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EDUCAÇÃO INCLUSIVA E POLÍTICAS DE INCLUSÃO: A BUSCA DE
UM NOVO EDUCADOR PARA UMA NOVA EDUCAÇÃO1
Izorlei Nordio2
Resumo: A constituição Federal garante às pessoas com necessidades especiais o direito à educação de qualidade no ensino regular em instituições públicas de ensino. No entanto, o sistema escolar exige incluir crianças com necessidades educativas especiais no ensino regular sem apoio especializado que possibilite aos professores orientação e assistência. Este trabalho tem por escopo refletir sobre a preparação dos professores para receber em sala de aula os alunos com necessidades educativas especiais. A pesquisa analisou a situação vivenciada pela comunidade escolar no município de São Lourenço do Oeste, SC, e com base em estudo bibliográfico sobre o tema inclusão, traz uma análise sobre as dificuldades e necessidades na busca por integrar alunos com as mais variadas deficiências na escola regular, assegurando seus direitos à educação e ao convívio social. Palavras-chave: Educação. Inclusão. Professores. Abstract: The Federal Constitution guarantees people with disabilities the right to quality education in regular education in public education. However, demands to include children with special educational needs in mainstream education without expert support that allows teachers guidance and assistance. This work has the scope to reflect on the preparation of teachers to receive in the classroom students with special educational needs. The research analyzed the situation experienced by the school community in São Lourenço do Oeste , SC , and based on bibliographical study on the subject include , brings an analysis of the difficulties and needs in the search for integrating students with various disabilities in school regular , ensuring their rights to education and social life. Keywords: Education. Inclusion. Teachers.
BREVE HISTÓRICO DO RECONHECIMENTO DE TODOS
O conceito de cidadania nasceu na Grécia Antiga, onde só eram
considerados cidadãos pessoas que se dedicavam ao cultivo de sua inteligência e
ao serviço da polis. Homens que se prestavam aos serviços manuais, escravos,
1 Artigo apresentado ao curso de Especialização Educação e a Interface com a Rede de Proteção Social, 2015 –
UNOCHAPECO- Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Campus de São Lourenço do Oeste.
Área: Ciências Humanas e Jurídicas, sob orientação da professora Drª.: Rosa Gitana Krob Meneghetti.
2 Licenciada em História. Universidade Norte de Paraná – UNOPAR. São Lourenço do Oeste/SC, 2011.
E-mail: [email protected].
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mulheres e crianças não eram vistos como cidadãos.
Felizmente, no decorrer da história o conceito de cidadania se desenvolveu
de tal forma, e a questão da cidadania e dos direitos humanos se interligou de
maneira que hoje é incabível dissociá-los. A noção de cidadania passou a incluir a
ideia do agir, de uma conduta positiva com vistas à participação. Já os direitos
humanos, direitos fundamentais da pessoa humana são necessários como forma de
garantir a participação plena na vida social. Nesse ponto se encontra o elo entre os
conceitos de cidadania e a discussão sobre os direitos humanos. Sobre isso Siegel
declara: "Numa educação ética, é preciso resgatar e incorporar os valores
solidariedade, de fraternidade, de respeito às diferenças de crenças, culturas e
conhecimentos, de respeito ao meio ambiente e aos direitos humanos.” (SIEGEL,
2005, p 41). Sendo assim, considerando que cidadania é o direito de participação na
sociedade e que para seu efetivo exercício o cidadão precisa ser resguardado em
relação aos direitos básicos, tais como a vida, a moradia, a educação, a informação,
dentre outros, e considerando que estes direitos são direitos básicos de qualquer ser
humano, logo se pode concluir que toda pessoa, independentemente de suas
limitações físicas ou psíquicas, deverá ter as condições necessárias para participar
da vida escolar e exercer sua cidadania. Hoje ser cidadão é ter direito à liberdade, à
igualdade, é ter direitos civis e políticos, é ter direito de votar e ser votado é também,
e acima de tudo, ter direitos sociais que garantam o acesso de todos à educação, à
saúde, ao trabalho justo e a uma velhice equilibrada e tranquila. Ser cidadão é ter
direito de exercer a cidadania tendo plenos direitos civis, políticos, e sociais. Isso
porem é fruto de uma longa história de lutas e, como já mencionado, todos estes
direitos foram sendo reconhecidos pela maioria das sociedades.
Durante a Revolução Francesa a burguesia lutou pelos princípios de
liberdade, igualdade e fraternidade para todos, baseada nas ideias iluministas.
Com os sangrentos episódios da I e II Guerras Mundiais, a Assembleia Geral
das Nações Unidas iniciou uma série de discussões sobre quais seriam os direitos
humanos e as liberdades fundamentais de todos. Fundamentado nos Direitos do
Homem e do Cidadão, foi elaborada a Declaração Universal dos Direitos Humanos
pela ONU (Organização das Nações Unidas) e aprovada em Assembleia no dia 10
de dezembro de 1948, sendo mais uma etapa importante para todos na busca e
encontro dos direitos da diversidade. A partir desse documento os Estados
democráticos passaram a reconhecer a dignidade, a liberdade e o direito de TODOS
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os seres humanos como cidadãos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos define em seu artigo primeiro
que “todos os humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direito”. Claro e
fácil de interpretar, a Declaração de 1948 abre um leque de portas para todos,
alicerçada no princípio da dignidade da pessoa como fonte de todos os valores,
independente da sua raça, cor, sexo, religião, opinião, riqueza, origem nacional ou
social ou qualquer outra condição. Serve de base para a Declaração Universal dos
Direitos da Criança, aprovada em 20 de Novembro de 1959 que em seu Princípio V
afirma o “Direito à Educação e aos cuidados especiais para a criança física ou
mentalmente deficiente”, e no VII reafirma o “Direito a educação gratuita e ao lazer
infantil”. (UNICEF 1959).
Todos esses direitos formais se consolidam no Brasil com a Constituição de
1988. Trazendo para os indivíduos uma série de benefícios sociais, a Constituição
delega ao Estado a garantia desses direitos.
Dentro dos direitos sociais está o direito à educação escolar que não é um
mero atributo, um simples adorno e nem mesmo uma modesta vaidade na vida das
pessoas. O acesso à informação faz toda a diferença na vida de todos, e como dizia
Paulo Freire, a educação é libertadora, é a pratica da liberdade (FREIRE, 1999).
A Constituição de 1988 estabelece o quanto é fundamental “promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade, e quaisquer outras formas
de discriminação” (art.3º inciso IV). No artigo 205 a Educação é entendida como um
direito de todos e dever do Estado e da família, e será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
(Constituição Federal 1988, Art. 205).
Segundo os preceitos da Constituição Federal, a educação é considerada
um direito líquido e certo, um direito inalienável, óbvio, inquestionável, um direito
social e humano. Está consolidada nas leis, porém precisa ser posta em prática, nas
ruas, nas praças, nas escolas, na comunidade, incluindo a todos em um processo
contínuo.
No âmbito da Educação Inclusiva, a Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, no
capítulo IV, artigo 53, diz.
a criança e o adolescente tem direito à educação, visando pleno desenvolvimento em sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho assegurando-lhes:
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I igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II direito de ser respeitada pelos seus educadores; III atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (MEC).
Soma-se a essas leis a Declaração de Salamanca (texto que não tem o
efeito de lei, mas cujo entendimento e amplitude é de extrema importância) –
oriunda da Conferência onde se reuniram de 7 a 10 de junho de 1994 mais de 300
participantes de 92 países e de 25 organizações internacionais a fim de promover os
objetivos de uma educação para todos, enfatizando a educação inclusiva com maior
eficácia educativa, que aceite as diferenças e responda às necessidades individuais.
A Declaração de Salamanca tem um papel chave na implantação das políticas
públicas e ações para atender os direitos à educação inclusiva para todos, e
reconhece a necessidade e a urgência de uma educação para a criança, o jovem e o
adulto dentro do sistema regular de ensino, formando cidadãos conscientes e
participativos. Segundo esse documento o princípio fundamental das escolas
inclusivas consiste em garantir que todos os estudantes:
Aprendam juntos, sempre que possível independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentam. Essas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas de seus estudantes, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um nível de educação para todo(a)s através de currículos adequados, de boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de cooperação com as respectivas comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios de serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994, p.11-12).
Uma escola única, capaz de atender todas as crianças é uma determinação
da Declaração de Salamanca, voltada para o fim da discriminação, e que discuta a
socialização dos estudantes com necessidades educacionais especiais. Sua
intenção é quebrar o modelo tradicionalista onde o objetivo principal é a preparação
para o trabalho, o que pressupõe o domínio mínimo de algumas competências e
habilidades e adaptar as escolas aos “inclusos” num modelo de ensino que vise o
reconhecimento e o aprendizado de todos, apostando no princípio de que o convívio
dos alunos auxilia na aprendizagem de todos e da própria escola como instituição.
ESCOLA PARA TODOS
Já se tornou uma realidade nas redes públicas de ensino que alunos com
necessidades especiais frequentem a escola. A inclusão é fundamental para que,
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“independentemente do tipo de deficiência e do grau de comprometimento, possam
se desenvolver social e intelectualmente na classe regular” (BENITE, BENITE,
PEREIRA, 2011, p. 48). Com certeza, isso é um avanço em relação ao passado,
quando as crianças e pessoas em geral, que apresentavam algum tipo de
necessidade especial eram excluídos da sociedade, sendo mantidos somente dentro
de suas casas, além de não receber nenhum tipo de educação e de não participar
de contatos ou atividades sociais e, muitas vezes sendo até mesmo maltratadas.
Porém, para que a inclusão de fato se torne realidade, é primordial que os
professores estejam preparados para lidar com esse tipo de situação. O art. 59,
inciso III, reza que os sistemas de ensino devem assegurar aos educandos com
necessidades especiais “professores com especialização adequada em nível médio
ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino
regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns”
(Brasil, 1996, p. 44). Infelizmente, não é isso que é verificado na realidade. Silva e
Retondo (2008) citam Bueno (1999), dizendo que:
... de um lado, os professores do ensino regular não possuem preparo mínimo para trabalhar com crianças que apresentem deficiências evidentes e, por outro, grande parte dos professores do ensino especial tem muito pouco a contribuir com o trabalho pedagógico desenvolvido no ensino regular, na medida em que têm calcado e construído sua competência nas dificuldades específicas do alunado que atendem (SILVA e RETONDO, 2008, p. 28).
Sendo assim, é urgente que estudantes dos cursos de licenciaturas e todos
os outros profissionais, cuja probabilidade, de acordo com a Lei, é muito grande de
ter contato com os alunos com necessidades educacionais especiais, recebam em
sua formação esse preparo. É necessário que todos fiquem “atentos para propostas
pedagógicas que auxiliem os docentes no melhoramento de suas concepções e
afazeres escolares” (SILVEIRA e SOUZA, 2011, p. 37).
As dificuldades dos professores não estão somente em transmitir para esses
alunos as disciplinas específicas em suas áreas de formação, mas lhes falta também
o próprio conhecimento “para lidar com a língua brasileira de sinais (libras) e com a
presença de intérpretes em suas aulas” (SILVEIRA e SOUZA, 2011, p. 38) e nos
casos dos professores de ciências, como a Química, isso se torna ainda mais
complicado, pois enfrentam grandes dificuldades em lidar com a construção do
conhecimento científico voltado para esse grupo específico. Segundo Silveira e
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Souza (2011, p.38), o resultado é que mesmo frequentando a escola, estando em
sala de aula, muitos alunos com necessidades especiais acabam ficando apartados
ou excluídos, ocorrendo desta forma um distanciamento deles da escola, impedindo-
se assim a continuidade de seus estudos.
São poucos os educadores que tem conhecimentos relevantes na área das
necessidades especiais e assim os direitos dos estudantes passam a ser violados
pelo próprio educador no de um ensino sem estrutura. A inclusão é uma política
relativamente recente e é necessário que os docentes busquem acesso a
conhecimentos sobre os direitos do incluso e junto a esses tomem atitudes
proativas.
Além de professores sem o preparo necessário, as próprias instituições de
ensino não contam com recursos físicos e didáticos para poder atender
adequadamente às necessidades desses estudantes. Por exemplo: alunos cegos
necessitam de todos os livros didáticos em Braile; cadeirantes precisam que a
estrutura física da escola esteja preparada para recebê-los, tendo, no mínimo,
rampas, corrimãos, banheiros adaptados, entre outros aspectos. Porém,
infelizmente, isso não se vê em muitas escolas da rede pública, principalmente em
escolas mais afastadas do centro urbano, demonstrando que necessitam de
condições mínimas para continuarem funcionando.
Está definido, na interpretação dos aspectos legislativos, que as escolas
inclusivas devem reconhecer e responder às diversas dificuldades de seus
educandos, acomodando os diversos estilos e ritmos de aprendizagem,
assegurando a qualidade da educação para todos com currículos flexíveis e
apropriados, modificações organizadas, estratégias de ensino, recursos e parcerias
com as famílias e com a comunidade. Na integratividade está a convivência entre
professor, aluno, e família.
...a socialização é um aspecto importante para uma inclusão escolar bem-sucedida, pois a convivência dos alunos com necessidades educacionais especiais em ambientes comuns e as interações sociais que se estabelecem servem para aumentar uma variedade de habilidades comunicativas, cognitivas e sociais, bem como para proporcionar os alunos proteção, apoio e bem-estar no grupo. (STAINBACK e STAINBACK, 1999, p.208).
Mas a integração entre educandos, educadores e atividades curriculares
escolares, é uma tarefa complexa, e o professor mediador do conhecimento precisa
flexibilizar as atividades para que os estudantes com necessidades educacionais
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especiais não fiquem com tempo ocioso e para que os demais colegas não percam
esta experiência em seu aprendizado. É muito comum, em turmas onde há
estudante com necessidade especial, este ser excluído durante as atividades
escolares por não haver flexibilidade das atividades. Ao elaborar as tarefas para os
demais estudantes, o professor precisa elaborá-las também de um modo
diferenciado, pensando nos alunos com dificuldades especiais, de modo que todos
sejam atendidos.
Para atender as diferenças em sala de aula devemos flexibilizar as práticas pedagógicas. Os objetivos e estratégias de metodologias não são inócuos: todos se baseiam em concepções e modelos de aprendizagem. Assim, se não propormos abordagens diferentes ao processo de aprendizagem acabaremos criando desigualdade para muitos alunos. (RODRIGUES, 2006, p.305-306).
A diversidade não pode ser motivo para exclusão, mas é isso que estamos
vendo em primeiro momento, professores despreparados, sem argumentos nem
flexibilidade, sem nem mesmo saber o que fazer ou até mesmo com medo de
encarar o novo público, estão deixando os inclusos excluídos dos conteúdos e
conhecimentos básicos.
As práticas pedagógicas não são fixas devendo ser moldadas de acordo
com as necessidades dos diferentes públicos encontrados nas salas de aula, e de
acordo com cada momento das turmas. Para Sousa,
A flexibilização escolar tem como um de seus objetivos a adequação contínua do currículo às mudanças das tecnologias e às necessidades da sociedade e, portanto à manutenção de currículos atualizados. Esse objetivo pode ser alcançado mantendo uma margem alta de disciplinas optativas no currículo, além das disciplinas de livre escolha. Deve-se definir, então, um conteúdo mínimo exigido para o currículo em disciplinas obrigatórias, e deixar uma boa margem de conhecimentos, atitudes e habilidades para serem exercitados em disciplinas optativas e de livre escolha. (SOUZA, 2000).
Em um mundo competitivo no qual, de certa maneira, a ganância se torna
mais importante do que a alteridade, é normal encontrar escolas com as portas
fechadas para alunos com deficiência. A lei 7853/89, no artigo oitavo, considera
crime punível com multa e prisão, recusar, adiar, suspender, cancelar ou extinguir as
possibilidades de estudante com necessidades especiais se matricular e frequentar
uma escola de ensino regular, regulamentada pelo decreto 3298/99 que dispõe
sobre a Política Nacional para a Interação da Pessoa Portadora de Deficiência e a
consolidação das normas protetivas.
A acessibilidade de pessoas com necessidades especiais (sem ou com
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mobilidade reduzida) foi amparada pela Lei 10098/00, a qual estabelece critérios
básicos para a promoção da acessibilidade regulamentada pelo decreto 5296/04 que
dá prioridade de atendimento a pessoas portadoras de algum tipo de necessidade. A
escola é a porta de entrada para a sociedade, sendo assim, não se pode permitir
que ela negue, a qualquer aluno o direito de aprender, independente das limitações
que o mesmo apresente; na verdade, cabe ao poder público e à escola reduzir
essas limitações ao máximo, promovendo a inserção desses estudantes na
sociedade e sua participação ativa na mesma.
As diferenças entre raça, cor, idade, gênero, capacidade intelectual, classes
sociais, em muitos casos, ainda não são aceitas em nossos dias, não sendo possível
o rompimento com o conservadorismo nas unidades escolares. A burocracia, as
grades curriculares, o formalismo, juntam-se com a falta de condições já descrita e
tornam-se obstáculos que precisam ser vencidos, para que se possa trabalhar com a
inclusão de estudantes com necessidades educacionais especiais em escolas de
ensino regular.
Vive-se em um mundo no qual a questão humana não está sendo
trabalhada, e a escola tende a obedecer criteriosamente a uma grade curricular que,
para atender normas burocráticas, deixa de lado o trabalho com a alteridade. Muitas
escolas ainda acreditam que seu papel é repassar conhecimentos técnicos e
científicos visando sempre o mercado de trabalho. No entanto, é fundamental
perceber que a escola, a sala de aula em si mesma, é o exemplo mais evidente do
conjunto de diferenças que permeiam a realidade. Conforme Meneghetti (2012):
Há tantas histórias de vida na sala de aula que estas histórias não cabem em seus sujeitos. Há mais histórias do que sujeitos, porque há inúmeras interpretações dessas histórias... (...). As pessoas são diferentes. As coisas são diferentes. A realidade também. E a diferença não é, necessariamente, um problema, a não ser que o mundo seja pensado a partir da ótica da generalização. Considerando que todos os comportamentos padronizados, utilizados pela sociedade ao longo da história, não tem contribuído para ajudar a entender as questões dos diferentes, talvez partir da própria circunstância diversa dos diferentes possa ser o caminho (MENEGHETTI, 2012, p.98).
Inferindo-se que o sucesso da organização da educação especial nas
escolas de ensino regular depende da integração de toda comunidade escolar e que
suas atitudes podem refletir nos alunos incluídos, integrados, torna-se imprescindível
orientar tanto os profissionais docentes quanto os demais discentes. Sobre isso Silva
(2009) declara que “Incluir com a finalidade educacional exige atitude e colaboração
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dos colegas em relação aos alunos integrados”.
Logo, a convivência entre os colegas de classe e da escola como um todo é,
certamente, um fator que deve ser considerado no desenvolvimento dos educandos
com necessidades educacionais especiais. Salientando essa reflexão, Costa (2011)
reforça que para uma efetiva implantação do modelo educacional inclusivo e que
promova a integração num sentido mais amplo é preciso antes de tudo, uma
mudança da postura humana. Portanto, o aproveitamento de investimento e
recursos, a implantação de cursos e capacitações, organização curricular e
adaptação do espaço escolar pode não ter o efeito esperado se não houver uma
mudança coletiva de atitude, de todos os integrantes da instituição, e da sociedade
em geral.
SÃO LOURENÇO DO OESTE
São Lourenço do Oeste é uma cidade tranquila, muito boa de viver, situada
no noroeste catarinense. No ano de 2010 tinha um total 21.792 habitantes sendo
que desses, 1.490, ou seja, apenas 7.92% possuía ensino superior completo. Outro
dado importante para nosso estudo é que desse total 6.022 eram crianças e
adolescentes de 4 a 17 anos em idade escolar, 19.10% apresentavam algum tipo de
deficiência, e desses, apenas 1,67% frequentavam a modalidade regular de ensino
(IBGE, censo 2010). Estes são dados oficiais, que apontam para a necessidade de
ações para a elaboração de políticas públicas que garantam o reconhecimento dos
mesmos direitos a todos os cidadãos e a obrigação da esfera pública na
concretização destes direitos.
Conforme dados que constam no Plano Municipal de Educação do
município, a ser votado em vinte (20) de junho do ano de 2015, as escolas da rede
municipal contam com 2.956 matrículas, das quais 68 (2,30%) são de inclusos.
Estes estudantes apresentam sérias necessidades que ainda aguardam por
iniciativas de acessibilidade por parte da prefeitura. A título de exemplo, existe uma
escola localizada no centro da cidade frequentada hoje por 819 estudantes e que
não oferece acessibilidade para o refeitório da escola. Nesta escola há um aluno que
poderia ser “incluso”, mas por apresentar sérias necessidades de locomoção não
pode frequentar a escola por causa de transporte inadequado à sua necessidade e
porque o espaço escolar é sem estrutura física para acolhê-lo.
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O município de São Lourenço do Oeste conta com apenas um veículo
adaptado para o transporte de crianças com limitações, sendo que esse veículo tem
primeiro, a obrigação de atender às demandas da Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (APAE). No restante de seu tempo o motorista pode atender a outros
alunos com necessidades desde que fiquem no trajeto de seu percurso (SÃO
LOURENÇO DO OESTE, 2015). Não existe uma legislação municipal específica que
atenda às especificidades de cada estudante com necessidade especial, embora
exista a Lei Maior que garante estes direitos.
Quando a necessidade é auditiva, visual ou mental torna-se mais fácil seu
transporte para a escola, porém, quando é motora, a cidade e as escolas não estão
adaptadas para atender às necessidades.
As matrículas de estudantes com necessidades especiais vêm crescendo na
modalidade regular de ensino, mas as condições que eles encontram nas escolas
estão aquém de suas necessidades. Os “inclusos” aprendizes são discriminados nas
escolas, não tem acesso aos recursos e nem o apoio de que necessitam para
estudar em condições de igualdade em relação aos demais colegas.
As leis que regularizam a entrada dos estudantes com necessidades
educacionais especiais estão ativas e são aplicadas em todas as escolas, mas é
preciso uma política urgente na readequação das escolas para acolhê-los, e
gradativamente diminuir as diferenças que marginalizam e excluem os necessitados.
Saber utilizar as diferentes formas de linguagens e ferramentas disponíveis será o
grande diferencial para promover uma educação que não se baseie nas
incapacidades físicas, sociais e econômicas dos estudantes. Para Mantoan “as
escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema educacional que
considera a necessidade de todos os alunos, e que é estruturado a partir dessas
necessidades” (MANTOAN, 2003, p. 24).
Quando uma pessoa domina seu lado racional e humano, um leque imenso
de possibilidades se abre tanto no âmbito pessoal quanto profissional. Para a
educação do futuro, que já poderia ser a educação do presente em São Lourenço, o
conhecimento inclui toda formação útil a serviço da humanidade; não se trata
apenas da formação acadêmica, mas de um estudo completo sobre os alunos com
necessidades especiais para que o professor/mediador do conhecimento possa,
considerando as muitas diferenças em sala de aula, expressar de maneira clara e
com propriedade o conteúdo das propostas curriculares e assistir todos os
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estudantes (inclusos ou não) de maneira a não excluí-los.
COMO AGIR DIANTE DO DESPREPARO DOS EDUCADORES?
Políticas públicas apenas, não resolvem. Trabalhar a alteridade é
fundamental, mas é preciso ir além. Sabemos que não se muda uma geração com a
imposição das leis, resoluções e decretos. É preciso mudar a cultura, mas essa
mudança tem sido lenta. Estamos falando da quebra de paradigmas da educação.
As estruturas escolares precisam passar por readequações urgentes, e junto a
essas, os professores mediadores do conhecimento necessitam de capacitação
ampla e contínua para que, no âmbito de seu trabalho educacional de socialização
consigam a flexibilidade entre educandos com necessidades especiais e educandos
que não apresentam estas dificuldades.
No Brasil ser educador é manter-se em luta por melhores condições
constantemente. Um professor que ama o que faz, faz bem feito e está sempre
buscando aperfeiçoamento não para si, mas para os outros, algo complexo que vai
sendo tecido ao longo do tempo e do espaço, conforme Tardif (2008)
Ora, um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimento produzido pelos outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua pratica a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta. (TARDIF, 2008, p. 230).
A prática docente está entre os requisitos essenciais para uma educação de
qualidade e, ao mesmo tempo, o professor media seus conhecimentos a partir de
sua construção pessoal e social compartilhada. Perrenoud define professor
profissional como:
...uma pessoa autônoma dotada de competências especificas e especializadas, que repousam sobre uma base de conhecimentos racionais, reconhecidos, oriundos da ciência, legitimados pela universidade, ou de conhecimentos explicitados, oriundos da pratica. Quando sua origem é uma pratica contextualizada, esses conhecimentos passam a ser autônomos e professados, isto é, explicados oralmente de maneira racional, e o professor é capaz de relatá-los. (PERRENOUD, 2001).
As leis compõem o caminho que dá um dos acessos principais para a
inclusão, e o professor/mediador é a chave principal, que norteia e dá vida à
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educação inclusiva e de qualidade. Sobre isso Claudia Ferreira Dutra (2006, p.26),
em seu livro Educação Inclusiva diz:
“O atendimento educacional especializado garante a inclusão escolar de
alunos com deficiência, na medida em que lhes oferece o aprendizado de conhecimentos, técnicas, utilização de recursos informatizados, enfim tudo que difere dos currículos acadêmicos que ele aprenderá nas salas de aula das escolas comuns. Ele é necessário e mesmo imprescindível, para que sejam ultrapassadas as barreiras que certos conhecimentos, linguagens, recursos representam para que os alunos com deficiência possam aprender nas salas de aulas comuns do ensino regular. Portanto, esse atendimento não é facilitado, mas facilitador, não é adaptado, mas permite ao aluno adaptar - se às exigências do ensino comum, não é substitutivo, mas complementar ao ensino regular”. (DUTRA 2006, p. 26).
Acima de tudo é necessário admitir, que há muito mais a ser pesquisado,
estudado e refletido para prover a ajuda necessária aos professores que tem a
desafiadora missão de conviver e auxiliar alunos com necessidades educacionais
especiais a tornar-se parte integrante e ativa do ensino regular. Aliando-se à busca
por aperfeiçoamento com muita dedicação e esforço, é possível realizar um trabalho
de qualidade que venha a suprir as necessidades básicas de conhecimento destes
estudantes e possibilitar-lhes a efetivação da sua cidadania. Ainda há muito que
fazer e aprender para que a educação inclusiva se torne uma realidade para todos
os que dela necessitam, mas é mobilizando-se, pessoas e sociedade em geral, que
se pode construí-la.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O projeto de educação inclusiva, possibilitando aos indivíduos com
necessidades educacionais especiais o direito de frequentar o ensino regular ainda é
algo relativamente recente, que se encontra em fase de construção e apresenta-se
com muitas restrições e dificuldades para tornar-se realmente efetivo.
Os principais problemas são a falta de estrutura das escolas, o despreparo
dos docentes e das pessoas que compõem a administração e coordenação do
espaço escolar mas, acima de tudo, o preconceito que ainda impera nas relações
que envolvem esses educandos, cujos direitos lhes estão garantidos em lei, sem, no
entanto, ser postas em prática.
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Educação inclusiva é possibilitar a todos, independentemente de suas
limitações, uma educação de qualidade. Portanto, sendo a escola o espaço onde a
educação de modo sistematizado deve ocorrer, tendo o professor como mediador do
conhecimento, investir na formação desses profissionais também deve ser um dever
do Estado e algo primordial aos professores que, conscientes de seu papel como
formadores e transformadores da realidade em que estão inseridos, devem buscar
cada vez mais se aperfeiçoar e se reciclar para ajudar seus estudantes a assimilar e
internalizar o conhecimento para que a aprendizagem se concretize e eles sejam
capazes de fazer a sua própria leitura de mundo.
Promovida em defesa do direito de todos os alunos de estarem junto,
aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação, o movimento
mundial pela educação inclusiva é uma ação política, cultural, social e pedagógica.
Constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos
humanos, conjuga igualdade e diferença como valores inerentes, indissociáveis, e
avança em relação ao conceito de equidade formal ao contextualizar as
circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora do espaço escolar.
Ao reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos sistemas de ensino
evidenciam a necessidade de confrontar as práticas discriminatórias e criar
alternativas para superá-las, a educação inclusiva assume espaço central no debate
acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola na superação da lógica
da exclusão. A partir dos referenciais para a construção de sistemas educacionais
inclusivos, a organização de escolas e classes especiais pode vir a ser repensada,
implicando uma mudança estrutural e cultural da escola para que todos os alunos
tenham suas especificidades atendidas. Isso se torna fundamental para não
somente incluir o aluno com necessidades especiais mas, principalmente para
integrá-lo efetivamente no ambiente de ensino garantindo-lhe as condições para
aprender com qualidade.
Referências
BENITE, A.M.C.; PEREIRA. (2011). Formação do professor e docência em química em rede social: estudos sobre inclusão escolar e o pensar comunicativo. Tese do Programa Multiinstitucional de Doutorado em Química UFG/UFU/UFMS – Goiânia, GO, Brasil.
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