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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS – GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA ABORDAGEM
LITERÁRIA
Apresentação de monografia à Universidade Cândido
Mendes, através da professora orientadora Fabiane
Muniz, como condição prévia para a conclusão do curso
de Pós-graduação “Lato Sensu” em Educação Inclusiva.
Por: Vanessa Villarinho Esteves Castro
Rio de Janeiro, 1° semestre de 2007.
2
AGRADECIMENTOS
A
Deus que me deu força e coragem para enfrentar os
meus maiores desafios.
À
minha família por me ensinar a amar o meu trabalho e
por compartilhar comigo meus sentimentos, emoções,
pensamentos, desejos e sonhos de uma sociedade e de
uma escola mais humanizada.
Ao
meu namorado pelo amor, pela paciência e pelo incentivo
na minha caminhada.
Às diferenças,
que me despertaram para uma busca sem volta de um
mundo melhor.
3
DEDICATÓRIA
Aos
meus alunos, pois tomei a iniciativa de procurar o curso
de pós-graduação para desenvolver um melhor trabalho
com eles.
4
RESUMO
“Ou isto ou aquilo” . A vida é feita de escolhas. Já dizia Cecília Meireles,
autora do poema cujo título tomamos emprestado para apresentar esse
trabalho.
Ser educador é escolher o tempo todo. Decidimos a cada minuto quais
caminhos vamos abrir para os nossos educandos.
Este estudo teve como objetivo analisar o processo e a importância da
escolha de livros paradidáticos, nas aulas de Língua Portuguesa, para trabalhar
o tema de inclusão social.
O caminho percorrido e o fio condutor deste trabalho foi dar voz a 6
livros e 4 revistas, para que, através da interação autor-texto-leitor, esses
instrumentos pudessem explicitar os sentidos e representações da inclusão
social para a formação de um mundo melhor.
Para a realização desta análise optamos num primeiro momento em
descrever os processos cognitivos de aprendizagem, passando para a
discussão do que é leitura e de sua importância no processo de aprendizagem,
para por fim apresentarmos os livros escolhidos para esse trabalho e as
sugestões de trabalhos a serem realizados com os mesmos.
A análise e o esclarecimento do papel da leitura na escola confrontado
com as formulações teóricas desenvolvidas permitiram indicar caminhos de
uma prática social e pedagógica, que poderá contribuir para a formação de
educadores comprometidos com a construção de uma escola de qualidade e
de uma sociedade mais humana e solidária.
5
METODOLOGIA
A construção desse projeto está fundamentada a partir de uma séria
pesquisa ao longo dos anos acadêmicos e das observações dos objetos de
pesquisa deste trabalho na escola: autor- texto-leitor- sociedade.
O presente trabalho iniciou-se a partir de questionamentos como: De
que forma os livros paradidáticos contribuem para o processo de inclusão
social? Como o professor pode e deve, através de livros, introduzir questões
como solidariedade, ética, necessidades especiais e preconceito?
As questões foram respondidas a partir do embasamento teórico sobre a
leitura e sua importância; através da reflexão a respeito da escolha dos livros
paradidáticos e sua aplicabilidade na escola; e por último pela sugestão de
trabalhos para promover a inclusão social.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I - PERCEPÇÃO, SENTIDOS E CONCEITOS 9
CAPÍTULO II – LEITURA E INTERAÇÃO 18
CAPÍTULO III – LER PARA QUÊ? 28
CAPÍTULO IV – A LEITURA NA PRÁTICA: UMA FORMA DE ENSINAR
A GOSTAR DE LER
41
CONCLUSÃO 55
ANEXOS 56
BIBLIOGRAFIA 100
ÍNDICE 104
ÍNDICE DE FIGURAS 105
FOLHA DE AVALIAÇÃO 106
COMPROVANTES CULTURAIS 107
7
INTRODUÇÃO
Acreditando que tudo que se assimila a “frio” se assimila mal, seja a
leitura, seja o trabalho, seja o que for, buscamos com este trabalho uma
alternativa para o debate sobre a inclusão social mais especificamente a partir
das aulas de Língua Portuguesa.
Quem se esquece da emoção ao ler algum romance de José de Alencar;
ou se entreter com contos de Machado de Assis; com os versos cantados de
Vinícius de Morais; com uma tela de Portinari; com os filmes de Lima Barreto
ou ainda com as músicas de Caetano e as imagens da TV do Nordeste?
Quando entramos em contato com essas “artes”, tudo toma conta do
nosso interior de forma inesquecível, simplesmente porque a emoção atua em
cada momento.
Emoção marca, e marca ou sai com dificuldade ou não sai nunca.
O professor tem de ser, antes de tudo, um “emocionador”, seja por conta
própria, seja recorrendo a recursos de emoção, caso queira tornar, realmente,
sua aula vibrante, atraente, agradável e descontraída. Caso contrário dará
somente a matéria.
Um pensamento para reflexão, um enunciado no princípio da aula; ou
uma inteligente anedota, no final, coroada com uma saudável risada; ou ainda,
uma pequena história real que contenha episódios tristes ou alegres ou quem
sabe uma boa gravura, um comercial de TV uma manchete de jornal ou uma
8música da MPB, acreditamos que mexerão muito com a emoção do aluno,
tornando-o, por isso mesmo , muito mais permeável a absorver o ensinamento
ministrado do que se este lhe fosse transmitido “a seco”.
Em outras palavras: é preciso provocar a sensibilidade do aluno. Não
basta só os sentidos, é preciso também mobilizar os sentimentos.
A conquista do espírito do educando tem de ser objeto de uma luta
constante do professor. Essa conquista não se obtém somente pelo saber, mas
também, pelo afeto, pelo riso, pelas amenidades...
Dar, apenas a matéria do dia é tornar a aula material demais, quando na
verdade, para “prender” e se tornar inesquecível, ela exige, também, um pouco
de “pitada” espiritual.
O bom líder é o que emociona. Emocionando é que ele envolve e, ao
envolver continuadamente, torna-se ansiosamente esperado, querido,
admirado e portanto, um tipo inesquecível.
Que esse trabalho seduza todos aqueles que, envolvidos pelos sentidos
e sentimentos, contribuem com o ensino de Língua Portuguesa e com a
transformação da sociedade.
9
CAPÍTULO I
PERCEPÇÃO, SENTIDOS E CONCEITOS
“Pensar não é sair da caverna nem substituir a incerteza das sombras por contornos nítidos das próprias coisas, a claridade vacilante de uma chama pela luz do verdadeiro Sol. É entrar no Labirinto, mais exatamente fazer ser e aparecer um Labirinto ao passo que se poderia ter ficado estendido entre as flores, voltadas para o céu. É perder-se em galerias que só existem porque as cavamos incansavelmente, girar no fundo de um beco cujo acesso se fechou atrás de nossos passos –até que essa rotação, inexplicavelmente abra, na parede, fendas por onde se pode passar”.
(Dédalo, Labirinto, apud Castoríadis, 1997, p.10)
Desde que nascemos, é através de experiências predominantemente
sensoriais que apreendemos o mundo em que vivemos.
A variedade de contatos com “objetos” nos possibilita captar informações
que nos permitem perceber e estabelecer as características dos mesmos.
O relacionamento, combinação e interpretação dos vários atributos
descobertos em relação a algum objeto conduzem à formação do conceito que
dele criamos.
A formação de um conceito implica, portanto, numa caracterização
básica do objeto de tal forma que o diferencia de outros. Além disso, as
descobertas referentes a um objeto, quando relacionados à percepção que nós
temos de outros objetos, nos possibilita estabelecer generalizações.
Entendemos aqui, percepção como a faculdade de apreender por meio dos
10sentidos e da mente tudo o que está a nossa volta. Por isso, que em torno do
primeiro ano de idade, uma criança costuma designar por cachorro, qualquer
outro animal - coelho, gato, porco... .Quando ela se torna capaz de conversar
em sua mente um conceito em sua forma global, sem recorrer aos detalhes
concretos que o estabeleceram, o conceito torna-se abstração. Assim,
podemos perceber que há um mapeamento do concreto para atingir o abstrato.
As experiências que a princípio parecem desconexas e fragmentadas,
quando relacionadas a outras vão, aos poucos, ganhando um significado mais
abrangente, tornando-os conceitos aplicáveis a um universo mais vasto. A
extensão do campo de aplicabilidade dos conceitos permite que nós
alcancemos níveis cada vez mais complexos e abstratos de pensamento,
possibilitando-nos maior domínio sobre tudo quanto nos rodeia.
1.1. - Arquivamentos de experiências: construção cognitiva de
conceitos
Na década de 70, estudos de Fauconnier (1994, 1996) e Jonhson e
Lakoff (1970) explicam como ocorre, cognitivamente, a aquisição de
conhecimentos. Toda experiência vivida, desde a mais tenra infância, é
arquivada em nossa memória, em domínios cognitivos , de forma
esquematizada por áreas de sentido e definem-se pela estabilidade e pela
flexibilidade, o que significa dizer que esse conjunto de conhecimento
armazenado pode ser alterado de acordo com as necessidades comunicativas
dos seus usuários. São, pois, estruturas estáveis, mas não estáticas. Os
elementos que compõem os arquivos são ativados e acessados, tal qual
acontece em um arquivo de computador, por formas gramaticais ou inferências
que atualizam no processo discursivo.
A configuração dos domínios proposta por Fauconnier (1994) é o
retângulo. Eles podem ser classificados em três espécies ou tipos, conforme a
11natureza das estruturas arquivadas: Modelos Cognitivos Idealizados (MCI),
Molduras Comunicativas (MC) e Esquemas Genéricos (EG).
Os MCIs na noção proposta por Lakoff (1987) são conhecimentos
socialmente produzidos e culturalmente disponíveis. Há modelos cognitivos
conforme o tipo de conhecimento que vem sendo arquivado. Quando tais
conhecimentos só valem numa cultura são chamados de Modelos Culturais.
Os Mcs são conhecimentos operativos representados no evento que nos
permitem identificar a natureza das atividades comunicativas em curso, ou
seja, se a ação comunicativa é de uma reunião, de uma aula, jogo ou
casamento. Nos termos postos por Tannen e Wallat (1987: 59) são frames1 de
interação, incluindo participantes, identidades, papéis sociais, procedimentos e
alinhamento.
O EG é o espaço em que elementos de um domínio se emparelham a
outros, sendo responsável pela interpretação estabelecida na situação
comunicativa.
Fauconnier e Turner (1994), afirmam que a fala é precedida, na mente,
por uma estrutura transitória de organização, domínios provisórios que pré-
organizam o discurso: são os espaços mentais.
Espaços mentais são arquivos provisórios abertos para organizar a fala,
após importar elementos nos domínios cognitivos, inclusive os conhecimentos
lingüísticos.
Por serem domínios dinâmicos, possuem a possibilidade de diferenças e
renovações a cada ativação, enquanto pensamos e falamos.
Segundo o modelo sugerido por Fauconnier (1994), os espaços mentais
são representados por círculos.
Essas teorias da Lingüística Cognitiva abarcando os pressupostos da
Psicologia Cognitiva, tornam possível a aproximação da Teoria do
1 Traduzimos como enquadre, recorte.
12Armazenamento de Curto Prazo com a Teoria dos Espaços Mentais, tal qual a
do Armazenamento de Longo Prazo com a de Domínio Cognitivo.
“O certo é que a memória não é um repositório caótico
de coisas e sim um instrumento estruturado e estruturante, com grande dinamismo e capaz de reorganizar a todo o momento.”
(Marcuschi, 1985:4)
Segundo a Psicologia Cognitiva, a memória é o meio pelo qual
recorremos às nossas experiências passadas a fim de usarmos essas
informações no presente. É a memória que nos permite comparar uma
determinada experiência com acontecimentos passados, e assim
respondermos a situações presentes e futuras.
Os psicólogos cognitivos observaram, através de estudos, três
operações comuns da memória, referentes aos mecanismos dinâmicos
associados à retenção e à recuperação de informações sobre experiências
passadas, a saber:
Codificação – transformação de dados sensoriais numa forma de
representação mental;
Armazenamento – conservação de informações codificadas na
memória;
Recuperação – extração ou uso das informações armazenadas na
memória.
Tais processos interagem reciprocamente e são interdependentes.
Detendo-nos no processo de armazenamento chegamos, em fins dos anos 60,
aos pesquisadores Richard Atkison e Richard Shiffrin (1968), que
apresentaram três tipos de armazenamentos de memória:
1- Armazenamento Sensorial - capaz de estocar de forma limitada
informações por um período muito breve;
132- Armazenamento de Curto Prazo - capaz de estocar informações por
um pouco mais de tempo, mas forma relativamente limitada;
3- Armazenamento de Longo Prazo - com a capacidade maior de
estocar informações e por períodos de tempo muito maior, talvez até
indefinitivamente.
Atkison e Shiffin distinguiam as estruturas, que denominavam
armazenamentos, das informações armazenadas nas estruturas, às quais
denominavam memória.
Figura 1 – 1- Armazenamento Sensorial = dentro dele existe um armazenamento icônico, que se refere à memória visual (ícones). 2- Armazenamento de Curto Prazo = não só mantém alguns itens, como também os processos de controle que regulam o fluxo da informação para armazenamento de Longo Prazo. 3- Armazenamento de Longo Prazo = aonde são mantidas as informações de que necessitamos no dia-a-dia. Memória de Trabalho (Atkinson e Shiffin 1971) é uma fração da memória que pode ser considerada como uma parte especializada da Memória de Longo Prazo. Nela são mantidas apenas as frações ativadas mais recente deste tipo de memória e transfere esses elementos ativados para dentro e para fora da Memória de Curto Prazo.
1 2 3
Memória de Trabalho
14
Figura 2: Modelo de Memória dos Três Armazenamentos Richard Atkinson e Richard Shiffrin propuseram um modelo teórico para o fluxo da informação, através do processador humano de informações (Segundo Atkinson & Shiffrin, 1971).
Input
Ambiental
Registros
Sensoriais:
Visual;Auditivo;Háptico ...
Memória de
Curto Prazo
(MCP)
Memória deTrabalho
Temporário
Memória de Longo
Prazo (MLP)
Armazenamentode memória permanente
Recursos sensoriais: visuais, auditivo, háptico...
Modelos Cognitivos Idealizados
Frames;Scritps;
Modelos;Culturais...
Moldura Comunicativa
Participantes;identidades;
papéis;procedimentos, e
alinhamento.
Espaços Mentais
Processos de
Controle:
Repetição,Estratégias
de recuperação
Output da Resposta
15
Figura 3: Modelo de Domínios Cognitivos- a partir da analogia estabelecida entre a Teoria da Psicologia Cognitiva e a Teoria dos Espaços Mentais.
1.2.– A construção dos espaços mentais
A teoria dos espaços mentais, proposta por Fauconnier (1985), é uma
maneira de representação de processos tão abstratos como a produção e a
interpretação da língua.
Quando o discurso é processado, os espaços mentais são construídos a
partir de pistas fornecidas pelos introdutores mentais (Fauconnier 1985) que
podem ser explícitos, como tempo e modos verbais, ou implícitos, como as
cláusulas de espaço de citação (“Paulo disse...”). Os espaços estão sempre
subordinados a um “espaço-pai” (provedor), ainda que ele não esteja
demonstrando explicitamente.
Enunciado
Enunciado
16Ex.: Ontem, Pedro foi ao cinema.
No exemplo acima, o advérbio “ontem” funciona como introdutor de
espaços mentais. Vejamos como funcionaria a configuração, quando lemos a
sentença
O espaço base é o espaço inicial, é realidade do falante, a qual,
segundo Fauconnier, não contêm temporal e espacialmente nenhum centro de
referência.
Os espaços organizados hierarquicamente são ligados, como vemos
acima, por elos cognitivos, que possibilitam a projeção de informações. Essa
habilidade constitui uma das nossas capacidades básicas de cognição, uma
vez que, sem esses elos, não haveria a possibilidade de as informações serem
processadas. Outra capacidade importante é a de categorizar conceitos,
eventos, informações em frames e MCIs, construções cognitivas que explicam
o processo de inferência, porque neles podem ser resgatadas -através dos
elos.
O princípio geral de funcionamento dos elos cognitivos é o Princípio de
Acesso (Fauconnier 1985). Quando dois elementos estão relacionados por um
R
a
b
Espaço RRealidadedo falante
Espaço M1
Espaço M2
17conector (elo), a descrição de um elemento pode ser usada para acessar sua
contraparte. O uso da metonímia é um dos exemplos desse processo:
Ex.: Machado é o mais lido aqui.
A ligação existente entre o autor e o livro permite-nos, a partir do
“disparo”2, atingir o “alvo”, o livro.
Outro tipo básico de elo cognitivo é aquele entre um papel e seu valor
(idéia presente em uma função social em particular).
Ex.: O Presidente é democrático.
O papel “presidente” é usado para acessar seu valor, um presidente em
particular: a pessoa que exerce esse cargo. A relação entre papel e seu valor
também funciona sob o Princípio de Acesso, já que através do “disparo”, papel,
podemos chegar ao “alvo” valor, ou vice-versa.
Além da projeção nos espaços mentais dos domínios cognitivos, eles
também podem ser formados pelo mecanismo de transferência padrão que
possui as estratégias de “flutuação” por racionalização e extensão.
Na “flutuação” por racionalização, o espaço-filho será estruturado para
se tornar o mais similar possível ao espaço-pai, como também pode ocorrer o
inverso, visto que a base desse mecanismo é o Princípio de Acesso.
Outro tipo especial de extensão é a flutuação por pressuposição, onde
uma pressuposição em um espaço pode ser transferida para outro espaço.
Vemos, então, que, de acordo com a Teoria dos Espaços Mentais
(Fauconnier, 1994), o discurso apresenta pistas imparciais sobre o processo
cognitivo de interpretação, uma vez que o discurso não possui em si mesmo a
construção de sentido, mas depende das inferências produzidas. As pistas,
explícitas ou não, presentes no contexto propiciam a formação de elos
cognitivos entre domínios cognitivos e os espaços mentais. Os domínios são
estruturas estáveis e dinâmicas, onde as informações que obtemos em nossas
experiências ficam armazenadas em longo prazo, uma vez que quando
2 Neusa Salim usa o termo “gatilho” para a tradução de trigger.
18precisamos delas, poderemos resgatá-las. Neles estão guardados, portanto, os
conhecimentos necessários para os falantes percebem o que falar, como falar,
quando falar, etc. Já nos espaços mentais, a informação e guardada em curto
prazo, porque estes domínios não são permanentes. A cada interpretação do
discurso, vários espaços mentais são formados e logo em seguida extintos.
Evidentemente, o processo de leitura é similar ao processo do falar/
ouvir. As informações sugeridas no “discurso” do autor são processadas,
armazenadas e ativadas a cada inferência do lido.
CAPÍTULO II
LEITURA E INTERAÇÃO
“Tudo é leitura. Tudo é decifração ou não. Depende de que lê. (...) Ler é uma forma de escrever com a mão alheia.”
(Affonso Romano de Sant’Anna)
2.1- Texto: o “tecido” das palavras
Para falar e produzir textos precisamos definir o que é um texto.
Podemos abraçar um conceito amplo de texto. Neste caso, incluiremos
como texto, produções nas mais diversas linguagens. Seriam tratadas como
textos às produções feitas com as linguagens das artes plásticas, da música,
da arquitetura, do cinema, do teatro, entre outras.
19A definição que se enquadra nesse caso é:
“A palavra texto provém do latim textum, que significa tecido, entrelaçamento. (...) O texto resulta de um trabalho de tecer, de entrelaçar várias partes menores a fim de se obter um todo inter-relacionado. Daí poder falar em textura ou tessitura de um texto: é a rede de relações que garantem sua coesão, sua unidade”.
(INFANTE,1991).
Nesse sentido podemos entender a “leitura do mundo” de que fala Paulo
Freire. É preciso ler o mundo, compreender as diversas manifestações das
muitas linguagens com as quais temos contato o tempo todo.
Esse conceito de texto, apesar de aceito por muitos teóricos e de ser
interessante por se tratar de uma abordagem geral da compreensão (uma vez
que essa depende da conjugação de várias linguagens) é adequado a algumas
situações, e ineficiente em outros casos. Se considerarmos um conceito amplo
de letramento, queremos que os sujeitos sejam capazes de “ler” os mais
diversos “textos” nas mais diversas linguagens. Aqui, vale a pena adotar a
acepção de que “tudo é texto”.
No entanto, para se fazer um estudo da leitura e da escrita, por exemplo,
é preciso delimitar um pouco esse conceito. Se tudo é texto, lemos o quê?
Tudo? Estudaremos o quê? Tudo? O que é texto? Tudo? Então, caímos
no nada.
Nós somos um texto? Uma janela é um texto? Um barulho é um texto?
Ver então é ler? Ouvir é ler? Pensar é ler? (Qual é o limite entre ler e pensar?).
Atrevidamente, defenderemos que textos são sempre verbais. Na busca
de uma definição para texto, e para esse exercício de conceituação do texto,
ficaremos apenas no verbal, lembrando que elementos não-verbais podem e
normalmente se associam ao verbal. Não podemos lidar com um conceito que
cai no vazio por ser amplo demais. Precisamos fazer um recorte e, para isso,
optamos por incluir no conceito de texto aquilo que se inclui também no ato de
ler e de escrever que é o verbal. Que o texto seja verbal, é quase unanimidade
em todos os conceitos citados:
20"Entende-se por texto todo componente verbalmenteenunciado de um ato de comunicação pertinente a umjogo de atuação comunicativo, caracterizado por uma orientação temática e cumprindo uma funçãocomunicativa identificável, isto é, realizando um potencial elocutório determinado”.(SCHMIDT, 1978).
“É a coerência que faz com que uma seqüência lingüística qualquer seja vista como um texto, porque é a coerência, através de vários fatores, que permite estabelecer relações (sintático-gramaticais, semânticas e pragmáticas) entre os elementos da seqüência (morfemas, palavras, expressões, frases, parágrafos, capítulos, etc), permitindo construí-la e percebê-la, na recepção, como constituindo uma unidade significativa global. Portanto é a coerência que dá textura e textualidade à seqüência lingüística, entendendo-se por textura ou textualidade aquilo que converte uma seqüência lingüística em texto. Assim sendo, podemos dizer que a coerência dá início à textualidade”.(KOCH, & TRAVAGLIA,1995).
“Um texto não é simplesmente uma seqüência de frases isoladas, mas uma unidade lingüística com propriedades estruturais específicas”. (KOCH,1989).
“Em sentido amplo, a palavra texto designa um enunciado qualquer, oral ou escrito, longo ou breve, antigo ou moderno. Caracteriza-se, pois, numa cadeia
sintagmática de extensão muito variável, podendo circunscrever tanto a um enunciado único ou a uma lexiaquanto a um segmento de grandes proporções”.(GUIMARÃES, 1985).
"Os textos são seqüências de signos verbaissistematicamente ordenados”.(FÁVERO & KOCH, 1983).
“O texto é considerado por alguns especialistas como uma unidade semântica onde os vários elementos são materializados através de categorias lexicais, sintáticas, semânticas, estruturais”.(KLEIMAN,1995)
“Chama-se texto o conjunto dos enunciados lingüísticos submetidos à análise: o texto é, então, uma amostra de comportamento lingüístico que pode ser escrito ou falado”.(Conceito de texto de L. Hjelmslev via Luana Medeiros Bonetti)
"O texto será entendido como uma unidade lingüística concreta (perceptível pela visão ou
21audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa específica, como uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão”.(TRAVAGLIA, 1997)
Num conceito restrito, ler é ler textos verbais e escrever é produzir textos
verbais (estamos focalizando a aquisição e o domínio da linguagem verbal).
Quem lida com quadrinhos, por exemplo, precisa usar um conceito de
texto que inclua a imagem. Quem vai lidar com música popular (não
instrumental) precisa lidar também com a música e, nesse caso, deve incluir no
seu objeto de estudo a música. O estudo de propagandas e de outros textos
publicitários da TV, revistas e jornais, inclui necessariamente a análise de
imagens. Podemos dizer que considerar o texto como sendo verbal não implica
excluir desse conceito à presença de outras linguagens. Nesse sentido, são
textos aquelas produções que se utilizam à linguagem verbal associada ou não
a outras linguagens. Produções em outras linguagens sem o verbal não devem
ser, nessa abordagem, entendidas como textos. Sendo assim, dada a
dificuldade de lidar com um conceito que pode ser tão amplo, mesmo
considerando uma concepção restrita desse termo, o mais apropriado é lidar
com a noção de gênero.
Os gêneros são (...) formas relativamente estáveis dos enunciados, determinados histórica e culturalmente. Isto é, toda vez que produz um texto com determinadas intenções comunicativas, o falante está se utilizando um gênero do discurso, mesmo que não tenha consciência disso. Os gêneros do discurso são como que famílias de textos que possuem características comuns como, por exemplo: certas restrições de natureza temática, composicional e estilística. O fato de estar num determinado suporte (no outdoor ou no livro como no exemplo acima), ter uma dada extensão, um certo grau de formalidade/informalidade, faz com que um texto se diferencie de outro. Uma resenha escrita em um jornal, com o objetivo de divulgar um novo livro de literatura,
22será um gênero discursivo diferente de uma resenha sobre o mesmo livro, escrita por um acadêmico como um trabalho a ser apresentado em um congresso de literatura. (CAFIERO, ALKIMIM, MACHADO., GUIMARÃES, VANIR C,1999.).
A carta é um gênero textual, assim como também o é a bula de remédios,
o bilhete, a carta, o cartaz, o horóscopo, a notícia, a conversa telefônica, o
chat, a piada, entre muitos outros.
Cada um deles tem uma determinada estrutura, mais ou menos flexível
dependendo do caso, mas na maioria das vezes reconhecível. Os gêneros
costumam ter uma estrutura ou organização muito regular. Alguns são mais
presos a essa estrutura (superestrutura) e outros aceitam maiores variações.
Por isso, é estranha a definição de Platão e Fiorin de que “um texto é um
aglomerado de frases”. Texto não pode ser isso. Muitos aspectos diferem um
texto de um aglomerado de frases, ter estrutura, organização, propósito,
coesão, caráter sóciocomunicativo, etc. Como diz Ingedore Koch: “Um texto
não é simplesmente uma seqüência de frases isoladas, mas uma unidade
lingüística com propriedades estruturais específicas”. (Koch, 1989:11).
O texto não seria, então, aquilo que os gêneros têm em comum? Sim.
Mas o que eles têm em comum? A linguagem verbal. Ter função, propósito ou
finalidade, ser dialógico e hiperterxtual não é característica definitória de texto
uma vez que são características da linguagem. O que restaria para o texto,
como nosso objeto de estudo é, portanto, ser verbal.
Uma definição interessante de texto é dada por Beaugrande (1997). Para
ele, “o texto é um evento comunicativo em que convergem as ações
lingüísticas, cognitivas e sociais, e não apenas a seqüência de palavras que
são faladas ou escritas”.
É comum o sentido ser apontado como característica do texto. Em muitas
definições de texto o sentido é critério que define o texto:
“Texto é aquilo que faz sentido”“é uma unidade de sentido”“é qualquer coisa que a gente entende”
23“é necessário que tenha interpretações variadas”“é aquilo que cria sentido”.
“Texto é dotado de unidade de sentido” Qual a noção de sentido aqui?
Como essa frase está sendo entendida? Ter unidade de sentido é ter sentido?
O sentido está no texto? Ter unidade de sentido é girar em torno de um tema
principal (recuperável pelo leitor), e não, ser dotado de sentido intrínseco. Será
que é isso que está sendo entendido quando Costa Val (1991) é mencionada?
O que é sentido e “onde” ele está? Ele poderia “estar” em pelo menos três
“lugares”: no autor, no texto ou no leitor.
O sentido está no texto? Se estiver, por que um mesmo texto é
entendido de formas diferentes por diferentes leitores? Por que alguém
entende um texto e outra pessoa pode não entender esse mesmo texto? Se o
sentido estivesse lá, não seria de se esperar que todos ou entendessem ou
não entendessem um determinado texto e, se entendessem, entendessem da
mesma forma?
O sentido está na palavra? Está no texto?
Eu martelei o dedo, pregando um quadro.
Infere-se que foi com um martelo
Passei a noite martelando essa idéia na cabeça. / Passei a noite
com essa idéia martelando na cabeça.
Infere-se que foi com um martelo?
Quando dizemos que o sentido está no texto, na verdade, queremos dizer
que há elementos lingüísticos que sinalizam um caminho para o leitor. Isso é
feito pelas escolhas lexicais e dos mecanismos gramaticais feitas pelo autor.
Por exemplo, quando dizemos:
(a) João é maconheiro
ou
(b) João é usuário de drogas
24Estamos dizendo coisas diferentes. Em (a) João é marginalizado em (b)
João é vítima.
O mesmo acontece nas escolhas morfossintáticas feitas abaixo
(c) Cigarro, eu não fumo.
Eu não fumo cigarro.
Eu não fumo.
Eu ainda não fumo.
(d) Ela morreu.
Ela foi morta.
(e) Uma boa mulher
Uma mulher boa.
Há também mecanismos lexicais e gramaticais de coesão utilizados pelo
autor no momento da escrita do texto, como pronomes anafóricos e outras
formas de retomada, artigos, elipse, concordância, correlação entre os tempos
verbais, conjunções, preposições, advérbios de seqüência, etc.
Não nos cabe entrar na discussão sobre coesão e coerência. Por hora,
basta dizer que a coesão é um mecanismo que ajuda o leitor a construir a
coerência do texto. O que significa isso? Significa que o texto traz vários
elementos lingüísticos que devem ser inter-relacionados pelo leitor para
construir a coerência ou significados para aquele texto naquela determinada
situação. Disso pode-se concluir que:
- a coerência não está no texto, mas é construída pelo leitor.
- não há texto sem coesão.
- a coesão tem pelo menos duas faces:
- instruções que aparecem no texto.
- a realização dessas instruções pelo leitor.
Ex.
Paulo é um menino levado. Aquele pestinha quase afogou o gato da minha
vizinha.
25
Para compreender essa frase o leitor tem de realizar algumas operações
de coesão indicadas no texto. Uma delas é ligar “Aquele pestinha” a “Paulo”,
uma vez que esse é o antecedente provável. Outra é ligar “minha vizinha”
como sendo a vizinha do narrador e não de Paulo.
Há uma confusão entre texto (produto/físico) e leitura (processo/mental).
Para muita gente texto só é texto quando faz sentido, no entanto, uma coisa é
o objeto físico e outra coisa é o processamento mental. Como diz o cantor
Milton do Nascimento: “texto é risco no papel e som no ar”. O sentido não está
no texto, ele precisa ser construído pelo leitor.
O sentido está no autor, é definido por ele? É difícil e perigoso afirmar
isso. O autor no momento da produção do texto tem um sentido e um propósito
em mente e procura escolher os elementos lingüísticos que ele presume que
vão ajudar o leitor a recuperar algo o mais próximo possível do sentido
pretendido. Isso não garante que o leitor vá entender exatamente o que o autor
pretendia.
O sentido está no leitor? Tudo indica que quem constrói o(s) sentido(s)
para o texto no momento da leitura é o leitor, mas isso não significa que ele
pode ler como bem quiser. Há, no texto, indicações que ele não pode ignorar.
Acreditar que qualquer leitura vale porque devemos respeitar a interpretação
feita pelo leitor é jogar por terra dois processos ao mesmo tempo: a leitura e a
escrita. Se eu posso ler o que eu quero em qualquer texto, como autor, eu não
preciso me preocupar com os elementos que vão compor meu texto, porque o
leitor vai entender o que ele quer mesmo. Essa é uma visão extremamente
perigosa.
2.2. – Interação autor-leitor por meio do texto
Após discutirmos o que é texto, objetivamos nesse ponto do trabalho
discutir os processos de produção e de compreensão de textos, destacando
como se dá a interação autor-leitor por meio do texto. A linguagem é entendida
26como uma forma de interação social, uma atividade discursiva e uma atividade
cognitiva. Ou seja, linguagem é uma atividade que é ao mesmo tempo social,
porque se origina na interação, pressupõe o outro; e é também cognitiva,
porque envolve vários processos cognitivos. Com essa concepção, discute-se
aqui o papel do escritor, do leitor e do texto no processo de comunicação.
Há três elementos nesse processo de comunicação escrita: o escritor,
que usa a linguagem como forma de ação e que coloca em jogo no texto,
intencionalmente, os diversos recursos de que a língua3 dispõe;o texto,
interface entre escritor-leitor, material concreto que serve de ponto de contato
entre eles; e o leitor, sujeito que age sobre o texto e realiza ações a fim de
compreendê-lo.
Isso significa que no processo de comunicação tanto o autor, como o
texto e o leitor possuem o mesmo grau de importância. Sendo assim, o sentido
do que é “dito” não está centrado em nenhum dos três elementos, pois é um
resultado de intenso processo de interação. O escritor, ao produzir um texto,
procura interagir à distância, colocando no papel aquilo que em sua mente é
apenas um projeto textual. Transforma esse projeto em palavras, em frases,
em enunciados para comunicar algo. Isto é, materializa sua intenção na escrita
do texto. Para isso utiliza os vários tipos de conhecimentos4 que possui, bem
como suas crenças e ideologias.
Por outro lado, a meta principal do leitor é buscar respostas para suas
perguntas a partir das instruções (marcas ou pistas) organizadas na página.
Cabe a ele fazer as inferências, ou seja, ler nas entrelinhas a partir das
”orientações” deixadas pelo escritor, decodificando a mensagem e o seu
sentido. E, para a realização dessa tarefa, o leitor, assim como o escritor,
3 Língua está sendo entendida como objeto construído social e culturalmente, por isso mesmo é irregular, histórica heterogênea, variável. É um modo pelo qual os indivíduos (re) criam e organizam sua própria realidade.4 Conhecimentos lingüísticos (léxico, regras gramaticais, organização sintática etc.); conhecimento do assunto; da situação comunicativa; do gênero; dos princípios que regem a comunicação.
27também põe em ação diversos sistemas de conhecimentos, de crenças e de
culturas.
Figura 4: Produção e compreensão de textos: duas faces do processo de comunicação escrita.
A figura 4 mostra que o texto é um material concreto que possibilita a
interação entre escrito-leitor. Ele materializa os conhecimentos, objetivos,
planos, intenções, que na cabeça do escritor são apenas um projeto textual, e
se transforma , para o leitor, em modelo mental. A semelhança entre o projeto
textual do escritor e o modelo construído pelo leitor vai depender da habilidade
desses dois elementos de lidar com as estratégias de construção (ou
reconstrução, em se tratando da leitura) do texto. Por tudo isso, percebemos a
importância da clareza e da objetividade que o escritor deve dispor em seu
texto, para tornar também clara e objetiva a sua leitura.
Os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, sujeitos ativos
que – dialogicamente – se constroem e são construídos no texto, considerado
Conhecimentos : lingüísticos, enciclopédicos, ilocutório, metacomunicativo, situacional, crenças, ideologias, cultura.
Objetivos, planos, metas, intenções.
Conhecimentos : lingüísticos, enciclopédicos, ilocutório, metacomunicativo, situacional, crenças, ideologias, cultura.
Objetivos, planos, metas, intenções.
ESCRITORProjeto do texto
LEITORModelo mental do
texto
28o próprio lugar da interação e da constituição dos interlocutores. Desse modo,
há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos,
somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto
sociocognitivo dos participantes da interação.
O texto é construído na interação texto-sujeitos e não algo que preexista
a essa interação. A leitura é, pois, uma atividade interativa altamente complexa
de produção de sentidos, que se realiza com base em elementos lingüísticos
presentes na superfície textual e na sua forma de organização, mas requer a
mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento
comunicativo.
CAPÍTULO III
LER PARA QUÊ?
“Quem lê adoece menos, pois é mais informado sobre práticas de saúde; tem melhores condições de trabalho, pois pode se atualizar e participar efetivamente de práticas de educação continuada; é melhor cidadão, pois consegue articular melhor seus direitos e deveres.”
(Felipe Lindoso)
29
3.1- O que significa leitura?
A palavra leitura provém de lectura que por sua vez tem por origem
imediata o verbo grego lego, e este, de par com a forma nominal logos, diz
respeito a uma síntese filosófica, reunindo “ser”, “saber” e “fazer”. Entre as
numerosas acepções que possui, logos inclui a de “parábola”, isto é
manifestação verbal ou narração alegórica. Quanto à forma verbal
correspondente, ela aceita traduções como “recolher”, “coletar”, e “coligir”,
secundariamente, as de “dizer”, “proferir”, “declarar” e “recitar”.
Já legere, a forma latina do verbo “ler”, alterna e combina as idéias de
“colher”, “selecionar” e “eleger”.
Logo, podemos entender a leitura não como um processo de abstrações,
mas sim, por um meio de seleção e escolhas. O leitor busca nos textos uma
reapropriação de si mesmo. Nesses textos, a partir da própria experiência
prévia de vida, o leitor se torna plural. No texto do livro ou do jornal, leitores
enxergam paisagens do próprio passado que acabam por integrar às visões, às
leituras do presente.
Desse modo, os textos, enquanto espécies de “reservatórios de formas”,
esperam que o leitor lhes dê vida, modificando-os enquanto objetos “colhidos”
para a leitura, aos quais são atribuídas múltiplas significações, como estudado
no capítulo anterior.
3.2- Escola: uma oportunidade formal de trabalho com leitura
A leitura acontece no cotidiano de cada pessoa também de modo plural.
Lê-se informalmente sobre vários assuntos; lê-se para aumentar o que se sabe
sobre o mundo histórico e factual; lê-se em busca de diversão e descontração;
lê-se para obter informações úteis e satisfazer curiosidades diversas. Lê-se, na
vida, em geral, de forma não organizada, e nem precisa mesmo ser assim.
Está sob a responsabilidade da escola possibilitar ao aluno o acesso a
uma diversificada experiência com a leitura e a produção escrita. A interação
da criança comas diferentes linguagens, presentes nos mais variados textos,
30possibilitará o entendimento da multiplicidade e complexidade dos usos,
valores e funções com que a linguagem se configura nas diversas situações de
interação.
Em se tratando da leitura, também é na escola que podem e devem ser
exercitadas as práticas da leitura comum, cotidiana. Textos que circulam no
meio urbano, no espaço doméstico, devem entrar também na escola, em todos
os níveis de ensino, desde a Educação Infantil, passando pelo Ensino
Fundamental, até chegar ao Ensino Médio, momento em que esses textos
devem dialogar com outros pré-selecionados.
Se, tanto na vida quanto na escola, a leitura acontece de forma
multifacetada, cabe, no entanto, à escola, a tarefa de alargar, por essa leitura,
os limites do próprio processo de produção do conhecimento e de reflexão
sobre o que se produziu. Professores, estudantes, textos e leituras devem
interagir todo o tempo de forma organizada e sistemática.
Se, por meio de um projeto de leitura na escola, pode-se tentar ampliar
os limites do conhecimento, tal projeto, em todos os níveis, terá também que
eliminar equívocos cristalizados pela aceitação não refletida de pré-conceitos
do senso comum, sempre repetidos à exaustão; mas o projeto deverá
proporcionar aos estudantes, em diferentes níveis, o aceso ao prazer da leitura.
3.3- Ler para ...?
O trabalho com a leitura é uma “batalha” com quatro frentes diferentes:
1. Ler para gostar de ler;
2. Ler para conhecer a língua;
3. Ler para conhecer o mundo;
4. Ler para garantir a cidadania.
Para cada uma destas frentes temos objetivos e metodologias
diferentes, o que implicará a escolha de textos diversos para serem lidos em
momentos variados.
31O ler para gostar de ler seria a garantia do espaço da leitura-prazer:
leitura com a finalidade de divertimento, de entretenimento. Aquela leitura sem
compromisso com as avaliações formais.
O ler para conhecer a língua seria o momento da apropriação da
estrutura da língua portuguesa, leitura com a finalidade de construir o
conhecimento das regras e aplicabilidade da disciplina Português. O texto
nesse caso é um pretexto para aprender e ensinar as regras e formalidades da
língua materna.
O ler para conhecer o mundo seria o momento de desvendar, de
descobrir os conhecimentos culturalmente estabelecidos: leitura de
investigação com a finalidade de saber mais e melhor sobre a existência das
coisas do mundo. É a leitura-pesquisa. Leitura que nos fornece dados para a
construção de novos conceitos.
O ler para garantir a cidadania é a leitura de cunho social, a leitura que
promove a participação do leitor crítico no mundo em que ele vive. Essa leitura
permite ao leitor argumentos para reivindicar seus direitos e deveres.
Usando como referência toda a abordagem até agora realizada nessa
monografia, optamos por centrar esse ponto da discussão na última frente,
mesmo que para melhor desenvolvê-la tenhamos que “passear” pelas outras
três. Porém, cabe-nos ainda refletir sobre a abordagem de leitura e nas
estratégias, possíveis, para o professor promover uma melhor leitura dos textos
escolhidos para a sala de aula.
3.4- Estratégias de uma leitura crítica
Estratégia é o conjunto de ações ordenadas, dirigidas à consecução de
uma meta.
As estratégias de compreensão de leitura envolvem:
Presença de objetivos ;
32
planejamento das ações que se desencadeiam para atingir os
objetivos ;
avaliação do trabalho realizado; e
possíveis mudanças.
Convém ressaltar, que tais procedimentos não são técnicas precisas, ou
“receitas infalíveis”, mas um recurso de ensino-aprendizagem para
compreender melhor o texto que se lê.
Essa compreensão é produto de três condições fundamentais:
- a clareza e a coerência do conteúdo do texto, do conhecimento da
estrutura e do nível aceitável do seu léxico e sintaxe;
- a possibilidade de o leitor possuir os conhecimentos necessários que
vão lhe permitir a atribuição de significado aos conteúdos do texto – para
o leitor compreender o texto- o texto em si deve se deixar compreender;
- das estratégias que o leitor utiliza para intensificar a compreensão,
assim como para detectar e compensar os possíveis erros ou falhas de
compreensão. Estas estratégias são as responsáveis pela construção de
uma interpretação para o texto e pelo fato de o leitor ser consciente do
que entende e do que não entende.
O professor, nesse processo, exerce a função de guia, que deve garantir
o elo entre a construção que o aluno pretende realizar e as construções
socialmente estabelecidas e que se traduzem nos objetivos e conteúdos
prescritos pelo currículo.
Estratégias
As estratégias de leitura deverão ativar e fomentar determinadas
atividades cognitivas (MCIs). Devem ser formuladas ao leitor algumas
questões cujas respostas são necessárias para poder compreender o que
se lê.
33
E. OBJETIVOS PERGUNTA CHAVE
1 COMPREENDER os propósitos
implícitos e explícitos da leitura.
Que tenho que ler? Por que/ Para
que tenho que lê-lo?
2 ATIVAR e aportar à leitura os
conhecimentos prévios relevantes
para o conteúdo em questão.
Que sei sobre o conteúdo do texto?
Que sei sobre conteúdos afins que
possam ser úteis para mim? Que
outras coisas sei que possam me
ajudar: sobre o autor, o gênero, ...?
3 FOCAR a atenção ao
fundamental, em detrimento do
que pode parecer mais trivial.
Qual é a informação essencial
proporcionada pelo texto e
necessária para conseguir o meu
objetivo de leitura? Que
informações posso considerar pouco
relevantes, por sua redundância,
seu detalhe, por serem pouco
pertinentes para o propósito que
persigo?
4 AVALIAR a consistência interna
do conteúdo expressado pelo
texto e sua compatibilidade com o
conhecimento prévio e com o
“sentido comum”.
Este texto tem sentido? As idéias
expressadas por ele têm coerência?
É discrepante com o que eu penso,
embora siga uma estrutura de
argumentação lógica? Entende-se o
que quer exprimir? Que dificuldades
apresenta?
5 COMPROVAR continuamente se
a compreensão ocorre mediante
a revisão e a recapitulação
periódica e a auto-interrogação.
Que se pretendia explicar nesse
parágrafo- subtítulo, capítulo? Qual
é a idéia fundamental que extraio
daqui? Posso reconstruir o fio dos
argumentos expostos? Posso
reconstruir as idéias contidas nos
principais pontos? Tenho uma
compreensão adequada dos
34
mesmos?
6 ELABORAR e provar inferências
de diversos tipos, como
interpretações, hipóteses,
previsões e conclusões
Qual poderá ser o final deste texto?
Que sugeriria para resolver o
problema exposto aqui? Qual
poderia ser- por hipótese- o
significado desta palavra que me é
desconhecida?
Fonte: Quadro elaborado a partir das propostas do texto “Estratégias de Leitura” , da professora Isabel Sole, 2000.
3.5.-Alguns aspectos que devem ser levados em conta
para um ensino correto de estratégias de compreensão
leitora
Ler é muito mais que possuir um rico cabedal de estratégias e
técnicas. Ler é sobretudo uma atividade voluntária e prazerosa, e
quando ensinamos a ler devemos levar isso em conta. As
crianças e os professores devem estar motivados para aprender e
ensinar a ler.
De acordo com o ponto anterior, seria preciso distinguir situações
em que “se trabalha” a leitura e situações em que simplesmente
se lê. Na escola, ambas deveriam estar presentes, pois ambas
são importantes; além disso, a leitura deve ser avaliada como
instrumento de aprendizagem, informação e deleite.
Os alunos não vão acreditar que ler – em silêncio, só para ler,
sem ninguém lhes perguntar nada diretamente sobre o texto, nem
solicitar outra tarefa referente ao mesmo - tenha a mesma
importância que trabalhar a leitura - ou qualquer outra coisa - se
não virem o professor lendo ao mesmo tempo em que eles. É
35muito difícil que alguém que não sinta prazer com a leitura
consiga transmiti-lo aos demais.
A leitura não deve ser considerada uma atividade competitiva,
através da qual se ganham prêmios ou se sofrem sanções. Assim
como os bons leitores, nos refugiamos na leitura como forma de
evasão e encontramos prazer e bem-estar nela; os maus leitores
fogem dela e tendem a evitá-la.
Como podemos fazer diferentes coisas com a leitura, é
necessário articular diferentes situações – oral, coletiva, individual
e silenciosa, compartilhada – e encontrar os textos mais
adequados para alcançar os objetivos propostos em cada
momento. A única condição é conseguir que a atividade de leitura
seja significativa para as crianças, corresponda a uma finalidade
que elas possam compreender e compartilhar.
Por último, antes da leitura, o professor deveria pensar na
complexidade que a caracteriza e, simultaneamente, na
capacidade que as crianças têm para enfrentar – de seu modo –
essa complexidade. Assim, sua atuação tenderá a observá-las e a
lhes oferecer a ajuda adequada para que possam superar os
desafios que sempre deveriam envolver a atividade de leitura.
3.6. Paradidáticos: uma possibilidade de sedução
Não é difícil pensar que a “imposição” de livros paradidáticos, na
disciplina Língua Portuguesa, é uma tentativa desesperada da escola de
reverter às estatísticas pessimistas sobre a educação no Brasil.
Porém, como vemos em algumas pesquisas divulgadas na mídia, é
alarmante o número de jovens brasileiros que não gostam e não lêem livros.
Então, cabe aos professores de Língua Portuguesa, algumas vezes
integrados a professores de outras disciplinas, seduzir, guiar, ensinar e avaliar
a leitura através do instrumento: livros paradidáticos.
36Para tanto a boa escolha dos mesmos é fundamental e a leitura prévia
do professor também. A escolha pode se dar a partir de alguns critérios como:
livros temáticos que “dialogam” com datas comemorativas;
projetos elaborados pela comunidade escolar;
diálogo com os temas sugeridos no livro didático;
pretexto para a abordagem do estudo sobre gêneros literários;
meio para discutir temas que a turma de alguma forma está
precisando discutir;
entre outros.
De qualquer forma é importante lembrar que dependendo dos objetivos
e da abordagem pedagógica do professor, os livros paradidáticos podem e
devem ser uma possibilidade de sedução para o gosto da leitura, uma vez que
em muitos casos essa será a única ou uma das únicas oportunidades do aluno
ler. A elaboração de atividades lúdicas, de debates, de rodas de leituras e
ainda da leitura pela leitura serve como “isca” para o futuro leitor. Sendo assim,
é importante que o professor ao selecionar esses livros trace metas para esse
trabalho e consiga a partir dele proporcionar aos seus alunos momentos de
emoção.
CAPÍTULO IV
LIVROS “COLHIDOS”
“Um país se faz com homens e livros.”
(Monteiro Lobato)
Para melhor exemplificar todas as reflexões abordadas nesse trabalho,
elegemos alguns livros, tendo como tema central a inclusão social, para a
análise e sugestões de estratégias de leitura e de trabalhos em sala de aula.
37Os nossos questionamentos nesse ponto do trabalho são: De que forma
os livros paradidáticos contribuem para o processo de inclusão social? Como o
professor pode e deve, através de livros, introduzir questões como:
solidariedade, ética, necessidades especiais e preconceito? Como as histórias,
a princípio “pueris” podem contribuir para a construção de um mundo melhor?
Selecionamos com corpus 6 livros e 4 revistas em quadrinhos. Num
primeiro momento, dividimos esse corpus por seguimentos correspondentes ao
conteúdo e aos trabalhos sugeridos para a aplicação.
Lembramos, porém, que essa divisão não é fixa uma vez que
dependendo da abordagem e da necessidade do professor, qualquer livro ou
revista pode ser utilizado em qualquer série. Basta que o professor selecione e
escolha uma melhor abordagem para o assunto a ser tratado. Muitas vezes,
um livro que não é apropriado para a leitura dos alunos, serve como um
instrumento de estudo pessoal do professor.
A autora Ana Maria Machado, uma vez perguntada como escolher um
título para indicar para a classe, pela revista Nova Escola, respondeu:
“Em primeiro lugar, o professor nunca deve indicar algo
que não tenha lido. Nem algo que, tendo lido, não lhe
tenha agradado. O trabalho será sempre melhor quando
usarmos um tema com o qual temos afinidade”.
Apresentação do “corpus”
ENSINO FUNDAMENTAL I
Figura 5: Coleção infanto-juvenil “Meu amigo Down”.
WERNECK, Cláudia. Meu amigo Down, em casa/ na rua/ na escola.
Ilustrações Ana Paula, Rio de Janeiro: WVA, 1994.
38Lançada em outubro de 94, esta coleção contém histórias narradas por
um menino que não entende bem por que seu amigo com síndrome de Down
enfrenta situações tão delicadas. São livros a favor da inclusão.
Figura 6: Livro Um amigo diferente? da autora Cláudia Wernwck.
WERNECK, Cláudia. Um amigo diferente?. Ilustrações Ana Paula, Rio
de Janeiro: WVA, 1996.
Nesse livro, “Um amigo diferente?”, a autora deseja levar as salas de
aula e aos leitores brasileiros a discussão sobre as diferenças individuais e,
assim, possa contribuir para que a sociedade aceite a diversidade humana. No
livro, por meio de uma grande aventura, as crianças entram em contato com
temas como diabetes, doença renal, alergias, síndrome de Down, entre outras
patologias.
ENSINO FUNDAMENTAL II
Figura 7: Coleção de revistas “Conheça a Turma em braile” do autor Maurício de Sousa.
Lançada durante a Bienal do Livro de 2005 realizada no Rio de Janeiro,
a Coleção de revistas Conheça a Turma em braille, lançada pela
39Editora Globo.
Estas revistas permitem que crianças cegas e com baixa visão também
possam conhecer o maravilhoso universo criado por Mauricio de Sousa.
Os dois primeiros livros da Turma - de uma série de 20 - com texto em braille
têm os títulos: Ôi, Eu sou a Mônica e Ôi, Eu sou o Cebolinha.
O texto é da escritora Yara Maura, que faz a apresentação dos dois
personagens principais da Turma da Mônica contando em versinhos divertidos
as coisas que eles mais gostam de fazer, suas travessuras, brincadeiras e seus
melhores amigos.
Os desenhos das ilustrações também foram feitos com os contornos
pontilhados em alto relevo. Assim, as crianças poderão identificar, pelo tato a
figura dos personagens.Outro diferencial desta Coleção é o texto em letras
grandes e cores primárias para atingir também crianças com baixa visão que
necessitam de recursos especiais para a leitura.
Figura 8: Desenho da personagem Dorinha, a primeira personagem cega da Turma da Mônica.
Está nas bancas de todo o Brasil desde o dia 22 de novembro, a edição
do Gibi da Mônica nº 221, que traz a historinha de estréia da Dorinha, primeira
personagem deficiente visual (cega) do desenhista Mauricio de Sousa.
Segundo o criador da Turma da Mônica, a personagem será responsável por
mostrar aos amiguinhos uma nova maneira de ver a vida.
40
Figura 9: Mais novo personagem da Turma da Mônica: Luca.
Chegou às bancas de todo o Brasil no dia 20 de dezembro de 2004, a
edição do Gibi da Mônica nº 222, que trouxe uma surpresa para os fãs da
Turminha: a estréia do personagem Luca, um garoto cadeirante, amante dos
esportes, principalmente de basquete, que foi apelidado carinhosamente pelos
novos amiguinhos de “Da Roda” e “Paralaminha”, por ser muito fã do cantor
Herbert Vianna e da banda Paralamas do Sucesso.
Figura 10: Capa do livro “Estrelas Tortas”, do autor Walcyr Carrasco.
CARRASCO, Walcyr. Estrelas Tortas. São Paulo: Moderna, 2003.
Marcella é uma jovem bonita e esportiva. Sofre um acidente de
automóvel, com a mãe ao volante. Torna-se paraplégica. Sua vida muda
completamente. Seu cotidiano é cruel. Aprende a adaptar-se à perda de
movimentos. Tudo parece difícil. Mas ela descobre novos amigos e encontra
forças para reconstruir sua vida mostrando que, por pior que sejam os
obstáculos, sempre é possível dar a volta por cima. Cada capítulo é narrado
em primeira pessoa por alguém da família ou do círculo de amigos de Marcella,
dando versões diferentes da tragédia e mostrando como se pode encontrar um
novo caminho.
41ENSINO MÉDIO
Como o programa do Ensino Médio na disciplina Língua Portuguesa é
extenso e direcionado para o vestibular e a leitura de livros paradidáticos ainda
é objetivamente de clássicos da Literatura Brasileira, a sugestão de trabalho
com o tema de inclusão social é o texto jornalístico, filmes, letras de músicas,
enfim todo e qualquer tipo de texto que explora o tema. A seleção desse
material pode ser momentânea ou de algumas reportagens mais antigas sobre
o tema, pois esse é um assunto, que perpassando pelo preconceito, é sempre
muito atual e conveniente para ser trabalhado em sala de aula.
Figura 11: Capa do Jornal Extra do dia 17/01/2007 e capa da Revista Época de 18/09/2006.
CAPÍTULO IV
A LEITURA NA PRÁTICA: UMA FORMA DE ENSINAR A GOSTAR DE LER
“A escola deve assumir o compromisso de procurar garantir que a sala de aula seja um espaço onde cada sujeito tenha o direito à palavra reconhecido como legítimo, e essa palavra encontre ressonância no discurso do outro. Trata-se de instaurar um espaço de reflexão em que seja possibilitado o contato efetivo de diferentes opiniões, onde a divergência seja explicitada e o conflito possa emergir; um espaço em que o diferente não seja nem melhor nem pior, mas apenas diferente, e que , por isso mesmo, precise ser considerado
42pelas possibilidades de reinterpretação do real que apresenta; um espaço em que seja possível compreender a diferença como constitutiva dos sujeitos .”
(Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998)
Da mesma forma que o ensino de língua estrangeira atrai alunos através
de práticas audiovisuais, acreditamos que as aulas de língua materna não
podem e não devem deixar de lado tão importantes recursos. Mesmo
conscientes que os objetivos do ensino de língua estrangeira sejam diferentes
do da língua materna, ambas têm por meta final a ampliação das práticas
comunicativas. Logo, estimular a potencialidade plural de captação de
mensagens e de produção de comunicação é traço comum ao ensino, tanto
das línguas estrangeiras quanto da língua materna.
Segundo Darcilia Simões, em seu artigo “Aulas de Português numa
dimensão multimídia” , é importante rediscutir a “necessidade de educação
multissensorial a partir da associação entre os sentidos humanos e as
destrezas interativas – comunicativas a serem desenvolvidas na escola”. Ela
expõe o seguinte quadro como argumentação:
Destrezas
Sentidos
OUVIR FALAR LER ESCREVER
Audição Audição Visão Tato
Gustação Audição Visão
Gustação Audição
Olfato Gustação
monossensorial bissensorial multissensorial multissensorial
Fonte: Artigo “Aulas de Português numa dimensão multimídia”, da professora Darcilia Simões.
43
A conclusão da professora Simões é que ler e escrever são atividades
multissensoriais, sinestésicas, e, por isso, de alta complexidade, que devem
ser trabalhadas depois de bastante exercitados “o ouvir e o falar”.
Compartilhando da mesma opinião e calçados na teoria de Peirce que
entende que a captação do mundo exterior se faz por meio de uma semiose
ilimitada onde a informação promove a invenção, a criação, o exercício da
capacidade de escolher ante alternativas, e decidir ante a informação mais
adequada e aliada a teoria dos espaços mentais descritas no capítulo I,
passamos agora para a análise detalhada do corpus.
Escolhemos para tanto a simulação de atividades de leitura de acordo
com cada livro escolhido.
4.1. Coleção “Meu amigo Down”
Os livros da coleção “Meu amigo Down” contam a história de um menino
muito esperto, de cabelos encaracolados, que serve de pretexto para a autora,
Claúdia Werneck discutir a socialização da criança com síndrome de Down.
De tão pretexto, essa personagem, narrador-personagem da história,
não possui nome nem descrições físicas ou psicológicas.
O menino no primeiro livro da série , intitulado “Meu amigo Down, em
casa”, fica muito animado com o nascimento de uma criança na casa vizinha.
Com a pureza peculiar das crianças, ele logo imagina as brincadeiras que
poderá fazer com o seu novo amigo.
Porém, após o nascimento, o menino de cabelos encaracolados fica
curioso, pois acha o seu novo vizinho muito misterioso. E logo se pergunta:
“Por que ele não desce para brincar?”, “Será que seus pais se escondem de
alguém?”.
Como resposta, ele descobre através de sua mãe que o filho da vizinha
tem síndrome de Down.
44O menino, muito esperto, não entende em que isso o diferenciava das
outras crianças, então resolve se apresentar para o vizinho e convidá-lo para
brincar na rua. A vizinha, mãe do novo menino, de tão feliz com a atitude das
crianças prepara um lanche com bolo e refrigerante e incentiva o filho a brincar
com os novos amigos.
O segundo livro da coleção, “continuação” da história, mantém as
personagens do livro anterior e seus papeis na narrativa. As personagens
continuam sem nomes, mas agora a autora propõe a participação dos leitores
para a escolha do nome do “amigo Down”.
Nesse segundo livro, a síndrome de Down, suas características e
dificuldades, são mais bem explicadas, embora o foco da narrativa seja que as
diferenças não fazem da criança que tem síndrome de Down um ser tão
diferente ou “inferior” as outras crianças.
Para exemplificar isso, a autora descreve o aniversário do menino Down
com as mesmas surpresas, presentes e comidas de qualquer outro aniversário.
Mais adiante a autora relata a postura preconceituosa das pessoas na rua, que
passam ou olhando demais e com pena ou fingindo que não as vê.
No final da história, ela faz uma intrigante pergunta para o leitor, após
relatar os fatores que deixam as crianças felizes e fatores que deixam as
crianças tristes: “E você, é feliz?”
No terceiro livro, a autora descreve o amigo Down na escola. Essa
personagem continua sem nome e seu vizinho também.
A descoberta dos colegas de classe para as diferenças do novo amigo
leva os mesmos da escola a querer conhecer o novo amigo. Eles a princípio
observam a lentidão da aprendizagem.
O livro fala também da reação dos pais dos outros alunos da escola. Um
ano se passa e no novo ano escolar aparece uma menina que também tem
síndrome de Down. A essa altura os pais não estão mais preocupados e não
causam mais confusão.
45Os livros da coleção “Meu amigo Down” exploram os desenhos
coloridos, feitos pela ilustradora Ana Paula. A cada página as imagens ocupam
todo o espaço em branco do papel e são acompanhadas por pequenos textos
de frases curtas e de fácil vocabulário.
O objetivo geral para o trabalho com a coleção é o de incentivar e
motivar as crianças pensarem nas diferenças – físicas e/ou intelectuais –
valorizando a história de cada um e sua importância no grupo e na sociedade.
Outro objetivo relevante é atentar para o desenvolvimento, limitações e
possibilidades de uso do corpo como ferramenta de aprendizagem em todas as
áreas do conhecimento.
Como disparador do projeto o professor pode propor que as crianças
diante de um espelho se observem e façam um auto-retrato. A partir de suas
observações, serão classificados por grupos – baixos X altos; negros X
brancos; olhos claros X olhos escuros; cabelo liso X cabelo enrolado. Após
essa codificação, vários conceitos, das mais variadas áreas do conhecimento
podem ser abordados antes da leitura dos livros.
Conceitos como: sinônimo e antônimos; genética; noções de conjuntos;
estrutura textual, entre outros.
Em um segundo momento, o professor pode coordenar um debate sobre
as “diferenças” formulando perguntas como da estratégia 2, do capítulo III,
dessa monografia: “Que sei sobre o conteúdo do texto? Que sei sobre
conteúdos afins que possam ser úteis para mim?”
Como terceiro momento, em uma roda de leitura, lendo em voz alta e
explorando também a leitura das imagens, o professor apresenta o novo amigo
para a turma.
Ele também pode promover o diálogo entre a autora e os leitores,
respondendo as propostas expostas no livro – nomeando a personagem
protagonista ou discutindo o conceito de felicidade. A escolha do nome da
personagem pode ser feita através de uma eleição na turma. Outra discussão
interessante para propor aos alunos é: Por que não há nome para os
46personagens? Será que não seria para unificar as personagens? Será que não
seria para todos se identificarem com eles?
Para finalizar esse projeto e/ou atender as exigências da proposta
pedagógica da escola, o professor pode dispor de diferentes formas de
avaliação do trabalho.Não só a tradicional que muitas vezes inibe o prazer de
leitura. Elaboração de cartas ou troca de e-mails com a autora; entrevistas com
pais de alunos com algum tipo de necessidade especial; pesquisas em jornais,
revistas, internet e outros meios de comunicação sobre o assunto; teatros ou
esquetes simulando as dificuldades e vitórias de crianças com outras
deficiências.
Assim, acreditamos que todos serão envolvidos não só na leitura, como
também com a causa.
4.2. “Um amigo diferente?”
Com esse livro a autora, Claúdia Werneck, deseja levar as salas de aula
e aos lares brasileiros a discussão sobre as diferenças individuais e, assim,
contribuir para que a sociedade aceite a diversidade humana. No livro, “Um
amigo diferente?”, por meio de um grande mistério as crianças entram em
contato com temas como diabetes, doenças renais, alergias, síndrome de
Down, entre outras.
Como nos outros livros da autora, as gravuras e os textos, agora um
pouco mais longos, também são explorados, só que diferente da coleção
anterior, o livro tem uma leveza própria. O texto não possui o padrão retilíneo,
ele acompanha o formato das imagens.
Mais atraente pelas cores vibrantes e pelos desenhos variados, a
história não narra fatos. Ela é, na verdade, uma apresentação de uma
personagem: “Oi! Sou seu amigo diferente!”. A partir dessa exclamação, esse
personagem misterioso através de várias perguntas (que compõe todo o texto)
aos leitores dá características e as várias possibilidades de diferenças.
47Nesse diálogo travado com o leitor, esse “amigo diferente” chega a
conclusão que tanto faz a diferença. Ela não é importante. O importante é que
ele pode ser um grande e inseparável amigo.
Com atividades pré-leitura ou pós-leitura do livro a disciplina Língua
Portuguesa pode promover um debate sobre as diferenças; promover um
“bolão de apostas” para a discussão “Que diferença é essa?”, buscando
trabalhar com os alunos a percepção das pistas, das inferências permitidas
pelo texto; pode ainda sugerir uma redação cujo tema é “Eu sou assim”, entre
outras possibilidades.
A disciplina Ciências pode explorar a questão da hereditariedade e a
matéria História pode, por exemplo, promover uma pesquisa sobre as
personalidades históricas e suas diferenças (ex: O presidente Lula, que não
possui um dedo).
Como avaliação desse trabalho e conclusão dessas possíveis parcerias
a proposta do ser a elaboração de um jornal-mural, onde serão anexados todos
os trabalhos sobre o assunto. Assim, será criado um novo espaço
compartilhado de leitura.
Além disso, também sugerimos as outras formas de avaliações
anteriores. Novamente, acreditamos que assim os alunos serão envolvidos e
seduzidos pela leitura.
4.3. – Coleção “Conheça a Turma em braile”
Essas revistas na verdade são muito mais instrumentos para despertar a
curiosidade e uma possibilidade de incluir o deficiente visual na sala de leitura,
do que uma boa leitura propriamente dita. Isso se dá porque os textos são
apenas uma apresentação simplificada das personagens da Turma da Mônica
e não uma história em si.
48Por ser também escrita em braile, muitas vezes essa dupla escrita causa
uma confusão na leitura. Para o leitor do sistema impresso o braile
interpontado e a folha brilhosa são prejudiciais. Obviamente que essas revistas
foram feitos para atender as necessidades dos deficientes visuais, mas os
leitores de baixa visão também sofrem com essa confusão.
Para evitá-la o ideal seria um tipo de folha específica para os pontos
brailes.
Outra crítica as revistas, é a tentativa de representar os desenhos em
alto relevo. Além de ter pouca significação ao cego de nascença, pois ele não
terá essa imagem mental para resgatar, elas não são aproveitadas de forma
eficiente para os alunos videntes. Uma possibilidade de atender ambos os
leitores de forma mais adequada seria a utilização de materiais com texturas
variadas, como emborrachados, tecidos, lãs, entre outros, para a composição
das personagens. Com isso o professor da Educação Infantil poderia explorar
as percepções táteis de todo os alunos.
É claro que não queremos dizer com todas essas observações que as
revistas da Turminha são totalmente ruins ou impróprias para as crianças. Pelo
contrário, todas as críticas aqui levantadas são sugestões, também precárias,
para o aprimoramento desse material. É importante ressaltar que a iniciativa
do autor Maurício de Sousa é excelente e uma grande oportunidade de abrir as
portas para outras editoras e para outros escritores escreverem e se dedicarem
a esse tipo de texto e a esse tipo público leitor.
Uma boa pesquisa de opinião com deficientes visuais e uma boa
assistência técnica poderiam expandir de forma eficaz esse novo mercado
editorial.
De toda forma é extremamente interessante dispor desse material em
sala de aula para que os alunos conheçam e discutam essa nova possibilidade
de leitura. Descobrir um mundo novo de histórias. E mais do que isso, pensar
em soluções para tornar eficaz o uso desse material.
49Que tal propor a confecção de outras revistas ou livros? Esse trabalho
pode e deve ser integrado com a disciplina Artes.
Seria relevante antes, um bom trabalho de pesquisa na internet: O que é
braile? Como funciona esse sistema? Que texturas usar? Que histórias contar?
Caso esse trabalho se torne complicado para a faixa etária em questão,
uma outra possibilidade é apresentar aos alunos a proposta da autora Ana Lu,
em seu livro “Livro Falado - uma história para ler, gravar e ouvir”, também
disponível na internet, que como o próprio título explica propõem a gravação de
histórias em fita cassete para os deficientes visuais. (ver anexo 1)
Aparentemente com uma historinha boba, o livro de Ana Lu é uma
verdadeira aula de cidadania e de convívio com o deficiente.
Assim, além da leitura o professor estará trabalhando “o ouvir e o falar”.
Como culminância desse projeto, nada melhor do que uma feira de livros ou
um espaço de audioteca.
4.4. – Dorinha
O projeto anterior pode ser ministrado nas séries finais da Educação
Infantil, como também servir como atividade disparadora de um outro projeto
para o Ensino Fundamental II- especificamente para a 5ª série.
Assim, com essa última hipótese, nós podemos propor um diálogo entre
os textos anteriores com as histórias em quadrinhos da Turma da Mônica.
Para limitar essa análise, escolhemos uma historinha específica: a
historinha de apresentação da personagem Dorinha – “Dorinha a nova
amiguinha”. (ver anexo 2)
O autor Mauricio de Sousa, nessa historinha, resgata a brincadeira
infantil, pouco brincada nos dias atuais, cabra cega. A Turma se reveza na
venda e na tentativa de descobrir com as mãos os outros colegas. É claro que
a brincadeira promove muita confusão entre a Turma: o Cebolinha debochando
50da gordura da Mônica, a Marina trocando a brincadeira pelos desenhos, a
Magali louca por comida.
De repente, a Mônica vendada encontra um cão em que através da
leitura tátil , ela compara sua descoberta aos seus amigos. Ao tirar a venda ela
se surpreende com um cão guia e sua dona.
Dorinha, a nova amiga da Turma, se apresenta e apresenta também
Radar, seu labrador. Ao mencionar que ele recebeu esse nome porque ele é
um cão guia, a Mônica percebe que Dorinha é cega. Até aquele ponto da
apresentação, a Mônica pensa que o uso dos óculos escuro faz parte da
composição “fashion” da menina.
Durante as apresentações para o restante da turma, todos descobrem
as habilidades da nova amiga: leitura tátil, audição apurada, olfato perspicaz e
principalmente uma imaginação perfeita. Como ela mesma diz: “Imagino o que
meus olhos não vêem.”
Após as apresentações, Dorinha pede para entrar na brincadeira. A
Mônica imagina que deve vendar o Radar, mas logo a menina cega desfaz a
dúvida. Ela mesma, e sozinha, sem a ajuda do Radar, quer brincar de descobrir
os novos amigos.
Com seus sentidos apurados, ela consegue achar todos os membros da
Turma.
A história termina de forma “poética” onde todos ficam admirando o pôr
do sol, inclusive Dorinha.
História em quadrinhos é um tipo de texto específico que explora a
linguagem verbal e a não-verbal. Os desenhos atrelados aos balões narram
pequenos fatos que ocorre, ocorreu ou ocorrerá com as personagens. São
inúmeros os tipos de balões: fala , pensamento , cochicho , grito
entre outros. As histórias podem fazer ou não uso deles. Há histórias que só
através de imagens transmite todos os fatos necessários para entendê-la.
51Essa breve teoria pode ser discutida com os alunos, na biblioteca ou na
sala de leitura, onde cada aluno pode com uma revistinha nas mãos, perceber
e contribuir para a construção desses novos conceitos.
Após essa preparação teórica, cabe ao professor convidar os alunos
para um mergulho na historinha.
Num primeiro momento, hipóteses podem ser levantadas:
1. Será que a escolha da brincadeira cabra cega foi proposital?
2. Qual seria a origem desse nome?
3. A Mônica quando está vendada não identifica o cachorro Radar. Por
que ela não tem essa habilidade?
4. A reação da Turma foi a reação de qualquer pessoa que encontra
uma criança cega?
5. Segundo a história, por que os outros sentidos da menina cega são
apurados?
6. Será que é possível uma pessoa cega perceber um lindo pôr de sol?
Depois de todas as hipóteses levantadas e discutidas, novas perguntas
podem ser feitas para a promoção de um debate:
Alguém já teve contato com algum deficiente? Como foi a
experiência?
Alguém sabe como guiar um cego?
De que forma eles lêem? Qual é o nome desse sistema de leitura?
Ele é um sistema ou uma língua?
A nossa sociedade promove a inclusão social?
Essa parte do debate pode ter como fechamento pesquisas sobre
ONGs, centros de apoio, empresas que apóiam os deficientes etc.
Também são interessantes palestras e depoimentos de pessoas com
qualquer tipo de deficiência na escola.
Como avaliação, várias podem ser as formas trabalhadas: todas as que
já foram mencionadas anteriormente; a elaboração de novas revistinhas e
conseqüentemente novas historinhas; a montagem de uma gibiteca com
historinhas politicamente corretas; portfólios de leitura com o acúmulo das
52atividades elaboradas a partir das historinhas (caça-palavras, caça-vocabulário,
vida e obra do autor, complete...) e recolhimento e doações de gibis para
regiões carentes.
Assim, todos os alunos serão envolvidos no projeto de leitura.
4.5. – “Estrelas Tortas”
“... a gente é como um pedaço de noite.De longe, estrelas perfeitas.
De perto, estrelas tortas”.
É com esse pensamento que o autor Walcyr Carrasco, no livro “Estrelas
Tortas”, termina a sua história.
Todos somos estrelas, temos força e brilho próprios para superar
qualquer adversidade.
Nesse enfoque, o autor não se dedicou somente ao problema de uma
menina que fica paraplégica, Marcella, mas também ao impacto desse
acontecimento nas pessoas que a cercam. Como pista dessa proposta, o autor
troca a cada capítulo o narrador da história. Essa troca não é aleatória, ela é
feita de forma coesa e coerente. Percebemos também que o irmão da
personagem principal, Gui, como é conhecido, tem um papel de “elo” na
narrativa. O Gui abre, reaparece no meio e fecha o livro.
Ele abre contando de que forma seu pai e ele recebem a notícia do
acidente de carro de sua mãe, Aída e sua irmã, Marcella.
O choque de seu pai, Bruno, e a sua firmeza de decisões são os
primeiros traços de mudança de sua família.
A segunda personagem a narrar a história da menina paraplégica é
Mariana. Mariana é uma menina gorducha, da sala de aula de Marcella, que
não tem intimidade com a menina, mas que pasma com a nova situação da
53colega, que antes voava nas quadras de vôlei, defendendo o time do colégio,
agora está paraplégica.
Ela, então, resolve visitar Marcella para fazer ou retomar a sua amizade.
Mariana leva para Marcella um livro para fazê-la companhia. A princípio
a conversa é difícil e cheia de mágoas, mas Mariana estava decidida a fazer
uma amiga.
Quando as duas percebem, já estavam abraçadas.
Mariana passa a narrativa para Bira, um garoto com pouco conteúdo,
que Marcella apaixonada pergunta a respeito para Mariana.
Com um linguajar típico de adolescentes, Bira narra o choque que ele
leva ao saber que sua “ficante” nunca mais vai andar. Ele só tem coragem de
visitá-la uma única vez e depois se envolveu com outra menina.
A história, então, passa a ser narrada por Aída, mãe de Marcella, que
fica arrasada não só por se sentir culpada pelo acidente, mas também pela
tristeza de sua filha ao ver o Bira namorando outra menina.
Aída conta como seu marido foi importante para a recuperação de sua
filha e dela própria, conta como é o tratamento de Marcella, e a dificuldade
financeira de sua família.
O Gui volta a ser o narrador, agora enfocando o quanto é difícil a
renúncia de sua própria vida para ajudar sua avó a cuidar de Marcella.
Emílio é o próximo narrador. Ele vai a festa da escola das personagens
principais da história e ao se interessar por Marcella, sem querer, ele a faz
passar a maior vergonha. Emílio a puxa para dançar, sem saber que ela está
em uma cadeira de rodas e ela cai no meio do salão, na frente de todos os
outros alunos.
Arrasado, e já envolvido amorosamente com a menina, Emílio pede
ajuda a Mariana para reencontrar Marcella e pedir desculpas.
Bruno é o próximo narrador. Pai de Marcella e Gui e marido de Aída, ele
deixa de lado o sonho de voltar a estudar para trabalhar mais e ajudar sua
família.
54Gilda, a avó de Marcella, é a narradora seguinte. Uma narradora que
demonstra maturidade e experiência ao narrar a história. De todas as outras
personagens dona Gilda é a mais sensata e a que mais ajuda a família de
Marcella a superar esse acidente. De forma descontraída e até desobediente
dona Gilda promove o encontro dos jovens à tarde na casa de sua neta. Deixa
o Gui um pouco mais a vontade para retomar a sua vida e deixa que Marcella
namore as escondidas com Emílio. Essas atitudes aos poucos ganham espaço
na narrativa mostrando aos personagens e aos próprios leitores que a vida
deve e tem de continuar. Isso faz com que a próxima personagem a narrar seja
a Marcellla.
Ela própria sem auto-piedade e muito mais feliz narra as transformações
de sua vida e conseqüentemente de sua família. Ela em um discurso
comovente, com toda a família reunida na sala, diz que precisa viver e que
todos eles também. Diz que ela não é incapaz, mas reconhece que terá
dificuldades se todos a tratarem como uma limitada. Assim, emocionados com
a fala da menina, seus pais mudam de postura e se convencem da capacidade
de reação da menina.
O Gui, último narrador da história, conclui então, ao observar as estrelas
a capacidade de todo ser humano de mudar e de ser maior do que aparenta.
Com uma história sensível e tocante, o autor Walcyr Carrasco consegue
trazer para o universo infanto-juvenil diversas questões importantes: nossa
capacidade de superação, a importância da família, a verdadeira amizade, o
preconceito e as possibilidades de adaptação.
Todos esses temas devem e podem ser abordados pelo professor ao ler
com sua turma esse livro. Através de debates ou pesquisas os alunos podem
ser envolvidos num projeto de leitura.
As sugestões anteriores podem ser adaptadas para um projeto com
esse livro específico. Rodas de leituras, teatros com trocas de personagens,
redação com o “olhar” específico de uma delas, um portfólio de leitura.
Como todas as propostas já forma aqui explicadas, preferimos nos deter
ao portfólio de leitura para melhor exemplificá-lo.
55O portfólio, também conhecido por alguns professores como
classificador, é um pasta que contém sacos plásticos para classificar o material
nela exposto.
Para um portfólio de leitura organizado, a proposta é a confecção de
uma capa, a ser ilustrada e decorada pelo aluno (isso poderá ser desenvolvido
de forma integrada nas aulas de Artes); folha de rosto, a ser fornecida pelo
professor conforme modelo padrão para cada escola, onde deverá conter os
dados principais do aluno; sumário, a ser construído ao longo do ano letivo, na
medida em que forem sendo acrescentadas as propostas de leitura e
produções escritas; folha de apresentação, a ser fornecida pelo professor,
elaborada pela coordenação da escola em que se explicará a importância
desse tipo de trabalho; folhas com atividades de leitura e produção texto, a
serem anexadas na pasta logo após a folha de apresentação, na ordem em
que forem sendo desenvolvidas e corrigidas; auto-avaliação, ao final de cada
etapa de trabalho, o aluno, refletindo sobre o seu desenvolvimento na leitura e
na escrita deverá se avaliar a partir das atividades propostas no portfólio;
bibliografia, a ser construída na medida em que forem sendo desenvolvidas e
apresentadas as atividades que comporão a pasta; e anexos, são dados
apresentados através dos mais variados tipos de textos, que de alguma forma
dialogam com a leitura a ser trabalhada.
Com o portfólio, o professor não só envolve o aluno na leitura para esse
processo de construção, mas também o convida a ser um co-autor de seu
próprio registro. O portfólio tem como propósito ampliar o universo de leitura e
de escrita dos educandos, desenvolvendo o hábito do estudo, da leitura de
vários textos e da escrita de diversos tipos de textos, além de ser uma forma
mais interessante de avaliação e de percepção do aprendizado.
CONCLUSÃO
“Formar um leitor competente supõe formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler também q eu não está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça relações entre o texto que lê e os outros textos já lidos; que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consiga justificar e validar a
56sua leitura a partir da localização de elementos discursivos que permitam fazê-lo.”
(Parâmetros curriculares nacionais)
Aprender parece ser o que explica e justifica a condição humana.
Aprender o que já foi feito e projetar o que vai ser feito no futuro são atributos
exclusivos dos seres humanos. Descobrir, conhecer, estudar, ler, escrever e
compartilhar informações é uma forma de afirmar e reafirmar essa condição
humana.
Quanto mais lemos, conhecemos e estudamos mais conteúdos
assimilamos, mais críticos, contestadores, inquietos e insatisfeitos com as
injustiças nos tornamos e mais capazes de buscar alternativas e empreendê-
las com sucesso, seremos.
Esse é o maior objetivo dessa monografia. O desafio da inclusão e da
reação contrária a exclusão e ao preconceito está posto para todos os
professores e para todos os educandos. Não há como acreditar que a escola
atuante irá resolver todos os conflitos sociais, mas dá para crer que as
diversidades encontradas, na escola, serão enriquecidas por conflitos
construtivos, aprendizagens significativas que irão contribuir para a formação
de um cidadão consciente de suas responsabilidades.
Portanto, esse deve ser o maior objetivo da escola, o de inquietar o
aluno e ensinar a ele a leitura do mundo que o cerca para que de forma crítica,
ele o reconstrua constantemente.
ANEXOS
57
Anexo 1
Capa e conteúdo da proposta do livro “Livro falado – uma história
para ler, gravar e ouvir, da autora Ana Lu.
58
59
Anexo 2
Revistinha da Turma da Mônica, n° 221, da Editora Globo
60
61
62
63
64
65
66
67
Anexo 3
Internet
www.monica.com.br
68
Foto: Laerte Ferreira
Na companhia da filha que inspirou a criação da dentuça líder da famosa Turma da Mônica, Mônica de Sousa (44), Mauricio de Sousa (69) visitou outra de suas musas, Dorina Nowill (85),
presidente da fundação que leva seu nome e há 59 anos assiste a deficientes visuais, em SP.
Dorina motivou a criação de Dorinha, personagem cega que integra as revistas da trupe há oito meses (no detalhe) e já tem
boneco no Parque da Mônica, em SP.
A nova personagem será tema do terceiro volume da coleção Eu Sou, da editora Globo, que apresenta o universo de Mauricio com texto em braile e desenhos em relevo. “Neste momento, estamos discutindo como sofisticar ainda mais os próximos volumes para melhorar a leitura dos deficientes visuais”, disse o desenhista.
Anexo 4
Reportagem
69Revista Época – “Normal é ser diferente”. Editora Globo, 18 de
setembro de 2006.
70
71
72
73
74
75
76
77
78
Anexo 5
Reportagem
Revista “Presença Pedagógica”, v. 5- n° 27. mai./jun. 1999.
79
80
81
82
83
84
Anexo 6
Entrevista
Revista “Nova Escola”- coluna Fala Mestre, out.2000.
85
86
87
Anexo 7
Entrevista
88Revista “Nova Escola” - coluna Fala Mestre
89
90
Anexo 8
Reportagem
Revista “Presença Pedagógica”,v.7, n° 38. mar./abr.:2001
91
92
93
94
95
96
97
Anexo 9
Entrevista
98Revista “Pátio”- ano 4 , n° 14 ago./out. 2000
99
100
BIBLIOGRAFIA
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104
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I - PERCEPÇÃO, SENTIDOS E CONCEITOS
1.1. Arquivamentos de experiências: construção cognitiva de conceitos
1.2.A construção dos espaços mentais
9
10
15
CAPÍTULO II – LEITURA E INTERAÇÃO
2.1. Texto: o “tecido” das palavras
2.2. Interação autor-leitor por meio do texto
18
18
25
CAPÍTULO III – LER PARA QUÊ?
3.1. O que significa leitura?
3.2. Escola: uma oportunidade formal de trabalho com leitura
3.3. Ler para...?
3.4. Estratégias de uma leitura crítica
3.5. Alguns aspectos que devem ser levados em conta para um ensino
correto de estratégias de compreensão leitora
28
28
29
30
31
33
CAPÍTULO IV – A LEITURA NA PRÁTICA: UMA FORMA DE ENSINAR A
GOSTAR DE LER
4.1. Coleção “Meu amigo Down”
4.2. “Um amigo diferente?”
4.3. Coleção “Conheça a Turma em braile”
4.4. Dorinha
4.5. “Estrelas Tortas”
41
42
45
47
48
51
CONCLUSÃO 55
ANEXOS 56
BIBLIOGRAFIA 100
ÍNDICE 104
ÍNDICE DE FIGURAS 105
FOLHA DE AVALIAÇÃO 106
COMPROVANTES CULTURAIS 107
105
ÍNDICE DE FIGURAS
FIGURA 1- ARMAZENAMENTO SENSORIAL 13
FIGURA 2- MODELO DE MEMÓRIA 13
FIGURA 3- MODELO DE DOMÍNIOS COGNITIVOS 14
FIGURA 4- PRODUÇÃO E COMPREENSÃO DE TEXTOS 26
FIGURA 5- COLEÇÃO INFANTO-JUVENIL “MEU AMIGO DOWN” 37
FIGURA 6- CAPA DO LIVRO “UM AMIGO DIFERENTE?” 37
FIGURA 7- COLEÇÃO “CONHEÇA A TURMA EM BRAILE” 38
FIGURA 8- DESENHO DA PERSONAGEM DORINHA 38
FIGURA 9- DESENHO DO PERSONAGEM LUCA 39
FIGURA 10- CAPA DO LIVRO “ESTRELAS TORTAS” 39
FIGURA 11- CAPA DO JORNAL EXTRA E DA REVISTA ÉPOCA 40
106
FOLHA DE AVALIAÇÃO
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS – GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
Monografia: EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UMA ABORDAGEM LITERÁRIA
Autora:Vanessa Villarinho Esteves Castro
Orientador: Profª Fabiane Muniz
Data de entrega: 27/01/2007
Avaliador:
Conceito:
107
COMPROVANTES CULTURAIS