elaboraÇÃo e anÁlise de atividades de inglÊs ......revista de divulgação científica em...
TRANSCRIPT
1511
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
ELABORAÇÃO E ANÁLISE DE ATIVIDADES DE INGLÊS:
REPENSANDO O CONCEITO DE “CULTURA”
Mariana Nunes Monteiro
Doutoranda no Programa Interdisciplinar de Linguística
Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ) – Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
RESUMO: O momento atual é marcado por uma série de processos complexos
agrupados, geralmente, sob a denominação de contemporaneidade. Dentre
esses processos, é relevante para este artigo, destacar as hibridizações
linguístico-culturais cada vez mais latentes devido à globalização. Quando o
assunto é ensino de inglês, faz-se necessário elaborar materiais que
contemplem as culturas dos educandos, ao invés de só reforçarem as culturas
dos ditos falantes nativos como sendo um padrão a ser imitado. Pensando sobre
essas questões, este artigo se volta para a elaboração e análise de atividades de
inglês, destinadas a alunos do 8º ano do Ensino Fundamental II, que visam a
desconstruir esse ideal do falante nativo e suas culturas, fazendo com que o
aluno valorize suas culturas e os usos criativos que faz da língua inglesa. Essas
atividades foram pensadas e analisadas a partir, principalmente, dos
macrocritérios para a análise de livros didáticos cunhados por Tilio (2016). Os
processos de elaboração e análise apontam para a possibilidade e necessidade
de se elaborar materiais de inglês que valorizem as performances linguísticas e
culturais dos educandos. Para tanto, o conceito de cultura é discutido e
problematizado, à luz das teorias de Duranti (1997).
PALAVRAS-CHAVE: cultura. Falante nativo. Materiais de inglês.
ABSTRACT: The current moment is marked by a series of complex processes
usually grouped under the name of contemporaneity. Among these processes,
it is relevant for this article to highlight linguistic-cultural hybridizations which
are becoming increasingly latente due to globalization. When it comes to
teaching English, it is necessary to develop materials that contemplate learners’
cultures, instead of reinforcing native speakers’ cultures as standards to be
followed. Thinking about these issues, this article aims at elaborating and
analysing English activities, developed for 8th graders. These activities focus on deconstructing the ideal of the native speaker and their cultures and making
students value their own cultures and the creative uses they make of the English
language. They were mainly elaborated and analyzed based on the
macrocriteria for analysis of coursebooks coined by Tilio (2016). The
elaboration and analysis processes point to the possibility and necessity of
elaborating English materials that value students' linguistic and cultural
performances. Therefore, the concept of culture is discussed and
problematized, in the light of Duranti's (1997) theories.
Keywords: culture. Native speaker. English materials.
1512
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Vivemos em tempo de muitas mudanças e hibridizações de vários tipos: culturais,
sociais, linguístico-discursivas, etc., no qual o global e o local estão imbricados
inextricavelmente. Dentre essas mudanças, é relevante para este estudo destacar a demolição e
estabelecimento de fronteiras não só físicas e geográficas, mas também intelectuais e culturais,
reconhecidos pela nomenclatura globalização (RAMOSE, 2009) ou globalizações (econômica,
política, cultural, religiosa, etc.) (PIETERSE, 1995).
É importante notar que as divergências vão muito além da denominação, pois como
defende Canclini (2007 [2010]), o conteúdo do que cada um imagina como globalização varia
consideravelmente.
Para o gerente de uma empresa transnacional, a “globalização” abrange sobretudo os
países em que sua empresa atua, suas atividades e a concorrência com outras
empresas; para os governantes da América Latina, cujo intercâmbio comercial se
concentra nos Estados Unidos, globalização é quase sinônimo de “americanização”;
no discurso do Mercosul, a palavra inclui também nações europeias e, às vezes, é
associada à novas interações entre os países do Cone Sul. Para uma família mexicana
ou colombiana com vários membros trabalhando nos Estados Unidos, a globalização
remete a estreita ligação com o que ocorre nesse país onde estão seus familiares, bem
diferente do que imaginam artistas americanos ou colombianos, por exemplo, Salma
Hayek ou Carlos Vives, que têm um amplo público no mercado norteamericano
(CANCLINI, 2007 [2010, p. 10]).
Assim, conclui-se que existem múltiplas narrativas sobre o que significa globalizar-se
e é possível organizá-las simbolicamente em dois grandes grupos: narrações épicas e narrações
melodramáticas (CANCLINI, 2007 [2010]), ou ainda, globalização como fábula e globalização
como perversidade (SANTOS, 2000 [2003]), respectivamente. As narrações épicas e a
globalização como fábula giram em torno dos avanços econômicos e da promoção da
uniformidade e da homogeneização, sempre a serviço dos atores hegemônicos, com base na
crença de que todos os países e todos os povos estão sendo incluídos nesse processo. As
narrações melodramáticas e a globalização como perversidade, por outro lado, entendem que a
globalização beneficia setores minoritários e promove uma disputa de todos contra todos, em
1513
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
que o desemprego se torna crescente, a pobreza aumenta, fábricas falem e explodem a migração
e os conflitos étnicos e regionais.
Em termos culturais, mais especificamente, a divisão culmina em três escolas de
pensamento: a globalista, a localista e a glocalista (KUMARAVADIVELU, 2006). A primeira
acredita que a cultura norte-americana ocupa o centro dominante e que a globalização cultural
ocorre, portanto, de forma unilateral, partindo desse centro para o restante do mundo. Assim
sendo, os membros dessa primeira escola “veem uma equação simples e direta: globalização =
ocidentalização = norte-americanização = mcdonaldização” (KUMARAVADIVELU, 2006, p.
132).
A segunda escola, por sua vez, defende que está ocorrendo um tipo de heterogeneização
cultural, na qual a cultura e as identidades locais estão sendo fortalecidas, principalmente como
resposta à ameaça representada pela globalização. Ou seja, na medida em que a globalização
contribuiu somente para a contração do espaço, tempo e fronteias, mas não para a expansão da
harmonia comum ou valores compartilhados entre os povos, ela acaba fortalecendo
extremismos, como o fundamentalismo religioso, por exemplo (KUMARAVADIVELU,
2006).
Já a terceira escola defende a hibridização, unindo, de certa forma, os dois polos acima
explorados, por acreditar que a homogeneização e a heterogeneização estão ocorrendo ao
mesmo tempo. Ou seja, “as culturas em contato modelam e remodelam umas às outras direta
ou indiretamente” e essas forças são tão complexas que não podem ser entendidas na
perspectiva limitada de uma dicotomia centro-periferia (ibdem, p. 134).
Quando o assunto é ensino e aprendizagem de línguas envolve, é cada vez mais
necessário, devido aos processos de globalização na contemporaneidade, que a forma como
cultura é trabalhada nas aulas de língua inglesa seja repensada. No caso específico da língua
inglesa, considerada a língua da globalização (RICHARDS, 2003), essa delimitação do
desenvolvimento de uma consciência sociocultural dos aprendizes a apenas algumas culturas
hegemônicas específicas se torna ainda mais passível de problematização, pois a articulação
entre diferentes identidades linguísticas, culturais, globais e locais, desestabiliza, de maneira
mais contundente, a máxima do filósofo Herder: “um povo, uma língua, um território”
(JACQUEMET, 2015, p. 330). Para que se repense a maneira como cultura é trabalhada nas
aulas de inglês, deve-se, primeiramente, repensar o conceito de cultura em si, pois é ele que
norteia o trabalho em sala de aula.
1514
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
O CONCEITO DE “CULTURA”
Os questionamentos apresentados ao final da seção anterior corroboram um
entendimento de cultura como algo distinto da natureza, ou seja, como algo que é aprendido
socialmente e transmitido, passado de uma geração para outra, através de ações humanas e,
obviamente, através da linguagem (DURANTI, 1997). Essa é apenas uma das seis teorias de
cultura apresentadas por Duranti em seu texto Theories of culture, de 1997. Assim sendo, faz-
se relevante discutir o conceito de cultura.
O termo “cultura”, derivado de “cultivo”, do campo semântico de “agricultura”,
presumia, no século dezoito, a existência de uma divisão entre educadores e os muitos que
deveriam ser objetos de cultivo (BAUMAN, 2013), ou seja, cultura como sinônimo de
civilização. Nessa perspectiva,
a “cultura” compreendia um acordo planejado e esperado entre os detentores do
conhecimento (ou pelo menos acreditavam nisso) e os ignorantes (ou aqueles assim
descritos pelos audaciosos aspirantes ao papel de educador); um acordo com uma
única assinatura, unilateralmente endossado e efetivado sob a direção exclusiva da
“classe instruída” (BAUMAN, 2013, p. 9).
O inglês, aqui no Brasil, continua sendo percebido sob essa perspectiva de cultura como
high culture, como língua de propriedade dos países do Círculo Interno, carregada de
superioridade cultural, histórica, moral, econômica (JORDÃO, 2004). Por isso, o ensino de
inglês acaba, muitas vezes, operando a partir daquela primeira teoria de cultura apresentada por
Duranti, através da transmissão de fatos e informações sobre a(s) dita(s) cultura(s) “alvo”,
vista(s) como superior(es) (PULVERNESS, 2014). Por conseguinte, o desenvolvimento de uma
consciência intercultural dos educandos fica restrito à aprendizagem de fatos e costumes sobre
determinadas culturas hegemônicas, especialmente, estadunidense e inglesa. Dito de outra
forma, o trabalho que geralmente se faz com cultura nas aulas de inglês se restringe a uma
constatação das diferenças, mas não a um entendimento dos processos socio históricos de
(re)produção e circulação dessas diferenças (TILIO, 2015).
Além da primeira teoria de cultura apresentada por Duranti (1997) e já discutida
anteriormente, o autor menciona mais cinco teorias nas quais a linguagem também tem um
papel particularmente importante. A segunda, por exemplo, pensa cultura como conhecimento
1515
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
de mundo. Isso não só significa que membros de uma cultura devem conhecer certos fatos ou
ser capazes de reconhecer objetos, lugares e pessoas, mas também devem compartilhar certos
padrões de pensamento e formas de entender o mundo (DURANTI, 1997).
Já terceira teoria de cultura destacada pelo autor é a teoria semiótica de cultura, cultura
como comunicação, através da qual cultura é entendida como um sistema de signos. Em sua
versão mais básica, essa visão entende cultura como uma representação do mundo, uma maneira
de fazer sentido da realidade através de sua objetificação em estórias, mitos, descrições, teorias,
provérbios, produtos artísticos e performances (DURANTI, 1997).
A quarta teoria, por sua vez, percebe cultura como um sistema de mediação. Segundo
essa teoria, a cultura organiza o uso de ferramentas em atividades específicas como caçar,
cozinhar, construir, lembrar o passado e planejar o futuro. Em cada caso, a habilidade das
pessoas de se apropriar, explorar ou controlar a natureza, ou suas interações com outras pessoas,
vai ser modificada pelo uso de ferramentas (DURANTI, 1997).
A quinta teoria defende cultura como um sistema de práticas, entendendo que o sujeito
pode existir culturalmente e funcionar como agente, participante, em uma série de atividades
habituais que são tanto pressupostas quanto reproduzidas por suas ações individuais
(DURANTI, 1997).
A sexta e última teoria apontada por Duranti apresenta a ideia de cultura como um
sistema de participação. Essa teoria está relacionada ao conceito de cultura como sistema de
práticas e é baseada na ideia de que qualquer ação no mundo, incluindo as práticas linguísticas,
têm uma qualidade inerentemente social, coletiva e participativa. Assim como a quinta teoria
de cultura acima apresentada, a sexta teoria também está em conformidade com o entendimento
de língua(gem) como prática social, uma vez que defende que falar uma língua significa ser
capaz de participar em interações com o mundo (DURANTI, 1997).
Convirjo, então, com as duas últimas teorias de cultura discutidas e defendo que a
ideologia1 cultural de que os ditos falantes nativos de inglês são de culturas superiores que
devem ser aprendidas e imitadas pelos aprendizes de inglês seja repensada, visto que entendo
cultura como um sistema de práticas sociais nas quais o micro e o macro, o contexto situacional
e o socio-histórico se imbricam inextricavelmente. Assim sendo, “a mera exposição de fatos
1 Neste artigo, entendo o termo ideologia como “todo o conjunto dos reflexos e das interpretações da realidade
social e natural que tem lugar no cérebro do homem e se expressa por meio de palavras [...] ou outras formas
sígnicas” (VOLÓCHINOV, 1929 [2017]).
1516
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
acerca de outras culturas não faz sentido por si só: é preciso que tais fatos sejam pensados
criticamente e confrontados com os contextos culturais do aprendiz” (TILIO, 2016, p. 231).
Nessa perspectiva, as culturas dos educandos são, na maioria das vezes, completamente
ignoradas nesse processo. Assim sendo, o ideal seria entender as culturas “do outro” e as dos
alunos como fluidas, desessencializadas, desterritorializadas, se entremeando e se mesclando,
antropofagicamente. Sem desconsiderar o caráter violento que envolve tal conceito, aproprio-
me do conceito de antropofagia, presente no Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade
(1972), para pensar cultura e ensino de inglês a partir de um entrelaçamento de culturas globais
e locais de maneira que não haja uma replicação de modelos globais ou uma supervalorização
dos mesmos, mas sim um processo de entrelaçamento inextricável de ambas, não sendo possível
dizer onde termina uma cultura e começa a outra. Esse processo acaba gerando culturas glocais2,
que precisam ser contempladas nos materiais didáticos utilizados em sala de aula.
METODOLOGIA
Assim que ingressei na escola federal3 onde trabalhei como professora substituta de
inglês por dois anos, fui convidada por duas professoras efetivas para participar do seu grupo
de pesquisa, cujo principal objetivo era4 repensar o trabalho realizado com a língua inglesa na
escola, desconstruindo uma visão hegemônica da língua como atrelada única e exclusivamente
a países como Estados Unidos e Inglaterra. Como consequência dessa desconstrução, o projeto
almejava aproximar os educandos da língua estudada, conscientizando-os acerca da sua
capacidade ativa e transformadora em relação ao inglês. Em outras palavras, a ideia era
encorajar os alunos a perceber que eles podem e devem se apropriar da língua inglesa de forma
protagonista, valorizando seus próprios usos, a fim de desestabilizar e, quiçá, desconstruir a
relação de poder assimétrica entre falantes nativos e não nativos.
Algumas manifestações na comunidade escolar que instigaram e encorajaram essas
professoras a começar esse projeto de pesquisa e, consequentemente, a buscar reformular certos
paradigmas que ainda norteavam o trabalho com a língua inglesa na escola foram: a
2 Apropriando-me do termo “glocal”, cunhado por Robertson (1992), opto por pensar o inglês na
contemporaneidade a partir dos Ingleses Glocais e de culturas glocais, cujo traço distintivo são as mestiçagens
linguístico-identitárias forjadas a partir de necessidade contingenciais de comunicação. 3 Escola localizada na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.
4 Embora o projeto ainda continue em curso, optei por utilizar o Pretérito Perfeito Simples para fazer referência
ao mesmo durante o período em que fiz parte da equipe.
1517
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
representação do setor de inglês no site da escola a partir do uso da imagem da Estátua da
Liberdade; o questionamento de alunos e responsáveis acerca da realização de celebrações
como o Halloween; e a representação do setor em apostilas e envelopes preparados pela direção
ou pela copiadora da escola através do uso da bandeira da Inglaterra ou de fotos de locais
turísticos dos Estados Unidos e/ou Inglaterra. Além dessas justificativas, é possível ressaltar
também questionamentos de alunos e responsáveis acerca do inglês ensinado (americano ou
britânico), assim como sua crença de que um falante nativo de inglês é necessariamente um
professor melhor do que um não nativo, mesmo que o primeiro não tenha formação na área.
O projeto era composto por reuniões semanais para discussão de teoria e para pensarmos
sobre questões práticas acerca da implementação e do andamento do mesmo. A presente
pesquisa surgiu, então, da necessidade de produção de materiais para esse projeto, visto que a
temática em questão não era explorada nos livros adotados5 pela escola.
É importante salientar que as atividades apresentadas neste artigo fazem parte de uma
unidade didática mais ampla, elaborada para ser trabalhada durante todo um trimestre letivo
com uma turma de 8º ano do Ensino Fundamental II. No entanto, não seria possível apresentá-
la na íntegra. Optei, então, por discutir neste artigo uma seção que compõe o material. A escolha
foi feita a partir do entendimento de que essa seção tematiza de forma mais direta a
desconstrução da hegemonia das culturas do falante nativo.
Ressalto que tanto o processo de elaboração das atividades quanto o de análise foram
pautados por por macrocritérios, pensados por Tilio (2016), para a análise de LDs e
sistematizados no quadro a seguir, assim como aparece no texto do autor.
5 A escola referida adota livros aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Na última seleção,
no PNLD 2016, a coleção It Fits, obra coletiva desenvolvida e produzida por Edições SM, foi adotada para o
Ensino Fundamental II.
1518
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
Quadro: Macrocritérios para análise de LDs (TILIO, 2016)
Categoria Operacionalização
Multiletramentos
(críticos)
Variedade de multiletramentos críticos
Gêneros
discursivos
Trabalho com uma variedade de gêneros discursivos socialmente
relevantes; textos autênticos
Temas Temas abordados e sua relevância/familiaridade para o público-alvo
Transculturalidade Contextos situacionais e culturais contemplados; tratamento das
diferenças
Atividades Diversidade de atividades, de modo a atender a heterogeneidade de
estilos de aprendizagem dos alunos, com predominância de
atividades que envolvam operações cognitivas mais complexas e de
tarefas autênticas
Autonomia Desenvolvimento da autonomia do aprendiz, de forma que ele
consiga ir além do livro didático e efetivamente agir no mundo
social utilizando os conhecimentos nele aprendidos
Conteúdo Trabalhado em uma perspectiva analítica, de forma a tornar o aluno
consciente da função social desse conteúdo e das possibilidades de
significados por ele engendradas
Letramento crítico Espaço para que o aluno assuma postura crítica ao longo de todo
processo pedagógico
Por fim, é válido mencionar que as atividades não serão apresentadas como um bloco
só, de forma corrida, como aparecem no material elaborado. Elas serão apresentadas uma a uma
no desenrolar da discussão tecida no processo de análise de dados.
ANÁLISE DOS DADOS
A primeira atividade da seção prepara os educandos para a atividade dois, na qual eles
têm que minimamente reconhecer países no mapa-múndi. Essa atividade se resume a um mapa
1519
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
(cf. figura 1) em que cada país tem seu território coberto por sua bandeira, e um diálogo
controlado (cf. figura 2), através do qual os alunos devem testar/construir seu conhecimento
cartográfico/geográfico, adivinhando os nomes dos países apontados por seus parceiros.
Figura 1: Mapa utilizado na atividade 1
Figura 2: diálogo referente à atividade 1
Nessa atividade, dois dos cinco macrocritérios selecionados se sobressaem:
Multiletramentos (críticos) e Autonomia. O primeiro pode ser percebido na tentativa de
desenvolvimento do letramento cartográfico/geográfico dos alunos através da leitura de uma
representação cartográfica plana, ou seja, a atividade em questão extrapola o texto escrito e
trabalha com outras semioses. É importante ressaltar que, embora essa atividade passeie pelos
países na medida em que encoraja os aprendizes a “transitar” pelo mapa livremente, não é
possível dizer que ela se desenvolve sob uma perspectiva multicultural, pois ela se restringe à
identificação dos países no mapa. No entanto, essa atividade como parte de um todo, que é a
1520
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
seção em questão, colabora para um trabalho multicultural, como será discutido mais adiante
quando os macrocritérios forem utilizados para falar da seção como um todo.
Cabe dizer ainda que faltou um trabalho, mesmo que superficial, com o gênero mapa.
Digo “mesmo que superficial” porque o mapa em questão remete ao gênero, mas não é fiel a
ele, por se tratar de um mapa estilizado. Além disso, tanto nessa atividade quanto na atividade
dois, que também trabalha com um mapa, os alunos não precisam de conhecimentos muito
aprofundados sobre mapas para realizar a atividade. Dessa forma, acredito que não é necessário
ir muito a fundo no estudo desse gênero, mas seria interessante trabalhar minimamente as
características de um mapa, como, por exemplo, desenvolver com os alunos a noção de mapa
político. Isso não poderia, por exemplo, vir somente nas orientações para o professor.
A categoria Autonomia, por sua vez, se apresenta, nessa atividade, mais como
autonomia individual6, já que a figura do professor perde centralidade, dando vez a uma
participação ativa dos alunos. Isso se evidencia na proposta da atividade de estimular que as
respostas partam dos alunos, ao invés de virem prontas e fechadas de forma unilateral: do
professor para o aluno.
A segunda atividade da seção consiste em um mapa-múndi em branco (cf. figura 3), no
qual os alunos devem pintar os países onde a língua inglesa é falada. Nas instruções para o
professor, sugere-se não sanar nenhuma dúvida dos alunos quanto a que inglês considerar, pois
mesmo que eles não utilizem a metalinguagem (L1, L2, LE), essa questão pode ser levantada.
A produção deles nessa atividade servirá de base para as discussões vindouras, porque é muito
provável que a maioria dos alunos, se não todos, pintem somente países hegemônicos como
Estados Unidos e Inglaterra, o que será contrastado com as estatísticas sobre o número elevado
de falantes não nativos de inglês, apresentadas na atividade quatro dessa seção. Dessa forma,
como também indicado nas orientações para o professor, não existe uma resposta fechada para
essa atividade, uma vez que a resposta depende da maneira como o aluno está considerando o
inglês: como língua materna, como segunda língua ou como língua estrangeira. O fato de a
atividade não delimitar a ação do aluno e, portanto, não aceitar apenas uma resposta, colabora
para o desenvolvimento da autonomia individual do educando, que se sente livre para realizar
6 A autonomia individual está mais ligada à noção de autonomia do senso comum, entendendo que ser autônomo
é agir no mundo sem a ajuda de outrem. O macrocritério “Autonomia”, por outro lado, se refere ao conceito de
autonomia sociocultural, que parte do “pressuposto de que o indivíduo faz parte de um contexto socio-histórico e,
como tal, é responsável por seus atos e pelas consequências daí originadas, além de exercer um papel modificador
no e do meio social no qual está inserido” (NICOLAIDES; TILIO, 2011, p. 179).
1521
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
a atividade da maneira que julgar correta, contanto que saiba justificar e embasar suas escolhas.
Além disso, assim como na atividade um, essa atividade auxilia no desenvolvimento do
letramento cartográfico/geográfico dos alunos na medida em que eles têm que saber explorar o
mapa. Essa atividade, no entanto, dá um passo a mais do que a primeira atividade em direção a
um trabalho multicultural, visto que encoraja a reflexão dos alunos acerca de identidades
linguístico-culturais relacionadas ao inglês.
Figura 3: mapa-múndi para colorir da atividade 2
A atividade três, por sua vez, trabalha os conceitos de L1, L2 e LE a partir da leitura de
um texto em português (cf. figura 4) que esmiúça tais conceitos. O importante dessa atividade
é, primeiro, trabalhar esses conceitos, problematizando-os, já que em meio a um mundo
hibridizado, mestiço e diverso, onde a mistura linguístico-identitária é cada vez mais
evidenciada, não faz mais sentido continuar operando com essas epistemes. Entretanto, elas são
conceitos base para que os alunos entendam depois, mais efetivamente, a noção de inglês como
língua franca e de ingleses glocais. Além da leitura do texto, os alunos são encorajados a
encontrar no mapa da atividade anterior (cf. figura 3) países que exemplifiquem os conceitos
trabalhados, ou seja, países que falam inglês como primeira língua, como segunda língua e
como língua estrangeira. Eles são levados também a revisitar esse mesmo mapa para, a partir
dos conceitos trabalhados, entender a maneira como pensam o inglês no mundo contemporâneo,
pensamento esse que provavelmente se materializou nos países que escolheram pintar no mapa.
1522
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
Figura 4: texto sobre os conceitos de L1, L2 e LE da atividade 3
Um aspecto que eu mudaria nessa atividade seria a maneira como os conceitos L1, L2
e LE são trabalhados. Gosto do uso do texto em português, uma vez que tais termos envolvem
explicações complexas, o que se tornaria ainda mais complicado se os alunos tivessem que ler
em inglês. O uso da língua materna aqui colabora para o desenvolvimento da autonomia
individual do aluno; todavia, acredito que o fato de o texto já apresentar as definições dos
1523
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
conceitos não ajuda nesse processo. Penso que seria mais interessante e produtivo se o texto
viesse com lacunas a serem preenchidas no lugar dos termos “primeira língua”, “segunda
língua”, “língua estrangeira”. Em outras palavras, ao invés do texto vir com as definições e
explicações completas e os alunos terem que somente achar exemplos de países para cada um
desses conceitos, defendo que os alunos possam chegar a suas próprias conclusões a partir da
leitura do texto e, assim, completá-lo com os conceitos em questão, correlacionando-os com
suas definições. Dessa maneira, o conteúdo da atividade seria trabalhado de maneira indutiva e
analítica, o que facilitaria o processo de aproximação do conteúdo com a realidade social do
aluno.
Ainda sobre a terceira atividade, é importante dizer que ela suscita o macrocritério
Gêneros discursivos. Mais uma vez, assim como ocorreu na primeira seção da unidade, o gênero
discursivo utilizado na atividade não é trabalhado. Nesse caso, o gênero é artigo acadêmico.
Ele não é relevante para o público-alvo, e, por isso, não defendo que suas características sejam
exploradas nem como parte do corpo da seção, nem em uma caixa à parte.
A quarta atividade se volta para uma reflexão sobre dois pequenos textos (cf. figuras 5
e 6), nos quais texto escrito e imagem fundem-se. Esses textos trazem informações sobre o
número de falantes de inglês no mundo, assim como a notícia de que o número de falantes não
nativos ultrapassa o de falantes nativos, o que acaba fazendo com que o inglês assuma o status
de língua franca. Os alunos são, então, encorajados a pensar criticamente sobre essas
informações na tentativa de responder a seguinte pergunta do enunciado: “A quem pertence o
inglês, então?”.
Figuras 5 e 6: textos da quarta atividade da seção
1524
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
Nessa atividade, a categoria Conteúdo se destaca, pois o conteúdo é trabalhado de
maneira indutiva e analítica. Os alunos têm que ler os textos e chegar a sua própria conclusão
acerca da pergunta estabelecida, o que faz com que a função social desse conteúdo se torne
mais clara. Na verdade, espera-se que os alunos compreendam melhor a aplicabilidade social
dessas informações na próxima atividade, uma vez que é ela que abarca de maneira mais
contundente os usos criativos forjados também pelos ditos falantes não nativos.
A quinta atividade enfoca produções linguísticas de brasileiros (cf. figuras 7 e 8) que se
apropriam da língua inglesa e a adaptam aos seus contextos culturais e situacionais, o que
reforça a discussão da atividade anterior sobre os falantes nativos do inglês não deterem o
monopólio da língua.
Figuras 7 e 8: exemplos de hibridizações
linguísticas da atividade 5
Um macrocritério que se destaca nessa atividade é o da Transculturalidade. Isso pode
ser dito porque a atividade atravessa fronteiras linguístico-culturais, contemplando um contexto
híbrido, no qual não se pode delimitar onde termina uma cultura e onde começa a outra. Esse
entrelace linguístico-cultural inextricável corrobora a ideia de se pensar culturas a partir de um
movimento antropofágico, como sugerido anteriormente, na medida em que não há uma
replicação de modelos globais, mas sim um imbricamento do global e do local que culmina na
construção de culturas e ingleses glocais.
Além dele, destaca-se também o Letramento crítico, uma vez que essa atividade
demanda, em diálogo com as atividades quatro e seis, que os alunos entendam o porquê das
hibridizações, atentando para o fato de que elas ocorrem a partir do tensionamento global-local,
e percebendo que elas desestabilizam o poderio dos ditos falantes nativos.
1525
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
A penúltima atividade da seção trabalha uma citação de Chinua Achebe: “O preço que
uma língua global tem que estar preparada para pagar é o da submissão a muitos tipos diferentes
de uso”. Tal citação é trabalhada com o intuito de tentar sumarizar o ponto principal dessa
seção: o surgimento de diferentes ingleses construídos na interseção global-local.
A última atividade é uma caixa de discussão intitulada Reflecting and Dialoguing (cf.
figura 9), já apresentada anteriormente. Nessa caixa, as seguintes questões são levantadas: “O
que é uma língua global? O inglês é uma língua global? O que faz uma língua ser global? Quais
são os benefícios de uma língua global? Você consegue pensar em alguma desvantagem?”.
Optei por alocar essas perguntas em uma caixa Reflecting and Dialoguing, pois elas se
distanciam um pouco da linha que a seção vinha seguindo, já que o foco da seção recai mais
sobre a questão das hibridizações linguístico-culturais. No entanto, não quis deixar tais questões
de fora da unidade por julgá-las de extrema relevância para a construção do conhecimento do
alunado acerca da língua inglesa na contemporaneidade.
Figura 9: caixa Reflecting and Dialoguing
Chegado ao fim dessa seção, destaco, a partir de agora, todos os macrocritérios
suscitados pela seção como um todo. Quanto ao primeiro deles, Multiletramentos (críticos), é
possível destacar um trabalho com os seguintes letramentos nas atividades em questão:
letramento cartográfico/geográfico (atividades 1 e 2), letramento de leitura (atividade 3 e 4),
letramento crítico (atividades 5 e 6). Nota-se, então, que a seção trabalha uma variedade de
1526
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
letramentos em uma perspectiva multimodal, na medida em que não se restringe ao tradicional
texto escrito, e multicultural, uma vez que explora realidades linguístico-culturais distintas cujo
ponto em comum é a língua inglesa, o que se evidencia de forma contundente na construção do
conhecimento do aluno acerca dos conceitos de L1, L2, LE e LF. Defendo ainda que essa seção
vai além de um trabalho multicultural, no qual diferentes realidades linguístico-culturais são
confrontadas, abarcando a categoria Transculturalidade. Isso pode ser dito porque a seção tem
como foco hibridizações linguístico-culturais que transgridem os limites do território e as
barreiras simbólicas entre uma língua e outra; nesse caso, entre as línguas portuguesa e inglesa.
São exatamente essas hibridizações linguístico-culturais que compõem o tema dessa
seção, dentro do tema mais macro da unidade didática. Defendo a relevância desse tema para o
público-alvo, visto que acredito que é a partir do entendimento e da valorização de produções
linguísticas mestiças, como as que aparecem na seção, que os aprendizes podem começar a se
perceber como donos da língua inglesa e, portanto, forjar novos usos de acordo com suas
necessidades situacionais. Esse tema é de tamanha relevância que acabou motivando a criação
da unidade didática aqui analisada. Essa categoria se imbrica na categoria Conteúdo, pois é esse
tema, além dos conceitos mais concretos de L1, L2, LE e LF, que são os conteúdos dessa seção.
Salvo tais conceitos, o conteúdo da seção é trabalhado de maneira analítica, fazendo com que
os educandos percebam sua função social de forma mais efetiva. Isso pode ser percebido, como
foi discutido ao longo da análise, no caráter indutivo da maioria das atividades, que não
apresentam respostas prontas e fechadas para os alunos, mas os encorajam a construir
conhecimento e não a consumi-lo.
Quanto ao macrocritério Atividades, saliento que a seção Glocal Englishes abrange um
leque amplo de atividades: diálogo (atividade 1), atividade com mapa (atividades 1 e 2),
atividade de leitura (atividade 3 e 4), atividade de discussão (atividades 5 e 6). Vale ressaltar
que, nessa seção, há a predominância de atividades que demandam operações cognitivas
complexas, posto que, salvo a primeira atividade que é mais simplista, todas as demais exigem
que os alunos entendam e reflitam sobre conceitos complexos.
O sexto macrocritério, Autonomia, além de se apresentar em sua forma de autonomia
individual, já discutida durante a análise das atividades, pode ser percebida também em seu
aspecto sociocultural, à medida que a seção busca preparar o aluno para agir no mudo social
utilizando os conhecimentos nela aprendidos. Ou seja, entende-se que, por instigar os alunos a
se apropriar da língua inglesa e valorizar os usos que fazem da mesma, a presente seção os
1527
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
empodera para, de fato, atuar no mundo através do inglês, sem necessitarem reproduzir de
forma passiva construções linguístico-culturais dos ditos falantes nativos.
Por fim, a categoria Letramento crítico se faz bastante presente na seção Glocal
Englishes, pois os alunos são encorajados a assumir uma postura crítica durante toda a seção,
especialmente nas atividades quatro, cinco e seis. Eles são levados a construir uma nova visão
sobre o inglês na contemporaneidade, descentralizando o poder do falante nativo e legitimando
todos os usos dessa língua.
No entanto, agora percebo que o trabalho com o letramento crítico deixou a desejar
nessa seção devido ao fato de não ter sido proposta uma reflexão efetiva sobre as condições
sociohistóricas de produção e reprodução das relações sociais de poderio do dito falante nativo
e de desvalorização do não nativo. Tal reflexão poderia ocorrer entre as atividades três e quatro,
o que faria até com que a transição entre essas atividades se desse de forma mais sútil, menos
brusca. Em outras palavras, seria interessante e produtivo se os alunos, a partir do trabalho com
os conceitos de L1, L2 e LE, pudessem compreender de onde vem a soberania dos chamados
falantes nativos de inglês para, então, desconstrui-la a partir do entendimento de relações mais
fluidas e menos territorializadas na contemporaneidade.
Uma opção seria disponibilizar algumas perguntas para reflexão, ao final da atividade
três, que preparassem os educandos para a próxima atividade, na qual eles serão apresentados
às estatísticas do alto número de falantes não nativos. Algumas perguntas possíveis são: “No
caso de uma criança que nasceu no Brasil, mas mora desde um ano de idade na Noruega, fala
Norueguês no dia a dia, aprende inglês na escola e fala português em casa com os pais, é
possível dizer qual é a L1 dessa criança?”, “O que essa situação revela sobre os conceitos de
L1, L2 e LE na contemporaneidade?”, “Na sua opinião, quantas pessoas no mundo falam
inglês?”, Você acredita que existam mais falantes de inglês nos EUA e na Inglaterra ou
espalhados pelo mundo?”. Através da discussão dessas perguntas os alunos podem vir a
reconhecer a inaplicabilidade de tais conceitos no mundo contemporâneo, mas entender que
eles um dia eles talvez tenham feito mais sentido e que a construção da posição de poder dos
falantes nativos vem não da genética, mas do tensionamento de redes de poder.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades analisadas instigam os alunos a se apropriar da língua inglesa, valorizando
os usos que fazem da mesma, o que tende a os empoderar para agir no mundo através dessa
1528
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
língua. Esse movimento fica melhor ilustrado na atividade cinco da seção analisada, visto que
apresenta manifestações de ingleses glocais, hibridizações linguístico-culturais produzidas, por
brasileiros, através da apropriação da língua inglesa.
A análise mostrou como é possível fugir das representações, na maioria das vezes
estereotipadas, que materiais de inglês fazem do mundo, já que se construiu a partir da
aproximação de duas esferas: o mundo dos aprendizes e o mundo do inglês, antes muito distante
do primeiro. Dito de outra forma, os alunos estão geralmente acostumados a pensar a língua
inglesa, e as culturas a ela associadas, como algo muito distante, como uma língua do outro,
algo inalcançável e, na maioria das vezes, superior. Entretanto, a partir do momento que a seção
entende cultura como sistemas de participação e não como conteúdo a ser passado de uma
geração para a outra, ela aproxima os dois mundos mencionados, imbricando-os
antropofagicamente. Assim, os alunos podem passar a se perceber como agentes dos processos
de construção de significados em língua inglesa. Essa mudança é possibilitada, principalmente,
pelo fato de a unidade mostrar o quanto o inglês está presente no dia a dia dos alunos, e por
focalizar o quanto eles também podem modificar essa língua.
A abordagem transcultural, percebida nas atividades, contesta a ideologia linguística-
cultural da delimitação da língua inglesa a países hegemônicos, como Estados Unidos e
Inglaterra. Esse movimento de questionamento dessa ideologia é feito a partir do estímulo à
percepção dos alunos sobre a proximidade que têm com o inglês no seu cotidiano, e através da
tematização de hibridizações linguístico-culturais, mostrando que é problemático, na
contemporaneidade, tentar delimitar uma língua a uma comunidade ou a um território
específico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, O. Do Pau-Brasil à antropofagia e às utopias. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1972.
BAUMAN, Z. A cultura no mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
CANCLINI, N.G. A globalização imaginada. São Paulo: Iluminuras, 2007.
1529
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
DURANTI, A. Theories of culture. Linguistic diversity. In: ________. Linguistic
Anthropolgy. Cambridge: Cambridge University Press, 1997.
FREITAG, B.; COSTA, W. F.; MOTTA, V. O livro didático em questão. 3.ed. São Paulo:
Cortez, 1997.
GRAY, J. The ELT coursebook as cultural artefact: how teachers censor and adapt. ELT
Journal Vol 54/3 July 2000.
JACQUEMET, M. Language in the age of globalization. In: Bonvillain, N. (ed.). The
Routledge Handbook of Linguistic Anthropology. London: Routledge (2015), p. 329-347.
JORDÃO, C. M., A língua inglesa como commodity: direito ou obrigação de todos? In:
ROMANOWSKI, J.P.; MARTINS, P. L.; JUNQUEIRA, S.R. A.(orgs.). Conhecimento Local
e Conhecimento Universal: a Aula e os Campos do Conhecimento. XII ENDIPE, Vol. 3,
Curitiba: Universitária Champagnat, 2004.
KUMARAVADIVELU, B. A linguística aplicada na era da globalização. In: Moita Lopes, L.P.
(org.). Por uma linguística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006, p. 129-147.
NICOLAIDES, C.; TILIO, R. O material didático na promoção da aprendizagem autônoma de
línguas por meio do letramento crítico. In: SZUNDY, P.T.; ARAÚJO, J.C.; NICOLAIDES, C.;
SILVA, K.A. (Orgs.). Linguística Aplicada e sociedade: ensino e aprendizagem de línguas no
contexto brasileiro. São Paulo: Pontes, 2011.
PIETERSE, J. N. (1995). Globalization as hybridization. In: M. Featherstone, S. Lash and R.
Robertson (eds), Global Modernities. London: Sage.
PULVERNESS, A. Materials for cultural awareness. In: TOMLINSON, B. (Ed.) Developing
Materials for Language Teaching. 2 ed. London: Bloomsbury, 2014.
RAMOSE, B.M. Globalização e Ubuntu. In: Santos, B.S.; Meneses, M.P. (Orgs.).
Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina. AS, 2009, p. 135-176.
RICHARDS, Jack C. 30 Years of TEFL/TESL: A Personal Reflection. TEFLIN Journal, [S.l.],
v. 14, n. 1, p. 14-57, feb. 2003. ISSN 2356-2641. Available at:
<http://journal.teflin.org/index.php/journal/article/view/171>. Date accessed: 23 dec. 2018.
doi:http://dx.doi.org/10.15639/teflinjournal.v14i1/14-57.
1530
Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
________. The ELT textbook. In: GARTON, S.; GRAVES, K. (Eds.) International
Perspectives on English Language Teaching. London: Palgrave Macmillan, 2014.
ROBERTSON, R. Globalization: social theory and global culture. London: Sage, 1992.
SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: Record, 2003.
SILVA, T. T. da. Documentos de identidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
THORNBURY, S. Resisting coursebooks. In: Critical Perspectives on Language Teaching
Materials. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2013. p. 152 – 165.
TILIO, R. O livro didático no ensino de línguas: caracterização do objeto, função e critérios de
escolha. In: BARROS, A. L. E. C.; TENO, N. A. C.; ARAUJO, S. D. (Orgs.) Manifestações:
ensaios críticos de língua e literatura. Curitiba: Appris, 2016. p. 215-237.
________. Repensando a abordagem comunicativa: multiletramentos em uma abordagem
consciente e conscientizadora. In: HILSDORF ROCHA, C.; FRANCO MACIAL, R. [orgs.].
Língua estrangeira e formação cidadã: entre discursos e práticas. São Paulo: Pontes
Editores, 2015. p. 51-68.
VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do
método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário de Sheila Grillo e
Ekaterina Vólkova Américo; ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34,
2017[1895-1936].