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osAno XII - Número 110 - 30 de junho de 2015
Felipe Wajskop França
Eleição presidencial argentina neste ano deverá ser a mais concorrida desde a redemocratização
* Possível base de apoio de Maurício Macri** Inclui aliados de Sergio Massa e outros peronistas não-kirchneristas
As eleições presidenciais argentinas neste ano ganham especial importância, em função das perspectivas de mudança (notadamente da política econômica), independente do resultado das urnas. Após 12 anos de administração do casal Kirchner, a economia argentina acumulou uma série de desequilíbrios, que resultaram em fraco crescimento econômico, inflação elevada e crescente déficit público. Assim, para voltar a crescer de forma sustentada, o país terá que reverter grande parte das políticas adotadas na última década. Esse processo, no entanto, poderá variar em velocidade e intensidade, dependendo do candidato eleito. Portanto, compreendendo o sistema político argentino e as perspectivas eleitorais, temos informações relevantes para a formulação do cenário macroeconômico à frente.
O sistema político/eleitoral argentino reserva peculiaridades que dificultam a análise prospectiva das próximas eleições presidenciais. Nessas
eleições, além da cadeira presidencial, estarão em disputa os governos regionais, 51,2% dos assentos da Câmara dos Deputados e um terço do Senado. Em especial, o controle dos governos locais é fundamental para um partido que ambiciona fortalecer sua coalizão, já que normalmente os governadores são líderes regionais, que comandam as bancadas legislativas no âmbito federal. Além disso, das 24 províncias que compõem o país, em 16 delas os governadores não concorrerão à reeleição, suscitando a possibilidade de alternância do poder local. A base de sustentação do atual governo tem mais a perder nestas eleições na Câmara dos Deputados, onde colocará em jogo 83 das 130 cadeiras que possui na casa, enquanto no senado, serão disputadas apenas 11 das 40. É difícil fazer um prognóstico sobre a composição do Congresso após o pleito, mas é certo que a base governista manterá uma representatividade significativa.
Coalizão governista51%
UNEN - FAP - UCR (*)23%
Peronismo Federal (**)
14%
Pro (*)8%
Frente de Esquerda3%
MPN1%
Composição atual da Câmara dos Deputados
Coalizão governista56%
UNEN - FAP - UCR (*)26%
Peronismo Federal (**)
10%
Pro (*)4%
Partidos provinciais4%
Composição atual do Senado
Composição atual da Câmara dos Deputados Composição atual do Senado
O sistema eleitoral facilita a criação de partidos e sua representatividade em nível nacional, uma vez que agremiações regionais podem participar das
eleições legislativas federais (mesmo presentes em apenas um estado1), desde que consigam ao menos 1,5% do total dos votos daquele distrito
1 Os partidos nacionais, diferente dos provinciais, estão aptos a participar das eleições presidenciais, desde que registrados em ao menos cinco estados (províncias).
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nas eleições primárias2. O sistema eleitoral legislativo funciona em lista fechada, definida normalmente pelos líderes regionais dos partidos, o que confere a eles ascendência significativa sobre as bancadas. Outra fonte de influência dessas lideranças é o formato físico, em si, das cédulas de votação. Nelas encontram-se todos os integrantes de uma coligação, segmentados por nível de governo e cargo pretendido. Os eleitores podem escolher votar em todos eles, ou destacar um a um de diferentes coligações/partidos. No entanto, a praticidade leva a maioria a optar por uma única cédula.
Esse esquema também levou à maior fragmentação do sistema partidário. Seguindo a redemocratização do país em 1983, dois partidos se destacaram no cenário nacional. O peronista, também conhecido como Partido Justicialista (PJ), e a União Cívica Radical (UCR). O primeiro, de origem de centro-direita, aproximou-se da esquerda durante a ditadura, na década de 1970. Ao longo do tempo, abandonou posturas ideológicas pré-definidas e se caracterizou por fortes lideranças.
Os radicais, mais ligados às classes médias urbanas, perderam força com a saída de Raul Alfonsín da presidência em 2001. A partir daí, uma série de partidos e lideranças locais emergiram. É o caso do partido da presidente Cristina Kirchner, a Frente para la Victoria (FpV), uma dissidência peronista.
A crise econômica pela qual passa a Argentina e a necessidade de reversão de muitas políticas adotadas na última década deverão fazer desta a corrida presidencial mais disputada desde a redemocratização. De um lado, o descontentamento de parte da população com a inflação elevada, o baixo crescimento e as restrições externas, em especial nos grandes centros urbanos, pressiona por mudança. Por outro, o governo ainda conta com o apoio de fatia relevante dos eleitores e a fragmentação do sistema político nos últimos anos enfraquece a oposição e dificulta a formação de alianças. De fato, o FpV irá concorrer com apenas um candidato no PASO, enquanto os candidatos e as coligações de oposição irão disputar votos entre si.
2 As eleições primárias abertas simultâneas e obrigatórias (PASO) foram criadas em 2009 e definem os candidatos que irão concorrer por cada partido/aliança nas eleições nacionais. Esse processo é obrigatório a todos os eleitores.
Coligação Partidos Trajetória política Plataforma eleitoral
Daniel Scioli FpV FpV Governador da província de Buenos Aires e ex-vice-presidente de Nestor Kirchner.
Da ala menos radical do FpV, deverá enfrentar dificuldades dentro do partido para
realizar mudanças.
Sergio Massa UNA FREx-prefeito de Tigre, antigo chefe de
gabinete da presidente Cristina Kirchner e atual deputado federal.
Abandonou a coalizão governista em 2013, aparece como uma opção de mudança,
porém mais alinhado ideologicamente ao atual governo.
Mauricio Macri Cambiemos Pro - UCR - CC Prefeito de Buenos Aires desde 2007.
Defende mudanças profundas na condução da política econômica, como liberalização do câmbio e ajuste fiscal, via fim dos subsídios.
Quadro resumo – principais candidatos à presidência
No último dia 10 de junho terminou o prazo para a formação de alianças e no dia 20 a inscrição dos candidatos para as eleições deste ano. A Frente para la Victoria concorrerá com apenas um candidato nas primárias, Daniel Scioli, atual governador da província de Buenos Aires e ex-vice-presidente de Nestor Kirchner. Apesar de não ser o primeiro nome da presidente Cristina Kirchner, Scioli foi escolhido pelo capital político, em função da sua liderança nas pesquisas de intenção de votos. O candidato não é bem visto pelo núcleo kirchnerista exatamente por sua postura menos radical e por representar uma possibilidade de flexibilização do status quo político. Por outro lado, a atual presidente foi capaz de indicar para vice-presidente seu braço direito e secretário de assuntos legais e técnicos do governo federal, no cargo desde 2003. Adicionalmente, a lista fechada de candidatos ao Congresso é composta majoritariamente
de membros da Cámpora, ala kirchnerista mais radical do FpV, liderada pelo seu filho, Máximo Kirchner. Com isso, a perspectiva de redirecionamento das políticas econômicas em um caso de vitória de Scioli fica comprometida (ou o processo será bastante gradual).
Na oposição, os principais candidatos são Mauricio Macri, prefeito da cidade de Buenos Aires desde 2007, e Sergio Massa, ex-prefeito da cidade de Tigre e antigo chefe de gabinete da presidente Cristina Kirchner. O primeiro irá concorrer com outros dois candidatos no PASO, dentro da frente Cambiemos, que reúne os partidos PRO (de Macri), Coalición Cívica (CC) e a UCR. Macri é visto por muitos como o mais alinhado à possibilidade de mudanças e correção dos desequilíbrios internos argentinos. Já Massa abandonou a coalizão governista em 2013, formando o Frente Renovador (FR), também de base peronista.
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Ele aparece como uma opção de mudança, porém mais alinhado ideologicamente ao atual governo. Assim, os dois terão de disputar os votos dos descontentes tanto nas primárias como nas eleições presidenciais.
Desse modo, o PASO, no dia 9 de agosto, ganha uma relevância adicional, já que aquele que sair na frente deverá canalizar o chamado voto tático (ou voto útil) no pleito oficial, em 25 de outubro.
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17,6%18,4%
15,5%
25,8%
32,1%
18,3%
28,5%
27,7%
14%
19%
24%
29%
34%
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SERGIO MASSADANIEL SCIOLIMAURICIO MACRI
Pesquisa de intenção de votos no primeiro turno – principais candidatos à presidência
Fonte: Raúl Aragón/ImprensaElaboração: BRADESCO
Pela legislação argentina, para ser eleito presidente da república em primeiro turno, o candidato deve obter 45% dos votos, ou 40% e uma liderança de 10% sobre o segundo colocado. No entanto, esta deve ser a primeira eleição presidencial que irá para o segundo turno desde a sua introdução, em 19943. Isso, por sua vez, torna seu resultado ainda mais incerto. A estabilização recente da economia argentina, conforme apontado no Conjuntura Macroeconômica de 8 de maio, tem favorecido Scioli nas pesquisas, enquanto Macri permanece à frente de Massa. De fato, o desempenho das condições econômicas até o pleito deverá ter papel fundamental na decisão dos eleitores. Adicionalmente, como já foi dito anteriormente, o candidato da FpV ainda é favorecido pela chapa única de seu partido nas primárias, o que deve levá-lo a ser o mais votado no PASO. Quanto aos demais, ao negar se aliar a Macri, Massa terá de se esforçar para dissociar sua imagem
da presidente Cristina, para obter os votos da oposição e levar o pleito para o segundo turno. De qualquer forma, independente do candidato de oposição, em caso de vitória, terá que costurar uma aliança com o perdedor para obter governabilidade no congresso.
Os mercados financeiros têm respondido favoravelmente à possibilidade de mudança na condução da política argentina. O índice Merval da bolsa de Buenos Aires subiu 32,8% desde o início do ano, ainda que tenha recuado 8,0% desde o pico atingido em maio, com o fortalecimento de Scioli nas pesquisas. Adicionalmente, tem aumentado o apetite do mercado local por emissões tanto em pesos como em dólares. O tesouro argentino levantou USD 1,5 bilhão em maio e ARS 30,0 bilhões nos últimos três meses, enquanto a província de Buenos Aires fez uma emissão de USD 500 milhões após quatro anos fora do mercado.
3 Em 2003, o ex-presidente Carlos Menem foi para o segundo turno com Nestor Kirchner, porém, temendo ser derrotado (conforme indicavam as pesquisas), retirou sua candidatura.
Índice merval da bolsa de Buenos Aires(em pontos)
Fonte: BloombergElaboração: BRADESCO
5.407
8.292
7.235
12.593
9.653
11.374
10.125
7.582
8.485
11.385
12.409 12.376
10.758
11.390
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7.000
8.000
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13.000
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Octavio de Barros - Diretor de Pesquisas e Estudos EconômicosMarcelo Cirne de Toledo - Superintendente executivoEconomia Internacional: Fabiana D’Atri / Felipe Wajskop França / Thomas Henrique Schreurs PiresEconomia Doméstica: Igor Velecico / Andréa Bastos Damico / Ellen Regina Steter / Myriã Tatiany Neves BastAnálise Setorial: Regina Helena Couto Silva / Priscila Pacheco Trigo / Leandro de Oliveira Almeida Pesquisa Proprietária: Fernando Freitas / Leandro Câmara Negrão / Ana Maria Bonomi BarufiEstagiários: Ariana Stephanie Zerbinatti / Thomaz Lopes Macetti / Victor Hugo Carvalho Alexandrino da Silva / Davi Sacomani Beganskas / Ives Leonardo Dias Fernandes / Henrique Neves Plens / Mizael Silva Alves
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Assim, não só a economia ajudará a definir o próximo presidente argentino, como, e mais importante, seu destino no médio e longo prazo depende do resultado das eleições. A recuperação sustentada dos investimentos
e do consumo privado requer o redirecionamento da política econômica adotada na última década. E isso necessariamente passa pela disposição e capacidade do próximo presidente em fazê-lo.