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    EDUCAO, CULTURA E MEIO AMBIENTE: UMA

    APROXIMAO DAS CONCEPES INDGENAS A PARTIR

    DO MOVIMENTO DOS PROFESSORES INDGENAS DA

    AMAZNIA

    SILVA, Rosa Helena Dias da - UFAM

    GE: Educao Ambiental /n.22

    Agncia Financiadora: No contou com financiamento.

    Introduo

    Dentre os inmeros temas e problemticas que emergem da discusso e das

    prticas da educao escolar indgena, escolhemos centrar nosso olhar nas

    concepes de educao, cultura e meio-ambiente que tm sido construdas pelos

    professores indgenas, em especial nas reflexes explicitadas durante os Encontros

    Anuais do Movimento dos Professores Indgenas da Amaznia1.

    Ao optar por priorizar um dilogo cientfico com a teorizao elaborada pelos

    prprios ndios, afirmamos, com Corry (1994, p.7), o pressuposto de que

    los pueblos indigenas son sociedades viables y contemponneas com

    complejos modos de vida, as como com formas progressistas de

    pensamiento que son muy pertinentes para el mundo actual.

    Assim, atravs da leitura e anlise dos Relatrios desses Encontros que

    pretendemos identificar - nas falas dos professores indgenas - as idias mais

    especificamente ligadas temtica ambiental e sua relao com a educao, a cultura

    e o processo de escolarizao.

    1 H, desde 1988, ocasio da realizao, em Manaus/AM, do I Encontro dos Professores Indgenas doAmazonas e Roraima, um movimento que articula e organiza os professores indgenas da Amaznia.Desde aquela data, eles se renem anualmente para socializar suas experincias, alm de elaborar

    princpios e propor alternativas frente realidade das escolas indgenas e a necessidade de uma polticaindgena de educao escolar. Tambm tm estado atentos questo das polticas pblicas para educaoe da legislao especfica.

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    Teremos como eixo motivador da problematizao o Tratado de Educao

    Ambiental para sociedades sustentveis e responsabilidade global2 que tem como

    princpios bsicos:

    1) ter como base o pensamento crtico e inovador, em qualquer tempo ou

    lugar, em seus modos formal, no formal e informal, promovendo a

    transformao e a construo da sociedade;

    2) a educao ambiental individual e coletiva e tem o propsito de formar

    cidados com conscincia local e planetria, que respeitem a

    autodeterminao dos povos e a soberania das naes;

    3) deve envolver uma perspectiva holstica, enfocando a relao entre o ser

    humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar;

    4) deve estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito aos direitos

    humanos, valendo-se de estratgias democrticas e interao entre as

    culturas;

    5) deve integrar conhecimentos, aptides, valores e aes, convertendo cada

    oportunidade em experincias educativas das sociedades sustentveis;

    6) deve ajudar a desenvolver a conscincia tica sobre as formas de vida

    com as quais compartilhamos neste planeta, a respeitar seus ciclos vitais e

    impor limites explorao dessas formas de vida pelos seres humanos

    (Tratado das ONGs, s.d., p.194-196)

    Desde logo, percebemos uma significativa sintonia entre o movimento dos

    professores indgenas, suas reflexes, princpios e prticas e os pontos traados no

    referido Tratado. Estudando os relatrios de doze encontros anuais (1988-1999)3

    pode-se identificar porm que, em nenhum deles, a temtica da educao ambiental

    foi explicitamente colocada como ponto de pauta das discusses. Da mesma forma,

    no h registros de debates especficos sobre a relao homem, natureza, cultura e

    meio ambiente. Estes temas aparecem de forma indireta, por vezes intrinsecamente

    acoplados s reflexes sobre a vida indgena, os projetos de futuro dos povos e o

    papel da educao tradicional (prpria) e da educao escolar, tanto aquela que foi

    introduzida/imposta pelo processo colonizador como, mais recentemente, a que tem

    sido pensada pelos prprios ndios.

    2 Citado por Gadotti: 2000, p. 239-240.3 Optou-se por este perodo por caracterizar-se como uma etapa inicial do movimento que, a partir de

    2000 transforma-se em COPIAM Conselho dos Professores Indgenas da Amaznia Brasileira,inaugurando um novo momento organizativo, passando a realizar Assemblias anuais. Neste ano de 2003realiza-se a III Assemblia do COPIAM, em Manaus/AM.

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    3Num esforo de identificao do pensamento indgena sobre as questes

    delimitadas neste trabalho que realizamos a leitura dos Relatrios. A sistematizao

    que se segue procura explicitar um primeiro resultado desta busca que parte de

    Projeto de Pesquisa, em pleno andamento (2002-2003). Como poder ser percebido,

    estaremos tratando das principais questes de maneira ampla, j que, como foi

    anteriormente afirmado, elas aparecem na reflexo dos professores indgenas

    articuladas a outras tantas mais diretamente ligadas problemtica educacional. Ser

    includo tambm um tpico no qual procuramos discutir o conceito de cultura e a

    problemtica das relaes interculturais, por entendermos que esta fundamentao

    necessria no presente estudo.

    Cultura: a aproximao de um conceito e o debate acerca das relaesinterculturais

    Como sabemos, o conceito de cultura algo muito amplo e que at mesmo

    implica em controvrsias. O termo, segundo Laraia (1992) comea a ser utilizado no

    final do sculo XIX, em substituio folclore. Foi definido pela primeira vez por

    Edward Taylor (1832-1917) no vocbulo ingls culture que inclui conhecimentos,

    crenas, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade adquirida pelohomem como participante de uma dada sociedade. Vemos desde logo que h um

    forte carter de aprendizado na cultura que se ope a idia de aquisio inata, seja

    por determinismo biolgico ou mesmo geogrfico.

    Entendemos cultura como as solues que geraes de homens tm dado aos

    problemas que tm enfrentado no curso de sua histria. Inclui um conjunto de

    conhecimentos, valores, tcnicas, comportamentos e atitudes, pensamentos e regras

    compartilhadas. a maneira de um grupo se relacionar entre si, com os outros e como meio ambiente. Compe-se de cultura material e simblica; manifesta-se nos

    produtos do homem: artesanatos, construes, comportamentos individuais ou

    grupais, sendo um de seus elementos mais importantes a lngua. A cultura

    aprendida, recriada, transformada, transmitida. Representa um valor maior -um

    patrimnio de dados compartilhados por todos os seres humanos de um grupo. No

    esttica, mas sim flexvel, podendo-se desta forma adaptar-se ou mudar.

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    4Em sntese, cultura uma maneira particular de ver as coisas, sendo os

    homens depositrios e arteses de sua prpria cultura. Nas palavras de DaMatta

    (1991), cultura uma tradio viva, um estilo de vida.

    Segundo Deborah Cruz Hernandez (1995),

    no podemos falar da cultura, se no falamos da terra; a cultura no pode

    existir por si s. A terra o apoio, o que d fora cultura. A cultura, entre

    ns, o direito a conceber, de uma maneira integral, nossa relao como

    seres humanos, entre os povos e entre estes e a me terra; que nos permite

    ser diferentes, j que cada povo tem caractersticas especficas e tambm nos

    faz ser iguais, j que todos temos capacidade de cria-la.

    Joo Pacheco de Oliveira (1995, p.78) problematiza a temtica das relaes

    entre ndio e no-ndios ao identificar que

    h um uso muito difuso e generalizado do termo ndio, materializado nas

    definies do dicionrio, expresso na fala cotidiana, no imaginrio popular,

    na literatura e nas falas eruditas, enraizando-se inclusive no pensamento

    cientfico. Nesses domnios, ndio corresponde sempre a algum com

    caractersticas radicalmente distintas daquelas com que o brasileiro costuma

    se fazer representar.(...) Os elementos fixos que compem tal representao

    propiciam tanto a articulao de um discurso romntico, onde a natureza

    humana aflora com mais propriedade no homem primitivo, quanto na viso

    do selvagem, cruel e repulsivo.

    Continuando sua anlise, assinala-nos outra perspectiva de relaes, ao colocar

    que melhor seria pens-los como povos indgenas, como objetos de direitos e como

    sujeitos polticos coletivos, distanciando-se do mito da primitividade e das

    improcedentes cobranas que o senso comum instiga a cada momento.

    Um olhar sobre as concepes indgenas expressas nos Relatrios dos

    Encontros Anuais do Movimento dos Professores Indgenas da Amaznia

    Procurando enxergar alguns rumos para ajudar a pensar as questes delimitadas

    neste texto, na perspectiva da integralidade humana e da reciprocidade, que, como se

    sabe, norteia o pensamento dos povos indgenas, vejamos alguns pressupostos

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    5bsicos, ligados a um conceito fundamental: o de comunidade educativa indgena.

    Nela, segundo Meli (1996), h trs atores principais da educao, a saber, a

    economia, a casa e a religio. Olhar a economia como elemento pedaggico,

    significa enxergar como circulam os bens, como so os modos de produo, os

    modos de troca. Neste sentido, a reciprocidade um valor sumamente educativo. A

    casa - espao educativo domstico - com todas suas caractersticas prprias (o pai, a

    me, a complexidade do parentesco, e suas redes de relaes, com regras e normas),

    um elemento da educao. Tambm a religio, entendida como a concentrao

    simblica de todo sistema: mitos, rituais, momentos crticos (nascimento - vida

    morte).

    Efetivamente, o processo histrico colonial teve uma forte tendncia a separar

    essa unidade. A consequncia que as pessoas passaram a ter centros educativos

    diferentes e isolados. Quebra-se o que era antes uma totalidade. A partir do contato, o

    sistema de educao da comunidade nacional introduzido como uma espcie de

    nuvem que pousa sobre esta realidade. Na reivindicao do Estado nacional, ele

    passa a ser o dono dos smbolos. Essa, como se sabe, uma pretenso de vrios

    sculos: a educao nica, universalizante.

    Na comunidade educativa indgena h um domnio completo, por parte detodos, da lngua, enquanto lngua comunitria. A economia participativa e

    recproca. Porm, cada vez mais, o Estado nacional quer invadir esses espaos

    educativos prprios. Na comunidade educativa nacional, o saber deixa de significar

    prestgio, e torna-se poder, numa estrutura hierarquizada, numa sociedade dividida,

    com interesses conflitantes. H lnguas especializadas; o portugus do Brasil tem

    um mnimo que comum a todos. H uma fragmentao da lngua. A economia a

    de mercado; a casa o lugar dos progenitores e a religio, hierrquica einstitucionalizada.

    Passemos ento aos Relatrios dos Encontros anuais, procurando destacar

    momentos da reflexo desenvolvida pelo movimento dos professores indgenas da

    Amaznia nos quais a temtica aqui tratada pode ser percebida.

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    No I Encontro dos Professores Indgenas do Amazonas e Roraima4, realizado

    em Manaus/AM, no ano de 1988, a partir da pergunta: Como se aprende a viver?,

    cada grupo de participantes pode relatar o seu jeito, a sua maneira de educar,

    dentro de suas comunidades. Aps os trabalhos sobre a educao tradicional de cada

    povo, um segundo passo foi dado, no sentido de problematizar o porqu da existncia

    da escola, ou seja, os seus objetivos. Neste momento, a reflexo foi desencadeada

    pela pergunta:Se j existia educao na originalidade, para que funciona a escola

    atual?

    Ao enfocar a primeira questo, a respeito das formas prprias de educao,

    percebemos que, desde logo, se complexifica a questo, posto que, esto reunidos no

    movimento sempre mais de uma dezena de povos indgenas distintos5, e o que se

    constata que existem tantos modelos de educao indgena, quantas culturas

    (Meli, 1979).

    Porm, dentro da diversidade dos contedos e formas apresentadas nas

    exposies, h aspectos que se repetem. Assim, esta recorrncia (de atitudes, modos

    de atuar, prticas e valores) constante em todos os relatos, sugere serem estas,

    algumas das caractersticas gerais da educao indgena: aprende-se a viver dentro da

    vida cotidiana; adquire-se os conhecimentos necessrios para a vida, com o pai, ame, e a comunidade; aprende-se pelo exemplo e pela experimentao; a tradio

    cultural dos antepassados valor fundamental e base do trabalho pedaggico;

    preserva-se a tradio da oralidade; valoriza-se o trabalho, como meio educativo e

    como insero na vida do grupo; o valor fundamental da terra afirmado

    constantemente; aprende-se a conhecer e respeitar a natureza.

    Para Gunter Kroemer, em seu texto Estudo da reciprocidade (2001),

    as terras indgenas so a expresso mais concreta de experincias espirituais

    de interao entre o homem e natureza. A realidade natural igualmente uma

    realidade sobrenatural e social. a natureza que fornece os meios de

    subsistncia, simbolizada por entidades dotadas de vontades e poderes

    sobrenaturais. Estas so organizadas num sistema de parentesco anlogo ao

    4 Realizado entre os dias 15 e 18 de outubro, reuniu 41 participantes de 14 povos indgenas. Neste

    primeiro momento do movimento apenas os estados do Amazonas e Roraima estiveram presentes. Apartir de 1992 tambm professores indgenas do Acre passam a participar.5 No X Encontro, em 1997, reuniram-se 33 povos.

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    7domnio humano com as quais as pessoas procuram estabelecer relaes

    simblicas de complementaridade e obrigaes recprocas. A terra simboliza

    espao de memria, de culto, de realizao plena de vida. uma viso

    integrada da vida.

    Quanto a questo do conhecimento da natureza, remetamo-nos a alguns autores

    que tm trabalhado esta temtica. Em seu texto O impacto da conservao da

    biodiversidade sobre os povos indgenas, Andrew Gray (1995, p.115) coloca que

    os povos indgenas tm uma vasta riqueza de conhecimentos relativos a seu

    ambiente, construda ao longo de sculos. Este conhecimento no inclui

    somente informaes sobre diferentes espcies de animais e plantas, seuscomportamentos e suas utilidades, mas tambm informaes sobre o modo

    como aspectos do universo se inter-relacionam.

    E vai alm ao afirmar que, para os povos indgenas,

    o conhecimento do ambiente depende de contatos com o mundo invisvel

    dos espritos que desempenham um papel fundamental na garantia da

    reproduo da sociedade, da cultura e do ambiente. (...) Para eles, oconhecimento simultaneamente material e espiritual e os seres humanos

    geralmente no esto separados daquilo que os povos no-ndios concebem

    como o 'mundo natural'.

    Tambm Eduardo Viveiros de Castro (1995, p. 116) nos traz idias acerca

    desta relao - sociedades indgenas, natureza e saber.

    A relao entre os povos indgenas e a floresta mediada decisivamente porsuas formas de organizao sociopoltica. A natureza natureza para uma

    sociedade determinada, fora da qual se reduz a uma abstrao vazia.

    Dessocializar tal saber expropri-lo e inutiliz-lo praticamente.

    Este autor procura destacar que as relaes que se estabelecem entre homens e

    natureza no so naturais, mas sim imediatamente sociais. Este aspecto

    eminentemente social (das relaes entre sociedades e natureza) recebe um

    reconhecimento explcito nas culturas indgenas, em contraste com a concepoobjetivante de natureza entretida pela modernidade ocidental.

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    Segundo Eduardo Carrara (1993),

    a natureza, para os ndios, no s o lugar de onde retiram sua subsistncia

    atravs da coleta, agricultura, caa e pesca; mas tambm objeto de uma

    observao cuidadosa e atenta que nomeia, ordena e classifica as diversas

    espcies naturais do meio em que vivem. Enfim, consiste este aprendizado

    da natureza em uma das principais substncias do pensamento indgena.

    Contudo, a conscincia das contradies e complexidade dos problemas e

    desafios enfrentados na realidade histrica vivida, acrescentou (para a maioria dos

    povos) aos conhecimentos tradicionais, a urgente necessidade de entender a dinmica

    da sociedade majoritria, assim como de ter o domnio sob novos saberes, que os

    ajudem no encaminhamento das novas situaes. Esse processo, na maioria das

    vezes, permeado por conflitos/tenses e dominao, exercidos por parte da nossa

    sociedade. Da o fato de que, ao falarem sobre o hoje, venha a tona expresses que

    denotam angstias, sentimento de lamento - uma espcie de saudade de um

    passado no vivido. como se aflorasse uma certa nostalgia, um desejo de

    "retorno s origens" que, como se sabe, j no so as mesmas.Suess (1987) em seu instigante artigo O menor bem amparado: a criana

    indgena problematiza a questo do contato afirmando que

    as sociedades indgenas que conseguem viver longe e diferente da chamada

    sociedade autctones dos povos indgenas, sobretudo o seu esprito

    comunitrio, proporcional nacional no conhecem o problema do menor

    abandonado. A preservao dos valores sua distncia da sociedade

    ocidentalizada.

    Trechos de depoimentos extrados dos Relatrios6 ilustram essa situao:

    Para saber como se aprende a viver, depende de certos fatores - por

    exemplo, a descaracterizao cultural de muitas comunidades, motivada

    pela invaso das reas. (Professores Macuxi/RR)

    6 As falas indgenas sero apresentadas em itlico.

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    9O costume da queima da face, cheirando pimenta, quase no se faz mais. A

    nossa lngua no estava escrita, estamos fazendo agora a nossa cartilha...

    (Professores Tucano/AM)

    As tradies dos pais foram acabadas um pedao. Mas queremos renascer

    esta tradio, fazer um renascimento da nossa histria. Por isso fazemos um

    estudo paralelo das duas culturas, vendo o que bom ou mau. (Professores

    Desano/AM)

    A educao era toda de pai para filho. Morvamos na beira do Solimes e

    plantvamos na praia. O principal ponto era no deixar faltar a

    alimentao. Nas praias se plantava junto e tinha muita brincadeira,

    alegria. Hoje, quando queremos plantar na praia, logo aparece algum pr falar que dono da praia e ns no podemos plantar. (Professor

    Kambeba/AM)

    Me sinto envergonhado porque no sei falar a minha lngua. Eu no vi e

    nem vivi esta poca de meus avs. No vi a vida boa que eles levavam antes.

    (Professor Mayoruna/AM)

    Durante o trabalho com a questo que tipo de escola desejam, travou-se umdebate a respeito do ensino profissionalizante. Este tema vem a tona em funo das

    variadas e distintas propostas de escolas profissionalizantes e de projetos econmicos

    (especialmente os agropecurios), que so oferecidos ou mesmo implantados nas

    comunidades indgenas. Encontra-se intimamente ligado questo do

    desenvolvimento tecnolgico e da viso de integrao.

    Conforme Roberto Cardoso de Oliveira (s/d), mito ou no, a tecnologia tende

    a ser pensada como o supra sumo do progresso - e gera ideologias correspondentes.

    Como as sociedades indgenas, to diferenciadas material e culturalmente do

    modelo ocidental, podem fazer frente ao avano da sociedade moderna industrial?

    Pensando essas questes, Carrara (1993) vai mais alm ao indagar:

    qual seria a alternativa tecnolgica (econmica), excludo o modelo

    extrativista (sem renovao dos recursos naturais), para garantir territrios

    indgenas, dos quais dependem os ndios para sobreviver fsica e

    culturalmente? Seria a aplicao de tecnologias agrcolas ou pastoris, a fimde adapt-los forosamente a um modelo de desenvolvimento agrcola ou

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    10pastoril? ou, o resgate de conhecimentos indgenas dos ciclos ecolgicos,

    das plantas, dos animais, enfim do manejo do meio ambiente que realizam

    em suas terras muito antes do contato com os brancos e da onda ecolgica

    estar em voga?

    Voltando elaborao de Gray (1995) em seu texto sobre povos indgenas e

    biodiversidade, veremos que, na perspectiva dos povos indgenas, os projetos

    prprios de desenvolvimento, alm de privilegiarem iniciativas locais, se esforam

    para articular as dimenses 'cultura' e 'poltica' do desenvolvimento a abordagens

    sustentveis. O resultado desses processos, segundo esse autor, um auto-

    desenvolvimento que coloca a responsabilidade e o controle sobre os projetos nas

    mos das prprias comunidades indgenas.

    Constatamos, no entanto, que o significado de profissional para os povos

    indgenas no tem o mesmo teor da concepo de nossa sociedade. Quando falam em

    escola profissionalizante, pensam em uma forma de aprender tcnicas novas para

    produzir alimentos, com objetivo de garantir e melhorar as suas condies de vida. O

    valor dado o de sobrevivncia, no no sentido mnimo, mas no sentido de, como j

    foi citado, trabalhar para viver. As categorias que se interligam, portanto, so vida

    e trabalho, e no trabalho e acumulao, como na sociedade envolvente.Castro (1995, p.117) tambm se refere a essas questes de contraste ao

    formular que

    a categoria que comanda as relaes entre homem e a natureza , para a

    modernidade ocidental, a produo, concebida como ato de subordinao da

    matria ao desgnio humano. Para as sociedades amaznicas, a categoria

    paradigmtica nesse contexto a reciprocidade, isto , a da comunicao

    simblica entre sujeitos que se interconstituem pelo ato mesmo da troca.

    Vejamos algumas citaes, contidas no Relatrio do I Encontro/1988, onde

    poderemos comprovar o exposto acima:

    Precisamos de tcnicas para trabalhar na agricultura. necessrio hoje,

    para nossa sobrevivncia, a escola profissionalizante. (Prof. Fausto

    Mandulo, Macuxi/RR)

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    11A escola profissionalizante um meio que o ndio pode ter. A tradio

    nossa essncia, vai nos acompanhar sempre. Precisamos conhecer mais

    para defender nossos direitos. (Prof. Domingos Svio, Tucano/AM)

    Atravs da escola profissionalizante pode-se registrar o que antes era s a

    cultura oral. Os projetos esto chegando, e muitas vezes ns aceitamos

    porque a caa e a pesca j pouca. Estamos partindo para a escola

    profissionalizante por causa disto. (Prof. Henrique, Desano/AM)

    Precisamos nos profissionalizar neste sentido, usando o conhecimento para

    nossa sobrevivncia. A escola agrcola para orientar para aprender a

    defender a terra. Precisamos pegar uma parte desta escola para a escola da

    tradio continuar. (Professores Sater/AM)

    Outra preocupao que tambm transparece a questo da sada dos jovens

    para estudar fora, visualizando-se, como uma possvel soluo, o fato de poderem

    contar com escolas, para continuidade dos estudos, dentro da prpria aldeia.

    Quando algum sai da aldeia para estudar na escola profissionalizante na

    capital, esquece tudo. (Prof. Alrio Moraes, Tikuna/AM)

    Na minha comunidade de Vila Betnia, saiu um jovem para a escola

    agrcola em Manaus e ficou fora 3 ou 4 anos. Quando voltou, tinha perdido

    a lngua e no quer mais aprender. (Prof. Francisco Julio, Tikuna/AM)

    Remetendo-nos novamente ao texto de Carrara (1993), este chama a ateno

    para o fato de que

    a tecnologia por si s no determina a transformao social. Uma tecnologia

    estranha prtica e ao entendimento indgena no adotada de imediato

    pelos ndios, mas deve adaptar-se e por eles ser adaptada ao seu modo

    especfico de organizao cultural e social, o que inclui seus conhecimentos

    da natureza.

    Alguns relatos deixam entrever que os professores indgenas tm levantado

    questionamentos nos quais figuram essa problemtica:

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    Temos que ter muito cuidado. Precisamos de escolas profissionalizantes

    s quando for para servir para a comunidade, seno viramos cobaia. Na

    minha viso, a escola profissionalizante para servir aos nossos interesses

    (Prof. Fausto Mandulo, Macuxi/RR).

    O sistema profissionalizante prprio do sistema capitalista: necessidade

    de produzir muito, preparar para o mercado de trabalho. Estudamos e

    depois voltamos para a comunidade e no nos adaptamos e acabamos

    voltando para o branco. o que tem acontecido conosco. Muitos tem

    voltado para a comunidade e como no conseguem ganhar dinheiro, foram

    embora. No sistema da tradio, vejo a cidadania voltada para a

    comunidade (Professores Desano).

    A Prefeitura de So Gabriel est construindo uma Escola Agrcola. Me

    pergunto o que est por traz disso; algo necessrio, vlido ou no? Uma

    coisa : se esse tipo de escola pedida pela povo e outra se imposta pelo

    governo (Prof. Gersem Luciano, Baniwa).

    No IV Encontro7, que aconteceu em Manaus/AM, no ano de 1991, realizou-se

    um trabalho indito onde, atravs da metodologia dos temas geradores, os

    professores puderam vivenciar um profundo exerccio de interculturalidade,confrontando os diversos saberes dos povos indgenas presentes no Encontro.

    Para desenvolver o trabalho com temas geradores8, num exerccio prtico de

    como incorporar aos trabalhos escolares o cotidiano da vida nas aldeias, construindo

    assim, propostas curriculares indgenas, numa viso interdisciplinar e global, os

    professores primeiramente se dividiram em grupos mistos (regies e povos distintos).

    Tal opo possibilitou uma profunda troca de conhecimentos, num intercmbio entre

    os diferentes saberes tradicionais indgenas, aliados aos novos conhecimentos,advindos da situao de contato com a sociedade envolvente.

    Durante a realizao dos trabalhos com temas geradores, pudemos perceber

    claramente um destaque quanto a importncia do papel da instituio escolar no

    processo de formao, valorizao e afirmao das identidades indgenas. Trazemos

    7

    Realizado entre os dias 12 a 16 de julho, reuniu 43 participantes de 17 povos indgenas.8 Os temas escolhidos, aps um passeio pelo terreno do local do encontro, foram: terra; sava (formiga);rvores frutferas; invaso de territrio; gua poluda.

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    13aqui a elaborao do grupo de Roraima, onde esta questo ficou explicitada de

    maneira muito forte.

    Foi escolhido o tema eu, que a primeira lio da cartilha que estamos

    elaborando por ns mesmos, para ser usada nas nossas escolas. A cartilha

    chama-se Aprendendo com a natureza. Esse tema, ns escolhemos porque

    l em Roraima muito forte a presso para o extermnio dos ndios. A luta

    l brava, todos querem que terminemos no sendo ndios. Todos os

    brancos l querem que percamos nossas terras e nossos costumes. Ento

    comeamos ensinando criana quem ela, o eu. Que ela ndia

    (Macuxi, Taurepang, Wapixana, ou outro grupo); como ela vive; a lngua

    que fala; nossos costumes e assim por diante. Ensinamos o trabalhocomunitrio, onde todos participam. Temos que nos valorizar como somos,

    embora haja muita diferena entre os Macuxi, Wapixana, Yanomami,

    Waimiri-Atroari e outros grupos. Agora, sabemos que possumos algo em

    comum, que que j estvamos aqui quando os brancos chegaram nesta

    terra. A partir deste tema e do estudo das coisas prprias de cada

    comunidade, podemos ensinar as diferentes matrias, sempre colocando os

    conhecimentos dos brancos para enriquecer os nossos. Mas sabendo que

    sabemos muito tambm!

    Tambm o relato dos professores da regio do Mdio Solimes, enfocando a

    pesquisa histrica, sobre o que chamaram de "origem do atual povo Kambeba", pode

    ilustrar a qualidade dos trabalhos realizados:

    O povo Kambeba vivia aldeado na beira do rio Solimes (Ilha do Tocanal),

    municpio de Benjamim Constant. Possuam lngua prpria e mantinham

    suas tradies como, msicas, festas, danas ao som de instrumentos feitos

    de tabca e capim. Danavam o Tamayati, dana ligeira, dana marinheira,

    com vrios tambores e duas damas. A caiuma e a ttia de milho eram as

    suas bebidas tradicionais. Eram trezentas famlias que viviam da caa e da

    pesca, trabalhavam em conjunto.

    Aproximadamente em 1905, chegaram os portugueses, oferecendo

    mercadorias e presentes, e levaram consigo os ndios Manuel Bebiano,

    Egidio Marinho Araquiri e Assenciona Marinho Araquiri para trabalhar

    nos seringais, muito distante da aldeia. Um ano depois, o povo que estava

    agrupado dividiu-se em diversos grupos, que se espalharam em ilhas

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    distantes (Ilha do Capote, Arumanduba, Araatuba, Buiuzinho, Rio

    Atiparan, na Ilha do Araani).

    Trs anos depois, voltou Manuel Bebiano, que fora levado pelos

    portugueses e, encontrando a aldeia vazia, dirigiu-se para a Ilha do Capote,onde se casou. Comeou um novo agrupamento que deu origem ao atual

    povo Kambeba. Isto aconteceu por volta do ano de 1915, e reuniu

    aproximadamente 300 pessoas.

    Seu Valdomiro se casou, saiu da Ilha de Capote, e se agrupou com trinta

    pessoas, durante 22 anos, no Buiuzinho. Em 1969, foram para Fonte Boa

    (para poder estudar). Em 1972, saram de Fonte Boa e foram para o

    Jaquiri. Eram 36 pessoas.

    Hoje, o povo Kambeba conta com 74 pessoas, divididos em dois grupos (por

    necessidade de terra firme) que residem no Jaquiri e no Igarap Grande. Ocontato com o branco intenso (comrcio, sade, educao...). Hoje, est

    havendo uma tentativa de volta s origens. Os professores buscam uma

    forma prpria de ensinar a partir das tradies e conhecimentos do

    passado.

    Pode-se perceber neste breve relato histrico que entra em cena, como um dos

    motivos da trajetria de migrao deste povo, a figura da escola (nas suas palavras:

    "para poder estudar"). Tambm sobressai o entendimento da educao como um

    dos pontos destacados na lista que exemplifica a intensidade do contato com a

    sociedade envolvente.

    Por outro lado, aponta a perspectiva de mudana, explicitada como volta ao

    passado e explicada como a busca, pelos professores, de uma forma prpria de

    ensinar.

    No V Encontro9, que ocorreu em Boa Vista/RR, no ano de 1992, assim como a

    primeira experincia realizada no encontro anterior, um momento significativo,dentro da perspectiva da diversidade e interculturalidade, foi o trabalho realizado em

    grupos mistos (professores indgenas de povos distintos) procurando, ao articular

    currculo e tema gerador, confrontar as diferenas culturais, conhecendo-se

    mutuamente. Diversas foram as temticas escolhidas: bebidas tradicionais;

    alimentao; remdios caseiros; regras de casamento.

    9 Realizado entre os dias 8 e 11 de outubro, pela primeira vez, fora de Manaus/AM, reuniu 90participantes de 15 povos indgenas.

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    O VI Encontro10 (1993) foi realizado, pela segunda vez, na cidade de Boa

    Vista, capital do estado de Roraima. O tema escolhido foi: Culturas Diversificadas.

    Vemos que esta tem sido uma prioridade (feita j no V Encontro/1992) e demonstra a

    vontade dos professores indgenas em aproveitar esses momentos de reunio para

    valorizar a oportunidade de fazer-se conhecer e de conhecer a histria e cultura dos

    demais povos indgenas presentes. Sabemos que esse um primeiro passo,

    fundamental, para o respeito mtuo, assim como para as articulaes e alianas, na

    construo da solidariedade intertnica. A partir do tema central, os trabalhos em

    grupo foram organizados por sub-temas (de livre escolha): organizao social e

    poltica; origens; rituais; trabalho, economia e produo; e educao tradicional.

    Durante o VII Encontro11 (Manaus/AM, 1994), a temtica da Medicina

    Tradicional foi desenvolvida atravs de trabalho de grupos (por regies), seguida de

    apresentao em plenria. Foi formulado pela coordenao um roteiro para facilitar,

    tanto o levantamento das principais questes, como o prprio debate: 1) Qual a

    importncia da Medicina Tradicional? 2) Quem so as pessoas que conhecem a

    Medicina Tradicional? 3) Quais os remdios mais importantes? 4) Qual a

    importncia da Medicina Tradicional dentro da Escola Indgena?

    interessante reparar que a preocupao e a ateno com o tema da sadeconsta j desde os primeiros Encontros, de diversas formas. A deciso de ter esse

    como principal ponto de pauta surgiu j no Encontro anterior. Assim as regies se

    prepararam para essa discusso, trazendo exemplares de plantas medicinais e

    trabalhos realizados com os alunos.

    Desde o IV Encontro (Manaus, 1991), a opo por temas que privilegiam essa

    oportunidade das reunies para intercambiar conhecimentos e informaes entre os

    diferentes povos indgenas presentes, tem sido visvel. Tal proceder demonstra avalorizao que os professores indgenas tm dado diversidade cultural que

    compem o movimento e chama a ateno para o fato de que a interculturalidade -

    um dos princpios das escolas indgenas, inclusive j reconhecido nas Diretrizes do

    MEC, no apenas um pressuposto e necessidade nas relaes entre as sociedades

    indgenas e ns, sociedade majoritria, mas tambm entre os prprios povos

    indgenas.

    10 Realizado entre os dias 7 a 10 de outubro, reuniu 115 participantes, de 17 povos indgenas.11 Realizado entre os dias 16 a 20 de outubro, reuniu 76 participantes, de 21 povos.

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    16Diferentemente da idia que perpassa o senso comum na sociedade

    envolvente brasileira, que liga, automaticamente, medicina com doena, colocaes

    feitas mostraram que a noo de medicina tradicional est, para os povos indgenas,

    intrinsecamente ligada concepo de sade. Esta, por sua vez, remete

    imediatamente idia e conceito de vida.

    Tambm emerge com bastante fora a questo da medicina tradicional como

    valor do grupo, como um bem que deve ser preservado, revitalizado, cultivado,

    dependendo da situao histrica vivida por cada povo. a sabedoria como forma de

    afirmao das identidades. Deste ponto de vista, a ponte entre sade e escola

    indgena dada pela vida.

    Segundo os depoimentos dos professores indgenas, podemos concluir que o

    domnio desses e outros conhecimentos especficos e especializados no so usados

    como poder exercido sobre o outro, mas como servio comunidade, transformando-

    se assim em patrimnio coletivo.

    Sobressai ainda o entendimento de que os saberes tradicionais, no caso, a

    medicina, contribuem para que possa se manter uma relativa independncia e

    autonomia frente a sociedade envolvente. Poderemos perceber e comprovar tais

    anlises em algumas colocaes a seguir.

    (...) temos tratamentos tambm preventivos (com plantas) e no s curativo.

    Se temos sade temos vontade de pensar, raciocinar, ficar alegres.

    gratuito porque a natureza oferece. Para aprofundar mais, temos os pajs.

    (Grupo do Rio Negro/AM)

    O povo ndio, ele tem a vida. Ns j temos essa tradio, ento o que falta

    pr gente viver dentro daquilo que nosso, que da nossa tradio. Ento

    ns que somos professores ,estamos encarregados de preservar esse

    trabalho e ensinar. (Grupo do Alto Solimes)

    Ns no queremos perder essa cultura valiosa que ns temos. Pr que que

    serve esse resgatamento da cultura? Pr que? Serve pr prestar assistncia

    s prprias comunidades, serve para curar. Muitas vezes ns perdemos isso

    porque no conseguimos valorizar. Ento a primeira coisa tentar elaborar

    um currculo apropriado para cada escola onde os Programas de Sade

    deveriam levar em conta essa medicina tradicional. Temos que sistematizaresta questo. Tambm socializar com os conhecimentos dos vrios povos, de

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    17vrias etnias que conhecem diversos medicinais (Prof. Sebastio Duarte,

    do povo Tucano, Alto Rio Negro/AM).

    Assim como outros temas primordiais para a vida dos povos indgenas, aquesto se complexifica no contato com a sociedade envolvente e no confronto de

    saberes e, talvez, principalmente, de interesses e projetos conflitantes. Segundo

    Darcy Ribeiro (1970, p.193)

    o problema indgena no pode ser compreendido fora dos quadros da

    sociedade brasileira, mesmo porque s existe onde e quando ndio e no-

    ndio entram em contato. , pois, um problema de interao entre etnias

    tribais e a sociedade nacional.

    Essa realidade social e histrica traz mudanas, e muitas vezes, prejuzos. Os

    professores do Rio Negro nos falam sobre isso:

    A medicina tradicional existe desde os nossos antepassados. Nossa gerao

    que foi esquecendo, talvez por falta de interesse. Ser paj, benzer... para a

    realidade de hoje parece que no tem valor. Mas agora estamos vendo o

    quanto importante para ns, e de suma importncia para a sade dapopulao indgena da regio (Professores do Rio Negro/AM).

    Gersem dos Santos Luciano, professor indgena, do povo Baniwa, regio do

    Alto Rio Negro, ao participar da mesa redonda "Povos indgenas e a educao na

    Amrica Latina, durante o II Congresso Ibero Americano de Histria da Educao

    Latino-Americana, UNICAMP, em setembro de 1994 assim refletiu:

    Ento, as discusses em torno da educao, eram tambm redescobrir,

    planejar o que hoje os povos indgenas querem para o seu futuro. Foi o

    incio de planejar, de construir o futuro, a partir da realidade em que os

    diversos grupos tnicos se encontravam. E esse compromisso foi sendo

    assumido a partir dos professores, dos educadores e das organizaes

    indgenas, das lideranas indgenas. Ento, nessa caminhada, hoje pr ns,

    na questo especfica da educao, existe uma coisa muito clara: ns no

    podemos separar a prtica educacional, ou seja, aquilo que se faz, seja no

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    ensino, na escola, mas sobretudo que est na comunidade, no d para

    separar da prpria caminhada poltica dos povos indgenas12.

    Encerramos (por hora) esta reflexo, que procurou enxergar, nas concepes

    dos professores indgenas da Amaznia a pertinncia, atualidade e

    contemporaneidade destas idias com o Tratado de Educao Ambiental para

    sociedades sustentveis e responsabilidade global convencidos da necessidade de

    aprofundar este intercmbio entre o pensamento dos povos indgenas - gerado desde

    o dia-a-dia nas aldeias e tambm nos seus espaos scio-polticos mais amplos de

    articulao intertnica - e as elaboraes tericas dos estudiosos e militantes do

    movimento por uma educao ambiental que seja

    dilogo entre geraes e culturas, em busca da trplice cidadania: local,

    continental e planetria e da liberdade na sua mais completa traduo, tendo

    implcita a perspectiva de uma sociedade mais justa, tanto em nvel nacional

    como internacional (Reigota, 1997).

    Referncias Bibliogrficas

    CARRARA, Eduardo. O preconceito tecnolgico e o conhecimento indgena da

    natureza In Revista Travessia, n 18, So Paulo, 1993.

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    LOPES DA SILVA, Aracy e GRUPIONI, Luis Donizete Benzi (org.). A

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    COPIAM, Conselho dos Professores Indgenas da Amaznia. Relatrios dosEncontros Anuais, 1988 a 1999 (textos digitados).

    CORRY, Stephen. Guardianes de la tierra sagrada (prlogo) In Guardianes de la

    tierra sagrada. Londres: Survival Internacional, 1994.

    DAMATA, Roberto. Relativisando - Uma introduo Antropologia Social, Rio de

    Janeiro: ROCCO, 1991

    12 Anotaes pessoais.

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    GRAY, Andrew. O impacto da conservao da biodiversidade sobre os povos

    indgenas In LOPES DA SILVA, Aracy e GRUPIONI, Luis Donizete Benzi

    (org.). A temtica indgena na escola. Braslia: MEC/Mari/UNESCO, 1995

    (p.109-124).

    HERNANDEZ, Deborah Cruz. Reflexiones Generales sobre el tema educacion In

    Documentos de Trabalho, Simposio Indolatinoamericano, Segunda Sesin,

    Derecho Indgena y Autonomia, 23 a 27/out/1995, Jaltepec de Candayoc Mixe.

    KROEMER, Gunter. Estudo da reciprocidade, Manaus, 2001 (texto dig.).

    LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropolgico. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 1992.

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    Seminrio Internacional El aprendizaje de lenguas indigenas: el caso de los

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    OLIVEIRA, Joo Pacheco.Muita terra para pouco ndio? Uma introduo (crtica)

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