico, e “invadiu os canais
de comunicação de massa ou paraliterária, o sonoro e o visual” (SILVA, 1980, p.75).
Sobre essa mesma época, em que houve um visível salto qualitativo das letras
poéticas, Augusto de Campos (Apud PERRONE, 2008, p. 36), admirador declarado dos
grandes cancionistas da MPB, chegou a dizer: “Se quiserem compreender esse período
extremamente complexo de nossa vida artística os compêndios literários terão que se
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entender com o mundo discográfico”. Na realidade, essa relação não foi totalmente
amistosa, pois ela gerou várias polêmicas e dissabores entre intelectuais e artistas
populares, como se pode constatar na entrevista que o escritor Bruno Tolentino deu à
revista Veja, no ano de 1996, na qual ele questionou o valor intelectual da MPB. Por
sinal, esse mesmo escritor envolveu-se, posteriormente, em um controverso debate com
o cantor e compositor Caetano Veloso.
A eclosão da Bossa nova e da Tropicália, entre as décadas de 1960 e 1970, fez
com que se unissem poetas do livro com poetas da canção. Vinícius de Moraes, que
elaborou poesia para ser impressa e para ser cantada, contribuiu de forma decisiva para
que houvesse uma “contaminação feliz”3 entre MPB e literatura acadêmica. Para José
Miguel Wisnik (2004, p. 18):
O fato de que o pensamento mais ‘elaborado’, com seu lastro literário,
possa ganhar vida nova nas mais elementares formas musicais e
poéticas, e que essas, por sua vez, não sejam mais pobres por serem
‘elementares’, tornou-se a matéria de profundas consequências na vida
cultural brasileira das últimas décadas.
Essa observação do pesquisador paulista demonstra o verdadeiro nó que a MPB
representou na formação social e cultural do país. A tensão existente entre um fazer
musical voltado para o entretenimento e um fazer musical mais voltado para a
contemplação intelectual – os quais Mário de Andrade (s/d) chamou, respectivamente,
de “música interessada” e “música desinteressada” – marcaram os debates sobre a
música popular no Brasil. É notório que, ao tratarmos do trabalho de compositores
como Chico Buarque, Vinícius de Morais, Gilberto Gil, Caetano Veloso, tais conceitos
tendem a se embaralhar. Isto porque suas obras estão pautadas pela expressividade do
corpo e produzidas com o intuito de atender a determinados setores do entretenimento
da classe média, mas, ao mesmo tempo, eles também utilizam a canção para manifestar
seus pensamentos e ideias, criando interpretações consistentes sobre a sociedade
brasileira.
Gilberto Gil, nesse contexto, é uma das vozes poético-musicais que mais se
destacou na história da música popular brasileira. Um dos inventores da Tropicália,
3 Termo de José Miguel Wisnik (2004, p. 218).
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juntamente com Caetano Veloso e Torquato Neto, ele sempre esteve conectado com as
experiências literárias do Modernismo brasileiro. Profundamente ligado ao
antropofagismo de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, suas letras procuram
realizar uma fusão de elementos da cultura pop e da cultura afro-brasileira. Processos
compositivos como a paródia, a intertextualidade, a bricolagem, a crítica social aliada a
uma linguagem de alta elaboração poética são frequentemente utilizados pelo
compositor. Em sua obra musical coabitam as múltiplas vozes da tradição brasileira e
estrangeira, compostas por meio de um discurso alegórico e fragmentado. As canções de
Gil trazem signos que remetem ao universo sonoro do baião de Luiz Gonzaga, à
suavidade e ao refinamento interpretativo de João Gilberto, à leveza das canções
praieiras de Dorival Caymmi, à explosão das guitarras do rock, ao balanço do samba e
às experiências sonoras sincopadas dos negros da Bahia.
Nessa perspectiva, este artigo pretende realizar uma leitura músico-literária da
obra “Pela internet”, uma composição que, a nosso ver, resume os procedimentos mais
reveladores da dicção4 de Gilberto Gil. Examinaremos, principalmente, as relações
empreendidas entre essa canção e a estética modernista. Compreendendo que a leitura
de uma letra poética independente de sua estrutura musical é insuficiente para
deslindarmos seus efeitos de sentidos, partimos do conceito de canção na perspectiva da
semiótica, isto é, como um gênero híbrido cujo sentido é construído por meio da
articulação de elementos verbais e musicais.
4 Vale dizer que utilizamos o termo “dicção” no sentido compreendido por Luiz Tatit (2002). Para ele a
dicção é “a maneira de cantar, de gravar, de dizer o que diz e, principalmente, a maneira de compor”
(TATIT, 2002, p. 11).
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2- A canção tropicalista e o Modernismo
Difícil investigarmos o percurso da canção popular no Brasil sem relacioná-la
com a série literária. Vários foram os movimentos musicais brasileiros que buscaram
dialogar com os estilos de época da literatura nacional. Dentre eles, podemos destacar a
Bossa nova e o Tropicalismo. Em relação aos bossa-novistas, vale dizer que eles foram
os primeiros compositores a empreender uma conexão intertextual mais orgânica com a
literatura nacional, em especial com a poesia moderna. Isto se observa nas canções que,
em geral, são compostas com textos concisos e diretos, arranjos econômicos e melodias
sem ornamentações desnecessárias, letras não confessionais que recusam o excesso de
expressão da subjetividade e privilegiam situações do cotidiano.
Augusto de Campos (1974, p.53) afirmou que Bossa nova foi responsável por
um “espetacular salto qualitativo” na música brasileira. O poeta concretista entendia que
esse estilo musical estava “em consonância com a renovação da arte brasileira em todos
os seus campos, da arquitetura à poesia concreta” (CAMPOS, 1974, p. 53). Ele também
atestou que uma das características mais revolucionárias da Bossa Nova “foi o seu estilo
interpretativo, decididamente antioperístico” (CAMPOS, 1974, p. 53). Como vimos,
havia uma harmonia entre compositores da Bossa nova e escritores modernos, embora
houvesse escritores que consideravam a música popular como uma arte menor.
A Tropicália foi, inegavelmente, o movimento musical brasileiro que mais se
comunicou com as ideias do Modernismo de 1922. A síntese antropofágica oswaldiana
encontrou ressonância nas mais diversas experiências tropicalistas, da canção às artes
plásticas. Embora alguns tropicalistas, como Caetano Veloso, relativizem a influência
de Oswald de Andrade, como comentou Marcos Napolitano (2007), é visível em muitas
letras desse movimento a presença do poeta modernista. Por exemplo, a linguagem
fraturada e estruturada por meio de recortes que lembram o discurso cinematográfico de
“Alegria, alegria”, de Caetano Veloso, assemelha-se ao estilo da poesia do escritor
paulista:
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Alegria, alegria (trecho)
Caminhando contra o vento
Sem lenço, sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou
O sol se reparte em crimes,
Espaçonaves, guerrilhas
Em Cardinales bonitas
Eu vou
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot
(CHEDIAK, s/d, p.22)
Em seus aspectos músico-literários, o Tropicalismo imprimiu novas associações
entre palavra e música, explorando as potencialidades visuais e sonoras do texto e
tingindo a música de melodias não harmônicas, de mistura de instrumentos musicais
com timbres divergentes e arranjos musicais densos e inventivos, como os que Rogério
Duprat fez para o disco-manifesto do movimento, Tropicália ou Panis et circenses. As
letras, em sua maioria, buscaram expressar, através do fragmentário e do alegórico, as
tensões político-sociais do Brasil. Além de ter recomposto as ideias poéticas de Mário
de Andrade e Oswald de Andrade, os tropicalistas incorporaram elementos da poesia
concreta, rompendo as fronteiras entre o prosaico e poético, entre o intuitivo e o
racional.
Muitos desses recursos estilísticos podem ser encontrados na composição
“Batmakumba”, uma canção que entrecruza elementos da cultura afro-brasileira
(macumba) com símbolos da cultura de massa (Batman). Nessa composição é visível o
diálogo com a escrita dos poetas concretos: ênfase no plano visual do texto; ruptura com
a sintaxe e a versificação tradicionais; leitura dinâmica, já que o texto pode ser lido de
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várias maneiras; reciprocidade entre estrutura e conteúdo, pois o significado do texto
está em sua própria forma.
Batmakumba5 (Gilberto Gil e Caetano Veloso)
A Tropicália foi um movimento que quebrou com a homogeneidade de
discursos, pois os artistas exploraram a dinamização, contestaram a ideia de totalidade
harmônica e colocaram em um mesmo patamar “as contradições da cultura brasileira,
num turbilhão de fragmentos justapostos”, gerando um discurso “aglutinado,
descontínuo, como o sonho” (BEZERRA, 2004, p. 32).
5 Presente em: < www.gilbertogil.com.br>. Acesso em 02 de jul de 2016.
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A canção tropicalista, portanto, buscou diversos caminhos estéticos, quebrou
paradigmas poéticos e musicais, destronando o purismo e o nacionalismo acrítico que,
por longo tempo, predominou no discurso de nossa música popular. Como atestou
Santuza Cambraia Naves (2010, p. 221):
Os baianos inauguraram, com a tropicália, uma nova relação com a
diferença, assumindo uma postura afirmativa e comprometendo-se de
modo indiferenciado com todos os aspectos captáveis do universo
brasileiro, como o brega e cool, o nacional e o estrangeiro, o erudito e
o popular, o rural e o urbano e assim por diante. Paradoxalmente, a
atitude tropicalista é híbrida quanto a seus procedimentos básicos: ao
mesmo tempo em que rompe com o conceito de forma fechada [...]
retoma, justamente em decorrência de sua postura includente, os
próprios elementos dessas formas fechadas, promovendo uma
continuidade entre iê-iê-iê e marchinha, rock e baião.
Esse jogo entre tradição e ruptura é o ponto nevrálgico da estética dos
tropicalistas, principalmente do trabalho poético-musical de Gilberto Gil. O cancioneiro
do compositor baiano está articulado com a tradição musical da MPB, mas, ao mesmo
tempo, traz elementos sonoros que põe em xeque essa mesma tradição. Em
“Parabolicamará”, por exemplo, o compositor entrecruza diversas expressões, como
signos próprios do universo da capoeira e as inovações tecnológicas do tempo da antena
parabólica: “Antes mundo era pequeno/ Porque Terra era grande/ Hoje mundo é muito
grande/ Porque Terra é pequena/ Do tamanho da antena parabolicamará/ Ê, volta do
mundo, camará/ Ê, ê, mundo dá volta, camará”. Aqui a ideia de autenticidade e purismo
das expressões culturais negras é desconstruída, já que o compositor propõe um
hibridismo entre elas e as novidades do mundo do consumo.
Muitos estudiosos da literatura e da MPB, dentre eles Augusto de Campos e
Charles Perrone, afirmam com veemência que Gilberto Gil é um poeta da canção, em
virtude da alta elaboração de suas letras poéticas. De fato, o compositor não quer
simplesmente encaixar as palavras em uma estrutura melódica já existente, pois sua
escrita é autorreflexiva e repleta de recursos metafóricos, sonoros e visuais
característicos da poesia feita para ser lida – como é o caso da expressiva canção
“Metáfora” (Deixe a meta do poeta, não discuta /Deixe a sua meta fora da disputa/ Meta
dentro e fora, lata absoluta/ Deixe-a simplesmente metáfora).
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3- Jangada multicultural: uma leitura músico-literária da canção “Pela
internet”.
Pela internet6 (Gilberto Gil)
Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje
Que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé
Um barco que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve meu e-mail até Calcutá
Depois de um hot-link
Num site de Helsinque
Para abastecer
Eu quero entrar na rede
Promover um debate
Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut
De Connecticut acessar
O chefe da milícia de Milão
Um hacker mafioso acaba de soltar
Um vírus pra atacar programas no Japão
Eu quero entrar na rede pra contactar
Os lares do Nepal, os bares do Gabão
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar
3.1- Epílogo
“Pela internet”, faixa presente no disco Quanta (1994), é uma das obras que
mais sinalizam a maneira de Gilberto Gil articular signos verbais e musicais. Essa
canção trata da velocidade das informações, dos acontecimentos simultâneos, do
6 Presente em www.gilbertogil.com.br. Acesso em 02 de jul de 2016.
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estabelecimento da internet e do processo de globalização (o que muitos chamariam de
pós-modernidade7), a partir da utilização de uma linguagem carregada de neologismos e
de palavras que remetem à cultura negra e praieira de Salvador. Através de um
sugestivo arranjo de palavra e música, o sujeito lírico apresenta-nos as experiências
fragmentadas e o dinamismo da cultura.
Há nela, portanto, um cruzamento de signos que nos mostram um jogo entre
tradição e modernidade. As construções frasais e os neologismos criados por Gilberto
Gil apontam para essa visão: “infomaré”, “porto de disquete”, “que veleje nesse
informar”, “com quantos gigabytes se faz uma jangada”. É importante notar que o
artista baiano conseguiu misturar, de forma engenhosa, o legado musical de Caymmmi,
que tão bem interpretou em suas canções praieiras o estado da Bahia, com elementos da
música negra norte-americana.
Essa tensão entre elementos da cibercultura e das tradições populares é o ponto
central da canção. Gilberto Gil, fazendo um contraponto ao nacionalismo e
regionalismo estreitos, construiu uma música que, ao mesmo tempo, demonstra um
encantamento com as inovações digitais e valoriza a riqueza do folclore e das
manifestações populares. Não há aqui o conhecido topos dos poetas árcades, que
propunham um retorno à vida simples e idílica do campo, em contraposição ao mundo
caótico e barulhento das urbes. O que o cancionista baiano conseguiu foi elaborar um
discurso em que essas duas visões – a que valoriza a simplicidade da vida rural e a que
se deslumbra com o mundo da tecnologia – são postas no mesmo patamar, criado, desse
modo, um texto poético cheio de nuances.
3.2- Elementos modernistas na canção de “Pela internet”.
“Pela internet” possui em sua estruturação uma clara inter-relação com a estética
da literatura moderna. No que se refere especificamente à letra, o primeiro a ser notado
é o uso de uma linguagem fortemente poética, em que não há uma preocupação em
narrar, mas sim em apresentar um conjunto de imagens dispostas de forma fragmentada,
como os planos de um filme. Esse estilhaçamento da linguagem, que já podíamos
7 É o caso, por exemplo, de Frederic Jameson (2001), para quem a pós-modernidade é a expressão, no
plano cultural, do processo de globalização. Ver mais em: A cultura do dinheiro (JAMESON, 2001).
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observar, de forma ainda mais radical, em “Alegria, alegria” e “Domingo no parque”,
faz com que visualizemos uma série de imagens articuladas em um ritmo poético
incessante:
Criar meu web site
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje
Que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé
Esses procedimentos podem ser relacionados com a técnica utilizada por Oswald
de Andrade em algumas de suas poesias, nos quais o poeta procurou captar a plástica de
um momento, ao invés de criar ideias e conceitos, através de uma escrita cheia de cortes
e planos visuais paralelos, como vemos em “Cidade”:
Cidade
Foguetes pipocam o céu quando em quando
Há uma moça magra que entrou no cinema
Vestida pela última fita
Conversas no jardim onde crescem bancos
Sapos
Olha
A iluminação é de hulha branca
Mamães estão chamando
A orquestra rabecoa na mata
(ANDRADE, s/d, p. 103).
A ideia de poesia como “resumo, essência, substrato”, defendida por Mário de
Andrade (1980, p.250), e “síntese, invenção e surpresa”, adotada por Oswald de
Andrade (2011, p.63), estão presentes em “Pela internet”. Na canção de Gilberto Gil,
observamos que o texto não busca atingir níveis metafóricos de grande profundidade,
pois o que o cancionista quer é nos apresentar o ritmo intenso da vida no mundo
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contemporâneo, onde as informações circulam em um andamento vertiginoso – efeito
acentuado pela grande quantidade de verbos que indicam movimento: fazer, velejar,
abastecer, levar, jogar, juntar. Dessa forma, recusa-se a “lógica intelectual, o
desenvolvimento, a seriação dos planos” (ANDRADE, 1980, p.250) com o intuito de se
atingir efeitos icônicos:
Eu quero entrar na rede
Promover um debate
Juntar via Internet
Um grupo de tietes de Connecticut
De Connecticut acessar
O chefe da milícia de Milão
Um hacker mafioso acaba de soltar
Um vírus pra atacar programas no Japão
A sensação de simultaneidade, provocada pela inserção de diversos planos
superpostos, é também algo digno de nota. A letra fala de diferentes países e situações
que se desenrolam em um mesmo tempo: o grupo de tietes de Connecticut, o chefe de
polícia de Milão, um hacker que solta vírus para atacar programas no Japão. A cidade
na perspectiva dessa canção se aproxima do conceito de cidade pós-moderna, em que os
limites precisos e as zonas estagnadas dão lugar a um “conjunto de fragmentos distintos
onde os efeitos de coesão, de continuidade e de legibilidade urbanística dão lugar a
formações territoriais mais complexas, territorialmente descontínuas e sócio e
espacialmente enclavadas” (MENDES, 2011, p.474).
3.4- Diálogos com a tradição cultural afro-brasileira
É inegável a importância das experiências sonoras dos negros na construção do
que se costumou chamar de MPB. Passadas mais de cinco décadas do surgimento dessa
sigla, já que ela começou a se estabelecer no final da década de 1960, parece-nos mais
claro que este tipo de tradição musical origina-se de uma linha que se inicia com o
lundu e a modinha, e se consolida com a criação do samba urbano carioca. Em outros
termos: a partir de pesquisas musicológicas e históricas, podemos afirmar, com mais
segurança, que a música popular urbana é, de fato, uma invenção negra.
Não apenas historiadores, teóricos e musicólogos, como José Ramos Tinhorão e
Mário de Andrade, que sempre mencionou a síncope como a grade contribuição dos
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negros para o repertório brasileiro, falaram da importância basilar das sonoridades
negras para a formação da cultura musical do Brasil. Gilberto Mendes, destacado
compositor erudito, disse, em entrevista ao programa Provocações, apresentado por
Antônio Albujamra: “O negro é fundamental na música do século XX, porque o negro
criou a música popular urbana, uma coisa que não existia, é uma invenção do negro.
Existia música folclórica, música do campesinato”8.
Gilberto Gil, nesse contexto, é uma das principais vozes negras da canção
brasileira. Em seu projeto estilístico tropicalista, ele procura empreender um diálogo
entre as inovações científicas e tecnológicas do mundo contemporâneo e a cultura afro-
brasileira. Algumas de suas obras evidenciam essa estética, como é o caso das canções
que compõem o disco Quanta (1994). Esse trabalho musical é revelador de um estilo
que se propõe a elaborar um tenso diálogo entre a tradição e a modernidade. Tradição
porque ele está assentado nas sonoridades da música brasileira, sobretudo no samba e
no baião do Nordeste. Modernidade, porque há variados processos de reconstrução
criativa, visando mostrar que a cultura dos negros sofrem constantes modulações.
Um elemento notório em “Pela internet” é o diálogo que Gilberto Gil
estabeleceu com a tradição afro-brasileira, fato comum no Modernismo brasileiro que,
diferente das vanguardas europeias (especialmente se pensarmos nos exemplos do
Futurismo e do Dadaísmo), não propunha uma negação da tradição, mas sim uma
síntese tensa. Como afirmou Marcos Napolitano (2007, p.130), os tropicalistas não a
recusaram, mas sim a transformaram em “mosaico de relíquias, sintomas de uma
brasilidade fragmentada. Antes valorizaram seus elementos mais recalcados”.
“Pela internet”, como o próprio título sugere, é uma reconstrução criativa – uma
“transcriação”, nos termos de Haroldo de Campos – da composição “Pelo telefone”, um
dos nossos primeiros sambas que foram gravados. O compositor de “Parabolicamará”,
no entanto, atualizou o cenário: ao invés do antigo telefone, vê-se o celular; ao invés da
8 Ver em: < https://www.youtube.com/watch?v=Y8SU76Ua9Pk>. Acesso em 05 jul. 2016
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roleta, vê-se o videopôquer. Com seu espírito de bricoleur9, o cancionista procurou
mostrar as transmutações por quais passou a vida nos grandes centros urbanos, a partir
da expansão do mundo globalizado.
Pelo Telefone (trecho)
O Chefe da polícia
Pelo telefone manda me avisar
Que na carioca tem uma roleta para se jogar
O Chefe da polícia
Pelo telefone manda me avisar
Que na carioca tem uma roleta para se jogar
A canção “Pela internet”, em consonância com o primeiro samba, está ligada à
expressividade musical da cultura negra. É importante dizer que todo o rendilhado da
letra poética de Gilberto Gil é reforçado pela estruturação dos elementos musicais,
como arranjo, melodia, ritmo e harmonia. O cancionista elaborou uma estrutura
melódica com notas curtas e rápidas, imprimindo ao texto um ritmo vigoroso – efeitos
que emulam a velocidade das informações no mundo da internet. Em relação ao ritmo
musical, ouvimos um samba, mas não um samba típico, já que ele traz elementos do
funk e da Black Music, bem a ao estilo de Jorge Ben. Gilberto Gil, desse modo, fez uma
fusão de estilos e timbres – guitarras, gaitas, samplers, slaps de contrabaixo, percussão
– que se integram perfeitamente ao sentido da letra poética.
A gravação de “Pela internet” consagrada é a do próprio Gilberto Gil. Na
realidade, poucos artistas conseguem interpretar as canções do compositor baiano de
uma maneira que acrescente informações e novidades a elas. Isso ocorre porque que o
autor de “Se eu quiser falar com Deus”, ao compor, pensa em todo o conjunto da
canção: timbre, arranjo, instrumentação, performance, inflexão das frases musicais,
harmonia. Diferente de muitos artistas que compõem apenas a estrutura básica da
música – ou seja, letra e melodia – e o entrega para arranjadores e maestros terminarem
9 Santuza Cambraia Naves (1998), baseando-se nas ideias de Claude Lévi-Strauss, conceitua bricoleur
como aquele que busca trabalhar, de forma criativa e inventiva, com os instrumentos já disponíveis, ao
contrário do engenheiro, que pode ser definido como aquele que recorre ao rigor construtivo. Segundo a
autora, “o mito do engenheiro não teve lugar na experiência modernista brasileira, pois tanto os músicos
quanto os poetas do movimento tenderam a assumir uma postura antropofágica”, ajustando-se então ao
perfil de bricoleur (p.190).
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o processo musical. Dessa maneira, “Pela internet” é uma espécie de resumo do
pensamento e da performance musical de Gilberto Gil.
4- Considerações finais
A consanguinidade entre literatura e música popular no Brasil deixou marcas
profundas na cultura artística desse país. Com o surgimento do Modernismo, na década
de 1920, essa relação se torna ainda mais intensa, na medida em que poetas
consagrados, como Manuel Bandeira e Vinícius de Moraes, passam a se interessar pela
canção popular. Desse encontro profícuo entre escritores acadêmicos e músicos
populares surgiram grandes compositores, para os quais a letra de uma canção não é
apenas um suporte à estrutura musical, mas sim um componente que pode conter
qualidades literárias por si só. É o caso de mestres da canção como Gilberto Gil,
Djavan, Chico Buarque, Edu Lobo, Caetano Veloso, José Miguel Wisnik e Milton
Nascimento.
O Tropicalismo foi o movimento da MPB que mais se preocupou em criar um
laço intertextual com o Modernismo de 1922. Gilberto Gil, um dos orquestradores desse
movimento, trouxe muitos elementos modernistas para canção brasileira, tais como a
linguagem não narrativa, a concisão, a exploração do plano visual do texto, o
hibridismo musical, o antropofagismo. Elementos estes que foram essenciais para a
modernização da canção brasileira e indispensáveis para que se originassem
movimentos artísticos e musicais como o Manguebeat, na década de 1990.
Em nossa análise, mostrarmos que “Pela internet” é uma canção que resume as
experiências poéticas e musicais de Gilberto Gil. Essa canção possui uma letra que
mescla elementos da cultura afro-brasileira com o mundo da cibercultura, gerando uma
síntese antropofágica. Além disso, procedimentos poéticos como a simultaneidade de
planos, a concisão, a intertextualidade, o diálogo com a tradição, mostram a afinidade
do trabalho de Gilberto Gil com as ideias literárias de Mário de Andrade e Oswald de
Andrade.
Se o poeta é “a antena da raça”, como enunciou o escritor norte-americano Ezra
Pound (2006), não seria exagero dizer que Gilberto Gil é a “antena” da MPB, porque ele
capta mais rapidamente as modulações e os desdobramentos da cultura. Enquanto
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outros músicos de sua época aglomeravam-se para defender um nacionalismo ingênuo,
bem como para difundir uma visão estreita de regionalismo, o compositor baiano já se
deslumbrava com as parabólicas e com os novos processos de globalização, mas sem
esquecer a tradição – como vemos claramente em seu disco Parabolicamará (1991).
“Pela internet” é uma obra tecida por meio da confluência de componentes
musicais e literários, arranjados a partir de um discurso cheio de nuances. O cancionista
sobrepõe vários planos de sentidos em sua letra, mostrando o dinamismo da vida
contemporânea. No que se refere aos elementos do plano musical, observamos que o
arranjo, a mistura tropicalista de instrumentos, a construção melódica e a harmonia
estão em perfeita sintonia com o espírito da letra poética. Gilberto Gil revela as
transformações sociais e culturais que ocorreram depois da eclosão da internet, que, na
visão do compositor, é uma espécie de “jangada” do mundo contemporâneo, com seus
signos visuais e sonoros em contínuo trânsito.
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