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EDUCAÇÃO DE SURDOS: PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA GRAZIANE DE SOUZA ARRUDA Graduada em Letras e Língua Inglesa Orientador: Prof. Ms. Camilo Darsie de Souza. Monografia do Curso de Especialização em Educação Especial na Àrea da Surdez do Centro Universitário La Salle - Unilasalle, como exigência parcial para obtenção de grau de Especialista em Educação Especial na Área da Surdez. Canoas, Março, 2008.

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EDUCAÇÃO DE SURDOS:

PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA

GRAZIANE DE SOUZA ARRUDA

Graduada em Letras e Língua Inglesa

Orientador: Prof. Ms. Camilo Darsie de Souza.

Monografia do Curso de

Especialização em Educação Especial na

Àrea da Surdez do Centro Universitário La

Salle - Unilasalle, como exigência parcial

para obtenção de grau de Especialista em

Educação Especial na Área da Surdez.

Canoas,

Março, 2008.

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TERMO DE APROVAÇÃO

GRAZIANE DE SOUZA ARRUDA

EDUCAÇÃO DE SURDOS: PROCESSOS DE AQUISIÇÃO DA LEITURA E ESCRITA

Monografia de conclusão aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Especialista do curso de Especialização em Educação Especial – área da surdez do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE pelo seguinte professor:

Prof. Me. Camilo Darsie de Souza Unilasalle

Canoas, 15 de março de 2008.

3

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer carinhosamente a todos que colaboraram

para que este trabalho fosse elaborado. Primeiramente, agradeço a

minha família, principalmente a minha mãe, que sempre me apoiou em

minhas escolhas e colaborou para que eu as mantivesse com

determinação.

Um agradecimento muito especial também para o meu noivo

Dario que permaneceu sempre ao meu lado, “todo ouvidos” as minhas

discussões sobre os conhecimentos adquiridos na Especialização na

área da Surdez, me auxiliando várias vezes nos caminhos da informática

para a elaboração do trabalho.

Agradeço também a todos os nossos professores e colegas de

especialização que trouxeram um enriquecimento enorme quanto à área

da surdez, superando-se como colegas e professores, pois os considero

como amigos queridos que levarei sempre no coração. Em especial

agradeço ao meu orientador, Prof. Camilo com o qual sempre pude

contar para esclarecer dúvidas e no enriquecimento de meu trabalho.

Sempre muito responsável e colaborador.

Enfim, agradeço a todos que fizeram parte do meu cotidiano

durante este ano de elaboração deste trabalho. Todos de uma maneira

ou de outra colaboraram para que seu seguisse até o final.

4

��������

AGRADECIMENTOS ............................................................................. 3

RESUMO .............................................................................................. 5

ABSTRACT ........................................................................................... 6

INTRODUÇÃO....................................................................................... 7

1. A HISTÓRIA DO SURDO PARTINDO DAS DIFERENTES

ABORDAGENS NA EDUCAÇÃO ....................................................................... 8

1.1. ORALISMO ........................................................................................ 9

1.2. COMUNICAÇÃO TOTAL ...................................................................... 11

1.3. LÍNGUA DE SINAIS ............................................................................ 12

1.3.1. Língua de sinais aspectos gramaticais ...................................... 14

2. BILINGÜISMO ................................................................................. 18

2.1. BILINGÜISMO NO MUNDO. ................................................................. 20

2.2. BILINGÜISMO NO BRASIL .................................................................. 22

3. Aquisição da linguagem ................................................................... 27

3.1. AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM EM CRIANÇAS SURDAS .............................. 27

3.2. AQUISIÇÃO DO PORTUGUÊS .............................................................. 28

4. METODOLOGIA .............................................................................. 31

4.1. ANÁLISE DOS DADOS ........................................................................ 31

4.2. PROCEDIMENTOS DA PESQUISA ........................................................ 32

5. . ENSINO DO PORTUGUÊS COMO L2 .......................................... 34

5.1. ABORDAGENS PARA AQUISIÇÃO DA L2 PELO SURDO ............................ 34

5.2. COMO OCORREM O PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA DO PORTUGUÊS

PARA O SURDO.................................................................................................... 36

5.3. PESQUISAS SOBRE O PROCESSO DE LETRAMENTO DOS SURDOS .......... 43

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 46

7. REFERÊNCIAS ............................................................................... 49

5

RESUMO

Este trabalho focaliza o ensino de português como segunda língua para

surdos o qual surgiu da necessidade verificar a prática do bilingüismo nos

contextos escolares qualificados como inclusivos. O estudo reflete sobre os

aspectos fundamentais da história da educação de surdos considerando-se os

principais fatos ocorridos no decorrer dos séculos. Este estudo pretende

também apresentar algumas discussões sobre o método do bilingüismo e

aspectos de aquisição da linguagem, que objetiva servir de base para a

orientação de profissionais envolvidos no universo da surdez. Serão

apresentados alguns pontos teóricos significativos como a língua de sinais

brasileira (LIBRAS) como língua legítima da comunidade surda, como sua

primeira língua, e uma reflexão sobre os significados sociais do mundo da

língua escrita e suas implicações na conjuntura que cerca os surdos, sendo a

orientação da língua portuguesa descrita como segunda língua.

Palavras chaves: surdez – ensino – educação bilíngüe.

6

ABSTRACT

This monograph focus on teaching Portuguese as a second language do

deaf people which emerged from my interest in verifying the practice of

bilingualism that is being introduced in the schools qualified as inclusive. The

study analyses fundamental aspects of the history of the education of deaf

people considering the main facts occurred of deaf people throughout the

centuries. This study aims to show some discussions about bilingual methods

and language acquisition that aims at serving as a base to those teaching

professionals involved in the universe of deafness. It is going to present some

significant theoretical issues as the Brazilian Sign Language (LIBRAS) as the

legitimate language of deaf community, their fist language, and to reflection on

the social meaning of written language and its implication regarding the world

surrounding deaf people; and the orientation of Portuguese when its viewed as

a second language.

Key words: deafness – teaching – bilingual education

7

INTRODUÇÃO

Este trabalho apresentará em seu primeiro capítulo uma breve

retrospectiva da história da surdez, mostrando as diferentes interpretações da

surdez ao longo dos anos até a atualidade. Ao apresentar o percurso histórico

da surdez são expostos os métodos de ensino que permearam a educação de

surdos, sendo essas, o oralismo, a comunicação total e o bilingüismo.

No segundo capítulo serão apresentados aspectos do método do

bilingüismo, o qual vem sendo mais difundido e discutido atualmente. Neste

espaço é apresentado em que consiste o bilingüismo, assim como suas

experiências em outros países e como o bilingüismo vem sendo pesquisado e

implantado no Brasil.

A questão da aquisição da linguagem está exposta no terceiro capítulo.

Neste será mostrado o panorama geral de aquisição da linguagem, sendo em

seguida apresentadas teorias de aquisição da linguagem específicas de

indivíduos surdos, tendo em vista a língua de sinais como sua língua natural e

o português como sua segunda língua.

A metodologia comportará o quarto capítulo, apresentando o processo

de etapas de pesquisa deste trabalho.

O ensino do português como segunda língua para o surdo será

abordado no quinto capítulo. Nele serão trabalhadas as dificuldades

enfrentadas pelos surdos no seu processo de aprendizagem do português,

assim como estudos e experiências de ensino do português como segunda

língua que mais tem atingido o propósito de aprendizagem da escrita do

português.

Finalmente o último capítulo trará os resultados da pesquisa

apresentando as formas de ensino da língua portuguesa que têm sido mais

eficazes no processo de aprendizagem de uma segunda língua para o surdo,

neste caso o português.

8

1. A HISTÓRIA DO SURDO PARTINDO DAS DIFERENTES

ABORDAGENS NA EDUCAÇÃO

As diferentes formas de representar e significar os surdos, nos diversos

espaços e tempos que constituem a história destes sujeitos definiram e ainda

definem, o posicionamento dos mesmos, enquanto agentes nas sociedades em

que se encontram. É possível se dizer que tais posições variam entre situações

de marginalização e de destaque, principalmente nos dias atuais.

Sendo assim, é relevante se ter o entendimento de que as atuais

discussões que envolvem os surdos e, mais especificamente, a Educação de

Surdos se encontram, contemporaneamente, guiadas por idéias formadas a

partir do cruzamento de antigas concepções a respeito dos surdos e dos

discursos produzidos no âmbito das políticas de inclusão escolar e social, bem

como aqueles relacionados aos estudos sobre identidade e diferença. Portanto

é necessário apresentar alguns comentários breves sobre a participação, ou

pelo menos existência, dos surdos nas diferentes épocas e respectivas

sociedades e também sobre as filosofias de ensino que lhes eram dirigidas a

fim de se melhor entender o antagonismo mencionado anteriormente que

acaba por definir a atual situação destes sujeitos.

Thoma (2006) afirma que houve diferentes interpretações sobre a surdez

ao longo dos tempos. Segundo a autora os espartanos e os gregos, por

exemplo, condenavam à morte as pessoas que nascessem com qualquer

deficiência física ou mental. Tempos mais tarde, durante a Idade Média, esses

sujeitos eram considerados pecadores e carregavam o estigma do castigo

divino. Lacerda (1998), destaca ainda que na Antiguidade e Idade Média os

surdos eram considerados incapazes e imbecis.

A visão de que o surdo possui capacidade para aprender e desenvolver-

se tanto intelectualmente como linguisticamente começa a surgir a partir do

século XVI. Lacerda (1998) afirma que no século XVI surgiram diversos

pedagogos que se dispuseram a trabalhar com surdos com o objetivo de

9

desenvolver-lhes o intelecto através da aquisição de conhecimentos e de fazê-

los se comunicarem com os ouvintes. Infelizmente estes pedagogos não se

reuniam para analisar os métodos de ensino que vinham utilizando, mas ao

contrário disso, utilizavam seus métodos em segredo.

No entender de Lacerda (1998), o interesse pela surdez surgiu

principalmente para ensinar filhos surdos provenientes de famílias nobres, pois

estes não teriam direitos legais como, por exemplo, direito á herança, caso não

fossem capazes de falar. Inicialmente os professores ensinavam a leitura e

escrita para depois disso ensinarem habilidades como a leitura labial e

articulação das palavras.

A autora (op.cit.) destaca também que no século XVIII surge uma divisão

muito forte de duas correntes, a dos gestualistas e a dos oralistas. A primeira,

era representado pelo Abade L’Epée, o primeiro a pesquisar sobre a língua de

sinais. Ele percebeu que os surdos se comunicavam eficientemente através da

forma gesto-visual. Sendo assim, ele criou um sistema de “sinais metódicos”,

onde ele adaptava os sinais produzidos pela comunidade surda com as

características da língua francesa majoritária. Segundo o Abade, os

professores deveriam aprender estes sinais para posteriormente ensinar a

língua falada e escrita para os alunos surdos. L’Epée conseguiu ótimos

resultados utilizando este método e a primeira escola de surdos foi fundada em

1775 na França.

Lacerda (1998) refere que embora seu trabalho tenha apresentado bons

resultados, havia uma corrente de pedagogos que criticavam os métodos de

L’Epée, como por exemplo, Pereira em Portugal e Heinicke na Alemanha,

sendo este último considerado o pai do oralismo e fundador do “método

alemão”. Este método baseava-se na idéia de que o pensamento só é possível

através da língua oral, sendo a escrita de caráter secundário.

1.1. Oralismo

Thoma (2006) afirma que o oralismo consiste em desenvolver a fala do

sujeito surdo. Como já foi dito, inicialmente esta metodologia tinha o objetivo de

10

educar filhos de nobres para que obtivessem seu direito a heranças. Mais tarde

a educação oral baseou-se no treinamento da audição. Além disso, eram

utilizados métodos de leitura labial e extensos treinamentos fonoarticulatórios

com o objetivo de oralizar os surdos, pois segundo a visão oralista, era apenas

através da fala que o sujeito surdo poderia alcançar a integração na sociedade.

Na medida em que o tempo avançou passou-se a investir cada vez mais em

equipamentos que ampliassem o som, sendo esta uma forma de trazer surdo o

mais próximo possível da “normalidade”.

Além disso, esta proposta proibia o uso de língua de sinais alegando que

isso afetaria a aprendizagem da língua majoritária pelo surdo. Porém, um

grande problema apresentado no oralismo é o de que mesmo após anos de

exercícios e treinamentos para adquirir a fala, o surdo se apresenta, em alguns

casos, capaz de captar poucas palavras através da leitura labial. Segundo

Quadros (1997), firmada nas pesquisas de Duffy desenvolvidas nos Estados

Unidos, o surdo consegue compreender apenas 20% da mensagem através da

leitura labial.

Nesta época, o principal profissional contrário ao oralismo foi Gallaudet,

pois seu trabalho nos EUA estava baseado nos métodos utilizados por L’Epée,

os quais discordavam totalmente dos preceitos oralistas. Thoma (2006), explica

que Thomas Hopkins Gallaudet foi o fundador da Universidade Nacional de

Surdos-Mudos em 1864, hoje conhecida hoje como Universidade de Gallaudet.

Para Lacerda (1998), o oralismo acarretou em muitos alunos

despreparados com dificuldades de aprendizagem e de comunicação, tanto na

forma oral quanto na forma escrita, demonstrando relativo insucesso desta

abordagem metodológica. A autora citada menciona também que, infelizmente,

só foram revistos estes métodos oralistas a partir de 1950, porém manteve-se o

mesmo objetivo central da vocalização.

As mudanças basearam-se em estudos sobre as línguas de sinais a

partir do ponto de vista lingüístico. Percebeu-se que essas línguas possuíam

estrutura muito semelhante às línguas orais, fazendo com que os métodos

11

utilizados até então na educação de surdos fossem repensados. Tem inicio a

partir daí, o uso da Comunicação Total; metodologia que permite o uso de

sinais e de gestos como auxílio na educação de surdos a partir dos preceitos

oralistas que como foi dito, eram aplicados como se fossem os mais

adequados.

1.2. Comunicação total

Segundo Lacerda (1998), a partir de 1960 os estudos sobre línguas de

sinais utilizadas pelas comunidades surdas foram retomados, sendo esta

pesquisa representada principalmente por William Stokoe (1978). Nesta

década também surgem pesquisas sobre a língua de sinais de um ponto de

vista lingüístico.

Para Lacerda (1998), todos os avanços na pesquisa em relação ao

estudo da língua de sinais do ponto de vista lingüístico e o fracasso das

abordagens oralistas levam ao surgimento, em 1970 nos EUA, de uma nova

metodologia chamada “Comunicação Total”. Esta metodologia consiste em

utilizar várias práticas como input lingüístico para a aprendizagem do aluno

surdo como, por exemplo, língua de sinais, leitura orofacial, sinais gramaticais

sinalizados, alfabeto digital, etc., de forma que o aluno se sinta à vontade para

utilizar àquela que melhor lhe aprouver. Neste método a oralidade não é mais o

objetivo principal, sendo utilizada apenas como uma forma de integração do

surdo na sociedade.

Sobre a transição entre o oralismo e a Comunicação Total, Quadros

(1997) entende que diante do fracasso do oralismo surge a proposta bimodal,

onde o uso da língua de sinais é permitido, mas ainda como um recurso para o

ensino da língua oral. Esta proposta consistia em adaptar os sinais de acordo

com a estrutura da língua portuguesa – o que é chamado de português

sinalizado - e o professor deveria falar e sinalizar simultaneamente. A autora

mostra que esta teoria foi muito criticada, pois o grau de dificuldade de se

manter ao mesmo tempo a estrutura de duas línguas era inviável. Além disso,

12

algumas expressões faciais são impossíveis de serem usadas

simultaneamente.

Lacerda (1998) afirma ainda que embora este método apresente vários

ganhos em relação às abordagens oralistas, ainda apresenta muitas falhas, já

que os alunos surdos apresentam dificuldades para expressar seus

sentimentos ou idéias alheias ao contexto escolar. Além disso, os problemas

em relação à leitura e escrita continuaram, pois poucos são aqueles que

conseguem ter autonomia neste sentido.

Thoma (2006) aponta para o problema de que, a partir da Comunicação

Total, a grande maioria dos surdos não consegue elaborar produções de

linguagem compatível com seu nível acadêmico ou de faixa etária. Outra

questão é que o uso deste método prejudica o desenvolvimento da língua de

sinais, já que ela acaba ocupando um mero espaço acessório na educação. Os

sinais acabam não sendo compreendidos como uma língua, trazendo sérios

prejuízos em seu uso e na eficácia da comunicação. Na busca de solução para

estes problemas pensou-se em um novo método de educação denominado de

bilingüismo que consiste em respeitar a língua natural do surdo, ou seja, a

língua de sinais e considerar a língua portuguesa como uma segunda língua a

ser adquirida por estes indivíduos.

1.3. Língua de Sinais

Paralelo aos estudos com surdos baseados no método de

“Comunicação Total” desenvolveu-se idéia de que a língua de sinais é uma

língua viso-gestual naturalmente adquirida pelo surdo. Segundo Quadros (1997

p. 45) a língua de sinais é natural e se desenvolve entre a comunidade surda

utilizando-se para isso canais espaço-visuais. Esse fato determina os

mecanismos sintáticos de forma diferente daqueles utilizados nas línguas orais.

A língua de sinais surgiu pelo mesmo motivo das línguas orais, ou seja, pela

necessidade da comunicação e de expressar seus sentimentos e ações. A

língua de sinais apresenta sistemas gramaticais abstratos de forma altamente

13

complexa. Através dela podem-se expressar composições poéticas,

expressões idiomáticas, ironias entre outras expressões metafóricas comuns

em qualquer língua.

A língua de sinais é diferente para cada país como ocorre nas línguas

orais, inclusive com diferenças de traços regionais. Assim como temos idiomas

como o espanhol, o inglês entre outros, as línguas de sinais tem características

diferentes de país para país. Outro aspecto importante a ser mencionado é que

a língua de sinais se processa no hemisfério esquerdo do cérebro assim como

as línguas orais, embora ela se utilize do visual e de muitas formas icônicas na

comunicação no seu sistema lingüístico.

Segundo Dorziat e Figueiredo (2002), os estudos sobre a suposta

comunicação informal utilizada pelos surdos foram uma grande contribuição

para mostrar que os gestos utilizados entre a comunicação de surdos é uma

língua espontânea podendo inclusive transmitir informações abstratas

Segundo autoras citadas, a língua de sinais é de extrema relevância não

só para a questão da comunicação como em relação à questão social, pois é a

língua de sinais que faz com que o surdo se desenvolva plenamente em sua

língua majoritária e viabiliza a inclusão social destas pessoas. O não uso

destes signos lingüísticos pelo surdo na sua interação com o mundo torna

muito difícil seu aprendizado, desta forma não podemos negar-lhes a educação

em sua língua natural.

O trecho abaixo mostra claramente a relevância social da língua de

sinais para o surdo:

. ... a língua de sinais deve permear e dar sentidos aos conceitos existentes no mundo, mesmo que a intenção seja o trabalho com produção textual, tendo como modelo a língua portuguesa. Ou seja, a questão bilíngüe-bicultural não é apenas retórica na área de surdez, ela é pré-requisito para a apropriação de elementos de diferentes contextos culturais. Portanto, a língua de sinais, como uma primeira língua, é essencial para que o surdo, vendo-se a si mesmo, possa enxergar o outro, o ouvinte, e, enxergando o outro, possa adentrar no mundo da linguagem escrita desse, de forma mais apropriada. (Dorziat e Figueiredo p. 6, 2002)

14

Dorziat e Figueiredo entendem que é necessário o entendimento da

linguagem escrita para a formação das estruturas mentais do ser humano e

não possuir este entendimento da linguagem escrita pode ocasionar perdas

incalculáveis na vida destas pessoas. Sendo assim é a língua de sinais que

deve dar sentido ao conhecimento de mundo do indivíduo surdo, mesmo que o

objetivo seja trabalhar a língua portuguesa.

1.3.1. Língua de sinais aspectos gramaticais

Segundo as autoras Karnopp e Klein (2005), a lingüística pode ser

definida como um estudo científico das línguas naturais humanas com o

objetivo de descrever-las, apresentando seus aspectos e formulando teorias

sobre seu funcionamento. As áreas da lingüística abrangem a fonologia, a

morfologia, a sintaxe, a semântica e a pragmática. Além disso, ela preocupa-se

com áreas interdisciplinares como a sociolingüística, a psicolingüística, a

lingüística do texto e a análise do discurso.

Segundo as autoras mencionadas, a língua de sinais é considerada um

sistema lingüístico legítimo pelos lingüistas, sendo que o primeiro lingüista a

estudar as línguas de sinais foi Stokoe na década de 1960. Ele analisou a

Língua Americana de Sinais explicando sua estrutura gramatical e provando

que a língua de sinais possui uma complexa estrutura interior e que esta

constitui todos os critérios lingüísticos das línguas orais.

Como afirma Karnopp e Klein (2005), a organização fonológica das

línguas de sinais procura determinar as unidades mínimas que formam os

sinais e estabelecem as combinações e variações possíveis entre estas

unidades no ambiente fonológico.

Para Karnopp e Klein (2005), como a língua de sinais é gestual-visual, a

informação é recebida pelos olhos e produzida através das mãos e,

conseqüentemente, isso faz a diferença fundamental entre ela e as línguas

orais, pois consiste numa estrutura simultânea de organização dos elementos.

15

Nas décadas de 1960 e 1970 vários pesquisadores e principalmente Stokoe

propuseram o seguinte esquema lingüístico:

- Configuração de mão (CM):

- Locação da mão (L):

- Movimento da mão (M):

- Orientação da mão (Or):

- Expressões não manuais (NM).

Foi a partir da proposta do esquema acima que começou a prevalecer a

idéia de que CM, L, M são unidades que constituem os morfemas das línguas

de sinais. Quadros e karnopp (2004, p. 52) investigaram em sua obra alguns

pares de CM, M, e L de caráter distintivo. Para isso elas utilizaram os sinais

para a palavra pedra e queijo como exemplo de traço distintivo relacionado à

configuração de mão dos sinais para as palavras trabalhar e para vídeo

mostrando o caráter distintivo relativo ao movimento, e os sinais aprender e

laranja para mostrar o caráter distintivo relativo à locação.

Com o exposto acima, as autoras provaram que a língua de sinais

apresenta traços abstratos e universais assim como as línguas orais, já que

apresentaram a estrutura dual da língua de sinais mostrando que ela apresenta

morfemas e fonemas apesar de seus articuladores serem completamente

diferentes do das línguas orais.

Karnopp e Klein (2005) afirmam que há 46 configurações de mãos

existentes na Libras. Estes traços distintivos identificam e distinguem itens

lexicais, sendo estes formados por um conjunto de elementos básicos que

ocorrem simultaneamente formando CM, M e uma L, elementos que

combinados formam os itens lexicais.

...o movimento é definido como parâmetro complexo que pode envolver uma vasta rede de formas e direções, desde movimentos internos da mão, os movimentos do pulso e os movimentos direcionais no espaço. (KARNOPP E KLEIN, 2005 p. 56)

16

As autoras já citadas apresentam a locação como “aquela área do corpo,

ou espaço de articulação definido pelo corpo em que ou perto da qual o sinal é

articulado.” As locações ocorrerem em quatro regiões principais do corpo

principais: cabeça, mão, tronco e espaço neutro.

A Orientação da Mão é a direção para onde a palma da mão indica na

produção do sinal. Segundo as autoras há seis tipos de orientações na língua

brasileira de sinais: para cima, para baixo, para o corpo, para frente para a

direita ou para esquerda.

As Expressões Não Manuais correspondem a expressões faciais com

objetivo de marcar construções sintáticas como das sentenças interrogativas,

orações relativas, topicalizações, etc., e diferenciar os itens lexicais como a

marcação de referências pronominais, advérbios, etc.

Karnopp e Klein (2005 p. 60) apresentaram o seguinte conceito de

morfologia: “Morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou dos

sinais, assim como das regras que determinam as palavras”. Assim como nas

línguas orais as línguas de sinais também são formados pela combinação de

unidades mínimas com significado. A morfologia divide-se em dois ramos: a

morfologia derivacional e a morfologia flexional, elas estudam respectivamente

a formação de palavras com a mesma base lexical e a outra os processo de

acréscimo de informação gramatical numa palavra já existente.

Temos também a formação de compostos nas línguas de sinais que

envolvem a junção de duas ou mais palavras, por exemplo, no caso dos sinais

para a palavra “acreditar” e “escola”, exemplificados por Quadros e Karnopp

(2004).

Quanto à sintaxe das línguas de sinais Quadros e karnopp (2004)

investigaram aspectos gramaticais da língua de sinais como a sintaxe espacial

e a estrutura básica da língua de sinais. Um exemplo que faz parte da sintaxe

espacial das línguas de sinais é o fato de fazer o sinal em um local particular.

17

Neste estudo, conforme foi apresentado brevemente podemos observar

rápidas noções da estrutura da língua de sinais comprovando que ela é

constituída por partes menores, assim como as línguas orais.

18

2. BILINGÜISMO

Lacerda (1998) refere que a língua de sinais ao ser considerada uma

língua completa que permite uma comunicação eficiente, assim como na

aquisição da língua falada pelo ouvinte. Esta perspectiva levou a outro método

chamado de Bilingüismo. O Bilingüismo que se preocupa principalmente com a

aquisição da língua de sinais deixando a questão da língua falada em segundo

plano. A autora aponta para a importância de não sobrepor as línguas

envolvidas, sendo que a língua de sinais deve ter um professor diferente da

língua majoritária. A língua de sinais deve ocorrer no meio familiar e de

preferência juntamente a alguém da comunidade surda. A língua falada deve

ser ensinada por outra pessoa para ficar claro para criança de que se trata de

outro contexto comunicativo.

Este método tem o objetivo de fazer a criança surda desenvolver

eficientemente seu processo lingüístico e cognitivo, assim como a criança

ouvinte. Também tem como objetivo integrar os surdos à sociedade de forma

harmoniosa, e de forma a serem reconhecidos como valorosos e capazes pela

própria família.

Segundo Quadros (1997), alguns pesquisadores procuram ainda uma

língua escrita própria para a linguagem de sinais, julgando a escrita da língua

majoritária muito artificial para o surdo. Além disso, os estudos e linhas

metodológicas variam muito de país para país, podemos observar como

exemplo os EUA- país que mais desenvolveu pesquisas na língua de sinais-,

sendo a Língua Americana de Sinais muito difundida no país. Diferente de

países como o Brasil, onde o bilingüismo é empregado em poucas instituições.

Karnopp (2005) afirma que possuímos uma população global de

aproximadamente quinze milhões de pessoas surdas, sendo no Brasil estimado

por volta de 250 mil surdos, e embora tenhamos este número significativo,

infelizmente, ainda hoje nos deparamos com preconceito em relação à surdez

19

e o descaso de nosso país que simplesmente incluem crianças surdas no

ensino regular sem o menor suporte ou pessoal qualificado.

Lima (2004, p. 78-85) afirma que a grande maioria das nações são

bilíngües nas diferentes classes sociais e faixas etárias, sendo que grande

parte deles adquire estas línguas em fases variadas de sua vida e raramente

possuem proficiência em ambas as línguas em todas as modalidades que a

compõe.

A autora afirma ainda que se considerássemos bilíngües apenas

aqueles que fossem totalmente proficientes em ambas as línguas estaríamos

reduzindo extremamente o número de pessoas bilíngües. Vários psicólogos,

sociólogos, lingüistas entre outros têm apresentado diferentes conceitos em

relação ao o que é ser um sujeito bilíngüe, o que significa bilingüismo e quais

são os contextos bilíngües existentes. Como não há um consenso sobre estas

definições Lima (2004) traz alguns conceitos sobre o bilingüismo.

Segundo a autora mencionada alguns autores acreditam que o

bilingüismo compreende a fluência completa de duas ou mais línguas com

desempenho perfeito nas diversas modalidades da língua igualando-se ao

desempenho de um falante nativo. Outro conceito abordado pela autora diz

respeito ao bilingüismo coletivo que pode ocorrer de três formas. A primeira

delas é chamada de bilingüismo horizontal, este corresponde ao uso de duas

línguas que se equiparam oficialmente e em status cultural e familiar. A

segunda corresponde ao bilingüismo vertical, a esse compete o uso de um

dialeto e da língua oficial do país de forma relacionada. E por ultimo o

bilingüismo diagonal corresponde ao uso de uma língua não oficial ao país sem

ser a ela relacionada e da própria língua oficial.

Sendo assim, Lima (2004) aponta diversas visões sobre o conceito de

bilingüismo que vão desde conceitos extremamente exigentes que consideram

a situação bilíngüe sendo apenas aquela em que o falante apresenta o domínio

pleno de todas as modalidades da língua a definições mais amenas que não

consideram necessária a fluência em todas as modalidades da língua. A autora

20

acrescenta ainda que o conceito que mais se adéqua a realidade corresponde

a uma visão de bilingüismo que não idealiza uma competência monolíngüe,

mas sim levam em consideração os aspectos sócio-funcionais de seu contexto.

Embora já saibamos que a língua de sinais apresenta tantas

competências gramaticais quantas as da língua falada, observamos que todas

as pesquisas em relação à analise do processo de aquisição da língua, assim

como, os problemas que interferem na linguagem, por exemplo, a afasia1, e

perceber que isto ocorre da mesma forma na língua sinais é fascinante. Após

ler a obra e saber de toda a discriminação e sofrimento que o surdo viveu

durante muitos e muitos séculos, percebe-se a oportunidade de finalmente

atingir desenvolvimento educacional do surdo através do bilingüismo.

Certamente, este método será o caminho para integrar o surdo na sociedade, o

que terá uma grande contribuição para levar o surdo a conhecer o mundo tão

perfeitamente como o ouvinte.

2.1. Bilingüismo no mundo.

Quadros (1997) apresenta em sua obra alguns exemplos de países que

implantaram o bilingüismo nas escolas de surdos. Esta proposta ainda é pouco

difundida, sendo que os países que se destacam a Suécia e a Venezuela,

existindo também algumas experiências isoladas no Brasil.

A proposta é desenvolvida a partir de 1981, neste mesmo ano foi

aprovada uma lei pelo parlamento sueco que consiste no bilingüismo dos

surdos, esta lei gerou em 1983 a implantação de um novo currículo nas escolas

de surdos que consiste no desenvolvimento da língua de sinais sueca e no

sueco. Os surdos não aprendem as línguas orais da mesma forma que os

1 Conforme conceito de Ferreira (1999, p.60) do ponto de vista neurológico afasia é a

perda do poder da expressão pela fala, pela escrita ou pela sinalização, ou da capacidade de

compreensão da palavra escrita, ou falada, por lesão cerebral, e sem alteração dos órgãos

vocais.

21

ouvintes, portanto a aquisição da língua de sinais deve acontecer naturalmente.

Os conteúdos são apresentados aos alunos através da língua sueca de sinais,

mesmo a estrutura da língua majoritária é ensinada através da língua de sinais

e sua aprendizagem é destinada para leitura e escrita formais. Sendo a língua

de sinais tratada como principal canal de ensino e utilizada pelos surdos na sua

comunidade e na interação com outras pessoas. O estudo do sueco é ensinado

como se fosse uma língua estrangeira para o surdo, assim como ocorre o

processo de aprendizagem pelos ouvintes suecos da língua inglesa, por

exemplo.

Segundo Quadros (1997) a proposta de ensino nas escolas de surdos

abrange o ensino da gramática da língua de sinais, do alfabeto internacional,

do alfabeto de outras línguas de sinais da região nórdica e em especial o de

informações gerais de organizações nacionais e internacionais de surdos. Esta

proposta alcançou grande êxito na Suécia, desenvolvendo a auto-estima da

criança surda e da sua família e proporcionando o contato com sua língua

natural desde a mais tenra idade. No ingresso à escola a criança é tratada com

normalidade com características pertinentes a qualquer tipo de criança. Elas se

integram à sociedade com todas as habilidades necessárias exigidas com

mesmo nível de qualidade dos cidadãos ouvintes.

Na Venezuela também foi implantado o bilingüismo com sucesso.

Quadros observa que não foram feitas experiências-piloto, este país preferiu

implantar o método de uma só vez em todas as escolas especiais. A autora

afirma que esta iniciativa proporcionou uma troca de experiências entre as

escolas para uma melhor análise do processo implantado. O principal objetivo

da implantação do bilingüismo nas escolas especiais foi o de proporcionar que

as crianças pudessem adquirir a linguagem de forma natural, ou seja, que

aprendessem primeiramente a língua de sinais. Cerca de 95% das crianças

venezuelanas surdas são filhas de pais ouvintes, portanto era impossível que

elas adquirissem sua linguagem em condições de igualdade com uma criança

ouvinte.

22

A escola venezuelana, então, procurou assegurar o desenvolvimento da

linguagem da criança surda e conseqüentemente do desenvolvimento de seu

pensamento. Para este fim a escola proporciona um ambiente em que a

criança está em contato permanente com a língua de sinais. Garantir uma

personalidade e formação de sua identidade a partir do contato com adultos

surdos também é uma questão muito importante nestas escolas. É através

deste contato que a criança poderá se comunicar para questionar dúvidas

sobre o mundo para poder construir seu próprio conhecimento de mundo. Além

disso, é importante que se mantenha o acesso aos conteúdos escolares em

igualdade com os trabalhados em escolas de ouvintes. As escolas especiais

venezuelanas priorizam a escrita ao oral. O castelhano é visto como sua

segunda língua. (Quadros, 1997)

2.2. Bilingüismo no Brasil

A terceira fase da educação dos surdos no Brasil surge a partir do

despertar de alguns profissionais e pesquisadores da área da surdez que

retomam conceitos sobre a língua de sinais e a própria surdez. Este período

representa uma fase de transição para o Bilingüismo. Esta proposta tem o

objetivo de trazer acessibilidade escolar às crianças surdas, considerando a

língua de sinais como natural, respeitando a autonomia da língua.

Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de

forma espontânea pela pessoa surda em contato com pessoas que

usam esta língua e se a língua oral é adquirida de forma

sistematizada, então as pessoas surdas têm o direito de ser

ensinadas na língua de sinais. A proposta bilíngüe tenta captar este

direito. (Quadros, 1997, p. 27)

A autora baseia-se nas pesquisas relacionadas à Gramática Universais

elaboradas por Chomsky & Lasnik. Essas pesquisas apresentam um

dispositivo de aquisição da linguagem inato nos seres humanos. Este

dispositivo precisa ser acionado através da exposição lingüística, sendo assim,

no caso da criança surda brasileira não é a língua portuguesa que irá ativar

23

este dispositivo e sim o acesso a LIBRAS o mais cedo possível. A língua

portuguesa nunca será adquirida de forma natural e espontânea com a língua

de sinais. Além disso, os surdos possuem uma comunidade que apresenta

uma cultura própria devendo ser respeitada e cultivada. O ensino da língua

portuguesa para o surdo de acordo com a proposta bilíngüe é baseado nas

técnicas de ensino de segunda língua, levando em consideração os aspectos

psicossociais, culturais e lingüísticos dos alunos surdos.

Quadros (1997) entende que o ideal seria que as crianças surdas

tivessem contato com a língua de sinais desde seu nascimento, assim como

ocorre com as crianças ouvintes. Mas, infelizmente, esta realidade é muito rara,

já que a grande maioria das crianças surdas são filhas de pais ouvintes que

não possuem nenhum conhecimento sobre a língua de sinais. Dentro desta

perspectiva, a escola de educação bilíngüe deve deixar estas crianças em

contato com surdos adultos para que sejam imersas em sua língua natural.

Estes adultos surdos além de proporcionarem a aquisição da língua de sinais

transmitem informações da comunidade de surdos como aspectos culturais e

sociais. Somando-se a isso, estas crianças percebem sua língua e cultura de

forma valorizada contribuindo para criação de sua identidade. Somente depois

da aquisição da língua de sinais viso-gestual e escrita a criança terá suporte

para aprender sua segunda língua, no caso, a língua portuguesa.

Quanto ao ensino da língua oral a autora afirma o seguinte:

(...) não adianta ater-se à forma oral sem tornar a expressão significativa. A forma oral ou espacial são formas externas da língua. Os aspectos formais e do significado (aspectos do pensamento lingüístico) são internos, independente de serem orais ou espaciais. Assim, o objetivo é fazer com que as línguas externas sejam expressas mediante o amadurecimento das condições internas. (Quadros, 1997, p.30)

Sendo assim, o ensino da forma oral da língua portuguesa é secundário,

pois o importante é que o surdo seja capaz que desenvolver-se

semanticamente e só depois disso entrar em contato com a parte externa da

língua. Este processo ao inverso ocasiona sérios problemas de bloqueios do

24

aluno surdo tornando a aprendizagem eficaz da língua portuguesa

praticamente impossível.

Quadros (1997) nos apresenta duas formas de bilingüismo possíveis, a

primeira delas corresponde ao ensino da L2 ( língua portuguesa) quase que

simultaneamente com a aquisição da língua de sinais. Já a segunda, se dá

através do ensino da língua portuguesa somente após a L1 (língua de sinais)

ser adquirida. Segundo a autora, baseada em pesquisas de Skutnabb-Kangas

a aprendizagem da L1 e L2 concomitantemente são questionáveis, pois o

bilingüismo aplicado deve levar em consideração a origem das duas línguas, se

aprendizagem de ambas será dentro da própria família com falantes nativos ou

se será pela necessidade de comunicação. A autora aponta ainda que a

aquisição da linguagem do surdo possa ser desenvolvida pelo bilingüismo ou

pela diglossia2, ou o que é ainda mais comum, o uso dos dois. O bilingüismo

corresponde à competência e desempenho nas duas línguas, diferente da

diglossia onde a língua é utilizada em situações específicas.

O desempenho de crianças surdas filhas de pais surdos é superior ao

das crianças que possuem pais ouvintes, pois essas estão inseridas na sua

língua natural e desenvolvem suporte para aprenderem a segunda língua. De

acordo com Quadros (1997) baseada nas pesquisas de Duffy o input entre os

pais surdos e a criança surda de sua língua nativa leva estas crianças a

possuírem um melhor desempenho escolar. Até mesmo aqui no Brasil,

podemos perceber que o contato com a língua de sinais desde cedo

proporciona aos alunos surdos a produção de textos escritos de maior

qualidade, assim como maior desenvoltura e compreensão da leitura da língua

portuguesa em relação àqueles que não tiveram contato precoce com a língua

de sinais. Além do aspecto lingüístico, o aspecto da criança surda estar

2 Numa sociedade, a existência de dois ou mais códigos distintos, cada qual deles

com funções claramente diversas, determinadas pela estratificação social, mas em que apenas

um deles goza de prestígio. (FERREIRA, 1999 p. 682)

25

inserida num contexto familiar de surdos proporciona à criança a referência de

normalidade na criação de sua identidade.

Quadros (1997 p. 33) aponta os principais objetivos da educação

bilíngüe através da proposta de Skliar et AL.:

a) criar um ambiente lingüístico apropriado às formas particulares de processamento cognitivo e lingüístico das crianças surdas;

b) assegurar o desenvolvimento sócio-emocional íntegro das crianças surdas a partir da identificação com surdos adultos;

c) garantir a possibilidade de a criança construir uma teoria de mundo;

d) oportunizar o acesso completo à informação curricular e cultural.

A autora aponta ainda as características que um professor de escola

bilíngüe deve apresentar para que essa atinja os objetivos citados acima. É

necessário que o professor proporcione a interação da criança com o adulto

bilíngüe, além disso, é de grande importância que ela conheça os aspectos da

língua necessários para seu ensino da comunicação e escrita. O professor

bilíngüe deve respeitar as duas línguas, valorizando-as, atento as diferentes

funções que estas línguas apresentam para a criança.

Segundo Quadros (2005), o Brasil é considerado monolíngüe, embora

possua vários grupos que falam idiomas diferentes como, por exemplo, tribos

indígenas, colônias de alemães e de italianos, e os surdos que utilizam a língua

de sinais. Aparentemente, o Brasil parece ter a língua portuguesa como

primeira língua ignorando as variedades lingüísticas que estão espalhadas por

todo o país. Com esta perspectiva em relação à língua, o país ao invés de

somar as diversidades lingüísticas, as divide menosprezando o valor das

línguas minoritárias que o compõe.

A língua portuguesa é a língua majoritária, portanto se o aluno não

atinge a língua oficial do país ele é considerado incapaz. Não há um estímulo

para que as crianças possam conhecer diferentes formas de organizar o

mundo conhecendo as variedades de línguas e de culturas. Estes

26

conhecimentos proporcionam um maior desenvolvimento cognitivo em relação

às áreas política, social e cultural.

Quadros (2005) nos aponta também o bilingüismo como a habilidade de

se utilizar de diferentes línguas em diferentes contextos sociais. Ela exemplifica

com um colega indiano que nunca tinha se dado conta de que ele se utilizava

cinco idiomas diferentes, um em seu ambiente escolar, outro nos cerimoniais

religiosos outro em sua casa, etc. A variedade lingüística era algo tão comum

que ele acreditava falar apenas um idioma. Outro exemplo é o de uma criança

ouvinte filha de pais surdos capaz de utilizar-se de sinais na comunicação e da

língua portuguesa. Quando ela conversava com ouvintes ela utilizava o

português e quando ela conversava com os pais ou alguém que ela sabia ser

surdo automaticamente ela utilizava a língua de sinais. Não há problema

nenhum em se conhecer várias línguas, pelo contrário isso estimula a cognição

da criança fazendo-a ampliar sua visão de mundo.

Esta autora (1997) baseou-se em pesquisadores centrados no mesmo

foco, o de levar em consideração a questão social, pois a criança surda convive

em um mundo diglota, ou seja, a língua portuguesa e a língua de sinais são

uma constante. Sendo a língua de sinais a língua natural do surdo, esta

interfere diretamente em sua percepção da estrutura da língua portuguesa.

Assim, é necessário desmitificar a escrita, mostrar a criança de que ela é capaz

aprender a língua portuguesa utilizando como instrumento de ensino sua língua

natural, a língua de sinais. É necessário também, conscientizá-los da

importância de se dominar a língua escrita portuguesa, pois afinal é a língua

majoritária do país necessária para que o surdo possa integrar-se ao meio

social e ao mercado de trabalho.

27

3. AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM

Segundo Corrêa (1999) a teoria da lingüística apresenta a aquisição da

linguagem como uma questão fundamental para pesquisar a cognição do ser

humano, pois é ela que explica como o ser humano inicialmente sem ter

qualquer expressão verbal, adquire naturalmente a língua de sua comunidade

ainda na mais tenra idade sem que esta língua precise ser-lhe ensinada.

Segundo a autora todas as crianças são capazes de incorporar a língua

de seu ambiente familiar e social como sua língua materna, podendo, além

disso, podendo adquirir mais de uma língua simultaneamente, a não ser que

possua algum problema que as impeça de adquiri-la naturalmente.

A aquisição de cada língua irá requerer a identificação de seu sistema fonológico, sua morfologia, seu léxico, o que há de peculiar em sua sintaxe e no modo como as relações semânticas se estabelecem. (CORRÊA, 1999, p. 340)

A autora salienta que a criança lida com muitas variáveis para fazer

estas identificações, sendo que este processo possui um padrão de

desenvolvimento inerente a qualquer indivíduo, ou seja, a linguagem é comum

ao ser humano.

Corrêa (1999) afirma que do ponto de vista racionalista, somos

predispostos biologicamente para que possamos adquirir uma língua dentro de

um período muito curto de tempo. Isso é considerado um Gramática Universal

interna inata ao ser humano que o torna capaz de adquirir um língua de forma

rápida e natural.

3.1. Aquisição da linguagem em crianças surdas

É inegável a diferença de forma de aquisição da linguagem pelo surdo e

pelo ouvinte. Podemos confirmar isso, com o exemplo apresentado por

Fernandes(1990) baseada em Mklebust. Através de testes psicológicos

observou-se que o trabalho mental do surdo e do ouvinte são diferentes,

embora solicitados para solucionarem os mesmos problemas.

28

Não se pode afirmar que uma criança surda não possui linguagem se

não foi exposta à língua de sinais. Fernandes (1990 p. 54) apresenta pesquisas

de autores como Feldman, GoldinMeadow e Gleitman que em seus estudos

comprovavam que mesmo que a criança surda não tivesse tido contato com a

língua de sinais, era capaz de se apropriar de uma forma gesticulada para se

comunicar manualmente. Essa forma assemelhava-se com a de outras

crianças surdas que nunca tiveram contado entre si.

Fernandes (1990) apresenta que nos testes psicológicos, perceberam-se

problemas em relação à falta de um código simbólico pelo surdo. Os surdos

saíram-se muito bem em testes como o de cubos de Knox, por exemplo, que

consistia em fazer a criança memorizar uma seqüência em que o instrutor

movimentava os cubos e ela reproduzia estes movimentos. Este teste exige

uma grande percepção do visual, a qual as crianças surdas são estimuladas

desde a mais tenra idade, o que facilitou seu bom desempenho na execução

deste teste. O surdo apresenta uma habilidade de percepção de detalhes que

muitas vezes passam despercebidas pelos ouvintes. É a linguagem que

impulsiona o indivíduo para sua capacidade de pensamento e para seu

desenvolvimento na aquisição de conhecimentos. Hoje se sabe que o que

interfere na cognição do surdo não é a falta de estimulo acústico, como

apontado por Fernandes (1990), mas a falta de contato desses desde a mais

tenra idade com a língua de sinais, tendo um língua natural que possa

estruturar seu pensamento e a partir dela construir o conhecimento.

3.2. Aquisição do português

Fernandes (1990 p. 67-78) realizou uma pesquisa de campo em duas

etapas, envolvendo 40 surdos com mais de 18 anos que apresentassem o grau

mínimo de instrução da quarta série do ensino fundamental. Foram aplicados

questionários envolvendo questões sobre a vida pessoal cotidiana de cada um

deles e exercícios envolvendo lacunas para completar com tempos verbais,

preposições na primeira etapa. Na segunda etapa do trabalho, propôs-se a

29

escrita de bilhetes e interpretação de texto e reescritura. O resultado dos testes

constatou que os surdos que conseguiram atingir o objetivo da proposta da

pesquisa, como por exemplo, o de interpretar o texto adequadamente e

reescrevê-lo, tinham o ensino médio e curso superior. Os demais informantes

tiveram sérias dificuldades como de reproduzir idéias gerais do texto por

escrito, dificuldades com o vocabulário dos textos, embora fossem textos bem

simples. Além disso, muitos deles não conseguiram sequer entender o assunto

que estava sendo apresentado. Estas dificuldades são resultados do trabalho

inexistente com textos em escolas especiais.

Não basta apenas transferirmos métodos de ensino de aprendizagem de

uma segunda língua baseados nas pesquisas feitas com ouvintes, ou seja, nos

métodos apresentados pelas línguas orais, pois esses métodos são baseados

na modalidade oral-auditiva, exigindo então formas diferentes de ensino. Sobre

isso é importante lembrar de Quadros (1997), quando afirma que para o surdo

aprender uma língua oral é necessário um esforço enorme, neste caso, o

Português. Para isso ele precisa se submeter a vários procedimentos para

atingir este fim, isto quando consegue atingi–lo satisfatoriamente. Os surdos

possuem a língua de sinais como a língua 1e o português é considerado sua

língua 2, como já foi mencionado anteriormente no capítulo relativo ao

bilingüismo no Brasil.

Segundo Silva e Pereira (2003), a partir de uma pesquisa realizada por

uma psicóloga do Programa de Apoio à Escolaridade no CEPRE – Unicamp,

impulsionada por reclamações de mães de alunos surdos, podemos observar a

imagem, geralmente depreciativa, de professores do ensino regular em relação

aos alunos surdos. As autoras argumentam que a dificuldade de aprendizagem

destes alunos é atribuída principalmente à forma falsa de inclusão preconizada

pelo sistema, à falta de profissionais especializados na língua de sinais ou

ainda à suposta incapacidade do aluno surdo aprender.

Para este estudo, a psicóloga analisou sete professoras de 1ª a 4ª série

de escolas municipais e estaduais da região de Campinas, sendo que estas

profissionais possuíam pelo menos um aluno surdo na turma. O trabalho foi

30

desenvolvido através da análise de entrevistas e de observação das aulas

destas professoras.

As autoras já mencionadas afirmam que apesar da inclusão social de

qualidade ser garantida pela legislação como consta na Declaração de

Salamanca, reforçada ainda pela LDBEN 1996, nos deparamos com a

marginalização do deficiente auditivo nos próprios estabelecimentos de ensino.

As escolas que acolhem alunos surdos geralmente não dispõem de

professores habilitados para trabalharem com eles e nem recebem nenhum

suporte do governo para isso. Acarreta, então no aluno, grande dificuldade

para aprendizagem do conteúdo, já que não recebe nenhum auxílio para sanar

suas dificuldades de comunicação em função da surdez.

Todas as professoras entrevistadas e observadas durante a pesquisa,

apesar de alegarem que o aluno surdo é plenamente capaz de aprender o

conteúdo, demonstraram a incapacidade de levar o aluno surdo a uma

aprendizagem satisfatória. A causa desta incapacidade foi atribuída

principalmente à idéia de que o aluno é incapaz de aprender por causa de sua

“deficiência”. As entrevistadas também atribuem as dificuldades ao fato dos

professores não conhecerem a língua de sinais para poderem explicar de

forma mais efetiva os conteúdos aos alunos surdos. Atribuem ainda à forma

como o sistema vem incluindo estas crianças, pois a escola é tratada como um

simples depósito para elas. As professoras não recebem nenhum

assessoramento pra trabalhar com este aluno, sentem-se desamparadas para

lidar com estas situações em sala de aula.

De acordo com a pesquisa mencionada, é possível se pensar que a

inclusão social, em geral, não é vista pelos professores como uma forma de dar

oportunidade para que o aluno surdo possa adquirir o mínimo de conhecimento

socialmente valorizado, mas sim como crianças inaptas por sua deficiência que

são jogadas a própria sorte nas escolas regulares. É necessário que este

discurso seja mudado, que as escolas ofereçam o ensino adequado mediante

profissionais especializados.

31

4. METODOLOGIA

Segundo Albino e Grossemann (2004 p. 25) “é a partir do

referencial teórico que o pesquisador estuda a realidade, construindo o

seu método de trabalho e o próprio objeto a ser investigado.” Cada área

científica possui problemas próprios que precisam ser resolvidos, sendo

do pesquisador, o papel de selecionar aspectos da realidade que

venham ao encontro do objeto de estudo a ser investigado.

As autoras já citadas afirmam que:

O objetivo da pesquisa qualitativa é o desenvolvimento de conceitos que nos ajudem a compreender um fenômeno social num cenário natural invés de experimental, dando ênfase adequada a seus significados, experiência e olhar dos participantes. (Albino e Grossemann, 2004 p. 25).

A pesquisa qualitativa não pode ser desmerecida em favor da

quantitativa, pelo contrário ambas devem ser complementares, pois cada uma

delas sozinha não é capaz de dar conta da realidade. Pensemos, por exemplo,

no índice de aprovação de alunos em uma escola. Apenas a quantidade de

aprovados não pode assegurar a qualidade de ensino destes alunos. É

necessário que se analise os processos de aprendizagem e de avaliação para

comprovarmos se quantidade atingida vem ao encontro da qualidade de ensino

desses alunos.

4.1. Análise dos dados

O estudo deste trabalho realizou-se a partir de pesquisa bibliográfica que

consiste em buscar referencial teórico em livros, artigos, documento, etc. Esta

pesquisa baseia-se em materiais já elaborados com intuito de recolher e

analisar as principais idéias e contribuições teóricas sobre um determinado

assunto. A pesquisa bibliográfica envolve fases como a escolha de um tema,

delimitação deste tema, anotações, identificações, definição de termos a serem

utilizados, fichamento, análise de dados e finalmente a redação do assunto

escolhido.

32

Esta modalidade de pesquisa foi escolhida com o intuito de analisar as

contribuições teóricas e experiências que vem sendo feitas na educação na

área da surdez, principalmente com o objetivo de trazer pesquisas importantes

sobre como ensinar a língua portuguesa para o surdo de forma eficaz e

produtiva tornando-os integrados na sociedade.

4.2. Procedimentos da pesquisa

A questão da educação de surdos vem sendo cada vez mais discutida

na atualidade, principalmente no que se refere à aprendizagem da língua

portuguesa para sujeitos surdos. Alguns pesquisadores têm se debruçado

sobre esta questão com o objetivo de encontrar caminhos para que a educação

de surdos ocorra de forma mais efetiva não só no que tange a aquisição de

conhecimentos como em sua inclusão no meio social. Partindo disso, optou-se

pela pesquisa bibliográfica para o desenvolvimento deste trabalho com o intuito

de averiguar algumas pesquisas mais recentes em relação ao ensino do

português para surdos.

Após este primeiro momento de definir o tema da pesquisa, passou-se

para a etapa de busca de referencial teórico através de livros, revistas, artigos,

pertinentes à educação na área da surdez em relação ao ensino do português

como segunda língua para o surdo. Também foram utilizados para este fim

pesquisas através de meios eletrônicos on-line.

A segunda etapa do trabalho consistiu em análise do referencial teórico

encontrado, enfocando as teorias e experiências apresentadas. Partindo disso,

foi definido o tema do trabalho Educação de Surdos e sua delimitação como

Processo de Aquisição da Leitura e Escrita. Com base no tema e delimitação

escolhido partiu-se para a busca de aporte teórico nas áreas de história da

educação de surdos, método do bilingüismo, aquisição da linguagem e

principalmente como o surdo aprende a língua portuguesa.

33

Neste contexto procuraram-se teorias e experiências práticas elaboradas

por vários pesquisadores que efetivamente desenvolvessem de forma mais

adequada a aquisição da língua portuguesa pelo surdo.

34

5. . ENSINO DO PORTUGUÊS COMO L2

5.1. Abordagens para aquisição da L2 pelo surdo

Antes de falar sobre aquisição da segunda língua propriamente dita é

necessário que se entenda alguns conceitos sobre língua materna, primeira

língua (L1), segunda língua (L2), língua estrangeira e língua instrumental. Silva

(2004) apresenta estes conceitos dentro da ótica da surdez.

Segundo Silva (2004), a língua materna corresponde àquela adquirida

através do seio familiar, diferente da L1 que não pressupõe uma língua

herdada da família, mas sim àquela aprendida naturalmente pelo surdo, língua

com a qual ele se identifica e através da qual ela é capaz de expressar-se e

construir sua identidade no mundo. Este último caso é o espaço em que estão

inclusos a maioria dos surdos já que estes geralmente só entram em contato

com a língua de sinais através da comunidade surda, no ambiente escolar ou,

em casos mais raros, quando lhes é constatada a surdez. A língua materna

acontece no caso dos surdos somente quando a criança surda possui pais

surdos, esta sim é uma relação interativa de comunicação na qual a criança

está inserida em um ambiente familiar afetivo que lhe propicia a aquisição da

língua materna. (SILVA, 2004, p. 37)

Quanto a segunda língua, Silva (2004 p. 39) conceitua-a como aquela

adquirida após a primeira língua, geralmente suscitada pela necessidade de

comunicação no meio social, sendo que esta língua passa a servir como uma

ferramenta de comunicação. A aquisição da L2 ocorre de forma totalmente

diferente para o surdo em relação ao ouvinte. No caso deste último, a língua

pode ser aprendida naturalmente através da exposição do ouvinte a um grupo

social falante da L2 a ser adquirida. Já no caso do surdo este processo só

ocorrerá naturalmente se a L2 a ser adquirida for na mesma modalidade viso-

gestual, ou seja, se ele adquirir uma língua de sinais de outro país, caso o

contrário a aprendizagem da L2 se fará de forma artificial, ou seja, a

35

aprendizagem de uma língua oral-auditiva exigirá uma instituição de ensino ou

um curso para ensiná-lo.

Outra questão importante sobre estes conceitos apresentado pelo autor,

é a de que a primeira língua adquirida pelo surdo não vai ser necessariamente

sua L1, pois a primeira língua é aquela com a qual ele se identifica e expressa

seus sentimentos e dúvidas sobre o mundo. Neste cenário enquadram os

casos de surdos oralizados que conseguem adquirir uma habilidade oral

comunicativa, mas que ao adquirirem a língua de sinais se familiarizam com

ela.

Quanto à língua estrangeira Silva (2004) traz o conceito de que ela é

aprendida fora do ambiente em que ela é usada, diferentemente da L2 que se

aprende através de uma ambiente social em ela é utilizada. Um exemplo disso

é o caso de brasileiros que estudam a língua inglesa aqui mesmo no Brasil.

Finalmente o autor conceitua ainda a língua instrumental, esta

corresponde à aquisição da L2 pelo surdo como geralmente ocorre no Brasil.

Em nosso país o português é ensinado como uma L2 no ambiente escolar,

porém a maior parte das instituições desenvolve habilidades de leitura e

escrita, ou seja, a língua é ensinada em algumas de suas modalidades

conforme os objetivos e necessidades do surdo.

Partindo destas considerações, percebemos que Silva (2004) considera

a LIBRAS como a L1 do surdo e o português como sua L2 instrumental. Isso

permite o ingresso deste sujeito a um mundo de reflexões muito complexo,

tanto no aspecto cultural quando cognitivo, pois a aquisição do português para

estes sujeitos vai além da mera aprendizagem da escrita e da leitura, incluindo

a aprendizagem de novos valores culturais e ideológicos.

Quadros (1997 p. 67-69) apresenta 3 abordagens para aquisição da

língua portuguesa pelo surdo.

A primeira delas corresponde à abordagem comportamentalista de

Skiner. Esta abordagem preocupa-se com dados comportamentais que podem

ser observados e medidos. Trabalha com a observação das repostas que são

36

dadas aos estímulos aplicados. A aquisição da linguagem, deste ponto de

vista, está baseada em um processo de estímulo através de práticas

repetitivas, imitações e reforços.

A segunda abordagem refere-se às teorias de Chomsky pesquisadas

pela autora. Segundo esta teoria, o ser humano possui uma gramática interna

independente do uso da linguagem. Na verdade, a aquisição da linguagem é

uma descoberta de regras gramaticais internas. A capacidade da linguagem é

algo considerado inato, ou seja, genético da espécie humana. Essa habilidade

é desencadeada pelo ambiente à medida que o ser humano desenvolve seu

processo de amadurecimento.

Este dispositivo é a Gramática Universal, que contém princípios rígidos e princípios abertos. Os princípios rígidos captam aspectos gramaticais comuns a todas as línguas humanas. Os princípios abertos, também chamados de parâmetros, captam as variações das línguas através determinadas e limitadas. Quando todos os parâmetros estão fixados a criança adquiriu a Gramática Núcleo, isto é , a gramática de sua língua. (QUADROS, 1997, p.68)

Finalmente a terceira abordagem corresponde a interacionista. Essa

abordagem divide-se em dois tipos: a cognitivista e a social. A abordagem

cognitivista baseia-se nas teorias de Piaget. Essa teoria também considera que

já nascemos com certas estruturas internas que determinam nosso

comportamento considerando a linguagem como resultado do desenvolvimento

da cognição. Quanto à abordagem social, baseia-se nas teorias de Vigotsky

que defende a importância do meio para o desenvolvimento da estrutura da

linguagem. Atribuindo ao contexto social a capacidade de memorização e do

desenvolvimento de regras gramaticais.

5.2. Como ocorrem o processo de leitura e escrita do português para o

surdo

Segundo Rosa & Trevizanutto (2002), infelizmente o surdo é exposto à

escrita através de um ensino repetitivo, sendo a língua apresentada como uma

lista de palavras que consiste em fazer com que o aluno surdo as organize

utilizando as regras da língua portuguesa. Conseqüentemente, a submissão do

37

surdo a este tipo de processo de ensino da língua escrita leva-o a falta de

domínio de vocabulário, falta de uso de elementos de ligação e de conjunções

verbais ocasionando o uso de frases estereotipadas, sendo assim, não são

capazes de fazer um uso efetivo da língua portuguesa escrita.

A autora entende que o letramento deve acontecer através de uma

concepção interacionista da língua. O sujeito surdo deve ser exposto ao

português escrito e a leitura de forma semelhante ao leitor de uma língua

estrangeira. Não há uma leitura real se não houver a compreensão do texto. Na

leitura deve haver um processo de transformação de significados a partir do

texto lido, ou seja, ela deve proporcionar novas experiências ao leitor

enriquecendo seu conhecimento.

Rosa e Trevizanutto (2002) desenvolveram um trabalho de leitura

durante agosto de 1998 até agosto de 1999. Eram encontros semanais com

duração de duas horas. A princípio o trabalho tinha oito participantes e até o

término da pesquisa já estava composto por 25 pessoas.

As autoras trabalharam com um texto jornalístico que abordava a poda

das árvores de regiões conhecidas desses participantes surdos que

compunham suas pesquisas. Esse assunto despertou grande interesse dos

participantes, pois além de se tratar de um assunto que lhes era pertinente,

havia figuras de lugares que eles conheciam. Após isso, foi feita a leitura do

texto jornalístico em língua de sinais e pesquisas sobre informações

jornalísticas de dias anteriores que abordavam o mesmo assunto apresentado

no texto jornalístico trabalhado.

A próxima etapa do trabalho correspondeu ao recontar da notícia através

de histórias em quadrinhos. As idéias do texto não são dadas prontas para o

surdo, pelo contrário é feito todo um processo que leva o sujeito surdo a

interpretar o que lê utilizando seu próprio conhecimento de mundo. Utilizar

informações jornalísticas relativas ao contexto em que eles vivem, fugindo

àqueles textos de livros didáticos induz o sujeito surdo a desenvolver sua

leitura e escrita de forma eficaz.

38

Através desta pesquisa elaborada pelas autoras Rosa e Trevizanutto

(2002), pôde-se perceber que não é o trabalho sobre textos simples que levará

o aluno surdo a progredir no seu processo de letramento, mas sim,

proporcionar condições que o levem ao domínio da língua escrita, utilizando-se

da língua de sinais como base para o entendimento das idéias do texto

relacionando-as com o texto escrito fazendo com que o próprio leitor possa

construir seus significados respeitando tanto a língua de sinais como a língua

portuguesa.

Fernandes (2006) apresenta em seu artigo que as escolas ainda estão

longe de implantar o bilingüismo. O que temos é um pseudobilingüismo nas

escolas especiais em sua grande maioria. Quanto às escolas regulares, então,

o bilingüismo é praticamente desconhecido. O objetivo central mesmo nas

escolas especiais ainda é o de domínio da língua portuguesa, deixando a

língua de sinais em segundo plano. Além disso, não há estímulo para a

preservação da identidade surda respeitando sua cultura já que a língua oficial

majoritária é que comanda a proposta pedagógica da escola.

Atualmente podemos perceber que houve uma troca de ênfase a ser

dada na educação na área da surdez; no período do oralismo objetivava-se a

fala, hoje, este fim foi substituído pelo português oral escrito principalmente

com as promessas “milagrosas” do implante coclear. O foco continua sendo

atingir a língua socialmente mais importante utilizando-se para este fim as

mesmas metodologias adotadas na educação de ouvintes.

O surdo enfrenta a dura realidade de ser um estrangeiro dentro de seu

próprio país, pois mesmo estando imerso na língua portuguesa pelo meio

social e familiar que o rodeia não consegue travar uma comunicação com o

ouvinte, já que esse não conhece a língua de sinais e que o outro não conhece

o português. A língua de sinais é uma modalidade visual que precisa ser

adquirida através do convívio com surdos adultos fluentes na língua, mas sabe-

se que a maioria dos surdos só consegue ter acesso a língua de sinais na

adolescência e até mesmo na vida adulta. Urge uma política governamental

que regulamente medidas que respeitem e valorizem a diversidade lingüística

39

que compõe o país e que as leis já existentes não permaneçam apenas no

papel. O preço de não se ter acesso a língua de status social é o de o de ser

segregado à cidadania e sem oportunidade de crescimento na sociedade.

Sabe-se que o surdo é perfeitamente capaz de ler e escrever através de

processos visuais baseados na sua língua natural; a língua de sinais. Para

tanto é necessário que haja um significado para o sujeito surdo na

aprendizagem da língua portuguesa. Isso está geralmente vinculado às

práticas sociais desse indivíduo. E, é claro, que a língua de sinais é

imprescindível como instrumento para que o português seja adquirido.

Ainda hoje as escolas não proporcionam o contato com o português de

forma significativa para o sujeito surdo, pois se prendem à relação letra/som,

palavra/som. Sendo assim, o surdo, desde criança, passa por um processo de

cópia de letras e palavras sem que ocorra uma aprendizagem efetiva do

português. A alfabetização de alunos surdos ainda se parece muito com os

métodos adotados para a alfabetização de ouvintes. Na educação da criança

ouvinte parte-se de seu conhecimento prévio da língua oral, mostra-se o som

das letras de palavras de seu cotidiano. Apresentam também a formação de

sílabas desenvolvendo o aspecto fonológico da língua. O processo de

aprendizagem da leitura ocorre da parte para o todo e para isso a criança

estrutura-se no seu conhecimento acústico da língua.

Na educação da criança surda isto ocasiona sérios problemas em seu

desenvolvimento na aprendizagem da língua portuguesa, pois não há um

conhecimento interno prévio sobre palavras orais da língua, portanto não é

possível distinguir o som da letra ou o som das palavras como ocorre com as

crianças ouvintes. A percepção da criança surda é visual e não auditiva e o

processo de sua leitura ocorre do todo para o todo, pois a palavra é vista como

algo único, ela não tem conhecimento da acústica para conferir-lhe significado.

Enquanto estas práticas acontecerem na educação de surdos os avanços no

ensino do português serão sempre frustrados.

40

É necessário que se considere os processos simbólicos visuais da

criança surda para a constituição de significados na sua escrita. Pois a língua

de sinais não é alfabética como o português. Ela, portanto, terá que ser

competente em sua primeira língua, a língua de sinais, e aprender a escrita de

uma língua que depende de processos auditivos sem ter conhecimento dos

sons de sua grafia. A leitura e a escrita precisam ser vistas como processos

complementares que dependem um do outro. A aprendizagem da leitura e

escrita deve ocorrer baseada nas práticas sociais da criança surda de forma

significativa para ela. Deve-se também levar em consideração o meio social e

cultural da criança para que ela seja capaz de utilizar-se da língua dependendo

da sua necessidade nos diferentes níveis sociais.

Podemos observar em Fernandes (2006) que as crianças ouvintes

aprendem a leitura através da decifração das letras e sílabas das palavras no

seu processo inicial de leitura, já que conhecem os aspectos fonológicos da

língua. Posteriormente, à medida que sua fluência na língua amplia-se, ela

passa a reconhecer a palavra em sua totalidade e vai, aos poucos,

abandonando o processo de decifração de palavras. Mas o processo de leitura

para uma criança surda ocorre de forma bem diferente, pois como neste caso

não há um conhecimento fonológico da língua ela não se utiliza da decifração

no seu processo inicial de leitura. A criança surda memoriza a palavra como

um todo desde seus primeiros contatos com a leitura, sendo que essa será

processada apenas se corresponder a uma significação para o surdo. A autora

afirma que a criança surda utiliza a rota lexical para ler um texto.

Rota lexical ou ortográfica – é o percurso cognitivo utilizado para a leitura pelos surdos. A identificação da palavra ocorre sem a pronúncia da palavra (rota fonológica), mas por meio de seu reconhecimento visual. As palavras são lidas com base em sua forma ortográfica, ou seja, a palavra impressa é imediatamente relacionada a um conceito, sem que seja necessário recorrer à sua estrutura sonora. (Fernandes, 2006 p. 10)

É importante lembrar que uma efetiva leitura não pode ser feita somente

através de conhecimento de palavras isoladas, mas relacionadas com o

contexto a que estão inseridas. Para que o processo de leitura seja alcançado

41

plenamente é preciso abandonar o ensino da leitura e escrita de forma

mecânica que vem ocorrendo não só na educação de surdos, mas também na

educação de ouvintes.

Um dos grandes problemas enfrentados pelo surdo no seu processo de

aprendizagem da leitura e escrita é sua tentativa em sinalizar palavra por

palavra em língua de sinais considerando o significado de cada palavra

isoladamente e atribuindo-lhe o primeiro significado em que pensam sem

relacionar as palavras com o contexto. Uma das causas deste problema é o

uso do português sinalizado principalmente utilizados pelos professores que

possuem pouca fluência na língua de sinais, pois o aluno surdo acaba

confundindo a estrutura da língua portuguesa com a da língua de sinais.

Enquanto, nas escolas, o ensino continuar sendo através de um

português sinalizado, principalmente no processo inicial de leitura e escrita na

educação de surdos, este fato continuará interferindo negativamente no

pensamento da criança surda fazendo com que suas produções escritas sejam

marginalizadas pela sociedade e por seus próprios professores. Neste

ambiente, a criança surda não consegue perceber sua condição bilíngüe

porque convive com uma língua que na verdade é uma combinação do

português com a língua de sinais.

Fernandez (2006) elaborou um projeto que apresenta inicialmente textos

contendo vocabulários conhecidos pelos alunos, oportunizando-lhes unidades

de significados mais amplas e contextuais. Além disso, os textos trabalhados

são apresentados como são expostos na sociedade, ou seja, com o uso de

letra de forma, coloridos,como se apresentam nos textos jornalísticos, nas

revistas, nas embalagens, entre outros. Utilizar-se dessas ferramentas pode

levar o aluno surdo a uma compreensão na leitura, e não um simples

reconhecimento de palavras isoladas.

Para o trabalho com a linguagem escrita a autora apresenta três

elementos importantes. O primeiro elemento corresponde aos aspectos

funcionais, ou seja, saber para que público o texto está direcionado e com que

42

intenção. O segundo elemento relaciona-se ao aspecto lexical, sendo que as

palavras só adquirem real significado quando relacionadas com seu contexto. E

o terceiro elemento corresponde os aspectos gramaticais que não quer dizer

conhecer as teorias de regras gramaticais, mas as regras de organização da

língua que permitam a comunicação entre seus usuários.

Outra questão primordial no processo de aprendizagem da leitura e

escrita está diretamente ligada à língua de sinais, já que essa é a base para o

processo. Também é de extrema importância a mediação do professor entre a

língua de sinais e o texto que permite aos alunos a capacidade de chegar à

compreensão do texto e fazer as relações necessárias entre a L1 (LIBRAS) e a

L2 (língua portuguesa). Esse é o papel do professor nesse processo de

aprendizagem, ele deve ser o mediador assumindo o papel de levar o aluno a

compreender as informações contidas no texto, isto é, é ele quem fará a

ligação do sentido do texto com o conhecimento prévio do aluno.

A escrita é o acesso único do surdo à língua portuguesa, isto é, ele

conhece apenas a norma padrão da língua, pois como não há inserção auditiva

na língua, ele desconhece questões sobre diferentes pronúncias de uma

palavra, ou de reduções que as palavras sofrem no seu uso oral. Além disso, o

primeiro contato com a língua portuguesa só ocorrerá na escola por causa da

impossibilidade do contato oral com a língua portuguesa.

Outra questão importante ressaltada por Fernandes (2006) é a

necessidade de que a educação não se concentre apenas em livros didáticos,

mas sim nos textos cotidianos que se apresentam na sociedade. Pois é através

dos anúncios, matérias de revistas, informações de jornais etc., que são

expostas as realidades que circundam a vida desses alunos, sendo assim, um

assunto significativo para eles. O livro didático exclui vocabulários cotidianos

em detrimento à norma culta do português.

O conhecimento de mundo do aluno é algo extremamente relevante para

seu processo de leitura e escrita, pois é a partir deste conhecimento que o

aluno será capaz de fazer as associações necessárias para descobrir as idéias

43

contidas no texto. O trabalho inicial sobre a linguagem e escrita deve começar

com textos ricos em imagens, pois o aluno pode basear-se no contexto visual

para inferir possíveis sentidos do texto escrito. Através das ilustrações o

professor pode conduzir o aluno à percepção das idéias centrais apresentadas

no texto.

5.3. Pesquisas sobre o processo de letramento dos surdos

Lodi et al (2004 p. 34), apresenta duas concepções de leitura e escrita

na educação de surdos. A primeira delas corresponde à dissociação do ensino

da leitura e da escrita, partindo do pressuposto de que não há problemas de

discriminação visual nem auditiva, pois o processo de leitura é uma simples

transcrição do sonoro para o visual. Já na segunda concepção, as autoras

consideram sem sentido diferenciar a leitura da escrita, pois um processo está

ligado diretamente ao outro, posto que a criança realiza a atividade de

produção ao mesmo tempo em que interpreta o texto.

O processo da escrita está intimamente ligado aos hábitos culturais e

históricos do meio social, esse processo se desenvolve ao longo da vida do

indivíduo. A leitura e escrita devem estar sempre relacionadas com o

conhecimento de mundo do aluno de forma que tenha significação para ele. A

criança deve sempre estar consciente sobre o que escreve e porque o escreve.

Giordani (2004) elaborou uma pesquisa realizada em 2002/2003 no

Centro Municipal dos Trabalhadores Paulo Freire localizado na cidade de Porto

Alegre. Nesta pesquisa são entrevistados jovens e adultos sobre o significado

cultural da língua escrita. A autora critica a forma como a escola ainda vem

tratando a educação de surdos, principalmente em relação à educação de

jovens e adultos. A escola não respeita a cultura e a língua do surdo, pois sua

pedagogia está direcionada aos ouvintes de maneira que desvaloriza a língua

de sinais, não somente, porque a língua de sinais não prioriza as normas

gramaticais da Língua Portuguesa como por não apresentar uma forma escrita

consistente.

44

É necessário abandonar o “jeito” ouvinte de ensino para utilizar o “jeito”

surdo, adaptar a pedagogia às suas necessidades de ensino. Os surdos devem

ser vistos como uma comunidade lingüística minoritária que é tão

potencialmente capaz e possuidora de direito de emancipação.

Segundo a autora, a identidade de um indivíduo é formada através de

um processo que vai se construindo ao longo de suas vidas, ela nunca está

plenamente formada, pois vai se delineando com o passar do tempo e é

constituída culturalmente através de uma construção coletiva. Portanto, a

escola que se destina ao público que este texto trata, deve preocupar-se não

com o português padrão formal que muitas vezes não faz sentido para o surdo,

mas com o português que “está nas ruas” que envolve a prática do cotidiano do

surdo, que poderá auxiliar ao entendimento da vida real que o rodeia. A escola

deve levar em consideração as necessidades desta comunidade.

Neste artigo temos alguns exemplos de pessoas surdas que executam

seus trabalhos de forma eficiente como Nilton que trabalha em uma escola em

serviços gerais e Gilberto que trabalha em uma livraria cuidando do

faturamento, estoque e entrega dos livros. Os dois são “letrados” pela vida e

conseguem comunicar-se e realizar seus trabalhos dignamente e

eficientemente. Eles relatam no texto a grande dificuldade para ler e,

principalmente, para escrever, pois os ouvintes não compreendem seus textos.

É preciso a preocupação da escola com os objetivos dos alunos que estão nela

inseridos, pois talvez o maior objetivo de um surdo não seja fazer a leitura de

um livro literário, mas ler as mensagens visuais nas ruas, da TV e de tudo que

faz parte de seu dia-a-dia.

Giordani (2004) considera que uma escola para surdo deveria ser

dirigida por surdos e compostas por funcionários surdos, pois esses é que

entenderiam suas maiores necessidades e fariam uma educação de surdos

que não é regulada pela visão dos ouvintes e, portanto, destinada a ouvintes,

fato que limita e regula a educação. O fato de possuir pessoas surdas

qualificadas na equipe diretiva e nas diversas dependências da escola

certamente contribuiria significativamente para que a escola de surdos utilize-

45

se de uma pedagogia apropriada para estes alunos. De forma a trazer êxito

não só na educação como ao desempenhar diversas funções na sociedade, ou

seja, alcançar o objetivo dos surdos apresentado neste texto que é o de

“escrever o que está escrito nas ruas”.

“... língua de sinais como primeira língua e português escrito como segunda língua, não privilegia uma língua, mas quer dar direito e condição ao leitor surdo e poder utilizar duas línguas, não se trata de negação, mas de respeito, o sujeito surdo escolherá a língua que irá utilizar em cada situação lingüística em que se encontrar.” (ROSA & TREVIZANUTTO, 2002 p. 3).

A língua de sinais apresenta-se através da modalidade espaço visual

bem diferente da modalidade utilizada pelas línguas orais. Sendo assim a

modalidade espaço visual utilizada pelas línguas de sinais estrutura-se de

mecanismos sintáticos diferentes daqueles utilizados pelas línguas orais.

Segundo Rosa & Trevizanutto (2002 p. 46) a língua de sinais é tão

natural quanto a língua oral, pois essa também surge a partir da necessidade

de uma língua para transmitir idéias, ações e sentimentos. Na verdade a

surdez não é uma deficiência quando a língua de sinais constitui a primeira

língua do indivíduo surdo, pois é através dela que o surdo tem sua

comunicação, podendo construir sua comunidade lingüística, que embora

minoritária e diferente não é anormal.

46

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das pesquisas realizadas pelos diferentes autores apresentados

neste trabalho pôde-se observar que são unânimes em afirmar que a criança

surda deve ser exposta desde a mais tenra idade na língua de sinais e que a

língua portuguesa deve ser vista como sua segunda língua para estes sujeitos.

Porém percebe-se que grande parte das crianças surdas são filhas de pais

ouvintes, portanto, não podemos considerá-las dentro desta condição de ter a

língua de sinais como língua materna. Geralmente elas só vão ter contato com

a língua de sinais no período escolar sendo que algumas vezes este contato

apenas ocorre na fase da adolescência ou até mesmo já na fase adulta. Sendo

assim, embora a língua de sinais seja aquela a qual o sujeito surdo se identifica

não pode ser considerada sua língua materna, pois não foi adquirida desde

seus primeiros anos na ambiente familiar como é o caso do contexto de

aquisição da língua materna.

Outra questão importante observada é a forma como o bilingüismo vem

sendo exposto pela maioria dos autores. No método do bilingüismo é tido como

pressuposto o domínio da língua de sinais como primeira língua para que a

partir dela seja adquirida a língua portuguesa como segunda língua. Mas

sabemos que esta não é uma realidade no Brasil, pois geralmente as crianças

surdas não possuem o domínio efetivo da língua de sinais tornando a

aprendizagem do português como segunda língua extremamente difícil. Fica

óbvio o fato de que se a criança nem mesmo adquiriu sua primeira língua, a

LIBRAS, mais difícil ainda é que ela apresenta o português como sua segunda

língua. Na verdade muitas destas crianças apenas compartilham o uso de

signos tanto gestuais quando verbais, portanto, não é possível considerá-las

dentro de uma situação bilíngüe.

É importante que a escola esteja ciente do tipo de bilingüismo com o

qual vai trabalhar, levando em consideração o contexto e a condição bilíngüe

de seus alunos. Percebe-se que mesmo nos espaços escolares especiais o

47

ensino do português continua sendo apresentado de forma errônea. A

aprendizagem da segunda língua acontece de forma repetitiva, sendo a língua

resumida como a memorização de palavras que devem ser organizadas com

base em regras de gramática. O aluno deve prender-se a relações de letra/som

através do processo de cópia de letras e palavras, formação de sílabas,

levando em consideração aspectos fonológicos da língua.

Embora a língua de sinais seja reconhecida, esse fato não se concretiza

na prática, pois ela é deixada em segundo plano em detrimento do português

ou invés de a língua de sinais ser utilizada como base para que sejam

compreendidas as idéias do texto para que a partir dela o leitor surdo possa

construir significados respeitando ambas as línguas. O acesso à língua de

sinais pela maioria dos sujeitos surdos é tardio prejudicando seu

desenvolvimento na aprendizagem da segunda língua.

Além disso, a questão da cultura e identidade surda não é levada em

consideração no processo de ensino. A comunicação entre surdo e ouvinte não

é travada já que o primeiro não sabe o português e o segundo não conhece a

língua de sinais, desta forma o surdo acaba sendo um estrangeiro dentro de

seu próprio país. Nas escolas especiais para surdos as quais a língua de sinais

deveria ser dominada pelos professores muitas vezes as aulas são ministradas

através de um português sinalizado, já que são poucos os professores que

possuem o domínio da língua de sinais. Isso gera uma confusão entre a

estrutura do português e da língua de sinais para o surdo.

Outra questão importante a ressaltar é o fato de que o processo de

leitura dos textos é realizado da parte para o todo ao invés de seu oposto. Além

disso, o ensino muitas vezes fica centrado apenas no uso de livros didáticos ao

invés de trabalhos em cima de textos relacionados ao cotidiano do aluno surdo.

O ensino do português nas escolas deve ser realizado através de uma

concepção interacionista da língua. O aluno surdo deve ser exposto a leitura e

escrita assim como um leitor estrangeiro. A leitura deve processar-se através

de transformações de significados enriquecendo o conhecimento do leitor.

48

Outro aspecto importante no ensino da L2 para o surdo é o de utilização

de textos pertinentes a realidade desses alunos, ou seja, o trabalho com textos

jornalísticos, da mídia usando-se de muito colorido e de ilustrações que levem

o aluno a inferir informações contidas no texto a partir delas.

A escola deve valorizar e respeitar as variedades lingüísticas do país,

neste caso a língua de sinais considerando os processos simbólicos visuais do

sujeito surdo para constituição de signos na aprendizagem da escrita.

Os significados das palavras do texto devem ser trabalhados levando em

consideração os diferentes significados que podem ter e diferentes contextos.

E o professor deve ter o papel de mediador entre o texto e o alunos surdo

relacionado o conhecimento de mundo do aluno com o texto e paralelamente

fazendo a relação entre a língua de sinais e a língua portuguesa.

E, nesse sentido deixo algumas considerações importantes para o

processo de aquisição e escrita do português para o surdo na perspectiva de

segunda língua que vem sendo pesquisados no Brasil. E sabendo-se do

crescimento de estudos em relação a este assunto nos últimos anos fica o

apelo para que novas pesquisas aprofundem as experiências de educação

bilíngüe em nosso país de forma a trazer mais subsídios para profissionais e

interessados na educação de surdos.

49

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