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PRIMEIRA RESOLUÇÃO TENDÊNCA MOVIMENTO Uma Tenbência Marxista do PT Elementos Fundamentais Para uma Concepção de Socialismo e Revolução Social I - CAPITALISMO, SISTEMA DE EXPLORAÇÃO, OPRESSÃO E ALIENAÇÃO Com a falência das tiranias burocráticas e das formações sociais no interior das quais se erigiram, a crise do movimento socialista chega ao clímax Em contraste com a confusão e a dispersão que marcam atualmente a luta revolucionária em nível internacional, a burguesia em- preendeu uma ofensiva de grandes proporções. Visa desmoralizar o proletariado não apenas desorganizando sua resistência econômico-social e lhe infringindo revezes políticos, mas também procurando derrotar decisivamente os ideais socialistas, que despertaram a razão e a paixão re- volucionárias, bem como descortinaram a esperança em um mundo novo. Os teóricos do capital, sabedores de que os fatores subjetivos têm um peso fundamental na luta de classes, realizam dois movimentos de caráter filosófico e desdobramento ideológico. Primeiro: reforçam a identificação do conceito de socialismo com a sua caricatura desenhada pelos buro- cratas do Leste Europeu. Segundo: apresentam, como se fossem evidências empíricas, a tese de que a Historia teria chegado ao fim e seus corolários: o mercado, a busca do lucro e a democracia meramente formal seriam imanentes à natureza e à sociedade humanas, resultado irreversível do processo civilizatório ocidental. Amparado em tais mitos, o neo-liberalismo vem capitaneando a reação contra as con- quistas sociais e políticas das massas populares. A exaltação da liberdade individual abstrata deve ser entendida no seu real conteúdo: cada cidadão por si e o Estado exclusivamente pela burguesia. Pelo papel relevante que desempenhou durante o último século na critica ao capitalismo e na elaboração da estratégia socialista, o marxismo se converteu no alvo central do ataque conservador. Identificam-no indevidamente com o mecanismo irradiado desde a União Soviética, apresentam as teorias do valor e da mais-valia como velharias ultrapassadas, procuram dissociar o Estado moderno dos interesses dominantes de classe, enfim, jactam-se cotidianamente da suposto morte de Marx e procuram apresentar Lenin como um ditador fanático. Semelhantes vulgaridades são repetidas sem o menor senso critico por muitos intelectuais e correntes de esquerda, que se entregam ao abatimento e à capitulação perante a ofensiva ideológica do capital. Tal psicologia revela uma crise de perspectivas diante do fracasso daquilo que há décadas vem sendo apresentado como socialismo, da correlação de forças surgida com as vitorias da direita nesta década e da incapacidade que a ossificação dogmática, cristalizada desde a Era Stalin em nome do mecanismo, vem 1

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PRIMEIRA RESOLUÇÃO

TENDÊNCA MOVIMENTOUma Tenbência Marxista do PT

Elementos Fundamentais Para uma Concepção de Socialismo e Revolução Social

I - CAPITALISMO, SISTEMA DE EXPLORAÇÃO, OPRESSÃO E ALIENAÇÃO

Com a falência das tiranias burocráticas e das formações sociais no interior das quais se erigiram, a crise do movimento socialista chega ao clímax Em contraste com a confusão e a dispersão que marcam atualmente a luta revolucionária em nível internacional, a burguesia em-preendeu uma ofensiva de grandes proporções. Visa des-moralizar o proletariado não apenas desorganizando sua resistência econômico-social e lhe infringindo revezes políticos, mas também procurando derrotar decisivamente os ideais socialistas, que despertaram a razão e a paixão revolucionárias, bem como descortinaram a esperança em um mundo novo.

Os teóricos do capital, sabedores de que os fatores subjetivos têm um peso fundamental na luta de classes, realizam dois movimentos de caráter filosófico e desdobramento ideológico. Primeiro: reforçam a identificação do conceito de socialismo com a sua caricatura desenhada pelos burocratas do Leste Europeu. Segundo: apresentam, como se fossem evidências empíricas, a tese de que a Historia teria chegado ao fim e seus corolários: o mercado, a busca do lucro e a democracia meramente formal seriam imanentes à natureza e à sociedade humanas, resultado irreversível do processo civilizatório ocidental. Amparado em tais mitos, o neo-liberalismo vem capitaneando a reação contra as con-quistas sociais e políticas das massas populares. A exaltação da liberdade individual abstrata deve ser entendida no seu real conteúdo: cada cidadão por si e o Estado exclusivamente pela burguesia.

Pelo papel relevante que desempenhou durante o último século na critica ao capitalismo e na elaboração da estratégia socialista, o marxismo se converteu no alvo central do ataque conservador. Identificam-no indevidamente com o mecanismo irradiado desde a União Soviética, apresentam as teorias do valor e da mais-valia como velharias ultrapassadas, procuram dissociar o Estado moderno dos interesses dominantes de classe, enfim, jactam-se cotidianamente da suposto morte de Marx e procuram apresentar Lenin como um ditador fanático. Semelhantes vulgaridades são repetidas sem o menor senso critico por muitos intelectuais e correntes de esquerda, que se entregam ao abatimento e à capitulação perante a ofensiva ideológica do capital. Tal psicologia revela uma crise de perspectivas diante do fracasso daquilo que há décadas vem sendo apresentado como so-cialismo, da correlação de forças surgida com as vitorias

da direita nesta década e da incapacidade que a ossificação dogmática, cristalizada desde a Era Stalin em nome do mecanismo, vem revelando na análise do mundo contemporâneo e na resposta aos dilemas da revolução social

Todavia, mesmo com as enormes transformações opera-das neste século, permanece em vigor a característica funda-mental da sociedade contemporânea: a produção mercantil com base nas relações de produção capitalistas. Ninguém pode esconder que a maior e a mais importante parcela dos meios de produção é propriedade de uns poucos burgueses, enquanto a grande maioria da população, os proletários, é obrigada a vender sua força de trabalho. Que o lucro capitalista é sempre uma alíquota do trabalho não pago, da mais valia.

Sob o capitalismo, o progresso técnico, indispensável para elevar a produtividade e as riquezas, vem desaguando no crescimento da taxa de exploração, da desigualdade social e da pobreza relativa das massas trabalhadoras. Seu resultado foi o processo de concentração e centralização de capitais que enterrou a livre-concorrência, gerou poderosos monopá1ios, provocou o surgimento de uma oligarquia financeira através da fusão entre os capitais bancários, industriais e comerciais, transformou a exportação de capital na "alma" da internacionalização econômica, repartiu o planeta entre países e oligopó1ios imperialistas, provocou duas guerras mundiais e mentem uma seqüência interminável de conflitos regionais. Nesta ordem exploradora e opressora, o indivíduo se en-

contra aprisionado em uma teia de alienação. Para a bur-guesia, quem produz é o capital, não os homens. Os carecimentos só interessam na medida em que fabricam con-sumidores. Os produtores se embrutecem e se vêem impo-tentes diante de uma realidade que ajudam a construir e a manter. O capital, trabalho morto, submete o seu criador. Assim, o cidadão, para ser pessoa, precisa alienar sua capa-cidade produtiva e os valores que lhe são derivados. Eis a li-berdade que os indivíduos podem alcançar na sociedade capitalista, a ponto de, abandonados à ideologia dominante, enxergarem tragicamente no Estado burguês e no "direito da desigualdade" sua verdade moral.

II - O CREPUSCULO DAS TIRANIAS BUROCRÁTICAS

A revolução de Outubro, dando continuidade em nível superior à tradição da Liga dos Comunistas, da Comuna de Paris e do movimento socialista de massas articulado em torno da II Internacional, foi a primeira critica vitoriosa das armas ao mundo burguês. Sem dúvida, se o termo de comparação for o atraso secular da Rússia czarista e mesmo o capitalismo da época, é inquestionável que os avanços foram imensos, tanto em termos materiais como de bem-estar, cultura e participação das massas. Mais ainda. Os bolcheviques transformaram em realidade uma vontade coletiva e uma possibilidade latente sob o capitalismo, colocando em marcha o processo de transição que polarizou os trabalhadores de todo mundo como exemplo de que é possível e necessário lutar e vencer.

Contudo, em termos de construção do comunismo, poucos progressos foram realizados. De imediato, os revolucionários de Outubro enfrentaram a sabotagem das classes dominantes interiores e o ataque militar da coligação imperialista externa. Depois, em uma sociedade basicamente camponesa, com uma

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classe operária reduzida, forças produtivas liquidadas, a nação exaurida, o pais cercado, a revolução na Europa derrotada, o capitalismo vivendo mundialmente um novo ciclo ascendente e modificações profundas, e sendo obrigados a fazerem concessões aos capitalistas e tecno-burocratas oriundos da velha ordem, iniciaram a construção pioneira do socialismo em condições desfavoráveis, contando apenas com os princípios teóricos gerais e a experiência das lutas anteriores. Realizaram prodígios. Porém, após dilemas dramáticos e uma série de erros -entre os quais estavam presentes a decadência dos conselhos a burocratização do Estado - viveram um processo complexo que resultou na tentativa de construir integralmente o socialismo em um só pais, como simples batalha pela produção e inspirado na degeneração do marxismo em uma escolástica objetivista e ideologia de Estado.

Na Era Stalin se completaram três determinações mortíferas para a transição ao comunismo. Desconstituiu-se o processo de apropriação social dos meios de produção sob o controle dos trabalhadores. No seu lugar se erigiu a forma de propriedade estatal sob o controle burocrático. Dissolveu-se a organização dos trabalhadores em classe dominante. Foi substituída por um Estado que destruiu completamente as organizações da sociedade civil e dela se apartou progressivamente, voltando a ser um corpo estranho e a reprimir as massas populares. Desagregou-se o regime político de democracia socialista. Surgiram as tiranias burocráticas. Como to-talidade, esta formação social já não pode ser chamada de socialismo. Na ausência das relações sociais e da subjetividade revolucionárias que tornam possível a existência da transição, o capital de Estado adquiriu uma cristalização sistemática. Trata-se de um termidor essencialmente corrupto e saqueador, ilegítimo portanto. A usurpação contra-revolucionária dos meios de produção em processo de apropriação social, que resultou no controle gestionário da propriedade estatal por uma burocracia privilegiada e inimiga ferrenha do socialismo.

A característica fundamental do capitalismo burocrático de Estado é a manutenção da produção mercantil com base na apropriação real dos meios de produção e do produto social pela nomenklatura, que assume o papel da burguesia tradicional, enquanto o Estado permanece o proprietário nominal. Continua o abismo entre os produtores diretos, cuja força de trabalho ainda é mercadoria, e os meios de produção. O processo produtivo é controlado pela burocracia em nome da propriedade estatal. A mais-valia se realiza através da manipulação dos fundos de investimentos, dos desníveis salariais e de privilégios sociais.

A falência das formações sociais do Leste Europeu não á simplesmente a crise do socialismo e a restauração do capitalismo, como quer a burguesia ocidental. Representa, em nível histórico, o fim de todo um ciclo aberto pelo stali-nismo. Do ponto de vista filosófico, trata-se da bancarrota do conceito economicista de socialismo, reduzido ao somatório da propriedade estatal mais a planificação, que agora cede terreno ao capitalismo privado do tipo

ocidental. Seria equivocado, porém, subestimar sua dimensão político-ideológica enquanto crise do socialismo e do próprio marxismo, em nome dos quais se "estou e como tal se fixou na consciência dos trabalhadores. A presente geração de revolucionários foi colocada perante a enorme responsabilidade da reconstrução filosófica, ideológica, política e orgânica e socialista, sem "campo socialista», «Pátria Mãe", «farol", exemplo didático,: retaguarda segura. Mas também, felizmente, sem ilusões.

Todavia, a propriedade estatal na URSS, China, Vietname me e Cuba tem uma particularidade importante, sua marca de origem: surgiu na expropriação revolucionária das pro-priedades privadas e estatais burguesas pelas massas. É pre-ciso sensibilidade à defesa das conquistas dos trabalhadores frente a quaisquer ataques, sejam da burocracia, sejam de potências imperialistas. Deve-se apoiar os povos destes países em caso de agressão externa.

III - A MODERNIZAÇÃO CONSERVADORA DO MUNDO BURGUÊS

A reconstrução do movimento socialista exigirá, além do balanço critico de suas experiências e realizações teóricas, a compreensão das novas formas surgidas na sociedade capita-lista e a elaboração de uma estratégia adequada à luta de classes contemporânea. Não será uma tarefa fácil e de reso-lução imediata. Deve ser concebida como esforço prolongado e internacional, que supera em muito as fronteiras de uma corrente política e mesmo de um partido, por mais fortes e potentes que sejam. Exige o diálogo com todos aqueles que tenham alguma contribuição intelectual a oferecer e sobretudo um investimento na mobilização de grandes massas proletárias. Esta abertura e amplitude não dispensa, antes supõe, a organização dos socialistas em partido poético in-dependente e revolucionários com posições teóricas e atitudes práticas diante das questões chaves, de maneira a que os trabalhadores possam julgá-las.

Depois da Revolução de Outubro e particularmente da 11 Grande Guerra, a sociedade civil burguesa mudou acentuadamente, adquirindo uma característica mais articulada e complexa. A dominação de classe desenvolveu formes modernas, operando-se também através de influentes insti-tuições privadas de hegemonia, da cultura de massas, da in-dústria de carecimentos e de acordos com a burocracia sindical. O Estado burguês reuniu meios poderosos de re-produzir a hegemonia, bem como se aprimorou através da sofisticação legal, da militarização institucional e da evolução na técnica repressiva e contra-insurgente. A "ocidentalização" dos órgãos de poder fica tipificada na otimização de meios para reproduzir o capital e sua dominação - soja através da gestão econômica, seja da coerção, soja do consenso -e na Intima integração destes meios com os Oligopólios tendo em vista uma "excedência" no que diz respeito aos limites da nacionalidade, dos interesses corporativos e da própria objetividade.

O capital financeiro, que no inicio do século se constituiu nos países centrais e gerou, em sua expansão, contradições entre potências avançadas e retardatários, hoje conclui sua internacionalização e sua internalização, seja dando a tônica

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na reprodução do capital nos países dependentes, seja penetrando o vácuo aberto pela decadência do indevidamente chamado campo socialista. Com as fronteiras chegando ao fim nos próximos anos, a Migração horizontal vai cedendo lugar a um novo período de aprofundamento das contradições inter-imperialistas, cujas primeiras conseqüências são o enfraquecimento do poderio norte-americano, que já não usufrui da primazia inconteste construída no pás-guerra, o declínio da União Soviética, com o fracasso da estratégia calcada na substituição da lota pela competição econômica, o ascenso do Japão, a recuperação da Grande Alemanha e, finalmente, o restabelecimento da multipolaridade representada pela formação e consolidação dos blocos. A mídia e diplomacia ocidental vêm exaltando o fim da guerra fria. Mas as tensões deverão escapar por uma válvula qualquer, seja a capitulação da União Soviética enquanto potência e seu esfacelamento, seja 8 exacerbação das disputas regionais, seja uma guerra comercial e financeira aguda, seja o não descartável recrudescimento do confronto. Sob as cinzas mornas de uma nova correlação de forças e do entendimento entre as grandes potências, queimam as brasas do nacionalismo e do conservadorismo, sugerindo um ciclo de radicalização e intolerância no qual os tambores da guerra poderão voltar a rufar, como já o fazem no Golfo Pérsico.

A euforia burguesa não consegue esconder os sinais evidentes de que o crescimento econômico dos últimos anos vem se esgotando. Não se trata, evidentemente, de uma irrupção de caráter catastrófico. o capitalismo elaborou, em meio século, instrumentos e métodos eficientes para controlar em certa medida as crises e monitorar a recuperação de economias combalidas. Mas a racionalidade do sistema não foi eliminada. Permanece a crise estrutural do capital imperialista inaugurada em meados da década de 7o. A própria situação conjuntural do Brasil não e um caso isolado. Os USA, Canada, Inglaterra, Espanha e Itália também vivem ciclos recessivos. Verifica-se uma redução nas taxas de cresci-mento das economias alemã e japonesa. Os passes do Leste Europeu procuram saídas para sua crise crônica es-cancarando as portas aos cartéis internacionais. A União Soviética, que vive a pior situação de sua história, só comparável aos traumas da guerra civil e da II Grande Guerra, procura romper a psicologia da inércia social através de uma integração aberta e acelerada à Europa imperialista.

Neste quadro a burguesia inflexionou para uma política de austeridade, supressão das conquistas sociais, desem-prego e rebaixamento salarial. De certa maneira, o neo-liberalismo, que manifesta uma confiança infinita no mercado, exprime também o declínio do Welfare State e o fracasso do capital em gerir sua própria reprodução ampliada e suprimir suas crises. O mais grave, todavia, é que a política burguesa, em qualquer de suas vertentes, não oferece perspectivas de superação completa dos grandes problemas da humanidade. Além da exploração, da opressão e da alienação, que se localizem na essência mesma do sistema, o capitalismo, mitificando a liberdade

individual aguçou o conformismo e o enfoque utilitarista das necessidades humanas; glamourizando a ecologia, transformou a natureza em mera fonte de matérias primas e imenso depósito de lixo; emoldurando sua diplomacia com o marketing dos acordos entre as superpotências, intensificou a corrida e a produção industrial armamentista; fazendo-se o campeão civilizatório, endeusa os heróis bárbaros, promove os valores guerreiros, ridiculariza o conhecimento científico das relações sociais e promove o irracionalismo; dizendo-se moderno, realiza a dissolução pós-moderna da razão critica. Nenhuma reforma do capitalismo, nenhum controle sobre os seus efeitos mais daninhos poderá livrar completamente o Homem de semelhantes mazelas. É plenamente atual o combate ao mundo burguês. Apenas sua transformação revolucionária abluirá caminho para a reorganização da sociedade em novas bases.

IV- EM BUSCA DA IMAGINAÇÃO PERDIDA

Os socialistas que se dispuseram a reconstruir o movi-mento revolucionário e destruir o capitalismo devem sair em busca da imaginação perdida. Resgatar o sonho comunista, que resultou dos mais elevados ideais emancipatórios e li-bertários da modernidade e que os burocratas se encar-regaram de transformar em pesadelo. Viver a dimensão desconhecida e misteriosa da aventura humana, que nenhuma previsão científica pode conter ou substituir. Mas se trata de convidar os homens de boa vontade para realizarem os elevados conceitos morais ou descrever minuciosamente as "soluções" de uma engenharia social? Não. A sociedade humano-universal, a "associação dos indivíduos livres" de que falou Marx, pela qual morreram e mataram milhões de proletários, camponeses e intelectuais na Comuna de Paris, na Revolução de Outubro e nas lutas de classes em todo mundo, não é uma simples utopia. É um propósito fundado na análise da sociedade burguesa, onde emerge como possibilidade, apoia-se nas lutas da classe cuja única via de emancipação reside na revolução social, e canaliza os recursos desperdiçados inutilmente com as necessidades improdutivas e anti-humanas do capital.

Porém, ao contrário do que aconteceu em todas as revo-luções anteriores, o comunismo não se desenvolve, enquanto modo de produção, na sociedade precedente. Sá o faz como projeto. É o primeiro sistema social concebido racional e conscientemente pelo ser humano. Diferentemente das for-mações sociais anteriores, que se impuseram com forte dose de espontaneidade, em processos onde os sujeitos não che-garam a compor uma teologia histérica, a revolução social moderna exige uma subjetividade densa e complexa, para a qual suo necessários o questionamento das relações sociais vigentes e a conseqüente elaboração de um fim ético-ideoló-gico capazes de retornarem à praxis na forma ele valores políticos e morais. A falência do chamado'' campo socialista" e a recuperação ideológica do capitalismo privado do tipo oci-dental colocam o desafio de retomar e atualizar a critica da propriedade, do Estado, da política e da moral.

O "reino da liberdade" não se confunde com a simples satisfação das necessidades radicais. O fim da exploração, da

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opressão, das desigualdades sociais, dos preconceitos e servidões significa, na busca progressiva da não-propriedade, a construção de um novo sistema de necessidades, incluindo novas relações sociais. Objetiva superar não apenas a ordem burguesa, mas toda e qualquer sociedade civil até então existente, fundando a primeira comunidade desalienada, onde possam florescer as individualidades. Trata-se de um processo radical de humanização do Homem. Jamais existiu, em nenhum país do mundo, tal sociedade.

A realização do projeto comunista exige um longo processo de transição, que pode se iniciar em um terreno nacional particular mas se progredirá e se concluirá tendo um caráter internacional. Durante este período, atravessado pela luta de classes e por uma instabilidade mais ou menos intensa, a restauração do capitalismo será uma possibilidade. Para que se desenvolvam as novas relações sociais, a luta revolucionária precisará quebrar o poder de auto-criação, subordinação e destruição do capital. Apenas quando os trabalhadores se tornarem classe Dominante é que a cooperação na esfera produtiva terá condições de se tornar voluntária e fundamentar uma nova sociedade. Assim, a revolução social moderna, que implica o enfrentamento com a força institucionalizada do Estado burguês, a deslegitimação de direitos adquiridos

e a desagregação da legalidade constituída, é sempre uma violência. Socialismo é o conceito referente à sociedade em vigor durante todo o processo transitório.

Uma reflexão teórica e um balanço crítico das experiências revolucionárias, incluindo a bancarrota dos países do Leste Europeu, destacam que a transição necessita se basear no processo de apropriação social dos meios de produção e seu controle pelos trabalhadores. Admitir uma formação social complexa, na qual ainda sobrevivam o "direito da desigualdade", a propriedade privada, modos de produção distintos e a própria produção mercantil. Preservar o papel fundamental do elemento subjetive, especialmente a ideologia revolucionária e seus valores humano-universais. Manter o Estado, mas enquanto mediação tendente ao não-Estado, isto é, com a grande maioria organizada em poder político e a particularidade de classe, a ditadura do proletariado, organicamente subordinada ao principio da hegemonia. Praticar um regime político de democracia socialista, entendido como a síntese da liberdade formal com a real, que articule relações institucionais entre o Estado e a sociedade civil capazes de garantirem os direitos individuais e coletivos no quadro da legalidade socialista, inclusive à organização partidária e à independência das entidades representativas de massa. Enfim, o socialismo, como formação social, deve ser a objetivação sintético e no geral progressiva da hegemonia política, ideológica, moral e cultural dos trabalhadores, conscientes de um propósito humano-universal e imbuídos de valores revolucionários.

V- REVOLUÇÃO NA REVOLUÇÃO

A Carta de Paris", assinada pelas nações européias, ao o direito inalienável à propriedade privada e o de massa, o imperativo da democracia meramente formal, manifesta sua crença no crepúsculo das revoluções sociais no início de uma Era de paz entre as classes, sob a batuta das potências -imperialistas e a hegemonia da oligarquia financeira internacional . Declarações parecidas já foram feitas em outros conclaves, que podem ser contados aos milhares, e nem assim a História acabou. Na verdade, o que chegou ao fim é uma es-tratégia revolucionária inadequada à contemporaneidade, que não leva em conta as mudanças operadas no capitalismo.

Quando terminava o século passado, os socialistas refletidos sobre a experiência da luta de classes na Europa e concluíram que a insurreição frontal e o combate de barricadas não mais poderiam, por si só, conduzir à vitória das revoluções. A disputa política ampla e a participação nas eleições burguesas foram consideradas fundamentais. Embora seguida de mal-entendidos e de uma leitura reformista, tal conclusão em muito contribuiu para o crescimento e a consolidação da II Internacional, bem como para transformar o socialismo em um problema das massas. O predomínio de posições oportunistas e do nacionalismo cortou a trajetória positiva.

A Revolução de Outubro comprovou que, nos elos mais débeis e sobretudo em certas circunstâncias favoráveis, a ca-deia imperialista poderia ser rompida pela via de uma pas-sagem à guerra de movimento rápida e decisiva, sem uma disputa mais ampla e prolongada no conjunto da sociedade. A guerra civil acabou por concentrar toda a extensão, radicalidade e complexidade que os traços próprios da insur-reição em Petrogrado dispensaram. Ao mesmo tempo, a der-rota das revoluções na Europa, especialmente na Alemanha, em que pese o heroísmo do movimento operário e a dedicação dos socialistas, já naquela época sugeriu que a estratégia bolchevique, se continha elementos universais da maior importância, não era, como chegou a pensar a III Internacional, um "modelo" a ser aplicado independentemente das particularidades nacionais.

As revoluções posteriores seguiram caminhos diferentes. Foram guerras civis mais ou menos longas em passes dependentes e pouco desenvolvidos. Pode-se dizer que pas-sou a época das estratégias calcadas exclusivamente no enfrentamento direto, onde a guerra de posição era dispen-sada, ou que viam as disputas político-institucionais, incluindo o sufrágio universal, no seu aspecto meramente destrutivo. Tal não significas que os socialistas devam vacilar em confrontar o poder burguês em situações de contra-revolução aberta na forma de regimes ditatoriais, como aquele implantado no Brasil em á4, ou em condições particulares de fragmentação do Estado, como a que se instalou no Ira. Significa apenas que tais casos não devem servir de base a elementos estratégicos de validade internacional ou a uma linha permanentemente adequada a passes onde a sociedade civil e o Estado se complexificaram minimamente. O que se deve rejeitar é uma estratégia de espera, ou seja, uma política que vive à espreita de uma crise revolucionária e que, por isso mesmo, oscila do voluntarismo à passividade.

A revolução social exige, hoje, urna elaboração mais so-fisticada, tanto em nível internacional quanto dos terrenos

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nacionais. Via de regra é um processo prolongado e não um episódio de decisão rápida. Utiliza necessariamente as formas de luta e disputa mais variadas, pacificas e violentas, demandando a elaboração de linhas especificas para orientarem a intervenção nas instituições burguesas, o trabalho nas entidades representativas de massa, o equacionamento da questão militar, o enfrentamento no plano cultural e assim por diante. Articula em um todo único e indivisível a guerra de posição e a guerra de movimento. Demanda a edificação de um campo socialista de massas forte e de caráter nacional. Precisa de uma concepção de socialismo e um programa claramente demarcados com os descalabros ocorridos no Leste Europeu e na China. Deve abordar revolucionariamente o problema das reformas sociais de modo a colocar em marcha um amplo movimento de massas voltado contra aspectos concretos e singularmente odiosos da ordem burguesa, incluindo os que se encontram ligados a temas atuais como a ecologia, o feminismo, o racismo, as minorias. E aprofundar alguns elementos universais das experiências precedentes, tais como a defesa e desenvolvimento do marxismo como corrente teórico-ideológica crítica, humanista e revolucionária, portanto anti-dogmática e anti-reformista, o internacionalismo proletário em suas várias dimensões, o papel da imprensa e as tarefas organizativas.

VI - O TERRENO NACIONAL NA POLÍTICA

A revolução brasileira pressupõe um objetivo, a conquista da sociedade humano-universal, que apenas pode se realizar mundialmente. Porém, desenvolve-se no terreno nacional, possuindo determinações concretas. O socialismo não é um fim em si mesmo, mas a mediação possível e necessária, portanto transitória, sob o capitalismo e na realidade do pais. A estratégia não é um conjunto de intenções messiânicas, mas a teoria política que norteia a intervenção de um sujeito finito. Não "antecipa" o futuro que as «leis de bronze" da historia irão "produzir". Nem se assemelha ao mero aproveitamento das oportunidades do acaso ou à realização de uma vontade pura. Exige o estudo e a compreensão da formação social brasileira, nos seus aspectos multilaterais, como terreno material e espiritual onde existem e operam os valores e as consciências.

No Brasil os modelos importados fracassaram não apenas porque a vontade política da burguesia derrotou as forças de esquerda, mas também porque o pais não é uma pequena República atrasada e subjugada por uma oligarquia tradicional, muito menos uma nação asiática, nem semelhante à Rússia Czarista. O populismo sofreu derrotas importantes e a social-democracia encontra dificuldades para consolidar um grande partido com influência hegemônica no movimento de massas não apenas por causa do trabalho ingente e cotidiano da militância socialista, mas também porque o capitalismo se modernizou mantendo bolsões de miséria e um proletariado numeroso que ingressou na cena política sem

a tutela da política burguesa-reformista, desmoralizada pela capitulação frente ao regime militar.

O Brasil moderno se diferencia dos países orientais, por-tadores de sociedades civis débeis. Distingue-se das for-mações sociais predominantemente agrárias do hemisfério Sul, notadamente das pequenas repúblicas latino-americanas, onde a dominação de classe mantém características pre-dominantemente tradicionais e oligárquicas. Não se confunde com as potencial imperialistas do hemisfério Norte. É um pais capitalista maduro, industrializado, onde a sociedade civil é o Estado se complexificam, mas ingressou na modernidade ocidental através de uma via própria. Manteve-se intacta a questão agrário-camponesa. A dominância do modo de produção capitalista se deu por meio de reformas feitas desde cima e no interior da dependência. Não houve uma revolução democrático-radical, que se apoiasse nas massas populares para liquidar os fundamentos materiais e espirituais da velha ordem escravocrata e oligárquica. A burguesia se tornou classe dominante através dalguma revolução passiva. Tal particularidade torna imediatamente trágicas quaisquer tentativas de imitar outras revoluções.

VII - A ESTRUTURA DO CAPITALISMO E A LUTA TEÓRICA

A expansão das relações capitalistas e o progresso no Brasil se deram sob o signo da submissão nacional. O desenvolvimento da dependência assumiu a forma da consti-tuição de oligopólios e finalmente de um capital financeiros interior. Hoje, a oligarquia financeira nativa compõe o tripé que dirige a economia nacional, ao lado do capital monopolista de Estado como sócia menor das empresas multinacionais, especialmente norte-americanas, todos em regime de mútua associação e cooperação. A burguesia brasileira, atrelada aos interesses do condomínio monopolista e à hegemonia do capital internacional, jamais poderá patrocinar e sustentar um projeto autônomo. A completa emancipação nacional apenas se dará por obra da luta dos trabalhadores. Só a realização do socialismo poderá livrar o pais da dependência ao imperialismo.

É preciso definir o significado da luta nacional. O desen-volvimento do capitalismo no país, ao se processar no estádio imperialista, produziu uma economia cada vez mais internacionalizado. Este fenômeno, muito além de se limitar à esfera da troca, as relações creditícias e ao intercâmbio tecnológico, gerou a internalização do capital de origem estrangeira. O imperialismo se "nacionalizou". Não é uma "coisa" externa, mas uma relação social também interna. O ser da dominação imperialista reside nas formas excedentes, provenientes da dependência, pelas quais o capital interna-cional se apropria da mais-valia produzida pelos trabalhadores brasileiros. Hoje, não passa de um simplismo, com repercussões políticas indesejáveis, tais como excluir da critica o capital interno, inclusive os monopólios associados, falar em multinacionais que saqueariam o "conjunto" da nação "de fora". A questão nacional se converteu em uma questão proletária, na exata medida em que a questão proletária se converteu em uma questão nacional.

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A modernidade do progresso burguês libertou o capital da necessidade incontornável da mais-valia absoluta e da" sub-remuneração da força de trabalho para se reproduzir. As estatísticas mostram que nas grandes empresas os salários são maiores e mesmo assim os trabalhadores são mais explorados. No Brasil, apesar da forte presença da miséria e do arrocho salarial, a baixa relativa dos salários, e portanto o aumento da taxa de exploração, é determinada fundamentalmente pela incorporação de novas tecnologias e pelo aumento tendencial da composição orgânica do capital. A política apenas retira a mais-valia suplementar. Isto desmascara o discurso populista e reformista que apela à eliminação da pobreza sem contestar a exploração e opressão capitalistas, e o caracteriza como apelo demagógico dirigido tão somente aos setores mais dispersos, desorganizados c inconscientes dos trabalhadores. Supera a critica primitiva ao capitalismo, voltada apenas contra as mazelas que este gerou no passado e hoje só produz marginalmente.

A crítica socialista deve registrar centralmente os carecimentos que o capitalismo radicaliza no presente e suas tendências faturas, sem deixar de responsabilizá-lo pela pobreza. O progresso burguês contém uma contradição irreconciliável. Coloca a cada dia possibilidades extraordinárias para o país. Mas os trabalhadores assalariados se distanciam radicalmente dos beneficies econômicos culturais que produzem, vendo-se impossibilitados, enquanto classe, de usufruir dos valores que produzem, bem como de realizar e recriar suas melhores possibilidades humanas.

O desenvolvimento do capitalismo no Brasil gerou tam-bém a união dos monopólios com o Estado, superando a possibilidade histórica do padrão liberal clássico de funcionamento dos órgãos de poder, que afinal jamais se estabeleceu no pais enquanto prática efetiva da dominação de classe. Formou-se um sistema único em nível da exploração, coerção e hegemonia, no interior do qual operam as disputas entre as frações burguesas. Assim, o setor monopolista financeiro é a principal fonte de exploração do trabalho, polo concentrador e centralizador de mais-valia global e, portanto, elemento dinâmico da economia. Pela sua atividade passam o boom e a recessão, a estabilidade monetária e a inflação, as políticas públicas e privadas. O Estado penetra na economia, na cultura, na política e nas instituições privadas de hegemonia, direta e indiretamente, como traço estrutural. Os órgãos de poder se fundem aos monopólios e estreitam suas relações com o capital internacional. Unem-se pessoalmente, em nível econômico e intelectual, os representantes dos oligopó1ios com os partidos e políticos burgueses, a camada superior e permanente da burocracia estatal, a cúpula das Forças Armadas e as sucessivas equipes ministeriais.

Tudo isto remete a prática conjunta dos oligopólios e dos órgãos de poder para uma esfera abrangente, consciente e permanente, que não se submete ao ditado empírico da fragmentação da massa burguesa pelos interesses corporativos, da objetividade do mercado e da incerteza política. É portanto um elemento da estratégia

burguesa. Precisamente porque a classe dominante, em períodos de crise aguda, não pode abrir mão do poder forte, os partidários do "Estado Mínimo" advogam medidas intervencionistas. Na verdade, o Estado deve ser mínimo apenas na concorrência com os monopó1ios privados, na ação previdenciária e nos serviços sociais.

Neste quadro, todo governo que não esteja sintonizado, de maneira mais ou menos mediada, com os interesses estratégicos do condomínio monopolista financeiro, será instável. Se a falta de sintonia for profunda e sistemática, ainda que limitado à aplicação de reformas sociais a serviço da luta pelo socialismo, será um governo de crise. A política socialista, para ser revolucionária, deverá se dirigir contra o Estado e atingir a dominação dos monopólios enquanto totalidade.

A estrutura do capitalismo no Brasil adquire os contornos atuais a partir da década de 50, especialmente depois do golpe militar de á4, quando a concentração e a centralização de capitais exigiram grandes recursos creditícios a longo prazo, originando a espiral crescente de endividamento externo e a tendência associativa entre os bancos. Surge o sistema oligopolista bancário e se desenvolve sua simbiose com os monopólios industriais e comerciais, entrelaçando os interesses dos magnatas provenientes dos diversos ramos da economia. Hoje, o capital financeiro representa não mais o capilar bancário isolado, mas a unidade superior do movimento das formas do capital anteriormente autônomos. Pela origem, natureza e desenvolvimento, o capital monopolista dependente e de Estado no Brasil é lambem financeiro.

A oligarquia financeira associada controla os principais setores da economia. Transforma as demais frações bur-guesas em suas tributarias. Tem má peso dominante na ex-ploração do trabalho, nas políticas do governo e no exercício da hegemonia. A fonte desse poder é o grupo monopolista fi-nanceiro, em cujo centro se localiza a empresa principal, que espraia seu controle aos demais componentes do grupo e ou-tras unidades. A funcionalidade desta forma orgânica se baseia no controle acionário, que dissocia a propriedade jurídico-formal da econômico-real, formando assim a Socie-dade Anônima. Tal forma de propriedade garante a ope-racionalidade do sistema de participações e uniões pessoais indispensáveis à super - exploração financeira, ao sistema único de dominação e às novas formas da ideologia burguesa.

A critica socialista à ideologia dominante não se limita ao conceito burguês de pessoa física. Abarca a categoria de pes-soa jurídica, no interior da qual "desaparecem" o capital estatal enquanto propriedade coletiva do conjunto da burguesia e o capital anônimo enquanto propriedade real da oligarquia financeira. Assim, o combate ao preceito neo-liberal de privatização não se destina à defesa de empresas su-postamente do povo brasileiro, mas procura evitar sua apropriação indébito pela oligarquia financeira, especialmente imperialista, em detrimento da situação dos trabalhadores nelas empregados e da maior possibilidade de interferência e pressão públicas. Por outro lado, a democratização supostamente realizada pela multiplicação infinita das ações nas sociedades anônimas representa a centralização real de capitais nas mãos da oligarquia financeira. Finalmente, é uma quimera pretender "resolver" os problemas econômico-sociais através de medidas que procurem quase exclusivamente

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monitorar o sistema bancário quando sua real natureza reside na primazia do capital financeiro como totalidade.

O capitalismo financeiro de Estado no Brasil não pode ser compreendido apenas à luz do terreno nacional, já que é uma peça do sistema capitalista mundial. Na divisão internacional do trabalho, o pais realizou a possibilidade de desenvolvimento das forças produtivas enquanto parceiro menor e ponta de lança dos imperialismo no quadro de suas estratégias planetárias. A internacionalização da economia nacional afetou profundamente as formas políticas de intervenção estatal e a ideologia dominante. A potencialização e a multiplicação do poderio dos grupos monopolistas financeiros predominantes no condomínio interior visa promover, de acordo com seus interesses micro-particularistas, a estratégia nacional do capital e do Estado burguês. Nada têm, portanto, de patrióticas. São apenas a exaltação ideológica de um momento da hegemonia imperialista, com base em sua presença marcante na formação social brasileira e no processo de internacionalização do capital.

VIII - AS NOVAS RELAÇÕES DE CLASSE

Nas últimas décadas realizaram-se importantes modificações na estrutura de classes da sociedade brasileira. No campo dominante, a oligarquia financeira se consolidou como fração superior da burguesia. Surgiu a burguesia gerencial não necessariamente proprietária dos meios de produção, formada pela cúpula dirigente e administrativa das grandes empresas, tanto privadas quanto estatais, e altos funcionários dos poderes públicos. Ao mesmo tempo, operou-se a territorialização do capital, conduzindo ao desaparecimento prático da grande propriedade não capitalista, ao enfraquecimento da burguesia rural semi-rentista e ao processo de aburguesamento do latifúndio.

Perde qualquer sentido centrar o ataque nas quase inexistentes oligarquias tradicionais. A reforma agrária atin-ge necessariamente o capital. Ao mesmo tempo, evidencia-se a insuficiência do sentimento anti-patronal espontâneo, que não adquire a consciência de que é preciso combater a burguesia como classe, e mais ainda, uma burguesia moderna e de estrutura complexa, que se transformou em uma oligarquia de novo tipo, muitas vezes impessoal, detendo a propriedade real sobre capitais oligopolizados e de ramos distintos. É preciso ultrapassar o corporativismo da ideologia sensível para construir a racionalidade critica da consciência socialista moderna.

A velha pequena burguesia, sobrevivente nas formas de produção camponesas, do artesanato e nas profissões liberais, há séculos vegetando na economia de subsistência ou no trabalho urbano individual, desmembrou-se em várias direções. As camadas inferior experimentaram o processo de proletarização na cidade e no campo. Paralelamente surgiram e se desenvolveram novos segmentos: camponeses que possuem capital e utilizem técnicas avançadas para uma produção voltada ao

mercado; trabalhador" urbanos independentes, muitos dos quais utilizando mão de obra assalariada, que prestam serviços à moderna estrutura de demanda nos poros da oferta monopolista; e intelectuais especializados na organização produtiva e administrativa que recebem altos salários e praticam um estilo de vida superior. Tais segmentos passaram a ter uma grande importância estabilidade da hegemonia burguesa, sedimentando o espectro social onde o liberal-reformismo tem mais transito. A política socialista deve procurar neutralizá-los, sem deixar de criticar suas ilusões e seu apego à ordem capitalista, da qual se julgam beneficiários e possíveis herdeiros.

Deve-se combater a idéia errônea que, restringindo o proletariado aos trabalhadores produtivos e estes aos ope-rários manuais da indústria urbana, defende a tese de seu enfraquecimento numérico e a diluição de seu papel estraté-gico. Os trabalhadores proletarizados aumentaram relativa e absolutamente, ultrapassando sessenta por cento das "pes-soas economicamente ativas". A tendência entre os as-salariados tem sido o desenvolvimento das camadas improdutivas, bem como dos segmentos produtivos tecno--intelectuais e de serviços. Os trabalhadores urbanos crescem relativamente aos rurais. Aumenta seu grau de concentração, socialização funcional e formação cultural Importante foi a constituição de intelectuais proletarizado em massa, que têm jogado um papel destacado nas atividades sindicais e partidárias.

O campesinato se enfraquece em número absoluto e re-lativamente ao proletariado tanto urbano quanto rural. Seu processo de fragmentação acompanha a expansão das rela-ções capitalistas no campo. Os posseiros, frente à grilagem, proletarizam-se ou se embrenham nas matas para regenerar sua própria condição anterior. Os parceiros e arrendatários perdem as terras e se assalariam. A família camponesa se proletariza frente à desagregação de sua propriedade ter-ritorial. E os arrendatários e camponeses ricos se aburguesam rumo à produção mercantil. Todavia, o campesinato, perfazendo cerca de oito milhões de trabalhadores, é e ainda será por muito tempo uma força considerável nos movimentos sociais. Qualquer subestimarão de seu papel o deixaria à mercê da burguesia e colocaria o proletariado sob risco de isolamento.

IX - AS FORMAS DA HEGEMONIA BURGUESA

A via do progresso burguês no Brasil cristalizou - mantendo e aprofundando a dependência aos centros financeiros internacionais - um lugar subalterno na divisão imperialista de trabalho, bem como incorporou tardiamente as conquistas tecno-científicas e culturais da humanidade. Ao mesmo tempo, o pacto burguês-latifundiário - que surgiu na decadência do escravismo mercantil, atravessou todo o período republicano e permanece nos dias atuais - determinou que a capitalização no campo se processasse através de uma modernização conservadora, preservando o monopólio da terra. Assim, o progresso burguês acentuou as disparidades regionais. Manteve os setores subalternos do capital com baixa composição orgânica. Gerou em grandes contingentes populacionais uma situação de miséria extrema. Condicionou a

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cultura dominante, mantendo o conservadorismo e o arcaísmo do pensamento oligárquico-rural, especialmente o preconceito em relação às classes subalternas, a opressão às mulheres, o racismo, o aviltamento aristocrático do trabalho como fonte de progresso individual e constituição de riquezas. A marginalizarão do conceito de cidadania como direito político formal de objetivar instituições e escolher rumos. A rotina imediatista. Tudo isto sob as bênçãos de um Estado paternalista e parasitário.Mesmo hoje, quando os neo-liberais clamam pela modernização do Estado, não desejam romper com sua estranheza em relação à sociedade civil e seu caráter tutelar de leviatã burocrático, apenas adaptá-lo aos novos interesses do capital. Eis a sua tão propalada universalidade.

O resultado mais geral desse processo foi a marginalização política dos trabalhadores e sua condenação a simples objeto das atenções do Estado e dos partidos burgueses. Assim ocorre na demagogia populista. Na instituição informal e na prática de clientela. Na coerção mais ou menos aberta e violenta. Na inorganicidade dos partidos, com exceção do PT. Na gelatinosidade da sociedade civil. Na ausência de participação política. No privilegiamento dos meios impositivos, especialmente os instrumentos eletrônicos de comunicação e a legalidade basiladora da ordem. Trata-se de um exemplo típico de hegemonia "passiva" - ou seja, da passividade, seja das classes dominantes em criarem uma base de massas orgânica para sua dominação, seja das massas populares na relação com o Estado e a burguesia - percorrendo as esferas ideológica, psicológica, moral, cultural e política. É preciso denunciar tal particularidade da hegemonia burguesa no Brasil e reafirmar a posição de que a emancipação dos trabalhadores é obra insubstituível dos próprios trabalhadores e só poderá se efetivar na medida em que sejam sujeitos de seu próprio "destino", ou seja, desagreguem o destino que a modernidade ocidental lhes reservou.

Submetidos a tais valores, os movimentos de origem e conteúdo populares, mesmo aqueles que foram ou se propuseram a ser revolucionários, revelaram-se impotentes não se para destruir a exploração e a opressão, mas também para ao menos conferir uma conformação democrático-burguesa clássica à sociedade civil e às instituições públicas. Ao longo da historia, têm predominado as posições conservadoras e não raro abertamente repressoras. O progresso assumiu a forma mítico-ideológica de uma simples vitória da modernização contra o arcaísmo, "perdendo" o caráter de classe e ganhando uma providencial "universalidade". Manietada nesta camisa de força, a trajetória nacional vem sig-nificando o reforço estrutural da reação política, ideológica e cultural, bem como acentuando o caráter perverso do progresso burguês.

A instalação da supremacia burguesa, na ausência de uma mobilização popular sob a direção de um projeto democrático-radical - isto é, sem jacobinismo e sem a pre-tensão emancipatória da "razão soberana" -, calcinou o terreno onde poderia ter florescido uma cultura

nacional-popular. O pensamento burguês se auto-imolou no altar da reação continua que lhe condicionou a origem. O elitismo se fez acompanhar inicialmente de uma cultura or-namental, bacharelesca e pedante, postiça e desprovida de vitalidade, conformista e reacionária, para depois desaguar no utilitarismo. Assim, a ignorância arrogante e mal disfarçada das Passes dominantes, para se impor precisa do obscurantismo cultural e sobretudo da miséria espiritual do povo, que cultiva cotidianamente. Em contrapartida, as massas trabalhadoras, carentes de uma cultura fundada em elementos racionais, humanistas e universalizantes, debatem-se entre as condições de receptáculos passivos da alienação e de reagentes a partir da repulsa genérica que acaba potencializando o preconceito anti-teoria, ou simplesmente abdicam de qualquer atividade intelectual.

A modernização do Estado e da sociedade civil no Brasil foi ainda paradoxal dotada de um conservadorismo e de um anti-democratismo que se reafirmaram constantemente. No interior de uma revolução passiva, o Estado nacional adquiriu a conformação elitista que excluiu as massas da vida política, mesmo nos curtos períodos liberais. Esse traço marca a política burguesa. O relacionamento da grande massa dos capitalistas com o Estado tem uma inflexão corporativista e quando muito é mediada por partidos inorgânicos, abrindo espaço para freqüentes pronunciamentos militares. A frag-mentação da hegemonia e da própria coerção apenas não se instala espontaneamente porque opera o papel coesionador e tutelar da esfera pública e, nos dias atuais, globalizador do sistema único de dominação. Entre os "de baixo", essa reali-dade se expressa pela adesão eleitoral inorgânica, pelo atre-lamento ao populismo, pelo corporativismo sindical e, mais recentemente, pela hostilidade genérica à política.

Na ausência de uma sólida tradição político-participativa, a coisa pública é vista por muitos como um problema exclusivo da burguesia e dos políticos individuais, os direitos de-mocráticos são menosprezados e a própria cidadania é desconsiderada, surgindo assim o terreno fértil para a germi-nação e reprodução de valores autoritários, desumanizados, particularistas e individualistas. Os socialistas devem assumir a luta contra esse obstáculo à organização e mobilização das massas, como condição para que os trabalhadores possam construir seu futuro.

A disputa contra a hegemonia burguesa e sua concretude nacional pode conseguir êxito. Provam-no os exemplos de insurgência popular ao longo de nossa histeria e sobretudo as modificações políticas e culturais da última década, que assinalam tendências reais de complexificação e autonomização da sociedade civil. Porém, os socialistas não devem valorizar indistintamente, de maneira abstrata e pragmática, tudo aquilo que se contraponha no método à hegemonia passiva, postura que exaltaria e reforçaria os traços ativos da política dominante. Apáiam e promovem a vertente popular de contraposição à hegemonia burguesa, alvejando-a na sua forma concreta. Afinal, a participação democrática deve ser balizada por critérios de classe e dirigida por valores revolucionários.

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X- OBJETIVO ESTRATÉGICO, BLOCO HISTÓRICO E CLASSE HEGEMÔNICA

O objetivo central da revolução brasileira é fundar, no terreno nacional, o socialismo. Reformas no Estado e na sociedade civil burgueses, por mais profundas que se proponham a ser, ainda que prometam a sua democratização, jamais poderão servir de base para a transição socialista, isto é, para a transformação completa e decisiva das relações sociais, inclusive culturais, existentes sob o capitalismo. Os socialistas devem se colocar a tarefa futura de empreender um ataque ao Estado burguês visando destrui-lo. Este é o pressuposto político para a construção de um novo Estado, de conteúdo proletário, e de uma nova sociedade civil, socia-lista, moderna, complexa, articulada e democrática, que não sá representem a negação radical de seus congêneres burgueses, mas ainda inaugurem o processo de superação de todos e quaisquer Estados e sociedades civis.

A definição da aliança de classes capaz de realizar o objetivo estratégico central e as tarefas socialistas no Brasil passa pela análise dos seres sociais e suas necessidades. Trate-se de distinguir as classes e camadas que se encontram exploradas em sua própria existência social e não integram o bloco no poder, sendo portanto alvos da opressão política; cujas necessidades são subjetivadas na forma de interesse, expressam-se enquanto movimento espontâneo e se conformam como ideologia sensível; suscetíveis, portanto, de aderirem à luta socialista e se constituírem na base social do novo Estado: o proletariado, incluindo o semi-proletariado, o campesinato, excluindo os camponeses ricos, e a pequenaburguesia urbana, sem as camadas superiores.

O bloco histórico apenas poderá se formar na medida em que o proletariado deixe de ser um mero objeto da poética e assuma a condição de força dirigente, constituindo sua hegemonia sobre a pequena burguesia urbana e rural. Para tanto, deve romper com o corporativismo; dirigir-se a todas as classes e camadas populares, construindo com base nelas um campo socialista de massas e transformando-as em agentes da revolução social; neutralizar as camadas superiores da pequena burguesia urbana e rural; incorporar a grande massa da intelectualidade; promover um corte de classe na sociedade, com referênciais político-ideológicos, identificando como inimigos antagônicos a burguesia e o latifúndio; e desferir o centro do ataque estratégico contra a oligarquia financeira, os latifundiários e o Estado burguês.

Na formação social brasileira, o proletariado deve ser não apenas uma força hegemônica, mas também a principal base de massas da luta socialista. Seu contingente sobe a cerca de quarenta milhões. Destaca-se a importância dos trabalhadores produtivos, urbanos e rurais, especialmente os operários da grande indústria.

Esta camada é numerosa e concentrada. Está presente na empresa moderna, situando-se por isso mesmo no epicentro da produção capitalista. Reúne trabalhadores qualificados e intelectualizados. E tem acumulado uma tradição de lutas muito importante. Por tudo isto, é a camada social que apresenta maior suscetibilidade para assimilar as idéias socialistas, jogar um papel avançado na luta de classes e se constituir no principal podo de apoio tanto do novo Estado quanto do processo de transição. Ocupa, portanto, uma posição estratégica central.

XI - O PROGRAMA SOCIALISTA E A LUTA POR REFORMAS

O objetivo estratégico deve se traduzir em uma série de atitudes e medidas. Na qualidade de síntese centrada na po-lítica, a racionalidade programática articula a expressão me-diada da vontade de liberdade com a correlação de forças e a satisfação das necessidades prementes do povo. Representa igualmente a resolução prática dos graves problemas que D afligem e os passas capazes de lhe garantirem uma vida digna e melhor. Pela complexidade da formação social brasileira e da luta pelo socialismo nos dias atuais, deve não apenas incidir sobre o capitalismo de maneira direta, mas também abordar uma temática ampla, que abarque desde os traços arcaicos até questões típicas da modernidade "ocidental". Precisa contemplar os múltiplos anseios populares, a riqueza multilateral das preocupações existentes na sociedade brasileira e a universalidade de uma luta cujo objetivo maior é a emancipação integral do próprio homem. São tarefas do programa socialista no Brasil:

conquistar uma democracia socialista, o que representanão só um regime político de liberdades formais comotambém a participação direta e organizada dostrabalhadores no planejamento da produção, na gestão dacoisa pública e no aparato militar;desapropriar e colocar sob controle dos trabalhadores os grupos monopolistas financeiros, especialmente os bancos, as grandes indústrias que operam em setores estratégicos da produção e as empresas de interesse social;

acabar com a dependência do pois ao imperialismo, incluindo a sangria de capitais para o exterior através da divida externa e da remessa de lucros;

suprimir o monopólio privado da terra por meio de uma forma agrária que desaproprie os latifúndios e os coloque sob o controle dos trabalhadores, transformando-os em cooperativas camponesas ou empresas socialistas;

garantir uma vida digna para todos, incluindo a satisfação progressiva das necessidades populares e o acesso universal as modernas conquistas da civilização; assegurar a libertação integral da mulher;

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lutar contra os preconceitos e todas as fortunas de dominação;

combater o conservadorismo e o arcaísmo na moral e nos costumes, bem como a alienação e todas as formas de servidão espiritual; democratizar a produção intelectual e o acesso à cultura; eliminar a utilização predatória do meio ambiente;

praticar urna política externa independente, bem como a solidariedade às lutas dos trabalhadores de todo o mundo contra a exploração capitalista e dos povos pela sua emancipação nacional e social;

defendera humanidade, inclusive a paz e os direitos humanos.

As lutas por medidas parciais de conteúdo popular e por reformas, nas condições da formação social brasileira, merecem uma atenção especial. Algumas se chocam diretamente com os interesses do capital, tais como tocar na propriedade privada, nas Forças Armadas e no monopólio dos meios de comunicação, tendo portanto um sentido revolucionário. Outras, apesar de confrontarem a política dominante, não representam uma oposição antagônica aos fundamentos da ordem social vigente: tão somente sua reestruturação. Todas, entretanto, devem ser contempladas pela política socialista, mas não enquanto caminho para a implantação evolutiva do socialismo, isto é, na condição de movimento absoluto que dispensa ou dissolve a meta.

A estratégia revolucionária incorpora a necessidade de um amplo movimento de massas por reformas sociais, mas o coloca sob a direção do fim socialista. A luta por rei-vindicações parciais, ao mesmo tempo em que se justifica moralmente como esforço de melhorias nas condições de vida para os seres humanos sob o capitalismo, oferece uma base de massas estratégica indispensável, consiste em uma escola insubstituível para a educação política das classes populares, facilita o coesionamento e a organização do bloco histérico. Não existe uma incoerência entre lutar pelo socialismo e por reformas sociais. O que não se pode é ser, ao mesmo tempo, revolucionário e reformista.

XII - DUAS DIMENSÕES INSEPARÁVEIS DA ESTRATÉGIA

A estratégia totaliza duas dimensões fundamentais. A primara, de grande atualidade, implica a dominância da luta pelo acúmulo de forças, o debilitamento da dominação burguesa e a construção da contra-hegemonia socialista através` o da disputa política, ideológica, -cultural e moral, envolvendo a ocupação de "trincheiras" e "casamatas" na sociedade civil e o assédio à fortaleza estatal. A segunda dimensão, de caráter decisivo, pressupõe a dominância da mobilização de massas e do enfrentamento político

visando a ruptura e finalmente a desconstituição do Estado burguês.

Na formação social brasileira, onde as classes dominantes já deram provas eloqüentes de sua truculência, onde o Estado, desde sua origem, primou por abusar dos métodos coercitivos - fazendo uso inclusive da violência ilegitimável do terrorismo secreto de Estado e dos grupos para-militares -, onde a historia já refutou à exaustão as quimeras reformistas, os socialistas não têm motivo algum para duvidar da im-prescindibilidade da guerra de movimento na acepção gramsciana, sem a qual a contra-hegemonia constituída não poderia ser mantida. Mas frente a um Estado e uma sociedade civil maduros, modernos e em fase adiantada de complexificação, adquire enorme importância a guerra de posição, sem a qual as tentativas de enfrentamento estariam condenadas ao fracasso.

Tão importante quanto classificar tais dimensões é articurá-las dialeticamente, considerá-las pólos diferenciados de uma unidade. A passagem de uma para a outra se torna o problema político chave. A guerra de posição, se não encarada como fórmula burocrática, desligada da luta de classes, deve ser associada à mobilização de massas contra o Estado. Mesmo porque, sem tal elemento, que exige uma tradição política - sobretudo nas condições do Brasil, onde governos conservadores organizem e centralizam a reação política jamais se construirá a contra-hegemonia socialista. Coisa semelhante se dará com a guerra de movimento, que não po-derá prescindir das disputas ideológicas, culturais e morais, e de uma direção política. Caso contrário descambaria para o militarismo, perdendo o respaldo e a participação das massas. A absolutização de cada um desses elementos estratégicos alimenta o movimento pendurar da esquerda brasileira, com sua tradicional oscilação do reformismo ao blanquismo, do legalismo ao clandestinismo, e vice-versa.

Os socialistas julgam que a ruptura é inevitável e decisiva. Não recusam de antemão, nem para o futuro nem para hoje, quaisquer formas de luta. Consideram, entretanto, que devem expressar, em qualquer caso, a experiência e a vontade das massas, bem como serem compatíveis com a situação política, a correlação de forças, o nível de implementação da estratégia e os valores humano-universais. Assim, apoiam o direito histórico dos povos à sua própria auto-defesa, bem como à rebelião contra sistemas sociais e regimes políticos injustos e tirânicos.

A violência e a ofensiva ideológica da burguesia, somadas aos erros cometidos pela esquerda, produziram, dentre outros efeitos, uma considerável defensiva teórica e política na tematização das questões militar e da violência revolucionária. A realidade da dominação do capital impõe o uso da força como elemento incontornável da estratégia socialista. A elaboração teórica em torno deste problema possui muitas vezes um caráter de premência. Desenvolve-se no interior do ambiente de repressão e não raro terror que ocorrem no co-tidiano da luta de classes. Deve incorporar criticamente as experiências populares em plano mundial e particularmente no Brasil, componente mais rico e dinâmico dos elementos militares da estratégia.

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XIII - DISPUTANDO A HEGEMONIA NO TERRENO NACIONAL

A luta contra-hegemônica no Brasil se traduz na síntese de três elementos, que articulam a luta socialista no atual momento estratégico. O combate à hegemonia passivo enquanto centralidade negativa. O bloqueio sistemático às tentativas burguesas de reformar sua hegemonia e ocidentalizá-la pela introdução e desenvolvimento de componentes ativos. E, finalmente, como centralidade positiva, a constituição da contra-hegemonia dos trabalhadores, de caráter ativo e conteúdo socialista.

As lutas pela superação da marginalidade política e cultural, ainda que nos limites do capitalismo, pelo direito à liberdade, ainda que particularizada na forma de democracia burguesa, pela igualdade, mesmo que jurídico-formal, pela participação ativa em todos os aspectos da vida social, incluindo aqueles sá convenientemente abordados através da critica política, enfim, pela conquista da cidadania plena, significará, para os "de baixo", não só melhores condições para o acúmulo de forças e o desenvolvimento de sua luta de classes, mas também um exercício indispensável de maturidade poética e dignidade humana, sem o qual não poderão se de-senvolver a consciência e a organização dos trabalhadores. A contra-hegemonia socialista passa pela luta democrática, pela politização partidarizada e autônoma dos trabalhadores, pela diversificação, complexificação e consolidação das organizações populares, pela intervenção nas instituições do Estado e da sociedade civil, e pela disputa cultural.

A particularidade da guerra de posição no Brasil ilustra, com notável clareza, que a construção do novo poder é uma necessidade histórico-subjetiva. Seria uma ilusão pretender que os trabalhadores rompessem a hegemonia passivo, respondessem à complexidade dos problemas modernos e chegassem à consciência socialista espontaneamente ou mesmo através de uma praxis exclusivamente política stricto sensu. A hegemonia burguesa só poderá ser questionada por um movimento socialista auto-entendido como processo global que abarque a política, a ideologia, a cultura e a moral, bem como a realização humana coletiva e individual.

A reestruturação da vida cotidiana, incluindo a constru-ção de um modo de vida baseado na universalização das relações humanas, deixa de ser uma simples conseqüência da revolução social e da humanização do trabalho produtivo para se tornar uma exigência do presente, embora com limites objetivos. Não pode haver uma hegemonia meramente política, pois seria uma primazia. Deve-se falar, sim, na dimensão política da hegemonia.

É verdade que, no seu aspecto teórico, a política trans-cende à hegemonia e a concebe enquanto momento da estratégia. Mas, na condição de práxis, relaciona-se com a contra-hegemonia como síntese substantiva necessariamente totalizante, que inflexiona sua centralidade para temas tangíveis, capazes de garantirem

a partidarização dos trabalhadores e a abordagem da questão do poder. De uma forma ou de outra, a política deve impregnar toda e qualquer atividade socialista.

XIV- ORGANIZANDO A CONTRA-HEGEMONIA

A Luta contra-hegemônica não se confunde com o esforço pelo simples predomínio de idéias e vontades na consciência de multidões inorgânicas. Ao contrário, para não se estiolar em quimeras dilatantes, precisa ser uma luta pela organização da hegemonia. A objetivação de valores revolucionários exige o desenvolvimento e a construção de instituições e meios materiais, tendo em vista a constituição de toda uma rede articulada e complexa, condição para reverter a hegemonia passava, criar uma contra-hegemonia ativa, mudar a correlação de forças e sustentar a reprodução ampliada da política socialista.

É necessário atuar nas instituições burguesas, esgotando todas as possibilidades que oferecem, desde a Universidade, passando pelos modernos meios de comunicação de massas, até o Estado em suas várias instâncias. Porém, a prioridade reside nas instituições e meios a serem desenvolvidos pelo proletariado e seus aliados de Passe. Tem lugar destacado no sistema organizativo da estratégia as entidades represen-tativas de massa e as instituições culturais voltadas especificamente para a disputa contra-hegemônica. Merecem atenção especial as organizações independentes e autônomas de massa - criadas pelo movimento popular como órgãos de luta e participação democrática- que poderão, no interior de uma crise nacional revolucionária, converterem-se em órgãos de poder, tais como as Comissões de Fábrica.

O movimento socialista vem sofrendo derrotas na tentativa de organizar os trabalhadores nos centros nevrálgicos da luta de classes. Em nosso pais, é incipiente a existência de organismos autônomos e reconhecidos pelos operários. Tal constatação, ao invés de propor o abandono do esforço de construção das formas orgânicas necessárias à luta contra-hegemônica, procura impulsionar o exame das condições contemporâneas da acumulação capitalista e das relações di-retas no processo produtivo, bem como dos mecanismos de manipulação, disseminação do medo e reprodução da apatia. Objetiva, através de iniciativas originais, romper com a dispersão política, ideológica e orgânica das massas.

A estratégia socialista transcende às disputas nas institui-ções burguesas. Nenhuma entidade de conteúdo explici-tamente contestatário conseguiria se desenvolver impunemente no interior do Estado, pois seu próprio modo de ser lhe é confrontaste. As administrações municipais, por exemplo, não têm como fugir a este condicionamento e por isto mesmo não podem praticar o socialismo a não ser depois da ruptura. Porém, é possível, em períodos democráticos e mesmo em certas situações de predomínio coercitivo aberto, edificar instituições alternativas no interior da sociedade civil.

Duas conclusões se impõem. A própria luta contra-hege-mônica, para não falar no enfrentamento, encontra seu terreno mais fértil na sociedade civil, embora não deva se limitar aos seus contornos. No interior da sociedade civil, a prioridade

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estratégica cabe às mobilizações de massas, bem como às instituições e meios de caráter popular. É o caso dos movimentos independentes em relação às instancias do Estado e às instituições burguesas da sociedade civil.

Destaca-se á importância estratégica das entidades e movimentos populares organizados, que têm sido um espaço inédito para a organização e educação dos trabalhadores, bem como para que suas lutas encontrem um sentido superior. A CUT representa o maior desafio à estrutura sindical de Estado, instituição chave para o exercício da hegemonia burguesa. Surgida no fogo de grandes lutas grevistas, expressando o desenvolvimento quantitativo e qualitativo do proletariado como classe, posicionando-se contra o regime militar, a transição burguesa-conservadora e o pacto social, adotando bandeiras avançadas em suas plataformas de lutas, pronunciando-se pelo socialismo, rompendo em vários as-pectos com a legislação corporativa e atreladora, tornou-se uma séria e consistente procura de organização te pelos trabalhadores.

A CUT representa, assim, uma contraposição à hegemonia passiva e uma coluna imprescindível não só à construção da contra-hegemonia, mas também ao enfrentamento contra o poder burguês. Para potencializar tais características, precisa avançar na superação de um certo economicismo e dos dilemas irresolvidos frente à estrutura sindical. E se construir definitivamente enquanto centro inspirador e organizador de um sindicalismo autônomo, livre, democrático, Assista, politizado, de massas e sob direção socialista, capaz de cumprir um papel destacado no sistema organizativo da estratégia.

Todavia, a questão central da luta contra-hegemônica é o fortalecimento político e orgânico do Partido dos Traba-lhadores enquanto um partido socialista em construção e portanto em disputa. Conceber o PT como partido estratégico significa afirmar que a teoria política da revolução brasileira deve incorporar a tarefa incontornável de parlidarização da militância socialista e das massas trabalhadoras.

XV - A INTELECTUALIDADE NA GUERRA DE POSIÇÃO

Tão importante quanto construir e fortalecer os movi-mentos de massa e suas entidades representativas é criar uma rede de instituições voltadas especificamente para disputa de hegemonia no plano ideológico, cultural e moral, destinadas à elaboração e reprodução das idéias e valores revolucionários. Neste caso, a luta intelectual se torna mais complicada e rica. Deve se dirigir contra o reforço e a expansão da espiritualidade extremamente excludente, elitista e autoritária que caracteriza a superestrutura da sociedade brasileira, como a carência de ilustração, a incultura política, a falta de uma identidade história, cultural, a fragmentação ideológica, o conservadorismo moral e a despolitização crônica, bem como suas conhecidas repercussões psicossociais: o ceticismo, o conformismo, a passividade.

Com igual rigor, é preciso combater os elementos modernos e ativos que certas correntes políticas, em

particular a social-democracia e o neo-liberalismo, procuram tornar predominantes na hegemonia burguesa: o livre-mercado como valor supremo, um Estado "afastado" da sociedade civil, uma reforma moral recredenciadora da política burguesa, a ideologização dos partidos da ordem para torná-los mais res-peitáveis, e a democracia como valor universal para legitimar o Estado e suas instituições.

Como síntese positiva, é necessário desenvolver uma con-tra-hegemonia assentada em uma vontade política coletiva e em valores revolucionários que representem a autoconfiança dos trabalhadores em sua própria capacidade de escolher a1-ternativas e realizá-las.

A intelectualidade no Brasil, penetrando o universo con-ceitual de várias Pastes, desde o proletariado, passando pela pequena burguesia, até a burguesia, joga um papel singular. A luta contra-hegemônica e a própria sustentação do enfren-tamento com o Estado exigem o deslocamento, para o campo do socialismo, de personalidades culturais e de um setor significativo da massa de intelectuais. É também prioritária uma política de formação de quadros, não sá qualificando-os para a direção político-ideolágica e o trabalho técnico-organizativo em nível partidário e dos movimentos sociais, mas sobretudo fundando uma tradição teórica nacional e constituindo uma corrente socialista influente, apoiada em um grande número de indivíduos dotados de nível e independência intelectuais, capazes de pensar, elaborar e agir por conta própria.

XVI - OS SOCIALISTAS E O PARLAMENTO

A disputa no inferior das instituições do Estado no Brasil vem se prestando a sérios equívocos. A inflexão ins-titucionalista se encontra ligada a uma visão reformista, em particular à teoria da revolução em duas etapas, ao seguidismo em relação a setores da burguesia tidos como progressistas, às influências do populismo e à tese da democracia como valor universal. É preciso recusar essa tradição e a conciliação de classes que lhe corresponde.

Por outro lado, ainda se manifesta uma subestimação das disputas na institucionalidade burguesa que ronda o abstencionismo, seja como reação simétrica ao adaptacio-nismo parlamentar, seja como estreiteza economicista, submissão à hegemonia passiva ou manifestação doutrinarista. Deve ser igualmente criticada. A estratégia socialista exige uma linha parlamentar politizada que, tendo em vista a maturidade e a complexidade das sociedades civis e Estados modernos, e particularmente as características da formação social brasileira, situe corretamente a importância, os limites e o sentido da intervenção nas instituições estatais.

Contrariando ao instucionalismo à prática parlamentar da social-democracia, a intervenção revolucionária terá um conteúdo nítido de esquerda. Será profundamente ligada às massas populares. Recusará a cooperação. Adotará uma postura autônoma em relação às instituições do Estado. Pautar-se-á por um espírito combativo, pela denúncia cons-tante, pelo enfrentamento contra os partidos burgueses, pela explicitação e defesa das idéias e valores socialistas, pela exi-gência de reformas sociais profundas, pela solidariedade às lutas proletárias e a todos os movimentos populares, pela critica radical e politizada à natureza das instituições bur-

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guesas, pela subordinação de sua tática à estratégia socialista.

Ao mesmo tempo, demarcando com o abstencionismo e o mero agitacionismo, debilitação as posições dos repre-sentantes das classes dominantes, ampliarão os espaços de manobra dos socialistas, conquistarão e consolidarão posições, criarão novas referências para a luta revolucionária e sobretudo reforçarão o sistema de contra-hegemonia na sociedade civil. A necessária ligação da luta parlamentar com as massas implica uma articulação orgânica de mão dupla, sob a direção da estratégia socialista. De um lado, a pressão do movimento de massas organizado sustentando, tornando produtiva e conferindo a marca da tola de classes ao trabalho institucional. De outro, a intervenção parlamentar desen-volvendo a solidariedade, ressonando e imprimindo amplitude política aos movimentos populares.

XVII - OS SOCIALISTAS NO EXECUTIVO

Mais complexa é a disputa nas instituições executivas do Estado burguês. Eis um problema tradicionalmente difícil,cuja resposta poderá acarretar uma vitória de valor inestimável, com a conquista de uma posição vantajosa e inédita na política nacional, ou mais uma experiência frustante, como tantas outras já vividas pela esquerda em outros países e capaz de evoluir para a tragédia.

Um governo dirigido por socialistas e que se proponha a realizar profundas reformas sociais seria um governo de crise, marcado pelo cerco constante dos capitalistas e por uma contradição insuperável no interior do Estado. Estaria colocada em cheque a hegemonia e a própria estabilidade da dominação burguesa. Uma situação que exigiria da esquerda muita criatividade e conseqüência política, bem como dos trabalhadores a reunião de suas energias e capacidade de luta.

Deve-se descartar um governo de capitulação, gerente do capitalismo, que traísse os compromissos assumidos e abandonasse as reformas de interesse dos trabalhadores. Será preciso manter a política e a coerência, mesmo sabendo que se enfrentará forças muito poderosas e inescrupulosas. Neste caso não se pretenderá ultrapassar o alcance e os limites de uma plataforma submetida ao pronunciamento eleitoral do povo. Com muito maior razão, tais limites se colocarão nas administrações estaduais e municipais, já que possuem um caráter local. Será portanto um governo de socialistas, a serviço da luta pelo socialismo, mas não aplicará de imediato o programa socialista. Jamais espalhará entre os trabalhadores a ilusão do que soja possível desconstituir o capitalismo e construir o socialismo sob o Estado burguês e pela via eleitoral.

É possível, porém, que a resistência das classes dominantes conduza a um aguçamento imprevisível da luta de classes, inclusive com iniciativas reacionárias de rompimento da legalidade constitucional e pisoteamento da própria democracia burguesa. Neste caso, a passagem à desconstituição do Estado burguês não dependeria

apenas da vontade dos socialistas c do governo, mas da situação política de conjunto, especialmente o nível de implementação da estratégia.

Nenhuma ruptura poderia ocorrer como simples desdobramento de uma vitória eleitoral, ainda que o pronuncia-mento da maioria viesse acompanhado de uma consciência democrática solidamente enraizada e até de uma adesão genérica ao socialismo. A primazia socialista conjunturalmente obtida nas eleições seria apenas um aspecto da política global. Poderia estar uivada de ilusões institucionais, aprisionada em preconceitos ainda não superados, animada pelo propósito de melhor administrar o capitalismo. Neste caso, conduziria seguramente à derrota e seria indesejável. Só interessa uma vitória real dos trabalhadores, ainda que em nível tático.

A busca de uma vitória real supõe a disputa para valer. Alas o critério de justificar os meios políticos pelos fins eleitorais - a chamada vitória a qualquer preço tão a gosto dos políticos burgueses - deve ser substituído pelo principio de estabelecer a racionalidade entre os meios eleitorais e a estratégia socialista, sempre acompanhada de uma moral comportamental. Será fator de avanço a conquista do governo federal através de uma tática eleitoral subordinada à disputa de hegemonia na sociedade civil, bem como a uma linha capaz de preparar o enfrentamento com o Estado se uma ruptura for colocada ao bloco socialista.

Nessa perspectiva, interessa ganhar as eleições centrais por meio de um movimento capaz de compatibilizar os se-guintes elementos: uma posição de esquerda, com perfil anti-capitalista e socialista; uma política ampla, que mobilize grandes massas por reformas democrático-populares; uma tática de campanha que procure constituir uma base orgânica de massas e militantes dotada de valores revolucionários; e uma linha de governo que permita alargar o respaldo de massas, criar novos meios e formas capazes de aprofundar a disputa em torno da hegemonia, preparar a militância, dis-suadir as conspirações e, se for preciso, confrontar a direita. Tais diretivas, contudo, não podem ser confundidas com um plano carbonário. Procuram operar no interior das múltiplas determinações estratégicas, cuja resultante depende dos choques entre os atores políticos no interior da luta de classes e com as mais variadas formas de luta.

XVIII - INTERNACIONALISMO

Os revolucionários praticam as três dimensões concretas do internacionalismo proletário: lutam contra a burguesia de seu próprio pais, prestam solidariedade ativa aos traba-lhadores que, no mundo inteiro, combatem a exploração e a opressão, e promovem entendimentos com entidades de trabalhadores e partidos socialistas de todas as nações. Con-tudo, jamais devem perder o senso critico quanto à noção de "internacionalismo" desenvolvida pelo stalinismo, calcada no chamado campo socialista, que visava unicamente preservar os interesses nacionais da "Pátria Mãe" e conseqüentemente de sua burocracia em detrimento da luta revolucionaria em nível mundial.

Face à complexidade da situação política mundial, em particular a diferenciação e a fragmentação existentes hoje no

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movimento revolucionário, torna-se indispensável adotar critérios rigorosos. A própria reconstrução do projeto socia-lista vem reforçá-los.

O ponto nevrálgico reside nas relações entre partidos e correntes. Atualmente não existe nenhuma Internacional capaz de articular uma unidade socialista critica, revo-lucionária e com presença efetiva nas lutas dos trabalhadores. Enquanto não for sedimentada a poeira que a crise do movimento comunista levantou e não forem esclarecidas as diferentes concepções de socialismo existentes, serão aconselháveis e necessários apenas os contatos bilaterais e a participação em eventos políticos, com a intenção de buscar a ação comum com as correntes que apoiem as lutas dos trabalhadores e dos povos contra o imperialismo, a exploração capitalista e pelos direitos democráticos. Definam-se pelo marxismo, demarcando explicitamente com a social democracia, ou seja, com a mera reforma do capitalismo, e com a herança estalinista, isto é, com os regimes tirânicos a serviço da burocracia. E defendam uma concepção de socialismo essencialmente revolucionária, de classe, humanista, democrática e moderna.

Com base nestes critérios e na visão de que o socialize não pode ser integralmente construído em um só pais, o PT deve assumir a perspectiva da constituição de uma nova Internacional.

I - PARA TER ALTERNATIVA

Com uma ou outra exceção, em geral efêmeras, as classes populares no Brasil sempre se viram na contingência de se atrelar à corrente burguesa mais progressista ou praticar o abstencionismo frente às disputas políticas por falta de uma alternativa própria capaz de desafiar a hegemonia da classe dominante. O Partido dos Trabalhadores é fruto exatamente da aspiração do movimento operário e popular por uma par-ticipação política independente. Nasceu sob forte ascenso da luta democrática e do movimento popular, especialmente o sindical, quando o regime militar buscava reciclar as formas de dominação para sobreviver e o MDB - único partido legal de oposição para o qual até então convergia o apoio eleitoral da maioria das correntes oposicionistas - passava a ser visto, pelos setores mais mobilizados e politizados das massas, como um instrumento político incapaz de atender as demandas do campo popular no combate ao regime militar, espe-cialmente no momento em que a luta restrita ao plano sindical já revelava suas insuficiências e os trabalhadores ansiavam crescentemente por intervir de forma ativa na disputa política.

O projeto de construção de um partido das classes trabalhadoras, legal c independente, logo ganhou o apoio de expressivas lideranças e numerosos militantes do movimento sindical e dos movimentos populares, dos

setores mais progressistas da Igreja e de muitas organizações revolucionárias de inspiração marxista, entre estas destacadamente as de formação trotskista.

O novo partido coletava, de saída, com uma base social significativa exatamente entre os segmentos mais combativos das classes populares e com uma representatividade expres-siva, ainda que suas bases polltico-ideolágicas fossem difusas. Faltavam ao PT definições programáticas claras que afirmassem o seu papel histérico, delineassem suas perspec-tivas orgânicas e registrassem sua opção entre revolucio-narismo ou reformismo. Cada militante, cada corrente tinha e desenvolvia suas próprias concepções e seu próprio projeto ao se engajar no Partido. As definições do PT ficaram restritas ao âmbito das questões imediatas, expressas em resoluções políticas que muitas vezes adestraram o campo programático. Não obstante, sua ação política - apoiada na composição de classe do Partido e na sintonia fina que tem mantido com os movimentos e organizações de massa não partidárias - tem guardado coerência com certos valores ideológicos.

A união dos que o formaram e dos que posteriormente se uniram ao seu projeto se deu em torno da aspiração por independência de classe, de um posicionamento político de esquerda, da defesa do socialismo e de um funcionamento interno democrático. Eram valores ideológicos: a luta por democracia, a solidariedade entre os resistentes, a importância da participação coletiva a democracia interna, o estreito vinculo de toda sua elaboração política com os interesses das classes trabalhadoras, a solidariedade internacional, o anticapitalismo, o difuso projeto socialista, para lembrar alguns dos fundamentais.

II- REVOLUÇÃO, CONTRA-HEGEMONIA E PARTIDO

Nas condições em que se trava a luta de classes atualmente - quando o imperialismo atingiu sua maturidade e a revolução não pode ser identificada com insurreição, bem como quando a correlação de forças entre os campos con-servador e revolucionário pende fortemente para o lado da classe dominante - o aspecto principal de uma estratégia re-volucionária é a construção da contra-hegemonia: o debilita-mento simultâneo da hegemonia da burguesia sobre o conjunto da sociedade e o progressivo estabelecimento de uma hegemonia revolucionária sobre as classes populares.

A hegemonia burguesa se assenta no controle sobre a produção e é exercido mediante o contando do Estado, do poder político em todos os seus aspectos e da difusão dos va-lores, idéias e opiniões. Assim, a luta contra-hegemônica é, por sua natureza, essencialmente ideológica e política. Limitar a ação das classes dominantes e do Estado, assim como influenciar nas decisões de governo é um exercício restrito de poder político mas não é luta contra-hegemônica. Para adquirir tal caráter é preciso que se desenvolva em alternativa global de sociedade e de Estado. A luta contra-hegemônica é portanto, fundamentalmente, a luta pela construção de uma alternativa de poder de caráter operário e popular.

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As lutas econômicas e as lutas reivindicatórias em geral, por mais amplas que sejam, são por si só incapazes do construir uma contra-hegemonia. Só a disputa especificamente política pode escapar ao corporativismo e ser colocada num plano universalizante que afirme uma alternativa global. Nas condições do Brasil de hoje, em que as grandes massas trabalhadoras ainda se referenciam principalmente nas instituições estatais - especialmente os poderes executivos e os parlamentos - e na vigência de um regime democrático-burguês ainda que restritivo, a disputa política transita necessária e fortemente pela institucionalidade. Esta condição destaca a importância do partido político para se construir uma alternativa de poder.

Não se pode travar com eficácia a luta contra-hegemônica e construir uma alternativa de poder tão somente com propaganda e atuação restrita ao plano das idéias e do convencimento, portanto necessariamente na pequena escala dos círculos dos que escapam da dominação ideológica. É preciso, portanto, que o partido tenha uma presença efetiva na vida do pais com base em representatividade e base social reais. É preciso ser um partido de massas pluri-classista e pluri-ideológico, isto é, unificados de correntes com extrações de classe diferentes, desde que no campo popular, e concepções ideológicas diversas, desde que em torno de valores e objetivos políticos de contestação da ordem vigente. Porque, em primeiro lugar, a revolução no Brasil não poderá ser realizada por uma única classe, o que implica a necessidade de trabalhar pela união das classes potencialmente revolucionárias que, embora dominadas e oprimidas, experimentam e enfrentam diferentemente a dominação e a opressão; em segundo, a dominação ideológica e a complexidade dos desafios e dilemas do mundo moderno provocam uma enorme dispersão espiritual - principalmente entre as classes poputares - e restringem as ideologias revolucionarias pequenas minorias.

A pluralidade ideológica e de classe do PT coloca ime-diatamente a questão da hegemonia no seu interior, pois o avanço da luta contra-hegemônica em uma perspectiva so-cialista exigirá, como condição para sua própria continuidade, que a hegemonia seja de posições proletário-revolucionárias. A potencialização deste objetivo exige a tarefa de construir, no interior do Partido, um fárum que represente um campo revolucionário.

III - PT PARTIDO REVOLUCIONÁRIO?

Nas transições burguesas que puseram fim a períodos de ditaduras, como em passes da América Latina e na Espanha, as classes dominantes conseguiram criar um amplo e inquestionado consenso. Celebraram-se "pactos sociais" pelos quais as classes trabalhadoras aceitavam, em nome do "interesse nacional", ser ainda mais exploradas para que a burguesia pudesse com tranqüilidade voltar a acumular e reciclar sua dominação política. As posições revolucionárias foram liquidadas ou

isoladas, o que décadas de repressão ditatorial sangrenta não havia conseguido. A burguesia não apenas conseguiu evitar que a crise e a instabilidade da transição abalasse sua hegemonia como também a reforçou no processo.

No Brasil esse caminho não se repetiu em grande parte pela ação política do PT, que impediu o "consenso nacional" em forno da transição burguesa e o pacto social, evitando a liquidação da oposição revolucionária, que inclusive sobreviveu e cresceu. Apesar de os trabalhadores virem acumulando sucessivas derrotas e desilusões desde as lutas democráticas contra o regime militar - o que tem feito crescer o sentimento de impotência, a desesperança e a apatia - o PT só tem feito crescer, constituindo-se numa força de oposição considerável e que não pode ser negligenciada pelos donos do poder.

Mais ainda, tornou-se a principal expressão da contra-he-gemonia, configurando um canal de manifestação política das reivindicações de amplos setores de oposição, primeiro ao regime militar e depois à Nova República. A política demarcada com a transição burguesa-conservadora delineou melhor seu perfil de classe operário e popular, constituindo o numa referência política e ideológica daqueles que acreditam na possibilidade de se forjar uma nova forma de viver e organizar a sociedade, demonstrando uma vitalidade política - senão ofensiva - ao menos afirmativa do seu desempenho revolucionário.

No cenário internacional da luta de classes, o PT é um partido moderno. Sua existência mesma recusa a visão de que, como partido de base orgânica fundamentalmente pro-letária e conteúdo socialista, estaria arcaico e superado. Ao contrario, foi justamente por tais caraterísticas que sua construção colheu êxitos. O PT é um partido que não se ajusta a modelos. É uma experiência nova da histeria do movimento operário e popular em luta por sua emancipação, portanto frente à necessidade de enfrentar numerosos e difíceis di-lemas, especialmente os relacionados à crise do movimento socialista mercê das derrotas sofridas e das experiências fracassadas. Tem uma vocação revolucionária que encontra sustentação exatamente em seu perfil de classe e nos valores ideológicos sobre os quais se constituiu.

Esta vocação, no entanto, pode ser revertida pelas tensões que apontam uma transformação em partido social-democrata promotor do colaboracionismo de classe, presentes nos debates sobre os seus rumos. Nenhuma afirmação de principio-q, por categórica que seja, nenhuma exigência de "pureza ideológica", por mais rigorosa que seja, será capaz de proteger o Partido dos embates da luta de classes. A trajetória revolucionária do PT se encontra contraditada por várias de suas caraterísticas, entre elas a insuficiência das formulações programáticas e estratégicas, o corporativismo que marca sua atuação política, uma certa inflexão institucionalista que vem se pronunciando e a estrutura interna.

Os limites de suas formulações programáticas, especial-mente de sua concepção de socialismo, incapacitam o PT de apresentar uma alternativa global de sociedade e de Estado. A insuficiência das elaborações estratégicas o tornam vacilante e inconsistente no enfrentamento das questões que a luta de classes e seu próprio crescimento lhe vêm colocando. O desmoronamento das tiranias burocráticas e das formações sociais do Leste Europeu tem confundido a militância e o

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Partido não vem conseguindo dar respostas adequadas aos questionamentos suscitados entre os trabalhadores. Tem permanecido na passividade perante a ofensiva neo-liberal e não formulou poéticas consistentes nem para as administrações municipais que conquistou nem para sua atuação parlamentar. Tais problemas geram efeitos negativos na luta contra-hegemônica.

No mesmo sentido atua a marca corporativa de sua atividade política. O classismo, valor positivo e fundamental da cultura petista, é confundido com corporativismo. Freqüentemente, ao invés de procurar se apresentar com alternativas globais para a sociedade, o Partido aparece como articulação político-institucional do movimento sindical e de movimentos populares, resultando num subproduto em nível da militância de base: o trabalho na fábrica é meramente sindical, no bairro meramente comunitário, e assim por diante. Em contrapartida, carecendo de uma alternativa global, a intervenção do Partido no parlamento e nos governos municipais vem apresentando uma fisionomia meramente institucional e tecno-administrativa, perdendo a perspectiva estratégica e não raro o conteúdo revolucionário.

A estrutura do Partido não tem se mostrado adequada ao estreitamento de suas relações com as massas, seus movimentos e lutas, suas organizações. Ao contrário, vem desestimulando os núcleos e favorecido o deslocamento da militância para as campanhas Reitorais, as assessorial, os diretários. Os que ficam fora destes espaços, naturalmente restritos ou episódicos, acabam abandonando a militância partidária permanente e se voltando exclusivamente para seu bairro, seu sindicato etc. O Partido perde seu elo mais importante de ligação orgânca com as massas, adquirindo uma fisionomia cada vez mais tradicional, sofrendo com isso a democracia e a disciplina partidárias. A participação dos filiados nas decisões partidárias se restringe as convenções. O compromisso com as tendências, pelo qual o militante pode participar quotidianamente, tende a se sobrepor ao compromisso com o Partido. Os parlamentares e detentores de cargos, no Estado ou na própria estrutura partidária, autonomizam-se. O resultado é a unidade do Partido enfraquecida, sua atuação dispersa, sua força debilitada, sua democracia comprometida.

IV- O PT COMO ALTERNATIVA OPERÁRIA E POPUIAR

O PT pode ser conceituado como um partido revolucio-nário e socialista em formação e disputa. Do ponto de vista de seu conteúdo de classe, como um partido operário e popular. Esta é a base sobre a qual assentamos nosso projeto partidário, cuja síntese é defender que o PT assuma o papel estratégico central da revolução socialista, efetivando-se enquanto alternativa operária e popular, penetrando nos corações e mentes dos trabalhadores, credenciando-se como possibilidade concreta e real de mudança, sendo a expressão da esperança e da vontade de luta. Esta mesma síntese é comum a várias tendências cujas concepções e projetos diferem do nosso mas que, no entanto, devem se unir, sem abandonar seus pontos de

vista, objetivando consolidar o caminho de um El de massas, revolucionário e socialista.

Nas atuais condições históricas o aspecto principal do trabalho revolucionário é a luta pela construção de uma con-tra-hegemonia, constituindo o PT como alternativa operária e popular de poder. O PT abarca e une perspectivas ideológicas distintas, elemento fundamental da sua potência para a contra-hegemonia política na sociedade. Neste sentido, a disputa entre as correntes internas decorre de seu caráter plural, sendo legitima enquanto estiver a serviço da luta con-tra-hegemônica e, portanto, do crescimento e avanço do Par-tido. A luta pela hegemonia interna não pode visar a supressão das demais correntes, mas sim a união em torno das decisões legitimamente tomadas pelo Partido.

Se a legitimidade das decisões exige um funcionamento democrático, esta mesma democracia e o objetivo da união exigem, em contrapartida, o acatamento ativo das decisões por todos as namoros e correntes. O aprofundamento da pepita está ultimamente ligado à capacitação política de unidade de ação do Partido. Trata-se, portanto, de aperfeiçoar os instrumentos de decisão de forma a possibilitar e estimular a participação dos militantes, bem como os métodos de aplicação das decisões. O aperfeiçoamento da democracia partidária envolve, do ponto de vista orgânico, principalmente três aspectos: sua reestruturação com base na revitalização dos núcleos, o aprimoramento da democracia interna, incluindo o pleno direito de tendência, e o aperfeiçoamento da disciplina partidária.

Se não há democracia com a supressão dos direitos da minoria, também não há democracia sem a submissão da minoria à maioria. A disciplina é condição não apenas de efi-cácia partidária mas também da sua própria democracia. Na sua ausência todo o processo de tomada de decisões perde o sentido e se estabelece a ditadura de fato daqueles que falam em nome do Partido nos meios de comunicação; implanta-se a ditadura dos figurões e dos caciques.

A democracia real não é simples questão de normas, mas envolve o conteúdo das decisões tomadas. Não é legitimo a maioria suprimir os direitos da minoria ou, em nome da disciplina, impor-lhe decisões inaceitáveis, forçá-la a violentar seus princípios fundamentais que estejam no campo pro-gramático do Partido. Praticar a democracia, principalmente num partido ideologicamente plural como o PT, exige sensi-bilidade política do coletivo partidário. A disciplina deve dizer respeito à atuação prática e às posições políticas do Partido, não devendo contrariar a liberdade de seus membros expressarem suas próprias opiniões, dentro ou fora de suas instancias, desde que não atuem contrariamente às decisões partidárias nem façam passar suas opiniões particulares como posições de partido.

Os núcleos constituem sua base ativa e militante e são o elemento capaz de efetivar a articulação com as massas e multiplicar sua força. Mas a legislação partidária restritiva não lhes permitia a existência e o regulamento interno não conseguiu resolver sua adequada inserção na estrutura do Partido. Os núcleos ficaram sem condição de participar da vida partidária e perderam qualquer poder de decisão, tornando-se grupos tarefeiros sem vitalidade e o Partido perdendo seus elos de ligação quotidiana com as massas. As convenções

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democráticas se tornaram a única instancia de participação efetiva para a maioria dos militantes, encontros sempre vulneráveis às tristes arregimentações de última hora estimuladas pelo critério equivocado de estabelecer o quorum das convenções em função do mínimo de filiados legal.

Esta situação só poderá ser revertida se os núcleos forem integrados à estrutura partidária como base de todo o sistema de tomada de decisões. A atuação do aliado deve se dar, em primeira instância, através dos núcleos, que não poderão ser criados em função de interesses particularistas deste ou daquele grupo, desta ou daquela corrente, mas das políticas definidas pelo Partido, que em sua nova estrutura deverá lhes dar o privilégio de eleger diretamente delegados para as convenções municipais e, em alguns casos, até estaduais.

A luta pela construção do PT enquanto partido socialista e revolucionário passa pelas seguintes tarefas centrais: a) dotá-lo de uma crítica teórico-ideológica ao capitalismo e ao Estado burguês; b) definir uma concepção de socialismo intrinsecamente democrática, humanista e moderna, demarcando com a social-democracia e com as tiranias burocráticas; e) elaborar uma estratégia revolucionária de classe para a luta socialista; d) reestruturá-lo, aprofundando sua democracia interna, sua unidade de ação, sua capacidade dirigente e sua organicidade, sem violentar sua característica de massas e tendo como eixo a multiplicação dos núcleos, bem como sua integração à vida partidária.

TENDÊNCIA MOVIMENTOUMA TENDÊNCIA MARXISTA DO PT

CONCEPÇÃO E NORMAS

I - A ORGANIZAÇÃO DA TM

A formação social brasileira passa por um período acelerado de crescimento e diversificação na esfera da sociedade civil, em particular com o fim do regime militar, o que torna mais complexo o quadro da atuação revolucionária. O desenvolvimento cada vez maior de instituições privadas de hegemonia, associado à hipertrofia do Estado e a formas de dominação mais sofisticadas, corrobora o processo, recorrente em nossa Historia, de marginalização das massas e o profundo alijamento das camadas populares das esferas de decisão política, frutos da hegemonia burguesa com um caráter passivo - embora não pacífico - e uma coerção extremamente ativa.

Tais características compõem uma totalidade que desnuda os limites do espontaneismo, do reformismo, das ilusões legalistas e da política inorgânca, ressaltando a importância e atualidade da constituição de uma base

orgânca, em nível de partido, que potencialize a reprodução ampliada da praxis e dos valores revolucionários. Em outras palavras, do partido político.

A organização de uma tendência interna marxista é parte integrante da construção do Partido dos Trabalhadores, entendido como partido em formação e portanto cujos rumos se encontram em disputa. Implica a convicção de que é preciso formar um coletivo para participar de forma transparente e legitima na vida interna do PT. Rejeitando qualquer inflexão oportunista que veja os fóruns partidários como biombos ou suportes circunstanciais para a legalização e divulgação de posições políticas, o TM se compromete com a formulação de um projeto de militância revolucionária que reconhece o PT como partido estratégico para a revolução socialista no Brasil.

O PT não realizará sua melhor possibilidade através de uma simples evolução. Não está inclusive descartada a pos-sibilidade de sua conformação "definitiva" vir a ser reformista ou até mesmo social-democrata ao invés de revolucionária. Seu futuro será decidido fundamentalmente numa disputa de grande envergadura em torno da política e da estratégia, que envolva o conjunto de seus militantes e as próprias massas que nele se referencia, fortalecendo-o política e organizativamente. Para ajudar na realização de tal tarefa é preciso constituir uma nova tendência petista de esquerda, organizada e atuante.

A TM se compromete com as normas e decisões parti-dárias e rejeita a idéia de construção de um partido dentro de outro. Reserva-se ao direito, garantido pelos estatutos partidários, de se constituir com identidade ideológica e or-ganicidade militante capazes de permitir uma ação unificada e uma unificação em bases democráticas. Não se sujeita ao monopólio político de figuras destacadas em mandatos pú-blicos.

Neste sentido traduz suas concepções em propostas con-cretas frente às questões em debate, resguardando o caráter singular do PT e suas instancias decisórias como fórum máximo de unificação da militância petista. Tem claro, portanto, que antes de tudo acata as normas para o funcionamento das tendências do PT, influindo legitimamente nas instancias in-ternas, zelando pela sua unidade e integridade, combatendo quaisquer posições que procurem substituí-1as, aparelhá-las, estreitá-las ou transformá-las em órgãos de uma federação de tendências. Combatendo o criticismo e o negativismo, combina a indispensável critica fraterna e construtiva com propostas positivas. Tais procedimentos no exercício da disputa interna serão constitutivos do perfil e da identidade poütico-ideo1ágica do TM que, portanto, não se formará à imagem e semelhança do PT nem pretendera que este se torne sua imagem, resguardando a fundamental pluralidade partidária.

O TM é definido filosoficamente pelo mutismo - entendido como corrente critica e revolucionária - com seu perfil humanista, que vê a praxis como essência humana da Historia e, portanto, acredita na capacidade racional-teleológica do homem de recriar a objetividade sem se render a ela. Concebendo a categoria de praxis como núcleo ônticoracional da teoria marxista, rejeita quaisquer inflexões ao puro subjetivismo ou à pura objetividade como determinantes do processo histérico. Não reconhece o marxismo, entretanto, apenas como teoria ou instrumento, mas também como

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cultura, patrimônio político e ideológico do movimento de luta pela emancipação do proletariado. Neste sentido, incorpora-o de maneira crítica e auto-crítica, endógena. Vê na luta contra o dogmatismo e a fossilização do marxismo uma de suas grandes tarefas, procurando contribuir para o processo de sua revitalização e renovação constante.

Por esta razão encara os projetos de formação política como necessidade imperiosa e amplia tal preocupação para todo o Partido. A opção pelo marxismo não se dá, portanto, nos marcos de uma discussão acadêmica ou escolástica, como simples referência, mas como um conjunto de valores polftico-ideolágicos, além de um fundamento teárico-filosófico. Esta definição se refere à esfera pública do coletivo, não sendo exigida nenhuma "profissão de fé" de seus indivíduos militantes, pois entende que a opção individual se remete ao espaço da vida privada que deve ser preservado.

A TM tem como propósito humano-universal a eman-cipação da humanidade na sociedade comunista, entendida como projeto racional de fundamento ético-ideolágico, tornado possível pela própria existência objetiva das formações sociais burguesas, com suas leis e necessidades, e a ser objetivado na praxis revolucionária, ao mesmo tempo em que resgata elementos anteriores à nossa formação social como a utopia humana de um novo mundo. No entanto rejeita as perspectivas de ver o comunismo soja como uma fatalidade histórica seja como apenas uma utopia ou referência moral. Afirma como tarefa anticapitalista central a luta pelo socialismo, entendido enquanto mediação particular necessária entre seus propósitos e a objetividade posta.

A TM se coloca de maneira crítica no leito da expe-riência de luta pelo socialismo e assim não ignora suas contribuições. A necessidade histórico-subjetiva da praxis orgânica, enquanto mediação do propósito humano-universal capaz de permitir a objetivação de um sujeito revolucionário a partir da possibilidade aberta no capitalismo, deve estar não só no âmbito das formações sociais burguesas genéricas, mas especialmente nas modernas sociedades onde predomina o capital financeiro.

Todavia, não se pode conceber o universal como dogma, degenerando seu sentido, transformando-o em modelo técnico a ser aplicado em seus munimos detalhes, alheio às particularidades objetivas. Existem duas maneiras de liquidar as contribuições de Lenin sobre a questão organizativa: a primeira combatendo-as como um suposto dogma, a segunda aplicando-as dogmaticamente. O que se faz necessário é resgatar o seu núcleo central, que reside no contrato ético-ideo1ágico entre militantes individuais dedicados a constituírem uma praxis orgânica ligada às massas profunda e permanentemente no sentido de aprender com suas experiências e ajudarem-nas na organização e direção de seu movimento. A disputa pelos rumos do PT exige que os militantes individuais se aglutinem para realizar uma praxis orgânica particular. A tendência que estamos construindo aprofunda os vínculos orgânicos dos petistas com as massas e assume, como contribuição partidária, seu próprio esforço na organização e direção da luta dos trabalhadores.

Em Fevereiro de 1990, petistas oriundos de diferentes ex-periências na luta socialista iniciaram a construção da TM. Em poucos meses, o movimento aglutinou vários outros coletivos e indivíduos que defendiam o mesmo propósito. Após um ano de atividades, ainda não cumprimos todas as tarefas necessárias à configuração da Tendência. Mantemo-nos em aberto para a participação de todos os petistas dispostos a desenvolver uma luta sistemática e organizada no sentido de que o Partido assuma plenamente o seu papel na revolução socialista. Mesmo assim a TM, na I Conferência Nacional referenciado na elaboração alcançada, entende ser possível e indispensável avançar organicamente. Objetivando superara sua fase inicial embrionária e amorfa, adota as seguintes normas de funcionamento:

1- a TM é parte integrante do PT, internamente ao qual mentem um caráter público. Dirige-se apenas ao conjunto dos petistas e organiza a sua militância no Partido;

2- A despeito de suas opiniões próprias, a TM como um todo e cada um de seus membros individualmente acatam e aplicam as decisões das instancias do PT, reconhecendo e praticando assim a disciplina partidária. Sua imprensa se restringe à circulação interna;

3- A TM é definido, enquanto coletivo público, filosofi-camente pelo marxismo. Defende a via revolucionária de classe na luta pelo socialismo e tem como propósito a eman-cipação da humanidade na sociedade comunista. Participa do esforce de construção política e orgânica do PT;

4- A democracia interna e a hierarquia das instancias de-cisárias da TM prevê a prevalência das posições majoritárias sobre as minoritárias e das instancias gerais sobre as particulares;

5- é membro da TM todo o petista que reconhece os princípios gerais acima delineados e, a partir de um compromisso ético-ideológico, militante no coletivo de base a que pertence, respeitando suas deliberações democratica-mente tomadas;

á- o que funda a unificação de sua atividade na opção consciente, na racionalidade política e na democracia. Suas normas funcionais potencializam a responsabilidade individual através da liberdade intelectual, do espírito crítico, da iniciativa revolucionária e da organização coletiva da praxis. Deste modo é garantida a liberdade de expressão de cada um dos indivíduos militantes, desde que assumido o compromisso de aplicar as resoluções decididas democraticamente;

7- As resoluções da TM assumem um duplo caráter: são definições constituidoras de sua identidade e ao mesmo tempo propostas para discussão no conjunto do Partido;

8- A TM se organiza de acordo com as instâncias do Partido. Suas coordenações são eleitas nas plenárias dos co-letivos;

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9- No caso da existência de vários coletivos em nível municipal e estadual, são eleitas coordenações gerais nas respectivas conferências, sempre acompanhando a estrutura do PT. Há também uma coordenação nacional;

10- As coordenações gerais da TM são eleitas ordina-riamente nas conferências nacionais bianuais e nas conferências estaduais e municipais anuais, além de extraordinariamente sempre que se fizer necessário;

11- As conferências são constituídas por delegados com mandato permanente e revogável a qualquer momento. A proporcionalidade para eleição dos delegados é definida pelas coordenações;

12- Apenas os membros da TM possuem o direito a voto nos coletivos. Todavia, suas reuniões são abertas à participação dos petistas de sua área de atuação;

13- A coordenação nacional edita um Orgão político;

14- Os militantes devem contribuir financeiramente com o MTM, sem concorrer no entanto com o trabalho de finan-ças do Partido;

15- As questões não tratadas nestas normas de funciona-mento serão decididas provisoriamente pela coordenação nacional e submetidas posteriormente a Conferência Nacional, sendo a partir de então incorporadas definitivamente.

" Os socialistas que se dispuseram àreconstruir o movimento revolucionário e

destruir o capitalismo devem sair em buscada imaginação perdida.. Resgatar o sonhocomunista, que resultou dos mais elevados

ideais emancipatórios e libertários damodernidade e que os burocratas se

encarregaram de transformar empesadelo."

" Os socialistas que se dispuseram àreconstruir o movimento revolucionário e

destruir o capitalismo devem sair em buscada imaginação perdida. Resgatar o sonho

comunista, que resultou dos mais elevadosideais emancipatórios e libertários damodernidade e que os burocratas se

encarregaram de transformar empesadelo."

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