educaÇÃo matemÁtica e cidadania: entrelaÇamentos …
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL- UFRGS INSTITUTO DE
MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM ENSINO DE MATEMÁTICA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE MATEMÁTICA
MARCO AURÉLIO ECKERT
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIDADANIA: ENTRELAÇAMENTOS
POSSÍVEIS
PORTO ALEGRE
2019
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Marco Aurélio Eckert
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIDADANIA: ENTRELAÇAMENTOS
POSSÍVEIS
Dissertação elaborada como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre
em Ensino de Matemática, pelo Programa
de Pós-Graduação em Ensino de
Matemática da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Orientador: Prof. Dr.
Rodrigo Dalla Vecchia.
Porto Alegre
2019
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Marco Aurélio Eckert
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIDADANIA:
ENTRELAÇAMENTOS POSSÍVEIS
Dissertação elaborada como requisito parcial
para obtenção de Mestre em Ensino de
Matemática, pelo Programa de Pós-Graduação
em Ensino de Matemática da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Banca examinadora:
Rodrigo Dalla Vecchia, Dr.
Orientador- Universidade Federal Do Rio Grande do Sul, UFRGS
Alvino Alves Sant’Ana, Dr.
Avaliador 1- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS
Vandoir Stormowski, Dr.
Avaliador 2- Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS
Alexandre Branco Monteiro, Dr.
Avaliador 3- Colégio Marista Rosário
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiro a Deus, por me dar saúde, uma família maravilhosa, amigos e forças para
tornar realidade mais esse sonho.
À minha amada esposa Márcia, que sempre me apoiou, incentivou, estava do meu lado nos
momentos mais difíceis e compreendeu a minha preocupação, ansiedade, stress e ausência.
Aos meus filhos Rafael e Camila, que são os meus maiores tesouros e inspirações. Tiveram de
aceitar a minha ausência durante a dedicação aos estudos.
Aos meus pais e irmãs que sempre me incentivaram a continuar os estudos.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Rodrigo Dalla Vecchia, pela parceria, paciência, contribuições e
dedicação ao meu trabalho.
Agradeço à Universidade Federal do Rio Grande do Sul pela oportunidade de realizar esse
estudo, de forma especial aos professores que tive o prazer em conhecer.
À Escola Estadual de Ensino Médio São Salvador e principalmente a turma F911 de 2018, na
qual essa pesquisa foi realizada.
Ao município de Salvador do Sul que sempre me deu o suporte que necessitava.
Ao meu Vice Prefeito Leo Haas e aos Secretários Municipais que tiveram de compreender as
minhas eventuais ausências.
“Mestre é aquele que as vezes pára para aprender” (Guimarães Rosa).
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RESUMO
A presente dissertação é resultado de uma pesquisa realizada com o objetivo de analisar
possíveis entrelaçamentos entre Educação Matemática e Cidadania. A pergunta diretriz foi:
Como as Tecnologias Digitais podem contribuir para a formação de uma Literacia Digital e
para o fortalecimento da Cidadania na sociedade? Os principais referenciais teóricos que dão
sustentação a pesquisa se ancoram nas ideias de Cidadania, por meio de Skovsmose (2007;
2013), Alro e Skovmose (2006) e D’Ambrosio (1996) e nas relações entre Educação
Matemática e Tecnologias Digitais, usando Notare e Basso (2012), Lummertz, Sápiras e Dalla
Vecchia (2015) e Jenkins et al (2009). Os participantes da pesquisa foram alunos do 9º ano do
Ensino Fundamental de uma Escola Estadual de Salvador do Sul. A pesquisa foi conduzida sob
o viés qualitativo de investigação, procurando indícios de respostas para o questionamento
principal. Com a finalidade de aproximar conceitos matemáticos ao dia a dia dos alunos,
procurando dar sentido aos temas abordados e fazendo uso dos recursos tecnológicos
disponíveis, elaboramos uma sequência de tarefas que permitiu que os estudantes participassem
da escolha dos assuntos a serem abordados em sala de aula. Eles foram colocados na posição
de Prefeitos da cidade, tendo a oportunidade de conhecer os mecanismo de funcionamento da
administração pública, apontando as principais virtudes, as dificuldades e projetando possíveis
soluções dos problemas para melhorar a qualidade de vida de seu município. Nesse cenário de
investigação, a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação foram recursos
digitais importantes para a busca de informações sobre receitas, despesas e na troca de
experiências que favoreceram a participação e reflexão sobre situações problemas que
envolviam a vida dos alunos. Como principais resultados deste projeto, podemos destacar
evidências das habilidades inteligência coletiva, navegação transmídia e networking, que
segundo Jenkins et al (2009), são indícios de Literacia Digital. Encontramos também evidências
dos argumentos social e pedagógico da democratização, de democracia, de Educação
Matemática Crítica, de Materacia, do papel formatador da Matemática e sobre direitos e
deveres, demonstrando ser possível o fortalecimento da Cidadania na sociedade.
Palavras chave: Educação Matemática. Tecnologias. Cidadania. Literacia Digital.
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ABSTRACT
The Present dissertation is a result of a research with the objective of verifying the interlacing
between Mathematics Education and Citizenship. The main question was: How Digital
Tecnologies can contribute to form Digital Literacy and the fortification of the Citizenship? The
main theoretical references that supports this research are based in ideas of Citizenship, by
means of Skovmose (2007; 2013), Alro e Skovmose (2006) and D'Ambrosio (1996) and in the
relation between Mathematic Education and Digital Tecnologies, using Notare and Basso
(2012), Lummertz, Sápiras and Dalla Vecchia (2015) and Jenkins et al (2009).The participants
of the research were students 9th grade of Elementary School from Salvador do Sul. The
research was conducted under the qualitative proposals, looking for indications of answers to
the main question. With the purpose of approaching mathematics concepts day by day of the
students, looking for making sense to the addressed themes and use of technological resources
available, elaborating a didactic sequence that the students could participate of the choice of the
subjects that would be approached in the classroom. They were placed in the position of the
city mayor, having the opportunity to know the operating mechanisms of the public
administration, appointing the main virtue, the difficulties and projecting possible solutions to
improve the life quality of the city. In this scenario, the usage of Information and
Communication Technologies was an important digital resource to search information on
revenue, expenditure and exchange experiences that favored the participation and reflection
about situation problems that were involved with the student’s lives. As main results of this
project that can be highlighted, evidences of collective intelligence, transmedia navegation and
networking, which acording to Jenkins et al (2009), the development of those skills in the
classroom are related with Digital Literacy. We found evidences of social and pedagogical
arguments of democratization, democracy, Critical Mathematics Education, Materacia, the
formatting paper of Mathematics and about rights and duties, showing being possible the
fortification of Citizenship on society.
Keywords: Mathematics Education. Technologies. Citizenship. Digital Literacy
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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 9
2. REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 14
2.1- TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA .................... 14
2.2- LITERACIA DIGITAL ...................................................................................... 16
2.3- CIDADANIA ........................................................................................................ 20
2.3.1- Educação Matemática e Democracia ............................................................. 21
2.3.2- Competência democrática e conhecimento reflexivo ..................................... 27
2.3.3- Educação Matemática Crítica ......................................................................... 32
2.3.4- Materacia ........................................................................................................ 35
3. METODOLOGIA ....................................................................................................... 36
3.1- CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................................................... 39
3.2- RECURSOS TECNOLÓGICOS UTILIZADOS ............................................. 40
3.3- ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA .................................. 44
3.3.1- Primeira Etapa ................................................................................................ 45
3.3.2- Segunda Etapa ................................................................................................ 47
3.3.3- Terceira Etapa ................................................................................................. 51
3.3.4- Quarta Etapa ................................................................................................... 53
3.3.5- Quinta Etapa ................................................................................................... 58
4. ANÁLISE DOS DADOS ............................................................................................ 61
4.1- TRANSPORTE ESCOLAR ............................................................................... 61
4.1.1- Literacia Digital .............................................................................................. 62
4.1.1.1 Inteligência Coletiva ..................................................................................... 62
4.1.1.2- Networking .................................................................................................. 65
4.1.1.3- Navegação Transmídia ................................................................................ 67
4.1.2- Democracia ..................................................................................................... 72
4.1.2.1- Argumento Pedagógico da Democratização (currículo aberto) .................. 73
8
4.1.2.2- Argumento social da democratização ......................................................... 76
4.1.2.3- Conhecimento reflexivo e Educação Matemática Crítica ........................... 79
4.1.2.4- Materacia ..................................................................................................... 87
4.1.2.5- Matemática .................................................................................................. 89
4.1.2.6- Direitos e Deveres para o fortalecimento da cidadania ............................... 93
4.2- TERMINAL RODOVIÁRIO ............................................................................. 98
4.2.1- Literacia Digital .............................................................................................. 99
4.2.1.1- Inteligência Coletiva .................................................................................... 99
4.2.2- Democracia ................................................................................................... 100
4.2.2.1- Argumento Pedagógico da Democratização ............................................. 100
4.2.2.2- Argumento Social da Democratização ...................................................... 101
4.3- PROJETO ARBORIZANDO ........................................................................... 102
4.3.1- Argumento Pedagógico da Democratização ................................................ 103
4.3.2- Direitos e deveres ......................................................................................... 106
5. CONCLUSÃO ........................................................................................................... 109
REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 116
APÊNDICES ............................................................................................................. 119
ANEXOS .................................................................................................................... 149
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1. INTRODUÇÃO
Como professor e diretor, sempre acreditei que uma das formas de melhorar a realidade
de uma população é por meio da educação. Penso que quanto maior for a qualidade da educação
na rede de ensino de uma cidade, estado ou país, maior será a qualidade de vida da sua
população.
Leciono a disciplina de Matemática desde os 19 anos de idade. Fui diretor durante sete
anos na Escola Estadual de Ensino Médio São Salvador, única escola de Ensino Médio de um
município do interior do Rio Grande do Sul com aproximadamente 7500 habitantes. Localizada
na zona urbana da cidade, possui aproximadamente 500 alunos divididos em três turnos de aula,
atende crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio,
inclusive em tempo integral do 1º ao 5º ano.
Durante minha experiência de aproximadamente 10 anos em sala de aula, observando e
conversando com os colegas professores, percebi uma grande dificuldade em relacionar os
conteúdos curriculares matemáticos com a realidade vivida pelas crianças. Ouvi várias vezes
perguntas do tipo: Para que serve isso? Onde vou usar esse conteúdo? O que essa matemática
vai melhorar a minha vida? Por que preciso aprender essas coisas?
Apesar de sempre buscar respostas para justificar a importância dos conteúdos vistos em
sala de aula, esses questionamentos também despertavam em mim uma certa inquietude,
angústia e a necessidade de melhorar essa realidade. Sabia que era necessário contextualizar os
conteúdos matemáticos com a vida dos estudantes, para que, dessa forma, o aprendizado
ocorresse de maneira significativa.
Ao aprofundar os estudos, percebi que as angústias que sentia também eram
compartilhadas por outros professores e pesquisadores. Avaliando o campo teórico, é possível
afirmar que o ensino de matemática vem sendo realizado de maneira abstrata, utilizando-se de
fórmulas, exercícios prontos e sem conexão com a realidade dos alunos. Empiricamente vejo
que o professor faz uma explicação do conteúdo no quadro, os alunos devem prestar atenção
para entender o conteúdo. Depois, passam-se uma série de exercícios de fixação, utilizando ou
não o livro didático, com a finalidade de preparar para a avaliação. Estamos acostumados e
condicionados a seguir esse modelo de ensino tradicional de matemática, que segundo
Skovsmose (2007),
(...) é dominado pelo uso do livro-texto, que é seguido, mais ou menos, página por
página. Outras espécies de materiais são usadas somente como complemento. O
livrotexto ocupa a cena. As aulas são estruturadas mais ou menos da mesma maneira.
Um elemento da aula é que o professor faz uma exposição de algumas ideias teóricas.
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Essa exposição é dada como aula plenária, onde o estudante, frequentemente, tem a
possibilidade de interromper e levantar questões. Um segundo elemento da aula é que
os estudantes resolvem exercícios, ... (p. 33 e 34).
Acredito que a situação relatada pelo autor representa grande parte das práticas
pedagógicas de sala de aula nas escolas brasileiras. Na escola em que trabalhei por vários anos
identifiquei essa realidade. Nela a maioria dos professores cumpriam o currículo pré-
determinado, os conteúdos são explanados pelo docente, os alunos resolvem uma série de listas
de exercícios que são corrigidos em aula para depois realizar as avaliações. O livro didático,
que em muitos casos pode apresentar tarefas diferenciadas, é na maioria das vezes utilizado
somente para reforçar listas de exercícios repetitivos, sem contextualizar com a realidade vivida
pelo aluno.
Percebo que essa realidade não é só uma preocupação minha, pois várias pesquisas
também já relataram essa situação e buscam encontrar alternativas para entrelaçar os conceitos
matemáticos com a realidade dos alunos. Conforme Goulart (2009),
(...) a abordagem usualmente utilizada, em aula tradicional, inicia com a apresentação
de conceitos básicos sobre o assunto e resolução de exercícios que envolvem estes
conceitos, no geral exigindo somente a repetição de procedimentos já apresentados
pelo professor. O aluno espera o professor conduzi-lo durante a aula, ou seja, o
professor determina o que fazer e como fazer a tarefa proposta, apresentando alguns
exemplos de resolução de exercícios, consistindo na aplicação de fórmulas em
contextos exclusivamente matemáticos. O que importa são “as regras de como fazer”
e pouca atenção é dada em “por que fazer assim” (p.12).
Apesar de tentar trazer algumas atividades diferentes, buscando envolver os estudantes,
sentia que não conseguia fazer com que o conteúdo matemático trabalhado durante as aulas
fizesse sentido para os alunos. A matemática estudada em sala de aula poucas vezes se
relacionava com a realidade cotidiana dos estudantes.
Buscamos, com a presente pesquisa, propor alternativas para a prática pedagógica visando
desenvolver com o educando o raciocínio lógico matemático e também aproximar o que é
trabalhado em sala de aula com o que acontece na vida fora da escola. Uma educação
matemática que resolva situações problemas do dia a dia que faça sentido para as pessoas, traga
possibilidades para as tomadas de decisões e que possa contribuir na formação de uma
sociedade melhor. Essa angústia e inquietude são os principais fatores que me levaram a realizar
essa pesquisa.
Ao olhar para essa realidade, destaco dois grandes aspectos que podem se somar. O
primeiro são as Tecnologias Digitais (TD), que fazem parte da realidade dos estudantes. O
segundo é a Democracia, que em termos gerais consiste em uma busca por associações da
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matemática com as questões do dia-a-dia das pessoas. Avaliando pesquisas como Skovsmose
(2013), Dalla Vecchia (2012), vejo a possibilidade de reunir esses aspectos buscando amenizar
minhas inquietações.
O meu trabalho como professor e principalmente como diretor, impulsionou o meu
ingresso na política, sendo eleito Vereador e atualmente Prefeito de Salvador do Sul. Como
gestor municipal, percebo que é importante a participação da população em todos os projetos
desenvolvidos pelo executivo municipal e que o gerenciamento para a solução de problemas
fica mais fácil quando o cidadão está ciente de seu papel na sociedade. Os problemas do
município são problemas também dos munícipes.
Utilizando as Tecnologias de Informação e Comunicação para buscar as informações
necessárias que possam subsidiar a compreensão da situação financeira e estrutural da cidade
pelos estudantes, e, deixando a matemática exercer o seu papel de formatação da sociedade, que
segundo as ideias de Skovsmose (2013), “a matemática faz uma intervenção real na realidade,
não apenas no sentido de que um novo insight pode mudar as interpretações, mas também no
sentido de que a matemática coloniza parte da realidade e a rearruma”, pretendemos abrir
espaços democráticos na escola. Um dos objetivos dessa pesquisa é propiciar um ambiente de
interação, discussão sobre problemas que afetam diretamente a vida dos alunos e que eles
possam participar nas tomadas de decisão para melhorar o lugar onde vivem. Compreender que
os recursos financeiros são limitados, nem tudo é possível resolver e que é preciso escolher
prioridades para melhorar a vida da maioria das pessoas.
Essa pesquisa está diretamente associado à investigação, em nível de mestrado
profissional, que assume como pergunta diretriz: Como as Tecnologias Digitais podem
contribuir para a formação de uma Literacia Digital e para o fortalecimento da Cidadania
na sociedade?
Levando em consideração esses aspectos, conduzi um conjunto de tarefas com o intuito
de desenvolver a capacidade de buscar, selecionar, compreender, se apropriar e fazer uso das
informações disponíveis em diversos meios digitais para auxiliar na tomada de decisão sobre
as prioridades do município. Os principais objetivos desse trabalho foram usar as Tecnologias
de Informação e Comunicação à disposição dos alunos para buscar receitas e despesas
municipais para que o estudante possa, por meio da matemática, compreender a situação
financeira de seu município e participar na busca de soluções dos principais problemas de seu
bairro e cidade.
12
Foi planejado uma sequência de tarefas, distribuídas em cinco encontros, no total de 12
períodos de 50 minutos, na qual o estudante teve a oportunidade de obter informações sobre as
principais receitas e despesas municipais. Nesse conjunto de tarefas os estudantes puderam
manusear documentos referentes aos gastos municipais como empenhos, orçamentos,
licitações, relatórios financeiros, pedidos de protocolo e correspondências diversas.
Formando grupos de três ou quatro integrantes, os estudantes levantaram as principais
virtudes e também problemas do bairro ou da cidade onde vivem. Construíram murais virtuais
contendo as suas impressões referente a esses assuntos e também planejaram possíveis soluções.
Além de socializar com a turma, esses problemas foram encaminhados e discutidos com os
secretários municipais para verificar a possibilidade de melhorias.
Como a maioria das melhorias a serem realizadas exigem recursos financeiros, foi
necessário que os alunos buscassem informações sobre os gastos municipais para ter uma visão
geral do funcionamento do município e verificar como e de onde podem ser retirados recursos
para realizar essas melhorias. Essas buscas foram realizadas no portal da transparência do
Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul que possui um link com informações sobre
todos os municípios gaúchos.
Foi solicitado aos alunos que comparassem as receitas e despesas de seu município com
outros municípios vizinhos da região ou de seu interesse para verificar semelhanças ou
diferenças. Essa comparação proporcionou discussões importantes pois fez o aluno conhecer
melhor a sua cidade e se situar dentro de uma micro região.
Surgiram informações importantes durante a pesquisa como: população, receitas do
município, renda per capita, percentual de gastos em saúde, educação, investimentos em outros
setores. Esses dados são importantes para comprovar a aplicação da lei de responsabilidade
fiscal que exige aplicar um mínimo de 25% em educação e 15% em saúde.
Nessa pesquisa, o leitor encontrará detalhadamente os relatos de cada encontro e poderá
acompanhar diálogos transcritos ocorridos durante os encontros, conhecer os caminhos
percorridos para obter informações das receitas e despesas municipais, documentos que passam
pela prefeito, construções dos murais virtuais realizados pelos alunos, imagens dos trabalhos
em sala de aula e também da visita realizada à prefeitura municipal e à câmara municipal de
vereadores. Além disso, poderá observar os resultados das buscas no site do tribunal de contas
do estado, as principais dificuldades do município encontradas pelos alunos e as propostas de
melhorias sugeridas por eles.
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No primeiro capítulo, traremos os principais referenciais teóricos que dão sustentação à
investigação. Esses referenciais se ancoram nas ideias de Cidadania, por meio de Skovsmose
(2007; 2008; 2013; 2014), Alro e Skovmose (2006) e D’Ambrosio (1986; 1996; 2018) e nas
relações entre Educação Matemática e Tecnologias Digitais, usando Notare e Basso (2012),
Lummertz, Sápiras e Dalla Vecchia (2015) e Jenkins et al (2009).
No capítulo 2, apresentaremos a metodologia. Além da contextualização, apresentamos o
relato dos principais acontecimentos durante a realização da pesquisa. A análise dos fatos seguiu
sob um viés qualitativo e foram avaliados os momentos que mais demonstraram evidências de
Cidadania e Literacia Digital.
As atividades transcorreram durante cinco encontros com estudantes do 9º ano do Ensino
Fundamental, de uma escola estadual do centro de Salvador do Sul, que puderam conhecer
documentos oficiais da administração municipal, refletir sobre virtudes, problemas e
possibilidades de melhorias da cidade. Os alunos puderam também buscar informações sobre
receitas, despesas e conhecer os mecanismos de funcionamento do município, além de visitar a
prefeitura e a câmara de vereadores da cidade.
As análises dos momentos em que encontramos indícios de Cidadania e Literacia Digital
serão apresentados no capítulo 3. Exibiremos os acontecimentos que evidenciaram aspectos
fundamentais de cidadania, como o argumento social e pedagógico da democratização, a
educação matemática crítica, a democracia, a materacia e sobre direitos e deveres. Também
encontramos nas análises evidências das habilidades inteligência coletiva, networking e
navegação transmídia, que representam características de Literacia Digital.
Nas considerações finais, tentamos responder a pergunta diretriz sobre como as
Tecnologias Digitais podem contribuir para a formação de uma Literacia Digital e para o
fortalecimento da Cidadania na sociedade. Refletimos sobre a importância de ouvir os alunos,
e dar a eles a oportunidade de fazerem parte do diálogo, contribuírem com as suas vivências
nas discussões da turma e, de forma igualitária com seus pares e com o professor, participarem
das tomadas de decisões sobre o rumo a ser seguido durante o processo educacional. Tratarem
de assuntos de seus interesses, dos problemas que afetam as suas vidas, encontrarem a presença
da Matemática nos mecanismos de funcionamento da sociedade. Buscamos mostrar que o uso
das Tecnologias de Informação e Comunicação podem contribuir na formação da Literacia
Digital e no fortalecimento da cidadania na sociedade.
14
2. REFERENCIAL TEÓRICO
Nesse capítulo serão abordadas algumas ideias acerca dos aportes teóricos que embasarão
a investigação. Em particular, serão abordadas ideias acerca de Tecnologias Digitais, Literacia
Digital e Cidadania.
2.1- TECNOLOGIAS DIGITAIS E EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Acredito que a evolução tecnológica dos últimos anos possibilitou que as crianças e
jovens cresçam interagindo com o uso de Tecnologias Digitais. Essas, muitas vezes, facilitam
a vida das pessoas, porém também podem provocar mudanças culturais na forma de
comunicação e no acesso às informações. Considero que a escola muitas vezes não acompanhou
o ritmo dessa evolução e continua utilizando métodos formais e, por vezes, ultrapassados.
Perante isso, acaba sofrendo críticas por apresentar resultados fracassados e omite aos alunos
outras formas de construção de conhecimento. Segundo Notare e Basso,
[...] não é de hoje que o processo de aprendizagem de Matemática vem sofrendo fortes
críticas por apresentar resultados de um sistema ultrapassado e fracassado. Um dos
principais fatores responsáveis por este cenário é que a Matemática ainda é
apresentada aos alunos de forma polida, por meio de formalismos organizados em
uma sequência de teoremas, demonstrações e aplicações. Dessa forma, omite-se dos
alunos o verdadeiro processo de construção dos conceitos envolvidos. (2012, p.1).
Por meio das Tecnologias Digitais, as trocas de informações e a forma de comunicação
mudaram. Têm- se no alcance dos dedos a possibilidade de buscar alternativas de respostas a
uma infinidade de questões com um simples clicar. Além disso, o diálogo entre as pessoas
acontece com grande frequência, por meio de mensagens nas redes sociais. Nesse contexto,
podemos fazer uso de forma construtiva na sala de aula de todos esses recursos tecnológicos
disponíveis e desenvolver no aluno a capacidade de selecionar ou absorver de maneira crítica
as informações úteis para a solução dos problemas. Além disso, é necessário introduzir as
tecnologias no cotidiano escolar visando, também, a preparação para o mercado de trabalho.
Sabemos que não há como separar o ensino das Tecnologias Digitais, pois
[...] os alunos, com a vida já impregnada de tecnologia, vão para a escola e acabam
criando uma certa pressão para que computadores sejam levados para lá. Essa pressão
pode ir desde o uso despretensioso da linguagem tecnológica até a uma reivindicação
por uma formação que os prepare melhor para o mercado de trabalho (ARAÚJO,
2005, p. 2).
O uso de tecnologias durante as aulas de matemática também pode incentivar e
provocar o educando. Segundo Notare e Basso (2012),
15
[...] o sujeito só aprende porque age. A ação é a força propulsora do desenvolvimento
humano, ou seja, é por meio das ações que o sujeito pratica, que ele se desenvolve.
Entretanto, não é qualquer ação que leva a avanços no conhecimento; é preciso uma
ação significativa, que tenha sentido para o sujeito, que o faça pensar sobre o que fez
e sobre o próprio pensamento (p.3).
O dinamismo dos recursos tecnológicos agilizam e facilitam a manipulação dos objetos
matemáticos e possibilitam ao estudante testar, construir e reconstruir as situações para
resolver os problemas encontrados, propiciando a reflexão e a construção do conhecimento.
Nesse contexto, consideramos que não é o professor que transmite o conhecimento é o aluno
que constrói seus próprios caminhos e busca realizar as conexões necessárias para construir a
solução do problema. Esse aspecto é reforçado nas próprias palavras dos autores quando dizem
que
[...] aprendizagem não significa aprender porque alguém ensina, mas sim, por um
processo de construção, de reconstrução e de tomada de consciência do próprio
desenvolvimento por parte do sujeito. Nesta perspectiva, tudo acontece pela ação do
sujeito, pois é por meio dela que se constroem as estruturas do conhecimento ou
capacidades de conhecer (NOTARE; BASSO, 2012, p.3).
Percebo que para muitos professores não é tarefa fácil adaptar sua forma de trabalho à
nova realidade tecnológica. Alguns docentes sentem-se mais seguros em desenvolver um
trabalho de ensino de forma tradicional, previsível e controlada, sem ser exposto a
questionamentos. Porém, é necessário sair da chamada zona de conforto. Essa, segundo Araújo
(2005, p. 4, apud Borba e Penteado 2001), é uma situação vivida pelo professor na qual quase
tudo é previsível, conhecido e controlável em suas aulas. Sabemos que sair da zona de conforto
traz medos e angústias. Para fazer bom uso das tecnologias em suas práticas pedagógicas, o
docente precisa estar disposto a aprender juntamente com seus alunos e perceber que a
construção do conhecimento poderá ocorrer no coletivo, seja em relação às Tecnologias
Digitais ou a conteúdos matemáticos.
O uso das Tecnologias Digitais de informações podem proporcionar a busca por
elementos sobre diversos assuntos sem sair da escola. É possível obter dados atualizados da
comunidade onde vive, do município, estado, país e mundo, ou seja, tem-se acesso a uma
imensa quantidade de informações. Por isso, é preciso também aumentar os investimentos na
educação, equipar as escolas com tecnologias digitais, disponibilizar o acesso à internet e
capacitar os professores por meio de formações continuadas.
Pretendemos desenvolver, em nossa pesquisa, a capacidade do aluno aprender a buscar
as informações sobre a comunidade em que vive, que possa saber interpretar esses dados de
forma crítica, formar hipóteses e encontrar possíveis soluções sobre os principais problemas
16
que identificar no seu meio. Para discutir esses aspectos, que tratam do espaço criado pelas
tecnologias, traremos algumas ideias referente à Literacia Digital.
2.2- LITERACIA DIGITAL
A educação pode assumir a função de desenvolver aspectos fundamentais na formação
do cidadão crítico e consciente no meio em que está inserido. Para isso é necessário que o
estudante aprenda mais do que só utilizar as tecnologias de informação e comunicação; precisa
aprender a usar as informações de forma crítica e que possam melhorar a sua vida. Os recursos
tecnológicos utilizados para a busca, apresentação, compreensão e uso das informações
contidas em diversas tecnologias digitais são aspectos conhecidos na literatura como Literacia
Digital, que segundo Lummertz, Sápiras e Dalla Vecchia (2015),
[...] é a capacidade do indivíduo compreender e usar a informação, contida em vários
materiais digitais, de modo a desenvolver seus próprios conhecimentos. Esta visão vai
além da simples compreensão dos materiais digitais, para incluir um conjunto de
capacidades de processamento de informações, que poderão ser usadas na vida pessoal
de cada indivíduo (p. 313).
A Literacia Digital é muito mais do que saber ligar o computador, conhecer as peças de
um hardware, utilizar softwares, ou “navegar na internet”. Ela busca a compreensão e utilização
de forma crítica e eficaz das informações, que os alunos saibam utilizá-las para facilitar a sua
vida, seja nas instituições de ensino ou mesmo em casa. Conforme afirmam Sapiras e Dalla
Vecchia (2016), no atual cenário é necessário que os alunos saibam mais do que apenas serem
usuários dos recursos computacionais, mas que saibam utilizá-los para facilitar sua vida e julgá-
la de modo crítico. Isso faz parte do que os autores entendem por Literacia Digital.
Segundo Jenkins et al. (2009) a Literacia Digital pode ser entendida como a capacidade
de compreender e usar as informações, contida em vários materiais digitais, para desenvolver
seus próprios conhecimentos. Não basta só saber manipular os materiais digitais e ter acesso às
informações, é preciso desenvolver o conjunto de capacidades de processamento dessas
informações para serem utilizadas na vida pessoal de cada indivíduo. Considerando a
subjetividade intrínseca no conceito, esses autores trazem que um dos modos de se tangenciar
a ideia de Literacia Digital é por meio do desenvolvimento de algumas habilidades que podem
contribuir com o futuro pessoal e profissional por meio do uso das tecnologias digitais. Essas
habilidades são: jogar, performance, simulação, apropriação, multitarefa, distribuição
cognitiva, inteligência coletiva, julgamento, navegação transmídia, networking e a negociação.
O jogar, conforme Jenkins et al. (2009), é a capacidade que o indivíduo tem de
experimentar o ambiente em busca da resolução de alguma situação-problema. O intuito é
buscar, por meio da diversão, um exercício que exija atenção, raciocínio e esforço. Vale
17
ressaltar que o jogar nem sempre é algo divertido, pois são necessárias habilidades e o sucesso,
em alguns momentos, não é garantido. Entretanto, mesmo assim, a pessoa, por ter um objetivo,
uma meta, continua a jogar. De acordo com os autores, os jogos trazem a possibilidade de
explorar conhecimentos e solucionar problemas. Habilidades essas que são imprescindíveis na
preparação para papéis subsequentes e responsabilidades no mundo adulto. Por meio dos jogos,
é possível o sujeito realizar suas próprias descobertas e utilizá-las em contextos variados.
A performance é a habilidade de desempenho que possibilita aos alunos assumirem
identidades fictícias para que, de acordo com Jenkins et al. (2009), desenvolvam uma melhor
compreensão de si mesmos e do papel que têm na sociedade. A partir da construção de um
personagem em um ambiente do computador, chamado de Avatar, o aluno poderá projetar
desejos e valores e tomar decisões. Para os autores, a performance traz a capacidade de
compreender os problemas sob múltiplos pontos de vista, para assimilar as informações,
exercer o domínio sobre materiais sociais e improvisar a resposta num ambiente em mudança.
Um exemplo desta habilidade é colocar o estudante no lugar da outra pessoa, como se ele
estivesse na situação vivenciada pelo outro, precisando resolver seus problemas, nos quais
precisa projetar possibilidades de soluções e tomar decisões. Durante a realização desta
pesquisa, assentamos os estudantes no papel de Prefeito da cidade, identificando os principais
problemas e buscando alternativas para solucioná-los.
A simulação, segundo Jenkins et al. (2009), permite uma aprendizagem baseada em
tentativas que podem gerar erros ou acertos. Essa habilidade auxilia na ampliação da
capacidade cognitiva, pois o aluno estará em contato com uma grande quantidade de dados e
a reflexão permitirá a construção de hipóteses. Como exemplo de simulação, podemos destacar
a grande quantidade de informações disponíveis em diversos meios digitais e sobre vários
assuntos. Esses dados podem ser acessados constantemente para formar hipóteses e a partir
destes, refletir sobre as principais dificuldades e necessidades encontradas no cotidiano para
definir prioridades e construir possibilidades para a solução de problemas.
A apropriação é entendida como um processo em que os alunos aprendem a partir de
algo já construído, conforme apontam Jenkins et al. (2009). Os estudantes inspiram-se em
ideias e conceitos anteriores para trazer uma nova perspectiva a partir de construções e
interpretações realizadas em sala de aula. As trocas de vivências entre os estudantes e entre
estudantes e professor sobre um determinado assunto, são aspectos importantes para o
desenvolvimento dessa habilidade. Por meio da troca de ideias e pelas interpretações das
18
experiências construídas é possível se apropriar de algo já vivenciado para trazer uma nova
perspectiva para a reflexão. Essa habilidade consiste em se apropriar das experiências dos
outros e usá-las como exemplos para não cometer o mesmo erro ou para encontrar melhores
soluções de seus problemas.
A multitarefa é uma habilidade que requer atenção, pois, segundo Jenkins et al. (2009),
as informações a serem processadas por nosso cérebro são temporariamente retidas na
memória de curto prazo e a nossa capacidade de memória de curto prazo é fortemente limitada.
O estudante precisa filtrar os dados, aumentando o foco para os detalhes mais importantes. É
comum os discentes realizarem diversas tarefas ao mesmo tempo, como, por exemplo estudar
para a prova e assistir a um programa de televisão, ou realizar uma pesquisa e ouvir música.
Enfim, os alunos desenvolvem a capacidade de formar novas conexões, processar informações
e filtrar os elementos para decidir quais exigem a atenção imediata. Como exemplo desta
habilidade, podemos destacar a capacidade dos estudantes filtrar as informações mais
importantes sobre os assuntos de seu interesse ou que estão em pauta, disponíveis em diversas
tecnologias digitais e, ao mesmo tempo, relacionar com as experiências de seus colegas e do
professor. Durante a busca por informações, desenvolver a capacidade de realizar diversas
tarefas mas saber filtrar os dados que apresentam elementos mais importantes.
A distribuição cognitiva é a capacidade de interagir de forma significativa com
diferentes recursos para potencializar as capacidades mentais do indivíduo, como apontam
Jenkins et al. (2009). Ela concentra-se em formas de raciocínio que não seriam possíveis sem
a presença de dispositivos tecnológicos. Esses possibilitam a expansão da capacidade cognitiva
do sujeito. A distribuição cognitiva apresenta a importância das tecnologias digitais na
construção do conhecimento, mas está ligada à habilidade de inteligência coletiva. A interação
com recursos como projetor, televisão, vídeos, computador, internet, sites de busca, celular,
aplicativos e programas que potencializam a obtenção de informações e a comunicação, são
exemplos da distribuição cognitiva.
A inteligência coletiva, de acordo Jenkins et al. (2009), é a capacidade de reunir os
conhecimentos e comparar anotações com outras pessoas para um objetivo comum. A partir
dessa habilidade, o indivíduo pode compartilhar experiências e conhecimentos para o
crescimento do grupo, uma vez que todos trazem saberes individuais, e resolver situações-
problemas de forma integrada, num trabalho em equipe. A construção de quadros murais
virtuais, a elaboração de painéis, a discussão em grupo sobre um assunto, a apresentação de
trabalhos, a construção de projetos que sintetizam e compartilham as experiências do grupo,
19
reunindo os conhecimentos da turma e buscando resolver os problemas em equipe, são
exemplos desta habilidade.
O julgamento, consoante com Jenkins et al. (2009), é a habilidade de avaliar a
confiabilidade e a credibilidade de diferentes fontes de informação. É necessário verificar os
prós e contras dos dados, uma vez que todos podem divulgar informações. Para o autor, essa
habilidade mostra-se como uma alfabetização de pesquisa crítica, que deve ser trabalhada nas
instituições de ensino. Avaliar a confiabilidade das informações disponíveis sobre o assunto a
ser pesquisado em diferentes sites de busca e nas redes sociais, é um exemplo do
desenvolvimento desta habilidade. Para evitar erros e tomar decisões equivocadas é
fundamental saber avaliar a credibilidade das fontes de informações. Não basta só obter os
dados, para que eles possam ser utilizados, é preciso ter certeza que foram disponibilizados
por fontes seguras, sites oficiais e reconhecidos.
A capacidade de acompanhar o fluxo de informações em diferentes formas, seja
imagens, vídeos, áudios ou simulações, para Jenkins et al. (2009), é apresentada como a
navegação transmídia. Possibilita o registro de dados por expressões diversas como gráficos,
músicas, figuras, enfim, a comunicação em diferentes formas, não só por meio da escrita ou
da fala. As informações podem estar presentes em diversas formas e fontes de comunicação.
Além da escrita e da fala, é importante para a construção do conhecimento, que o estudante
saiba acompanhar o fluxo de informações contidas em diálogos, teatros, músicas,
apresentações, áudios, vídeos, desenhos, murais, gráficos, tabelas, planilhas, relatórios e
também por meio de mensagens nas redes sociais.
No networking, de acordo com Jenkins et al. (2009), o mundo tem a produção de
conhecimento de forma coletiva, e a comunicação ocorre por meio de uma variedade de
diferentes meios de comunicação. Nessa habilidade, é fundamental ocorrer a interação entre
os sujeitos na busca de superar desafios. Essa superação ocorrerá na discussão, na
compreensão, na construção de conhecimentos em grupo. Como exemplo desta habilidade,
podemos apartar a interação dos estudantes em resolver os principais problemas do meio ao
qual está inserido, dos seus problemas, de seus familiares, da sua comunidade, de seu
município, região, estado ou país. Produzindo conhecimentos de forma coletiva e utilizando
diferentes meios de comunicação nas discussões.
A negociação é uma habilidade que pode ser definida de duas maneiras, segundo
Jenkins et al. (2009): (i) como a capacidade de negociar entre diferentes perspectivas e (ii)
20
como a capacidade de negociar por meio de diversas comunidades. É a maneira de
compreender os diferentes pontos de vista e a compreensão das diversidades sociais. Num
grupo, as opiniões poderão ser contrárias, e será necessária uma conduta de respeito para evitar
conflitos e promover a construção do conhecimento.
Esse conjunto de habilidades será importante para nossa pesquisa, uma vez que é de
nosso interesse investigativo buscar indícios do desenvolvimento da Literacia Digital.
Desenvolver no estudante essa capacidade de obter, compreender e usar as informações
contidas em diversos materiais digitais, sobre o mundo-vida em qual está inserido, é de
fundamental importância para o fortalecimento da cidadania na escola e na sociedade, aspecto
que traremos na próxima seção.
2.3- CIDADANIA
A educação sempre contribuiu para o desenvolvimento das sociedades e continua tendo
participação direta nos avanços tecnológicos e culturais da população. Desenvolver as
potencialidades do indivíduo para que ele possa atingir sua realização profissional, pessoal e
se torne um cidadão consciente de seu papel na comunidade em que vive também fazem parte
dos objetivos da educação.
Consideramos que é na escola que começa o processo de cidadania e é com esse olhar
que realizamos a pesquisa em sala de aula. Buscando aproximar os conteúdos matemáticos da
realidade vivida pelo estudante para que o assunto abordado faça sentido e tenha valor em sua
vida. Os problemas abordados deixam de ser fictícios e passam a ser problemas da rua, bairro,
cidade e região onde vive esse estudante.
A utilização dos diversos recursos tecnológicos disponíveis em sala de aula contribui
para a busca de informações necessárias para a compreensão da situação atual da cidade. É
preciso que o aluno saiba buscar, avaliar e selecionar as informações importantes para
compreender o que acontece em sua volta, refletindo sobre as virtudes e dificuldades
encontradas para buscar alternativas que possam melhorar a comunidade em que vive,
desenvolvendo a construção da cidadania.
Um dos princípios a ser observado pelo educador quando planeja as atividades a serem
desenvolvidas durante o ano letivo é preparar o educando para o exercício da cidadania. Esse
aspecto é tão importante que está assegurado na Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em seu artigo 2. “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos
princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
21
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho” (p. 1).
É importante que os estabelecimentos de ensino e seus docentes tenham a preocupação
em fortalecer a cidadania em sala de aula pois se sonhamos em um país melhor é preciso que
sua população conheça seus direitos e deveres mas também saiba respeitar os direitos e a
liberdade dos outros. Mas afinal, o que é cidadania? Segundo o dicionário de filosofia de
ABBAGNANO (2007), cidadania é:
[...] o fato de pertencer a uma comunidade política; configura-se em termos diversos
nas diferentes sociedades. Está ligada à liberdade (concebida de modo elitista ou
universal) ou à justiça (entendida como ordem ou paridade) e a ambas, e nesse aspecto
identifica-se com o exercício de três gerações de direitos humanos: os civis (p. ex., à
vida, à expressão, à propriedade), os políticos (p. ex., à função eleitoral, à associação
em partidos e sindicatos) e aos sociais (p. ex., ao trabalho, ao estudo, à saúde): A
aquisição de tais direitos de cidadania é progressiva segundo alguns, enquanto
segundo outros não tem caráter linear e evolutivo. Enquanto na Antiguidade a ideia
de deveres, e na de modernidade à de direitos, hoje a ideia de cidadania resume a de
direitos e deveres: ambos considerados essenciais para que alguém seja membro de
uma comunidade. Mais precisamente, pode-se dizer que a nova cidadania conjuga os
direitos de liberdade e igualdade com os deveres de solidariedade; neste sentido, o
conceito de cidadania está ligado ao [de democracia e é caracterizado pela necessidade
de combinar a exigência de participação com a de governabilidade, por um lado, e a
justiça com o mercado, por outro.” (p.156 e 157)
Segundo o dicionário, a nova cidadania conjuga os direitos de liberdade e igualdade
com os deveres de solidariedade, o conceito de cidadania está ligado ao de democracia e é
caracterizado pela necessidade de combinar a exigência de participação com a
governabilidade. É com esse foco que realizamos essa pesquisa, utilizar as tecnologias de
informação e comunicação disponíveis na escola para obter todas as informações sobre as
receitas e despesas do município. Com isso, o aluno poderá compreender o que acontece em
sua volta, a situação financeira municipal, os projetos sociais e participar na elaboração de
políticas públicas que possam melhorar a sua vida e da comunidade onde vive.
2.3.1- Educação Matemática e Democracia
Para fortalecer a democracia em uma sociedade, é fundamental que as pessoas possam
compreender e participar das decisões sociais, econômicas e políticas que interferem
diretamente em sua vida, e a escola pode iniciar esse processo. O estudante identificar
problemas ou virtudes relacionados à rua, bairro, cidade e região onde mora, compreender
como as coisas acontecem em sua volta e poder buscar alternativas para cooperar na melhoria
da qualidade de vida de sua comunidade.
22
A Educação Matemática pode contribuir nessa democratização por meio da busca,
seleção e análise das informações sobre o município e região onde vive. Fazendo uso das
tecnologias de informação e comunicação disponíveis nas escolas, buscar as informações sobre
acontecimentos ocorridos na rua, bairro e cidade dos estudantes para aproximar os conteúdos
da vida desses jovens. Trazer para dentro da sala de aula a reflexão sobre situações problemas
ocorridas lá fora mas que refletem diretamente na vida das pessoas. Segundo Skovsmose
(2013, p.38): “A educação deve ser orientada para problemas, quer dizer, orientada em direção
a uma situação “fora” da sala de aula.” O autor ainda afirma que é possível relacionar a
educação matemática e a democratização por meio de dois argumentos: o argumento social e
o argumento pedagógico da democratização. A ideia básica do primeiro argumento afirma que
um aspecto essencial da matemática é a sua utilidade e o segundo argumento é relacionado à
tese de familiaridade, é colocar a criança, seus interesses, seus trabalhos e suas experiências
no centro da prática educacional.
2.3.1.1- Argumento social da democratização
O argumento social é composto por três declarações: que a matemática tem um campo
extenso de aplicações; ela tem um papel dominante na formação da tecnologia que se destaca
na sociedade; que é necessário estarmos aptos a entender os princípios-chaves nos mecanismos
do desenvolvimento da sociedade. A seguir, traremos as ideias principais de cada uma das
declarações.
A primeira declaração afirma que a matemática é aplicada em diferentes situações
como economia, planejamento industrial, em diferentes formas de gerenciamento e em
propaganda tanto quanto em campos tradicionais de aplicação na tecnologia. Mesmo que
frequentemente difícil de apresentar exemplos ilustrativos de aplicações da matemática nas
escolas, ela está presente, muitas vezes escondida mas importante. Segundo Skovsmose
(2013):
É frequentemente difícil, tanto na escola primaria quanto na secundária, apresentar
exemplos ilustrativos de aplicações reais; muito frequentes são exemplos que mostram
pseudoaplicações. Aplicações reais da matemática ficam normalmente “escondidas”,
embora sejam muitas e importantes. (p.39)
Essa dificuldade de ilustrar exemplos reais da aplicação da matemática em sala de aula
faz com que ela se torne muito abstrata para o aluno, podendo tornar o assunto desinteressante
e sem sentido. Para amenizar esse problema é importante que o docente possa trabalhar temas
que estão presentes na comunidade onde vive o estudante, assuntos de seu interesse e que
fazem parte de sua vida.
23
Na segunda declaração, a matemática tem a função de “formatar a sociedade”
(Skovsmose, 2013). As tecnologias de informação e comunicação tem uma função importante
na superação dos obstáculos geográficos pois podem buscar informações importantes sobre as
receitas e gastos do município sem sair da escola. O estudante pode buscar informações para
conhecer como são gerados e como são gastos os recursos financeiros que mantém os serviços
públicos prestados para a comunidade. Mesmo sendo difícil de identificar, a matemática tem
implicações importantes nesse contexto. Conforme Skovsmose (2013):
É impossível imaginar o desenvolvimento de uma sociedade do tipo que conhecemos
sem que a tecnologia tenha um papel destacado, e com a matemática tendo um papel
dominante na formação da tecnologia. Dessa forma, a matemática tem implicações
importantes para o desenvolvimento e a organização da sociedade – embora essas
implicações sejam difíceis de identificar. ( p. 40)
Segundo o autor, a matemática tendo um papel dominante na formação da tecnologia
e essa sendo fundamental para o desenvolvimento da sociedade, a matemática constitui uma
parte integrada e única da sociedade. Por isso, é importante o uso das tecnologias de
informação e comunicação nas salas de aulas de nossas escolas. Elas são importantes
ferramentas na busca de informações para saber o que está acontecendo em volta, por meio
disso, participar nas decisões, entender os princípios-chave nos mecanismos de
desenvolvimento da sociedade e tornar possível o exercício dos direitos e deveres
democráticos, compondo assim, a terceira declaração do argumento social democrático.
O jovem pode compreender a organização da sociedade, como ela funciona para que
ela possa ser melhorada. Precisa se sentir parte dela, compreender suas dificuldades, suas
virtudes e potencialidades para poder participar nas tomadas de decisões (econômicas,
políticas, etc.) que possam desenvolvê-la. De acordo com Skovsmose (2013):
Para tornar possível o exercício dos direitos e deveres democráticos, é necessário
estarmos aptos a entender os princípios-chave nos “mecanismos” do desenvolvimento
da sociedade, embora eles possam estar “escondidos” e serem difíceis de identificar.
Em particular, devemos ser capazes de entender as funções de aplicações da
matemática. ( p. 40)
Consideramos que para tornar as pessoas aptas a entender os princípios-chave nos
mecanismos do desenvolvimento da sociedade é preciso que elas tenham as informações
necessários sobre o que está acontecendo na mesma. Possibilitar o uso desses dados para que
sejam capazes de entender as funções de aplicações da matemática e, dessa forma,
potencializar o exercício dos direitos e deveres democráticos.
Esses exemplos, representam situações que facilitam a compreensão de alguns dos
princípios-chave nos mecanismos de desenvolvimento da sociedade pois interferem
diretamente na disponibilidade financeira do município e consequentemente nas tomadas de
decisões na escolha de prioridades. Esses materiais de ensino-aprendizagem que tentam estar
24
de acordo com o argumento social democrático são chamados de “libertadores”, que segundo
Skovsmose (2013), apresentam os seguintes aspectos principais:
O material tem a ver com um modelo matemático real; O modelo tem a ver com atividades sociais importantes na sociedade; O material desenvolve um entendimento do conteúdo matemático do modelo, mas
esse conhecimento, mais técnico, não é a meta. A meta é desenvolver um insight sobre
as hipóteses integradas ao modelo, e assim desenvolver um entendimento dos
processos (por exemplo, processos de decisão) na sociedade. (p.43 e 44)
De acordo com as ideias do autor, é importante a utilização de materiais que tem a ver
com atividades sociais importantes na sociedade, com um modelo matemático real e que
possam desenvolver um entendimento dos processos na sociedade. Esses materiais podem ser
encontrados em vários acontecimentos do cotidiano do estudante.
Durante a realização de nossa experiência, pretendemos sinalizar ao estudante o
caminho para buscar as informações necessárias que permitam que ele possa refletir sobre a
entrada e saída de recursos, as principais dificuldades e necessidades dos munícipes e propor
alternativas para a solução dos problemas. Que ele possa ter acesso às informações sobre a
entrada de dinheiro proveniente dos impostos, sobre a prestação de serviços públicos prestados
com esses recursos e que ele possa refletir sobre a real necessidade ou não desses serviços para
avaliar, julgar e participar nas tomadas de decisão a respeito desses assuntos.
A pessoa estar apta para buscar, avaliar, julgar as informações e participar nas decisões
representa o fortalecimento da democracia na sociedade. A educação matemática pode
contribuir nesse fortalecimento da democracia desde que tenha essa vontade no dia a dia
escolar, dentro da sala de aula, tendo atitudes pedagógicas democráticas. Para relacionar a
educação matemática e a democratização por meio da educação, discutiremos o argumento
pedagógico da democratização.
2.3.1.2- Argumento pedagógico da democratização
O argumento pedagógico da democratização consiste em olhar para dentro do processo
educacional. O sistema educacional, a variedade de impressões recebidas pelos estudantes
durante o processo, a lacuna entre o assunto ensinado e o assunto aprendido, o currículo, a
estrutura do processo educacional e a atitude democrática individualmente consolidada.
Segundo Skovsmose, (2013):
[...] não podemos esperar o desenvolvimento de uma atitude democrática se o sistema
escolar não contiver atividades democráticas como o principal elemento. Se queremos
desenvolver uma atitude democrática pela educação matemática, os rituais dessa
educação não podem conter aspectos fundamentalmente não democráticos. O diálogo
entre professor e estudante tem um papel importante. ( p. 46)
25
De acordo com o autor, para desenvolver uma atitude democrática pela educação
matemática, os rituais dessa educação não podem conter aspectos não democráticos. O diálogo
entre professor e estudante têm um papel importante. É por meio desse diálogo que podem ser
construídas as relações fundamentais entre estudantes e entre professor e estudantes. São
estabelecidos os “combinados”, a forma de condução dos trabalhos, as atividades a serem
desenvolvidas, o currículo, as vivências e experiências dos alunos que podem fortalecer a
democracia.
Em uma educação baseada no argumento pedagógico da democratização, nenhum
caminho específico tem de ser planejado previamente. É preciso levar em conta as experiências
dos estudantes no planejamento do currículo e nos conteúdos abordados, dessa forma, buscar
relacionar uma possível conexão entre nossa linguagem ordinária e conceitos matemáticos
construídos. Skovsmose (2013) fala sobre essa questão;
A possibilidade de uma educação matemática “baseada na experiência”, uma
educação que inclua a total experiência dos estudantes, tanto em relação ao
planejamento de currículo quanto ao conteúdo abordado, relaciona-se à possível
conexão entre nossa linguagem ordinária e conceitos matemáticos construídos. ( p.46
e 47)
Incluir as experiências adquiridas pelo estudante no planejamento do currículo podem
contribuir para a construção do conhecimento pois os assuntos abordados fazem parte da vida
do estudante, ou seja, ele já sabe alguma coisa sobre esse tema. A discussão gira em torno de
assuntos que fazem parte de sua vida, dos quais já possui experiências sobre isso e são de seu
interesse. Essa forma de pensar educação matemática é conhecido na literatura como tese da
familiaridade, que segundo Skovsmose (2013, p.47), “A intenção é colocar as crianças, seus
interesses, seus trabalhos e suas experimentações no centro da prática educacional e eliminar
aspectos indesejáveis do currículo oculto.”
Uma das vantagens da familiaridade é que a discussão parte de um conhecimento
prévio do estudante. Isso traz a possibilidade de que, a partir de suas vivências, o aluno possa
dar exemplos, contribuir com experiências positivas ou negativas, participar das reflexões,
dialogar com os colegas e professores, facilitando, assim, a construção do conhecimento.
Nesse cenário, não é possível seguir um currículo matemático estruturado com aspectos
não democráticos, aliás, tentar seguir esse currículo poderia se tornar uma obstrução para as
atividades de aprendizagem. D´Ambrosio (1985) apud Skovsmose (2013) trata essa questão
como:
A matemática “aprendida” elimina a assim chamada matemática “espontânea”. Um
indivíduo que lida perfeitamente bem com números, operações, formas e noções
geométricas, quando enfrenta uma abordagem completamente nova e formal para os
26
mesmos fatos e necessidades, cria uma barreira psicológica, que cresce como uma
barreira entre os diferentes modos de pensamento numérico e geográfico. (p.48 e 49)
O mesmo pode ser dito em usar materiais prontos e pré-estruturados, é crucial a recusa
desse material. Fica difícil a utilização de um material didático produzido por pessoas sem
vínculo com a comunidade onde vive o estudante. Materiais produzidos usando como base
outra realidade, outra cultura, sem envolvimento e sem sentido para o aluno. Em vez disso,
tenta-se usar situações do cotidiano dos estudantes que facilitariam uma matematização, que
segundo Skovsmose (2013, p. 51), “significa, em princípio, formular, criticar e desenvolver
maneiras de entendimento. Ambos, estudantes e professores, devem estar envolvidos no
controle desse processo, que, então, tomaria uma forma mais democrática.”
Para desenvolver maneiras de entendimento fica mais fácil se pudermos utilizar
situações ocorridas no meio em que vive o estudante. Buscar acontecimentos, situações ou
problemas que envolve diretamente a sua vida, ou de seus familiares, da rua, do bairro, da
cidade e da comunidade onde está inserido. Matematizar situações de aprendizagem que fazem
algum sentido na vida do estudante, fazendo com que ele se sinta parte do processo e tendo a
oportunidade de participar para melhora-la. Segundo Skovsmose (2013), essas situações
caracterizadas dessa forma e os materiais de ensino-aprendizagem são chamados de situações
abertas e materiais abertos de ensino-aprendizagem.
A busca desses materiais ou situações abertas o próprio aluno pode ajudar a indicar a
partir de situações identificadas por ele e que de alguma forma o incomodam ou o deixa
satisfeito. Trazer essas situações para dentro da sala de aula, debate-las com os colegas e
professor, sem saber os resultados que essa discussão pode levar, criando possibilidades para
decisões educacionais e dando a possibilidade dos estudantes moldarem o processo
educacional são implicações do argumento pedagógico de democratização. Segundo
Skovsmose (2013), uma implicação do argumento pedagógico de democratização:
[...] é que temos de desenvolver situações abertas no processo educacional, isto é,
situações que possam tomar direções diferentes dependendo dos resultados da
discussão entre estudantes e estudantes, e entre estudantes e professor. Abrir a situação
significa criar possibilidades para decisões educacionais a serem tomadas em sala de
aula. Os estudantes devem ter a possibilidade de moldar o processo educacional para
que não se tornem adaptados a rituais inquestionáveis da educação matemática. (p.51
e 52)
A utilização desses materiais podem possibilitar que os estudantes moldem o processo
educacional de acordo com o seu interesse, com isso a educação matemática passa a trabalhar
assuntos do cotidiano e dessa forma, começa a fazer sentido na vida desses jovens. Esses
materiais de ensino-aprendizagem, baseados no argumento pedagógico da democratização, são
caracterizados, segundo Skovsmose (2013), como:
27
O material tem a ver com um tópico de relevância subjetiva para os estudantes; O
material inicia uma variedade de atividades, que não são pré-estruturadas nem
completamente fixadas; Várias decisões têm de ser tomadas relacionadas ao processo
de ensino-aprendizagem, e as decisões normalmente necessitam de uma discussão
entre professor e estudantes. (p.51)
Para buscar materiais de relevância para os estudantes, com possibilidades de
variedade de atividades que permitam discussões entre professor e estudantes para as tomadas
de decisões sobre o processo de ensino-aprendizagem, é preciso que o docente esteja preparado
para implantar essa ideia e disposto a abandonar a forma tradicional da educação matemática.
É preciso manter um diálogo constante com os estudantes, buscar conhecer mais sobre a sua
vida, se envolver em questões sociais e estar preparado a buscar alternativas que podem até se
distanciar de sua área de conhecimento.
Essa mudança na cultura educacional, na qual encontramos situações abertas e
materiais abertos de ensino-aprendizagem podem, além de fortalecer o processo de
democratização, favorecer a construção do conhecimento em outras disciplinas curriculares de
ensino. A interdisciplinaridade nas práticas educacionais já foi tema de várias discussões na
área de educação mas não iremos tratar desse assunto nesse trabalho.
2.3.2- Competência democrática e conhecimento reflexivo
De acordo com as ideias de Skovsmose (2013), mesmo os argumentos sociais e
pedagógicos estando relacionados ao conceito de democratização, eles apontam em duas
direções diferentes, levantando à seguinte questão: Será possível criar materiais e situações ao
mesmo tempo abertas e “libertadoras”? Quando desenvolvemos materiais abertos, ficamos em
dúvida se é possível construir conhecimento crítico e quando temos sucesso no
desenvolvimento de materiais “libertadores” precisamos evitar demasiada pré-estruturação da
situação, demasiadas aulas expositivas para construir esse estoque complicado de
conhecimento real obviamente necessário para entender um modelo real.
Se pretendemos desenvolver a democracia por meio da educação, precisamos
primeiramente compreender os seus principais conceitos. Conforme Skovsmose (2013), uma
interpretação não sofisticada de “democracia”, conhecida como democracia direta, afirma que
as “pessoas” devem estar “governando”. Se as “pessoas” significa todo mundo, mulheres e
homens, e “governando” significa participar no momento de tomar decisões, podemos realçar
essa ideia como meta e, ao mesmo tempo, uma utopia. Em uma sociedade ou organização,
pequena ou grande, nem sempre é possível que todas as pessoas participem das tomadas de
decisões.
28
Tentando encontrar uma interpretação mais implementável, foi implantado o sistema
eleitoral para selecionar um pequeno grupo de pessoas encarregadas para o fato de governar.
Pressupõe-se que essas pessoas necessitam de qualificações específicas que não são de
natureza comum, devam ter um conhecimento específico sobre o assunto de que cuidam.
Talvez, uma educação específica seja necessária, devam ter uma competência que inclua
informação e conhecimento. Por outro lado, como é possível controlar e julgar se as “pessoas
encarregadas” de governar apresentam resultados aceitáveis? Segundo Skovsmose (2013):
Temos de fazer uma distinção entre a competência que as pessoas encarregadas devem
ter se são capazes de tomar decisões bem fundamentadas e atuar de maneira
apropriada e a competência que é pressuposta se temos de julgar se os resultados e as
consequências de governar são aceitáveis. Isso torna óbvio o que é a hipótese básica
na interpretação clássica de democracia: a competência para governar das pessoas
encarregadas é de natureza especial, ao passo que a competência para julgar é de
natureza comum. A última também chamamos de competência democrática. (p.54 e
55)
Conforme as ideias da hipótese básica na interpretação clássica de democracia, a
competência das pessoas encarregadas de governar tanto quanto a competência das pessoas
responsáveis em julgar é considerado como competência democrática. O julgamento dos atos
de governar é um julgamento moral ou ético, e a ética não precisa de fundamento em fatos.
Para argumentar a favor de uma declaração normativa, apenas a racionalidade é necessária, e
a racionalidade é comum a todos. Ou seja, qualquer pessoa tem a racionalidade para pensar e
julgar os resultados alcançados pelos encarregados.
Uma outra hipótese da competência democrática que vêm em oposição à interpretação
clássica, é a interpretação materialista da democracia. Essa hipótese defende a ideia de que a
competência democrática não se apoia sobre a natureza interior do homem, ela tem de ser
desenvolvida, está fielmente relacionada à atitude democrática. Ao lado disso, muito
conhecimento e muita informação sobre o domínio dos processos democráticos têm de ser
desenvolvidos. Conforme Skovsmose (2013),
Isso significa que competência democrática é uma característica socialmente
desenvolvida da competência que as pessoas a serem governadas devem possuir, de
modo que possam ser capazes de julgar os atos das pessoas encarregadas de governar.
Essa competência variará de acordo com as estruturas da sociedade. ( p. 56)
Concordamos com o autor sobre essa interpretação materialista da democracia. A
competência democrática tem de ser desenvolvida a partir de uma atitude democrática
construída nas estruturas da sociedade. As pessoas precisam de muita informação e
conhecimento sobre o domínio dos processos democráticos para que possam ser capazes de
julgar os atos dos encarregados de governar. Democracia tem a ver com governar em
sociedade, descreve um tipo de controle social de uma organização, seja ela grande ou pequena.
29
Existe consenso em que a democracia é o aspecto mais importante e atraente da
sociedade, mas, ao mesmo tempo, há uma discordância sobre o seu significado. Não é tarefa
fácil chegar em um conceito único de democracia, refere-se a um buquê de ideias diferentes,
esperanças e utopias. Democracia está relacionada, pelo menos, aos seguintes aspectos:
oportunidades iguais, direitos e deveres para todos os membros da sociedade; uma distribuição
justa de serviços e bens na sociedade; procedimentos para eleger um governo; a possibilidade
e a habilidade dos cidadãos de participar na discussão e na avaliação do ato de governar
(SKOVSMOSE, 2013).
A relação desses aspectos com democracia parece fácil de ser estabelecido, mas não é
tão simples assim. Como garantir direitos, deveres e oportunidades iguais numa sociedade
desigual? Como distribuir de forma justa serviços e bens se uns precisam mais do que outros?
De que forma é possível possibilitar e habilitar os cidadãos de participar na discussão e na
avaliação do ato de governar se existem guetos tecnológicos em praticamente todas as cidades?
O sistema educacional e o uso das tecnologias de informação e comunicação podem contribuir
para superar essas dificuldades no processo de construção da democracia na sociedade
altamente tecnológica.
Sabendo que a tecnologia é um aspecto integrado e dominante na sociedade, segundo
Ellul (1964) apud Skovsmose (2013, p. 28), “a tecnologia tem substituído a natureza como
meio ambiente do homem. A tecnologia deve ser concebida como um círculo fechado em volta
do homem”, todos os tipos de decisão que dizem respeito à sociedade ou a organização da
sociedade também dizem respeito à tecnologia. Por isso é imprescindível que o conhecimento
tecnológico tem de ser desenvolvido em todos os níveis no sistema educacional.
Mesmo que a tecnologia tendo grande participação na busca de informações para a
tomada de decisões e que tenha um papel crucial na formação da sociedade, temos de fazer
uma distinção entre conhecimento tecnológico e conhecimento reflexivo. Segundo Skovsmose
(2013),
[...] a competência democrática está, em grande medida, baseada no conhecimento
reflexivo. Isso quer dizer que, embora a tecnologia tenha um papel crucial na formação
da sociedade, não é o conhecimento tecnológico como tal que constitui a competência
democrática. Portanto, os problemas principais são: como estão o conhecimento
tecnológico e reflexivo inter-relacionados, embora sejam diferentes? E como é
possível desenvolver um conhecimento reflexivo? ( p.59)
De acordo com as ideias do autor, grande medida da competência democrática está
baseada no conhecimento reflexivo. Concordando com essa ideia, e querendo fortalecer a
competência democrática em nossa sociedade, precisamos inter-relacionar o conhecimento
tecnológico, matemático com o conhecimento reflexivo no cotidiano escolar, introduzindo
30
novos aspectos no processo educacional. Conforme afirma Skovsmose (2013, p.63), “Novos
aspectos do processo educacional têm de ser desenvolvidos (por causa da natureza dialógica
dos processos que estão por trás do conhecimento reflexivo)”.
Levando em consideração essa natureza dialógica do conhecimento reflexivo e as
ideias centrais do argumento social e pedagógico da democratização, que afirmam ser essencial
colocar no centro da prática educacional a familiaridade e a utilidade para a criança,
entendemos ser possível trilhar um caminho em direção à práticas reflexivas na educação
matemática de nossas escolas. Acreditamos ser possível abordar assuntos que tenham
utilidade, são interessantes, aproveitam as experiências e ao mesmo tempo oportunizem um
diálogo entre os estudantes e também entre estudantes e professor.
Por meio do diálogo é possível conhecer outras realidades e possibilidades. Durante a
discussão sobre um determinado assunto, é possível que os interlocutores interajam de maneira
única, colocando o seu ponto de vista, as suas experiências, a sua realidade e obtendo dessa
forma novos conhecimentos. Segundo Skovsmose (2013), a ideia principal do diálogo e da
discussão é simples:
[...] meu conhecimento é inadequado, pode ser melhorado. Mas você está na mesma
situação. Para melhorar nosso entendimento, movemo-nos na direção de mais
conhecimento, dependemos um do outro. Não posso dizer a você qualquer verdade
nem você pode me dizer nada. Mas, se interagirmos numa relação dialógica, seremos
capazes de nos mover na direção de mais conhecimento. A condição para a obtenção
de conhecimento não é que consigamos mais informações verdadeiras, mas que
interajamos de maneira única, caracterizada como uma relação dialógica. (p. 62)
Seguindo esse raciocínio, dependemos um do outro para melhorar o nosso
entendimento e movemo-nos em direção de mais conhecimento. A interação de maneira única,
caracterizada como uma relação dialógica, possibilita a troca de experiências e saberes dos
estudantes podem levar a novos conhecimentos. Ninguém pode dizer qualquer verdade
absoluta mas todos podem contribuir com suas vivências para construção de mais
conhecimento. Quando esse diálogo é formado por várias pessoas, aumenta a possibilidade de
experiências e aumenta a riqueza dessa construção.
Qualquer diálogo para ocorrer necessita de um assunto, um objeto e nesse momento
chegamos ao ponto chave do conhecimento reflexivo: o objeto ou o conteúdo do diálogo. Não
basta somente ocorrer um diálogo, é preciso que ele proporcione troca de informações,
opiniões, experiências, e que o assunto abordado tenha utilidade, faça sentido na vida do
estudante, pois “o conhecimento reflexivo não é criado automaticamente em um diálogo
aberto. Não pode haver conhecimento reflexivo sem um objeto”, Skovsmose (2013, p. 63).
31
A escolha do objeto do diálogo é fundamental para que tenhamos o máximo possível
de experiência educacional. Para isso, é preciso desenvolver materiais abertos e libertadores
de ensino-aprendizagem, como afirma Skovsmose (2013):
Temos de trazer, para dentro de uma teoria educacional, uma teoria epistemológica
que integre uma análise da maneira dialógica de produção do conhecimento com uma
análise da complexidade do objeto do conhecimento reflexivo. E, em paralelo,
materiais abertos e “libertadores” de ensino-aprendizagem têm de ser desenvolvidos,
para que tenhamos o máximo possível de experiência educacional guiando o
desenvolvimento da teoria. (p. 63)
Concordando com as ideias do autor relatadas acima, buscaremos desenvolver durante
o experimento, uma integração entre a maneira dialógica de produção de conhecimento e a
escolha do objeto do conhecimento. Buscando materiais de ensino-aprendizagem abertos e
libertadores para que se tenha o máximo de experiência educacional. A proposta principal
desse trabalho é colocar o aluno no papel de prefeito da cidade, tendo a possibilidade de
identificar virtudes e dificuldades do município, compreendendo seus principais mecanismos
de funcionamento, dialogando com os colegas e professor para encontrar possibilidades para
a solução de problemas.
O levantamento de problemas a serem resolvidos será o próprio aluno que trará para a
discussão. São situações que estão diretamente envolvidos com o seu dia a dia, problemas da
rua, do bairro, da cidade ou região onde vive. Serão assuntos abertos, sem um direcionamento
prévio, de interesse do estudante pois envolve diretamente a sua vida. O importante é que ele
se sinta envolvido e fazendo parte do processo, acreditando que suas ações poderão fazer
diferença na qualidade de vida de sua comunidade. Giroux (1989) apud Skovsmose (2013),
enfatiza que:
[...] a escola precisa ser defendida como um serviço que educa estudantes a serem
cidadãos críticos que podem desafiar e acreditar que suas ações poderão fazer
diferença na sociedade. Portanto, os estudantes devem ser apresentados às formas de
conhecimento “que lhes deem a convicção e a oportunidade de lutar por uma
qualidade de vida com todos os benefícios do ser humano. (p. 65)
Nesse viés, educar criticamente implica em educar os estudantes para terem esperança
de resolverem problemas da sociedade buscando assim que tenham ações que possam melhorar
a qualidade de sua vida. Para isso, muitas vezes, eles precisam buscar informações sobre a
situação econômica do município, a legislação necessária sobre o assunto abordado e tentar
compreender todos os aspectos que envolvem a administração pública para depois buscar e
projetar alternativas que possam resolver os problemas abordados.
A solução desses problemas podem instigar a busca por outras informações necessárias
para compreender o município em sua totalidade. As dificuldades encontradas pelo gestor, a
necessidade de escolha de prioridades, pois não há recursos suficientes para resolver tudo, o
32
entendimento sobre quais as verdadeiras obrigações da municipalidade, os passivos financeiros
de outras gestões que precisam ser pagos, a forma de arrecadação de recursos e como são
gastos na manutenção da máquina. Também possibilitará ao estudante refletir sobre como
esses recursos poderão ser aumentados, quais ações o gestor pode tomar e qual a participação
da população nesse processo.
Um dos propósitos de nossa pesquisa é fazer com que o próprio estudante traga o objeto
de estudo para a discussão e a partir dela realizar uma reflexão sobre todos os aspectos
envolvidos nessa abordagem. Dessa forma, o aluno têm a possibilidade de imergir na busca de
informações que podem propiciar a troca de saberes com seus colegas e também com o
professor, além de favorecer o desenvolvimento de um olhar crítico sobre o que está
acontecendo em sua volta. Esse assunto, que é conhecido na literatura como educação
matemática crítica, será abordado na próxima seção.
2.3.3- Educação Matemática Crítica
Acreditamos que a educação matemática pode contribuir para tornar o estudante apto
a entender os princípios centrais dos mecanismos de desenvolvimento da sociedade e, dessa
forma, tornar o estudante apto a participar de obrigações e direitos democráticos. Por meio da
educação matemática, criar oportunidades para que o estudante desenvolva não só habilidades
de efetuar cálculos matemáticos mas que ele possa desenvolver o entendimento de como a
matemática é aplicada e usada no dia-a-dia.
De acordo com Skovsmose (2008), a educação crítica teve sua inspiração vinda
diretamente dos movimentos estudantis, como o de 1968. Ela desencadeou uma reação contra
o chamado currículo conduzido pelo professor e contra a neutralidade e objetividade da
ciência. A partir desse movimento, os estudantes deveriam participar das decisões sobre o que
seria estudado, e uma forma de implementar tal política era adotar uma educação baseada em
problemas e projetos, para desenvolver a justiça e a igualdade social. A ideia da educação
crítica espalhou-se por todos os níveis do sistema educacional, e trabalhos com projetos,
estudos em grupos e abordagens temáticas foram aplicados em todos os ramos do
conhecimento. A abordagem crítica também influenciou a educação matemática e de ciências,
e, assim, surgiu a Educação Matemática Crítica.
Uma das questões a ser enfrentada pela Educação Matemática é compreender qual o
papel da educação em contextos sociopolíticos, econômicos e culturais nos quais a educação
matemática acontece e dos quais é parte integrante. Segundo Skovsmose (2008, p.11), “talvez
33
o que sirva como uma educação matemática que busque a igualdade e a justiça social para
alunos em um contexto não sirva para alunos em outros contextos.” Conforme o mercado
global requer diferentes perfis de mão de obra, a educação matemática precisa operar em tais
complexidades.
A Educação Matemática pode contribuir para desenvolver no estudante a capacidade
de interpretar e compreender o contexto social em que está inserido. A Matemática está
presente em nosso dia-a-dia e possui um papel formatador da sociedade. De acordo com
Skovsmose (2008),
[...] muitas coisas podem ser realizadas quando a matemática está em jogo. Tais ações
constituem as inovações tecnológicas, os procedimentos econômicos, os processos de
automação, o gerenciamento, a tomada de decisão, e fazem parte do dia-a-dia. A
matemática em ação faz parte de nossos mundos-vida, podendo servir aos propósitos
mais variados. Ela não é, por natureza, boa ou má. Ações baseadas em matemática
devem ser analisadas criticamente, levando-se em conta sua diversidade. (p.12)
Temos como objetivo desenvolver o conhecimento matemático em consonância com
um censo crítico sobre os problemas sociais enfrentados pela comunidade onde o aluno está
inserido. Aproveitar as vivências dos estudantes para identificar os principais problemas
sociais, fazer uso das informações disponíveis para compreender a situação atual e projetar
alternativas que possam reagir e melhorar a sua vida. Segundo Skovsmose (2013),
[...] para que a educação, tanto como prática quanto como pesquisa, seja crítica, ela
deve discutir condições básicas para a obtenção do conhecimento, deve estar a par
dos problemas sociais, das desigualdades, da supressão etc., e deve tentar fazer da
educação uma força social progressivamente ativa. Uma educação crítica não pode
ser um simples prolongamento da relação social existente. Não pode ser um acessório
das desigualdades que prevalecem na sociedade. Para ser crítica, a educação deve
reagir às contradições sociais. (p.101) Para que uma educação possa reagir às contradições sociais é importante que o objeto
seja de interesse do aluno, que ele possa trazer para a discussão assuntos relacionados ao seu
cotidiano, tentar resolver problemas que atingem a sua comunidade e que ele possa participar
das discussões para encontrar possíveis soluções. Como o assunto têm relação com sua vida,
facilita a participação no diálogo com seus colegas e com o professor, conduzindo dessa forma
a aprendizagem e tornando o aluno proativo no processo. Segundo Skovsmose (2008, p.10),
“uma educação crítica não pode ser estruturada em torno de palestras proferidas pelo professor.
Ela deve se basear em diálogos e discussões, o que talvez seja uma forma de fazer com que a
aprendizagem seja conduzida pelos interesses dos alunos.”
Essa participação de forma igualitária no diálogo entre professor e aluno, embora que
possam ser falhas suas experiências, de acordo com Skovsmose (2013), representa um dos
postos-chaves da Educação Crítica. Esse diálogo com o professor, permite-lhes identificar
assuntos relevantes para o processo educacional além de utilizar capacidades já existentes, que
34
são as vivências do aluno, sem precisar impor essa competência. Os alunos podem participar
do processo juntamente com o professor, contribuindo com suas experiências, possibilitando
a troca de informações e podendo avançar para novos conhecimentos com base nas
capacidades já existentes.
O segundo ponto-chave abordado para uma Educação Crítica é o assunto (currículo)
envolvido no processo educacional pelas pessoas (estudantes, professores). Segundo
Skovsmose (2013, p.19); “Em um currículo crítico, colocamos princípios aparentemente
objetivos e neutros para a estruturação de uma nova perspectiva, pois buscamos revelar tais
princípios como algo carregado de valores.” De acordo com a ideia do autor, um currículo
crítico liga-se a questões relacionadas à aplicabilidade, aos interesses por detrás, aos
pressupostos por detrás, as funções e as limitações do assunto. Para que um assunto tenho um
viés crítico, deve estar relacionado as seguintes questões: quem o usa? Onde é usado? Que tipo
de qualificação são desenvolvidos na Educação Matemática? Que interesses formadores de
conhecimento estão conectados a esse assunto? Que questões e que problemas geraram os
conceitos e os resultados na matemática? Que contextos têm promovido e controlado o
desenvolvimento? Que possíveis funções sociais poderia ter o assunto? Em quais áreas e em
relação a que questões esse assunto não tem qualquer relevância?
O último ponto-chave da Educação Crítica, relaciona-se a condições fora do processo
educacional. O direcionamento do processo de ensino-aprendizagem a problemas relevantes
para os estudantes e que devam ter uma relação próxima com problemas sociais objetivamente
existentes. De acordo com Skovsmose (2013),
O essencial é que o processo educacional está relacionado a problemas existentes fora
do universo educacional. Além disso, vários critérios podem ser usados para
selecionar esses problemas. Os dois critérios fundamentais são os seguintes. O
subjetivo; o problema deve ser concebido como relevante na perspectiva dos
estudantes, deve ser possível enquadrar e definir o problema em termos próximos das
experiências e do quadro teórico dos estudantes. E o objetivo; o problema deve ter
uma relação próxima com problemas sociais objetivamente existentes. (p.19 e 20)
Para que uma Educação Matemática Crítica possa ser desenvolvida, é essencial que o
processo educacional envolva problemas que estejam relacionados com problemas sociais
existentes na comunidade onde está inserido o estudante e que suas experiências possam ser
aproveitadas como base para a construção de novos conhecimentos. Problemas que devem ser
concebidos como relevantes na vida dos alunos, dessa forma podem proporcionar um
envolvimento e engajamento na busca em solucioná-los, tornando um desafio importante para
melhorar a sua qualidade de vida e de sua comunidade. Segundo Skovmose (2013, p.24), “é
35
importante que os estudantes possam reconhecer os problemas como “seus próprios
problemas”, de acordo com ambos os critérios subjetivo e objetivo.”
Acreditamos que se um estudante se depara com situações problemas sociais
relacionados com sua comunidade, seus familiares e sua vida, faz com que sejam seus
problemas e que a sua tomada de decisão pode mudar (para melhor ou pior) essa realidade.
Dessa forma, aumenta a responsabilidade sobre o aluno, exigindo um aprofundamento na
compreensão do problema, buscando mais informações, opiniões e subsídios para evitar o
máximo possível o erro. O problema não é fictício, não é uma “realidade de faz de conta” sem
nenhum significado. As possíveis soluções encontradas ou as tomadas de decisão poderão
impactar na sua vida e de sua comunidade.
O problema a ser resolvido deixa de ser só uma questão matemática, com respostas
exatas, certas ou erradas, sem consequências futuras. Nesse caso, a tomada de decisão poderá
trazer consequências positivas ou negativas. Por isso é importante interpretar e compreender o
problema, refletir sobre as possíveis soluções e com o auxílio da matemática encontrar a
melhor solução. Para tratar desse assunto, abordaremos na próxima seção as principais
características da Materacia.
2.3.4- Materacia
A Educação Matemática Crítica enfatiza que a matemática não é somente um assunto
a ser ensinado e aprendido, ela é um tópico sobre o qual é preciso refletir. Ela é parte de nossa
cultura tecnológica, dos nossos mundos-vida e exerce muitas funções, dessa forma, ela pode
contribuir na interpretação do mundo em que estamos inseridos e nas tomadas de decisões.
Essa capacidade de interpretar e agir numa situação social e política estruturada pela
matemática é conhecido na literatura por Materacia. Conforme Skovsmose (2008),
Materacia não se refere apenas a habilidades matemáticas, mas também à competência
de interpretar e agir numa situação social e política estruturada pela matemática. A
educação matemática crítica inclui o interesse pelo desenvolvimento da educação
matemática como suporte da democracia, implicando que as microssociedades de
salas de aulas de matemática devem também mostrar aspectos de democracia. (p.16)
Desenvolver no estudante a capacidade de saber interpretar e agir em situações sociais
e políticas estruturadas pela matemática favorece o fortalecimento da democracia nas escolas.
Para a construção da Materacia é preciso que o estudante saiba buscar, selecionar e refletir
sobre informações relacionadas ao mundo em que está inserido para interpretar o que está
acontecendo ao seu redor e agir, tomar a melhor decisão para participar na construção de uma
sociedade melhor.
36
Pretendemos desenvolver em nossa pesquisa, a capacidade do estudante de se situar no
mundo em que está inserido. Identificar qualidades e problemas de seu município que ele julgar
importantes. Buscar informações sobre esses assuntos com o auxílio das Tecnologias de
Informações e Comunicações, usar a matemática como suporte para interpretar, refletir, tomar
a decisão e agir em direção para melhorar o lugar onde vive. Fazer com que o aluno se sinta
parte do processo, envolvido nas questões sociais e políticas, participe das discussões,
interprete e reflita sobre o mundo em que esteja inserido. Compreenda os mecanismos de
desenvolvimento da sociedade, saiba julgar as ações das pessoas encarregadas pela gestão
municipal, possa participar nas tomadas de decisões, estar ciente de seu papel na comunidade
em que vive e participar nas tomadas de decisão, para fortalecer a democracia em nossas
escolas e sociedade.
3. METODOLOGIA
Essa pesquisa investigou como as Tecnologias Digitais podem contribuir para a
formação de uma Literacia Digital e para o fortalecimento da Cidadania na sociedade. O
paradigma assumido e que orientou o processo é o qualitativo. Segundo Minayo (2001, p. 21-
22), “a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”
(apud GERHARDT e SILVEIRA, 2009, p.32).
O projeto inicial desta pesquisa buscou formar alternativas para melhorar o ensino da
matemática, visando desenvolver com o educando o raciocínio lógico matemático e também
aproximar o que é trabalhado em sala de aula com o que acontece na vida dos estudantes fora
da escola. Ou seja, abordar uma educação matemática que resolva situações problemas do dia
a dia que faça sentido para as pessoas, traga possibilidades para as tomadas de decisões e que
possa contribuir na formação de uma sociedade melhor.
Primeiramente pensamos em aproveitar os espaços criados pelas tecnologias digitais
para que os estudantes vivenciassem criticamente situações reais trazidas para a sala de aula.
Utilizaríamos a Modelagem Matemática para transformar situações vividas pela comunidade
em problemas matemáticos mas percebemos que os aspectos democráticos e de cidadania
apareceram com maior força, mudando um dos focos da pesquisa. Acreditávamos também que
a matemática apareceria mais explicitamente durante o desenvolvimento dos trabalhos, o que
não se concretizou.
37
Percebemos que os espaços criados pelas Tecnologias Digitais favoreceram a busca de
informações sobre diferentes assuntos e proporcionaram diálogos reflexivos entre os alunos e
entre alunos e professor. Essa interação e as discussões sobre o que estava afetando suas vidas
contribuíram para que os estudantes orientassem o rumo a ser seguido e os assuntos a serem
abordados durante o processo educacional.
A pesquisa foi aplicada em uma turma de nono ano do Ensino Fundamental da Escola
Estadual de Ensino Médio São Salvador, localizada na área urbana, no centro do município de
Salvador do Sul. Escola com o maior número de alunos da cidade e a única de Ensino Médio,
atende também aos estudantes de ensino médio do município vizinho de São Pedro da Serra.
Trabalha desde o primeiro ano do Ensino Fundamental até o terceiro ano do Ensino Médio em
três turnos de aula. Atualmente, essa escola possui laboratório de informática, acesso à internet
na própria sala de aula, notebooks com os softwares Geogebra e Grafeq instalados.
Durante a realização das tarefas, foram utilizados os recursos digitais disponíveis na
escola e os telefones celulares dos próprios alunos para facilitar as pesquisas e a comunicação.
Além disso, foram manipulados documentos oficiais da administração pública, como relatórios
financeiros diários, empenhos realizados para pagamento de despesas, protocolos, convites e
outras correspondências recebidas pelo administrador.
Inicialmente, o professor realizou a apresentação do projeto e solicitou uma
apresentação pessoal dos alunos. Reproduziu um vídeo sobre cidadania, elencou questões
sobre a importância de um cidadão responsável e ciente de seu papel na comunidade.
Questionou sobre melhorias que os estudantes gostariam de realizar em sua escola, rua, bairro
ou cidade, caso fossem administradores públicos, e como seria possível realizá-las. Além disso,
perguntou se sabiam como são gerados os recursos municipais, estaduais e federais, quais os
tipos de impostos pagos pelos cidadãos e se a família tem o hábito de solicitar a nota fiscal
sempre que compram algo nos supermercados, lojas, postos de combustíveis, farmácias, entre
outros.
Nesse contexto, posicionamos os estudantes como Prefeitos da cidade em que vivem,
sendo responsáveis em identificar pontos positivos, dificuldades e solucionar os problemas
locais encontrados. Abordamos esses três assuntos, respectivamente, por meio da construção
de quadros murais virtuais que continham perguntas e as respostas dos alunos referentes a esses
tópicos.
38
A construção desses quadros murais virtuais proporcionaram momentos de diálogo
entre os estudantes e entre estudantes e professor sobre diversos assuntos de interesse dos
alunos que favoreceram o aparecimento de evidências dos aspectos abordados nessa pesquisa.
Os temas das discussões surgiram a partir do interesse e das dificuldades encontradas pelos
estudantes. Foram eles que definiram as prioridades e escolheram a direção a ser seguida
durante o processo educacional.
Como as possíveis soluções dos problemas abordados necessitavam de recursos
financeiros, os estudantes foram convidados a imergirem nas finanças públicas do município.
Conheceram os seus principais mecanismos de funcionamento e manusearam documentos
oficiais do executivo. Com o auxílio das tecnologias digitais, buscaram informações sobre
população, receitas e despesas realizadas, compararam com outros municípios da região e
refletiram sobre a possibilidade de aumentar as receitas ou reduzir alguns gastos para
solucionar o seu problema ou o que afetava a comunidade em que morava.
Durante a realização das atividades, abordamos temas que contribuíram na construção
da cidadania, pois, conforme as problemáticas e a necessidade de recursos apareceram,
surgiram, também, a busca de possíveis soluções e alternativas. Os estudantes discutiram a
necessidade de reduzir gastos, cuidar do patrimônio público, investir os recursos para o bem
de toda a comunidade e não para particulares, escolher prioridades, aumentar as receitas e
combater a sonegação de impostos. Elaboraram propostas de melhorias para serem levadas
para os secretários municipais.
A culminância do projeto foi uma visitação à Prefeitura municipal e Câmara de
Vereadores. Os alunos tiveram a oportunidade de conhecer a maioria das secretarias
municipais e conversar com servidores, vice prefeito e alguns secretários municipais. Além de
ouvir as explicações sobre as atividades de cada secretaria, puderam tirar dúvidas e apresentar
as sugestões de melhorias destacadas pela turma.
As anotações, as informações coletadas durante consultas às mídias digitais foram
registradas em relatórios, tabelas, planilhas, gráficos, murais virtuais, fotos, filmagens e
gravações. Todos os dados coletados durante os trabalhos foram discutidos primeiramente nos
grupos de alunos, depois com o restante da turma e analisados pelos pesquisadores.
A análise foi feita após a transcrição de filmagens e o entrelaçamento com os demais
dados e procurou indícios de habilidades relacionadas à Literacia Digital. Também foram
39
analisados as contribuições que a Educação Matemática pode oferecer para o fortalecimento
da Cidadania em nossa sociedade.
Os responsáveis pelos participantes da pesquisa, bem como a Instituição onde foi
realizada a parte experimental da pesquisa, receberam um termo de consentimento livre e
esclarecido, contendo objetivos e cuidados éticos da pesquisa, de maneira a se obter
autorização para a utilização dos dados produzidos durante a investigação. Para participantes
menores de idade foi produzido um termo de assentimento em linguagem adequada à faixa
etária dos participantes.
O produto final é um relatório sobre a experiência realizada que poderá ser utilizado
por profissionais para reflexão ou auxílio na mudança de sua prática pedagógica. Pretendemos
mostrar que as receitas e os gastos realizados pelas administrações são públicos, podem ser
acessados, analisados e utilizados por qualquer pessoa. Estão disponíveis para serem
explorados em sala de aula com o intuito de que o próprio aluno consiga compreender a
comunidade em que está inserido. É importante que o discente entenda como surgem os
recursos financeiros, quais os gastos fixos da administração, como elencar as principais
prioridades para a população e buscar possíveis soluções dos problemas, contribuindo, dessa
forma, na formação de um cidadão crítico e ciente de seu papel na comunidade em que vive.
3.1- CONTEXTUALIZAÇÃO
O estágio foi realizado em Salvador do Sul, um município pequeno do interior do Rio
Grande do Sul, com aproximadamente 7500 habitantes, distante a 100 km da capital gaúcha.
Parecida com a maioria das 497 cidades do Estado, onde muitos dos munícipes conhece a
biografia do Prefeito e os demais moradores.
O professor pesquisador nasceu e cresceu nessa cidade, estudou e sempre trabalhou na
escola onde realizou a pesquisa, algum período como professor e outro como diretor. Durante
a realização do projeto, exerce o cargo de Prefeito Municipal. Estes fatos fazem com que o
pesquisador esteja envolvido e inserido na comunidade.
A turma escolhida para a realização do estágio foi um 9º ano do Ensino Fundamental
da Escola Estadual de Ensino Médio São Salvador. Esta é a maior escola da cidade, localizada
no centro, recebe estudantes de vários bairros, de municípios vizinhos e é a única que trabalha
com Ensino Fundamental e Médio completo. Os 17 alunos, que estudavam no turno da manhã,
foram divididos em cinco grupos de três ou quatro integrantes.
40
Alguns motivos foram importantes para a escolha dessa escola para a realização do
estágio: a diversidade de moradia dos estudantes em termos de bairros, a disponibilidade de
recursos tecnológicos da escola para a realização da pesquisa e a relação do pesquisador com
a instituição. Em especial, o fato da escola reunir estudantes oriundos da maioria dos bairros
do centro da cidade e até de outro município, enriquece o trabalho com informações sobre o
levantamento de dados referente às virtudes e dificuldades da cidade. Também foi importante
durante a discussão para a busca de soluções dos problemas gerais da população e não só de
um bairro ou rua.
Além de conhecer a comunidade escolar, pois o professor/pesquisador trabalhou como
professor por 14 anos e como diretor nos últimos 7 anos, outro aspecto considerado importante
foi a disponibilidade de computadores notebooks, softwares, televisão, projetor, e,
principalmente, acesso à internet em sala de aula. A disponibilidade e a utilização do celular e
seus aplicativos também foram importantes na realização das atividades. Na próxima seção,
falaremos sobre os recursos tecnológicos utilizados e apresentaremos as principais funções do
software empregado e as informações disponíveis no portal da Transparência.
3.2- RECURSOS TECNOLÓGICOS UTILIZADOS
Durante a realização das tarefas, utilizamos vários recursos tecnológicos disponíveis
na escola como a televisão, caixa de som, projetor, notebooks, internet, roteador, softwares,
vídeos, sites da prefeitura e do Tribunal de Contas do Estado. Exploramos também os telefones
celulares dos próprios alunos para facilitar as pesquisas e a comunicação, utilizando a internet
Wi-Fi disponibilizada em sala de aula.
O uso do aparelho de telefone celular pelos alunos em sala de aula foi importante nos
momentos de pesquisa no site do Tribunal de Contas do Estado e durante a construção dos
murais virtuais. Também foi útil para facilitar a comunicação com os estudantes antes e depois
dos encontros presenciais e possibilitou o envio de informações sobre os assuntos que estavam
em pauta.
Dentre os recursos trabalhados, destacamos o software Padlet 1 para incentivar a
participação dos estudantes nas discussões da turma sobre os assuntos abordados. Esse
programa consiste em utilizar as tecnologias digitais para formar quadros murais virtuais
instantâneos, que podem ser projetados ou acessados no computador ou no próprio celular dos
1 Disponível em: https://pt-br.padlet.com/dashboard
41
estudantes, permitindo que cada usuário possa contribuir com suas ideias, colocações ou
sugestões.
Uma das vantagens desse software é que o professor pode preparar a atividade e enviar
ou repassar o endereço eletrônico para os alunos, que podem acessar a página e interagir com
suas contribuições que aparecerão instantaneamente no mural virtual. Todos os participantes
irão visualizar as colaborações dos colegas, favorecendo o diálogo e uma discussão virtual.
Como podemos ver na Figura 1, a tela inicial do Padlet contendo a visualização dos três murais
virtuais disponibilizado pelo professor com os assuntos a serem discutidas pela turma durante
a realização da pesquisa.
Figura 1 - Print da tela do computador com os murais virtuais construídos pelos estudantes durante a
realização das tarefas.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Ao clicar em cada um dos murais virtuais da Figura 1, abre uma nova tela contendo a
tarefa ou o questionamento a ser discutido. Os estudantes puderam dar suas opiniões em grupo
ou individualmente, contribuindo na formação dos murais virtuais, fortalecendo a participação
e a democracia na sala de aula. As sugestões de melhorias, as virtudes e os problemas da
comunidade elencados nos murais virtuais, proporcionaram várias discussões que instigaram
os alunos a buscar dados referentes as receitas, as despesas e outras informações sobre os
mecanismos de funcionamento da administração pública.
Outro recurso a ser destacado é o site do Tribunal de Contas do Estado. As principais
pesquisas sobre receitas e despesas dos municípios foram realizadas neste site. Na página
desse órgão fiscalizador, existe um espaço, chamado controle social, que possibilita que
qualquer cidadão possa buscar informações sobre as finanças de qualquer cidade pertencente
42
ao Estado do Rio Grande do Sul. Acessando o site2 do Tribunal de Contas do Estado, os alunos
buscaram informações sobre vários municípios da região, bastando somente digitar o nome
da cidade de interesse e selecionar a área a ser consultada, como observamos na Figura 2.
Figura 2 - Imagem capturada da tela do computador durante a pesquisa realizada por um
estudante sobre o município de Salvador do Sul. Destaque feito pelo autor.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
A partir da tela inicial (Figura 2) os estudantes puderam navegar e obter informações
referentes a receita, despesas, obras, saúde, educação, previdência, gestão fiscal e decisões
judiciais sobre o município pesquisado, além de um parecer prévio das contas do Governador.
Clicando no tema escolhido, abrem outras telas com informações mais detalhadas sobre o
assunto escolhido. Por exemplo, quando clicaram no tema receita, abriu-se uma nova tela
(Figura 3) que traz um resumo geral da receita arrecadada durante o ano e município
selecionado.
Figura 3 - Tela capturada durante a pesquisa realizada sobre as receitas de uma cidade realizadas
durante o ano.
2 www.tce.rs.gov.br/
43
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
O dinamismo do site permitiu ao aluno obter informações mais detalhadas sobre essas
receitas. Foi possível consultar o valor mensal ou anual exato, a porcentagem que cada fonte
representa e a procedência desses recursos. Também compararam as receitas de anos anteriores
e com outros municípios.
De maneira intrínseca, foi possível obter informações sobre os gastos realizados pelos
administradores. Quando os estudantes pesquisaram sobre as despesas, abriu uma tela que
possibilitou verificar as dotações autorizadas, o valor empenhado e os gastos totais realizados
por todas as secretarias municipais, conforme podemos ver na Figura 4.
Figura 4 - Captura realizada da tela do computador durante a pesquisa sobre os gastos realizados pelo
município de Salvador do Sul, no Portal da Transparência. Destaques feitos pelo autor.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
44
Destacamos na Figura 4, os ícones que permitiram aos alunos obterem informações
mais detalhadas sobre os gastos em cada secretaria. Quando clicaram nos locais destacados,
abriram-se novas janelas que traziam os empenhos e todas as informações contidas neles
(como por exemplo o que foi comprado, data da compra, justificativa e quem recebeu o
recurso).
A possibilidade de acessar, além de outras, todas as informações referentes as receitas
e despesas públicas, permitiu a discussão e reflexão que podem ter contribuído para a
compreensão, por parte dos estudantes, dos mecanismos de funcionamento da sociedade.
Acreditamos que a utilização desse recurso tecnológico que disponibiliza informações
importantes sobre a cidade do aluno pode contribuir para o fortalecimento da cidadania na
sociedade.
Na próxima seção, o leitor acompanhará os principais acontecimentos ocorridos nos
cinco encontros realizados durante três semanas. Foram três encontros de dois períodos de 50
minutos e dois encontros de três períodos de 50 minutos, totalizando doze períodos de estágio,
em que o quadro síntese da escola previa 5 períodos semanais de matemática para essa turma.
3.3- ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Nessa seção serão descritas as etapas da realização da pesquisa, na qual cada etapa
representa um dia de aula com os alunos realizando a investigação. Os encontros ocorreram
nos dias 26/04, 02/05, 03/05, 09/05 e 10/05/18.
Para cada etapa foram planejadas tarefas com a finalidade de que os estudantes
pudessem conhecer melhor seus colegas, os objetivos da pesquisa e também o
professor/pesquisador. Também tiveram acesso as informações do funcionamento diário de
uma prefeitura, manipularam documentos como empenhos, planilhas financeiras diárias das
receitas e despesas, conheceram o fundo de aposentadoria dos servidores, solicitações de
munícipes, enfim, quase tudo que o prefeito se depara diariamente.
Os jovens refletiram sobre virtudes, problemas e possíveis soluções para as maiores
dificuldades do município. Construíram, em grupos de três e quatro alunos, murais virtuais
contendo as constatações dos grupos que foram socializadas com toda turma. Cada grupo
selecionou uma prioridade para levar e discutir a possibilidade de solucionar esse problema
juntamente com os secretários municipais.
Por meio do site disponibilizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do
Sul (TCE), os estudantes puderam imergir nas receitas e nos gastos realizados pelo município
45
no ano vigente ou em anos anteriores. Foi solicitado que comparassem utilizando tabelas e
planilhas as informações disponibilizadas pelo portal da transparência com outros municípios
próximos ou de seu interesse.
Durante a realização dos encontros, os registros foram realizados por meio de imagens,
gravações e produções dos alunos de tabelas, planilhas, respostas de questões, murais virtuais
e diálogos interessantes que foram transcritos em cada etapa. Para melhor compreensão, a
identificação dos locutores foi abreviada com as duas primeiras letras do primeiro nome do
aluno, do professor pesquisador pelas duas primeiras letras da palavra pesquisador e ainda
constará o instante do início da fala durante a gravação.
Após o aprofundamento nas contas do executivo municipal e com uma proposta de
melhoria selecionada, os alunos tiveram a oportunidade de conhecer o funcionamento da
prefeitura municipal, da câmara de vereadores e conversar com os secretários municipais sobre
a possibilidade de solucionar os problemas levantados por eles. Também ouviram dos
secretários as dificuldades financeiras enfrentadas por esse e por todos os municípios, estado
e país que dificulta a possibilidade de novos investimentos.
Alguns desses diálogos, as produções realizadas pelos alunos durante os encontros, os
registros fotográficos de alguns momentos vivenciados em cada etapa, o leitor encontrará nas
subseções a seguir. Em cada etapa foram produzidos vídeos que serão denominados de vídeo
1, 2 ou 3 da primeira, segunda ou terceira etapa, assim sucessivamente de acordo com a
quantidade de vídeos produzidos em cada encontro.
3.3.1- Primeira Etapa
O primeiro encontro entre o pesquisador e a turma ocorreu no dia 26/04/18, dois
períodos de 50 minutos. Nesse primeiro contato, foi feito uma breve apresentação pessoal do
pesquisador que falou sobre a proposta de trabalho, sobre a necessidade de gravar as aulas,
realizou a entrega dos termos de assentimento e solicitou uma apresentação individual dos
alunos.
Após as apresentações, foi ressaltado pelo professor a importância de conversarem pois
mesmo eles se conhecendo sempre surge algo novo. Foi sugerido a formação de grupos de três
ou quatro integrantes, preferencialmente do mesmo bairro ou próximos. Surgiu então a
informação de que haviam alunos do município vizinho. Esse fato foi valorizado pelo professor
que falou ser importante para comparar os municípios. Também foi solicitado o contato
telefônico, WhatsApp e e-mail de pelo menos um dos integrantes de cada grupo para facilitar
a comunicação.
46
Enquanto os grupos estavam sendo formados, o professor tentou ligar a televisão, o
notebook e a internet da sala de aula da turma para passar um vídeo sobre democracia, surgiu
então o primeiro contratempo: o notebook e a televisão não ligaram. Foi importante o professor
estar preparado para enfrentar eventuais problemas com as tecnologias, como não conseguiu
iniciar o que tinha previsto, o professor havia recolhido na prefeitura vários documentos que
estavam para serem analisados pelo prefeito e entregou para os alunos conhecerem. Eram
relatórios de receitas e despesas diárias 3 realizadas pelo financeiro durante o mês, vários
empenhos 4 realizados para efetuar pagamentos de serviços e produtos, correspondências
recebidas e protocolos de munícipes sobre diversos assuntos relativos ao trabalho do prefeito.
Esses documentos foram distribuídos entre os grupos para selecionarem os que
achavam mais importantes e que o grupo desse um parecer se o prefeito poderia ou não
autorizar o pagamento. No decorrer dessa atividade, foi interessante observar que os jovens
tiveram a oportunidade de verificar algumas despesas realizadas pela prefeitura, esclarecer as
dúvidas e refletir sobre a necessidade de realizar ou não esse pagamento. Um exemplo utilizado
foi o empenho realizado para fazer um repasse para manter o hospital da cidade. Os repasses
financeiros realizados pelos municípios são os principais responsáveis pela manutenção e pelo
atendimento do plantão médico 24 horas durante todos os dias da semana.
O primeiro e o terceiro grupo escolheram empenhos referente a material de manutenção
para a bomba e redes de água para o interior, na secretaria de obras do interior. Por meio desse
exemplo, os alunos tiveram a oportunidade de discutir como funciona a questão de
fornecimento de água das comunidades do interior que não é abastecido por empresa
conveniada, onde a prefeitura é responsável pela manutenção dos poços artesianos, das redes
de água e também da qualidade da água fornecida.
O segundo grupo apresentou um empenho que tratava da manutenção da iluminação
pública no perímetro urbano da cidade, onde foram comprados 23 relés fotoelétricos. Esse
exemplo é importante para refletir sobre o custo da manutenção da iluminação pública na
cidade, como funciona o ligamento e desligamento das lâmpadas e as causas que provocam o
não funcionamento de uma lâmpada de iluminação pública.
3 Anexo 1. Esse relatório fornece a movimentação das entradas, saídas e o saldo final dos recursos da prefeitura
naquele dia. Inclusive o fundo de aposentadoria dos servidores municipais. 4 Anexo 2. Um empenho é um documento que precede o pagamento. Nesse documento consta de onde sairão os
recursos, quem receberá e qual a finalidade da compra por meio de uma descrição. Somente após a autorização do
prefeito e do secretário da fazenda que um empenho poderá ser pago.
47
A troca de uma peça para conserto de um caminhão e a compra de cadeados para a
secretaria de obras, foram os empenhos analisados pelo quarto e quinto grupos. Esses exemplos
demonstram a necessidade de consertos em todos os veículos da frota do município e de
melhorias na segurança dos materiais da secretaria municipal.
Depois de concluídas todas as discussões sobre os empenhos, foram observados os
relatórios financeiros diários. Esses relatórios fornecem o fluxo de receitas e despesas
realizadas durante o dia e também o saldo financeiro final daquele dia, incluindo o valor do
fundo de aposentadoria dos servidores municipais. Dessa forma os estudantes tiveram a
informação da situação financeira atual da cidade.
O contato dos alunos com solicitações de munícipes por meio de protocolos, com os
relatórios financeiros diários e com os empenhos realizados para efetuar pagamentos despertou
a reflexão de como é o funcionamento de uma prefeitura. A análise desses documentos
juntamente com o depoimento prestado pelo prefeito municipal sobre o funcionamento
financeiro contribuiu para que o aluno possa buscar compreender e refletir sobre o processo
administrativo municipal.
Para finalizar as atividades desse primeiro encontro, foi passado no projetor instalado
na sala de aula, um vídeo5 sobre cidadania. Após discussão do vídeo o professor agradeceu
pela colaboração e encerrou a aula.
3.3.2- Segunda Etapa
Para o segundo encontro, o professor havia enviado para grupo de WhatsApp, formado
com o intuito de trocar informações, um arquivo referente à evolução patrimonial do fundo de
aposentadoria dos servidores municipais contendo gráficos, planilhas e tabelas. Foi importante
para os alunos terem acesso a essas informações pois são recursos que saem do caixa
municipal para serem depositados em uma conta específica e que o prefeito não pode utilizar
para outras finalidades.
No início da aula, o professor projetou e explicou o funcionamento do fundo de
aposentadoria e o que é o cálculo atuarial6. Juntamente com a turma, analisaram tabelas
contendo receitas, despesas e evolução histórica. Observaram gráficos que demonstravam os
depósitos, as aplicações, os rendimentos, o histórico e os saldos financeiros em cada banco.
Pela lei de responsabilidade fiscal, o gestor público que não cumprir com as obrigações com o
5 https://www.youtube.com/watch?v=Kww4QiMwaJA 6 Cálculo atuarial é o cálculo realizado para informar os valores que devem ser depositados a cada mês para
garantir recursos suficientes para pagar a aposentadoria dos servidores.
48
fundo de aposentadoria pode ser condenado por improbidade administrativa. Portanto, alguns
recursos já possuem sua destinação definida independentemente da vontade do prefeito.
Para reafirmar a importância dos cidadãos saberem onde são gastos os recursos
públicos, o professor reproduziu uma reportagem exibida no Bom dia Brasil7 sobre gastos
públicos e a possibilidade do cidadão acompanhar os gastos realizados pelos detentores de
cargos públicos e também a aplicação dos recursos gerados pelos impostos. O vídeo, além de
trazer exemplos de como a população pode acompanhar os gastos de parlamentares por meio
de aplicativos e sites disponíveis, fala da importância para a democracia os cidadãos cobrarem
a prestação de contas.
Dando sequência a esse assunto, o professor propôs três questionamentos sobre o bairro
e o município onde moram. Para realizar essa tarefa era necessário utilizar os notebooks da
escola mas como na aula anterior a televisão e o computador do armário não funcionaram,
foram utilizados os celulares dos estudantes. Esse acontecimento retrata a importância do uso
do celular como recurso tecnológico auxiliar quando há alguma dificuldade nas outras
ferramentas tecnológicas pois quase todos os alunos possuem seu aparelho e é uma tecnologia
com grande potencial de comunicação e informação. Nessa aula a atividade era criar um mural
virtual com contribuições dos alunos referente ao levantamento de pontos positivos, problemas
e soluções de problemas relativos ao bairro ou cidade onde moram. Como os computadores
apresentavam problemas, foi possível resolver essa questão oportunizando que cada aluno
fizesse uso de seu celular e com isso realizar a tarefa. O aplicativo utilizado para desenvolver
essa atividade foi o Padlet.com. Esse aplicativo gratuito consiste na formação de um mural
virtual onde os participantes colaboram com ideias, opiniões e sugestões sobre o assunto
abordado.
A primeira tarefa discutida foi: Cite alguns aspectos positivos do bairro ou da cidade
em que você vive. O uso desse aplicativo e a projeção das contribuições dos grupos no quadro
branco, facilitou a construção coletiva do mural e proporcionou trocas de experiências entre
os estudantes. Um fato importante ocorreu logo após do sinal de intervalo (recreio) da escola,
mesmo após o término da aula, os alunos ficaram em frente ao mural, discutindo sobre os
pontos positivos apresentados e relatando alguma experiência vivida por eles ou de familiares,
além de tirar uma foto do grupo em frente ao mural construído.
Após o intervalo, o docente projetou a segunda tarefa que era a seguinte: Relacione os
principais problemas ou dificuldades encontradas em seus bairros ou sua cidade. Enquanto que
7 Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/6685450/, do instante (0:18:27) até (0:22:40).
49
refletiam sobre a segunda pergunta, foram apresentados, por cada grupo, os aspectos positivos
do bairro ou cidade, como observamos na Figura 5:
Figura 5 - quadro mural virtual construído pelos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Para relacionar os principais problemas do bairro ou da cidade, foi construído um novo
quadro mural virtual no qual aparecem alguns problemas do dia a dia dos alunos como: buracos
nas estradas, lâmpadas queimadas, falta de saneamento básico no interior e a falta de transporte
escolar para alguns alunos. Sobre o transporte escolar, foi citado por quatro grupos em virtude
da implantação do zoneamento pela administração municipal no início desse ano, como
podemos ver na Figura 6.
Figura 6 - quadro mural virtual construído pelos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Alguns colegas dessa turma foram atingidos pela implantação do zoneamento pois
moram mais próximos de outras escolas da rede pública de educação mas por opção e também
por estarem no último ano do Ensino Fundamental, continuaram estudando nessa escola e por
esse motivo estão sem transporte escolar. Durante a discussão falaram desse problema e que
não achavam justo eles precisarem trocar de escola ou ficar sem o transporte escolar.
O professor pesquisador tentou mostrar o lado do administrador municipal e que devido
aos problemas financeiros atuais enfrentados pelo município era necessário realizar cortes e
50
fazer ajustes para conseguir manter as contas em dia, para fazer novos investimentos e
melhorias na cidade. Os recursos poupados com essa atitude não prejudica o ensino dos
estudantes que continuam tendo acesso à escola mais próxima mas haverá dinheiro para
melhorar a estrutura das escolas.
Foi importante essa reflexão pois para a formação de um cidadão participativo e ciente
de seu papel na sociedade precisa compreender o porquê de algumas ações e pensar sempre no
coletivo ao invés do individual. Durante esse debate foi exposto a terceira pergunta: Se vocês
fossem prefeito da cidade, o que vocês fariam para melhorar o lugar onde vivem? Quais as
prioridades? Vejamos as sugestões de melhorias apontadas no quadro mural virtual da Figura
7:
Figura 7 - Quadro mural virtual produzido pelos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
As sugestões de melhorias de modo geral foram bem amplas como investir em saúde,
educação, transporte público e mais oportunidades para os jovens. Surgiram também
necessidades mais específicas como construir uma rodoviária (o município só têm pontos de
parada), melhorias e limpeza do parque, iluminação pública e manutenção das estradas.
Após a discussão em grande grupo das sugestões apresentadas, o professor solicitou
que cada grupo priorizasse uma das ideias para que efetivamente pudessem realizar um projeto,
com ações concretas, previsão de recursos e encaminhar para o secretário municipal para
concretizá-la. Também foi colocado a necessidade de conhecer a disponibilidade de recursos
para realizar a obra, de onde virão, qual o processo que pode ser feito e como podem ser gastos.
Para verificar as receitas e despesas da administração pública, foi disponibilizado o site
do portal da transparência8, no qual é possível realizar buscas sobre receitas e gastos de
qualquer município do Rio Grande do Sul. Com a utilização dos notebooks disponibilizados,
os alunos entraram no portal da transparência e na aba a direita, que têm um mapa sobre
8 Disponível em: http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/
51
controle social, digitaram o município de Salvador do Sul para buscar informações sobre as
receitas e despesas. Também foi solicitado que comparassem os resultados com alguns
municípios vizinhos. Observamos na Figura 8 um desses momentos em sala de aula.
Figura 8 - Alunos pesquisando as receitas e despesas dos municípios.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
3.3.3- Terceira Etapa
Nesse terceiro encontro, foi dado prosseguimento na busca de informações no portal
da transparência. Foram passadas algumas questões referente as receitas e despesas realizadas
em 2017 pelo nosso município e foi solicitado aos alunos para compararem essas informações
com outros municípios da região que sejam de seu interesse ou curiosidade.
Também foram enviadas para o grupo de WhatsApp informações sobre os repasses
recebidos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, estadual) e também
do FPM (Fundo de Participação Municipal) da receita federal, referentes ao mês de abril de
2018, que representam as principais receitas dos municípios. Assim como essas informações
são repassadas ao prefeito municipal pela CNM-Confederação Nacional dos Municípios e pela
FAMURS- Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul, também foram
enviadas para os estudantes conhecerem a quantidade e a procedência desses recursos, como
vemos na Figura 9.
Figura 9 - Mensagens enviadas para os celulares dos alunos contendo os valores de ICMS e FPM
recebidos pelo município.
52
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
O objetivo de repassar essas informações é para que os alunos possam conhecer de que
forma entram os recursos e de onde que são provenientes. Foi explicado pelo professor que os
recursos federais (FPM) são repassados de acordo com faixas da quantidade da população da
cidade (o nosso município recebe o valor referente a população de até 10 mil habitantes) e os
recursos estaduais são repassados proporcionalmente conforme a participação do município
no ICMS do Estado no ano anterior. De todo o ICMS arrecadado no estado, 75% fica para o
governo estadual e os 25% restantes são distribuídos entre os municípios de acordo com a
participação do município na arrecadação do ano anterior.
A primeira questão trabalhada foi: Pesquise a população e as receitas de Salvador do
Sul e de outros 6 municípios em 2017. Pelo portal da transparência foi possível obter as
informações relativas as receitas mas não havia nenhum link sobre a população. Esse fato fez
com que os estudantes tivessem que pesquisar sobre essas informações em outros sites de busca
(IBGE), gerando diálogos entre os colegas sobre como resolver essa situação. Essas dúvidas e
trocas de informações entre os colegas proporcionam um ambiente favorável para a
aprendizagem.
O cálculo da receita per capita de cada população, o levantamento da porcentagem de
gastos com saúde, educação e outras áreas dos municípios (questões 2 e 3) foram importantes
para que os alunos comparassem as diversas realidades dos municípios da região onde vivem.
Também foi solicitado, na questão quatro, a porcentagem de recursos aplicados nas áreas
consideradas mais importantes das cidades. A partir da pesquisa realizada, o Grupo 4 tabelou
os resultados obtidos como observamos na Figura 10:
Figura 10 - Construção realizada em sala de aula pelos alunos.
53
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Buscando as informações, calculando as porcentagens e realizando um comparativo
com outros municípios, os estudantes puderam realizar conexões que permitem entender
melhor o funcionamento da administração pública, puderam perceber algumas semelhanças
nas despesas com saúde, educação e em outras áreas. Também é importante para o
fortalecimento da cidadania o jovem verificar o cumprimento de leis que exigem a aplicação
mínima de 25% dos recursos em educação e 15% em saúde.
3.3.4- Quarta Etapa
Esse quarto encontro foi reservado para formular os questionamentos para os
secretários municipais (no período antes do intervalo) e nos dois períodos depois do intervalo
visitar a prefeitura municipal, suas secretarias e câmara de vereadores. O professor solicitou a
formação de um círculo para facilitar o diálogo que ocorreu com a participação de vários
alunos. Percebemos nessas discussões o envolvimento dos estudantes nos temas abordados e
a importância de proporcionar momentos assim em sala de aula para fortalecer a cidadania. O
assunto mais debatido foi sobre o transporte escolar que sofreu alterações devido a implantação
do zoneamento e causou transtornos para alguns dos colegas da turma. Com essa mudança,
alguns alunos deveriam se transferir para a escola mais próxima de sua residência ou trocar de
turno.
Nesse diálogo, se percebe um certo desconforto nas ideias pois alguns alunos
defendendo o seu ponto de vista referente a dificuldade de trocar de escola, de não terem
transporte escolar e o professor defendendo o papel de administrador, que é necessário reduzir
gastos sem comprometer serviços essenciais para a população. Também foi bastante discutido
a questão da adaptação dos alunos se fosse preciso trocar de escola em virtude do zoneamento.
Foi ouvido o relato de uma colega que veio de outra cidade no início desse ano. Ela
falou da dificuldade de se adaptar ao novo lugar, a nova população e também à escola. Nesse
54
instante começaram a surgir perguntas sobre outros assuntos, como contratação de cargos de
confiança e agentes da saúde.
Outro assunto abordado foi a possibilidade de uma linha interna de transporte público
e uma nova rodoviária. Alguns alunos alegaram que pelo tamanho do município não era viável
a implantação da linha. Também surgiu uma discussão em torno da retirada de árvores em
frente da escola e no parque.
A falta de informação do aluno referente aos motivos que levaram a prefeitura retirar
algumas árvores que estavam causando sujeira em frente da escola e também no parque, fez
com que ele achasse desnecessário esse trabalho mas com a explicação do professor e também
a colaboração de outros alunos, foi possível debater a necessidade de um planejamento florestal
na cidade. Esse momento foi importante para que os alunos pudessem refletir sobre o projeto
de arborização que está ocorrendo na cidade, falaram sobre alguns problemas que as árvores
podem oferecer e a legislação que permite ou não o corte de árvores.
A reflexão sobre como ter recursos para resolver os problemas da cidade foi importante
para os próprios alunos identificarem situações que eles mesmos acharam um absurdo. Por
exemplo: alunos que moram perto da escola ainda pegarem transporte escolar. Ao mesmo
tempo em que sugerem oferecer transporte escolar só para os que moram longe também acham
ruim que em dias de chuva virem molhados para a escola.
Essa discussão também fez surgir outras questões importantes como o projeto
arborizando, merenda escolar, iluminação pública, transporte público, rodoviária da cidade,
água potável para todos, qualidade na educação das escolas e adaptação dos alunos a novos
desafios. Também houve ainda uma comparação com o município vizinho sobre a questão do
transporte escolar.
Após o intervalo, os alunos foram transportados para o centro administrativo da
prefeitura municipal onde também fica localizada a câmara de vereadores. Os alunos foram
deslocados por um micro ônibus escolar da prefeitura, acompanhados do professor titular de
matemática além do pesquisador. Vejamos o registro desse momento na Figura 11:
Figura 11 - Registro do momento de deslocamento para conhecer a administração municipal e a
câmara de vereadores.
55
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Chegando na prefeitura foram conhecer os principais setores administrativos como:
recepção, administração, fazenda, setor de compras, recursos humanos e jurídico.
Segue registro de um desses momentos, como vemos na Figura 12:
Figura 12 - Registro dos alunos conhecendo a sala do jurídico da Prefeitura.
Figura 12: Arquivo pessoal do autor.
Um dos assessores jurídicos presente na hora da visita, falou sobre as principais
demandas judiciais da prefeitura municipal e da importância de todos os atos estarem
embasados na lei. Falou sobre a Lei de responsabilidade fiscal e da responsabilização do
prefeito por qualquer irregularidade.
Seguiram a visita em direção ao gabinete do prefeito, conhecerem o chefe de gabinete,
a sala do prefeito, verificaram alguns documentos que estavam sobre a mesa e até puderam
sentar na cadeira do chefe do executivo, como podemos ver na Figura 13:
Figura 13 - Registro da visita dos alunos ao Gabinete do Prefeito.
56
Figura 13: Arquivo pessoal do autor.
Esse momento foi importante pois encontraram na mesa do prefeito documentos que
eles conheceram durante as aulas. Sabiam o que representavam aqueles empenhos, os
relatórios financeiros, os protocolos de contribuintes, enfim, o principal trabalho do prefeito.
O prefeito mostra a documentação que ele precisa analisar e assinar, como observamos na
Figura 14.
Figura 14 - Prefeito mostrando e falando sobre alguns documentos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Continuando a visitação, os estudantes puderam conversar com os funcionários dos
setores e também alguns secretários explicaram sobre o trabalho desenvolvido por sua
secretaria. A secretária da agricultura falou sobre o Serviço de Inspeção Municipal (SIM), das
agroindústrias presentes em nosso município. Sobre o meio ambiente, já respondeu sobre a
retirada das árvores na escola, no parque e o plantio de novas, dos processos de licenças
ambientais e os demais serviços de terraplanagens, incentivos aos produtores rurais e outros
57
projetos em andamento. Segue, na Figura 15, registro da visita dos alunos à secretaria de
agricultura:
Figura 15 - Alunos conhecendo e conversando com a Secretária da Agricultura e Meio Ambiente.
Figura 15: Arquivo pessoal do autor.
Como a câmara de vereadores fica no mesmo prédio de algumas secretarias municipais,
os estudantes tiveram a oportunidade de conhecer e ouvir de uma das secretárias da câmara, o
trabalho e a função do legislativo municipal para o município. A servidora explicou que todas
as ações do executivo municipal, o orçamento e as leis que permitem ou não a execução de
políticas públicas precisam ser aprovadas pelos vereadores. Segue, na Figura 16, registro
fotográfico dos alunos na Câmara de Vereadores:
Figura 16 - Alunos conhecendo a Câmara Municipal de Vereadores.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Depois de conhecer o Legislativo Municipal, passaram pela sala do setor de engenharia
e foram para a sala de reuniões da prefeitura. Conversaram com o vice prefeito e também
Secretário Municipal da Indústria, Comércio e Habitação e com o Secretário da Educação,
Fazenda, Administração e Planejamento.
Primeiramente falou o secretário da Indústria, Comércio e Habitação que abordou a
questão da falta de uma rodoviária na cidade. Explicou que depois de ter falecido a pessoa que
58
tinha a concessão da rodoviária em nosso município ninguém mais quis assumir esse
compromisso por falta de viabilidade financeira. Também falou que não é responsabilidade do
município construir e manter uma rodoviária mas que a intenção da administração municipal
é montar um ponto de parada com estrutura para receber melhor as pessoas. Vejamos, na Figura
17, imagem do encontro na sala de reuniões da prefeitura:
Figura 17 - Reunião dos estudantes com dois Secretários Municipais.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
O secretário da Educação, Fazenda, Administração e Planejamento fez uso da palavra
para responder os questionamentos sobre o transporte escolar e as outras dúvidas dos
estudantes. Primeiramente falou que considera importante a participação dos jovens e da
comunidade nas decisões políticas da cidade. Depois o Secretário falou que ainda não têm
dados concretos de quanta economia irá dar a implantação do zoneamento, que precisaria
trabalhar com essa sistemática pelo menos um semestre ou ano, mas que com certeza irá gerar
uma economia considerável. Também é importante destacar durante a fala do secretário que
toda economia será aplicada em outros setores importantes da sociedade.
Também foi discutido a importância do jovem estar preparado para o mercado de
trabalho, que tipo de trabalho existe, as possibilidades de preparação, os cursos disponíveis, a
importância de dar oportunidade aos jovens, e nesse sentido, falou sobre as vagas de estagiários
que a prefeitura disponibiliza.
3.3.5- Quinta Etapa
Esse encontro ficou reservado para socializar com toda a turma sobre a visita realizada
na prefeitura municipal e câmara de vereadores além da entrega do relatório final dos grupos.
Como no terceiro encontro ficaram questões para serem respondidas, o professor solicitou que
cada grupo terminasse a pesquisa referente aos gastos dos municípios por área de atuação.
Depois dessa fase de busca de informações e comparações, as perguntas seguintes foram
direcionadas para as ações necessárias com o intuito de aumentar as receitas e para possíveis
59
soluções dos problemas. Observamos na Figura 18, a resposta do Grupo 2 para a pergunta
sobre quais as principais ações que podem ser realizadas para aumentar as receitas.
Figura 18 - Sugestão elaborada pelos estudantes em sala de aula.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Devido ao grande número de desempregados no município, é importante ressaltar que
os alunos não estão alheios ao momento atual e sugeriram a necessidade de trazer empresas
que possam gerar empregos aos munícipes além de aumentar as receitas por meio dos impostos
gerados por essas empresas. Também falaram da agricultura local ser um ponto forte. Outro
grupo sugeriu aumentar a fiscalização para diminuir a sonegação e a atualização da planta de
valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Em outra atividade, foi sugerido aos alunos criarem um material de divulgação para
conscientizar a população da importância de todos fazerem a sua parte. Para conscientizar a
população de como aumentar as receitas, o Grupo 2 sugeriu produzir um panfleto com todas
as informações, fazer uso de recursos tecnológicos como a criação de um site ou uma página
no Facebook, como observamos na Figura 19.
Figura 19 - Sugestão de divulgação produzida em sala de aula.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
A última atividade proposta foi que os alunos pesquisassem no site da transparência a
porcentagem dos recursos aplicados em saúde e educação dos sete municípios pesquisados
anteriormente. Calculassem a média aplicada desses municípios e comparassem com Salvador
60
do Sul para ver se o nosso município estava acima ou abaixo da média na aplicação de recursos
em saúde e educação. Na Figura 20, vemos o resultado obtido pelo Grupo 4 nessa pesquisa.
Figura 20 - Comparação realizada pelos estudantes em sala de aula.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
A busca das informações diretamente no site do portal da transparência, a comparação
entre os municípios e a discussão gerada em torno da necessidade da aplicação de o mínimo
de 15% na saúde e 25% na educação do orçamento do município, faz com que o estudante
compreenda melhor alguns gastos municipais. Alguns gastos já estão definidos por lei e cabe
ao gestor cumpri-la.
Sobre a visita ocorrida no dia anterior, os alunos acharam muito bom mas pouco tempo
para eles tirarem todas as dúvidas. Falaram que alguns secretários gostavam de explicar
detalhadamente sobre o seu trabalho e por isso não deu tempo para eles tirarem as suas dúvidas.
Depois dessa conversa, o professor falou que todos os problemas levantados por eles, mesmo
que não expostos para todos os secretários, serão avaliados e a administração municipal irá
tentar resolvê-los. Também falou sobre a importância dos alunos terem trazido essas
dificuldades e eles também tentar entender os motivos pelos quais algumas ações foram
tomadas pela prefeitura. Compreender que muitas vezes é preciso cortar gastos em alguns
lugares para poder investir em outros pontos mais importantes.
61
4. ANÁLISE DOS DADOS
Durante o desenvolvimento da pesquisa, podemos observar vários momentos nos quais
encontramos algumas evidências de Literacia Digital, de Democracia, de Matemática e de
Educação Matemática Crítica. Nessa seção traremos as evidências desses aspectos destacando
os momentos que mais chamaram nossa atenção. Optamos por organizar a estrutura de análise
dividindo as ações em temas que destacam os aspectos acima mencionados ao longo da
descrição das ações. Escolhemos essa estratégia pois percebemos nas evidências que a mesma
situação poderia gerar distintas categorias de análises. Desse modo, buscamos manter as
categorias de análise vinculadas a cada situação específica analisada. Dentre os aspectos que
surgiram, destacamos o assunto “transporte escolar” pois concentrou a maior parte das
discussões envolvendo os alunos e o professor. Outros temas, como a construção de um terminal
rodoviário e o projeto arborizando, pipocaram com menor ênfase durante as discussões, por isso
serão analisados brevemente.
Buscamos trazer as análises em ordem cronológica dos acontecimentos dos momentos,
para auxiliar na compreensão da motivação dos fatos pelo leitor. Entendemos que a estratégia
utilizada e a sequência de atividades possam ter contribuído para a geração de oportunidades
de encaminhamentos que facilitaram o envolvimento dos estudantes na pesquisa. Traremos a
seguir, as análises de alguns dos principais tópicos que emergiram durante os encontros com a
turma.
4.1- TRANSPORTE ESCOLAR
O assunto transporte escolar surgiu com frequência em vários encontros durante a
realização da pesquisa. A seguir, relataremos alguns acontecimentos no município que
contribuíram na motivação do surgimento desse tema para que o leitor possa compreender o
contexto que proporcionou esse momento.
O município é responsável em transportar todos os estudantes para as escolas municipais
e estaduais da cidade. Com a mudança da gestão municipal e a dificuldade financeira enfrentada
pelo município, a partir de 2017 foram feitas observações referentes ao funcionamento do
transporte escolar e foi constatado que alguns alunos não eram transportados para a escola mais
próxima de sua residência, ocasionando um custo adicional ao necessário no transporte escolar.
No ano de 2018 (ano da realização dessa pesquisa) foi implantado o projeto de
zoneamento no município. Esse projeto consiste em dividir o município em zonas, levando em
62
consideração as distâncias das residências até as escolas mais próximas. A partir desse
momento, o transporte escolar será para a escola mais próxima da família, não levando em
consideração a opção do estudante, o que originou alguns questionamentos por parte dos
estudantes.
A atividade proposta foi criar um mural virtual com contribuições dos alunos referente
ao levantamento de pontos positivos, problemas e possíveis soluções de problemas relativos ao
bairro ou cidade onde moram. A instigação feita pelo professor foi em colocar o aluno como
prefeito da cidade e, dessa forma, tentar identificar virtudes e dificuldades, se inteirar sobre os
mecanismos de funcionamento da administração pública, comparar e avaliar a situação
econômica municipal para verificar a disponibilidade de recursos que poderiam ser utilizados
para resolver os problemas detectados.
4.1.1- Literacia Digital
Durante a realização das atividades, recursos tecnológicos como televisão, computador,
projetor, celular, internet, aplicativos e softwares foram utilizados para facilitar a obtenção de
informações e também para favorecer o diálogo e a participação dos alunos nas discussões. A
construção de murais virtuais facilitou o debate sobre pontos positivos, negativos e necessidades
de intervenções para melhorar a vida da comunidade em que estão inseridos.
As discussões geradas durante a construção dos murais virtuais, a utilização de outros
recursos tecnológicos para buscar informações e promover o diálogo entre os estudantes e entre
estudantes e professor, evidenciaram algumas habilidades da Literacia Digital em torno do
assunto “transporte escolar”. Serão analisadas nas próximas seções, as habilidades Inteligência
Coletiva, Networking e Navegação Transmídia.
4.1.1.1 Inteligência Coletiva
O aplicativo utilizado como ferramenta tecnológica para criar os murais virtuais
contendo as contribuições dos alunos sobre pontos positivos, problemas e possíveis soluções
foi o Padlet. Esse aplicativo gratuito permite a formação de um mural virtual onde os
participantes colaboram instantaneamente com ideias, opiniões e sugestões sobre o assunto
abordado. Uma das vantagens desse recurso tecnológico é a possibilidade de projetar as
colocações individuais e os demais participantes podem dar as suas contribuições para o
enriquecimento da ideia, desenvolvendo dessa forma uma das habilidades da Literacia Digital
que é a inteligência coletiva.
Podemos observar evidências da habilidade inteligência coletiva quando reunimos as
ideias dos alunos e observamos, na Figura 21, o surgimento do tema “transporte escolar” nas
63
comparações das colocações de experiências apresentadas pelos cinco grupos de trabalho.
Nesses apontamentos é possível visualizar que dentre os 5 grupos, quatro evidenciaram esse
aspecto.
Figura 21 - quadro mural virtual construído pelos alunos.
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Ao observar detalhadamente os apontamentos dos grupos na construção do quadro
mural virtual, apresentado na Figura 21, constata-se que um dos problemas identificados faz
referência ao transporte escolar. O grupo 2 relata a “FALTA DE TRANSPORTE em alguns
lugares”; o grupo 3 menciona que “Faltam algumas coisas no interior, como transporte para
as escolas do centro”; o grupo 4 apresenta “A ausência de transporte em algumas regiões da
cidade dificulta o deslocamento dos estudantes”; e o grupo 5 cita a “Falta de transporte em
certos locais”. Os 4 grupos apresentam o transporte escolar como um problema da cidade a ser
resolvido.
O uso das tecnologias de informação e comunicação tiveram significativa participação
na construção do apontamento coletivo em relação ao assunto “transporte escolar”. Os recursos
tecnológicos utilizados (o aplicativo, o celular, o projetor e a internet) proporcionaram uma
interação comunicativa entre os estudantes que pode ter favorecido a construção de novos
conhecimentos. O cenário de investigação (SKOVSMOSE, 2000) criado em torno das
tecnologias proporcionou a colaboração dos grupos de alunos com problemas pontuais que
afetavam suas vidas, como mostram as falas dos grupos na Figura 21: “A falta de iluminação”
Grupo 1; “Falta de água potável em alguns lugares do interior da cidade”, Grupo 2; “Poucos
locais para os jovens”, Grupo 3; “Falta de saneamento básico no interior”, Grupo 4; “Poucas
oportunidades como jovem aprendiz ou cursos”, Grupo 5; “Depredação do patrimônio público”,
Professor. Mas o que evidencia a habilidade inteligência coletiva é o fato dos estudantes
identificarem coletivamente, dentre tantos problemas relatados, o problema que afetou a
maioria dos estudantes, tornando consenso entre eles que esse é um problema a ser resolvido
pelo município.
64
A partir dessa construção, o assunto “transporte escolar” se tornou foco para os alunos
surgindo em outros momentos durante a pesquisa, como mostram algumas falas na construção
do mural virtual da Figura 22. O Grupo 1, retoma o tema quando fala “Mais investimentos na
educação ...”, o Grupo 2 fala que “Colocaria transporte público em toda a cidade, pois é direito
de todos”, o Grupo 3 traz “transporte público”, o Grupo 4 fala em “Implantação de uma
rodoviária e transporte público em toda a cidade” e o Grupo 5 abordou da seguinte forma “1
ônibus para o interior do município”. Nessa atividade, o questionamento foi sobre o que os
alunos fariam para melhorar a sua cidade se fossem prefeitos.
Figura 22 - Quadro mural virtual construído pelos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Não somente as falas dos alunos sobre transporte escolar (Figura 22), demonstrando
suas preocupações e sugerindo ações que eles tomariam se fossem prefeitos para resolver a
situação problema, são evidências da construção da habilidade inteligência coletiva, mas
também as possíveis soluções são construídas em equipe, de forma integrada e com a
participação coletiva de vários estudantes.
O tema “transporte escolar” continuou sendo pauta da discussão em outro momento. No
quarto encontro, os alunos tinham a tarefa de selecionar os principais problemas e
reivindicações que iriam levar para os secretários municipais e esse assunto se fez presente
novamente, como mostra a transcrição do Vídeo 1, quarto encontro:
(0:02:24) Fala da aluna Ca: “Um transporte escolar, mais um transporte escolar,
porque não tem.” (0:02:31) Fala do Pe: “Transporte escolar?” (0:02:32) Fala da aluna Ca: “Transporte escolar nós não temos, em função do
zoneamento sabe mas, sei lá...” (0:02:34) Fala da aluno Th: “é eu também não tenho”
(0:02:37) Fala do aluno Br: “tu é São Pedro cara”. (0:02:38) Fala do aluno Th: “Tinha”. (0:02:38) Fala do Pe: “No caso especifico teu ou de mais alguns aqui?” (0:02:40) Fala da aluna Na: “Eu também não venho de ônibus, porque o ônibus que
passa lá só pega criança da Selma.”
65
Nesse diálogo, os estudantes voltaram a debater sobre o assunto “transporte escolar”,
evidenciando e fortalecendo a habilidade inteligência coletiva pois reuniram conhecimentos
para resolver um problema comum. Observamos essa preocupação nas falas da aluna Ca:
“Transporte escolar nós não temos, em função do zoneamento sabe mas, sei lá...”, também na
fala do aluno Th: “é eu também não tenho”, e ainda na fala da aluna Na: “Eu também não venho
de ônibus, porque o ônibus que passa lá só pega criança da Selma”. Em cada uma dessas falas,
os alunos estão trazendo as suas experiências, tentando chegar a conclusões pessoais sobre o
assunto transporte escolar e comparando com seus colegas em busca de um objetivo comum,
que é resolver o seu problema. De acordo com Sápiras, Dalla Vecchia, Maltempi (2015, p. 977),
essas situações podem ser associadas à inteligência coletiva, entendida como “a capacidade de
chegar a conclusões pessoais sobre assuntos e conseguir compará-las com seus pares utilizando
uma análise crítica em busca de um objetivo comum”.
A ideia construída em torno do assunto “transporte escolar” foi elaborada de forma
coletiva por meio da utilização das tecnologias digitais. Essa nova dimensão da comunicação
que permite-nos compartilhar nossos conhecimentos e apontá-los uns para os outros, é a
condição elementar da inteligência coletiva (LÉVY, 2007). Constatamos evidências dessa
habilidade em vários momentos durante a realização da pesquisa, destacando dessa forma a
formação da Literacia Digital em sala de aula.
4.1.1.2- Networking
Outra habilidade que consideramos haver indícios é a networking. Durante a realização
da pesquisa, os estudantes precisaram navegar em um mundo abundante de informações e elas
surgiam por diferentes meios de comunicação (empenhos, relatórios, planilhas, gráficos, vídeos,
mensagens no WhatsApp, aplicativos e pesquisas na internet). Fazer uso desses diferentes
meios de comunicação e ser capaz de navegar com sucesso em um mundo abundante de
informações além de selecionar as que são importantes para a solução de seu problema é
conhecido na Literacia Digital como networking, que segundo Sápiras, F.; Dalla Vecchia, R.;
[...] o mundo tem a produção de conhecimento de forma coletiva, e a comunicação
ocorre por meio de uma variedade de diferentes meios de comunicação. Conforme os
autores, nesta perspectiva, a ação do estudante não contempla somente possuir muitos
recursos e informações para escolher, mas sim ser capaz de navegar com sucesso em
um mundo já abundante de informações (2016, p.38).
Encontramos evidências da habilidade networking nas construções realizadas em sala de
aula, pois os estudantes souberam fazer uso do aplicativo Patlet para navegarem por meio dessa
forma de comunicação. Além de construírem os quadros murais virtuais, utilizaram esse recurso
para expressarem a sua opinião, se comunicarem com seus colegas e destacaram a informação
66
mais importante da Figura 21 que é o “transporte escolar”. Observamos também na Figura 22,
que todos os grupos deram suas contribuições na construção do quadro mural virtual, mas o que
evidencia a habilidade networking é a capacidade de selecionar a informação mais importante
para resolver o seu problema. Nesse caso, o problema do “transporte escolar”, como mostram
as falas do Grupo 1: “Mais investimentos na educação ...”, o Grupo 2 fala que “Colocaria
transporte público em toda a cidade, pois é direito de todos”, o Grupo 3 traz “transporte
público”, o Grupo 4 fala em “Implantação de uma rodoviária e transporte público em toda a
cidade” e o Grupo 5 abordou da seguinte forma “1 ônibus para o interior do município”.
Durante a realização do experimento, podemos citar outro exemplo da percepção de
evidências da habilidade networking quando os alunos foram convidados a pesquisar sobre a
população e as receitas de seu município e de outros seis de seu interesse. Pelo portal da
transparência era possível obter as informações relativas as receitas mas não havia nenhum link
sobre a população. Esse fato instigou os estudantes a obterem essas informações em outro site
de busca (IBGE), conseguindo dessa forma as informações necessárias. Segue transcrição dessa
conversa durante a realização das atividades, vídeo 1 da terceira etapa:
(0:01:25) Ca.: “População estimada 7434. População do último censo 6747?”
(0:01:34) Em.: “Estimado é quanto?” (0:01:35) Br.: “7000... ” (0:01:36) Ca.: “434.” (0:01:37) Br.: “2017.” (0:01:39) Ca.: “IBGE.” (0:01:40) Al.: “No IBGE?”
(0:01:41) Ca.: “No site nós fomos buscar.”
Nesse exemplo, os alunos tinham o computador, a internet e um site para buscar algumas
informações sobre receitas e despesas, mas foram instigados a buscarem outras informações
sobre a população dos municípios. Isso demonstra a habilidade do aluno em ser capaz de
navegar com sucesso em um ambiente repleto de informações para encontrar e selecionar aquilo
que precisa, evidenciando a habilidade Networking.
Também surgiram diálogos que comprovam a produção de conhecimento de forma
coletiva. Na comparação sobre a população dos municípios vizinhos, no site do IBGE, os dados
referentes ao último censo populacional indicam o ano de 2010 (ano em que foi realizado o
último censo) e fornecem também uma estimativa de população para 2017. O acesso a essas
informações geraram uma reflexão importante sobre o que seria melhor utilizar, o valor do
último censo realizado (desatualizado) ou a estimativa da população para 2017. Segue
transcrição desses diálogos durante a aula, vídeo 1 da terceira etapa:
(0:01:03) Em.: “Gente é 7219 a população de Salvador do Sul?” (0:01:07) Ca.: “Isso é 2010?”
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(0:01:08) Em.: “Sim.” (0:01:09) Ca.: “Precisa pegar 2017.” (0:01:12) Em.: “Mas aquele outro também é 2010. Olha” (0:01:15) Ca.: “Espera, deixa eu pensar.” (0:01:25) Ca.: “População estimada 7434. População do último censo 6747?” (0:01:34) Em.: “Estimado é quanto?” (0:01:35) Br.: “7000... ” (0:01:36) Ca.: “434.” (0:01:37) Br.: “2017.” (0:01:39) Ca.: “IBGE.” (0:01:40) Al.: “No IBGE?” (0:01:41) Ca.: “No site nós fomos buscar. O professor?” (0:01:43) Pe.: “Oi.” (0:01:44) Ca.: “Aqui tá que a população estimada é de 7434 e no último censo de 2010
era 6747.” (0:01:50) Cr.: “Não, pega o último censo.” (0:01:52) Pe.: “Pega o censo. Porque o estimado já não é exato, pega o censo que é
um número oficial.”
Essas dúvidas, questionamentos, trocas de informações entre os colegas e professor
proporcionam um senário favorável para a produção de conhecimento coletivo. Quando a aluna
Ca fala “Aqui tá que a população estimada é de 7434 e no último censo de 2010 era 6747”, ela
está refletindo juntamente com seus colegas sobre as informações que possui e qual é melhor
utilizar. Da mesma forma que a aluna Cr falou “Não, pega o último censo” o professor também
contribuiu justificando em sua fala, “Pega o censo. Porque o estimado já não é exato, pega o
censo que é um número oficial”, ser melhor utilizar a informação do censo por se tratar de um
dado oficial, mesmo que desatualizado. Segundo Sápiras, Dalla Vecchia, Maltempi (2015, p.
977), essa habilidade de procurar, sintetizar e disseminar a informação, são evidências da
habilidade networking.
4.1.1.3- Navegação Transmídia
Durante a realização da pesquisa, os estudantes foram convidados a assumir o papel de
administradores municipais, tendo a oportunidade de identificar virtudes e problemas do
município. Por meio da manipulação de documentos oficiais do executivo municipal
(empenhos, relatórios, planilhas, protocolos e correspondências), conheceram um pouco dos
mecanismos básicos de funcionamento da administração pública. Também foram orientados a
buscar mais informações sobre a situação financeira do município acessando a sites de órgãos
oficiais do município e estado, obtendo informações por meio de interações em redes sociais,
pela projeção de imagens e transmissão de vídeos. Os estudantes obtiveram contato com
receitas, despesas e outras informações gerais sobre seu município em diferentes formas de
comunicação, caracterizando a habilidade navegação transmídia que segundo Jenkins et al.
(2009) apud Sápiras, F.; Dalla Vecchia, R.,
68
[...] é a capacidade de acompanhar o fluxo de informações em diferentes formas, seja
imagens, vídeos, áudios ou simulações. As histórias transmídia, em seu nível mais
básico, são histórias contadas em vários meios de comunicação que fluem por meio
de múltiplas plataformas de mídia. Aos indivíduos cabe aprender a navegar nessas
diferentes e conflitantes formas, fazendo escolhas pelo que é mais relevante no
momento (2016, p.16).
Encontramos evidências da habilidade navegação transmídia já no primeiro encontro com
os estudantes, onde o professor disponibilizou planilhas, relatórios e empenhos realizados pela
prefeitura municipal de Salvador do Sul para que pudessem conhecer a forma como são pagas
as despesas e a situação financeira atual do município. As informações contidas nesses
documentos auxiliam na compreensão da movimentação financeira de órgãos públicos,
principalmente de que forma são gastos os recursos provenientes dos impostos para manter o
funcionamento dos equipamentos e a prestação dos serviços públicos. Por meio da manipulação
dos empenhos os alunos tiveram a oportunidade de verificar a forma de pagamento de diversas
despesas do dia a dia da administração municipal em diferentes secretarias e avaliar a
necessidade ou não dessa despesa. Segue um exemplo de empenho observado pelos alunos:
Figura 23 - Exemplo de empenho observado sobre manutenção do hospital.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
O exemplo da Figura 23 foi também utilizado para demonstrar aos alunos o que é um
empenho e as informações necessárias para a compreensão do gasto a ser realizado. Além das
informações básicas do município pagador (endereço, telefone, CNPJ, etc.), são fornecidas
informações de qual secretaria são efetuados esses pagamentos, de qual programa ou recursos
69
previstos no orçamento anual, a data, o valor do empenho, quem será o beneficiário desses
recursos além de um breve relato da finalidade desse recurso.
Cada empenho precisa da assinatura do prefeito e do secretário da fazenda autorizando
o seu pagamento. Após, segue para a secretaria da fazenda liquidar e encaminhar para o setor
financeiro efetuar a transferência dos recursos. As informações contidas nesse documento são
lançadas no sistema e disponibilizados para consultas públicas no site da prefeitura municipal
e também no site do Tribunal de Contas do Estado.
O desenvolvimento da habilidade navegação transmídia percebe-se quando os alunos
conseguem acompanhar o fluxo de informações contidas nesse meio de comunicação e a partir
dessas informações fazer escolhas sobre o que é mais relevante. Observamos evidências dessa
habilidade nas falas dos alunos quando analisavam alguns empenhos realizados pela prefeitura
municipal, conforme mostram as transcrições a seguir: Vídeo 2 da primeira etapa, grupo 5;
(0:25:45) Ka.: “Material de manutenção.” (0:26:08) Ka.: “Secretaria Municipal de Obras e Viação.” (0:26:32) Ka.: “Protetor de areia, bomba de água, placa de alumínio, parafuso, é isso.” (0:26:52) Ka.: “Interior de obras públicas.” (0:26:57) Pe.: “E o valor desse empenho?”
(0:26:59) Ka.: “Mil duzentos e seis com setenta.”
Encontramos evidências da habilidade navegação transmídia quando, nas falas da
aluna Ka, ela soube extrair as informações mais importantes dessa forma de comunicação. Na
fala, “Material de manutenção”, ela identificou o tipo de material comprado, nas falas
“Secretaria Municipal de Obras e Viação” e “Interior de obras públicas”, ela soube separar
a Secretaria Municipal em que foi comprado esse material e na fala “Protetor de areia, bomba
de água, placa de alumínio, parafuso, é isso”, ela identificou o que foi comprado e na fala,
“Mil duzentos e seis com setenta”, ela encontrou o valor financeiro gasto para comprar esse
material.
O grupo três também acompanhou o fluxo de informações contidas no empenho
referente ao conserto da água de uma localidade do interior, conforme mostra a transcrição do
vídeo 2, da primeira etapa:
(0:32:22) Fe.: “Saneamento básico rural. É material de consumo. Que foi?” (0:32:32) Sa.: “Manutenção da água da Linha Bonita.” (0:32:43) Fe.: “Lê isso aqui e pergunta.” (0:32:45)
Sa.: “Há, o que é luva com rosca?”
Na fala da aluna Fe “Saneamento básico rural. É material de consumo”, encontramos
vestígios da habilidade Navegação Transmídia pois ela identificou a finalidade e o tipo de
material adquirido por esse empenho. Também percebemos na fala da aluna Sa, “Há, o que é
luva com rosca?”, que mesmo tendo dúvidas referente ao que foi comprado, ela identificou as
70
informações contidas nessa plataforma de comunicação no que diz respeito ao material
adquirido.
Em outra fala realizada pelo Grupo 2, na primeira etapa, conforme transcrição do vídeo
2 da primeira etapa; (0:33:35) Th.: “É de material de manutenção de veículo de transporte,
secretaria de obras urbanas e é um redutor NXFM22, tá isso não precisa, é de um caminhão”.
Percebemos que o aluno Th conseguiu identificar a classificação do material comprado, quando
fala “É de material de manutenção”, identificou também o que foi comprado e por qual
secretaria municipal quando fala “secretaria de obras urbanas e é um redutor NXFM22, tá isso
não precisa, é de um caminhão”. Percebemos na fala do aluno representante desse grupo, que
souberam acompanhar o fluxo de informações contidas nesse meio de comunicação,
evidenciando assim a habilidade navegação transmídia, desenvolvendo a Literacia Digital em
sala de aula.
Durante a realização do experimento, inúmeras vezes o celular foi utilizado para
dialogar, realizar pesquisas, construir murais virtuais e para transferência de informações entre
professor e alunos. Essa forma de comunicação pode se tornar um importante recurso para
facilitar o diálogo entre alunos e entre professor e alunos, possibilitando a troca de experiências
e de informações. Durante a pesquisa, foi criado um grupo no WhatsApp com representantes
dos grupos de trabalhos para facilitar a comunicação e possibilitar a troca de informações.
Segue na Figura 24, uma imagem de um desses momentos:
Figura 24 - Print da tela do celular do Pr.
71
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Uma das atividades realizadas no primeiro encontro da pesquisa foi formar os grupos
de trabalho. Cada grupo escolheu uma pessoa para ser o representante no WhatsApp, com a
finalidade de promover o diálogo e ser um canal para a troca de informações durante e também
depois das aulas. Observamos que nos diálogos da Figura 24, primeiro o professor elogiou a
turma “Adorei conhecer vocês” e depois questionou os grupos se havia ficado algum
documento da prefeitura com eles “Oi. Favor verificar se não ficou nenhum documento com
algum grupo. Obrigado”. Encontramos evidências da habilidade navegação transmídia quando
percebemos que os alunos conseguiram navegar nesta diferente forma de mídia e interagiram
com o professor e colegas, respondendo a solicitação do professor mesmo após do término da
aula. Identificamos indícios nas falas da aluna Fe “Com o meu grupo não”, também na fala do
aluno Vi “nem com o meu”, também na fala da aluna Ra quando reproduziu a fala do professor
e depois respondeu “Não” e ainda a aluna Ca respondeu “Também não”.
Em outro momento, durante a realização da construção dos murais virtuais, o professor
disponibilizou os endereços eletrônicos para que os alunos pudessem responder aos
questionamentos. Como um endereço eletrônico é extenso, é formado por letras, números e
siglas que dificulta a sua digitação, surgiu a ideia de um aluno escrever o endereço e repassar
para os outros grupos por meio do WhatsApp, como podemos ver na Figura 25:
Figura 25 - Print da tela do celular do professor.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Encontramos evidências da habilidade navegação transmídia, quando a aluna Ca
utilizou a mídia WhatsApp para navegar e transmitir informações importantes para seus
colegas. Observamos (Figura 25), no envio de informações pela aluna Ca, de dois endereços
72
eletrônicos que continham as atividades propostas e também uma foto onde estavam colegas
em frente a um dos murais virtuais produzidos pela turma. A utilização do aplicativo
WhatsApp para enviar fotos de momentos de trabalhos realizados, para enviar informações
importantes para a realização das atividades e também como uma forma de diálogo entre
estudantes e professor, são evidências da habilidade navegação transmídia, que segundo
Sápiras, Dalla Vecchia, Maltempi (2015, p. 977) é a capacidade de seguir os fluxos de
informações por meio de múltiplas plataformas, para a interação e o compartilhamento de
informações diferenciadas”.
Nessa seção, trouxemos evidências das habilidades que mais se destacaram durante a
realização das atividades em sala de aula. Queremos ressaltar a importância que as diferentes
Tecnologias de Informação e Comunicação tiveram no desenvolvimento de capacidades que
podem contribuir na aprendizagem dos estudantes. Saber buscar, interpretar, compreender e
usar de forma crítica as informações contidas em diversas mídias, como empenhos, planilhas,
relatórios, áudios, vídeos, computador, aplicativos, mensagens via celular, pesquisas em sites
de busca, etc, são habilidades fundamentais da Literacia Digital que podem melhorar a vida
dos alunos e fortalecer a democracia em nossas escolas.
4.1.2- Democracia
Aprender a formular e a resolver uma situação e com base nela fazer uma leitura crítica
da realidade (MEYER, CALDEIRA e MALHEIROS, 2013). Formar cidadãos críticos e
conscientes de seu papel na sociedade, pessoas que saibam cobrar os seus direitos mas também
cumprir com suas obrigações, esses foram alguns dos aspectos que objetivamos fortalecer
durante o trabalho em sala de aula. Entendemos que o exercício da democracia inicia desde as
primeiras atividades em sala de aula, aproveitando as experiências de vida do estudante,
promovendo um diálogo entre as partes, escutando suas angústias e incentivando o aluno a
conhecer os mecanismos de funcionamento da sociedade para que ele possa participar das
tomadas de decisão sobre assuntos que envolvam a sua vida, o seu bairro e a sua cidade.
Buscamos durante a realização da pesquisa, manter prevalecer relações dialógicas entre
os estudantes e entre estudantes e professor para que desenvolvamos uma atitude democrática
(SKOVSMOSE, 2013). Traremos nas próximas seções, as análises dos aspectos que mais
evidenciaram características de democracia durante os encontros com os estudantes.
Apresentaremos, a seguir, as análises dos argumentos pedagógico e social da democratização,
conhecimento reflexivo e educação matemática crítica, materacia, matemática e direitos e
deveres para o fortalecimento da cidadania.
73
4.1.2.1- Argumento Pedagógico da Democratização (currículo aberto)
Um dos cuidados que tivemos na hora do planejamento das atividades a serem
propostas durante a realização da pesquisa, foi em relação a forma de apresentação da proposta
de trabalho. Pensamos em uma proposta em que as vivências dos estudantes pudessem ser
aproveitadas para incentivar a participação dos alunos na escolha dos caminhos a serem
trilhados em busca dos assuntos de maior interesse da turma. Tínhamos como objetivo
principal explorar as experiências de vida e o contexto social em que o estudante está inserido
para facilitar o surgimento de novos conhecimentos. Buscamos relacionar uma possível
conexão entre nossa linguagem ordinária e conceitos matemáticos construídos. Skovsmose
(2013) fala sobre essa questão;
A possibilidade de uma educação matemática “baseada na experiência”, uma
educação que inclua a total experiência dos estudantes, tanto em relação ao
planejamento de currículo quanto ao conteúdo abordado, relaciona-se à possível
conexão entre nossa linguagem ordinária e conceitos matemáticos construídos. (p. 46
e 47)
Incluir as experiências construídas pelo estudante no planejamento do currículo podem
contribuir para a construção do conhecimento pois os assuntos abordados fazem parte da vida
do estudante, ou seja, ele já sabe alguma coisa sobre esse tema. A discussão gira em torno de
assuntos que fazem parte da vida dos estudantes, que podem trazer suas experiências e
interesses para âmbito da escola. Essa forma de pensar Educação Matemática é conhecido na
literatura como tese da familiaridade, que segundo Skovsmose (2013, p.47), “A intenção é
colocar as crianças, seus interesses, seus trabalhos e suas experimentações no centro da prática
educacional e eliminar aspectos indesejáveis do currículo oculto.”
Podemos destacar uma evidência da tese da familiaridade na pergunta geradora da
atividade proposta pelo professor (Figura 26). Analisando a pergunta “Cite alguns pontos
positivos do bairro ou da cidade em que você vive”, podemos perceber que o intuito dessa
questão é instigar a contribuição do aluno com assuntos de sua vida, com as suas experiências,
seus interesses, seu ponto de vista em relação ao seu bairro ou cidade e incentivar a reflexão
sobre a comunidade em que está inserido, evidenciando assim, características da tese da
familiaridade.
Figura 26 - Mural virtual construído pelos alunos em sala de aula.
74
Fonte: arquivo pessoal do autor.
Trazer essas situações para dentro da sala de aula, debatê-las com os colegas e
professor, sem saber os resultados que essa discussão pode levar, criando oportunidades de
encaminhamentos para diversas decisões educacionais, dando a possibilidade dos estudantes
moldarem o processo educacional são implicações do argumento pedagógico de
democratização. Segundo Skovsmose (2013), uma implicação do argumento pedagógico de
democratização:
[...] é que temos de desenvolver situações abertas no processo educacional, isto é,
situações que possam tomar direções diferentes dependendo dos resultados da
discussão entre estudantes e estudantes, e entre estudantes e professor. Abrir a situação
significa criar possibilidades para decisões educacionais a serem tomadas em sala de
aula. Os estudantes devem ter a possibilidade de moldar o processo educacional para
que não se tornem adaptados a rituais inquestionáveis da educação matemática. (p. 51
e 52)
Em uma educação baseada no argumento pedagógico da democratização, é preciso levar
em conta as experiências dos estudantes no planejamento do currículo e nos conteúdos
abordados, dessa forma, buscar relacionar uma possível conexão entre o interesse do aluno e os
assuntos discutidos em sala de aula. Nenhum caminho específico necessita ser planejado
previamente, os estudantes devem ter a possibilidade de moldar o processo educacional e
dependendo do resultado das discussões, criar possibilidades para tomar direções diferentes de
acordo com os seus interesses.
O tema “transporte escolar”, em nenhum momento, foi sugerido ou imposto pelo
professor. Ele surgiu naturalmente durante a construção dos murais virtuais pelos alunos, mas
o que impulsionou o surgimento desse assunto foi a pergunta que abriu um espaço em que o
estudante pudesse trazer para a discussão um problema que ele estava passando. Observando o
mural virtual produzido pelos alunos durante a pesquisa, no segundo encontro (Figura 21),
podemos identificar evidências do argumento pedagógico da democratização. Analisando a
atividade proposta, “Relacione os principais problemas ou dificuldades encontradas em seus
bairros ou sua cidade”, foi uma questão aberta, com várias possibilidades de encaminhamento,
que permitiu a inclusão das experiências e do interesse dos alunos. De acordo com Skovsmose
75
(2013, p.47), quando “a intenção é colocar as crianças, seus interesses, seus trabalhos e suas
experimentações no centro da prática educacional”, estamos obtendo implicações educacionais
com base no argumento pedagógico da democratização, conhecido como tese da familiaridade.
A proposta dessa atividade incentivou que os estudantes olhassem para os problemas de
sua comunidade, de seu bairro, para os seus problemas e de seu interesse. Nesse cenário de
investigação (SKOVSMOSE, 2000), as possibilidades de encaminhamentos eram
imprevisíveis, mas importantes, pois permitia a inclusão das experiências e do interesse dos
alunos em resolver seus problemas. Destacou-se entre outras colocações, o tema “transporte
escolar”, como mostram a seguir, as falas dos grupos na construção do quadro mural virtual
(Figura 21): “FALTA DE TRANSPORTE em alguns lugares”, Grupo 2; “Faltam algumas coisas
no interior, como transporte para as escolas do centro”, Grupo 3; “A ausência de transporte
em algumas regiões da cidade dificulta o deslocamento dos estudantes”, Grupo 4; “Falta de
transporte em certos locais”, Grupo 5.
Também percebemos evidências do argumento pedagógico da democratização na
questão que trouxe à tona as preocupações em resolver o problema do “transporte escolar”,
demonstradas pelas falas dos estudantes na construção do quadro mural virtual da Figura 22. O
Grupo 1, fala em “Mais investimentos na educação ...”, o Grupo 2 fala que “Colocaria
transporte público em toda a cidade, pois é direito de todos”, o Grupo 3 traz somente
“transporte público”, o Grupo 4 fala em “Implantação de uma rodoviária e transporte público
em toda a cidade” e o Grupo 5 sugeriu “1 ônibus para o interior do município”. Essas falas
surgiram a partir do seguinte questionamento (Figura 22): “Se vocês fossem prefeitos da cidade,
o que vocês fariam para melhorar o lugar onde vivem? Quais as prioridades?”. Novamente, a
atividade proporcionou a oportunidade do aluno resolver o seu problema, o que é mais
importante em seu ponto de vista, as suas prioridades e as suas experiências. Consideramos
importante para o processo de democratização no Ensino, trazer essas situações abertas, que
permitem aos alunos indicarem o rumo a ser seguido e que coloquem os estudantes no lugar das
pessoas responsáveis pela tomada de decisão sobre o lugar onde vivem.
O fato dos alunos terem a oportunidade de trazerem para a discussão, com seus colegas
e professor, problemas relacionados a sua vida, ao seu cotidiano, as suas experiências,
moldarem o processo educacional, buscarem compreender as causas desse problema para
propor possíveis soluções, são evidências do argumento pedagógico da democratização.
Encontramos essas evidências quando as atividades propostas levam a assuntos abertos, do
interesse do aluno e que tenha relação com o lugar onde ele vive. Questionamentos do tipo
76
“...pontos positivos do bairro ou da cidade em que você vive” (Figura 26), “...dificuldades
encontradas em seus bairros ou sua cidade” (Figura 22) ou “...o que vocês fariam para
melhorar o lugar onde vivem?” (Figura 21), são fundamentais para relacionar as experiências
dos alunos com os possíveis assuntos a serem abordados em sala de aula. A discussão dos
assuntos trazidos pelos estudantes, relacionados com a comunidade em que ele está inserido,
propicia a oportunidade de refletir sobre os mecanismos de funcionamento da sociedade,
assunto que iremos aprofundar na próxima seção.
4.1.2.2- Argumento social da democratização
A discussão em torno do assunto “transporte escolar” foi muito além do simples
entendimento dos problemas relacionados a prestação desse serviço pela administração
municipal. Surgiram várias situações relatadas pelos estudantes que não estavam utilizando o
transporte escolar por não ter transporte no turno em que estudavam, alguns alunos não
aceitaram trocar de escola ou turno, pois entendiam que uma escola é melhor que a outra, outros
moravam na cidade vizinha mas não entendiam o porquê do transporte não passar em sua rua.
Entendemos ser importante para a aprendizagem, que os estudantes conheçam os
mecanismos de funcionamento da sociedade, que é preciso seguir leis e que tudo faz parte de
um contexto maior. Compreender que os processos estão interligados, os recursos são escassos,
é preciso reduzir gastos, escolher prioridades, entender que os recursos gastos a mais em um
setor vão faltar em outra área, perceber que a matemática têm a função de “formatar a
sociedade” (Skovsmose 2013). O jovem precisa compreender a organização da sociedade,
como ela funciona para que ela possa ser melhorada. Precisa se sentir parte dela, compreender
suas dificuldades, suas virtudes e potencialidades para poder participar nas tomadas de
decisões (econômicas, políticas, etc.) que possam desenvolvê-la. De acordo com Skovsmose,
(2013):
Para tornar possível o exercício dos direitos e deveres democráticos, é necessário
estarmos aptos a entender os princípios-chave nos “mecanismos” do desenvolvimento
da sociedade, embora eles possam estar “escondidos” e serem difíceis de identificar.
Em particular, devemos ser capazes de entender as funções de aplicações da
matemática. ( p. 40)
Com a finalidade de contribuir para tornar possível o exercício dos direitos e deveres
democráticos e estarem aptos a entender os princípios-chave nos mecanismos de
desenvolvimento da sociedade, oportunizamos aos estudantes uma série de atividades que
disponibilizavam informações sobre receitas e gastos municipais. Acreditamos ser importante
os alunos conhecerem os sites oficiais de busca de informações sobre qualquer município,
77
manipular empenhos, planilhas e relatórios para verificar exemplos de despesas diárias e
demais informações que o gestor municipal possui. Convidamos o estudante a imergir no dia
a dia da administração municipal para que ele possa entender como funcionam as coisas mais
simples (como por exemplo, os recursos financeiros provenientes dos impostos, despesas de
manutenção, pagamento de combustíveis, etc), também coisas mais complexas, que exigem
cálculos de especialistas sobre o assunto (como por exemplo o cálculo atuarial do fundo de
aposentadoria dos servidores). Enfim, assuntos do cotidiano das pessoas, como o “transporte
escolar”.
Esses exemplos, representam situações que facilitam a compreensão de alguns dos
princípios-chave nos mecanismos de desenvolvimento da sociedade pois interferem
diretamente na disponibilidade financeira do município e consequentemente nas tomadas de
decisões na escolha de prioridades. Esses materiais de ensino-aprendizagem que tentam estar
de acordo com o argumento social democrático são chamados de “libertadores”
(SKOVSMOSE, 2013).
As tecnologias de informação e comunicação tem uma função importante na superação
dos obstáculos geográficos (BORBA, PENTEADO, 2001) para buscar informações
importantes sobre as receitas e gastos do município, sem sair da escola. O estudante pode
buscar informações para conhecer como são gerados e como são gastos os recursos financeiros
que mantém os serviços públicos prestados para a comunidade, se apropriando dessas
informações que podem contribuir na compreensão dos mecanismos de funcionamento da
sociedade. Mesmo sendo difícil de identificar, a matemática tem implicações importantes
nesse contexto. Conforme Skovsmose, (2013):
É impossível imaginar o desenvolvimento de uma sociedade do tipo que conhecemos
sem que a tecnologia tenha um papel destacado, e com a matemática tendo um papel
dominante na formação da tecnologia. Dessa forma, a matemática tem implicações
importantes para o desenvolvimento e a organização da sociedade – embora essas
implicações sejam difíceis de identificar. ( p. 40)
Durante a realização da pesquisa, uma das atividades propostas era a utilização de
recursos tecnológicos para verificar as receitas e despesas da administração pública, foi
sugerido o site do portal da transparência9, onde é possível realizar buscas sobre receitas e gastos
de qualquer município do Rio Grande do Sul. Com a utilização dos notebooks disponibilizados,
os alunos entraram no portal da transparência, buscaram informações sobre as despesas
realizadas em várias áreas importantes do município de Salvador do Sul e compararam com
outros municípios vizinhos de seu interesse, como podemos ver na Figura 27:
9 Disponível em: http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/
78
Figura 27 - Tabela construída pelo Grupo 3, em sala de aula.
Município Educação Saúde Obras Agricultura Outros
Salvador do Sul 32,5% 24,0% 12,2% 5,1% 26,2%
São Pedro da Serra 31,5% 21,4% 16,1% 11,03% 19,8%
Barão 28,1% 19,5% 18,6% 4,0% 29,5%
Carlos Barbosa 27,8% 23,5% 2,9% 11,1% 34,4%
Garibaldi 24,3% 20,6% 8,1% 2,2% 44,8% Caxias do Sul 32,7% 33,9% 5,7% 0,6% 26,8%
Montenegro 30,3% 19,5% 2,1% 0,9% 47,0% Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Um dos principais objetivos dessa atividade foi desenvolver no estudante a capacidade
de buscar e se apropriar das informações sobre os gastos públicos municipais. Verificar que os
recursos financeiros são limitados e que os gastos a mais em uma área terão que ser reduzidos
em outra. Mesmo sendo difícil de identificar, acreditamos que essas comparações entre os
gastos realizados em cada área, podem contribuir para o entendimento dos princípios-chaves
dos “mecanismos” de desenvolvimento da sociedade, evidenciando dessa forma o argumento
social da democratização. Analisando a tabela da Figura 27, construída pelos alunos, podemos
perceber que o município de Salvador do Sul, gasta aproximadamente 32,5% em Educação,
24,0% em Saúde, 12,2% em Obras, 5,1% em Agricultura e 26,2% em outras atividades. Com a
realização dessa tarefa, o estudante pode perceber que para aumentar os gastos em uma
determinada área, é preciso reduzir em outra, ou seja, é preciso fazer escolhas, definir
prioridades para a tomada de decisão. Acreditamos que essas reflexões podem contribuir para
o desenvolvimento do exercício dos direitos e deveres democráticos nas escolas.
A implantação do zoneamento e os reflexos causados por ele, entraram nessa discussão
e foram debatido entre os estudantes e entre professor e estudantes. Em um desses momentos,
o professor foi questionado pela aluna Ca “Mas teria como botar uma linha de transporte lá
para cima” para resolver um desses problemas, o professor pesquisador, aqui respondendo na
figura de prefeito, teve a oportunidade de justificar a implantação do zoneamento para reduzir
os custos, como mostra a transcrição do diálogo ocorrido durante o quarto encontro, Vídeo 1:
(0:08:23) Fala da aluna Ca: “Mas teria como botar uma linha de transporte lá pra
cima.” (0:08:28) Fala do Pe.: “Tem, mas tem que pagar, tem que contratar uma empresa, é
um custo a mais, então a ideia nossa é justamente fazer o zoneamento e diminuir o
custo. Por exemplo, de tarde vai pro ensino médio então ele faz tudo, então quem
puder, de repente quem estuda de tarde aqui, pode ir junto com o transporte do ensino
médio, não tem problema nenhum.
Consideramos esse momento importante para o fortalecimento da democracia e de
acordo com o argumento social da democratização, pois os estudantes estão corretamente
interessados em resolver o seu problema com o “transporte escolar” e o professor (gestor) entra
79
com o contraponto, alegando um custo a mais para contratar uma empresa, justificando em sua
fala “Tem, mas tem que pagar, tem que contratar uma empresa, é um custo a mais, então, a
ideia nossa é justamente fazer o zoneamento e diminuir o custo” os motivos que levaram a
tomada de decisão de implantar o zoneamento na cidade.
A intenção dos alunos em resolver a situação do transporte escolar está de acordo com
uma das declarações do argumento social da democratização que afirma que a matemática tem
um campo extenso de aplicações (SKOVSMOSE, 2013). Investigar, em sala de aula, situações
vinculadas ao seu cotidiano e de sua comunidade, reconhecer a existência de um problema real,
no sentido de ser significativo para os estudantes e sua comunidade, podem contribuir para a
aprendizagem na aula de Matemática. Segundo Meyer, Caldeira e Malheiros (2013):
Já ouvimos (e também repetimos) o seguinte: “temos que devolver o cotidiano do
aluno quando ele entra na sala de aula”. Mas quem nos deu o direito de tirar o cotidiano
dos alunos para depois devolver isso a ele? Não é que nós não possamos devolver, é
muito mais: nunca conseguiremos tirar-lhes esse cotidiano; quando eles vêm para a
escola, o cotidiano deles vem junto com eles, ou seja, o que eles são, foram, gostam
ou não, de que eles têm medo, tudo está ali na hora de se dar o aprendizado, junto com
eles na aula de Matemática. (p.26)
Nesse contexto, o tema “transporte escolar” pode ser considerado um material
“libertador” pois além de tratar sobre uma atividade importante para o estudante e para a
sociedade também instigou um entendimento dos processos de tomada de decisão,
evidenciando assim, o argumento social democrático.
4.1.2.3- Conhecimento reflexivo e Educação Matemática Crítica
Durante a realização da pesquisa, muitas vezes utilizamos de recursos tecnológicos
disponíveis para a obtenção de informações sobre receitas e despesas da administração
municipal. No entanto, não basta só ter as informações e saber usar as tecnologias de
comunicação e informação, é preciso integrar o conhecimento tecnológico e Matemático com
o conhecimento reflexivo. O conhecimento tecnológico, em si, é incapaz de predizer e analisar
os resultados de sua própria produção; reflexões são necessárias (SKOVSMOSE, 2013).
Mesmo que a tecnologia tendo grande participação na busca de informações para a
tomada de decisões e que tenha um papel crucial na formação da sociedade, temos de fazer
uma distinção entre conhecimento tecnológico e conhecimento reflexivo. Segundo Skovsmose
(2013),
[...] a competência democrática está, em grande medida, baseada no conhecimento
reflexivo. Isso quer dizer que, embora a tecnologia tenha um papel crucial na formação
da sociedade, não é o conhecimento tecnológico como tal que constitui a competência
democrática. Portanto, os problemas principais são: como estão o conhecimento
tecnológico e reflexivo inter-relacionados, embora sejam diferentes? E como é
possível desenvolver um conhecimento reflexivo? ( p.59)
80
De acordo com as ideias do autor, grande medida da competência democrática está
baseada no conhecimento reflexivo. Concordamos com essa ideia, e queremos fortalecer a
competência democrática em nossa sociedade, precisamos inter-relacionar o conhecimento
tecnológico, matemático com o conhecimento reflexivo no cotidiano escolar, introduzindo
novos aspectos no processo educacional. Conforme afirma Skovsmose (2013, p.63), “Novos
aspectos do processo educacional têm de ser desenvolvidos (por causa da natureza dialógica
dos processos que estão por trás do conhecimento reflexivo)”.
Levando em consideração essa natureza dialógica do conhecimento reflexivo e as
ideias centrais do argumento social e pedagógico da democratização, que afirmam ser essencial
colocar no centro da prática educacional a familiaridade e a utilidade para a criança,
entendemos ser possível trilhar um caminho em direção a práticas reflexivas na educação
matemática de nossas escolas. Acreditamos ser possível abordar assuntos que tenham
utilidade, sejam interessantes, aproveitam as experiências e ao mesmo tempo oportunizem um
diálogo entre os estudantes e também entre estudantes e professor. Os alunos devem ser
ouvidos pois eles tem muito a dizer sobre suas vivências, traduzem as expectativas de seus pais
e no fundo refletem as expectativas de toda uma geração. Embora haja dificuldade do aluno
em se expressar com relação a essa expectativa (D’AMBROSIO, 1996).
Qualquer diálogo para ocorrer necessita de um assunto, um objeto e nesse momento
chegamos ao ponto chave do conhecimento reflexivo: o objeto ou o conteúdo do diálogo. Não
basta somente ocorrer um diálogo, é preciso que ele proporcione troca de informações,
opiniões, experiências, e que o assunto abordado tenha utilidade, faça sentido na vida do
estudante, pois “o conhecimento reflexivo não é criado automaticamente em um diálogo
aberto. Não pode haver conhecimento reflexivo sem um objeto” (SKOVSMOSE, 2013, p.63).
Encontramos evidências desse ponto chave do conhecimento reflexivo quando
observamos, durante a realização da pesquisa, que em vários momentos o conteúdo do diálogo
ou o objeto da discussão era sobre o “transporte escolar”. Esse objeto do diálogo surgiu pela
primeira vez, no segundo encontro com os estudantes, na construção do mural virtual da Figura
21, quando o grupo 2 apresenta “FALTA DE TRANSPORTE em alguns lugares”, assim como
o grupo 3 “Faltam algumas coisas no interior, como transporte para as escolas do centro”, o
grupo 4 “A ausência de transporte em algumas regiões da cidade dificulta o deslocamento dos
estudantes” e o grupo 5 “Falta de transporte em certos locais”. O tema “transporte escolar”
continuou em evidência na construção de outro quadro mural virtual, como mostra a Figura
22. O Grupo 2, retoma o tema quando fala “Colocaria transporte público em toda a cidade,
81
pois é direito de todos”, o Grupo 3 traz “transporte público”, o Grupo 4 fala em “Implantação
de uma rodoviária e transporte público em toda a cidade” e o Grupo 5 abordou da seguinte
forma “1 ônibus para o interior do município”.
Em outro momento, no quarto encontro, durante o diálogo entre estudantes e professor,
o objeto do diálogo “transporte escolar” apareceu em várias falas dos alunos, como nas falas
da aluna Ca; “Um transporte escolar, mais um transporte escolar, porque não tem”,
“Transporte escolar nós não temos, em função do zoneamento, sabe mas, sei lá”, “Tá e sobre
o transporte ainda, de redução de custo, no nosso caso pelo menos não sei onde é que teria
[...]”, “Mas teria como mudar isso, botar tipo um ônibus para esses que não tem ou mudar a
linha deles?”, “Porque eu acho que é direito de todos os estudantes ter transporte para vim
para a escola né”, “Eu sou do interior e não tenho transporte”, “Mas teria como botar uma
linha de transporte lá para cima?”, “Tu tem alguma coisa para comparar o que foi gasto no
transporte no ano passado e esse ano com a redução de gastos?”. Nas falas do aluno Th; “é
eu também não tenho”, “Tipo eu sou de São Pedro e também tinha ônibus quando eu vinha
para cá, agora não tem mais”, “[...] passa um ônibus do lado da gente e vai lá trás, mas ele
não passa por dentro de São Pedro para não ter que levar ninguém, ele passa por fora, deve
ter o que? Três pessoas”, “Mano, ele passa do lado da gente”, “2016, tipo quando eu vim
para cá todo mundo tinha transporte e começaram a cortar no começo do ano passado e aí
foi cortando”. Nas falas da aluna Na; “Eu também não venho de ônibus, porque o ônibus que
passa lá só pega criança da Selma”, “Ele, lá cruza mais de um ônibus para levar criança na
Selma, mas eles não podem pegar nenhuma criança de outra escola, de manhã, de tarde sim”,
“É verdade, ele disse que não pode parar”, “Então ele vem até onde, lá atrás”, “Sim mas a
gente que está no nono ano se o transporte vai do mesmo para lá [...]”. Nas falas da aluna Cr;
“É tipo ele passa na frente da casa delas mas ele não para, ele não pode pegar elas”, “É
também tipo, os ônibus passam na frente, tipo para pegar eles só não param, então, ia ser a
mesma coisa, só que eles iriam parar e trazer as crianças”, “É eu acho que poderia ter pelo
menos um”, “É tipo, se vai para cada bairro por causa de três crianças também não é justo
então”, “Se ele vai de tarde e noite ele vai tipo para lá”. Na fala da aluna Fe; “No Ensino
Médio o ônibus está cheio porque todo mundo do interior vai nesse”. Na fala do aluno Vi: “É
que tu tem que fazer técnico, aí tu ganha transporte”. Na fala da aluna Fa; “[...] o ônibus ia
buscar ela lá em Barão para ela vir para cá no Ensino Médio”. Na fala da aluna Ra; “Espera
aí, mas no Ensino Médio o ônibus não vai para lá, fica aqui e em São Pedro também?”. E
também nas falas do Pe; “Transporte escolar?”, “Mas é que esse ônibus ele não vêm até aqui
82
de manhã”, “Mas é ônibus de Salvador né?”, “[...] um município não pode entrar no outro
para pegar transporte escolar, então, tem várias questões assim, outro detalhe que de repente
vocês nem sabem, transporte escolar ele é só para o pessoal do interior”, “Sim. Pessoal da
área urbana não tem direito a transporte escolar [...]”, “Que nem essa questão do transporte
escolar a gente vai discutir então com a Secretaria de Educação [...]”. Em todas essas falas,
e em momentos distintos, o objeto do diálogo foi o “transporte escolar” evidenciando assim o
conhecimento reflexivo.
Podemos também destacar a maneira espontânea que esse assunto surgiu e a quantidade
de encaminhamentos conduzidos pelos estudantes, evidenciando também que esse objeto de
diálogo é um bom exemplo de material aberto e “libertador”. A escolha do objeto do diálogo
é fundamental para que tenhamos o máximo possível de experiência educacional, como afirma
Skovsmose (2013):
Temos de trazer, para dentro de uma teoria educacional, uma teoria epistemológica
que integre uma análise da maneira dialógica de produção do conhecimento com uma
análise da complexidade do objeto do conhecimento reflexivo. E, em paralelo,
materiais abertos e “libertadores” de ensino-aprendizagem têm de ser desenvolvidos,
para que tenhamos o máximo possível de experiência educacional guiando o
desenvolvimento da teoria. (p. 63)
Encontramos evidências da integração entre a maneira dialógica de produção do
conhecimento e a complexidade do objeto do conhecimento reflexivo em vários diálogos
ocorridos durante o desenvolvimento de nossa pesquisa. Identificamos no assunto “transporte
escolar” ideias centrais do argumento social e pedagógico da democratização e ao mesmo
tempo oportunizou um diálogo entre estudantes e também entre estudantes e professor, como
mostra a transcrição de um desses diálogos ocorrido no quarto encontro, vídeo 1:
(0:02:24) Fala da aluna Ca: “Um transporte escolar, mais um transporte escolar né,
porque não tem.” (0:02:31) Fala do Pe: “Um transporte escolar?” (0:02:32) Fala da aluna Ca: “La em cima nós não temos, em função do zoneamento
sabe, mas sei lá.” (0:02:34) Fala do aluno Th: “é eu também não tenho” (0:02:37) Fala do aluno Br: “Tu é São Pedro cara.” (0:02:38) Fala do aluno Th: “Tinha” (0:02:38) Fala do Pe: “No caso especifico teu ou de mais alguns aqui?” (0:02:40) Fala da aluna Na: “Eu também não venho de ônibus, porque o ônibus que
passa lá só pega criança da Selma.” (0:02:43) Fala da aluna Ca: “E lá em casa tipo, o ônibus que passava no início do ano
lá e voltava sem ninguém.” (0:02:49) Fala da aluna Na: “Ele não pode levar nenhuma criança de outra escola, tipo
São Salvador e Santo Inácio, só da Selma” (0:02:54) Fala do Pe: “Ele vai pra lá no caso” (0:02:56) Fala da aluna Cr: “É tipo ele passa na frente da casa delas mas ele não para,
ele não pode pegar elas.”
83
(0:03:01) Fala da aluna Na: “Ele, lá cruza mais de um ônibus para levar criança na
Selma, mas eles não podem pegar nenhuma criança de outra escola, de manhã, de
tarde sim.”
Nesse diálogo entre estudantes e entre professor e estudantes, podemos perceber
evidências do conhecimento reflexivo em algumas das falas. Observamos que a aluna Ca
quando ela fala “Um transporte escolar, mais um transporte escolar né, porque não tem.” e
também na fala “Lá em cima nós não temos, em função do zoneamento sabe, mas sei lá.” ela
expressa a necessidade de falar sobre esse tema, pois o fato de não ter transporte escolar, está
incomodando ela no momento. Quando ela usa as expressões “porque não tem” e “mas sei
lá”, em outras palavras, ela está questionando e refletindo sobre a falta de transporte escolar
para alguns estudantes da cidade.
Esse questionamento também provocou a colaboração de outros alunos que também
estavam passando por essa situação e impulsionou novas reflexões. Percebemos na
manifestação do aluno Th, “é eu também não tenho” que estava passando pelo mesmo
problema. Nesse instante podemos encontrar outra evidência do conhecimento reflexivo, pois
o colega Br falou “Tu é São Pedro cara.”, deixando a entender que como o colega é de outro
município, não teria direito de exigir transporte escolar desse município. Esse é mais um
exemplo de quanto sentido há nesse diálogo.
A contribuição do professor na fala “No caso especifico teu ou de mais alguns aqui?”
também foi importante para incentivar a participação de outros alunos que estavam passando
pela mesma situação ou conheciam alguém. Outros colegas também participaram desse diálogo,
como a aluna Na, na fala “Eu também não venho de ônibus, porque o ônibus que passa lá só
pega criança da Selma”, e continua “Ele não pode levar nenhuma criança de outra escola, tipo
São Salvador e Santo Inácio, só da Selma”. Nessas falas, a aluna Na tenta explicar que o ônibus
que passa em frente da sua casa não transporta alunos para a escola dela. De forma análoga, a
colega Cr também tenta explicar quando fala “É tipo ele passa na frente da casa delas mas ele
não para, ele não pode pegar elas”. A aluna Na continua falando “Ele, lá cruzam mais de um
ônibus para levar criança na Selma, mas eles não podem pegar nenhuma criança de outra
escola, de manhã, de tarde sim”. Esses diálogos entre os estudantes e entre estudantes e
professor sobre o transporte escolar, a implantação do zoneamento que provocou situações onde
o ônibus passa em frente da casa de estudantes mas não permite o embarque destes, são
evidências do conhecimento reflexivo.
Além de haver indícios do desenvolvimento do conhecimento reflexivo, a discussão
sobre assuntos que têm relação com a vida e os interesses dos alunos, também há indícios de
84
desenvolvimento de um censo crítico no processo educacional, pois, facilita a participação no
diálogo com seus colegas e com o professor, conduzindo dessa forma a aprendizagem e
tornando o aluno proativo no processo. Segundo Skovsmose (2008), “uma educação crítica
não pode ser estruturada em torno de palestras proferidas pelo professor. Ela deve se basear
em diálogos e discussões, o que talvez seja uma forma de fazer com que a aprendizagem seja
conduzida pelos interesses dos alunos.”
Percebemos indícios de Educação Matemática Crítica em outros diálogos, entre
professor e alunos, conduzidos pelos interesses dos alunos. Por exemplo, a aluna Fe em sua fala
“[...]pessoas que já estavam nessa escola tem que trocar de escola pra depois voltar. Tipo eu,
eu ia ter que estudar um ano na Selma Wallauer para depois voltar para cá e ia dar no mesmo,
um ano vocês podiam dar transporte” tenta convencer o professor que o município poderia ter
mantido o transporte até ela concluir o Ensino Fundamental. O professor limita-se em dar a sua
contribuição no sentido de mostrar o outro lado da história, fala que independentemente quando
for realizado o ajuste, alguém vai ser atingido, como observamos na fala “Mas aí ano que vem
vai ser a mesma história vai ter um outro aluno que vai estar no nono ano, que vai acontecer a
mesma coisa então em algum momento tu vai ter que fazer o corte senão tu não vai conseguir
ajustar nunca, sempre vai ter um outro caso que acontece isso né, que o aluno está estudando
aqui mas mora em outro bairro e em algum momento tem que cortar”, a colega Cr também
comenta “Mas não é tipo só troca de escola e se adapta é que também tem tipo a Ca que ia
gastar um monte agora o pai dela tem que vir de carro pra salvador, gastar gasolina e coisa,
então aumenta os gastos”.
Essa participação de forma igualitária no diálogo entre professor e aluno, embora que
possam ser falhas suas experiências, de acordo com Skovsmose (2013), representa um dos
pontos chaves da Educação Crítica. Esse diálogo com o professor, permite-lhes identificar
assuntos relevantes para o processo educacional além de utilizar capacidades já existentes, que
são as vivências dos alunos, sem precisar impor essa competência. Os alunos podem participar
do processo juntamente com o professor, contribuindo com suas experiências, possibilitando
a troca de informações e podendo avançar para novos conhecimentos com base nas
capacidades já existentes.
Percebemos que as falas dos alunos demonstram certa indignação por não poderem
pegar os ônibus que passam na frente de suas casas e por isso não usam transporte escolar. A
reflexão sobre o porquê dessa situação, a tomada de decisão, a obrigatoriedade de estudar na
escola mais próxima, a necessidade do município em reduzir gastos por meio do zoneamento e
85
a troca de experiências entre estudantes e estudantes e professor, são evidências da Educação
Matemática Crítica. Essa Educação pode contribuir para desenvolver no estudante a capacidade
de interpretar e compreender o contexto social em que está inserido. A Matemática está presente
em nosso dia-a-dia e possui um papel formatador da sociedade. De acordo com Skovsmose
(2008),
[...] muitas coisas podem ser realizadas quando a matemática está em jogo. Tais ações
constituem as inovações tecnológicas, os procedimentos econômicos, os processos de
automação, o gerenciamento, a tomada de decisão, e fazem parte do dia-a-dia. A
matemática em ação faz parte de nossos mundos-vida, podendo servir aos propósitos
mais variados. Ela não é, por natureza, boa ou má. Ações baseadas em matemática
devem ser analisadas criticamente, levando-se em conta sua diversidade. (p.12)
A implantação do zoneamento no transporte escolar é um exemplo da matemática em
ação e que faz parte de nossos mundos-vidas. Com a necessidade de reduzir custos para
conseguir manter em dia o pagamento das despesas e, talvez, realizar novos investimentos para
melhoria da qualidade de vida dos cidadãos salvadorenses, o atual prefeito decidiu implantar
o zoneamento no transporte escolar. Os estudantes foram impactados com uma mudança em
seus mundos-vidas, que teve origem na crise financeira do município mas foi a matemática em
ação responsável pela tomada de decisão da administração municipal.
Buscamos desenvolver durante a pesquisa, a capacidade dos estudantes refletirem sobre
os principais problemas do lugar onde vivem, tentarem compreender o contexto em que está
inserido e avaliar criticamente possíveis soluções desse problema. Aproveitar as vivências dos
alunos para identificar os principais problemas sociais, fazer uso das informações disponíveis
para compreender a situação atual e projetar alternativas que possam reagir e melhorar a sua
vida, são aspectos fundamentais para uma Educação Matemática Crítica. Segundo Skovsmose
(2013),
[...] para que a educação, tanto como prática quanto como pesquisa, seja crítica, ela
deve discutir condições básicas para a obtenção do conhecimento, deve estar a par
dos problemas sociais, das desigualdades, da supressão etc., e deve tentar fazer da
educação uma força social progressivamente ativa. Uma educação crítica não pode
ser um simples prolongamento da relação social existente. Não pode ser um acessório
das desigualdades que prevalecem na sociedade. Para ser crítica, a educação deve
reagir às contradições sociais. (p.101)
Para que uma educação possa reagir às contradições sociais é importante que o objeto
seja de interesse do aluno, que ele possa trazer para a discussão assuntos relacionados ao seu
cotidiano, tentar resolver problemas que atingem a sua comunidade e que ele possa participar
das discussões para encontrar possíveis soluções. Durante a realização da pesquisa, percebemos
nas falas da aluna Ca, “Só que com essa função do transporte, a Selma tá cheia e não tem mais
nem como entrar gente lá, para o nono ano por exemplo, como não têm transporte para todos,
acabaram indo para lá e está cheio”, na fala da aluna Na, “Ele, lá cruza mais de um ônibus
86
para levar criança na Selma, mas eles não podem pegar nenhuma criança de outra escola, de
manhã, de tarde sim” e também na fala da aluna Fe “Sim mas a gente que está no nono ano, se
o transporte vai do mesmo para lá, vindo para cá pessoas que já estavam nessa escola tem que
trocar de escola pra depois voltar. Tipo eu, eu ia ter que estudar um ano na Selma Wallauer
pra depois voltar pra cá e ia dar no mesmo, um ano vocês podiam dar transporte” que elas
estão falando sobre um problema social seu e de seus colegas, que é o transporte escolar,
evidenciando assim características da Educação Matemática Crítica.
Em outra fala da aluna Ca “Tá e sobre transporte ainda, de redução de custo no nosso
caso, pelo menos, eu não sei onde é que teria, porque, pela questão do zoneamento, eu e meu
irmão teríamos que estudar na Selma. Meu irmão ia estudar de manhã, ia dar duas viagens
pra ele, pra lá ida e volta pra ele, e pra mim ia ser mais duas de tarde, seriam quatro viagens,
e os dois estudando aqui, porque o meu irmão estuda na Santo Inácio aqui do lado, seriam
duas viagens de manhã porque os dois estudam no mesmo turno, então redução de custo não
ia ter, se os dois estudassem em turnos diferentes”, evidenciamos outro ponto chave da
Educação Matemática Crítica que é a relevância para o estudante (pois envolve a sua vida e de
seu familiar) e a relação próxima de seu problema com problemas sociais existentes. De acordo
com Skovsmose (2013),
O essencial é que o processo educacional está relacionado a problemas existentes fora
do universo educacional. Além disso, vários critérios podem ser usados para selecionar
esses problemas. Os dois critérios fundamentais são os seguintes. O subjetivo; o
problema deve ser concebido como relevante na perspectiva dos estudantes, deve ser
possível enquadrar e definir o problema em termos próximos das experiências e do
quadro teórico dos estudantes. E o objetivo; o problema deve ter uma relação próxima
com problemas sociais objetivamente existentes. (p. 19 e 20)
Encontramos evidências da subjetividade do problema “transporte escolar” quando a
aluna Ca fala “eu e meu irmão teríamos que estudar na Selma. Meu irmão ia estudar de manhã,
ia dar duas viagens pra ele, pra lá ida e volta pra ele, e pra mim ia ser mais duas de tarde,
seriam quatro viagens, e os dois estudando aqui, porque o meu irmão estuda na Santo Inácio
aqui do lado, seriam duas viagens de manhã porque os dois estudam no mesmo turno, então
redução de custo não ia ter, se os dois estudassem em turnos diferentes”. Nessa fala a estudante
envolve a sua vida e de seu irmão, evidenciando a relevância para a aluna. Também é possível
enquadrar o problema em termos próximos das experiências da aluna pois ela conseguiu até
projetar o número de viagens que seriam feitas se os dois estudassem em outra escola. No
critério objetividade, podemos evidenciar o fato do problema da aluna ter uma relação próxima
com os problemas sociais existentes demonstrados nas falas dos grupos da Figura 1.
87
Acreditamos que se um estudante se depara com situações problemas sociais
relacionados com sua comunidade, seus familiares e sua vida, isso faz com que sejam seus
problemas e que a tomada de decisão pode mudar (para melhor ou pior) essa realidade. Dessa
forma, aumenta a responsabilidade sobre o aluno, exigindo um aprofundamento na
compreensão do problema, buscando mais informações, opiniões e subsídios para evitar o
máximo possível o erro. O problema não é fictício, não é uma “realidade de faz de conta” sem
nenhum significado. As possíveis soluções encontradas ou as tomadas de decisão poderão
impactar na sua vida e de sua comunidade. Segundo Skovmose (2013), “é importante que os
estudantes possam reconhecer os problemas como “seus próprios problemas”, de acordo com
ambos os critérios subjetivo e objetivo.”
O problema a ser resolvido deixa de ser só uma questão matemática, com respostas
exatas, certas ou erradas, sem consequências futuras. Nesse caso, a tomada de decisão poderá
trazer consequências positivas ou negativas. Por isso é importante interpretar e compreender
o problema, refletir sobre as possíveis alternativas e com o auxílio da matemática encontrar a
melhor solução.
4.1.2.4- Materacia
Desenvolver no estudante a capacidade de saber interpretar, compreender e agir em
situações sociais e políticas estruturadas pela matemática favorece o fortalecimento da
democracia nas escolas. Essa capacidade de interpretar e agir numa situação social e política
estruturada pela matemática é conhecido na literatura por Materacia. Conforme Skovsmose
(2008),
Materacia não se refere apenas a habilidades matemáticas, mas também à competência
de interpretar e agir numa situação social e política estruturada pela matemática. A
educação matemática crítica inclui o interesse pelo desenvolvimento da educação
matemática como suporte da democracia, implicando que as microssociedades de salas
de aulas de matemática devem também mostrar aspectos de democracia. (p.16)
Para a construção da Materacia é preciso que o estudante saiba buscar, selecionar e
refletir sobre informações relacionadas ao mundo em que está inserido. Interpretar a situação
social e política estruturada pela matemática, refletir sobre o que está acontecendo ao seu redor
e agir, tomar a melhor decisão para participar na construção de uma sociedade melhor.
Os problemas sociais que aparecem em nossas vidas nem sempre podem ser previstos
ou planejados previamente, mas podemos ser capazes de interpretá-los e buscar as melhores
alternativas para solucioná-los. Para tanto, é preciso que os estudantes possam aprender a
formular e a resolver uma situação e com base nela, fazer uma leitura crítica da realidade
(MEYER, CALDEIRA E MALHEIROS, 2013), dessa forma, a proposta de ensino de
88
matemática não pode ser pré-determinada ou ter uma sequência de conteúdos definida. É
preciso estar aberta para adaptar o conteúdo com a necessidade exigida pela situação problema
trazido pelo aluno, segundo Barbosa (2001),
[...] trata-se de uma oportunidade para os alunos indagarem situações por meio da
matemática sem procedimentos fixados previamente e com possibilidades diversas de
encaminhamento. Os conceitos e ideias matemáticas exploradas dependem do
encaminhamento que só se sabe à medida que os alunos desenvolvem a atividade
(p.5).
Durante a realização da pesquisa, as ideias matemáticas foram encaminhadas à medida
que os alunos desenvolviam a atividade. Encontramos evidências de Materacia nos diálogos
entre os estudantes e entre professor e estudantes. Na fala da aluna Ca “Tu tem alguma coisa
pra comparar o que foi gasto no transporte no ano passado e esse ano com a redução de
gastos”, podemos perceber que a aluna conseguiu relacionar a implantação do zoneamento
com a redução de gastos, ao mesmo tempo, teve a ideia de solicitar informações se realmente
houve redução de custos comparando com o ano anterior. A habilidade de interpretar a
estrutura matemática criada em torno do assunto “transporte escolar” e a participação da aluna
na discussão, cobrando informações são evidências da Materacia.
Em outros momentos da discussão, encontramos algumas falas de alunas refletindo
sobre as consequências da implantação do zoneamento. Nas falas da aluna Fe “Sim mas a
gente que está no nono ano, se o transporte vai do mesmo para lá, vindo para cá pessoas que
já estavam nessa escola tem que trocar de escola pra depois voltar. Tipo eu, eu ia ter que
estudar um ano na escola Selma Wallauer para depois voltar pra cá e ia dar no mesmo, um
ano vocês podiam dar transporte”, nas falas da aluna Cr “Mas não é tipo só troca de escola e
se adapta é que também tem tipo a Ca que ia gastar um monte, agora o pai dela tem que vir
de carro para Salvador, gastar gasolina e coisa, então aumenta os gastos”, “Nunca ninguém
se adapta tão rápido” e na fala da aluna Fa: “Eu falei que a Na é a prova viva de que tipo tu
não se adapta tão rápido, tipo duas semanas”. Em todas essas falas, percebemos evidências
de Materacia pois, além de promover a participação, os alunos demonstraram a habilidade de
interpretar as consequências da implantação do zoneamento. Perceberam as dificuldades de
adaptação a nova escola, caso um aluno tenha que trocar de escola ou turno, por causa do
transporte escolar. Também refletiram sobre os gastos a mais dos pais que optaram em manter
a filha na mesma escola mas estão levando de carro próprio por não ter transporte escolar.
Desenvolver no estudante a capacidade de saber interpretar e agir em situações sociais e
políticas estruturadas pela matemática favorece o fortalecimento da democracia nas escolas.
Para a construção da Materacia é preciso que o estudante saiba buscar, selecionar e refletir
89
sobre informações relacionadas ao mundo em que está inserido para interpretar o que está
acontecendo ao seu redor e agir, tomar a melhor decisão para participar na construção de uma
sociedade melhor. Entendemos que o tema “transporte escolar” faz parte do dia a dia dos
estudantes e proporcionou um cenário de investigação que favoreceu o desenvolvimento da
Materacia em sala de aula.
4.1.2.5- Matemática
Uma das nossas preocupações ao realizar essa pesquisa, era desenvolver conceitos
matemáticos em situações problemas enfrentados pelos estudantes em seu cotidiano.
Pretendíamos abandonar a forma tradicional (GOULART, 2009; SKOVSMOSE, 2007) de
apresentar os conceitos matemáticos e deixar que os alunos conduzissem o rumo da
investigação. Com essa finalidade, convidamos os estudantes a conhecer os mecanismos de
funcionamento da administração pública, ter acesso às informações sobre receitas e despesas,
manusear documentos que autorizam a transferência de recursos e que auxiliam na
compreensão dos processos administrativos municipais.
Os estudantes foram convidados a assumir o papel de administradores municipais, tendo
a oportunidade de identificar virtudes e problemas do município. Assumindo o papel de
administradores municipais, não basta só identificar problemas, é preciso tentar resolvê-los e
isso exige um aprofundamento na compreensão dos processos administrativos e nas finanças
municipais. Os caminhos percorridos durante a busca de informações para tentar resolver os
problemas podem oferecer outras descobertas que, em alguns casos, se revelam tão ou mais
importantes que a solução do problema original, como afirmam Ponte, Brocardo e Oliveira
(2016):
Quando trabalhamos num problema, o nosso objetivo é, naturalmente, resolvê-lo. No
entanto, para além de resolver o problema proposto, podemos fazer outras descobertas
que, em alguns casos, se revelam tão ou mais importantes que a solução do problema
original. Outras vezes, não se conseguindo resolver o problema, o trabalho não deixa
de valer a pena pelas descobertas imprevistas que proporciona. (p. 17)
Com o intuito de permitir que os próprios estudantes guiassem os caminhos a serem
seguidos, podendo fazer novas descobertas, propomos nessa pesquisa, que os alunos
abordassem os principais problemas de sua cidade, bairro ou rua. Investigar quais os motivos
que ocasionaram esse problema, o que pode ser feito para solucioná-lo, quais as possibilidades
e implicações para resolver a situação. Nessa perspectiva, não podíamos prever quais seriam os
problemas abordados, nem como os conceitos matemáticos surgiriam nessa abordagem e
também não podíamos prever qual o ponto de chegada, pois, segundo Ponte, Brocardo e
Oliveira (2016, p.23), numa investigação, “trata-se de situações mais abertas – a questão não
90
está bem definida no início, cabendo a quem investiga um papel fundamental na sua definição.
E uma vez que os pontos de partida podem não ser exatamente os mesmos, os pontos de chegada
podem ser também diferentes.”
Durante a realização da pesquisa, um dos principais problemas da cidade, identificados
pelos alunos, apresentado na Figura 21, é o “transporte escolar”. Ao observar detalhadamente
os apontamentos dos grupos na construção do quadro mural virtual (Figura 21), constata-se que
um dos problemas identificados faz referência ao transporte escolar. O grupo 2 relata a “FALTA
DE TRANSPORTE em alguns lugares”; o grupo 3 menciona que “Faltam algumas coisas no
interior, como transporte para as escolas do centro”; o grupo 4 apresenta “A ausência de
transporte em algumas regiões da cidade dificulta o deslocamento dos estudantes”; e o grupo
5 cita a “Falta de transporte em certos locais”. Os 4 grupos apresentam o transporte escolar
como um problema da cidade a ser resolvido. O fato dos estudantes identificarem um problema
a ser resolvido e realizar uma investigação em torno desse assunto formatado pela Matemática,
são evidências da Matemática em sala de aula. De acordo com Ponte, Brocardo e Oliveira
(2016):
Uma investigação matemática desenvolve-se usualmente em torno de um ou mais
problemas. Pode mesmo dizer-se que o primeiro grande passo de qualquer
investigação é identificar claramente o problema a resolver. Por isso, não é de admirar
que, em Matemática, exista uma relação estreita entre problemas e investigação. (p.16)
Encontramos mais evidências de conceitos matemáticos envolvidos em torno do assunto
“transporte escolar” em vários momentos durante a realização da pesquisa, pois o grupo
(professor e estudantes) demonstraram interesse por esse tema. Segundo D’Ambrosio (1996)
“Tudo o que se passa na sala de aula vai depender dos alunos e do professor, de seus
conhecimentos matemáticos e, principalmente, do interesse do grupo”. Analisando as falas do
professor pesquisador, em (0:03:16): “É, é uma questão assim de redução de custos né, porque,
[...], e em, (0:08:28): “Tem, tem mas tem que pagar, tem que contratar uma empresa, é um
custo a mais, então a ideia nossa é justamente de fazer o zoneamento e diminuir o custo” ainda
em (0:08:57) o professor explica: “Ela é estadual e foi adaptada também no município, no
estado também tem a questão do zoneamento, é tudo em função de reduzir gastos. Então quer
dizer, tu vai precisar contratar uma empresa a menos. Tinham algumas coisas erradas, por
exemplo, tinham alunos que moravam lá na linha do meio, a 200, 300, 500 metros da escola e
vinham estudar aqui. Tudo bem, nada contra, tu pode ter essa opção de escolher a escola, mas
não tem lógica, imagina assim um município, tu pagar um transporte pra pegar um aluno lá
da linha do meio especialmente pra trazer para cá. Então são essas situações que é difícil,
imagina, se coloquem no lado do município tu vai gastar, tu vai contratar uma empresa para
91
lá pegar alunos lá na linha do meio e trazer para cá, se tu pode fazer o que? Os que estão lá,
estudam na escola que está lá, e os outros que estão aqui, estudam aqui na Escola São
Salvador” em outro momento, o professor falou sobre a falta de água no interior (0:22;07) “tu
precisa de dinheiro para fazer isso e de onde é que tu vai tirar o dinheiro? Vai ter que cortar
em algum lugar para ter dinheiro para fazer, por isso que eu digo a questão do transporte,
ninguém gosta de tirar o transporte de um ou de outro. A pessoa vai ter que caminhar um pouco
mais, mas, ou tu faz isso ou deixa de fazer outras coisas, na realidade, esse é o problema. Ali
falta recurso, então a ideia ali é, até a Corsan pode fazer mas tudo é parceria Corsan com a
prefeitura, prefeitura geralmente entra com os canos né e a Corsan faz a manutenção depois.”
Em todas essas falas do professor, encontramos evidências da presença de conceitos
matemáticos que podem ser difíceis de identificar, mas estão presentes na organização da
sociedade. Conforme Skovsmose (2013), “a matemática tem implicações importantes para o
desenvolvimento e a organização da sociedade – embora essas implicações sejam difíceis de
identificar”. Quando o professor fala em “redução de custos”, “tem que pagar”, “tem que
contratar uma empresa”, “é um custo a mais”, “diminuir custos”, “reduzir gastos”, “precisa
de dinheiro para fazer isso”, “de onde é que tu vai tirar o dinheiro?”, “vai ter que cortar em
algum lugar para ter dinheiro para fazer outras coisas”, essa falas são evidências da utilização
da matemática em sala de aula, pois além de demonstrarem o poder formatador que a
matemática possui na sociedade, trabalham conceitos de soma, subtração, multiplicação e de
escolha.
Encontramos evidências da utilização da Matemática na fala da aluna Ca “(0:05:40):
“Tá e sobre transporte ainda, de redução de custo no nosso caso pelo menos eu não sei onde é
que teria, porque, pela questão do zoneamento, eu e meu irmão teríamos que estudar na Selma.
Meu irmão ia estudar de manhã, ia dar duas viagens pra ele, pra lá ida e volta pra ele, e pra
mim ia ser mais duas de tarde, seriam quatro viagens, e os dois estudando aqui, porque o meu
irmão estuda na Santo Inácio aqui do lado, seriam duas viagens de manhã porque os dois
estudam no mesmo turno, então redução de custo não ia ter, se os dois estudassem em turnos
diferentes”. Analisando essa fala, percebemos evidências do raciocínio lógico matemático
quando a aluna explica que não percebia redução de gastos na implantação do zoneamento, pois
aí, o irmão teria que estudar de tarde e ela de manhã, somando quatro viagens (ida e volta para
cada um), e mantendo como está, os dois estudando no mesmo turno, geram a necessidade de
apenas duas viagens pois pegariam o mesmo ônibus. O raciocínio matemático realizado para
chegar nessa conclusão sobre o problema “transporte escolar”, a linguagem utilizada para
92
expressar suas reflexões e as maneiras de explicação (D’AMBROSIO, 2018), são evidências
da presença da Matemática em sala de aula.
Em outros momentos, percebemos indícios do uso da Matemática quando na fala da
aluna Ca (0:11:02): “Tu tem alguma coisa pra comparar o que foi gasto no transporte no ano
passado e esse ano com a redução de gastos”, ela pede para comparar os gastos dos dois últimos
anos. Em outra fala, a aluna Cr “Mas não é tipo só trocar de escola e se adapta, é que também
tem tipo a Ca que ia gastar um monte, agora o pai dela tem que vir de carro para Salvador
gastar gasolina e coisa, então aumenta os gastos”, reflete sobre o aumento dos gastos que o do
pai da colega tem para levar ela até a escola todos os dias e ainda quando a aluna Fa questiona
(0:14:46): “Quando vocês fizeram cortes de gastos, vocês demitiram pessoas, alguns
funcionários?”, ela solicita informações referentes a outras medidas possíveis adotadas pelo
município para reduzir gastos. Segundo D’Ambrosio (1996), “praticamente tudo o que se nota
na realidade dá oportunidade de ser tratado criticamente com um instrumento matemático”, essa
atitude de tratar criticamente a situação, relacionar com a realidade, projetar possíveis medidas
de redução de gastos, identificar um aumento de despesas familiares devido ao deslocamento
para a escola e comparar gastos do transporte escolar de um ano para o outro são evidências da
utilização da Matemática em sala de aula.
Essas falas podem levar os estudantes a reflexões que favoreçam o aprendizado da
Matemática. Tudo está interligado na administração municipal, para resolver o problema do
“transporte escolar”, é preciso ter a disponibilidade de recursos financeiros para contratar mais
ônibus. Então, ou a administração municipal aumenta a arrecadação, ou realiza cortes em outras
áreas, ou mantém a implantação do zoneamento. Em outras palavras, os estudantes precisam
desenvolver o verdadeiro espírito da matemática, que segundo D’Ambrosio (1986) é;
[...] a capacidade de modelar situações reais, codifica-las adequadamente, de maneira
a permitir a utilização das técnicas e resultados conhecidos em um outro contexto,
novo. Isto é, a transferência de aprendizado resultante de uma certa situação para uma
situação nova é um ponto crucial do que se poderia chamar de aprendizado da
Matemática, e talvez o objetivo maior do seu ensino. (p. 44)
Os estudantes avaliarem o funcionamento do transporte escolar, conhecerem como são
gerados e gastos os recursos públicos, refletirem sobre as demais necessidades do município e,
com o auxílio da Matemática, projetar uma nova situação que resolvam os seus problemas. Os
alunos conhecerem os processos de funcionamento da sociedade, avaliarem criticamente os
problemas encontrados e poderem participar da tomada de decisão para resolvê-los, são
evidências da importância da Matemática para o fortalecimento da democracia nas escolas.
93
4.1.2.6- Direitos e Deveres para o fortalecimento da cidadania
Durante o desenvolvimento da pesquisa, percebemos reflexões sobre o cumprimento ou
não de alguns direitos. Entendemos ser importante para o fortalecimento da cidadania, que a
escola e os professores incluam em suas grades curriculares temas que favoreçam a discussão
sobre direitos e deveres do cidadão. Todos têm direitos e deveres iguais:
Segundo o artigo 5, da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta
Constituição; (BRASIL, 1988)
Acreditamos que o exercício da cidadania deve iniciar nas escolas desde os primeiros
ensinamentos, mostrar para as crianças e jovens que viver em comunidade é respeitar os direitos
do próximo para que os seus também sejam respeitados. Incentivar o estudante a exigir o seu
direito de participação na governabilidade mas também incitar o seu dever de solidariedade
perante as melhorias necessárias para melhorar a sociedade. Segundo o dicionário de filosofia
de Abbagnano (2007), a ideia de cidadania se resume:
[...] a de direitos e deveres: ambos considerados essenciais para que alguém seja
membro de uma comunidade. Mais precisamente, pode-se dizer que a nova cidadania
conjuga os direitos de liberdade e igualdade com os deveres de solidariedade; neste
sentido, o conceito de cidadania está ligado ao [de democracia e é caracterizado pela
necessidade de combinar a exigência de participação com a de governabilidade, por
um lado, e a justiça com o mercado, por outro.” (p.156 e 157)
Em certos momentos durante a realização da pesquisa, encontramos discussões que
evidenciaram a exigência dos estudantes de seus direitos sobre alguns assuntos em que eram
tocados. Entendemos que esses diálogos entre os alunos e entre alunos e professor sobre direitos
e deveres podem ser importantes para o desenvolvimento da cidadania na sala de aula. Durante
o quarto encontro, a discussão entre os alunos girava em torno da implantação do zoneamento
para o transporte escolar. Como esse projeto havia sido implantado recentemente, alguns alunos
dessa turma deveriam ter sido transferidos de turno ou escola para que fossem contemplados
pelo transporte escolar mas como estavam no último ano do Ensino Fundamental, optaram em
permanecer na turma em que estavam e arcariam com as despesas de deslocamento com seus
próprios recursos. As justificativas dos alunos para que não trocassem de turma geraram alguns
diálogos interessantes para o fortalecimento da democracia. Vejamos a transcrição de parte do
vídeo 1 do quarto encontro:
(0:04:05) Fala da aluna Fa: “E não é mais fácil daí, tu entrar numa escola que tem do
primeiro ao nono ano, do que ir numa escola tipo do primeiro ao nono e ensino médio
fazer na outra. Fica complicado porque tem muita coisa que a gente aprende aqui que
alunos da Selma não aprendem. Ai vai chegar tipo aqui e as pessoas vão tipo
94
perguntar: o que é isso? A gente não viu isso! A gente não aprendeu! É tipo quando o
Dé chegou depois com o Lu.” (0:04:28) Fala do professor Pe: “Teoricamente, as escolas todas tem, até agora o
governo federal fez um plano nacional, então, teoricamente todas as escolas tem que
trabalhar o mesmo conteúdo, a mesma atividade, então...” 0:04:42) Fala da aluna Ca: “Sim.” (0:04:42) Fala da aluna Cr: “Só que mesmo assim tem professores que nem, já tem
uma grande diferença de manhã para de tarde no nono ano. A gente em ciências está
muito adiantado, a Na que veio da tarde agora está toda perdida e sei lá como ela vai
se virar, porque tipo assim, é o mesmo conteúdo só que os professores explicam
diferente, e tipo, que nem a gente está muito adiantado.” (0:05:00) Fala da aluna Ra: “É isso é verdade.” (0:05:01) Fala do aluno Th: “A turma é diferente.”
(0:05:04) Fala da aluna Cr: “É tudo diferente.”
Durante o diálogo, encontramos evidência de democracia nas falas da aluna Fa “[...]
ir numa escola tipo do primeiro ao nono e ensino médio fazer na outra. Fica complicado porque
tem muita coisa que a gente aprende aqui que alunos da Selma não aprendem. Ai vai chegar
tipo aqui e as pessoas vão tipo perguntar: o que é isso? A gente não viu isso! A gente não
aprendeu!”, nessa fala, a aluna expressa sua opinião. Ela acredita ser melhor estudar em uma
escola que tem também o Ensino Médio do que estudar em uma escola que tem só o Ensino
Fundamental e depois precisa trocar de escola. Ela afirma que alguns conteúdos podem não
serem vistos ou aprendidos na escola que não possui o Ensino Médio. Nesse instante, o
professor aproveitou a oportunidade para trazer o embasamento legal quando fala “até agora o
governo federal fez um plano nacional, então, teoricamente todas as escolas tem que trabalhar
o mesmo conteúdo, a mesma atividade” referindo-se a Base Nacional Comum dos Currículos
(BNCC), que reitera a necessidade de:
De acordo com a meta 7, estratégia 7.1, do Plano Nacional de Educação, lei nº 13005,
estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa [União, Estados, Distrito
Federal e Municípios], diretrizes pedagógicas para a educação básica e a base nacional
comum dos currículos, com direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
dos(as) alunos(as) para cada ano do Ensino Fundamental e Médio, respeitadas as
diversidades regional, estadual e local (BRASIL, 2014).
Mesmo o professor tentando explicar que o ensino nas diferentes escolas deve ser
parecido, os alunos continuaram alegando diferenças que podem prejudicar a aprendizagem
dos alunos. A aluna Cr fala “A gente em ciências está muito adiantado, a Na que veio da tarde
agora está toda perdida e sei lá como ela vai se virar, porque tipo assim, é o mesmo conteúdo
só que os professores explicam diferente, e tipo, que nem a gente está muito adiantado”, a
aluna Ra concorda com a colega em sua fala “É isso é verdade”, o colega Th também afirma
“A turma é diferente” e a aluna Cr reafirma o seu comentário “É tudo diferente”. Esse diálogo
refletindo sobre a dificuldade de trocar de escola, a comparação da qualidade de ensino entre
as escolas do município, a diferença na forma de explicar dos professores e a inclusão de
95
aspectos legais trazidos pela fala do professor, representam evidências do desenvolvimento da
democracia em sala de aula.
A discussão em torno do assunto “transporte escolar” continuou sendo pauta durante
grande parte da aula, destacamos as seguintes falas que evidenciam aspectos democráticos por
também questionarem o cumprimento de lei. Vejamos a transcrição do vídeo 1 do quarto
encontro:
(0:06:32) Fala da aluna Ca: “Mas teria como mudar isso, botar tipo um ônibus para
esses que não tem ou mudar a linha deles.” (0:06:35) Fala da aluna Cr: “É eu acho que poderia ter pelo menos um.” (0:06:38) Fala da aluna Ca: “Porque eu acho que é direito de todos os estudantes ter
transporte para vim para a escola né.” (0:06:44) Fala do aluno Th: “Eu tipo, eu vou caminhando por baixo com mais alguns,
aí tipo, não, eu estou falando dela, passa um ônibus do lado da gente e vai lá traz,
mas ele não passa por dentro de São Pedro para não ter que levar ninguém, ele passa
por fora, deve ter o que? Três pessoas.” (0:06:57) Fala do professor Pe: “Mas é ônibus de Salvador né” (0:07:00) Fala do aluno Th: “Mas tem três pessoas dentro, três!” (0:07:04) Fala do aluno Vi: “Três!” (0:07:05) Fala da aluna Ra: “Três!” (0:07:05) Fala da aluna Em: “Três!” (0:07:05) Fala da aluna Cr: “É tipo, se vai para cada bairro por causa de três crianças
também não é justo então!” (0:07:09) Fala da aluna Fa: “Mano, no ensino médio minha irmã morava em Barão e
o ônibus ia buscar ela lá em Barão para ela vim para cá no ensino médio.” (0:07:20) Fala do aluno Th: “Mano ele passa do lado da gente.” (0:07:21) Fala da aluna Na: “De manhã também, tem um montão de ônibus mas não
carrega ninguém.” (0:07:22) Fala do professor Pe: “Só que aí ele teria que entrar em outro município né,
e isso por lei, um município não pode entrar no outro para pegar o transporte escolar,
então, tem várias questões assim, outro detalhe que vocês de repente nem sabem,
transporte escolar ele é só para o pessoal do interior.”
Encontramos evidências de democracia quando os alunos questionam a possibilidade
de colocar transporte escolar onde não têm e que é direito de todos terem transporte escolar,
como mostra a fala da aluna Ca “Porque eu acho que é direito de todos os estudantes ter
transporte para vim para a escola né”. De forma intrínseca, o aluno Th fala “[...] passa um
ônibus do lado da gente e vai lá traz, mas ele não passa por dentro de São Pedro para não ter
que levar ninguém, ele passa por fora, deve ter o que? Três pessoas”, expressando certo
incômodo pelo fato do ônibus passar próximo da rua de sua residência para pegar somente três
alunos e não passar pela sua rua onde moram mais estudantes que vão para a mesma escola. O
número de alunos transportados relatados pelo estudante Th, impressionou os colegas Vi, Ra
e Em que falaram “Três!” e também a aluna Cr que falou “É tipo, se vai para cada bairro por
causa de três crianças também não é justo então!”. Nesse momento, consideramos importante
para o fortalecimento da cidadania, a participação do professor para acrescentar, na discussão,
96
os aspectos legais que norteiam o funcionamento do transporte escolar nos municípios. Pela
experiência como diretor de escola e também como gestor municipal, o professor explicou,
nas falas “Mas é ônibus de Salvador né” e “Só que aí ele teria que entrar em outro município
né, e isso por lei, um município não pode entrar no outro para pegar o transporte escolar”,
que não importa o número de alunos a serem transportados, o município precisa cumprir as
leis na hora de executar o transporte escolar. O professor se baseou na Lei Estadual que Institui
o Programa Estadual de Apoio ao Transporte Escolar no Rio Grande do Sul: – PEATE/RS10,
que traz:
De acordo com o artigo 1, da Lei nº 12882, fica instituído o Programa Estadual de
Apoio ao Transporte Escolar no Rio Grande do Sul - PEATE/RS -, no âmbito da
Secretaria da Educação, com o objetivo de transferir recursos financeiros diretamente
aos municípios que realizem nas suas respectivas áreas de circunscrição, o transporte
escolar de alunos da educação básica da rede pública estadual, residentes no meio rural
(RIO GRANDE DO SUL, 2008).
A Lei nº 12882, tem como objetivo transferir recursos financeiros diretamente aos
municípios que realizem nas suas respectivas áreas de circunscrição, o transporte escolar
de alunos da educação básica da rede pública estadual, demonstrando assim não ser possível
realizar o transporte escolar em outro município. No mesmo artigo, consta que o transporte é
para os alunos residentes no meio rural, conforme o professor afirmou em sua fala “outro
detalhe que vocês de repente nem sabem, transporte escolar ele é só para o pessoal do
interior”. Essa afirmação do professor surpreendeu a aluna Fa que perguntou “Sério isso?”
comprovando o desconhecimento de alguns alunos sobre a lei que regula essa prestação de
serviços. Instantes após, a aluna Ca continuou indagando sobre esse assunto quando fala “Eu
sou do interior e não tenho transporte!” e em seguida pergunta “O zoneamento é uma lei do
município ou é estadual?”. Segue transcrição desse momento e também a resposta do
professor.
Vídeo 1 do quarto encontro:
(0:08:54) Fala da aluna Ca: “O zoneamento é uma lei do município ou é estadual?”
(0:08:57) Fala do Pe: “Ela é estadual e foi adaptada também no município. No estado
também tem a questão do zoneamento, é tudo em função de reduzir gastos, então quer
dizer, tu vai precisar contratar uma empresa a menos. Tinham algumas coisas erradas,
por exemplo, tinha alunos que moravam lá na linha do meio, a 200, 300, 500 metros
da escola e vinham estudar aqui, tudo bem, nada contra, tu pode ter essa opção de
escolher a escola, mas não tem lógica, imagina assim o município, tu pagar um
transporte para pegar um aluno lá da linha do meio especialmente pra trazer para cá,
então são essas situações que é difícil, imagina, se coloquem no lado do município tu
vai gastar, tu vai contratar uma empresa para ir pegar alunos lá na linha do meio e
trazer pra cá, se tu poder fazer com que os que estão lá, estudam na escola que está lá,
e os outros que estão aqui estudam aqui na Escola São Salvador”.
10 LEI Nº 12.882, DE 03 DE JANEIRO DE 2008. (publicada no DOE nº 003, de 04 de janeiro de 2008).
Disponível em: http://www.al.rs.gov.br/filerepository/repLegis/arquivos/12.882.pdf , acessado em 20/04/2019.
97
Encontramos evidências de democracia nesses diálogos entre os estudantes e o
professor. Os alunos interessados em compreender os motivos que levaram o município a
implantar o zoneamento no transporte escolar e o professor usando o seu conhecimento sobre
leis para explicar algumas situações arroladas pelos estudantes. Para responder a questão sobre
se a lei do zoneamento é do município ou é estadual, a fala do Pe “Ela é estadual e foi adaptada
também no município. No estado também tem a questão do zoneamento, é tudo em função de
reduzir gastos”, continua em ressonância com a Lei Estadual que Institui o Programa Estadual
de Apoio ao Transporte Escolar no Rio Grande do Sul – PEATE/RS, que:
Segundo o artigo 10, da Lei nº 12882, a Secretaria da Educação e a Federação das
Associações de Municípios do Rio Grande do Sul - FAMURS - supervisionarão,
anualmente, o planejamento conjunto das matrículas e turnos de funcionamento das
escolas das redes estadual e municipal de ensino, a ser feito pelas Coordenadorias
Regionais de Educação e Municípios, de modo a racionalizar e reduzir custos com
transporte escolar (RIO GRANDE DO SUL, 2008).
Um outro exemplo que corrobora para o fortalecimento da cidadania nas escolas é na
fala do Pe “Tinham algumas coisas erradas, por exemplo, tinha alunos que moravam lá na
linha do meio, a 200, 300, 500 metros da escola e vinham estudar aqui, tudo bem, nada contra,
tu pode ter essa opção de escolher a escola, mas não tem lógica, imagina assim o município,
tu pagar um transporte pra pegar um aluno lá da linha do meio especialmente pra trazer pra
cá, então são essas situações que é difícil, imagina, se coloquem no lado do município tu vai
gastar, tu vai contratar uma empresa para ir pegar alunos lá na linha do meio e trazer pra
cá, se tu pode fazer com que os que estão lá, estudam na escola que está lá, e os outros que
estão aqui estudam aqui na escola são salvador”, pois acreditamos ser papel do professor
trazer para a reflexão aspectos que ponderam as situações. Pela fala do professor, o aluno tem
o direito de escolher a escola de sua preferência mas não pode exigir que o transporte escolar
consiga atende-lo, gerando mais custos para a municipalidade. Essa fala do professor foi
importante pois tinham alunos da turma que moravam a poucos metros da escola de seu bairro
mas vinham para essa escola que fica a mais de dois quilômetros de sua residência, gerando
um custo desnecessário para privilegiar poucas pessoas. Esse fato ocasionou novo diálogo que
segue transcrito a seguir. Vídeo 1 do quarto encontro.
(0:12:08) Fala do aluna Fe: “Sim mas a gente que está no nono ano, se o transporte
vai do mesmo pra lá vindo pra cá, pessoas que já estavam nessa escola tem que trocar
de escola pra depois voltar, tipo eu, eu ia ter que estudar um ano na Selma Wallauer
pra depois voltar para cá, e ia dar no mesmo, um ano vocês podiam dar transporte.”
(0:12:27) Fala do Pe: “Mas ai ano que vem vai ser a mesma história, vai ter um outro
aluno que vai estar no nono ano que vai acontecer a mesma coisa. Então, em algum
momento tu vai ter que fazer o corte, senão tu não vai conseguir ajustar nunca, pois
sempre vai ter um outro caso que acontece isso né, que um aluno está estudando aqui
mas mora em outro bairro e em algum momento tem que cortar.
98
Encontramos evidências de democracia nas falas do Pe e da aluna Fe “tipo eu, eu ia
ter que estudar um ano na Selma Wallauer pra depois voltar para cá, e ia dar no mesmo, um
ano vocês podiam dar transporte”, nessa fala, ela usa a sua situação para explicar que iria ser
ruim trocar de escola para terminar o Ensino Fundamental e depois voltar, pede para deixar pelo
menos esse um ano ainda. A fala do Pe “Mas ai ano que vem vai ser a mesma história, vai ter
um outro aluno que vai estar no nono ano que vai acontecer a mesma coisa. Então, em algum
momento tu vai ter que fazer o corte, senão tu não vai conseguir ajustar nunca”, tenta explicar
que se não tomar a decisão e ajustar, nunca vai conseguir fazer. Não importa quando será feito,
algumas pessoas serão atingidas, mas se é necessário reduzir gastos, cortar privilégios, é preciso
ser feito logo, é preciso seguir as leis.
Esses diálogos e a reflexão sobre as leis que regem o funcionamento do transporte
escolar são evidências do desenvolvimento da democracia em sala de aula. Nessas discussões,
os estudantes tiveram a oportunidade de refletir sobre o direito ao transporte escolar dos alunos
e ao mesmo tempo pensar sobre alguns problemas enfrentados por colegas. Nessa ocasião,
debateram sobre direitos, deveres, distribuição justa de serviços na sociedade, corte de
privilégios, redução de gastos e participaram da discussão sobre o ato de governar. Democracia
está relacionada, pelo menos, aos seguintes aspectos: oportunidades iguais, direitos e deveres
para todos os membros da sociedade; uma distribuição justa de serviços e bens na sociedade;
procedimentos para eleger um governo; a possibilidade e a habilidade dos cidadãos de
participar na discussão e na avaliação do ato de governar (SKOVSMOSE, 2013).
A discussão em torno do tema transporte escolar e a variedade de situações diferentes
envolvidas na execução desses serviços, proporcionou um cenário de investigação que
favoreceu a participação dos estudantes e o fortalecimento da cidadania em sala de aula.
Entendemos ser fundamental para a formação de um cidadão crítico, consciente e atuante na
sociedade, propiciar momentos em que os alunos possam fazer uma reflexão sobre problemas
de seu dia a dia, conhecer as leis para saber os seus direitos e deveres, participar das discussões
e das tomadas de decisão sobre os assuntos abordados e contribuir para a construção de uma
sociedade melhor.
4.2- TERMINAL RODOVIÁRIO
O assunto mais discutido durante a realização da pesquisa foi a falta de transporte
escolar para alguns alunos devido a implantação do zoneamento no município. Essa
99
dificuldade no transporte de estudantes fez surgir outras reflexões importantes envolvendo o
transporte público na cidade, como a falta de um terminal rodoviário ou uma rodoviária.
Por ser uma cidade pequena, ainda não temos organizado uma linha de transporte
público municipal. O deslocamento das pessoas ocorre por condução própria, a pé ou pela
utilização de táxi. Fazem mais de cinco anos que fechou a rodoviária e isso também foi um
dos problemas apontados pelos estudantes durante a pesquisa. Traremos nas próximas seções,
evidências que encontramos de Democracia e aspectos da Literacia Digital que surgiram em
torno desse tema.
4.2.1- Literacia Digital
Nessa seção, focaremos nossa atenção em alguns aspectos da Literacia Digital
encontrados durante as discussões sobre um “terminal rodoviário”. O tema emergiu
espontaneamente a partir da construção dos murais virtuais que tratavam de assuntos de
interesse dos alunos. Um dos problemas a ser resolvido pelos alunos era o transporte escolar,
mas essa discussão levantou outra problemática relacionada a essa questão, melhorando o
crescimento do grupo, caracterizando aspectos da inteligência coletiva.
4.2.1.1- Inteligência Coletiva
Encontramos evidências da habilidade inteligência coletiva nas falas dos alunos durante
a construção dos murais virtuais. Observando novamente a Figura 21, quando os estudantes
relacionaram os principais problemas da cidade, percebemos que desenvolveram a habilidade
de reunir seus conhecimentos e suas experiências para o crescimento do grupo. Deparamos que
o Grupo 5, em sua fala “Falta de transporte em certos locais”, pautou o assunto da falta de
transporte público na cidade que também prejudica o transporte escolar. A partir desse tema,
que foi abordado por outros três grupos, surgiu outro objeto para discussão que é a falta de uma
rodoviária no município, demonstrado quando o Grupo 5 escreve “a falta de uma rodoviária”.
Observamos o crescimento do grupo quando notamos que outros grupos abordaram essa
necessidade na construção do quadro mural seguinte, Figura 22, demonstrando a capacidade de
reunir os conhecimentos e comparar anotações com outras pessoas para um objetivo comum. A
partir dessa habilidade, o indivíduo pode compartilhar experiências e conhecimentos para o
crescimento do grupo, uma vez que todos trazem saberes individuais, e resolver situações
problemas de forma integrada, num trabalho em equipe (JENKINS et al., 2009). Encontramos
evidências da habilidade inteligência coletiva, quando detectamos o crescimento do assunto
“falta de uma rodoviária” nas falas dos alunos, quando respondem a questão sobre o que fariam
para melhorar o lugar onde vivem (Figura 22). Dentre outros assuntos, o Grupo 1 faria um
100
“investimento numa nova rodoviária”, o Grupo 2 falou “construção de uma rodoviária”, o
Grupo 3 acrescentou “construir uma rodoviária” e o Grupo 5 também colocou “Implantação
de uma rodoviária”, percebemos que quatro dos cinco grupos construiriam uma rodoviária para
melhorar a cidade.
Entendemos ser evidências da habilidade inteligência coletiva quando percebemos que
a partir da discussão sobre a falta de transporte escolar enfrentado pelos alunos, desencadeou a
reflexão sobre outros assuntos que envolvem a mobilidade urbana no município. Os estudantes
chegaram à conclusão que a construção de uma rodoviária era importante para melhorar a
cidade, demonstrando “a capacidade de chegar a conclusões pessoais sobre assuntos e conseguir
compará-las com seus pares utilizando uma análise crítica em busca de um objetivo comum”
(Sápiras, Dalla Vecchia, Maltempi, 2015, p.977), evidenciando assim a construção da Literacia
Digital em sala de aula.
4.2.2- Democracia
Entendemos que nossas escolas devem oportunizar práticas nas quais os estudantes
pratiquem/exerçam a democracia, oportunizando ao aluno a possibilidade de participar na
escolha do assunto a ser tratado em sala de aula, priorizando situações de seu interesse e que a
direção a ser seguida seja estabelecida a partir do resultado da discussão entre os estudantes e
professor. Traremos nas próximas seções, evidências encontradas dos Argumentos Social e
Pedagógico da Democratização, que surgiram em torno da discussão sobre o assunto “terminal
rodoviário”.
4.2.2.1- Argumento Pedagógico da Democratização
Desde o início da pesquisa, um dos cuidados que tínhamos era fazer com que os
estudantes conduzissem o rumo dos assuntos a serem abordados em aula. Durante a construção
dos quadros murais virtuais, o assunto transporte escolar surgiu como sendo o principal
problema a ser resolvido pois afetava diretamente alguns colegas. No quarto encontro, a
atividade proposta era selecionar assuntos a serem questionados durante a visita aos Secretários
Municipais e novamente, de forma espontânea, surgiu a questão sobre a construção de um
terminal de ônibus, como mostra a transcrição das falas do vídeo 1, do quarto encontro:
(0:16:21) Fala do Pe.: “Pessoal, mais algum assunto que vocês vão querer abordar?
Essa questão do transporte a gente pode conversar lá com o secretário da educação
acho que é bom.” (0:16:37) Fala da aluna Na: “Por que vocês tipo não fazem tipo um terminal de ônibus
ai vocês podem cobrar uma tarifa tipo de dois e pouco, três reais.” (0:16:42) Fala do aluno Vi: “Não, mas aqui não ia dar bom.” (0:16:48) Fala do aluno Th: “Não ia dá certo.”
101
(0:16:50) Fala do aluno Vi: “É um lugar muito pequeno para isso.”
(0:16:53) Fala da aluna Fa: “É que tipo, a cidade é muito pequena.”
Encontramos evidências do Argumento Pedagógico da Democratização, baseado na
ideia da familiaridade, pois os estudantes tiveram a oportunidade de criar possibilidades e
moldar o processo educacional conforme os seus interesses, seus trabalhos e suas
experimentações. A direção da situação a ser seguida foi orientada a partir do resultado da
discussão entre os estudantes e entre estudantes e professor. Segundo Skovsmose (2013),
desenvolver situações abertas no processo educacional “significa criar possibilidades para
decisões educacionais a serem tomadas em sala de aula. Os estudantes devem ter a possibilidade
de moldar o processo educacional para que não se tornem adaptados a rituais inquestionáveis
da educação matemática”. Quando o professor pergunta “Pessoal, mais algum assunto que
vocês vão querer abordar?”, ele abre a situação para possibilidades diversas, o estudante pode
abordar assuntos de seu interesse. Nesse momento surgiu a discussão em torno do assunto
“terminal de ônibus” como mostram as falas da aluna Na “Por que vocês tipo não fazem tipo
um terminal de ônibus”, a fala do aluno Vi “Não, mas aqui não ia dar bom.”, a fala do aluno
Th “Não ia dá certo”, o aluno Vi continua “É um lugar muito pequeno para isso” e a aluna Fa
completa em sua fala “É que tipo, a cidade é muito pequena”. O assunto da discussão tomou
uma direção conforme o resultado da discussão, evidenciando assim o Argumento Pedagógico
da Democratização.
A forma como são dados os encaminhamentos, oportunizando que os estudantes possam
participar na escolha do currículo e que ele possa tomar direções diferentes dependendo do
resultado das discussões são características que fortalecem a democracia nas escolas. Segundo
Skovsmose (2013) “[...] é que temos de desenvolver situações abertas no processo educacional,
isto é, situações que possam tomar direções diferentes dependendo dos resultados da discussão
entre estudantes e estudantes, e entre estudantes e professor”. Destacamos que na realização
dessa atividade, o assunto da discussão surgiu a partir de uma reflexão dos estudantes sobre o
que eles fariam para melhorar a sua cidade se fossem os administradores.
4.2.2.2- Argumento Social da Democratização
Durante o diálogo sobre o assunto “terminal rodoviário” encontramos evidências do
argumento social da democratização quando a aluna Na, em sua fala “Por que vocês tipo não
fazem tipo um terminal de ônibus ai vocês podem cobrar uma tarifa tipo de dois e pouco, três
reais”, aborda uma aplicação real da matemática. Segundo Skovsmose (2013), “É
frequentemente difícil, tanto na escola primaria quanto na secundária, apresentar exemplos
ilustrativos de aplicações reais; muito frequentes são exemplos que mostram pseudoaplicações.
102
Aplicações reais da matemática ficam normalmente “escondidas”, embora sejam muitas e
importantes.” Quando ela sugere a construção de um terminal rodoviário, ela está trazendo para
a discussão uma necessidade da população que ela observou. Essa necessidade se deve muito
ao fechamento da rodoviária que atendia essa demanda e que agora não há mais um local
específico de embarque e desembarque. Quando sugere cobrar dois e pouco, três reais, ela
também está refletindo sobre o custo de manter um terminal rodoviário na cidade. Mesmo não
tendo as informações exatas de quanto custa construir e manter uma rodoviária na cidade, ela
sugeriu um valor aproximado que ela considera possível das pessoas pagarem e que daria para
manter o funcionamento. Essa colocação também provocou a reflexão e participação de outros
colegas, como mostram as falas do Vi “Não, mas aqui não ia dar bom”, o aluno Th também
fala “Não ia dar certo”, o aluno Vi justifica a sua colocação “É um lugar muito pequeno para
isso” e a colega Fa também concorda quando fala “É que tipo, a cidade é muito pequena”. Em
todas essas falas encontramos evidências do argumento social da democratização pois o assunto
“terminal rodoviário” possui relevância para a comunidade e proporcionou reflexões sobre a
possibilidade de sua implantação, levando em consideração os conhecimentos dos estudantes
em relação a comunidade em que está inserido (tamanho da população). De acordo com
Skovsmose (2013), “O argumento social tenta identificar um assunto relevante da educação
(matemática) por meio de reflexões sobre possibilidades para a construção e o aperfeiçoamento
de instituições democráticas e capacidades democráticas na sociedade, melhorando o conteúdo
da educação”.
A reflexão em torno da possibilidade de construir um terminal rodoviário para aprimorar
o atendimento das pessoas, avaliando custos em função do tamanho da população é um processo
que melhora o conteúdo da educação. Nessas discussões sobre a viabilidade financeira de
implantação de projetos importantes para o município, surgiu também um questionamento
sobre custo benefício do projeto arborizando. Falaremos mais sobre esse assunto na próxima
seção.
4.3- PROJETO ARBORIZANDO
As tomadas de decisão da administração municipal estão baseadas na disponibilidade
financeira do município. A implantação do zoneamento para o transporte escolar, a construção
de um terminal rodoviário, a manutenção de um sistema interno de transporte público e outras
prioridades abordadas, estão condicionadas a condições financeiras disponíveis ou não. Essa é
uma das ideias que trabalhamos durante a realização da pesquisa.
103
O aprofundamento nas questões financeiras do município, se inteirando nas informações
disponíveis referentes às entradas e saídas de recursos, a busca pela compreensão dos principais
mecanismos de funcionamento do sociedade, a possibilidade de aumentar as receitas ou a
necessidade de reduzir gastos para obter recursos para realizar novos investimentos, são
aspectos que tentamos desenvolver durante a pesquisa. O estudante pode acompanhar a
movimentação financeira municipal para que ele possa avaliar a possibilidade de resolver o seu
problema e participar nas tomadas de decisão referentes as prioridades da população que ele
elencou.
Em um dos momentos da discussão sobre redução de gastos, um aluno questionou sobre
o projeto arborizando, provocando uma nova discussão que evidenciou aspectos democráticos
que serão abordados nas seções a seguir. O projeto arborizando é uma iniciativa da atual gestão
que visa arborizar as principais ruas, os parques, as praças e também recompor as matas ciliares
de arroios da cidade. Além de embelezar a cidade, o projeto propõe-se a adequar o plantio de
árvores em conformidade com as condições do local e incentivar a participação de jovens,
estudantes e moradores da cidade.
4.3.1- Argumento Pedagógico da Democratização
No início do ano de 2018, a Escola São Salvador, por meio de seu Conselho Escolar,
solicitou o corte de três árvores (jambolões) que estavam na calçada em frente da escola. Os
motivos alegados foram que essas árvores produziam frutinhas que causavam sujeira na
calçada, prejudicando a passagem dos estudantes e também de outras pessoas da comunidade.
Em um dos momentos da pesquisa, quando o professor estava falando sobre os assuntos
que a turma iria discutir com os Secretários municipais, espontaneamente, surgiu a pergunta
sobre o corte de árvores e o projeto arborizando. O interessante foi que a discussão não ficou
só no tema “arborizando”, ela abordou os gastos com esse projeto, a localização adequada de
árvores e sobre a legislação que permite ou não o corte de árvores, como mostra a descrição do
vídeo 1, do quarto encontro:
(0:17:59) Fala do aluno Th: “Tu estava falando antes que tu cortou o transporte, tu
não, vocês cortaram para tipo, diminuir os gastos e tal, só que tipo, tu não acha que
tão gastando dinheiro com coisas desnecessárias, exemplo: corte das árvores.” (0:18:12) Fala da aluna Cr: “Por que cortaram as árvores?” (0:18:15) Fala do aluno Th: “Eu achei tipo, muito desnecessário.” (0:18:18) Fala do Pe: “Na realidade o corte de árvores não fica nem próximo do gasto
né, mas assim, essas árvores aqui foram cortadas porque a escola pediu.” (0:18:33) Fala da aluna Cr: “Sim, mas no município inteiro assim.” (0:18:35) Fala do aluno Th: “Sim, tipo, a cada pouco tem um monte de árvore cortada.” (0:18:40) Fala da aluna Fa: “Só que eles tão plantando árvores novas.”
104
(0:18:46) Fala do aluno Th: “É tipo não seria mais fácil só podá-las pelo menos.”
(0:18:50) Fala da aluna Ra: “Não mas tipo em curvas, como que o cara vai ver quando
está na curva, e daí tem gente que quebra a árvore.” (0:18:53) Fala do aluno Th: “É, também.” (0:18:57) Fala da aluna Cr: “Não, tipo que nem lá no bairro Vila Nova, tem em cada
lugar tipo esses negocinho de árvores que não tem nenhuma função lá, tipo o
campinho lá do lado e naquela estradinha também.” (0:19:06) Fala da aluna Na: “Aí tem gente que vai lá e arranca.” (0:19:09) Fala da aluna Cr: “Eu acho que o nosso motorista arrancou.” (0:19:14) Fala da aluna Ca: “E tipo, tem o campinho ai tem aquela área que era pra
ser tipo passeio, mas e grama ai eles plantaram aqui e o motorista encosta o ônibus
aqui.” (0:19:22) Fala da aluna Fe: “É que está muito perto da calçada.” (0:19:25) Fala da aluna Ca: “Não, é que ele encosta o ônibus em cima da calçada
mesmo.”
Durante o desenrolar desse diálogo, observamos indícios do Argumento Pedagógico da
Democratização nas falas dos estudantes. O assunto da discussão partiu do interesse dos
estudantes, como podemos constatar nas falas do aluno Th “[...] tu não acha que tão gastando
dinheiro com coisas desnecessárias, exemplo: corte das árvores”, também na fala da aluna Cr
“Por que cortaram as árvores?” e novamente o aluno Th falou “Eu achei tipo, muito
desnecessário”. Em todas essas falas encontramos evidências da tese da familiaridade, pois
eles colocam as suas experiências, os seus interesses no centro da prática educacional. Segundo
Skovsmose (2013), essa tese é crucial no caso de querermos obter implicações educacionais
com base no argumento pedagógico da democratização, pois “a intenção é colocar as crianças,
seus interesses, seus trabalhos e suas experiências no centro da prática educacional e eliminar
aspectos indesejáveis do currículo oculto”.
O diálogo continuou demonstrando evidências de democracia pois os alunos
continuaram falando sobre as suas experiências, o que conheciam sobre esse assunto e o que
acontecia em seu bairro, rua ou em sua volta. Por exemplo: quando a aluna Fa fala: “Só que
eles tão plantando árvores novas”, ela defende que estão sendo plantadas outras árvores; o
aluno Th responde em sua fala “É tipo não seria mais fácil só podá-las pelo menos” que seria
melhor podar as árvores do que cortar; a aluna Ra em sua fala “Não mas tipo em curvas, como
que o cara vai ver quando está na curva, e daí tem gente que quebra a árvore” reflete sobre a
dificuldade para o trânsito se tiverem árvores plantadas na curva de uma rua; a aluna Cr usa seu
bairro como exemplo quando fala “Não, tipo que nem lá no bairro Vila Nova, tem em cada
lugar tipo esses negocinho de árvores que não tem nenhuma função lá, tipo o campinho lá do
lado e naquela estradinha também” para justificar que em alguns tipos de árvores e lugares não
tem função em plantar; a aluna Na fala “Aí tem gente que vai lá e arranca” tenta justificar
porque algumas árvores são arrancadas; a aluna Ca também fala “E tipo, tem o campinho ai
105
tem aquela área que era para ser tipo passeio, mas é grama, ai eles plantaram aqui e o
motorista encosta o ônibus aqui” sobre o ônibus do transporte escolar que também passa por
cima de uma que foi plantada na calçada; a aluna Fe também fala sobre isso “É que está muito
perto da calçada” e a aluna Ca complementa sua fala: “Não, é que ele encosta o ônibus em
cima da calçada mesmo”.
Outras evidências que caracterizam o argumento pedagógico da democratização,
encontramos no diálogo transcorrido entre os estudantes e entre estudantes e professor. Durante
esse diálogo, percebemos que o professor se manteve como membro participante do diálogo,
optando por valorizar a participação dos estudantes mas dando suas contribuições para
enriquecer a discussão com o ponto de vista da administração municipal, como demonstram as
seguintes falas: Quando o Pe. fala “Na realidade o corte de árvores não fica nem próximo do
gasto né, mas assim, essas árvores aqui foram cortadas porque a escola pediu”, ele tenta alegar
que o custo de cortar algumas árvores é muito menor que o custo com o transporte escolar.
Nessa fala, observamos o que D’Ambrosio (1996) define como “o novo papel do
professor será o de gerenciar, de facilitar o processo de aprendizagem e, naturalmente, de
interagir com o aluno na produção e crítica de novos conhecimentos, e isso é essencialmente
o que justifica a pesquisa”. O diálogo continua e em outro momento o professor volta a explicar
o porquê da retirada das árvores, como mostra a transcrição do vídeo 1, do quarto encontro:
(0:19:45) Fala do Pe: “É que essas árvores aqui elas davam muita sujeira né.”
(0:19:48) Fala da aluna Fa: “Isso é verdade”.
(0:19:49) Fala do Pe: “...foram árvores que foram plantadas que o pessoal não pensou:
um dia quando tiverem grandes vai dar sujeira né. Elas dão aquelas frutinhas, vocês
já devem ter passado aqui. Então na realidade essas aqui foram cortadas mas vão ser
plantadas outras que não dão, como todas que estão sendo plantadas no município tem
uma equipe técnica, tem biólogo, tem engenheiro ambiental.” (0:20:10) Fala da aluna Cr: “Não, sim teve lugares que foi bom terem cortado as
árvores tipo aqui mas tem outros lugares que não era tipo necessário.”
Nessa fala, o professor explica que o projeto é coordenado por uma equipe especializada
e que foi a própria escola que solicitou a retirada devido a sujeira que causava, como mostra na
fala “É que essas árvores aqui elas davam muita sujeira né...” e continua a explicação em outra
fala “...foram árvores que foram plantadas que o pessoal não pensou: um dia quando tiverem
grandes vai dar sujeira né. Elas dão aquelas frutinhas, vocês já devem ter passado aqui. Então
na realidade essas aqui foram cortadas mas vão ser plantadas outras que não dão, como todas
que estão sendo plantadas no município tem uma equipe técnica, tem biólogo, tem engenheiro
ambiental”. Esse diálogo entre os estudantes e entre estudantes e professor pode contribuir para
o desenvolvimento de uma atitude democrática por meio da educação matemática pois, segundo
Skovsmose (2013),
106
[...] não podemos esperar o desenvolvimento de uma atitude democrática se o sistema
escolar não contiver atividades democráticas como o principal elemento. Se queremos
desenvolver uma atitude democrática pela educação matemática, os rituais dessa
educação não podem conter aspectos fundamentalmente não democráticos. O diálogo
entre professor e estudante tem um papel importante. ( p. 46)
Nesse diálogo, observamos a preocupação do professor em primeiro deixar os alunos
exporem suas ideias, serem ouvidos, colocarem as suas expectativas e de sua comunidade.
Acreditamos ser esse o principal papel do professor em sala de aula, “o professor deve ouvir
mais, o aluno tem muito a dizer sobre suas expectativas, que no fundo refletem as expectativas
de toda uma geração e traduzem as expectativas de seus pais” (D’AMBROSIO, 1986, p.46). Se
pretendemos fortalecer a democracia em nossas escolas, ouvir mais os alunos pode ser o ponto
inicial desse processo.
4.3.2- Direitos e deveres
Em alguns momentos durante a discussão sobre o corte de árvores, surgiram diálogos
que refletiam sobre o direito de algumas pessoas em cortar ou arrancar algumas árvores e
também o amparo legal da prefeitura em realizar cortes. Consideramos ser importante abordar
assuntos relacionados ao meio ambiente e que o estudante possa debater sobre os direitos e
deveres para o fortalecimento da cidadania nas escolas, ambos considerados essenciais para
que alguém seja membro de uma comunidade (ABBAGNANO, 2007).
Durante a realização da pesquisa, observamos que alguns alunos demonstraram
preocupação sobre o corte de árvores. O aluno Th demonstrou essa preocupação quando fala
“Sim, tipo, a cada pouco tem um monte de árvore cortada”, a aluna Na também falou “Aí tem
gente que vai lá e arranca” e o Th explica a situação “É igual tipo, quem passa do lado arranca
ou tipo, chuta”. Esse diálogo sobre corte de árvores proporcionou o questionamento sobre a
legislação que permite o corte e também a que obriga o replantio para recompor as que foram
retiradas, como mostra a transcrição do vídeo 1, do quarto encontro:
(0:21:02) Fala da aluna Cr: “Sim e toda árvore que tu corta tu tem que plantar.” (0:21:04) Fala da aluna Fe: “É lei?” (0:21:05) Fala do aluno Vi: “Sim.” (0:21:05) Fala do aluno Th: “Sim.” (0:21:07) Fala da aluna Cr: “Toda árvore que tu corta tu tem que plantar outra.”
(0:21:12) Fala da aluna Fa: “É só que depende do tipo, do local também e do dono do
terreno tipo, a escola quis cortar eles cortaram, simples.” (0:21:20) Fala do Pe: “Mas tem o projeto.” (0:21:22) Fala da aluna Ca: “Mas se alguém quiser tipo, a eu quero cortar essa árvore
e não quero mais nada aqui.” (0:21:26) Fala do Pe: “Faz um projeto na prefeitura e eles autorizam e aí tu compensa
em um outro lugar.” (0:21:29) Fala da aluna Cr: “Não precisa plantar no mesmo lugar mas se tu corta uma
árvore tu tem que plantar outra, não precisa ser no mesmo lugar, mas tu tem que
107
plantar outra árvore, independente do lugar, se tu corta uma tu tem que plantar outra
se não tipo tu ganha multa.”
Esse diálogo entre os estudantes e o professor, refletindo sobre o assunto “corte de
árvores”, são evidência do desenvolvimento da democracia em sala de aula. Conhecer e cumprir
as leis pode ser essencial para a formação de um cidadão crítico e ciente de seus direitos e
obrigações. Percebemos o exercício dessa capacidade quando analisamos as falas dos
estudantes: A aluna Cr fala “Toda árvore que tu corta tu tem que plantar outra”, a aluna Fe
pergunta “É lei?”, os colegas Vi e Th falam “Sim”. Nessas falas, mesmo que possivelmente
possa haver coincidências, os alunos mostram uma consonância de seu discurso com a lei que
Institui o Código Florestal do Estado do Rio Grande do Sul, que estabelece:
Segundo o artigo 8, da Lei nº 9519, os proprietários de florestas ou empresas
exploradoras de matéria-prima de florestas nativas, além da reposição, por
enriquecimento, prevista no Plano de Manejo Florestal, para cada árvore cortada
deverão plantar 15 (quinze) mudas, preferencialmente das mesmas espécies, com
replantio obrigatório dentro de 1 (um) ano, sendo permitido o máximo de 10% (dez
por cento) de falhas, comprovado mediante laudo técnico e vistoria do órgão florestal
competente (RIO GRANDE DE SUL, 1992).
Os estudantes continuam falando sobre a lei que impede o corte de árvores sem reposição
e fazem uma reflexão que evidenciam aspectos democráticos. Nas falas da aluna Fa “É só que
depende do tipo, do local também e do dono do terreno tipo, a escola quis cortar eles cortaram,
simples” e da aluna Ca “Mas se alguém quiser tipo, a eu quero cortar essa árvore e não quero
mais nada aqui”, elas questionam o fato de ter sido cortado três árvores e não foram replantadas
na escola, elas acharam que simplesmente foram tirada e não replantadas, isso também são
indícios de democracia. Segundo Skovsmose (2013) “a democracia também caracteriza os
modos de participação em discussões e na crítica de decisões reais. Uma democracia deve dar
lugar para a cidadania crítica, a qual constitui o verdadeiro desempenho de uma competência
crítica”. Essa crítica sobre o não replantio das árvores retiradas na escola contribui para o
fortalecimento da democracia pois permite que o professor exerça o seu papel (BORBA, 2013)
para esclarecer que o corte dessas árvores fazem parte de um projeto mais amplo, onde foram
plantadas árvores em outros locais para compensar. O professor explica essa questão quando
fala “Mas tem o projeto”, “Faz um projeto na prefeitura e eles autorizam e aí tu compensa em
um outro lugar” e em outro momento também falou sobre o projeto arborizando “Então na
realidade essas aqui foram cortadas mas vão ser plantadas outras né, como assim, todas que
estão sendo plantadas no município tem uma equipe técnica, tem biólogo, tem engenheiro
ambiental”, esse esclarecimento do professor é importante para reafirmar o cumprimento da
lei, para mostrar que a escola e o município também precisam cumprir a Lei que Institui o
Código Florestal do Estado do Rio Grande do Sul:
108
Conforme artigo 15, da Lei 9519, a autorização para a utilização dos recursos florestais
oriundos de florestas nativas, em propriedades onde tenha ocorrido a destruição da
cobertura vegetal considerada pelo Código Florestal Federal de preservação
permanente, fica condicionada à apresentação de projeto de recuperação ambiental,
visando ao retorno das suas condições originais (RIO GRANDE DO SUL, 1992).
Concordando com a fala do professor, a aluna Cr também reforça a ideia do cumprimento
da lei quando fala “Não precisa plantar no mesmo lugar mas se tu corta uma árvore tu tem que
plantar outra, não precisa ser no mesmo lugar, mas tu tem que plantar outra árvore,
independente do lugar, se tu corta uma tu tem que plantar outra, se não tipo tu ganha multa”,
e ainda acrescenta a punição para quem descumprir a lei, ela fala que ganha multa. Essa troca
de saberes sobre determinada legislação relacionada a acontecimentos que envolvem
diretamente os estudantes, são evidências do desenvolvimento da democracia em sala de aula.
109
5. CONCLUSÃO
Os avanços tecnológicos das últimas décadas, a globalização das informações e a
disponibilidade de novas tecnologias, contribui para que a educação de nossas crianças e jovens
necessite de transformações. Educar crianças, nos dias atuais, em que as tecnologias de
informação e comunicação fazem parte de seus mundos-vidas (SKOVSMOSE, 2013) é
diferente de como era educar crianças no século passado. As mídias digitais proporcionam uma
interação que desenvolve a capacidade de buscar informações sobre diversas situações e
assuntos num simples clicar. É impressionante a quantidade, o dinamismo e a agilidade em
obter as informações que as mídias digitais nos disponibilizam ao alcance dos dedos. A
Educação em nossas escolas, mais especificamente a Educação Matemática, não pode ficar
alheia a essas mudanças tecnológicas e culturais. Nessa transição, segundo D’Ambrosio (2018,
p.46), a educação “não pode focalizar a mera transmissão de conteúdos obsoletos, na sua
maioria desinteressantes e inúteis, e inconsequentes na construção de uma nova sociedade”.
Precisamos buscar alternativas para fazer uso desses recursos tecnológicos disponíveis e
aproveitar as habilidades dos estudantes em interagir com essas mídias digitais para desenvolver
o máximo de conhecimento no processo educacional.
Sabemos que nessa transição, o docente continua sendo fundamental na condução e na
articulação desse processo. A utilização de tecnologias na educação podem ser meios auxiliares
para o professor desenvolver, gerenciar, facilitar o processo de aprendizagem e, naturalmente,
interagir com o aluno na produção e crítica de novos conhecimentos (D’AMBROSIO, 1996).
Buscamos, por meio dessa pesquisa, não encontrar uma receita prática para ensinar, mas
procurar caminhos que possam fazer bom uso das tecnologias de informação e comunicação
para auxiliar no desenvolvimento de conceitos matemáticos e fortalecer a democracia em nossa
sociedade. Explorando as habilidades já construídas pelos estudantes em manusear e buscar
dados por meio das mídias digitais, pretendemos não só desenvolver nos alunos a capacidade
de obterem as informações que necessitem, mas principalmente, fazerem uma reflexão crítica
sobre elas, para que possam ser utilizadas para melhorar a sua vida e da comunidade em que
estão inseridos.
Para aproximar o assunto a ser trabalhado com a vida diária dos alunos, propomos a eles
se colocarem no papel de Prefeito da cidade. Olhar para as coisas boas, para os problemas e
tentar encontrar alternativas para melhorar a sua vida e da comunidade em que estão inseridos.
Para que pudessem projetar alternativas, os estudantes tiveram a oportunidade de conhecer os
mecanismos básicos de funcionamento da administração municipal. Tiveram acesso a
110
informações oficiais do município de Salvador do Sul, como as receitas, despesas, forma de
pagamento por meio de empenhos, relatórios e planilhas financeiras que demonstravam a
situação financeira do município.
Tentando responder à pergunta diretriz sobre qual a contribuição que a Educação,
especificamente a Educação Matemática pode fornecer para o desenvolvimento da cidadania
nas escolas e na formação do cidadão, buscamos desenvolver nos estudantes mais do que a
habilidade de manusear recursos computacionais, mas ampliar a capacidade de selecionar as
informações que possam melhorar a sua vida. Julgá-las de forma crítica, que ajudem a
compreender o mundo em sua volta e que relacionam conceitos matemáticos com a realidade
do aluno. Compreender que a matemática está presente no dia a dia das pessoas, mesmo sendo
difícil de identificar, e que ela é responsável pela formatação dos mecanismos de funcionamento
da sociedade. Tratar em sala de aula temas de interesse dos estudantes, que envolvam
diretamente as suas vidas ou de suas comunidades, que eles possam participar de forma crítica
e responsável nos processos de tomadas de decisão sobre assuntos relacionados com o lugar
onde vivem, fortalecendo o exercício da democracia nas escolas e favorecendo a participação
dos alunos em todo o processo educacional.
Entendemos ser possível desenvolver o exercício da cidadania desde os primeiros
ensinamentos em nossas escolas. Sentimos, durante a realização da pesquisa, que os interesses,
as vivências, as experiências, as dificuldades e os problemas dos estudantes devem estar
presentes na hora do planejamento do currículo escolar. Devemos discutir e abordar, em sala
de aula, assuntos que fazem parte do dia a dia da vida do aluno, da família e da comunidade.
Para que essa discussão tenha importância, faça sentido e possa produzir o máximo de
conhecimento educacional durante as aulas, é preciso ouvir o estudante, que ele possa contribuir
com suas experiências, trocar conhecimentos com seus pares, dialogar de forma igualitária com
seus colegas e com o professor e participar nas decisões sobre os caminhos a serem seguidos
no próprio processo educacional.
Concluímos que a forma como encaminhamos a atividade, colocando os estudantes na
posição de prefeito da cidade, possibilitando que eles encontrassem as coisas boas, mas também
os problemas da cidade, foi fundamental para o desenvolvimento da cidadania durante essa
pesquisa. Essa atitude permitiu que os alunos conduzissem os rumos da investigação,
dialogassem com seus pares e com o professor, pautassem problemas que afetavam as suas
vidas, que sejam importantes e façam sentido para eles. Dessa forma, surgiram os temas
transporte escolar, terminal rodoviário, projeto arborizando, redes de água, merenda escolar,
111
funcionalismo público, manutenção de estradas, iluminação pública e outras discussões
envolvendo a administração pública. Começamos a enxergar o município pelos olhos dos
estudantes, as coisas que eles consideravam como sendo boas no município e os problemas que
deveriam ser resolvidos, houve a possibilidade de focar as discussões nas prioridades dos
alunos.
A partir desse envolvimento dos estudantes, percebemos evidências de cidadania em
quase todas as etapas da pesquisa, como demonstrado no interesse em buscar informações sobre
receitas e despesas do município para compreender os mecanismos de funcionamento da
administração pública, na participação da construção dos murais virtuais, na forma democrática
em que os principais assuntos foram abordados, no diálogo entre os colegas e entre os alunos e
professor, nas trocas de mensagens nas redes sociais e nas reflexões sobre possíveis alternativas
para resolver a situação-problema levantada por eles. Por fim, concluímos que os estudante
demonstraram aspectos relacionados à cidadania, que participam das discussões, contribuem
com suas experiências, sugerem melhorias, buscam informações e estão cientes de seu papel na
comunidade.
Constatou-se, por meio da pesquisa, que as Tecnologias Digitais contribuem para a
formação de uma Literacia Digital e para o fortalecimento da Cidadania na sociedade.
Encontramos evidências de Cidadania e de algumas das habilidades que compõe a Literacia
Digital. Observamos que a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação foram
importantes ferramentas para buscar informações que contribuíram na compreensão dos
mecanismos de funcionamento da sociedade e na promoção do diálogo entre as partes, essencial
para a construção do conhecimento e para a democracia.
Identificamos a habilidade inteligência coletiva quando os alunos demonstraram a
capacidade de reunir os conhecimentos, compararam suas anotações com seus colegas,
compartilharam suas experiências para o crescimento do grupo sobre os assuntos transporte
escolar e implantação de um terminal rodoviário. A partir do levantamento dos principais
problemas da cidade, os estudantes trouxeram para a discussão um problema que estava
afetando as suas vidas, que era a forma de organização do transporte escolar em alguns bairros.
A implantação do zoneamento que exigia a transferência de escola ou turno, ou fazendo a
família arcar com os custos do deslocamento, causaram um certo desconforto que provocou a
troca de experiências entre os estudantes e entre professor e estudantes.
Nesse diálogo entre as partes, a reflexão sobre o assunto transporte escolar, proporcionou
um crescimento do grupo quando abordaram outras dificuldades envolvendo a mobilidade
112
urbana na cidade, como a implantação de uma rodoviária. Também houve reflexões sobre as
possibilidades de resolver essas situações-problemas que exigiam uma compreensão da situação
financeira do município para avaliar criticamente a viabilidade de melhorar essa situação.
Comparar as experiências com seus pares, utilizar uma análise crítica para chegar a conclusões
pessoais sobre um objetivo comum são capacidades que evidenciaram a habilidade inteligência
coletiva.
Encontramos evidências da habilidade networking quando constatamos a produção de
conhecimento de forma coletiva sobre o tema transporte escolar. Os estudantes demonstraram
a capacidade de navegar com sucesso em um mundo abundante de informações e de recursos
tecnológicos. Souberam fazer uso do aplicativo Patlet para facilitar a comunicação com seus
colegas, expressaram opiniões e participaram na seleção da informação mais importante para
melhorar a sua vida. Apresentaram a capacidade de utilizar tecnologias digitais na construção
dos murais virtuais, promovendo a comunicação com seus pares, participando na construção
coletiva de conhecimentos e colaborando com suas vivências para solucionar o problema.
Em certo momento, durante a realização das tarefas, os alunos estavam pesquisando
sobre a população e as receitas do município no site do Tribunal de Contas do Estado, nesse
site existiam informações sobre as receitas, mas não encontraram dados sobre a população. Para
obter esses números, os estudantes souberam procurar em outro site para resolver a situação e
disseminaram as informações para seus colegas. Essa capacidade de procurar, sintetizar e
disseminar as informações são evidências do desenvolvimento da habilidade networking.
A utilização em sala de aula de computadores, celulares, projetor, televisão, internet,
aplicativos e softwares, são importantes ferramentas para obter informações municipais sem
precisar sair da escola. Além da disponibilidade dessas tecnologias de informação e
comunicação, durante a realização da pesquisa, os alunos também tiveram a oportunidade de
manusear documentos oficiais do município, como empenhos, protocolos, relatórios e planilhas
financeiras. Percebemos que os estudantes demonstraram a capacidade de acompanhar o fluxo
de informações em todos esses meios diferentes de comunicação, escolhendo os dados de maior
relevância no momento, evidenciando a habilidade navegação transmídia.
Verificamos que, durante a pesquisa, os alunos conseguiram, por meio da utilização das
mídias digitais, buscar informações importantes sobre diversos municípios (população, receitas,
despesas, gastos por secretaria ou por atividade). Entraram em contato e interpretaram
empenhos, obtendo as principais informações sobre o que estava sendo pago, por qual secretaria
municipal, para quem, qual a finalidade e a data do pagamento. Souberam interagir, se
113
comunicar e compartilhar informações diferenciadas por meio das redes sociais e participaram
na construção dos murais virtuais. Essa capacidade de ler, interpretar, interagir, buscar,
compartilhar e usar de forma crítica as informações contidas em diversas mídias são habilidades
fundamentais para o desenvolvimento da Literacia Digital.
A construção de murais virtuais promoveu o diálogo entre os estudantes, favoreceu o
crescimento do grupo, destacando as ideias principais, mostrando as coisas boas, as maiores
dificuldades e as ações que a maioria fariam para melhorar o município. As possibilidades de
pensamentos criados em torno da utilização das tecnologias de informação e comunicação,
comprovam que é possível desenvolver uma Literacia Digital nas aulas de Matemática das
escolas públicas, e contribui para o fortalecimento da cidadania.
Como professores de matemática, uma das preocupações durante a realização da
pesquisa, era de não encontrar conteúdos matemáticos que poderíamos explorar e aprofundar
durante as aulas. No entanto, constatamos a ação da Matemática em várias situações relatadas
pelos estudantes, como na comparação das populações, das rendas per capitas, das receitas, das
despesas e nos investimentos por área dos municípios da região; na constatação dos gastos em
manutenção dos serviços verificados nos empenhos; na análise da situação financeira do
município, os gastos com funcionários e fundo de aposentadoria dos servidores; nas falas do
professor (prefeito) quando coloca as dificuldades financeiras do município e a necessidade de
reduzir gastos; nas falas dos alunos quando sugerem mais linhas de transporte escolar, um
terminal de ônibus, instalação de redes de água potável e transporte público para as
comunidades do interior, mais oportunidades para os jovens, pavimentação de ruas e estradas,
melhorias na merenda escolar e na iluminação pública, entre outros. Observamos que a
Matemática está presente na formatação da sociedade e que as possíveis ações necessitam do
raciocínio matemático para que possam ser concretizados.
Os alunos tiveram a oportunidade de constatar que o município possui limitações e que
para realizar as melhorias que sugeriram, é preciso dispor de recursos e, muitas vezes, fazer
escolhas, definir prioridades, refletir sobre a possibilidade de aumentar as receitas ou reduzir os
gastos. Essa compreensão de que na administração pública, assim como na vida particular,
temos limitações e que precisamos definir prioridades na hora da tomada de decisão, são
exercícios importantes para o desenvolvimento da cidadania nas aulas de Matemática das
escolas.
Reconhecemos que encontramos dificuldades, principalmente pelo pouco tempo para
realizar a pesquisa, em explorar os conteúdos matemáticos que afloraram em alguns momentos
114
da pesquisa. Poderíamos, por exemplo, ter feito levantamento de custos de todo o transporte
escolar da cidade, calcular a distância percorrida, o custo por quilômetro, tabelar, fazer gráficos
e projetar o gasto com a implantação de novas linhas para atender a demanda. De maneira
intrínseca, tínhamos a possibilidade de aprofundar e trabalhar conteúdos matemáticos em temas
como merenda escolar, iluminação pública, projeto arborizando, pavimentações de ruas, redes
de água, terminal rodoviário, gastos com pessoal, fundo de aposentadoria, aumento de receitas,
entre outros.
O pouco tempo para explorar o máximo possível de conhecimento também prejudicou a
ida dos estudantes a Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores. Pelo planejamento da
atividade, os alunos iriam visitar todas a secretarias, conversar com os secretários municipais e
levar propostas para a melhoria da cidade. Porém, não houve tempo hábil para realizar as visitas
em todas as secretarias (faltou a secretaria da saúde), até conhecer os principais setores e ouvir
as explicações dos secretários, já estava no final da manhã e os alunos não conseguiram expor
as suas propostas para os secretários. Essa falta de tempo também foi abordada na discussão
realizada com a turma para avaliar a visita feita no dia anterior.
Destacamos que as contribuições dos estudantes, durante a realização das atividades,
proporcionaram um leque de possibilidades de encaminhamentos que podem ser temas de
outras pesquisas nas áreas da educação matemática, ciências humanas, ciências da natureza,
tecnologias e na área das linguagens. É possível trabalhar de forma interdisciplinar com todas
as áreas de conhecimento. Mesmo não sendo abordado durante as atividades, por não ser esse
o objeto de pesquisa, poderiam ser realizadas, por exemplo, redações argumentativas sobre o
transporte escolar, um estudo mais detalhado sobre o projeto arborizando, um comparativo
econômico, histórico e social entre os municípios da região, sustentabilidade, alimentação
escolar e uma projeção de economia substituindo a iluminação pública por lâmpadas de diodo
emissor de luz, mais conhecido como LED (Light Emitting Diode).
Para finalizar, baseados nas análises realizadas em nossa pesquisa, concluímos que a
Educação Matemática contribui para o desenvolvimento da cidadania e na formação de um
cidadão crítico, participativo e ciente de seu papel na sociedade. Para isso, precisamos criar
espaços democráticos na salas de aula, nos quais o aluno possa participar das decisões que
envolvem o rumo a ser seguido no processo educacional, além de fazer uso dos recursos
tecnológicos disponíveis para promover a Literacia Digital. Ouvir as necessidades e o interesse
dos estudantes, aproveitar as suas vivências para potencializar ao máximo as experiências
educacionais. Precisamos abandonar a forma tradicional de ensinar que não está mais atendendo
115
às necessidades dos estudantes. Usar outras estratégias, ouvir os anseios dos alunos, discutir
assuntos que fazem sentido em suas vidas e que possam ajudar a melhorá-la. Refletir sobre
situações que envolvem diretamente o seu cotidiano ou da comunidade em que estão inseridos
para que eles possam compreender o que está acontecendo e participarem ativamente das
tomadas de decisão.
116
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119
APÊNDICES
Apêndice 1: Transcrição da explicação do pesquisador sobre o que acredita ser o trabalho
do prefeito. Segue transcrição desse momento, vídeo 1 da primeira etapa: (0:01;13) Pe: “A função do prefeito basicamente é de tentar ver as principais
necessidades do município e ver se tem recursos para isso, enfim, definir
prioridades. A questão prática do dia-a-dia, pagamentos, tudo isso tem pessoas lá
dentro da prefeitura que fazem, [...] mas a principal função é justamente isso, a
gente poder identificar os maiores problemas que têm ou as prioridades que têm e
tentar resolver, nem sempre dá, porque as vezes, nem sempre têm recursos,
também é uma realidade. Hoje a dificuldade financeira é geral, mas enfim a gente
está tentando, e isso quero que vocês também possam buscar, ver como funciona
o dia-a-dia, como entram os recursos na prefeitura, hoje basicamente como entra
o dinheiro para manter uma administração municipal, como ele sai, a forma de
pagamento, os secretários municipais. Na prática, vocês vão ter a liberdade de
buscar as informações que vocês acharem necessárias, as que quiserem, têm
algumas ferramentas, como eu falei, a tecnologia, a internet está aqui para isso,
vou mostrar alguns sites que vocês podem entrar para verificar as receitas e as
despesas do município”.
Apêndice 2: Diálogo dos estudantes durante o intervalo.
Transcrição do vídeo 1 da segunda etapa, abaixo: (0:34:41) Cr: “Vamos tirar uma foto na frente do negócio com a mãozinha”. (0:34:44) Th.: “A tá, show”; (0:34:47) Fe: “Deixa eu ler, deixa eu ler, dá licença”. (0:34:51) Th: “Não dá para ler”. (0:34:58) Br: “Violência e boa qualidade”. (0:34:59) Fe: “É uma cidade boa de viver”.
(0:35:01) Br: “Não têm muita violência”. (0:35:03) Fe: “Plantão no hospital”. (0:35:04) Ca: “Calma”...tirou foto com a colega Ma. (0:35:05) Br: “Nunca nem vi”. (0:35:06) Th: “Têm como no hospital? Em, vocês falaram no hospital?” (0:35:12) Fe: “Não! A gente não vai lá!” (0:35:15) Th: “A mãe vai pra lá.” (0:35:17) Fe: “Não, eu fiquei doente na semana passada e fui fazer um negócio.”
(0:35:21) Em: “Sai da frente.” (0:35:23) Th.: “Tenho dois pila.” (0:35:26) Em.: “Agora eu fico na frente.” (0:35:30) Th.: “Pega a câmera frontal aqui assim, tá ligado.” (0:35:35) Em.: “Espera. Ai Padilha!” (0:35:43) Cr.: “Padilha! Vamos de novo que o Padilha fez bobagem.” (0:35:46) Fe.: “Não sabe brincar então desce para o Play.” (0:35:56) Pe.: “Manda para mim depois? A foto.” (0:35:58) Ca.: “Sim.” (0:36:03) Em.: “Hein. Pegou o negócio, ficou bem claro.” (0:36:06) Fe: “Era a intenção.”
(0:36:08) Pe.: “Depois a gente continua pessoal.”
120
No retorno do intervalo, foi sugerido pelo professor para os grupos acessarem a
próxima pergunta por meio do link projetado na tela. Como estavam usando o celular e
interligados no grupo criado para essa finalidade, os alunos sugeriram utilizar o WhatsApp
Web para enviar o link para todos os grupos. Segue a transcrição do diálogo do vídeo 2 da
segunda etapa:
(0:03:01) Pe.: “Enquanto que o Al. e o grupo dele lá termina, os outros já concluíram?
Querem acrescentar mais alguma coisa? Aí eu vou salvar daqui a pouco. E, depois,
têm uma outra questão aqui, a questão dois.” (0:03:18) Fe.: “Manda o link.” (0:03:26) Per.: “É só copiar esse link aqui de cima pessoal. Digita esse link lá que abre
ou alguém digita e manda no grupo da F911 para os demais aí. (0: 03:38) Fe.: “Vai Fabi!” (0:03: 42) Fa.: “A gente copia é tão melhor.”
(0:03:44) Fe.: “Eu não”. (0:03:45) Pe.: “Tá ali, mas para vocês entrarem lá têm que digitar, tranquilo, mas se
alguém digitar lá no celular você consegue já, só clicar que abre. (0:03:52) Fe.: “Tu não têm como mandar?” (0:03:56) Pe.: “Tenho como copiar?” (0:03:58) Fe.: “Copiar e mandar pelo WhatsApp Web.” (0:04:04) Pe.: “Como?” (0:04:05) Fe.: “WhatsApp Web.” (0:04:08) Pe.: “Eu não tenho o WhatsApp Web aqui.” (0:04:09) Fe.: “Deixa eu.” (0:04:10) Th.: “É só colocar o celular ali” (0:04:12) Pe.: “Ah?” (0:04:15) Fe.: “Coloca algum celular ali, bota o meu.”
(0:04:18) Pe.: “A gente sempre está aí para aprender.”
Apêndice 3: Diálogo ocorrido durante a pesquisa sobre população dos municípios.
Segue transcrição de um desses diálogos durante a aula, vídeo 1 da terceira etapa:
(0:01:03) Em.: “Gente é 7219 a população de Salvador do Sul?” (0:01:07) Ca.: “Isso é 2010?” (0:01:08) Em.: “Sim.” (0:01:09) Ca.: “Precisa pegar 2017.” (0:01:12) Em.: “Mas aquele outro também é 2010. Olha” (0:01:15) Ca.: “Espera, deixa eu pensar.” (0:01:25) Ca.: “População estimada 7434. População do último censo 6747?” (0:01:34) Em.: “Estimado é quanto?” (0:01:35) Br.: “7000... ” (0:01:36) Ca.: “434.” (0:01:37) Br.: “2017.” (0:01:39) Ca.: “IBGE.” (0:01:40) Al.: “No IBGE?” (0:01:41) Ca.: “No site nós fomos buscar. O professor?” (0:01:43) Pe.: “Oi.” (0:01:44) Ca.: “Aqui tá que a população estimada é de 7434 e no último censo de 2010
era 6747.” (0:01:50) Cr.: “Não, pega o último censo.”
121
(0:01:52) Pe.: “Pega o censo. Porque o estimado já não é exato, pega o censo que é um
número oficial.”
Apêndice 4: Diálogos ocorridos para preparar os assuntos a serem levados para os Secretários
Municipais.
Segue transcrição da discussão dos alunos com o professor, vídeo 1 da quarta etapa:
(0:01:38) Pe.: “Pessoal todos chegaram a formular, eu até mandei no WhatsApp na
segunda-feira de manhã, não sei se todos os grupos conversaram sobre isso, as
questões para vocês conversarem hoje e levarem para os secretários, algumas
sugestões e ideias né, eu acho que vocês tem que chegar lá e ó, a gente pensa em fazer
isso, isso e aquilo, pelo menos algumas ideias. Eu vi assim que a maioria dos grupos
colocou a questão da rodoviária, um ponto de parada, uma rodoviária que é um
problema que todos os grupos praticamente apontaram e também sobre uma linha de
transporte interna ou que vai para o interior, que as pessoas poderem de repente usar.” (0:02:24) Ca.: “Transporte escolar, mais transporte escolar! Porque não têm.” (0:02:31) Pe.: “Transporte escolar?” (0:02:32) Ca.: “Transporte escolar nós não temos. Em função do zoneamento, sabe,
mas.” (0:02:36) Th.: “É ruim.” (0:02:37) Pe.: “No caso específico teu ou de mais alguns aqui?” (0:02:40) Na.: “Eu também não venho de ônibus porque o ônibus que cruza lá só pega
crianças da Selma.” (0:02:46) Ca.: “É lá em casa tipo o ônibus passava no início do ano lá e voltava sem
ninguém.” (0:02:50) Na.: “Ele disse que não pode levar nenhuma criança dessa escola, São
Salvador e Santo Inácio, só Selma.”
(0:02:55) Pe.: “Ele vai para lá no caso.” (0:02:56) Cr.: “É tipo ele passa na frente da casa dela mas ele não pára, ele não pode
pegar elas.” (0:03:01) Na.: “Lá cruza mais de um ônibus para levar crianças na Selma mas eles não
podem pegar nenhuma criança de outra escola, de manhã, de tarde sim.”
(0:03:09) Th.: “O pessoal de São Pedro também tinha ônibus para cá, agora não têm
mais.” (0:03:15) Pe.: “De manhã não né?” (0:03:16) Th.: “Não.” (0:03:17) Pe.: “É uma questão assim de redução de custos né, porque pelo que eu sei,
até agente discutiu essa questão assim com a secretária de Educação, com o Secretário
também, é a gente têm alunos, por exemplo, a Selma Wallauer têm o ensino
fundamental todo, completo, até o nono ano, então teoricamente os que moram na
linha do meio e até no Bela Vista, aquela rua do Bela Vista todos vão para a Selma.
A conversa continua por mais alguns minutos, os alunos alegavam que na outra escola
não teria vaga, que não era certo fazer o ensino fundamental em uma escola diferente da que
oferece também ensino médio, a qualidade do ensino na outra escola era inferior, não
aprofundava tanto os conteúdos e que o zoneamento não traria economia. Depois voltaram ao
mesmo assunto, como mostra a transcrição da conversa do vídeo 1 da quarta etapa:
(0:06:10) Cr.: “E também tipo, os ônibus passam na frente, para pegar eles só não
param, então é a mesma coisa, só eles iriam parar e levar para a escola.” (0:06:16) Pe.: “Mas é que esse ônibus não vem até aqui de manhã.”
122
(0:06:20) Na.: “Mas ele vem até onde, só lá trás.” (0:06:22) Pe.: “Ai sim, por exemplo, tem casos específicos. De repente não, por
exemplo assim os que vão para a Selma, vão para a Selma e acabou, eles não vem para
cá.” (0:06:31) Ca.: “Mas teria como mudar isso, tipo botar um ônibus para esses que não
têm, ou mudar a linha deles?” (0:06:36) Cr.: “É eu acho que poderia, normalmente têm.” (0:06:38) Pe.: “Têm, só que aí.” (0:06:40) Ca.: “Porque acho que é direito de todo estudante ter transporte para vir
para a escola né?”
(0:06:43) Pe.: “Sim.” (0:06:44) Th.: “Tipo, eu vou caminhando por baixo com mais alguns, aí tipo é, não
estou falando dela, passa um ônibus do lado da gente e vai lá traz mas ele não passa
por dentro de São Pedro. Para não ter que levar ninguém, ele vai por fora, tipo deve
ter o que? três pessoas. (0:06:57) Na.: “É verdade!” (0:06:57) Pe.: “Mas é ônibus de Salvador né.” (0:06:59) Th.: “Mas têm três pessoas dentro, três!” (0:07:01) Pe.: “É que aí vocês têm que entender uma coisa.” (0:07:05) Cr.: “Tipo, se tiver que ir em cada bairro para pegar três crianças também
não há economia.” (0:07:09) Th.: “Por que não passa por dentro e deixa, tipo têm mais uns seis, sete.”
(0:07:11) Fa.: “Mano, no ensino médio, minha irmã morava em Barão, o ônibus ia
buscar ela lá em Barão para ela vir para cá no ensino médio. (0:07:18) Th.: “Mano, ele passa do lado da gente”. (0:07:23) Pe.: “Só que aí ele teria que entrar no outro município né e isso por lei, um
município não pode entrar no outro para pegar o transporte escolar. Então, têm várias
questões assim.” (0:07:32) Pe.: “Outro detalhe que vocês de repente nem sabem, transporte escolar ele
é só para o pessoal do interior.” 0:07:37) Ra.: “Mas têm o Ensino Médio.” (0:07:38) Pe.: “Na realidade o pessoal da cidade.” (0:07:40) Fa.: “Sério isso?” (0:07:41) Pe.: “Sim. Pessoal da área urbana não têm direito a transporte escolar. Aqui,
tudo a gente sempre faz, a prefeitura tenta fazer porque aí vem o pessoal do interior já
aproveita e passa e leva junto, mas o custo.” (0:07:54) Ca.: “Eu sou do interior e não tenho transporte!” (0:07:56) Ra.: “Mas no ensino médio, tipo o ônibus não vai para, fica aqui e vai para
São Pedro?” (0:07:59) Cr.: “É, tipo não faz sentido, se ele vai...” (0:08:01) Fe.: “No ensino médio o ônibus está cheio porque todo mundo vem.” (0:08:03) Cr.: “Se ele vai de tarde e de noite ele vai tipo para lá.” (0:08:05) Pe.: “É que o ensino médio de São Pedro como o município de São Pedro
não têm ensino médio então, aí sim.” (0:08:13) Fa.: “Aí vem para o município vizinho” (0:08:14) Pe.: “Aí a prefeitura pode disponibilizar transporte para levar para outro
município. Mas é a prefeitura de São Pedro que é responsável.” (0:08:23) Ca.: “Mas seria possível botar uma linha de transporte lá para cima?”
(0:08:28) Pe.: “Têm, têm mas têm que pagar, tem que contratar, tem que contratar uma
empresa, é um custo a mais né, então a ideia nossa justamente é de fazer o zoneamento
é evitar, diminuir o custo. Por exemplo: a de tarde vai para o ensino médio, então ele
faz tudo, então quem puder de repente, quem estuda de tarde aqui ele pode ir junto
com o transporte do ensino médio, não têm problema nenhum, aí tu têm essa opção.
O problema aqui é o ensino fundamental da manhã.” (0:08:54) Ca.: “O zoneamento é uma lei do município ou é estadual?”
123
(0:08:57) Pe.: “Ela é estadual e foi adaptada também no município, no estado também
têm a questão do zoneamento. É tudo em função de reduzir gastos né, então quer dizer,
tu vai precisar contratar uma empresa a menos. Tinha algumas coisas erradas, por
exemplo, tinham alunos lá que moravam lá na linha do meio, a 200, 300, 500 metros
da escola e vinham estudar aqui. Tá tudo bem, nada contra, tu pode ter essa opção de
escolher a escola, mas não têm lógica, imagina se o município, tu pagar um transporte
para pegar um aluno lá na linha do meio, especialmente para trazer, especialmente
não, mas pegar lá e trazer para cá. Então são essas situações que é difícil, imagina, se
coloca no lado do município, tu vai gastar, tu vai contratar uma empresa para lá pegar
alunos lá na linha do meio e trazer para cá. Se tu pode fazer o que? Os que estão lá,
estudam na escola que está lá e os outros que estão mais próximos aqui da escola São
Salvador ou das outras. (0:09:53) Th.: “Tá se aqui é melhor que lá?” (0:09:55) Ca.: “Só que muitas vezes, como falaram ontem, o ensino muitas vezes é
melhor”. (0:09:57) Pe.: “Na realidade assim, a ideia, eu sei assim, aqui a escola já têm mais
tecnologia, já estão mais é, de repente um pouquinho mais avançada né do que lá, mas
a ideia da municipalidade é fazer com que as escolas sejam uniformes, que elas tenham
a mesma qualidade, eu até acho que assim a Selma Wallauer hoje é uma escola já
muito boa.” (0:10:18) Fa.: “É que a única diferença é uma ser estadual e a outra municipal.”
(0:10:21) Pe.: “É, falta essa questão tecnológica, daqui a pouco mais é uma questão
que a gente vai também trabalhar. Justamente para isso, quero dizer, tu tira de um lado,
tu poupa num lugar para poder investir no outro, senão a gente sempre vai ter essa
diferença na educação. Então, é uma questão que eu defendo, que eu acho que é
necessário fazer, é que sempre foi assim, sempre foi feito isso mas o município estava
sem recursos para fazer tudo isso, então o que acontecia, na hora que tu vai, é, tu
precisa tirar os recursos de algum lugar, então o que a gente fez, a gente pensou, não,
vamos enxugar aqui para sobrar dinheiro para investir lá. É essa a questão.” (0:11:03) Fe.: “Tu têm alguma coisa para comparar o que foi gasto com o transporte
ano passado e esse ano, com a redução de gastos?”
(0:11:07) Pe.: “Eu já pedi para a secretária fazer isso. Fazer um levantamento.”
Essa discussão continuou por mais alguns instantes, alguns alunos falaram que tinha
transporte antes, que essa mudança começou em 2017 e 2018, alegaram que deveria ter
continuado o transporte pelo menos esse ano ainda pois era o último ano deles no ensino
fundamental, era ruim trocar de escola e depois voltar novamente para fazer o ensino médio.
O professor falou sobre a necessidade de algum momento fazer o corte para poder reinvestir
na educação. Segue transcrição de parte desse diálogo, vídeo 1 da quarta etapa:
(0:12:09) Fe.: “Sim, mas a gente que tá no nono, se o transporte vai do mesmo para lá
e vem pra cá, pessoas que já estavam nessa escola tem que trocar de escola. (0:12:16) Th.: “Para depois voltar.” (0:12:18) Fe.: “É, tem que mudar tanto. Tipo eu, eu ia ter que estudar um ano na escola
Selma Wallauer para depois voltar para cá, ia dar no mesmo, um ano vocês poderiam
dar transporte.” (0:12:28) Pe.: “Mas aí ano que vem vai ser a mesma estória. Vai ter um outro aluno
que vai estar no nono ano que vai acontecer a mesma coisa, então, algum momento
têm que fazer o corte né, senão tu não consegue ajustar nunca. E sempre vai ter um ou
outro caso que acontece isso né, que o aluno está estudando aqui, mora em outro
bairro né, então algum momento tem que cortar.”
Apêndice 5: Produto técnico- Sequência didática
124
Marco Aurélio Eckert
EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E CIDADANIA:
ENTRELAÇAMENTOS POSSÍVEIS
PRODUTO DA DISSERTAÇÃO
PORTO ALEGRE
2019
125
O presente produto técnico é fruto da dissertação intitulada: Educação Matemática e
Cidadania: entrelaçamentos possíveis. A sequência de tarefas que será apresentada, foi aplicada
durante a prática de pesquisa e refere-se a uma investigação de como as Tecnologias de
Informação e Comunicação podem contribuir para aproximar os conceitos matemáticos ao
cotidiano dos estudantes e fortalecer o desenvolvimento da cidadania em nossa sociedade. A
investigação foi realizada em uma turma de nono ano regular do Ensino Fundamental, de uma
escola pública estadual da área urbana do município de Salvador do Sul, Rio Grande do Sul.
A motivação para este estudo foi a inquietação e a percepção que as aulas de
matemática precisavam fazer sentido e ter importância na vida dos estudantes. Abordar
conteúdos que estejam presentes no dia a dia das pessoas, que possam contribuir para a
compreensão dos mecanismos de funcionamento da sociedade, que aproveitem as experiências
dos alunos para produzir o máximo de conhecimento educacional e que permitam refletirem
criticamente sobre o que está acontecendo em sua volta para que eles possam participar nos
processos de tomadas de decisão, fortalecendo assim a cidadania.
Os principais referenciais teóricos que deram sustentação a pesquisa se ancoram nas
ideias de Cidadania, por meio de Skovsmose (2007 e 2013), Alro e Skovmose (2006) e
D’Ambrosio (1996) e nas relações entre Educação Matemática e Tecnologias Digitais, usando
Notare e Basso (2012), Lummertz, Sápiras e Dalla Vecchia (2015) e Jenkins et al (2009). A
pesquisa foi conduzida sob o viés qualitativo de investigação, procurando indícios de respostas
para a pergunta: Como as Tecnologias Digitais podem contribuir para a formação de uma
Literacia Digital e para o fortalecimento da Cidadania na sociedade?
Devido a experiência do pesquisador em gestão municipal e conhecedor das
informações sobre receitas e despesas dos municípios disponíveis em sites oficiais, propomos
que os alunos assumissem o papel de prefeitos da cidade, identificando pontos positivos,
problemas e sugerindo propostas para melhorar o município. A intenção dessa proposta é deixar
os estudantes conduzirem todo o processo educacional, trazerem a sua visão do lugar onde
vivem, discutirem assuntos de seu interesse para incentivar a participação de todos e de forma
democrática, escolherem as prioridades a serem propostas para melhorar o município.
Diante deste senário de investigação, com o uso de um material aberto e libertador
(SKOVSMOSE, 2013), não é possível prever o que poderá surgir. Nessa zona de risco, outras
questões podem aparecer e, muitas vezes, precisamos mudar o percurso planejado. Portanto, o
papel do professor é participar, interagir, conduzir, contribuir, deixar fluir e explorar as
vivências trazidas pelos estudantes para avançar na construção de novos conhecimentos.
126
Disponibilizamos, a seguir, a sequência revisada de algumas das atividades realizadas,
baseadas na experiência vivenciada nessa pesquisa. Esse é um plano que pode avançar para
vários caminhos que podem ser explorados ou não durante o percurso. Traremos algumas das
situações ocorridas em sala de aula durante os trabalhos e as decisões tomadas para desenvolver
o máximo de conhecimento educacional nesse processo.
Objetivos gerais:
Desenvolver no educando a compreensão de seu papel na comunidade em que está
inserido buscando identificar problemas de seu cotidiano, planejar possíveis soluções e
analisando as informações disponíveis, propor alternativas para solucionar seus problemas;
Por meio dos recursos tecnológicos à disposição dos alunos, obter, copilar, analisar as
informações e com o auxílio da Matemática formar possibilidades que possam melhorar a vida
do aluno e do lugar onde vive.
Objetivos específicos:
Aproximar os conceitos Matemáticos ao cotidiano do aluno com auxílio das
Tecnologias de Informação e Comunicação;
Utilizar as tecnologias de informações disponíveis para obter, selecionar, avaliar, copilar
e utilizar as informações necessárias para as tomadas de decisões (literacia digital);
Desenvolver no aluno o censo crítico sobre a aplicação de recursos públicos;
Conscientizar o educando sobre a importância da participação na escolha das
prioridades na gestão pública, contribuindo assim na formação de um cidadão consciente e
crítico sobre o seu papel na sociedade em que está inserido.
Promover a interdisciplinaridade.
127
SEQUÊNCIA DE TAREFAS
Apresentaremos a sequência de tarefas utilizadas para desenvolver ideias relacionadas
à visão sócio crítica e ao conceito de cidadania. O material utilizado para o desenvolvimento:
televisão ou projetor, computador, notebooks, softwares, internet, celular, aplicativos, quadro
branco e canetas. Optamos por fazer uma abordagem que descreve de modo detalhado as ações
feitas em cada um dos encontros trabalhados.
Primeiro encontro (2 h/aulas)
O primeiro encontro entre o pesquisador e a turma ocorreu no dia 26/04/18, dois
períodos de 50 minutos. Nesse primeiro contato, foi feito uma breve apresentação pessoal do
pesquisador que falou sobre a proposta de trabalho, sobre a necessidade de gravar as aulas,
realizou a entrega dos termos de assentimento, consentimento e solicitou uma apresentação
individual dos alunos.
Após as apresentações, foi ressaltado pelo professor a importância de conversarem pois
mesmo eles se conhecendo sempre surge algo novo. Foi sugerido a formação de grupos de três
ou quatro integrantes, preferencialmente do mesmo bairro ou próximos. Surgiu então a
informação de que haviam alunos do município vizinho, esse fato foi valorizado pelo professor
que falou ser importante para comparar os municípios. Também foi solicitado o contato
telefônico, whatsApp e e-mail de pelo menos um dos integrantes de cada grupo para facilitar a
comunicação.
Enquanto que os grupos estavam sendo formados, o professor tentou ligar a televisão, o
notebook e a internet da sala de aula da turma para passar um vídeo sobre democracia, surgiu
então o primeiro contratempo: o notebook e a televisão não ligaram. Foi importante o professor
estar preparado para enfrentar eventuais problemas com as tecnologias, como não conseguiu
iniciar o que tinha previsto, o professor havia recolhido na prefeitura vários documentos que
estavam para serem analisados pelo prefeito e entregou para os alunos conhecerem. Eram
relatórios de receitas e despesas diárias11 realizadas pelo financeiro durante o mês, vários
11 Esse relatório fornece a movimentação das entradas, saídas e o saldo final dos recursos da prefeitura naquele dia.
Inclusive o fundo de aposentadoria dos servidores municipais.
128
empenhos 12 realizados para efetuar pagamentos de serviços e produtos, correspondências
recebidas e protocolos de munícipes sobre diversos assuntos relativos ao trabalho do prefeito.
Esses documentos foram distribuídos entre os grupos para selecionarem os que achavam
mais importantes e que o grupo desse um parecer se o prefeito poderia ou não autorizar o
pagamento. No decorrer dessa atividade, foi interessante observar que os jovens tiveram a
oportunidade de verificar algumas despesas realizadas pela prefeitura, esclarecer as dúvidas e
refletir sobre a necessidade de realizar ou não esse pagamento. Um exemplo utilizado foi o
empenho realizado para fazer um repasse para manter o hospital da cidade, Figura 1. Os
repasses financeiros realizados pelos municípios são os principais responsáveis pela
manutenção e pelo atendimento do plantão médico 24 horas durante todos os dias da semana.
Figura 1 - exemplo da Nota de Empenho emitida para a manutenção do hospital.
Figura 1: Arquivo pessoal do autor.
O primeiro e o terceiro grupo escolheram empenhos referente a material de manutenção
para a bomba e redes de água para o interior, na secretaria de obras do interior. Por meio desse
12 Um empenho é um documento que precede o pagamento. Nesse documento consta de onde sairão os recursos,
quem receberá e qual a finalidade da compra por meio de uma descrição. Somente após a autorização do prefeito e
do secretário da fazenda que um empenho poderá ser pago.
129
exemplo, os alunos tiveram a oportunidade de discutir como funciona a questão de
fornecimento de água das comunidades do interior que não é abastecido por empresa
conveniada, onde a prefeitura é responsável pela manutenção dos poços artesianos, das redes
de água e também da qualidade da água fornecida.
O segundo grupo apresentou um empenho que tratava da manutenção da iluminação
pública no perímetro urbano da cidade, onde foram comprados 23 relés fotoelétricos. Esse
exemplo é importante para refletir sobre o custo da manutenção da iluminação pública na
cidade, como funciona o ligamento e desligamento das lâmpadas e as causas que provocam o
não funcionamento de uma lâmpada de iluminação pública.
A troca de uma peça para conserto de um caminhão e a compra de cadeados para a
secretaria de obras, foram os empenhos analisados pelo quarto e quinto grupo. Esses exemplos
demonstram a necessidade de consertos em todos os veículos da frota do município e de
melhorias na segurança dos materiais da secretaria municipal.
Depois de concluídas todas as discussões sobre os empenhos, foram observados os
relatórios financeiros diários. Esses relatórios fornecem o fluxo de receitas e despesas realizadas
durante o dia e também o saldo financeiro final daquele dia, incluindo o valor do fundo de
aposentadoria dos servidores municipais. Dessa forma os estudantes tiveram a informação da
situação financeira atual da cidade.
O contato dos alunos com solicitações de munícipes por meio de protocolos, com os
relatórios financeiros diários e com os empenhos realizados para efetuar pagamentos despertou
a reflexão de como é o funcionamento de uma prefeitura. A análise desses documentos
juntamente com o depoimento prestado pelo prefeito municipal sobre o funcionamento
financeiro contribuiu para que o aluno pudesse compreender e refletir sobre o processo
administrativo municipal.
Consideramos importante para o fortalecimento da cidadania que as escolas propiciem
em sala de aula a análise e a discussão de assuntos referentes ao cotidiano do estudante. A
identificação pelo aluno da comunidade onde está inserido e a compreensão do funcionamento
administrativo municipal poderá contribuir para o desenvolvimento de um cidadão consciente
de seu papel na sociedade.
Depois de concluídas todas as discussões sobre os empenhos, foram observados os
relatórios financeiros diários. Esses relatórios fornecem o fluxo de receitas e despesas realizadas
durante o dia e também o saldo financeiro final daquele dia, incluindo o valor do fundo de
130
aposentadoria dos servidores municipais. Dessa forma os estudantes tiveram a informação da
situação financeira atual da cidade.
Para finalizar as atividades desse primeiro encontro, foi passado no projetor instalado
na sala de aula, um vídeo13 sobre cidadania. Após discussão do vídeo o professor agradeceu
pela colaboração e encerrou a aula.
Segundo encontro (3h/aulas)
Para o segundo encontro, o professor havia enviado para o grupo de WhatsApp, formado
com o intuito de trocar informações, um arquivo referente à evolução patrimonial do fundo de
aposentadoria dos servidores municipais contendo gráficos, planilhas e tabelas. Foi importante
para os alunos terem acesso a essas informações pois são recursos que saem do caixa municipal
para serem depositados em uma conta específica e que o prefeito não pode utilizar para outras
finalidades. Foi dado continuidade ao conhecimento do funcionamento da administração
municipal iniciado na aula anterior. Como nos relatórios financeiros apresentados havia um
valor considerável de recursos depositados, foi necessário apresentar detalhadamente o
funcionamento do fundo municipal de aposentadoria dos servidores. A movimentação
financeira em três bancos diferentes, cálculo atuarial14, a contribuição percentual de cada ente
(servidor e município), a evolução do patrimônio do fundo nas últimas décadas e a
obrigatoriedade do pagamento de um passivo referente a períodos anteriores, proporcionam aos
estudantes refletirem sobre a situação financeira municipal. Ter acesso a essas informações é
fundamental para que os jovens possam entender a situação financeira atual do município,
compreender a escassez de recursos e os motivos para redução de gastos.
A forma de apresentação dessas informações por meio de planilhas, gráficos e tabelas,
pode contribuir para o desenvolvimento da capacidade de leitura, interpretação e apropriação
de informações contidas nesses meios matemáticos. Consideramos importante o
desenvolvimento dessa capacidade de leitura das informações relacionadas com um assunto
que interfere diretamente na questão financeira municipal e consequentemente nas tomadas de
decisões para melhorias da cidade. Pela lei de responsabilidade fiscal, o gestor público que não
cumprir com as obrigações com o fundo de aposentadoria dos servidores poderá ser condenado
por improbidade administrativa, portanto, alguns recursos já possuem sua destinação definida
independentemente da vontade do prefeito. Essa compreensão da relação entre as dificuldade
13 https://www.youtube.com/watch?v=Kww4QiMwaJA, acesso em 24/04/2018.
14 Cálculo atuarial é o cálculo realizado para informar os valores que devem ser depositados a cada mês
para garantir recursos suficientes para pagar a aposentadoria dos servidores.
131
financeiras, a possibilidade de investimentos e a definição de prioridades pode contribuir para
o fortalecimento da cidadania.
Para reafirmar a importância dos cidadãos saberem onde são gastos os recursos públicos,
o professor reproduziu uma reportagem exibida no Bom dia Brasil15 sobre gastos públicos e a
possibilidade do cidadão acompanhar os gastos realizados pelos detentores de cargos públicos
e também a aplicação dos recursos gerados pelos impostos. O vídeo, além de trazer exemplos
de como a população pode acompanhar os gastos de parlamentares por meio de aplicativos e
sites disponíveis, fala da importância para a democracia os cidadãos cobrarem a prestação de
contas.
Dando sequência a esse assunto, o professor propôs três questionamentos sobre o bairro
e o município onde moram. Para realizar essa tarefa era necessário utilizar os notebooks da
escola mas como na aula anterior a televisão e o computador do armário não funcionaram,
foram utilizados os celulares dos estudantes. Esse acontecimento retrata a importância do uso
do celular como recurso tecnológico auxiliar quando há alguma dificuldade nas outras
ferramentas tecnológicas pois quase todos os alunos possuem seu aparelho e é uma tecnologia
com grande potencial de comunicação e informação. Nessa aula a atividade era criar um mural
virtual com contribuições dos alunos referente ao levantamento de pontos positivos, problemas
e soluções de problemas relativos ao bairro ou cidade onde moram. Como os computadores
apresentavam problemas, foi possível resolver essa questão oportunizando que cada aluno
fizesse uso de seu celular e com isso realizar a tarefa. O aplicativo utilizado para desenvolver
essa atividade foi o padlet.com16. Esse aplicativo gratuito consiste na formação de um mural
virtual onde os participantes colaboram com ideias, opiniões e sugestões sobre o assunto
abordado.
A primeira tarefa discutida foi: Cite alguns aspectos positivos do bairro ou da cidade em
que você vive. O uso desse aplicativo e a projeção das contribuições dos grupos no quadro
branco, facilitou a construção coletiva do mural e proporcionou trocas de experiências entre os
estudantes. Um fato importante ocorreu logo após do sinal de intervalo (recreio) da escola,
mesmo após o término da aula, os alunos ficaram em frente ao mural, discutindo sobre os pontos
positivos apresentados e relatando alguma experiência vivida por eles ou de familiares, além de
tirar uma foto do grupo em frente ao mural construído.
15 Reportagem no Programa Bom Dia Brasil da Rede Globo, sobre a importância da fiscalização da população dos
gastos públicos, exibida no dia 24/04/18. https://globoplay.globo.com/v/6685450/ do instante (0:18:27) até
(0:22:40). 16 Disponível em: https://pt-br.padlet.com
132
Após o intervalo, o docente projetou a segunda tarefa que era a seguinte: Relacione os
principais problemas ou dificuldades encontradas em seus bairros ou sua cidade. Enquanto que
refletiam sobre a segunda pergunta, foram apresentados, por cada grupo, os aspectos positivos
do bairro ou cidade, como mostra a Figura 2:
Figura 2 - quadro mural virtual construído pelos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Para relacionar os principais problemas do bairro ou da cidade, foi construído um novo
quadro mural virtual que aparecem alguns problemas do dia a dia dos alunos como: buracos nas
estradas, lâmpadas queimadas, falta de saneamento básico no interior e a falta de transporte
escolar para alguns alunos. Sobre o transporte escolar, foi citado por quatro grupos em virtude
da implantação do zoneamento pela administração municipal no início desse ano, como mostra
a Figura 3.
Figura 3 - quadro mural virtual construído pelos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Alguns colegas dessa turma foram atingidos pela implantação do zoneamento pois
moram mais próximos de outras escolas da rede pública de educação mas por opção e também
por estarem no último ano do ensino fundamental, continuaram estudando nessa escola e por
133
esse motivo estão sem transporte escolar. Durante a discussão falaram desse problema e que
não achavam justo eles precisarem trocar de escola ou ficar sem o transporte escolar.
O professor tentou mostrar o lado do administrador municipal e que devido aos
problemas financeiros atuais enfrentados pelo município era necessário realizar cortes e fazer
ajustes para conseguir manter as contas em dia, para fazer novos investimentos e melhorias da
cidade. Os recursos poupados com essa atitude não prejudica o ensino dos estudantes que
continuam tendo acesso à escola mais próxima mas poderá sobrar recursos financeiros para
melhorar a estrutura das escolas.
Foi importante essa reflexão pois para a formação de um cidadão participativo e ciente
de seu papel na sociedade, é preciso compreender o porquê de algumas ações e pensar sempre
no coletivo ao invés do individual. Durante esse debate foi exposto a terceira pergunta: Se vocês
fossem prefeitos(as) da cidade, o que vocês fariam para melhorar o lugar onde vivem? Quais as
prioridades? Vejamos as sugestões de melhorias apontadas no quadro mural virtual da Figura 4:
Figura 4 - Quadro mural virtual produzido pelos alunos.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
As sugestões de melhorias de modo geral foram bem amplas como investir em saúde,
educação, transporte público e mais oportunidades para os jovens. Surgiram também
necessidades mais específicas como construir uma rodoviária (o município só têm pontos de
parada), melhorias e limpeza do parque, iluminação pública e manutenção das estradas.
Após a discussão em grande grupo das sugestões apresentadas, o professor solicitou que
cada grupo priorizasse uma ou duas das ideias para que efetivamente pudessem realizar um
projeto, com ações concretas, previsão de recursos e encaminhar para o secretário municipal
para concretizá-la. Também foi colocado a necessidade de conhecer a disponibilidade de
recursos para realizar a obra, de onde virão, qual o processo que pode ser feito e como podem
ser gastos.
134
Para verificar as receitas e despesas da administração pública, foi disponibilizado o site
do portal da transparência17, onde é possível realizar buscas sobre receitas e gastos de qualquer
município do Rio Grande do Sul. Com a utilização dos notebooks disponibilizados, os alunos
entraram no portal da transparência e na aba a direita onde têm um mapa sobre controle social,
digitaram o município de Salvador do Sul para buscar informações sobre as receitas e despesas.
Também foi solicitado que comparassem os resultados com alguns municípios vizinhos. A
Figura 5 mostra a página inicial do Tribunal de Contas, em destaque o município a ser
pesquisado e as informações disponíveis.
Figura 5 - Tela inicial do Tribunal de Contas do Estado e em destaque as possíveis informações a serem
pesquisadas e o respectivo município. Destaque feito pelo autor.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul
Nesse momento é importante que o professor coloque as dificuldades financeiras que o
gestor possa enfrentar. Para realizar melhorias, muitas vezes, será necessário a disponibilidade
de recursos financeiros. Como o orçamento é uma previsão construída no ano anterior e já prevê
como serão aplicados os recursos, será preciso reduzir os gastos em outras obras para fazer as
melhorias que os grupos sugeriram.
Para que o estudante consiga avaliar o que pode ser reduzido ou não, ele precisará
imergir nas finanças municipais, compreender os principais mecanismos de funcionamento da
sociedade, se apropriar das informações para poder refletir criticamente e participar das
tomadas de decisões. A Figura 6 traz um desses momentos em que os estudantes estão
17 Disponível em: http://www1.tce.rs.gov.br/portal/page/portal/tcers/
135
pesquisando no portal da transparência as receitas, despesas e outras informações sobre os
municípios a serem pesquisados.
Figura 6 - Alunos pesquisando as receitas e despesas dos municípios.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Terceiro Encontro (2h/aulas)
Nesse terceiro encontro, foi dado prosseguimento na busca de informações no portal da
transparência. Foram passadas algumas questões referente as receitas e despesas realizadas em
2017 pelo nosso município e foi solicitado aos alunos compararem essas informações com
outros municípios da região que sejam de seu interesse ou curiosidade. Seguem as perguntas
feitas aos estudantes:
1) Pesquise a população e as receitas de Salvador do Sul e de outros 6 municípios em 2017 da
região ou de seu interesse.
2) Comparar as receitas, as despesas e o tamanho da população de cada município.
3) Compare a renda per capita dos municípios pesquisados.
4) Comparar os investimentos de cada município em áreas prioritárias como saúde e educação.
Qual a porcentagem de recursos aplicados em cada área? Verificar o cumprimento de leis
que exigem uma aplicação mínima de 15% e 25%, respectivamente, do orçamento nessas
áreas.
5) Quais as principais ações que podem ser realizadas para aumentar as receitas municipais?
6) Analisando as despesas e/ou investimentos, quais poderiam ser reduzidos para viabilizar
outras propostas.
Vejamos na Figura 7, um exemplo da tela encontrada nas consultas ao portal da
transparência. Nessa consulta, os internautas encontram os recursos totais previstos para o ano
136
por secretaria, os valores já empenhados e pagos, e ainda oferece a opção de visualizar todos
os empenhos (em destaque) já realizados.
Figura 7 - Imagem capturada da tela do computador durante uma consulta no portal da transparência.
Destaques feitos pelo autor.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
Também foram enviadas para o grupo de WhatsApp informações sobre os repasses
recebidos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, estadual) e também
do FPM (Fundo de Participação Municipal) da receita federal, referentes ao mês de abril de
2018, que representam as principais receitas dos municípios. Assim como essas informações
são repassadas ao prefeito municipal pela CNM-Confederação Nacional dos Municípios e pela
FAMURS- Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul, também foram
enviadas para os estudantes conhecerem a quantidade e a procedência desses recursos, como
mostra a Figura 8.
Figura 8 - Mensagens enviadas para os celulares dos alunos contendo os valores de ICMS e FPM
recebidos pelo município.
137
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
O objetivo de repassar essas informações é para que os alunos possam conhecer de que
forma entram os recursos e de onde que são provenientes. Foi explicado pelo professor que os
recursos federais (FPM) são repassados de acordo com faixas da quantidade da população da
cidade (o nosso município recebe o valor referente a população de até 10 mil habitantes) e os
recursos estaduais são repassados proporcionalmente conforme a participação do município no
ICMS do Estado no ano anterior. De todo o ICMS arrecadado no estado, 75% fica para o
governo estadual e os 25% restantes são distribuídos entre os municípios de acordo com a
participação do município na arrecadação do ano anterior.
A primeira questão trabalhada foi: Pesquise a população e as receitas de Salvador do
Sul e de outros 6 municípios em 2017. Pelo portal da transparência era possível obter as
informações relativas as receitas mas não havia nenhum link sobre a população. Esse fato fez
com que os estudantes tivessem que pesquisar sobre essas informações em outros sites de busca
(IBGE), gerando diálogos entre os colegas sobre como resolver essa situação. Essas dúvidas e
trocas de informações entre os colegas proporcionam um ambiente favorável para a
aprendizagem.
O cálculo da receita per capita de cada população, o levantamento da porcentagem de
gastos com saúde, educação e outras áreas dos municípios (questões 2 e 3) foram importantes
para que os alunos comparassem as diversas realidades dos municípios da região onde vivem.
Também foi solicitado, na questão quatro, a porcentagem de recursos aplicados nas áreas
consideradas mais importantes das cidades. A partir da pesquisa realizada, o Grupo 4 tabelou
os resultados obtidos como mostra a Figura 9:
Figura 9 - Construção realizada em sala de aula pelos alunos.
138
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Buscando as informações, calculando as porcentagens e realizando um comparativo
com outros municípios, os estudantes puderam realizar conexões que permitem entender
melhor o funcionamento da administração pública, puderam perceber algumas semelhanças nas
despesas com saúde, educação e em outras áreas. Também é importante para o fortalecimento
da cidadania o jovem verificar o cumprimento de leis que exigem a aplicação mínima de 25%
dos recursos em educação e 15% em saúde.
O uso de conceitos matemáticos se fez necessário na leitura e interpretação de gráficos
e tabelas, exemplo na Figura 9, nos cálculos para obter a renda por habitante de cada cidade,
nos cálculos para obter a porcentagem de recursos aplicados em cada área e nas comparações
entre os municípios pesquisados. Os estudantes puderam verificar que as receitas e despesas
são proporcionais ao tamanho da população da cidade e que os recursos são aplicados conforme
a realidade local.
Figura 10 - Captura da tela em consulta no portal da transparência sobre as receitas.
Fonte: Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.
139
Quarto encontro (3h/aulas)
Esse quarto encontro foi reservado para formular os questionamentos para os secretários
municipais (no período antes do intervalo) e nos dois períodos depois do intervalo visitar a
prefeitura municipal, suas secretarias e câmara de vereadores. O professor solicitou a formação
de um círculo para facilitar o diálogo que ocorreu com a participação de vários alunos.
Percebemos nessas discussões o envolvimento dos estudantes nos temas abordados e a
importância de proporcionar momentos assim em sala de aula para fortalecer a cidadania. O
assunto mais debatido foi sobre o transporte escolar que sofreu alterações devido a implantação
do zoneamento e causou transtornos para alguns dos colegas da turma. Com essa mudança,
alguns alunos deveriam se transferir para a escola mais próxima de sua residência ou trocar de
turno.
Nesse diálogo, se percebe um certo desconforto nas ideias pois alguns alunos
defendendo o seu ponto de vista referente a dificuldade de trocar de escola, de não terem
transporte escolar e o professor defendendo o papel de administrador, onde é necessário reduzir
gastos sem comprometer serviços essenciais para a população. Também foi bastante discutido
a questão da adaptação dos alunos se fosse preciso trocar de escola em virtude do zoneamento.
Foi ouvido o relato de uma colega que veio de outra cidade, no início desse ano, onde
falou da dificuldade de se adaptar ao novo lugar, a nova população e também à escola. Nesse
instante começaram a surgir perguntas sobre outros assuntos, como contratação de cargos de
confiança e agentes da saúde.
Outro assunto abordado foi a possibilidade de uma linha interna de transporte público e
uma nova rodoviária. Alguns alunos alegaram que pelo tamanho do município não era viável a
implantação da linha. Também surgiu uma discussão em torno da retirada de árvores em frente
da escola e no parque.
A falta de informação do aluno referente aos motivos que levaram a prefeitura retirar
algumas árvores que estavam causando sujeira em frente da escola e também no parque, fez
com que ele achasse desnecessário esse trabalho mas com a explicação do professor e também
a colaboração de outros alunos, foi possível debater a necessidade de um planejamento florestal
na cidade. Esse momento foi importante para que os alunos pudessem refletir sobre o projeto
de arborização que está ocorrendo na cidade, falaram sobre alguns problemas que as árvores
podem oferecer e a legislação que permite ou não o corte de árvores.
A reflexão sobre como ter recursos para resolver os problemas da cidade foi importante
para os próprios alunos identificarem situações que eles mesmos acharam um absurdo. Por
140
exemplo: alunos que moram perto da escola ainda pegarem transporte escolar. Ao mesmo
tempo em que sugerem oferecer transporte escolar só para os que moram longe também acham
ruim que em dias de chuva virem molhados para a escola.
Essa discussão também fez surgir outras questões importantes como o projeto
arborizando, merenda escolar, iluminação pública, transporte público, rodoviária da cidade,
água potável para todos, qualidade na educação das escolas e adaptação dos alunos a novos
desafios. Também houve ainda uma comparação com o município vizinho sobre a questão do
transporte escolar.
Após o intervalo, os alunos foram transportados para o centro administrativo da
prefeitura municipal onde também fica localizada a câmara de vereadores. Os alunos foram
deslocados por um micro ônibus escolar da prefeitura, acompanhados do professor titular de
matemática além do pesquisador. Vejamos o registro desse momento na Figura 11:
Figura 11 - Registro do momento de deslocamento para conhecer a administração municipal e a câmara
de vereadores.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Chegando na prefeitura foram conhecer os principais setores administrativos como:
recepção, administração, fazenda, setor de compras, recursos humanos e jurídico. Segue
registro de um desses momentos, como mostra a Figura 12:
Figura 12: Registro dos alunos conhecendo a sala do jurídico da Prefeitura.
141
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Um dos assessores jurídicos presente na hora da visita, falou sobre as principais
demandas judiciais da prefeitura municipal e da importância de todos os atos estarem
embasados na lei. Falou sobre a Lei de responsabilidade fiscal e da responsabilização do
prefeito por qualquer irregularidade.
Seguiram a visita em direção ao gabinete do prefeito, conhecerem o chefe de gabinete,
a sala do prefeito, verificaram alguns documentos que estavam sobre a mesa e até puderam até
sentar na cadeira do chefe do executivo, como mostra a Figura 13:
Figura 13: Registro da visita dos alunos ao Gabinete do Prefeito.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Esse momento foi importante pois encontraram na mesa do prefeito documentos que
eles conheceram durante as aulas. Sabiam o que representavam aqueles empenhos, os relatórios
financeiros, os protocolos de contribuintes, enfim, o principal trabalho do prefeito. O prefeito
mostra a documentação que ele precisa analisar e assinar, como mostra a Figura 14.
Figura 14 - Prefeito mostrando e falando sobre alguns documentos.
142
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Continuando a visitação, os estudantes puderam conversar com os funcionários dos
setores e também alguns secretários explicaram sobre o trabalho desenvolvido por sua
secretaria. A secretária da agricultura falou sobre o Serviço de Inspeção Municipal (SIM), das
agroindústrias presentes em nosso município. Sobre o meio ambiente, já respondeu sobre a
retirada das árvores na escola, no parque e o plantio de novas, dos processos de licenças
ambientais e os demais serviços de terraplanagens, incentivos aos produtores rurais e outros
projetos em andamento. Segue, na Figura 15, registro da visita dos alunos à secretaria de
agricultura:
Figura 15: Alunos conhecendo e conversando com a Secretária da Agricultura e Meio Ambiente.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Como a câmara de vereadores fica no mesmo prédio de algumas secretarias municipais,
os estudantes tiveram a oportunidade de conhecer e ouvir de uma das secretárias da câmara, o
143
trabalho e a função do legislativo municipal para o município. A servidora explicou que todas
as ações do executivo municipal, o orçamento e as leis que permitem ou não a execução de
políticas públicas precisam ser aprovadas pelos vereadores. A Figura 16 traz o registro dos
alunos na Câmara de Vereadores:
Figura 16 - Alunos conhecendo a Câmara Municipal de Vereadores.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Depois de conhecer o Legislativo Municipal, passaram pela sala do setor de engenharia
e foram para a sala de reuniões da prefeitura. Conversaram com o vice prefeito e também
secretário municipal da Indústria, Comércio e Habitação e com o Secretário da Educação,
Fazenda, Administração e Planejamento.
Primeiramente falou o secretário da Indústria, Comércio e Habitação que abordou a
questão da falta de uma rodoviária na cidade. Explicou que depois de ter falecido a pessoa que
tinha a concessão da rodoviária em nosso município ninguém mais quis assumir esse
compromisso por falta de viabilidade financeira. Também falou que não é responsabilidade do
município construir e manter uma rodoviária mas que a intenção da administração municipal é
montar um ponto de parada com estrutura para receber melhor as pessoas. Vejamos, na Figura
17, imagem do encontro na sala de reuniões da prefeitura:
Figura 17: Reunião dos estudantes com dois Secretários Municipais.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
144
O secretário da Educação, Fazenda, Administração e Planejamento fez uso da palavra
para responder os questionamentos sobre o transporte escolar e as outras dúvidas dos
estudantes. Primeiramente falou que considera importante a participação dos jovens e a
comunidade nas decisões políticas da cidade. Depois o Secretário falou que ainda não têm dados
concretos de quanta economia irá dar a implantação do zoneamento, que precisaria trabalhar
com essa sistemática pelo menos um semestre ou ano, mas que com certeza irá gerar uma
economia considerável. Também é importante destacar durante a fala do secretário que toda
economia será aplicada em outros setores importantes da sociedade.
Também foi discutido a importância do jovem estar preparado para o mercado de
trabalho, que tipo de trabalho existe, as possibilidades de preparação, os cursos disponíveis, a
importância de dar oportunidade aos jovens, e nesse sentido, falou sobre as vagas de estagiários
que a prefeitura disponibiliza.
Consideramos importante a colocação dos alunos referente ao zoneamento implantado
pela administração municipal no início desse ano. Mesmo que alguns alunos foram atingidos e
que causou algum descontentamento por não terem transporte ou por serem obrigados a
trocarem de escola, ou turno, essa discussão é importante para que eles também possam ouvir
o outro lado e tentar entender os motivos desse ajuste.
Essa discussão também fez surgir outras questões importantes como o projeto
arborizando, merenda escolar, iluminação pública, transporte público, rodoviária da cidade,
água potável para todos, qualidade na educação das escolas e adaptação dos alunos a novos
desafios. Cada um desses assuntos também poderiam ser explorado mais detalhadamente em
outras disciplinas com mais tempo. Ainda houve uma comparação com o município vizinho
sobre a questão do transporte escolar.
A discussão em grupo sobre situações problemas, a ida dos alunos até a prefeitura e
câmara de vereadores, conhecer e conversar com as pessoas que trabalham nas secretarias, ouvir
os secretários municipais e poder questionar sobre os assuntos que interferem diretamente na
vida dos jovens são aspectos importantes para o fortalecimento da cidadania em nossa
sociedade.
Quinto encontro (2h/aulas)
Esse encontro ficou reservado para socializar com toda a turma sobre a visita realizada
na prefeitura municipal e câmara de vereadores além da entrega do relatório final dos grupos.
Como no terceiro encontro ficaram questões para serem respondidas, o professor solicitou que
145
cada grupo terminasse a pesquisa referente aos gastos dos municípios por área de atuação.
Depois dessa fase de busca de informações e comparações, as perguntas seguintes foram
direcionadas para as ações necessárias com o intuito de aumentar as receitas e para possíveis
soluções dos problemas. A Figura 18 traz a resposta do Grupo 2 para a pergunta sobre quais as
principais ações que podem ser realizadas para aumentar as receitas.
Figura 18 - Sugestão elaborada pelos estudantes em sala de aula.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
Devido ao grande número de desempregados no município, é importante ressaltar que
os alunos não estão alheios ao momento atual e sugeriram a necessidade de trazer empresas que
possam gerar empregos aos munícipes além de aumentar as receitas por meio dos impostos
gerados por essas empresas. Também falaram da agricultura local ser um ponto forte. Outro
grupo sugeriu aumentar a fiscalização para diminuir a sonegação e a atualização da planta de
valores do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Em outra atividade, foi sugerido aos alunos criarem um material de divulgação para
conscientizar a população da importância de todos fazerem a sua parte. Para conscientizar a
população de como aumentar as receitas, o Grupo 2 sugeriu produzir um panfleto com todas as
informações, fazer uso de recursos tecnológicos como a criação de um site ou uma página no
facebook, como mostra a Figura 19.
Figura 19 - Sugestão de divulgação produzida em sala de aula.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
146
A última atividade proposta foi que os alunos pesquisassem no site da transparência a
porcentagem dos recursos aplicados em saúde e educação dos sete municípios pesquisados
anteriormente. Calculassem a média aplicada desses municípios e comparassem com Salvador
do Sul para ver se o nosso município estava acima ou abaixo da média na aplicação de recursos
em saúde e educação. A Figura 20 mostra o resultado obtido pelo Grupo 4 nessa pesquisa.
Figura 20: Comparação realizada pelos estudantes em sala de aula.
Fonte: Arquivo pessoal do autor.
A busca das informações diretamente no site do portal da transparência, a comparação
entre os municípios e a discussão gerada em torno da necessidade da aplicação de o mínimo de
15% na saúde e 25% na educação do orçamento do município, faz com que o estudante
compreenda melhor alguns gastos municipais. Alguns gastos já estão definidos por lei e cabe
ao gestor cumpri-la.
Sobre a visita ocorrida no dia anterior, os alunos acharam muito bom mas pouco tempo
para eles tirarem todas as dúvidas. Falaram que alguns secretários gostavam de explicar
detalhadamente sobre o seu trabalho e por isso não deu tempo para eles tirarem as suas dúvidas.
Depois dessa conversa, o professor falou que todos os problemas levantados por eles, mesmo
que não expostos para todos os secretários, serão avaliados e a administração municipal irá
tentar resolvê-los. Também falou sobre a importância dos alunos terem trazido essas
dificuldades e eles também tentar entender os motivos pelos quais algumas ações foram
147
tomadas pela prefeitura. Compreender que muitas vezes é preciso cortar gastos em alguns
lugares para poder investir em outros pontos mais importantes.
As pesquisas realizadas nos sites do portal da transparência e em outros sites,
proporcionaram aos estudantes a possibilidade de imergir nas receitas e despesas do município.
Poder buscar essas informações e comparar com outros municípios, calcular a porcentagem de
recursos aplicados em cada área, verificar o cumprimento da lei quando se trata de saúde e
educação, planejar possíveis ações para aumentar as receitas, identificar problemas na cidade
que precisam ser resolvidos e tentar reduzir gastos para investir em outro lugar, todos esses
aspectos são importantes para aumentar a participação dos jovens nas tomadas de decisões e no
fortalecimento da democracia.
Considerações Finais
Nas vivências como professor, diretor e gestor público, foi possível perceber que a
participação democrática das pessoas envolvidas no processo é fundamental para o
desenvolvimento de novos conhecimentos e o fortalecimento da cidadania na sociedade. As
Tecnologias Digitais podem facilitar a comunicação entre os envolvidos e disponibilizar as
informações necessárias para a tomada de decisão na hora de resolver os problemas.
Buscamos mostrar durante a realização dessa pesquisa que a Educação, especificamente
a Educação Matemática, podem tratar de questões que envolvam diretamente a vida dos
estudantes. Dessa forma, fazer com que os assuntos abordados em sala de aula tenham
significados na vida dos estudantes, que ele possa refletir sobre questões reais, que envolvam a
sua vida ou da comunidade em que esteja inserido. Os problemas a serem resolvidos não são
fictícios, são seus problemas e que resolvê-los pode melhorar a sua vida.
Os alunos têm a oportunidade de fazerem parte do processo, contribuírem com as suas
vivências nas discussões da turma e, de forma igualitária com seus pares e com o professor,
participarem das tomadas de decisões sobre o rumo a ser seguido durante o processo
educacional. Além disso, considera-se que o espaço criado permite aos estudantes tratarem de
assuntos de seus interesses, problemas que afetam as suas vidas, encontrarem a presença da
Matemática nos mecanismos de funcionamento da sociedade e que o uso das Tecnologias de
Informação e Comunicação podem contribuir na formação da Literacia Digital e no
fortalecimento da cidadania na sociedade.
Acreditamos que essa pesquisa contribuiu para a formação de cidadãos cientes de seu
papel na sociedade e que os conceitos matemáticos podem ser relacionados com o cotidiano
dos estudantes. Concluímos que as tecnologias digitais presentes em nossas vidas podem ser
utilizadas em sala de aula para facilitar o diálogo, buscar informações importantes sobre
148
diversos assuntos sem sair da escola e, promovendo a Literacia Digital, contribuir para o
fortalecimento da Cidadania.
149
ANEXOS
Anexo1: Termo de consentimento.
TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
Eu, ________________________________________________, R.G. ________________, responsável
pelo(a) aluno(a) ______________________________________, da turma F911, declaro, por meio deste termo,
que concordei em que o(a) aluno(a) participe da pesquisa intitulada Educação Matemática e Democracia,
desenvolvida pelo pesquisador Marco Aurélio Eckert. Fui informado(a), ainda, de que a pesquisa é
coordenada/orientada por Rodrigo Dalla Vecchia, a quem poderei contatar a qualquer momento que julgar
necessário, por meio do telefone (51) 33086212 ou e-mail: [email protected].
Tenho ciência de que a participação do(a) aluno(a) não envolve nenhuma forma de incentivo financeiro,
sendo a única finalidade desta participação a contribuição para o sucesso da pesquisa. Fui informado(a) dos
objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais, são:
-Promover a cidadania em sala de aula por meio da participação do educando na tomada de decisões
para solucionar problemas em sua comunidade;
-Aproximar os conceitos Matemáticos ao cotidiano do aluno;
Fui também esclarecido(a) de que os usos das informações oferecidas pelo(a) aluno(a) será apenas em
situações acadêmicas (artigos científicos, palestras, seminários etc.), identificadas apenas pela inicial de seu
nome e pela idade.
A colaboração do(a) aluno(a) se fará por meio de entrevista/questionário escrito etc, bem como da
participação em oficina/aula/encontro/palestra, em que ele(ela) será observado(a) e sua produção analisada, sem
nenhuma atribuição de nota ou conceito às tarefas desenvolvidas. No caso de fotos ou filmagens, obtidas durante
a participação do(a) aluno(a), autorizo que sejam utilizadas em atividades acadêmicas, tais como artigos
científicos, palestras, seminários etc, sem identificação. Esses dados ficarão armazenados por pelo menos 5 anos
após o término da investigação.
Cabe ressaltar que a participação nesta pesquisa não infringe as normas legais e éticas. No entanto,
poderá ocasionar algum constrangimento dos entrevistados ao precisarem responder a algumas perguntas sobre
o desenvolvimento de seu trabalho na escola. A fim de amenizar este desconforto será mantido o anonimato das
entrevistas. Além disso, asseguramos que o estudante poderá deixar de participar da investigação a qualquer
momento, caso não se sinta confortável com alguma situação
Como benefícios, esperamos com este estudo, produzir informações importantes sobre a contribuição
da Educação Matemática focada no cotidiano dos estudantes e explorando as Tecnologias de Informação e
Comunicação podem contribuir para o desenvolvimento da cidadania, a fim de que o conhecimento construído
possa trazer contribuições relevantes para a área educacional.
A colaboração do(a) aluno(a) se iniciará apenas a partir da entrega desse documento por mim assinado.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida, ou me sinta prejudicado(a), poderei contatar o pesquisador
responsável no endereço: Rua da Estação, 64, telefone: (51) 992668045/e-mail: [email protected].
Qualquer dúvida quanto a procedimentos éticos também pode ser sanada com o Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), situado na Av.Paulo Gama, 110 - Sala
317, Prédio Anexo 1 da Reitoria - Campus Centro, Porto Alegre/RS - CEP: 90040-060 e que tem como fone 55
51 3308 3738 e email [email protected]
Fui ainda informado(a) de que o(a) aluno(a) pode se retirar dessa pesquisa a qualquer momento, sem
sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos.
Porto Alegre, 02 de Abril de 2018.
Assinatura do Responsável:
Assinatura do pesquisador: Assinatura do Orientador da pesquisa:
150
Anexo 2: Termo de assentimento.
TERMO DE ASSENTIMENTO
TERMO DE ASSENTIMENTO INFORMADO LIVRE E ESCLARECIDO (Adolescentes com
12 anos completos, maiores de 12 anos e menores de 18 anos)
Eu, ________________________________________________, R.G. ________________, aluno(a)
______________________________________, da turma F911, declaro, por meio deste termo, que concordei
em participar da pesquisa intitulada Educação Matemática e Democracia, desenvolvida pelo pesquisador
Marco Aurélio Eckert. Fui informado(a), ainda, de que a pesquisa é coordenada/orientada por Rodrigo Dalla
Vecchia, a quem poderei contatar a qualquer momento que julgar necessário, por meio do telefone (51)
33086212 ou e-mail: [email protected].
Tenho ciência de que a minha participação não envolve nenhuma forma de incentivo financeiro, sendo
a única finalidade desta participação a contribuição para o sucesso da pesquisa. Fui informado(a) dos objetivos
estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais, são:
-Promover a cidadania em sala de aula por meio da participação do educando na tomada de decisões
para solucionar problemas em sua comunidade;
-Aproximar os conceitos Matemáticos ao cotidiano do aluno;
Fui também esclarecido(a) de que os usos das informações oferecidas por mim serão apenas em
situações acadêmicas (artigos científicos, palestras, seminários etc.), identificadas apenas pela inicial de meu
nome e pela idade.
A minha colaboração se fará por meio de entrevista/questionário escrito etc, bem como da participação
em oficina/aula/encontro/palestra, em que serei observado(a) e minha produção analisada, sem nenhuma
atribuição de nota ou conceito às tarefas desenvolvidas. No caso de fotos ou filmagens, obtidas durante a minha
participação, autorizo que sejam utilizadas em atividades acadêmicas, tais como artigos científicos, palestras,
seminários etc, sem identificação. Esses dados ficarão armazenados por pelo menos 5 anos após o término da
investigação.
Cabe ressaltar que a minha participação nesta pesquisa não infringe as normas legais e éticas. No entanto,
poderá ocasionar algum constrangimento ao precisar responder a algumas perguntas sobre o desenvolvimento
de meu trabalho na escola. A fim de amenizar este desconforto fui informado(a) que será mantido o anonimato
das entrevistas. Além disso, asseguraram que poderei deixar de participar da investigação a qualquer momento,
caso não se sinta confortável com alguma situação
Como benefícios, fui informado(a) que iremos produzir informações importantes sobre a contribuição
da Educação Matemática focada no cotidiano dos alunos e que explorando as Tecnologias de Informação e
Comunicação podemos contribuir para o desenvolvimento da cidadania.
A minha colaboração se iniciará apenas a partir da entrega desse documento por mim assinado.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida, ou me sinta prejudicado(a), poderei contatar o pesquisador
responsável no endereço: Rua da Estação, 64, telefone: (51) 992668045/e-mail: [email protected].
Qualquer dúvida quanto a procedimentos éticos também pode ser sanada com o Comitê de Ética em
Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), situado na Av.Paulo Gama, 110 - Sala
317, Prédio Anexo 1 da Reitoria - Campus Centro, Porto Alegre/RS - CEP: 90040-060 e que tem como fone 55
51 3308 3738 e email [email protected]
Fui ainda informado(a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento, sem sofrer
quaisquer sanções ou constrangimentos.
Salvador do Sul, ________de _______________ de 2018.
151
DECLARAÇÃO DE ASSENTIMENTO DO SUJEITO DA PESQUISA:
Eu li e discuti com o investigador responsável pelo presente estudo os detalhes descritos neste
documento. Entendo que eu sou livre para aceitar ou recusar, e que posso interromper a minha participação a
qualquer momento sem dar uma razão. Eu concordo que os dados coletados para o estudo sejam usados para o
propósito acima descrito.
Eu entendi a informação apresentada neste TERMO DE ASSENTIMENTO. Eu tive a oportunidade para fazer
perguntas e todas as minhas perguntas foram respondidas.
Eu receberei uma cópia assinada e datada deste Documento DE ASSENTIMENTO INFORMADO.
____________________________________________________________________________
NOME DO ADOLESCENTE ASSINATURA DATA
Marco Aurélio Eckert___________________________________________________________
NOME DO INVESTIGADOR ASSINATURA DATA
Endereço do Comitê de Ética em Pesquisa para recurso ou reclamações do sujeito pesquisado
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
situado na Av.Paulo Gama, 110 - Sala 317, Prédio Anexo 1 da Reitoria - Campus Centro, Porto Alegre/RS
- CEP: 90040-060 e que tem como fone 55 51 3308 3738 e email: [email protected]
152
Anexo 3: Boletim da tesouraria
153
Anexo 4: Exemplo de Nota de Empenho
Anexo 5: Relatório do Fundo de Aposentadoria dos Servidores do mês de março de 2018.
154
155
Anexo 6: Tabela construída pelos estudantes em aula. Município pesquisado, o tamanho
da população e a receita arrecadada encontrados pelo grupo 3, terceira etapa:
Tabela 1: Tabela construída a partir da pesquisa realizada em sala de aula. MUNICÍPIO POPULAÇÃO RECEITA Salvador do Sul 6.747 R$ 31.583.916,33 Carlos Barbosa 25.192 R$ 102.215.406,30 São Pedro da Serra 3.315 R$ 18.921.923,85 Barão 5.741 R$ 25.553.842,67 Maratá 2.527 R$ 18.570.412,14 Tupandi 3.924 R$ 34.274.582,39 Montenegro 59.415 R$ 236.892.248.28
Anexo 7: Reportagem exibida no Bom dia Brasil no dia 24/04/2018.
Segue a transcrição da fala de um representante do portal Transparência Brasil, segunda
etapa: (0:03:50) “É fundamental para o bom funcionamento da democracia quando o cidadão
decide cobrar a prestação de contas dos políticos e do poder público, é aí que nossa
democracia funciona melhor, é aí que as políticas públicas são mais eficientes, a gente
têm menos corrupção.” (GALDINO, Manuel; Transparência Brasil)
Anexo 8: Reportagem no Programa Bom Dia Brasil da Rede Globo, sobre a importância
da fiscalização da população dos gastos públicos, exibida no dia 24/04/18. https://globoplay.globo.com/v/6685450/ do instante (0:18:27) até (0:22:40).