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EDITORIAL 1 O foco não deve ser o crescimento quantitativo, mas, sim, a relevância de cada igreja em sua comunidade a fim de que haja transformação de vidas e da vida, a partir da atuação da igreja local Novos desafios para a igreja de Cristo Todo início de ano é um tempo de reflexão e sonhos. Ao começar mais um ano, olhamos com esperança para o futuro. A sociedade brasileira apresenta uma plêiade de desafios às nossas igrejas. Mu- danças na legislação, no comportamento do brasileiro, na economia e na dinâmica da sociedade trazem desafios e oportunidades para a igreja agir de maneira efeva a fim de apresentar a graça transformadora de Jesus Cristo a toda sociedade deste tempo. Nesse contexto, é preciso que os líderes estejam informados e atentos aos mo- vimentos que diversos atores da sociedade têm realizado, de forma que possam le- var as igrejas à produção de respostas firmes e efevas que defendam a perspecva cristã e que viabilizem o seu crescimento real. O foco não deve ser o crescimento quantavo, mas, sim, a relevância de cada igreja em sua comunidade a fim de que haja transformação de vidas e da vida, a parr da atuação da igreja local. Nesse momento de crise estrutural em nosso país, abrem-se oportunidades es- peciais para a nossa atuação como povo de Deus. Por isso, nesta edição trazemos textos que não somente trazem informação, mas nos levam à reflexão acerca de formas de atuação em nossa pátria. Em tempos de grandes desafios, o papel da liderança assume crucial importân- cia para a definição de passos importantes que viabilizem a longevidade das organi- zações. Desta maneira, a formação de líderes torna-se uma questão estratégica que merece especial atenção. Ainda que existam inúmeras ferramentas de capacitação, o mais importante é a atude dos líderes de hoje que devem encarar a preparação de novas gerações de líderes como um assunto que não pode ser negligenciado. Conscientes de nossa finitude, devemos invesr nossa vida em outras vidas a fim de que um legado seja construído e comparlhado com aqueles que irão dar connui- dade à ação de nossas igrejas. Por isso, damos destaque a este assunto. Trazemos ainda assuntos relacionados ao contexto legal no qual nossas igrejas estão inseridas e como esta realidade afeta a forma de atuação e de gestão de nossas organizações. Em destaque especial, escrevemos sobre o ensino religioso em escolas públicas. Há ainda um texto que nos leva a refler sobre o crescimen- to dos evangélicos em solo brasileiro e a possível crise que estamos enfrentando. Selecionamos alguns textos que consideramos pernentes ao seu dia a dia como pastor e líder. Esperamos que a leitura desta revista contribua para seu ministério e para a vida da sua igreja. Boa leitura! 1

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EDITORIAL

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O foco não deve ser o

crescimento quantitativo,

mas, sim, a relevância de

cada igreja em sua comunidade

a fim de que haja transformação

de vidas e da vida, a partir da

atuação da igreja local

Novos desafios para a igreja de Cristo

Todo início de ano é um tempo de reflexão e sonhos. Ao começar mais um ano, olhamos com esperança para o futuro.

A sociedade brasileira apresenta uma plêiade de desafios às nossas igrejas. Mu-danças na legislação, no comportamento do brasileiro, na economia e na dinâmica da sociedade trazem desafios e oportunidades para a igreja agir de maneira efetiva a fim de apresentar a graça transformadora de Jesus Cristo a toda sociedade deste tempo.

Nesse contexto, é preciso que os líderes estejam informados e atentos aos mo-vimentos que diversos atores da sociedade têm realizado, de forma que possam le-var as igrejas à produção de respostas firmes e efetivas que defendam a perspectiva cristã e que viabilizem o seu crescimento real. O foco não deve ser o crescimento quantitativo, mas, sim, a relevância de cada igreja em sua comunidade a fim de que haja transformação de vidas e da vida, a partir da atuação da igreja local.

Nesse momento de crise estrutural em nosso país, abrem-se oportunidades es-peciais para a nossa atuação como povo de Deus. Por isso, nesta edição trazemos textos que não somente trazem informação, mas nos levam à reflexão acerca de formas de atuação em nossa pátria.

Em tempos de grandes desafios, o papel da liderança assume crucial importân-cia para a definição de passos importantes que viabilizem a longevidade das organi-zações. Desta maneira, a formação de líderes torna-se uma questão estratégica que merece especial atenção. Ainda que existam inúmeras ferramentas de capacitação, o mais importante é a atitude dos líderes de hoje que devem encarar a preparação de novas gerações de líderes como um assunto que não pode ser negligenciado. Conscientes de nossa finitude, devemos investir nossa vida em outras vidas a fim de que um legado seja construído e compartilhado com aqueles que irão dar continui-dade à ação de nossas igrejas. Por isso, damos destaque a este assunto.

Trazemos ainda assuntos relacionados ao contexto legal no qual nossas igrejas estão inseridas e como esta realidade afeta a forma de atuação e de gestão de nossas organizações. Em destaque especial, escrevemos sobre o ensino religioso em escolas públicas. Há ainda um texto que nos leva a refletir sobre o crescimen-to dos evangélicos em solo brasileiro e a possível crise que estamos enfrentando. Selecionamos alguns textos que consideramos pertinentes ao seu dia a dia como pastor e líder.

Esperamos que a leitura desta revista contribua para seu ministério e para a vida da sua igreja.

Boa leitura!

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SUMÁRIO

ISSN 1984-8684

Literatura BatistaAno 43 • Nº 169

Administração Eclesiástica é uma revista preparada especialmente para a liderança da igreja – pastores, diáconos, seminaristas, educadores religiosos e diretoria – visando a um melhor desempenho de seu ministério nas diferentes áreas de atuação

Copyright © Convicção EditoraTodos os direitos reservados

Proibida a reprodução deste texto total ou parcial por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados etc.), a não ser em breves citações, com explícita informação da fonte

Publicado com autorizaçãopor Convicção EditoraCNPJ (MF): 08.714.454/0001-36

EndereçosCaixa Postal, 13333 CEP: 20270-972 – Rio de Janeiro, RJ Telegráfico – BATISTASEletrônico – [email protected]

EditorSócrates Oliveira de Souza

Coordenação EditorialSolange Cardoso de Abreu d’Almeida (RP/16897)

RedaçãoDavidson Pereira de Freitas

Produção EditorialOliverartelucas

Produção e DistribuiçãoConvicção EditoraTel.: (21) 2157-5567Rua José Higino, 416 – Prédio 16Sala 2 – 1º Andar – Tijuca Rio de Janeiro, RJCEP [email protected]

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O desafio da formação de novos líderes

O STF e o ensino religioso nas escolas públicas

O que um juiz pode ensinar a um pastor

Hora de passar o cajado

Administrando as dívidas ou estou endividado... E agora?

Já não cresce tanto

A Palavra de Deus mais próxima do leitor

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Uma das marcas da pós-modernidade é a velocidade. Alguns dizem, inclusive, que os dias parecem mais curtos, e se pensar-mos criticamente diremos que esta é realmente a impressão que temos. Nosso ritmo de vida mudou muito e nesse mundo pós-moderno exige-se rapidez. E é aí que corremos um grande risco: deixar coisas importantes de lado. Nessa correria toda podemos ser absorvidos totalmente pelas rotinas e tarefas do cotidiano e desprezarmos uma das coisas mais importantes que existe para encararmos o futuro: a formação dos líderes.

Rotinas são altamente consumidoras de nossa agenda. As pro-gramações e manutenção de um calendário podem ser transfor-mar em verdadeiros inimigos da formação de líderes e é por isso que precisamos encarar a formação de líderes como algo muito

importante, tanto quanto – ou até mais do que – as atividades que estão diante de nós. Jonh Maxwell declarou que “não podemos nos tornar reféns de uma agenda pesada e negligenciar a impor-tância da formação de uma liderança para o futuro” (MAXWELL. A Legacy We Can All Achieve). Mas, na prática, isso tem acontecido fre-quentemente em nossas igrejas. Uma geração de líderes está en-velhecendo e começamos a notar o que alguns tem chamado de “vácuo de liderança” – a ausência de novos líderes para assumirem os desafios que estão por vir.

Não há nada menos estratégico do que ignorar a formação dos futuros líderes. Ainda que a rotina tenha o poder de tomar todo nosso tempo e energia, não podemos abrir mão e ignorar a importância de investir em formação de líderes. Michael Maher co-

Guilherme de Amorim Ávilla GimenezPastor da Igreja Batista Betel em São Paulo e conferencista nas áreas de liderança e espiritualidade. Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (Rio de Janeiro), com Mestrado em Ciências da Religião pela UMESP (São Bernardo do Campo) e Doutorado em Teologia pelo ITEPAR (Paraná). Site www.prgimenez.net

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O desafio da formação de novos líderes

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menta que investir em liderança é o que existe de mais importante para o futuro da organização, e ele está corretíssimo (MAHER. The Seven Levels of Communication: Go From Relationships to Referrals). O futuro depende dos líderes e ignorar essa realidade é colocar tudo que já foi construído em risco. Jonh Mason comenta que um dos traços da excelência é a formação de líderes. “Líderes com excelência in-vestem na formação da liderança que os substituirá” (Jonh Mason. Derrotando um inimigo chamado mediocridade).

Jesus Cristo começou seu ministério preparando um grupo de 12 homens que, após sua ascensão aos céus, continuariam a obra que ele iniciou. Aqueles homens foram treinados por Jesus tanto na teoria quanto na prática. Receberam ensinos, mas também fize-ram um verdadeiro estágio, como podemos ver em Marcos 6.7-13. Podemos dizer que Jesus fez uso de um programa de trainee, e foi muito bem-sucedido, afinal, o livro de Atos relata como aqueles homens cumpriram a missão que lhes foi dada e também conti-nuaram formando líderes, espalhando as boas novas do reino de Deus por todo o mundo.

Podemos ver a importância da formação de líderes já no An-tigo Testamento. Josué possivelmente é o personagem mais co-nhecido, sendo treinado durante anos por Moisés. Temos também o exemplo de Elias e Eliseu e toda a escola profética, responsável pela transmissão de valores, mas também o treinamento dos futu-ros líderes de Israel (McCONVILLE. Exploring the Old Testament, Volume 4: A Guide to the Prophets). Mas, não poderíamos nos esquecer, voltando ao Novo Testamento, do exemplo de Paulo e Timóteo, um verdadeiro programa de treinamento que deu ao jovem pas-tor condições de liderar a grande comunidade de Éfeso. Em todos esses casos podemos ver a importância da formação de uma lide-rança que atuaria em futuro próximo.

Infelizmente, essa preocupação com a formação de líderes pa-rece ter desaparecido de várias igrejas. Poucos pastores são como Elias, Moisés ou Paulo. E, possivelmente por esse motivo, algumas igrejas têm em sua liderança apenas idosos, ou então jovens ima-turos, que ocupam lugares de liderança sem nunca terem sido treinados. E de quem é a culpa disso? Da igreja? Não! A culpa é da liderança, e pensando mais especificamente em igreja local, a culpa é dos pastores. Eles deveriam ser o grande fomento de novos líderes. Líderes são a principal ferramenta para a formação de novos líderes. Rodolfo Garcia Montosa argumenta que “líderes precisam criar uma cultura de formação de líderes, alimentando constantemente o processo de substituição e acréscimo de novos líderes” (MONTOSA, A boa gestão das comunicações). Se os líderes são os principais responsáveis pela formação dos novos líderes, então precisamos pensar em pelo menos três aspectos indispensáveis nesse processo: conscientização, programa de liderança e opor-tunidade.

Conscientização: precisamos de novos líderes

Líderes devem estar conscientes da necessidade de forma-ção de novos líderes. Precisam ter noção de que o tempo passa e o envelhecimento vai obrigando os atuais líderes não apenas a cogitarem a chegada de novos, mas a buscá-los como priorida-

de nesse processo. E uma coisa é certa: há jovens vocacionados para a liderança. Pelo menos é o que Klênia Fassoni comenta: “de acordo com uma pesquisa feita com jovens presentes no encontro Vocare, boa parte deles está convicta de seu chamado e disposta a segui-lo” (FASSONI, Vocação e juventude). Os atuais líderes precisam enxergar esses líderes em potencial e se dispor a incluí-los em um programa de treinamento.

Tal conscientização não é fácil. Ela esbarra em uma série de fa-tores, sendo talvez o maior deles o temor do líder em perder o seu espaço, o que de certo modo é natural, mas não pode servir como barreira para a formação de novos líderes. Tal medo por vezes leva alguns líderes a morrerem sem deixar uma liderança preparada para assumir o seu lugar. Os motivos para tal temor são muitos. Dan Allen faz uma lista de oito temores comuns ao líder e que po-dem se transformar em verdadeiros obstáculos para a formação de líderes:

• Medo de perder o prestígio ou fama;• Medo de perder o sustento financeiro;• Medo de ser superado em conquistas ou realizações;• Medo de tornar-se irrelevante;• Medo de ser retirado da liderança compulsoriamente;• Medo de ser traído por novos líderes;• Medo de abrir mão de espaços conquistados dentro da estru-

tura;• Medo de se tornar liderado do novo líder (ALLEN. Become a Gre-

at Leader that People will Follow: Lead Effectively, Vocally and Influence).

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Tais temores por vezes são emocionalmente mais fortes do que a conscientização acompanhada do bom senso e da própria observação do tempo. Nunca me esquecerei de um pastor que co-nheci, em minha época de seminário, que vigorosamente bradava do púlpito de sua igreja: “Eu sou o presidente dessa igreja, e até eu morrer, ninguém ocupará o meu lugar.” Essa pequena frase – “até em morrer” – apresenta o temor e ao mesmo tempo a total falta de visão em relação ao futuro. Líderes precisam conscientizar-se de que são passageiros, de que “estão” líderes em determinado lugar durante uma fração no tempo. Se faltar essa visão, os novos líderes nunca aparecerão, ou, caso apareçam, se deslocarão para outra comunidade que lhes dê espaço.

A conscientização da necessidade de formação de novos lí-deres será mais natural se o líder compreender sua finitude e ao mesmo tempo a necessidade de manter os avanços até então conquistados. E quem os manterá serão aqueles que estão por vir, os próximos líderes, a próxima geração, possivelmente jovens que com vocação e potencial precisam ser descobertos. Jack Welch, famoso líder do mundo corporativo, utilizou uma frase muito inte-ressante sobre tal conscientização: “a formação de um novo líder me dá maior prazer do que qualquer outra realização. Eu posso continuar minha carreira no outro, dando a ele os elementos prin-cipais para que ele prossiga e amplie aquilo que eu mesmo con-quistei” (WELCH e WELCH. The Real-Life MBA: Your No-BS Guide to Win-ning the Game, Building a Team, and Growing Your Career). Será que temos semelhante alegria? Quantos líderes podem dizer que se realizam podendo formar outro líder?

Teologicamente falando, a conscientização da formação de uma nova liderança esbarra no amor exigido por Jesus a Pedro em relação ao pastoreio (Jo 21.15-17). Um líder que realmente ama Cristo e encara com seriedade o pastoreio de vidas não pode ne-gligenciar a formação de uma nova liderança, preparada, compro-metida e pronta a continuar esse pastoreio no futuro. Investir em uma nova liderança é uma questão de amor. Amor a Cristo e à igreja. Também é uma questão de visão da continuidade do pas-toreio. Quantas vidas são perdidas quando a transição de liderança é malfeita, ou pior, nem é feita. E tudo isso se deve à falta de cons-cientização dos atuais líderes.

Programa de formação de novos líderes

A conscientização dá lugar a um programa de formação de novos líderes. Estamos aqui falando de uma iniciativa concreta, algo real, e não apenas um desejo vazio de realizar. O discurso so-bre a necessidade de fazer algo nem sempre vem acompanhado por ações concretas. E na formação de líderes isso é uma grande realidade. Há pastores que falam constantemente na necessidade de formar novos líderes, de investir em uma nova liderança, mas o que estão realizando na prática para que isso aconteça? A maneira mais prática de fazer isso é investir em um programa de formação para novos líderes. Tal programa captará líderes potenciais e dará a eles as noções básicas de liderança bem como poderá também incluir estágios, seminários e em alguns casos um programa de mentoria com líderes experientes. O detalhe aqui é a importância de começar tal iniciativa o mais rápido possível pois o tempo passa rápido e um programa de formação exigirá meses ou até anos, dependendo do quanto o líder está disposto a investir na nova liderança.

Como começar um programa assim? Por anos eu mesmo fiz esta pergunta até que resolvi criar um programa para minha igreja local (Igreja Batista Betel – São Paulo, SP). Inspirado no modelo que implantei aqui sugiro algumas ações para a criação de um progra-ma:

a) Encontre um tempo em sua agenda: No meu caso, o primeiro desafio foi encontrar tempo, afinal a agenda pastoral as-sociada a outras atividades não me permitia dispor de muito tem-po para acrescentar mais uma tarefa. Tive que colocar o programa como prioridade e então separei um sábado por mês para isso: 12 encontros de 4 horas durante um ano. Separei essas datas em mi-nha agenda e na agenda da igreja. É importante que tal programa se transforme em uma ação da igreja e não apenas do pastor. A igreja também passará por um processo de conscientização sobre a importância da formação de líderes quando perceber que o pas-tor está investindo seu tempo nisso;

b) Escolha o material a ser utilizado: comecei a pre-parar o material que usaria para formar esses líderes. Tudo que pensei ser útil para a formação de um líder cristão eu incluí, desde material sobre a vida pessoal, caráter, disciplina até as técnicas de liderança. Livros, textos diversos e, no nosso caso, uma apostila, que nortearia os encontros. Hoje há muito material de excelente

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qualidade para a formação de líderes. Mas, o principal, é que você invista naquilo que faz parte de sua visão de liderança. A sensibi-lidade do líder nisso é importantíssima. No nosso caso incluímos, por exemplo, leituras sobre comunhão e respeito mútuo, temas que para minha realidade seriam imprescindíveis;

c) Escolha parceiros para ajudar no programa de formação: Resolvi dividir a tarefa de criar o programa com um líder experiente de minha igreja. Reunimos várias vezes para orar, buscar material, conversar sobre cada encontro. Conheço casos em que o pastor convida mais pessoas para isso. O importante é dividir tarefas para que o programa não seja interrompido porque você teve um imprevisto ou simplesmente não teve tempo para preparar uma palestra ou até mesmo convocar a reunião;

d) Escolha os futuros líderes que serão preparados: essa tarefa não é fácil. Antes de escolher eu passei muito tempo orando e observando. Escolhi um grupo de aproximadamente 30 pessoas. Alguns jovens mais novos e solteiros, alguns jovens já ca-sados e outros de meia idade. Incluí no grupo líderes em potencial e com pouquíssima formação em liderança, mas também alguns líderes já atuantes fora da igreja, mas que nunca tiveram oportuni-dade dentro dela. Orei pelo grupo durante um período longo até ter a convicção de que eles deveriam ser consultados. É importan-te nesse processo de escolha observar se a pessoa tem compro-misso com a igreja local, como é sua família e como se comporta diante de situações de pressão ou diante de uma tarefa que lhe foi confiada. Tentei observar esses detalhes. A lista chegou a diminuir quando percebi, por exemplo, que alguns deles não tinham um bom testemunho familiar. Escolher bem é importantíssimo nesse processo;

e) Convide cada um e apresente o programa de-talhadamente: Tive um contato pessoal com cada pessoa da lista. E, logo em seguida, marquei um encontro com todos quan-do apresentei o programa em linhas gerais. Dei espaço para que perguntassem o que quisessem e ao final marquei um prazo para que cada um respondesse. A resposta seria um comprometimento com os encontros, leituras e tarefas que seriam dadas. O grupo di-minuiu um pouco, mas no final ainda consegui mais de 20 líderes em potencial para começarmos nossos encontros;

f) Planeje os encontros e dê tarefas específicas: cada encontro é antecedido por leituras e tarefas como escrever um texto, preparar uma apresentação, preencher formulários. As convocações sempre são planejadas de modo a gerar o compro-misso com o encontro que está por vir. Isso gera interação. É exa-tamente aqui que se torna importante criar ferramentas para que todos interajam. No nosso caso, criamos um grupo de Whatsapp e um grupo fechado no Facebook. Diariamente envio textos curtos para meditação. Compartilhamos pedidos de oração, frases sobre liderança e isso gera não apenas comunhão como comprometi-mento com o grupo;

g) Os encontros devem ser os mais interativos pos-síveis: Os encontros sempre são interativos, começam com um café comunitário onde batemos papo, rimos e nutrimos comu-nhão. Depois, a discussão do tema principal que acontece em for-

ma de palestra, fórum ou dinâmica de grupo. Incluímos resenhas de livros sobre liderança ou sobre a vida cristã. Temos períodos de oração pela vida pessoal e igreja. Incluímos vídeos, reflexões sobre algum tema cristão e no final os encontros são incentivadores para que todos falem, todos expressem sua opinião e em alguns casos abram o coração e exponham seus temores. Tudo isso da forma mais dinâmica possível;

h) Realimente o grupo substituindo os que não seguiram em frente: Depois do sexto ou sétimo mês per-cebemos que alguns não estavam conseguindo acompanhar os demais. Faltavam muito ou não conseguiam cumprir as tarefas. Cada um foi chamado particularmente e lembrado do seu com-promisso. Alguns desistiram. Outros se consertaram priorizando nossos encontros. Mas, abriram-se novas vagas. E agora o próprio grupo sugeriu nomes, que foram avaliados por mim, alguns acei-tos, outros rejeitados. Ao término do primeiro ano incluímos novas pessoas. E pretendemos fazer isso sempre, realimentando o grupo e não permitindo que ele diminua;

i) Treinamento na prática: Após muitos encontros, co-meça a tarefa de colocar esse grupo para trabalhar. Aos poucos começamos a incluí-los em escalas de ministérios, foram convida-dos a participar de reuniões de diretoria como ouvintes, inseridos no Ministério Diaconal como trainees. Passo tarefas pontuais para ver como eles se saem. Exijo compromisso e isso vai dando a cada um deles um sentido de treinamento. Enquanto escrevo esse ar-tigo estamos exatamente nessa fase. E tem sido uma experiência abençoadora.

Essa tem sido minha experiência pessoal. Está sendo utilizada aqui apenas para destacar a importância de criar um programa, in-cluir líderes potenciais, investir neles com material e metodologia desafiadora e colocá-los para treinar. Ainda não sei quantos desses jovens se tornarão de fato os futuros líderes da igreja, mas estou certo de que estão sendo preparados para assumir em breve. E, não apenas dentro da igreja, mas até fora dela já estão dando pro-vas de que o investimento está sendo válido. Já consigo enxergá-los mais maduros em decisões, mais comprometidos em ações e sobretudo empolgados em servir à igreja de Jesus Cristo por meio de nossa igreja local.

Oportunidades para a nova liderançaBetânia Tanure escreveu que o desenvolvimento de liderança

é algo que faremos a vida inteira. Ela comenta que “o desenvolvi-mento de lideranças tem de ser visto como um processo de longo prazo” (TANURE. Formação de líderes). Nesse processo chega o mo-mento em que começaremos a dar oportunidade para que novos líderes trabalhem, deem suas opiniões e finalmente substituam os atuais líderes. Falhas acontecerão. Correremos riscos. Decepções virão. Mas tudo isso faz parte do universo das oportunidades. O programa de treinamento ajudará muito a minimizar esses ele-mentos, mas não conseguirá extingui-los, afinal, errar faz parte da liderança. Todo líder cometeu erros e os novos líderes não serão exceção. É aqui que entram a mentoria, o acompanhamento de perto e a prestação de contas. As oportunidades são oferecidas

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a quem ainda está em treinamento, e cabe ao líder atual analisar bem a oportunidade que será dada e como ele poderá ajudar os novos líderes a aproveitarem tais oportunidades e se fortalecerem na liderança. Betânia Tanure sobre esse papel da liderança comen-ta: “O processo de treinamento e desenvolvimento de pessoas tem a sua importância validada e maximizada quando consegue dar suporte ao tripé composto por desafios, gestão de riscos e expe-riências difíceis” (TANURE, Formação de líderes). A oportunidade deve vir acompanhada por nossa gestão de riscos e, para formar um bom líder, podemos inclusive acrescentar tarefas difíceis, ofere-cer acompanhamento e sempre pedir a prestação de contas para avaliar como cada líder em potencial tem respondido às tarefas e dinâmicas do trabalho.

Há tempo para todas as coisas, já dizia o sábio em Eclesiastes 3. Já chegou para nossas igrejas o tempo de investir na formação de novos líderes e o início desse processo depende muito dos atuais líderes. Que tal começar a conscientizar-se disso e criar um pro-grama inicial de treinamento? É certo que dará trabalho, mas os resultados serão tão benéficos que ouso dizer que valerá a pena! Para mim tem valido, e como tem!

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Referências

ALLEN, Dan. Become a Great Leader that People will Follow: Lead Effectively, Vocally and Influence. New York: Amazon Digital Services, Inc., 2015.

McCONVILLE, J. Gordon. Exploring the Old Testament, Volume 4: A Guide to the Prophets. Downer Grove: IVP Academic, 2008.

MAHER, Michael J. The Seven Levels of Communication: Go From Rela-tionships to Referrals. Dallas: Benbella Books, 2014.

MAXWELL, Jonh. A Legacy We Can All Achieve. Disponível no site: www.jonhmaxwell.com. Acessado em 21/06/2015.

FASSONI, Klênia. Vocação e Juventude. Revista Ultimato – Julho/Agosto de 2015.

TANURE, Betânia. Formação de Líderes. Rio de Janeiro: Fundação Ge-túlio Vargas, 2007.

WELCH, Jack e WELCH, Suzy. The Real-Life MBA: Your No-BS Guide to Win-ning the Game, Building a Team, and Growing Your Career. New York: Har-perBusiness, 2015.

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Gilberto Garciaé Mestre em Direito, Professor Universitário e Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Autor dos Livros: “O Novo Código Civil e as Igrejas” e “O Direito Nosso de Cada Dia”, Editora Vida e, “Novo Direito Associativo”, e, coautor nas Obras Coletivas: “Questões Controvertidas – Parte Geral do Código Civil”, Editora Método/Grupo GEN, e “Direito e Cristianismo”, Editora Betel, e DVD “Implicações Tributárias das Igrejas”, Editora CPAD. Editor do Site: www.direitonosso.com.br

O STF e o ensino religioso nas escolas públicas

Compartilhamos a exposição feita no Supremo Tribunal Fede-ral na Audiência Pública relativa ao Ensino Religioso nas Escolhas Públicas, realizada no mesmo dia que historicamente a Inglaterra celebrava o aniversário de 800 anos da Magna Carta, em que os Barões Ingleses conseguiram que o Rei João Sem Terra pactuasse um compromisso do Soberano, onde todos os cidadãos do reino, inclusive o rei, estavam abaixo da lei, e mais que ninguém seria condenado sem um julgamento justo, entre outras garantias le-gais, sendo esta Carta de Direitos uma gênese do que denomi-namos de Estado Democrático de Direito, refletido em todas as Constituições das democracias modernas.

Na ocasião, congratulamos o eminente Ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, pela designação desta alvis-sareira Audiência Pública, em BrasíliaDF, visando colher elementos para, na condição de relator desta ADI, contribuir na confecção de

seu voto para deliberação dos demais Ministros do STF, bem como, felicitamos a Procuradoria Geral da República (PGR), na pessoa da Dra. Deborah Duprat, pela impetração desta Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) 4439 em face do Decreto 7.120/2010 do Acordo Brasil-Vaticano, a “Concordata Católica” entre o Governo do Brasil e o Estado da Santa Sé.

Importante ressaltar a sensibilidade dos consócios do Institu-to dos Advogados Brasileiros (IAB), na liderança do presidente, Dr. Técio Lins e Silva, ao perceber a relevância do tema para a Repú-blica Federativa do Brasil, agradecendo a confiança na designação para, singelamente, representar o IAB nesta Audiência Pública na Suprema Corte do País; e, ainda, parabenizamos todas as entida-des convidadas e selecionadas para compartilhamento de suas respectivas cosmovisões acerca do ensino religioso confessional em escolas públicas.

Foto: José Cruz/ Agência Brasil

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É de se destacar que o Brasil é um país laico, ou seja, não tem religião oficial, onde vige o princípio da separação igreja-Estado as-segurado constitucionalmente desde a proclamação da República em 1891, ficando então assentado que não somos um Estado ateu, e nem um Estado confessional, por isso, o povo tem direito legal de expressar sua religiosidade pública e privadamente, contando para tanto com a proteção do Estado, inclusive, respeitando-se os ateus e agnósticos; sendo relevante, lembrar que a estrutura jurídi-ca pátria tem fundamento histórico na cultura judaico-cristã.

Assim, praticamente 120 anos depois de deixar a condição de Estado confessional, a República Federativa do Brasil, por meio do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pactua com o Papa Joseph Ratzinger, Chefe de Estado da Santa Sé, um acordo diplomático, chamado por estudiosos de Concordata católica, reconhecendo o Estatuto jurídico da igreja católica no Brasil, o qual, modestamente entendemos, foi equivocadamente aprovado pelo Congresso Na-cional, transformando-se no Decreto 7.120/2010.

Registre-se que existem diversas inconstitucionalidades neste Acordo Diplomático Brasil-Santa Sé, além da questão do ensino religioso confessional em Escolas Públicas, às quais, entre outras, destacamos, principalmente, a violação do princípio da isonomia, que pressupõe tratamento igualitário para todos os grupos reli-giosos num Estado laico, eis que o referido Decreto 7.120/2010 só abrange os integrantes da denominação da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, desconsiderando todos os demais vertentes religiosas existentes no país, e como nenhuma destas denominações de crença possui ou pode possuir a condição le-gal de Estado, pelo que não pode pactuar tratados com o Estado brasileiro.

Enfatizamos, também, destacadamente, o tratamento traba-lhista que visa blindar as relações de trabalho entre a igreja cató-lica, suas organizações religiosas com os religiosos que prestam serviços, impedindo que estas sejam submetidas ao crivo do Ju-diciário Trabalhista; e, ainda, o Tratamento Tributário diferenciado no que tange à facilitação na obtenção dos benefícios fiscais para as entidades sociais católicas ligadas à igreja, enquanto todas as outras organizações sociais necessitam cumprir todos os pré-re-quisitos legais para obtenção do título de filantropia, que concede isenções tributárias.

Aguarda a sociedade civil organizada com grande expectativa que a PGR impetre outras ADIs relativas a estas outras contunden-tes inconstitucionalidades nas quais está alicerçado o Acordo Bra-sil-Santa Sé, para que este excelso Supremo Tribunal Federal possa manter incólume o arcabouço constitucional pátrio que inadmite o favorecimento de qualquer grupo religioso, independentemente de seu histórico, quantidade de fiéis, influência na sociedade etc.

Com relação ao ensino religioso a Constituição Federal da Re-pública Federativa do Brasil estabelece o ensino religioso faculta-tivo – “Art. 210, §1º– O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”, ou seja, o texto constitucional é explicito, dispondo que o ensino deve ser facultativo, opcional, e não obri-gatório e, sem qualquer privilégio para determinados grupos reli-giosos majoritários em detrimentos das denominações religiosas minoritárias.

A Lei de Diretrizes e Bases, LDB, Lei 9.394/96, no “Art. 33 diz: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários nor-mais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quais-quer formas de proselitismo”; diferente do que existe atualmente no Brasil, em que a maioria dos estados inseriu a disciplina, que deve ser voluntária e, em alguns casos, instituiu a presença de líde-res religiosos em sala de aula lecionando uma doutrina de crença específica a seu grupo de fé, o que é manifestamente inconstitu-cional.

O Decreto 7.177/10, Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 – dispõe: “Promoção do ensino sobre a história e diver-sidade das religiões em escolas públicas”, explicitando a necessi-dade sobre o ensino religioso e a diversidade de crenças, por isso, também inconstitucional que sejam representantes de matizes específicas avalizados por denominações religiosas que ministrem a disciplina, e sim, professores concursados integrantes do quadro da rede pública, que poderão ser até alguns destes ministros de confissões religiosas, após submeterem-se ao concurso público, que ministrem numa proposição não-confessional, direcionadas para respeitar inclusive os ateus e agnósticos.

Estes Diplomas Legais harmonizam o princípio constitucional da separação igreja-Estado, estabelecido no art. 19, inciso: I, da Carta Política de 1988, mantendo a perspectiva da laicidade estatal que deve ser assegurada pelo Estado brasileiro, em todas as suas esferas: Executivo, Legislativo e Judiciário e seus níveis: Federal, Es-tadual e Municipal; ao mesmo tempo que assegura e protege o exercício da fé pelo cidadão brasileiro, por isso, o povo é religioso, mas o Estado necessita, por isonomia, ser laico.

Anote-se, o ensino religioso que é disponibilizado nas esco-las públicas não só deve ser facultativo como, também, é veda-do qualquer tipo de proselitismo, consequentemente sendo, por inferência lógica, que ele não pode estar vinculado a uma deno-minação religiosa, exatamente para impedir este proselitismo coi-bido legalmente, numa proposição que os alunos tenham acesso à importância sociológica das religiões, sua rica história, influência na vida das pessoas, a necessidade do respeito à diversidade re-ligiosa, especialmente de grupos minoritários, bem como, ateus, agnósticos etc.

A Concordata Católica: Acordo Brasil – Santa Sé estabeleceu inconstitucionalmente no “Artigo 11º: A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diver-sidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1º – O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformi-dade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”.

Desta forma, é altamente pertinente a ADI 4439 impetrada em 2010 pela Procuradora Geral da República junto ao Supremo Tribu-nal Federal à luz de suas intrínsecas razões, quando busca a inter-pretação conforme a Constituição numa proposição de que: “(...)

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o ensino religioso disponibilizado em escolas públicas seja não-confessional, bem como não seja ministrado por representantes de religiões especificas (...)”, ou, alternativamente, a declaração de inconstitucionalidade da expressão: “(...) católicos e de outras con-fissões religiosas (...)”, do artigo 11, §1º do Decreto 7.107/2010.

O grande desafio neste tempo é a compatibilização do direito fundamental à liberdade religiosa assegurada constitucionalmen-te ao cidadão brasileiro, como inserido no artigo 5º, incisos VI, VII e VIII, da Carta Magna Nacional, ao princípio da separação igre-ja-Estado, que fundamenta o Estado laico, como inserido art. 19, inciso I, da CF/88, violado pelo Acordo Brasil Santa – Sé, Decreto 7.120/2010, no caso em tela ao ensino religioso, que deve ser isonô-mico, consequentemente, não pode ser confessional, para que se possa assegurar o respeito igualitário a todas vertentes de crença, sejam: budistas, católicos, cultos de matriz africana, evangélicos, espíritas, judeus, muçulmanos, orientais etc., inclusive em respeito a ateus e agnósticos.

Vivemos em um país que tem sido exemplo para o mundo no que tange à convivência de pessoas de crenças diferentes, que tem matrizes de fé diversificadas, seja na família, seja nas escolas, seja no trabalho etc. Por isso, necessitamos exercer uma constante vigilância para que possamos garantir que o edifício jurídico pátrio continue garantindo o amplo exercício da liberdade religiosa no Brasil, seja para crer, seja para trocar de crença, seja para descrer. Este é um direito fundamental do cidadão brasileiro, assegurado pela constituição e demais leis nacionais.

Esta liberdade religiosa, muitas vezes, é inacreditavelmente cerceada, como no caso do Rio de Janeiro que proibiu judicial-mente a pregação religiosa nos trens da CBU, em função de uma Ação Civil movida pelo Ministério Público Estadual, acatada pelo Judiciário Fluminense, sob a insólita alegação de que as pregações estavam violando o direito de liberdade de crença dos demais pas-sageiros; e, numa entrevista para o Repórter do SBT, destaquei que como botafoguense também ao viajar nos trens escuto hinos de

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outros times, e nem por isso entendo que minha dignidade esteja sendo aviltada, ou quando são entoados sambas, e olha que gosto de bons sambas, não entendo que estejam impedindo meu des-canso ou silêncio e, por isso, é incabível, numa convivência social harmônica, pretender que os torcedores de outros times ou sam-bistas sejam proibidos de manifestar sua alegria.

Citamos alguns exemplos de escolas confessionais bem suce-didas, que têm contribuído efetivamente com qualidade de ensino para os estudantes, os quais são cientes, bem como seus pais, de que nestes estabelecimentos privados existe um direcionamento espiritual e, por isso, de ordem particular, utilizam sua visão reli-giosa como instrumento pedagógico: 1) São João de Meriti, RJ, minha cidade – Colégio Santa Maria; 2) São Paulo, SP – Faculdade de Teologia da Umbanda; 3) São Luís, MA – Colégio Batista Daniel La Touche.

Desta forma, como, inclusive deliberado pelo IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, sustentamos que o ensino religioso nas escolhas públicas, estabelecido constitucionalmente, não pode ser confessional, ligado a uma crença específica, como estabelecido no Decreto 7.120/2010, pois, como exposto, é inconstitucional, portanto, deve ser julgada procedente a ADI da PGR, para que se digne a Suprema Corte do Brasil, no voto condutor do Eminente Ministro Luís Roberto Barroso, inclusive com a contribuição colhida nesta Audiência Pública, para tanto, sendo concedida a pleiteada:

“interpretação conforme a constituição”, ou, alternativamente, sen-do decretada inconstitucional a expressão: “católicas e de outras confissões”; reafirmando o fundamento constitucional do Estado laico no Brasil, por ser direito e justiça.

Ilustre Ministro Luís Roberto Barroso, no século XVI, Voltaire propagava a tolerância. Nesta quadra do século XXI é vital ter res-peito à diversidade de crença do cidadão brasileiro.

Concluindo, compartilho a fábula do “Mágico de Oz”, em que Dorothy procurava um Caminho, o Espantalho, um Cérebro, o Homem de Lata, um Coração, e o Leão, Coragem; pelo que, rogo aos céus, que iluminem os Ministros do Supremo Tribunal Fede-ral no julgamento desta ADI 4439 para a descoberta do melhor Caminho, para o exame do processo com Cérebro numa visão de inteligência holística, para a sensibilidade na utilização do Coração para perceber as efetivas consequências do resultado desta Ação Declaratória de Inconstitucionalidade movida pela Procuradoria Geral da República para as expressões religiosas do país e, sobre-tudo, rogo a Deus, pedindo vênia, máxima vênia, que conceda a vossa excelência a inspiração para coragem na elaboração do voto condutor que restabeleça o princípio constitucional da separação igreja-Estado na República Federativa do Brasil, que fundamenta o Estado laico em nosso país. O Brasil agradece. Obrigado pelo Con-vite ao IAB.

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William DouglasÉ juiz federal (RJ), professor universitário e escritor, autor do livro As 25 Leis Bíblicas do Sucesso, Ed. Sextante.

O que um juiz pode ensinar a um pastorWilliam Douglas e Fabrini Viguier

Juízes são vistos pela sociedade como detentores de grande poder e autoridade e, de fato, detêm em suas mãos grande par-cela do poder estatal e de influência na vida das pessoas. Além de lidar constantemente com o exercício do poder, com leis e sua aplicação e liderando equipes (as varas e seus cartórios). Os pastores, de igual modo. Portanto, vamos tratar daquilo que um pastor pode extrair de lições para o seu ministério a partir da observação dos desafios, erros e acertos comuns na carreira da magistratura.

Pastores e juízes, enquanto desempenham com primor suas vocações, exercem um papel social de grande importância. Pelo protagonismo que suas posições proporcionam, acabam dando direcionamento à vida daqueles que se encontram sob suas res-ponsabilidades. Os primeiros, por escolha de quem os têm nessa condição, de pastoreio; os segundos, por força de lei, decidindo processos judiciais e administrando o Poder Judiciário. Contudo, mesmo atuando em searas diferentes, ambos devem servir ao público visando sempre ao bem-estar coletivo, sem desconside-rar a importância de cada indivíduo. Tanto pastores quanto juízes

devem respeitar a dignidade da pessoa humana e de seus respec-tivos ofícios. Ao fazer bem o seu trabalho, estarão respeitando e realçando também sua própria dignidade.

Os juízes e pastores trabalham sob o domínio das leis a que se submetem, procurando sempre honrá-las nas mais distintas esferas da vida humana. Pastores e juízes se submetem aos seus respectivos cânones, sejam estes de origem humana ou divina. Leis humanas que sejam atemporais e universalmente justas sem-pre refletirão o caráter daquele de quem emanam as leis divinas. Quando pastores se submetem às legítimas leis dos homens, de-monstram o quanto honram a Deus. E juízes, quando pautam suas vidas e decisões pelas leis justas dos homens, demonstram o tipo de caráter idealizado pelo Criador.

Levar as soluções do pastor para o juiz funcionará sempre que o magistrado também acreditar na intervenção divina e na missão que todos os cristãos têm no mundo, em especial em suas ativida-des profissionais. O caminho inverso funcionará se o pastor atentar que, em paralelo a tudo o que um juiz – profissional secular – apli-ca, ele, pastor, tem ainda ao seu dispor o arsenal espiritual.

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Fabrini Viguier É pastor da Igreja Plena de Icaraí, Niterói (RJ), palestrante, diretor do Centro de Treinamento para Plantadores de Igreja (CTPI) e autor do livro Ser Homem, Ed. Thomas Nelson Brasil.

Ambas as atividades têm uma dimensão humana e os pasto-res lidam mais proximamente com a dimensão espiritual. Por isso, queremos trazer para os pastores aquilo que a experiência de um juiz pode contribuir na gestão cotidiana dos desafios pastorais. Ao analisar o milenar ofício da magistratura podemos extrair lições para auxiliar o labor pastoral naquilo que ele tem de identidade com o trabalho secular.

Erros que os juízes cometemTodos sabem o quão difícil é o processo seletivo para alguém

se tornar um juiz. Os candidatos à magistratura se dedicam a um pesado processo de cursos, estudos e provas tendo em vista sua aprovação. O Brasil precisa urgentemente de pastores que atraves-sem um processo seletivo muito mais rigoroso, exigente. E se esse processo é, por quaisquer razões, menos rigoroso, a liderança das denominações e grupos religiosos deve zelar para que a qualifi-cação seja uma exigência constante. Isso, claro, além do próprio pastor (e juiz) cuidar de sua bagagem técnica e doutrinária.

“Juizite”. É o nome que, de forma jocosa, os operadores jurídicos dão ao comportamento de alguns juízes: arrogância, vaidade, autonomia exagerada e, às vezes, até arbitrariedade, demonstrando sérias dificuldades para ouvir e respeitar outras pessoas. Este é o primeiro erro que os juízes podem apresentar. Para entender essa triste patologia, recorde-se da pior visão estereotipada que se tem de alguns juízes: distantes, arrogantes, donos da verdade, prepotentes. Alguns são assim. Do alto de sua posição de autoridade, do seu magnífico castelo, conquistado com esforço e inteligência, ditam ordens de modo arbitrário ou até tirânico, ouvem pouco, se escondem atrás da autoridade, especializam-se em indicar culpados para suas falhas.

Então, fica a pergunta: existe esse tipo de inflamação de ego entre os pastores? Nas escolas de magistratura, e nas conversas mais íntimas, os juízes mais antigos costumam alertar os nova-tos sobre os riscos desse comportamento. Juízes com essa marca são detestados por todos, desde os funcionários até advogados e Ministério Público, passando pelas partes que dão o azar de ter que passar pelas suas mãos. Não são bons líderes, não motivam, possuem muito mais dificuldades de conduzir suas equipes e, cla-ro, não encontrarão alguém para os proteger e auxiliar nas horas mais difíceis. Ao contrário, quando existe respeito e admiração, os serventuários ajudam a proteger o juiz. E, acreditem, seja no Judi-ciário, seja no mercado, é melhor estar cercado de aliados do que de inimigos, ainda mais os secretos.

Da mesma maneira que juízes estão sujeitos às tais “doenças” profissionais, pastores também precisam prestar muita atenção aos seus corações enquanto trabalham. Não são raros os casos

na história da igreja em que líderes religiosos tentam se alojar no trono do próprio Deus. Essas pessoas se apropriam indevida-mente da glória divina e abusam da autoridade que lhes é ou-torgada pelos céus. Nesse processo desvirtuado, esses pastores se distanciam do rebanho numa atitude de soberba espiritual e desenvolvem um melindre que os torna incriticáveis, pessoas au-tocanonizadas.

Sempre que questionados, tais pastores fogem para o argu-mento de autoridade: estão falando em nome de Deus, são seus “ungidos”. Pior é que há muitas pessoas que, por falta de educa-ção básica e espiritual, são muito suscetíveis a tais argumentos. Pastores que usam sua autoridade para serem autoritários aca-bam seguidos por um séquito de discípulos bajuladores, e não por bons e sinceros amigos. A fragilidade de um ministério assim se torna evidente em momentos de crise, quando esse líder se vê acuado e desencorajado. Desprovido de uma equipe forte acaba ro-deado por adultos infantilizados, de pouco préstimo. Pois nas horas mais amedrontadoras, o líder precisa ouvir conselhos, não elogios.

Quanto maior o nível hierárquico de um pastor dentro da sua organização, maior é o risco de cair nesse erro. Sempre existem pessoas que não questionam, outras que de fato acreditam que o pastor está absolutamente certo sempre, outras ainda não estão dispostas a arriscar seus cargos e prestígio questionando o líder. Então, pode ser que os melhores assessores comecem a se afastar e o líder tenha ao seu redor apenas os mais fracos ou mais inte-resseiros.

Encastelamento. A “juizite” produz uma forma de encas-telamento do magistrado mas, mesmo juízes sem esta anomalia podem apresentar uma certa dificuldade de confraternização e compartilhamento de impressões. O isolamento do cargo é co-mum. Porém, há juízes e pastores que vão se tornando cada vez mais distantes, adotando comportamento de CEOs de grandes corporações ou de estrelas de Hollywood.

Sabe-se que para um pastor é mais comum falar do que ouvir. Pela natureza de seu ofício, o ministro é procurado para dar con-selhos, fazer orações, emitir sua opinião sobre assuntos polêmicos. Tudo isto, além de suas atuações como professor e pregador, onde já assume naturalmente uma posição de proeminência. Sem que perceba, ele pode vir a acreditar que não precisa ouvir conselhos, ser instruído, aprender com a sabedoria de quem está por per-to. Pode ser que não tenha a quem prestar contas ou reverência, correndo o risco de ficar sem qualquer tipo de disciplina ou sem pessoas que possam ajudá-lo a criar balizas e limites. Afinal, todo poder ilimitado é, nas mãos de seres humanos (por melhor que sejam), algo muito perigoso.

Uma das mais graves consequências desse comportamento é a perda do espírito de aluno, uma atitude altamente recomendá-

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vel. Para manter-se longe do perigo do encastelamento e da ar-rogância que esse mal pode causar, o pastor pode, por exemplo, se dedicar ao ministério de ensino em sua igreja. Sendo professor, ele se manterá sempre aluno. Isso, porque os alunos costumam fa-zer perguntas sobre aspectos doutrinários, históricos e linguísticos que o pastor, por si mesmo, jamais consideraria. Como resultado, ele precisará fazer pesquisas, voltar aos livros, reler as Escrituras, ou seja, sentar-se outra vez na cadeira do aluno.

Há pastores que se encastelam por vaidade; outros costumam se encastelar por insegurança. Temem a vulnerabilidade de ter de assumir que não sabem o que fazer em determinadas ocasiões, ou de dizer “não sei como responder a isso”. Acreditam equivo-cadamente que perderão sua autoridade se confessarem desco-nhecer algum assunto, como se ter essa sabedoria completa fosse algo razoável de se esperar. E como defesa, colocam-se no alto da torre.

Perda de foco e sentido. Existem juízes que usam sua inteligência e conhecimento para dizer “não” para as partes, até porque dizer “não” é sempre mais fácil. Enfrentam a montanha de processos extinguindo-os por motivos banais, deixando de prestar verdadeira jurisdição. Outros tomam suas decisões não baseados no melhor Direito, mas sempre mirando promoções e bons rela-cionamentos.

São juízes que não estão pensando na sua missão de fazer jus-tiça, menos ainda nas implicações éticas e morais desses compor-tamentos. Preguiçosos, carreiristas, parciais, é como nominamos tais colegas. Repare que é uma forma de corrupção não pelo di-nheiro, mas pela comodidade ou prestígio. E, nos perdoem, mas já

vimos inúmeros pastores que estão interessados apenas em bônus imediatos, em participações, em resultados e convites para ir para uma igreja ou missão maior, com um pacote de benefícios mais atraente. Deixam de enfrentar pecados ou problemas para não se “queimarem” com a membresia da igreja ou a alta direção da de-nominação.

Quando se fala em pastores, é fácil sentir a alegria, o entusias-mo e o frescor de uma pessoa disposta a servir o Mestre assim que inicia seu ministério. Porém, em alguns casos, nota-se que algumas dessas pessoas, ao longo da jornada, vão sendo modificadas para pior. Seus ministérios se tornam um meio para servirem a si mes-mos e Jesus Cristo passa a funcionar com um tipo de avalista, cuja função é dar um brilho a mais aos seus empreendimentos.

Um pastor pode servir a Cristo em diversas circunstâncias como, por exemplo, liderando uma igreja, ensinando num se-minário, cuidando de instituições de caridade, escrevendo livros e artigos, entre outros. Inadmissível é permitir que essas funções sejam fins em si mesmas. Quando um pastor faz de seu ministério o objetivo maior de sua vida ele deixa de servir a Cristo para traba-lhar para ele próprio. Ele pode fazer a coisa certa, mas pelo motivo errado. Pode, por exemplo, cuidar dos pobres, tentando sempre capitalizar sua própria reputação. Assim, pastores desatentos vão perdendo o foco, Jesus Cristo, e o senso de missão, que é glorificar o nome do Senhor.

Medo. Uma das principais tarefas de um líder é tomar deci-sões, e isso nada mais é do que fazer escolhas. Escolhas represen-tam rejeições e isso tem desdobramentos. Todos concordam que um pastor que tem medo de tomar decisões serve para pouca coi-

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sa. Pior, pode ser um pastor que vai aos poucos se tornando hábil em fugir de problemas, ou de qualquer coisa que possa atrapalhar sua posição e prestígio. Então, ao chegar nesse nível, ele não serve mais aos interesses do evangelho, mas apenas a si próprio. Servir a Deus envolve, não poucas vezes, desagradar a muitos.

Quando se lê o Evangelho encontra-se um Cristo decidido, que fez escolhas difíceis em seu ministério, sendo a crucificação a mais desafiadora de todas. Um líder irá experimentar com grande regularidade a pressão de ter de dar a última palavra em muitos as-suntos. Ele não poderá terceirizar suas decisões sem que perca sua autoridade e a admiração de seus liderados. Pode ouvir conselhos, recolher opiniões do grupo, mas em algum momento o líder preci-sa tomar decisões. E toda decisão envolve riscos. Liderar é conviver com o medo, mas não permitir que se ceda a ele.

O tipo de pastor que teme tomar decisões, deve estar ciente de que, em algum momento, ficará claro para todos à sua volta que sua autoproclamada prudência nada mais é que pura covar-dia.

Nepotismo. Autoridades, de um modo geral, têm o risco de praticar nepotismo, ou seja, de nomear parentes para cargos co-missionados. O risco é tão grave que a lei vem criando proibições contra essa prática. Afinal, os cargos em comissão não pertencem à autoridade que está no poder, mas ao Estado. Igualmente, há pastores que tendem a querer que seus filhos os sucedam.

O problema é o mesmo: a igreja não é do pastor, mas de Cristo. O pastor, para chegar até onde chegou, trilhou uma longa estrada de evolução. Ao colocar um filho em seu lugar, sem que este tenha a mesma experiência, não só colocam seu eleito em posição pe-rigosa como põe em risco a perpetuação e crescimento da igreja. Nem sempre os filhos possuem as mesmas habilidades que os pais e, se as têm, deveriam prová-la de forma isenta. Nesse passo, não são poucas as empresas privadas e até familiares que cuidam para evitar essa prática, pelos riscos que ela traz para a organização. Se quem cuida de uma empresa comercial tem essa cautela, não se-ria demais esperar algo semelhante de quem cuida das coisas do reino.

Virtudes e deveres dos juízes e pastores

Juízes desenvolvem um apurado discernimento ao longo da carreira. Imersos numa rotina de mediação e julgamento de confli-tos, precisam sempre encontrar soluções corretas e justas. No caso dos pastores, por muitas vezes postos como árbitros de disputas entre pessoas afetivamente próximas a ele, seria interessante po-der valer-se do recurso dos magistrados quando se declararam impedidos ou suspeitos em alguns processos. Pois é dever do juiz declarar-se impedido ou suspeito, podendo alegar motivos de foro íntimo sempre que entender que sua imparcialidade possa ser pre-judicada.

O Código de Processo Civil diz que o magistrado está proibido de exercer suas funções em processos de que for parte ou neles tenha atuado como advogado. O juiz será considerado suspeito por sua parcialidade quando for amigo íntimo ou inimigo capital

de qualquer das partes, receber presente antes ou depois de inicia-do o processo, aconselhar alguma das partes sobre a causa, entre outros.

Para um pastor envolvido com o rebanho declarar-se impedi-do ou suspeito em situações de conflito entre pessoas da comuni-dade é quase impossível. Tal atitude poderia ser considerada como uma grave omissão. O líder precisa manter a igreja em ordem (Tt 1.5), julgando as pendengas existentes com equidade e imparciali-dade. Contudo, o discernimento do pastor pode ficar comprome-tido por questões interferentes como: laços de família, dinheiro, política religiosa, amizade, entre outros.

Nesse cenário uma das partes pode não ser ouvida com a de-vida atenção e objetividade e, ainda, ver seu direito à defesa dimi-nuído. Dessa forma, alguém pode acabar sendo vitimado por uma disciplina injusta, ou ver sua demanda tratada sem a necessária gravidade.

Pastores sábios têm procurado se livrar dos danos causados pela parcialidade, ou pelo menos diminuir sua interferência, assu-mindo previamente em suas mentes e corações que não ficarão ao lado de “A” ou de “B” num conflito. Mas, sim, ao lado da verdade. Essa é uma decisão que exige muita coragem do pastor, sobretu-do quando o conflito envolve pessoas de seu convívio.

Pastores podem aprender muito com livros, cursos e seus pró-prios erros. Das dores que sofrem por causa de seus desacertos precisam assimilar uma sagrada lição: Diante de momentos críticos não devem agir por reflexo, mas por reflexão. Ter pressa em ocasiões de importância crítica é tão perigoso quanto uma criança que corre com uma faca na mão.

Anos atrás, a esposa de um candidato ao ministério procurou o articulista e pastor Fabrini Viguier reclamando do comportamento de seu marido, dizendo que gostaria que ele “fosse como o se-nhor, pastor”. Isso massageia o ego, mas também tem um grande potencial maléfico para a alma, inflando a vaidade de quem ouve algo assim e não se policia. Ele lembra-se de ter dito a ela que o marido (e ela) não devia fitar os olhos no pastor mas sim se concentrar no que Paulo havia escrito em sua carta a Timóteo a respeito do caráter de quem deseja se tornar pastor (1Tm 3.1-7).

Nesse trecho da epístola, estão elencadas as qualidades que os aspirantes ao pastorado devem apresentar antes de se torna-rem ministros. Um grave erro vem sendo cometido por algu-mas igrejas brasileiras, que vão dando empoderamento pastoral aos seus candidatos, permitindo-lhes comprovar as necessárias virtudes morais, depois de ordenados. As consequências des-se sério erro têm sido vistas nos quatro pontos cardeais de nosso querido país.

A essa altura, precisamos deixar muito claro a diferença que há entre moralidade e moralismo. Moralidade é a conduta, o compor-tamento sobre o qual uma pessoa estrutura seu caráter. Agindo assim, dentro da moralidade, o indivíduo demonstra um caráter semelhante ao de Deus, e ainda o glorifica. Para este, a moral é apenas um meio. A pessoa moralista, porém, elege a moral como seu valor supremo, acima do próprio Deus. Ela usa a moral como princípio, meio e fim de todas as coisas. A pessoa que o moralista gosta de glorificar é ela mesma.

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Juízes e pastores precisam saberHá muitos cuidados que não são, em geral, aprendidos nas

escolas teológicas ou nos cursos de Direito, nas escolas de magis-tratura, mas, sim, por meio da vivência profissional e, por vezes, de forma dolorosa.

Ressentimentos, inveja e adulaçãoFabrini Viguier relata que, no início da vocação pastoral,

quando tudo era muito difícil, contava com a simpatia integral de seus parceiros de ministério. Havia uma solidariedade e um forte sentimento de compaixão pelo pastor iniciante. Havia um espaço muito confortável e bom para ele poder desabafar com seus colegas mais antigos, que sempre o apoiavam com genuíno amor.

Porém, conforme Deus seguia honrando o ministério (por sua pura e inexplicável graça), alguns colegas não mais o felicitavam com a mesma intensidade com que o confortavam no passado. Mais alguns anos e um pouco mais de progresso foram suficientes para que alguns desses antigos parceiros começassem a criticar.

A inveja tem o poder de corroer laços fortes, de fragilizar gran-des amizades. E mesmo que não queiramos aceitar, quanto mais a pessoa progride, mais inveja tende a despertar. Afinal, ninguém sente inveja de quem está numa situação pior que a sua própria.

A melhor forma de um juiz se proteger da inveja é manter a vida ilibada e evitar ostentação. Outros dois antídotos para evitar ou diminuir a inveja são a humildade e a capacidade de elogiar e respeitar os demais colegas. Isso funciona na magistratura, e pode funcionar no ministério pastoral.

“Assombração sabe para quem aparece”Vez ou outra o juiz é chamado para mediar alguma situação

de tensão entre advogados ou entre estes e serventuários. Porém, quando chega no local aqueles contendores, antes agitados e exaltados, tendem a se acalmar e a não repetir o comportamento inadequado que fez o magistrado ser chamado em primeiro lugar. Do mesmo modo, não é muito raro, pastores tomarem conheci-mento de que, tão logo tenham saído de um determinado evento da igreja, algumas pessoas mudaram seus modos. Se comporta-ram de forma inapropriada. Isso tende a deixar os pastores inco-modados, pois não gostam de ver seus irmãos adultos agindo de maneira tão imatura, necessitando de um “inspetor”.

Também causava perplexidade em muitos líderes o fato de terem visto algumas pessoas de espírito crítico fazendo ácidas reclamações concernentes a eles, enquanto as mesmas os trata-vam com docilidade e simpatia. Em suma, na presença do líder, há simpatia e aos primeiros sinais de sua ausência, críticas ácidas. Esse tipo de falsidade é muito desagradável e difícil de lidar. O bom amigo, ou liderado – seja no serviço público ou na igreja – é aque-le que nos critica em particular e nos elogia em público. Porém, não são poucos aqueles que adotam comportamento diametral-mente oposto.

É fato que a presença dos juízes e pastores inibe uma série de atitudes impróprias. Isso é bom e ruim. Bom, porque demonstra que o líder tem respeitabilidade. Ruim, porque pode levar o líder à falsa impressão de que está tudo bem.

Para que a organização, laica ou religiosa, tenha um ambiente seguro e pacificado é fundamental que os líderes se cerquem de

pessoas da melhor qualidade moral e emocional que for possível. Ele deve lembrar que não é onipresente e que por isso precisa de pessoas que o ajudem no exercício da liderança. Essas pessoas, es-colhidas criteriosamente, precisam de alguma medida de empo-deramento para que, em caso de necessidade, possam cuidar dos problemas gerados por aqueles que não prezam pelos mesmos valores. No caso dos juízes, precisam ser pessoas que honrem o exercício do cargo público; no caso dos pastores, irmãos tementes a Deus e que zelem pela unidade do corpo de Cristo.

A curva de LafferNas disciplinas de Direito Financeiro e Tributário, aprende-se

sobre a “curva de Laffer”, gráfico que demonstra que para aumen-tar a receita tributária basta simplesmente ir aumentando as alí-quotas ou quantidade de tributos. A arrecadação só é progressiva até um determinado nível. Quando há abuso, quando há excesso de tributação, a receita começa a se mostrar regressiva, seja por sonegação, seja por redução das atividades econômicas que com-põem a base de arrecadação. No livro As 25 leis bíblicas do su-cesso, um estudo laico sobre a sabedoria milenar da Bíblia, foi sus-tentado que a “curva de Laffer” tem aplicação em todas as áreas. Quando alguém começa a abusar dos sócios, parceiros, clientes, fornecedores, patrões ou empregados, o “ganho” obtido subirá até determinado ponto e depois começará a decair. E descerá a ní-veis inferiores aos que ocorreriam se esse alguém agisse de forma correta e leal. A forma da perda pode ser a ruptura dos negócios, a diminuição das encomendas, a falta de companheirismo ou de motivação.

Essa talvez seja a velha fórmula que anuncia que “o negócio é bom quando é bom para os dois lados”. Sempre que uma relação se torna “muito boa” para um, pode se tornar onerosa ou opressiva para o outro, com danos para a credibilidade do parceiro e para sua perpetuação. Exploração tem limite e é um processo autofági-co. Isso vale para clientes internos e externos.

Assim, quando o pastor ou líder tem uma vida que destoa da-quilo que prega, ou de forma muito profunda daquela que seus liderados vivem, pode haver a sensação de que existe algum tipo

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de exploração. Do mesmo modo, pode haver insatisfação e frus-tração quando o sistema de trabalho ou de remuneração é de-sigual entre os prediletos dos líderes. Quando existe um abismo muito grande entre o líder principal e seus auxiliares imediatos, ou entre estes e os membros da igreja, mais uma vez se verificará o risco de as pessoas terem uma percepção de injustiça.

Um fato verificado em dois mil anos de história da igreja é que os cristãos gostam de desafios. Já no “berço”, a igreja enfrentou o desafio de encarar os judeus que não aceitavam a obra de Jesus Cristo. Depois, vieram os desafios impostos pelo império romano e inúmeros outros no decorrer dos séculos. Quando o povo de Deus percebe que uma causa divina está em jogo, todos arregaçam as mangas e põem-se a enfrentar os “gigantes”.

Contudo, o que a igreja não aceita é ser explorada por líderes de motivações espúrias. Pastores precisam sondar seus corações para verem se seus projetos são legítimos, advogáveis do ponto de vista do bom senso. Pode ser que, sem que percebam, pastores atravessem a tênue linha que separa o sacrifício legítimo da ex-ploração infame. O resultado ele verá inexoravelmente na prática, pois, mediante abusos, tendem a cair a arrecadação e o envolvi-mento das pessoas.

Sempre existe uma responsabilidadePastores levam muito tempo para compreender e aceitar o

fato de que são pessoas públicas. A resistência pode se dar por acharem que apenas gente famosa é digna desse status. E ser uma pessoa pública é algo que exige grande dose de maturidade, pois seus atos e palavras têm repercussões muito acima da média.

Um pastor deve estar ciente de que seu caminho é ainda mais estreito que aquele percorrido pelos irmãos que ele pastoreia. Isso significará que seus limites deverão ser mais austeros e que suas palavras deverão ser muito bem escolhidas. Dependendo do grau de emoção no tom de voz do pastor, o rebanho pode, por exem-plo, experimentar ansiedade ou respirar aliviado. Por mais que os pastores façam o nobre trabalho de rejeitarem a beatificação de suas pessoas, os membros das igrejas tendem a nutrir elevadíssima estima por seus líderes.

Ser responsável é responder por algo, por alguém. Um pastor é duplamente responsável pela igreja. Ele responde por ela diante de Deus, e responde por ela diante da sociedade.

Saúde e qualidade de vidaÉ comum os juízes não cuidarem bem de sua saúde, talvez com

uma percepção inconsciente e obviamente falsa de que uma “li-minar” ou “sentença” poderá evitar um infarto. Sim, é comum que juízes não cuidem da saúde e também da vida em família. Aliás, o exercício da autoridade no plano profissional tem feito muitos ma-gistrados terem sérios problemas em suas relações familiares. Os pastores também costumam ter tais problemas, como se acreditas-sem que por exercer uma missão divina terão algum tipo de super-proteção contra doenças, estresse ou, mais, que sua família poderá conviver com menos atenção do que a que ele mesmo recomenda que os membros da igreja deem dentro de suas casas.

O ministério pastoral exerce uma forte pressão sobre o minis-tro, levando-o facilmente ao estresse e, em muitos casos, ao colapso nervoso. Pastores aceitam tardiamente a verdade de que sem saúde não realizarão a obra que tanto amam. Os pastores precisam apren-der a monitorar sua saúde física e emocional. Devem se lembrar das coisas que ensinam em seus aconselhamento como, por exemplo, que doenças físicas podem se originar na alma, enquanto enfermi-dades emocionais podem vir de corpos maltratados.

Uma vez que estejam cientes de sua própria importância, os pastores precisam cuidar da saúde física e emocional do cônjuge e dos filhos. É preciso que haja “filtros” entre a igreja e a família dos pastores, que visem proteger a privacidade daqueles que fi-cam tão expostos aos ataques das trevas e às pressões ministeriais. Temos visto, numa quantidade muito acima do tolerável, o quanto uma igreja perde quando vê a vida de seu querido pastor empo-brecida, sem qualidade de nenhuma natureza.

Não espere a doença chegar para sentir coragem de dizer à igreja que você precisa fazer exercícios físicos, tirar férias, ter lazer com a família e amigos de sua intimidade. Pastores precisam en-tender que existe uma diferença significativa entre tirar uma folga e descansar. Nesta singela diferenciação existe sabedoria e encora-jamento suficientes para o pastor exercer um ministério próspero, saudável e cheio de contentamento.

ConclusãoJuízes e pastores atuam em áreas diferentes da sociedade, mas

em comum têm o material com o qual trabalham: o ser humano. Ambos se associam na tarefa de fazer desse mundo um lugar bom, seguro, justo, apto para o progresso e grandes realizações. Na Te-ologia Reformada, os magistrados são tidos em alta estima, consi-derados como “o braço de Deus” na sociedade. Isso, porque mili-tam a favor de tudo que é honesto, justo e bom. Assim, pastores e juízes devem ser complementares, como pessoas que somam suas vocações enriquecendo a vida das pessoas que passam por seus caminhos. Os juízes podem aprender muito com os pastores, e os pastores com os juízes. Cientes de que exercem autoridade em nome de outrem, de Deus ou do Estado, certamente a troca de experiências e aprendizados conduzirá uns e outros a um desem-penho melhor de suas nobres e divinas missões.

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