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Editor

Eduardo Galasso Faria

Comissão Editorial

Fernando Bortoleto Filho, Gérson Correia de Lacerda,

Shirley Maria dos Santos Proença, Paulo Proença e

Valdinei Aparecido Ferreira.

Teologia e Sociedade é editada pelo Seminário Teológico deSão Paulo da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil

E-mail: [email protected]

Endereço: Rua Genebra, 180 – CEP 01316-010

São Paulo, SP, Brasil

Telefone (11) 3106-2026

www.seminariosaopaulo.org.br

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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

Teologia e Sociedade / Seminário Teológico de São Paulo / Vol. 1,nº 3 (dezembro 2006). São Paulo: Pendão Real, 2006.

Semestral

ISSN 1806563-5

1. Teologia – Periódicos. 2. Teologia e Sociedade.

3. Presbiterianismo no Brasil. 4. Bíblia. 5. Pastoral.

CDD 200

Revisão: Eduardo Galasso Faria

Planejamento Gráfico, Capa e

Editoração eletrônica: Sheila de Amorim Souza

Impressão: Potyguara

Tiragem: 1000 exemplares

As informações e as opiniões emitidas nos artigos assinados são

de inteira responsabilidade de seus autores.

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário4 EDITORIAL

6 CALVINO, CALVINISMO E ECUMENISMO

Jane Dempsey Douglass

28 SEMENTES DO PRESBITERIANISMO FRUTIFICAM NO BRASIL:PORTAS PARA PARCERIAS SE ABREM E FECHAM

Sherron K. George

48 AS IGREJAS PRESBITERIANAS E REFORMADAS NO BRASIL

Abival Pires da Silveira

60 A IPI DO BRASIL: UMA VISÃO PANORÂMICA

Eduardo Galasso Faria

68 BERITH, PACTO E FAZER PACTO

Lukas Vischer

74 POIMÊNICA: A TAREFA PASTORAL DE COMPARTILHAR O SOFRIMENTO (UMAREVISÃO DO CONCEITO DE SOFRIMENTO NO LIVRO DE JÓ)

Ézio Martins de Lima

88 UM JUMENTINHO NO REINO - MARCOS 11.1-11

Milton Schwantes

96 FALSOS MESTRES: PERIGO E DESTRUIÇÃO – 2PEDRO 2.1-22

Paulo Proença

RESENHAS

104 APÓCRIFOS E PSEUDO-EPÍGRAFOS DA BÍBLIA

106 AS MONARQUIAS NO ANTIGO ISRAEL. O ESTADO MONÁRQUICO NO FINAL DOSÉCULO XI A.C.: UM ROTEIRO DE PESQUISA HISTÓRICA E ARQUEOLÓGICA.

SEMINÁRIOS EM NOTÍCIA

108 SEMINÁRIO TEOLÓGICO DE SÃO PAULO

109 SEMINÁRIO TEOLÓGICO “REV. ANTÔNIO DE GODOY SOBRINHO”

111 SEMINÁRIO TEOLÓGICO DE FORTALEZA

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As mudanças na vidada igreja de JesusCristo em todo o

mundo são naturais e elas estãopresentes no protestantismobrasileiro. Como parte destecorpo maior, as igrejas reforma-das/presbiterianas sentem a ne-cessidade de encarar as trans-formações pelas quais passampara refletir sobre elas, levandoem consideração não só as pers-pectivas futuras como tambéma sua história. De maneira es-pecial, a entrada da IPI do Bra-sil no Conselho Mundial deIgrejas, conduz à busca de umanova compreensão sobre suaatuação como igreja evan-gelizadora no cenário evangéli-co brasileiro.

Teologia e Sociedade 3 reu-niu vários escritos que levamnessa direção. O artigo de Jane

Dempsey Douglass sobre“Calvino, calvinismo e ecu-menismo” nos remete às origensda igreja reformada/presbi-teriana, com uma análise da obrahistórica e teológica de JoãoCalvino, especialmente com re-lação à unidade da igreja. Toda-via não pára aí, mas mostra comoseus seguidores têm compreen-dido este legado e suas implica-ções para a vida da igreja onteme hoje.

Com “Sementes do Presbi-terianismo frutificam no Brasil”,Sherron K. George faz um le-vantamento da atuação das mis-sões presbiterianas norte-ameri-canas, desde Simonton até a dis-solução da Missão Presbiteriana

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no Brasil, em 1985. Surpreendendocom o seu histórico, ela mostra esseprocesso de fechar e abrir portas,bem como a ressurreição deste tra-balho que passou a se chamar Mis-são Presbiteriana do Brasil, atuandoem um processo de parceria, do qualparticipam a igreja norte-americana,PC(USA), a Igreja PresbiterianaUnida (IPU) e a Igreja PresbiterianaIndependente do Brasil (IPIB).

Para uma visão das igrejas refor-madas/presbiterianas e seus esforçosde colaboração em nosso país, temoso texto escrito há algum tempo, masainda válido, de Abival Pires daSilveira, “As igrejas presbiterianas ereformadas no Brasil”. Ele indicaonde estávamos, e pode nos dar si-nais para continuar a caminhada eaperfeiçoá-la. Com “A IPI do Brasil– uma visão panorâmica”, temos umesforço para alcançar uma visão daIPI em perspectiva histórica.

Em “Berith, pacto e fazer pacto”Lukas Vischer ( Santa Conspiração– Calvino e a Unidade da Igreja de

Cristo. Caderno de O Estandarte,2004) explica uma variante desse sig-nificativo termo teológico, para es-clarecer sua utilização hoje por orga-nismos ecumênicos como a AliançaMundial de Igrejas (AMIR), como

“uma iniciativa humana em fé, ofe-recida a Deus”, na tentativa de tes-temunhar o nome de Jesus Cristofrente à injustiça econômica em ummundo globalizado.

Para a área de teologia pastoraltemos “Poimênica: a tarefa pastoralde compartilhar o sofrimento”, emque Ézio Martins de Lima, revendoo conceito de sofrimento em Jó, re-toma a palavra poimênica como “fun-damento bíblico do agir pastoral naigreja” de hoje. Na área de homiléticae bíblia temos um sermão de MiltonSchwantes e uma exegese de PauloProença. Neste número de nossa re-vista trazemos também notícias denossas instituições teológicas, inici-ando com os Seminários.

Buscando uma interação com osleitores, desejamos a todos uma boaleitura!

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ouglass Colocar Calvino e ocalvinismo em pers-pectiva ecumênica,

no contexto da Consulta Inter-nacional sobre o Impacto do Pen-samento Econômico e Social noTestemunho Reformado, repre-senta um desafio, mas um desa-fio bem-vindo.

Por um lado, podemos dizerque não é comum nas discussõesecumênicas sobre Calvino,enfocar o seu pensamento eco-nômico e social. Muito mais co-mum são discussões sobre acristologia, seu ensino sobre a ceiado Senhor ou sua doutrina daigreja. Todavia, cada um desses

Jane Douglass conduz o leitoratravés de alguns dos principais

impulsos ecumênicos na vida eobra de Calvino. Prossegue

então, demonstrando como noseu entender, os programas e as

posturas públicas da AliançaMundial de Igrejas Reformadas

procuram honrar a dimensãoecumênica do legado calviniano.

Professora emérita de teologiahistórica no Seminário Teológico

de Princeton (EUA), ela foipresidente da Aliança Mundial de

Igrejas Reformadas (1990-1997). Ela é autora de Women,

Freedom and Calvin

(Westminster Press, 1985), emportuguês, Mulheres, Liberdade

e Calvino (Didaquê, 1995), entreoutros livros e ensaios sobrecalvinismo e ecumenismo.

* “Calvin, Calvinism and Ecumenism” in ReformedWorld, vol. 55 (4), December 2005, Geneva, pp.295-310. www.warc.ch. Palestra realizada naConsulta Internacional sobre o PensamentoEconômico e Social de Calvino, Centro John Knox,Genebra, novembro de 2004. Tradução deEduardo Galasso Faria.

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tópicos tem uma dimensão social quenão tem sido suficientemente explo-rada nas conversações ecumênicas eque merece atenção.

Por outro lado, não seria estranhobuscar uma perspectiva ecumênicanesta consulta se lembrarmos que omovimento ecumênico cresceu nãoapenas a partir do movimento de Fée Ordem, mas também a partir domovimento missionário e do movi-mento Vida e Trabalho. Hojeestamos profundamente conscientesde que a igreja tem estado e aindaestá dividida não apenas pordiscordâncias ou questões de gover-no, mas também por visões diferen-tes acerca de como o evangelho serelaciona com a ordem social e decomo a igreja se relaciona com o Es-tado através das diferenças de cultu-ra, pela segregação racial, por atitu-des diversas com relação ao papel dasmulheres, pelas diferenças econômi-cas e de classe.

O próprio João Calvino provavel-mente não seja visto hoje como umpersonagem ecumênico pelas pesso-as, nos bancos das igrejas. Sua repu-tação popular é a de um persona-gem frio e que pode dividir, molda-da por sua associação com o casoServeto em Genebra, por sua infle-xível oposição a muitos aspectos doensino católico, por sua crítica seve-

ra aos chamados “espiritualistas” eaqueles que rejeitavam o batismoinfantil.

O papel de Calvino deve ser vis-to no contexto do século XVI, emque o estado de tolerância às dissi-dências religiosas era de exceção eonde as várias correntes atuantes naatividade reformadora dentro daigreja estavam, frequentemente, emconflito. Calvino participou desteconflito estabelecendo, em consultacom outros líderes da igreja, o queele considerava a compreensão cor-reta da fé cristã. A doutrina da Trin-dade e o batismo de crianças – comtudo o que significavam para a socie-dade cristã – foram colocados den-tro destes limites.

Mesmo assim, Calvino tambémresistiu aos limites. WilliamBouwsma em seu retrato de Calvinocomo uma pessoa do século XVI,analisou de maneira proveitosa a for-ma particular da ansiedade deCalvino naquele século. Ele diz queCalvino experimentou duas formasdiametralmente opostas de ansieda-de: “a ansiedade do vazio (o abismo)e a ansiedade da constrição (o labi-rinto), do nada e do tudo, da liber-dade e da opressão.”1 Então ele cons-

1William J. Bouwsma. John Calvin: A SixteenthCentury Portrait. N.Y.: Oxford University Press,1988, p. 47.

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truiu sistemas de limites para recu-perar seu senso de direção e, poroutro lado, também tentou aliviar aspressões pelas quais tais construçõeshumanas o constrangiam.

Portanto, Calvino também resis-tiu aos limites. Historiadores e teó-logos sabem que ele possuía umacompreensão católica e ampla daúnica igreja de Jesus Cristo. Muitosherdeiros de seu pensamento têmsido líderes ativos e participantes domoderno movimento ecumênico,acreditando que a teologia de Calvinodava apoio à sua obra.

Esta preleção identificará ele-mentos do pensamento do próprioCalvino e de sua obra, que estabele-ceram um fundamento para oenvolvimento na obra ecumênica.Depois, ela sugerirá algumas manei-ras através das quais a influência deCalvino ainda pode ser visível hojeno movimento ecumênico modernoe em toda a igreja.

Em primeiro lugar, o momentoé apropriado para uma definiçãooperacional da palavra “ecume-nismo” e como ela será utilizada aqui.De modo geral, o ecumenismo temsido compreendido como um movi-mento inspirado pelo Espírito San-to, em busca de renovação e unida-de cristã visível. A evidência de taismovimentos pode ser encontrada

em muitos períodos da história daigreja, incluindo o século dezesseis.

Calvino acreditava estarcompromissado com tal movimen-to. Jovem, ele havia sido alcançadopelos círculos reformadores da Igre-ja Católica na França, onde os inte-lectuais da Renascença estavam en-corajando a leitura da Bíblia nas lín-guas originais, onde o ensino de Pau-lo acerca da salvação pela fé era mui-to popular, onde um forte sentimen-to de responsabilidade moral condu-ziam a apelos em favor da reformada igreja e da sociedade. Não é fácilsaber precisamente quando Calvinopassou teologicamente de refor-mador católico para reformador pro-testante. No entanto, seus ataquesà Igreja Católica devem ser coloca-dos neste contexto. Ele entendeuque o Espírito Santo estava operan-do para fazer uma nova igreja, cu-rando-a de suas enfermidades e sen-tiu como sua a tarefa de participarnesta obra reformadora.

O ecumenismo moderno, enrai-zado no final do século XIX e iníciosdo século XX, surgiu da experiênciade cristãos de muitas nações e tradi-ções eclesiásticas trabalhando emconjunto, como indivíduos e igrejas,para testemunhar a unidade cristã dediversas formas: na missão global daigreja; na tentativa de reconciliar di-

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versas tradições e seus pontos de vistasobre doutrina, ministério e sacra-mentos, a fim de favorecer a plenacomunhão ou unidade visível da igre-ja; também no esforço de testemu-nhar juntos a justiça de Deus nomundo através do trabalho diáriocom sentido de vocação cristã; atra-vés da transformação das instituiçõessociais para proteger a dignidade dahumanidade e a saúde da criação, detal forma que o reino de justiça e pazde Cristo pudesse se tornar mais vi-sível diante do mundo. Esta é por-tanto, a lente através da qual tenta-remos ver Calvino e o calvinismo nocontexto ecumênico.

FFFFFundamentos doundamentos doundamentos doundamentos doundamentos doeeeeecumenismo nocumenismo nocumenismo nocumenismo nocumenismo no

pensamento e napensamento e napensamento e napensamento e napensamento e naobra de Calvinoobra de Calvinoobra de Calvinoobra de Calvinoobra de Calvino

Seis elementos da vida e dopensamento de Calvino, todos mol-dados pela sua forma de ler a Bíblia,parecem particularmente relevantespara esta tarefa: 1) a sua visão católi-ca de Igreja, juntamente com a suacrença de que a verdadeira igrejapode ser encontrada sob muitas for-mas de ordem eclesiástica; 2) sua luta

contra os “ídolos”; 3) seu esforço ecomprometimento com algumasigrejas de outras tradições; 4) a co-munidade multinacional e multi-cultural em que se transformou Ge-nebra durante os anos do pastoradode Calvino; 5) o ministério deCalvino na diáspora das igrejascalvinistas em toda a Europa e comos refugiados; 6) a sua ênfase na vidacristã como administração, serviço aopróximo e responsabilidade pessoal,marcados pela obediência ao clamorde Deus por justiça. Nenhum des-tes elementos é exclusivo de Calvinona Reforma do século XVI, excetotalvez o senso do alcance de seu mi-nistério para com a diáspora e os re-fugiados religiosos. Todavia, a formacomo estes elementos se juntaram,deu um caráter especial ao seu mi-nistério e teve profunda influênciana tradição reformada posterior, en-corajando seu comprometimento nomovimento ecumênico. Tomemosestes elementos para considerá-losum a um.

A visão católica de Calvino so-

bre a igreja. A consciência de Calvinode que existe apenas uma igreja deJesus Cristo se espalhou por toda aterra. A igreja é católica ou universalporque todos os cristãos estão uni-dos no único corpo de Jesus Cristo,

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que não pode ser dividido. Calvinoseguiu Lutero ao notar que as mar-cas da verdadeira igreja são apenasduas: a Palavra de Deus ouvida e pre-gada com pureza e os sacramentosministrados de acordo com a insti-tuição de Cristo. Onde elas pude-rem ser vistas, há com certeza umaigreja de Cristo. Esta formulação é,sem dúvida, um protesto contra ateologia da Igreja Católica Romana,que identificaria a verdadeira igrejadiferentemente. Ela permite que umcristão encontre a igreja de JesusCristo sob várias formas ou estrutu-ras.

Existe liberdade cristã para o exer-cício do governo humano no reinodo decoro e da ordem na vida da igre-ja. Neste reino, a igreja pode se aco-modar a muitas culturas e pode mu-dar conforme requeiram suas cir-cunstâncias e necessidades. Porexemplo, embora Calvino consideresua ordem presbiterial para a igrejade Genebra consoante com a Escri-tura ele, em princípio, não exclui autilização do ofício episcopal. O ofí-cio de bispo deveria ser portanto,compreendido como uma criaçãopragmática humana para ir ao encon-tro das necessidades do tempo e de-veria ser usada como ele entendiaque o foi algumas vezes na Igreja pri-mitiva. Mesmo assim, Calvino fre-

quentemente salientava que concei-tos de hierarquia e superioridade debispos sobre presbíteros são inade-quados no governo da igreja e con-trários ao ensino do Espírito Santo(Institutas,IV.4.1-4).

Por outro lado, onde é encontra-da uma igreja com estas duas mar-cas, a Palavra ouvida e pregada compureza e os sacramentos administra-dos de acordo com a instituição deCristo, ninguém deve abandoná-la ourecusar participar do seu culto, mes-mo que haja algumas falhas. Calvinoentendia a profundidade do pecadohumano e sabia que a igreja sempreera tanto pecadora como santa.

Calvino compreendia o movi-mento reformador com o qual esta-va comprometido, como evidênciada obra renovadora do Espírito San-to em seu tempo, convocando a igrejada sujeição às superstições e leishumanas opressoras para uma novafidelidade às Escrituras como Pala-vra de Deus, para uma forma corre-ta de compreensão da tradição daigreja, para novas e mais justas estru-turas para a igreja e a sociedade. Elenão entendia que havia deixado aigreja ou criado outra, mas que esta-va ajudando a restaurar a única e ver-dadeira igreja de Jesus Cristo emtodos os tempos e lugares.

Calvino enfatizava os laços pode-

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rosos de amor criados pelo conjuntodos membros no corpo de Cristo.De forma especial, no contexto daceia do Senhor, ele ensinava que nin-guém pode injuriar ou ofender qual-quer membro do corpo de Cristo seminjuriar e ofender o próprio Cristo.Ele entendia que a unidade cristã re-quer responsabilidade, admoestaçãoe disciplina mútuas.

Calvino frequentemente descre-via a igreja como a igreja do mundointeiro, sempre usando imagens daBíblia hebraica acerca do reino deDeus, sobre a vinda de todos os po-vos e nações para louvar no montesanto ou sobre a experiência do Pen-tecostes no Novo Testamento. Pare-ce que era mais uma visão bíblica eescatológica do que uma visãoenraizada em qualquer estratégia prá-tica de missão mundial. Calvino ter-minava seus sermões com um apeloà oração, extraído das questões pe-culiares ao próprio sermão. E então,de forma bem habitual, o texto dosermão também apresentava umaoração conclusiva familiar o sufici-ente para justificar sua reproduçãopor extenso aqui: “Que ele possaconceder a sua graça não apenas anós, mas também a todos os povos enações da terra, etc.”2

A luta de Calvino contra os “ído-

los”. Em contraste com o esforço em

favor da unidade, a luta de Calvinocontra os “ídolos” o colocou contraalguns cristãos. Esta luta está basea-da em sua interpretação dos dois pri-meiros mandamentos do decálogo.O primeiro é a exigência de não teroutros deuses. Calvino cria que ahumanidade pecadora está constan-temente criando novos deuses alémdo Deus de Abraão e de Jesus Cris-to e dando a eles o louvor que é de-vido a Deus somente. O mandamen-to para não fazer qualquer imagemde escultura ou adorá-la foi por sé-culos incluído no primeiro manda-mento no ocidente e Lutero seguiuesta prática. Calvino argumentou quealguns na Igreja primitiva separarama proibição de imagens esculpidas co-locando-a no segundo mandamen-to, e ele preferiu fazer assim. Isto lhegarantiu naturalmente, uma proemi-nência maior.

Alguns dos primeiros refor-madores, antes do tempo de Calvino,usaram a justificação da quebra deimagens para eliminar a arte na igre-

2 Lukas Vischer reuniu várias citações proveitosassobre o ensino de Calvino em seu livro, PiaConspiratio: Calvin on the Unity of Christ´s Church,Geneva: John Knox International Reformed Center,2000. Em português, Santa Conspiração. Calvino ea Unidade da Igreja de Cristo. S. Paulo: Caderno deO Estandarte, 2004 (NT); Lukas Vischer, “PiaConspiratio. Calvin´s Legacy and the divisions ofReformed Churches today” www.warc.ch/dt/erl3/12.html.

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cia aos governantes. Este fortemonoteísmo na tradição de Calvinolevou a muitas confrontações entrea igreja e o estado.

Compromisso com as igrejas de

outras tradições. Calvino se ligou alíderes de grupos protestantes com-pletamente diferentes, buscandouma base comum. Talvez ele tenhasido influenciado durante os anos deEstrasburgo pelo entusiasmo deMartin Bucer em busca de uma uni-dade cristã maior. Ele secorrespondeu com HenriqueBullinger, líder da igreja de Zuriquepara onde viajou, com seu antigocolega Guilherme Farel, então pas-tor de Neuchatel, a fim de negociaro Consenso de Zurique de 1549,sobre a ceia do Senhor. Este acordo,bastante afinado com o escrito deCalvino sobre a ceia do Senhor, uniua igreja de Genebra com as igrejasde fala franco-alemã da Suíça nacompreensão da ceia, que anterior-mente as separava. Era importantepara Calvino que houvesse inter-co-munhão entre as igrejas da Reformae que diferenças de opinião não que-brassem a solidariedade.

Infelizmente este acordo prova-velmente piorou as relações com osluteranos. Anteriormente haviam

ja. Grandes “limpezas” nas igrejasem Genebra precederam a chegadade Calvino. Apesar disso, a ênfase deCalvino na natureza espiritual doculto levaram-no a encorajar a sim-plicidade dos espaços de culto, semdistração visual, conselho que mui-tas igrejas calvinistas, embora nemtodas,3 espelharam até anos recen-tes. Luteranos e muitos anglicanosnão poderiam aprovar esteensinamento.

O mais importante para nossospropósitos é a ênfase de Calvino nalealdade pura ao único Deus, desvi-ando-se de superstições criadas pormentes pecaminosas e do apego adeuses menores que Deus. Adorar aDeus somente pode requerer a de-sobediência a governantes que orde-nam aquilo que Deus proíbe. Obser-vem que as Institutas começam comum prefácio ao rei Francisco I daFrança, assegurando-lhe que os se-guidores de Calvino não são revolu-cionários e que o livro IV está reple-to de respeito pelo governo. Toda-via, o capítulo final e clímax dasInstitutas proclama que a obediên-cia a Deus pode exigir desobediên-

3 Paul Corby Finney, ed. Seeing Beyond the Word:Visual Arts and the Calvinist Tradition. GrandRapids: William B. Eerdmans Publishing Co., 1999.

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ocorrido desapontamentos. Calvinohavia escrito afetuosamente paraLutero em 1545, enviando-lhe doistratados para que ele comentasse,juntamente com uma carta a FilipeMelanchton, que ele conhecia pes-soalmente. Mas Melanchton inter-ceptou a carta não a entregando aLutero, por considerá-la inoportuna.

Durante a estadia de Calvino emEstrasburgo, ele foi enviado, em1541, como delegado da cidade en-tre os delegados luteranos, ao Coló-quio de Ratisbona, com delegadosda Igreja Católica Romana. Emboraseus colegas mais velhos, Bucer eMelanchton, esboçassem fórmulas naesperança de chegar a um acordocom os católicos, Calvino se mante-ve mais crítico em relação à suaambigüidade. Ele também criticou asubstituição papal deste colóquiopelo concílio livre e universal, que foiantecipado.

A ampla correspondência deCalvino incluía os anglicanos comoo arcebispo Thomas Cranmer,Matthew Parker e William Cecil, oprincipal secretário de estado da rai-nha Elizabeth. Para Cranmer, quehavia proposto uma reunião dos lí-deres da igreja protestante para for-mularem sua doutrina cristã comum,Calvino respondeu em 1552 queatravessaria até dez mares para pro-

mover a unidade da igreja. Ele pen-sava que tal reunião geral “para con-fessar sua opinião em comum sobrea doutrina da santidade” seria o me-lhor remédio para a “condiçãodesordenada da igreja.” Calvino su-geriu que um “acordo sério e devi-damente acertado entre eruditostendo como critério a Escritura” aju-daria igrejas, de outra forma desuni-das, a se unir.

“Penso que é correto para mim,qualquer que seja o custo em traba-lho e problemas, procurar resolveresta matéria. No entanto, espero queminha própria insignificância me co-locará de lado.”4 Para Parker, em1561 ele sugeriu uma renovação daantiga proposta de Cranmer para umencontro geral. Havia interesse, masfaltava ação conseqüente.

Foram desenvolvidas também li-gações entre Genebra e dois movi-mentos reformadores que antecede-ram a reforma luterana. As relaçõesentre o movimento reformado e osvaldenses foram iniciadas por emis-sários enviados a Farel em 1530, an-tes de Calvino chegar a Genebra. Omovimento valdense começou comoum movimento reformista no sécu-lo XII, com algumas semelhanças

4 L.Vischer. Pia Conspiratio. Pp. 29-30.

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com os primeiros franciscanos, masos valdenses foram declarados heré-ticos. Muitos buscaram refúgio nasmontanhas ao norte da Itália parasobreviver à perseguição. Calvinoapoiou as relações estreitas que sedesenvolviam com os valdenses, en-viou-lhes pastores e os viu identifi-car-se paulatinamente com a fé e aordem eclesiástica reformada. Eletrabalhou para reunir apoio políticoa eles quando ocorreu o massacreordenado por Francisco I, em 1545.Durante seus anos em Estrasburgo,Calvino conheceu pessoalmente oslíderes do movimento dos IrmãosTchecos, seguidores de João Huss.

Genebra durante os anos de

Calvino: multinacional e multi-

cultural. Com a Reforma, Genebrase tornou uma cidade marcadamenteinternacional. Refugiados fluíam,principalmente da França, mas tam-bém de muitos outros países da Eu-ropa ocidental, do norte e central,bem como da Itália. Eles conhece-ram bem a história dos esforços no-toriamente criativos da cidade paraprover os refugiados com recursos li-mitados e também do significado dafundação da Academia de Genebra,precursora da Universidade. Ela foiestabelecida por Calvino em 1559para suplementar o ensino do collège

com um programa avançado de es-tudos de teologia (ensinada por Bezae Calvino), grego, hebraico, filoso-fia. A academia foi planejada paraatrair estudantes de toda a cristan-dade e, na verdade, quase todos dotempo de Calvino vieram de outrospaíses. A academia ilustra a intensafocalização internacional do progra-ma reformador de Calvino, não ape-nas para Genebra mas para a igrejade maneira geral.

Heiko Oberman enfatiza que paraCalvino, ele próprio um refugiado, esem dúvida também para outros, talexperiência teve um impacto teoló-gico. Calvino se sentia identificadocom as histórias das escriturashebraicas sobre o exílio dos judeus esua perseguição. Ele entendeu à luzda extensa experiência cristã do exí-lio e da perseguição, que as tradicio-nais alegações de que o sofrimentodos judeus através dos tempos era aevidência de sua culpa e punição, nãopodiam mais ser aceitas. Esta visãolevou Calvino e os calvinistas a novasmaneiras importantes de pensar so-bre o relacionamento judeu-cristão.

O ministério de Calvino junto à

diáspora protestante e aos refugia-

dos. De Genebra Calvino atendeu,por meio de seus escritos e corres-pondência, as igrejas reformadas emtoda a Europa. Algumas novas igre-

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jas originaram-se da experiência comrefugiados em Genebra. John Knox,por exemplo, serviu a uma congre-gação de refugiados em Genebra. Aovoltar para a Escócia em 1559, eleorganizou uma igreja presbiterianamuito influenciada pela experiênciade Genebra.

O que estas igrejas reformadasrecebem de Genebra? A teologia deCalvino, a liturgia em alguns casos e,muitas vezes, o Saltério de Genebra– frequentemente traduzido em ou-tras línguas mas mantendo as exce-lentes melodias dos salmosgenebrinos. As igrejas reformadascostumeiramente adotavam o mode-lo de Genebra com relação ao mi-nistério corporativo, formado porpastores, presbíteros, diáconos e dou-tores ou mestres, embora muitas ve-zes o ofício doutoral fosse omitido.

Havia também o senso de que asigrejas partilhavam uma tradição te-ológica, apesar as diferentes formasde expressão. Era comum a cada umadas igrejas nacionais reformadas tersua própria confissão de fé, uma afir-mação reformada de fé cristã co-mum, mas ajustada ao contexto par-ticular da vida daquela igreja. Comoevidência da convicção de que parti-lhavam uma fé comum, temos o fatode que Theodoro Beza ajudou a or-ganizar um projeto para criar uma

Harmonia das Confissões de Fé,

publicada em Genebra, em 1581,bem depois da morte de Calvino.

No prefácio ao catecismo queCalvino preparou para a igreja deGenebra em 1545, ele escreveu paraos pastores da Frísia Oriental mani-festando o desejo de que aquele fos-se um catecismo comum para todasas igrejas. Mas ele reconheceu queum tal catecismo, em comum, nãoseria plausível. Mesmo assim, insis-tiu para que os catequistas fossemextremamente cuidadosos em seuensino a fim de que, mesmo comvariações, todas as pessoas fossemconduzidas ao único Cristo, cuja ver-dade permite o crescimento unidosem um só corpo. Ensinar de modoimpulsivo, encorajando a dissensão,seria profanar o batismo, que deve-ria conduzir a uma fé comum.Calvino disse que havia escrito emlatim, então ainda usado como umalíngua universal, para que em umtempo de confusão e divisão da cris-tandade, houvesse testemunhos pú-blicos de fé, possibilitando às igrejasreconhecerem uma à outra para te-rem confirmação mútua e santa co-munhão. Ele acreditava que os cate-cismos constituem um dos melho-res meios para partilhar a fé comume por isso, publicou o Catecismo deGenebra para que outros também

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usassem. Aqui vemos tanto a profun-da preocupação de Calvino acerca doensino comum de uma fé, como suaconsciência de que ele seria necessa-riamente expresso de forma diferen-te, em igrejas diferentes.

Como parte da missão internaci-onal de Genebra para transformar aigreja e renovar a pregação do evan-gelho, a Companhia dos Pastores res-pondia regularmente aos pedidospara enviar pastores para servir a ou-tras igrejas reformadas, especialmen-te na França. Uma pequena missãofoi enviada ao Brasil, mas ela sobre-viveu por pouco tempo e não tevesucesso.

A ênfase de Calvino no serviço e

na justiça. Embora Calvino estivessetão compromissado quanto Luterocom a doutrina da justificação pelagraça de Cristo somente, eleenfatizou a importância de uma vidacristã disciplinada. Calvino entendiaque uma pessoa que havia sido salvapela graça, além da gratidão, desejaviver de acordo com a vontade deDeus. Como pode uma pessoa co-nhecer essa vontade? Voltando-separa a lei, não por medo, mas comopessoa livre.

Isto é o que se chama “terceirouso da lei”, que tem gerado crítica àética calvinista, mas que tem sido acausa de um considerável desconfor-

to para os luteranos e alguns outrosparceiros ecumênicos através dosséculos. A lei não ensina apenas ado-rar somente a Deus mas também arespeitar e servir ao próximo. Calvinocompreendia que cada cristão é cha-mado a uma vocação no mundo,onde poderia servir ao próximo. Osbens do mundo são um dom deDeus para ser usado na administra-ção das necessidades da própria fa-mília, mas também para outros ne-cessitados. Uma pessoa pode, em li-berdade cristã, gozar da beleza dacriação e do sabor do bom alimentoe do vinho como dons de Deus, masdeve viver de tal forma que todo opovo de Deus possa também gozarda bondade da criação. Isto exige umestilo simples de vida e o comparti-lhar com o próximo. O único limiteao nosso dever de partilhar é o limi-te de nossos recursos.

Calvino amava os profetashebreus e atordoava a congregaçãofalando sobre os que exploravam opobre, deixavam de pagar um saláriopara subsistência ou faziam um tra-balho desqualificado. Ele conviviacom uma visão bíblica do reino deDeus como um reino de amor, paz ejustiça. A tarefa da igreja é tornar essereino de Deus cada vez mais visívelao mundo. Sendo assim, os cristãosdevem reformar não apenas as insti-

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tuições da igreja mas também a soci-edade, a fim de que a justiça reine.Os temas do ensino ético de Calvinorelacionados com as questões sociaise econômicas são analisados meticu-losamente no livro do pastor AndréBiéler, O Pensamento Econômico e

Social de Calvino, cuja esperada ver-são para o inglês, estamos aqui paracelebrar.5

Da mesma forma que Calvinoenfatizou a solidariedade dos cristãoscom o corpo de Cristo e a necessi-dade de servir um ao outro, ele tam-bém enfatizou a solidariedade detoda a humanidade criada à imagemde Deus. Portanto, qualquer ser hu-mano necessitado, embora pecadorou aparentemente indigno de ajuda,coloca uma exigência ética sobre oscristãos a fim de utilizarem quais-quer recursos que tenham para sa-tisfazer esta necessidade. Eles parti-lham a imagem de Deus e uma hu-manidade em comum.

Havendo explorado estes seis ele-mentos do pensamento de Calvino,que ajudam a criar o fundamentopara o seu compromisso com oecumenismo, voltamos agora a ana-lisar como eles podem estar exercen-do um papel na recente históriaecumênica da igreja.

A AliançaA AliançaA AliançaA AliançaA AliançaRRRRReformada e oeformada e oeformada e oeformada e oeformada e o

movimentomovimentomovimentomovimentomovimentoecumênicoecumênicoecumênicoecumênicoecumênicomodernomodernomodernomodernomoderno6

O impulso ecumênico na origem

e na história da Aliança Presbi-

teriana. Em primeiro lugar, deve-mos refletir sobre a caminhada dafamília reformada até o século XIX.A despeito de tudo que tem sido ditosobre a entrelaçamento entre as igre-jas reformadas no século XVI, emmeados do século XIX elas ficaramà deriva, espalhadas pela colônias eu-ropéias do Novo Mundo e nos paí-ses do sul, sem se conhecer bemumas às outras.

Não obstante, alguns líderes ecle-siásticos escoceses, irlandeses e ame-ricanos entendiam que esta separa-ção não era normal na família refor-mada. Parte da motivação para mu-

5 André Biéler. Calvin´s Economic and SocialThought. Geneva: WCC/WARC, 2005, 545 pp. Notado editor. Em português: O Pensamento Econômico eSocial de Calvino. S. Paulo: Casa EditoraPresbiteriana, 1990. NT.6 Para um levantamento bibliográfico extenso sobreeste tópico ver Odair Pedroso Mateus, The WorldAlliance of Reformed Churches and the ModernEcumenical Movement – A Selected, Chronboligical,Annotaded Bibliography. Geneva: WARC, 2005,143 pp.

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dar foi o fato de que algumas igrejasestarem se descobrindo no campomissionário, do outro lado do mun-do. Assim começou um processo deexpansão que resultou na formação,em 1875, da Aliança das Igrejas Re-formadas através do mundo, fazen-do com que o sistema presbiterianomantivesse a primeira destascorporações protestantes mundiais.Por ocasião da primeira reunião doConcílio Geral em 1877, em Edim-burgo, havia 49 igrejas membros daEuropa, Estados Unidos, África doSul, Austrália, Nova Zelândia, Ceilãoe as Novas Hébridas. Ao contráriodas conjeturas de muitos historiado-res, a Aliança não era estritamenteconfessional em sua orientação. Aunidade cristã era uma preocupaçãofundamental.7 Discutiu-se se have-ria uma nova confissão apresentan-do um consenso das confissões re-formadas, mas ela não foi produzi-da. O novo jornal da Aliança foi de-nominado The Catholic Presbyterian

(O Presbiteriano Católico).

A Aliança, em seus primeirosanos, estava preocupada com a rela-ção entre missão e unidade. Ela in-

sistiu por exemplo, para que as no-vas igrejas que estavam sendo implan-tadas na Ásia e África, em áreas quenão haviam recebido uma comuni-dade cristã anteriormente, não per-petuassem as divisões das igrejas daEuropa, que estivessem enraizadasnas culturas indígenas das naçõesonde se estabelecessem, que se tor-nassem independentes o mais rápi-do possível e que participassem daAliança por livre vontade. Essas re-comendações parecem refletir maisa herança reformada que analisamosdo que as estratégias missionárias daépoca.

Trabalhar pela justiça, direitoshumanos e liberdade religiosa tam-bém foram temas dos primeiros anos,que persistem ainda hoje. Os Esta-dos Unidos foram denunciados pelotratamento dado aos indígenas, a es-cravidão foi condenada e os direitosdos trabalhadores foram apoiados nospaíses recém-industrializados. Visitaspastorais foram feitas a pequenosgrupos “evangélicos” que estavamsofrendo perseguição religiosa noOriente Médio e na Rússia.

No princípio do século XX, umavigorosa teologia, do teólogo refor-mado suíço, Karl Barth, chegou adominar o mundo protestante. Barthestava bem consciente de suas raízesfincadas na Reforma e de sua dívida

7 Cf. Odair Pedroso Mateus, “Towards an Alliance ofProtestant Churches? The Confessional and theEcumenical in the WARC Constitutions (I)”,Reformed World, 55(1), March 2005, pp. 55-70.

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para com Calvino e Lutero. Nestecontexto, é bom chamar a atençãopara o papel desempenhado por eleno movimento da Igreja ConfessanteAlemã, resistindo às pressões do go-verno para acomodar a igreja e suadoutrina à doutrina nazista. Os queparticiparam desse movimento eramprovenientes de igrejas reformadas,luteranas e unidas.

Os temas que emergiram do mo-vimento que resultou na DeclaraçãoTeológica de Barmen8 são temas daReforma: que o Cristo revelado naEscritura é a única Palavra de Deus amerecer confiança e obediência; ainsistência sobre Cristo como Senhore que não pode haver outros senho-res; que Cristo atua como Senhor naigreja que pertence a Ele somente,de forma que o evangelho não podeser acomodado à política e à ideolo-gia; que os oficiais na igreja existempara o serviço na comunidade e nãopara dominar; que o estado não podese tornar a “ordem única e totalitá-ria sobre a vida humana” nem a igrejapode se tornar um órgão do estado.

Nesta mensagem vemos os temasda luta de Calvino contra os “ído-los”. E também há uma re-apropria-ção inconfundível da tradição refor-mada do século XVI quanto à fé co-mum que deve se expressar a cadavez, no contexto particular em que a

igreja está vivendo. Barth e seus co-legas sabiam que aquela era um criseque clamava por uma declaração defé. É interessante notar que estaDeclaração de Barmen, provenientede um movimento da igrejaecumênica confessante, não reivin-dicando ser uma “confissão”, foi re-cebida como uma confissão oficial emalgumas igrejas reformadas.

Os reformados, incluindo a lide-rança da Aliança, logo após a Segun-da Guerra Mundial, estavam profun-damente envolvidos nos movimen-tos que levaram à formação do Con-selho Mundial de Igrejas (CMI). OConselho Geral da Aliança, reunidoem Princeton em 1954, declarou:“Cremos que a profunda movimen-tação entre as igrejas e grupos cris-tãos para superar barreiras e expres-sar a unidade da comunidade decrentes, de acordo com o ensino e avontade de Jesus Cristo, o cabeça daIgreja... é de Deus e não dos homens,um sinal do Espírito Santo”.9

Entre os ilustres lideres reforma-dos do jovem CMI estava o primei-ro secretário geral, Dr. WillemVisser´t Hooft, o prof. Hendrik

8 “Theological Declaration of Barmen”,www.warc.ch/pc/20th/. (Nota do Editor). Emportuguês: “A Declaração Teológica de Barmen” noLivro de Confissões. S. Paulo: Missão Presbiterianado Brasil Central, 1969. NT.

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Kraemer, primeiro diretor do Insti-tuto Ecumênico do Chateau deBossey, em Genebra, e MadeleineBarot, secretária geral e por muitotempo, líder da CIMADE (Comitêinter-movimento para ajuda aos eva-cuados) francesa e primeira direto-ra do Departamento de Cooperaçãoente Homens e Mulheres na Igreja eSociedade, do CMI. Kraemer eBarot eram leigos.

A Aliança decidiu continuar emseu papel de reunir a família refor-mada e trabalhar por sua maior uni-dade, entendendo que o preenchi-mento de tantas funções quantasfossem possíveis através do CMI, taiscomo serviços de socorro imediato eestudos inter-confessionais, traria aoCMI um testemunho teológico re-formado na nova busca por umaunidade cristã mais ampla.

Em Nairobi, 1970, a Aliança foiabsorvida pelo Concílio Congre-gacional Internacional (fundado em1891) para se tornar a Aliança Mun-dial de Igrejas Reformadas (AMIR).Hoje ela conta com mais de 200 igre-jas-membros – presbiterianas, refor-madas, congregacionais – unidas emmais de 100 países em todo conti-

nente habitado. Cerca de três quar-tos dessas igrejas estão localizadas empaíses do sul: Ásia, África e AméricaLatina. Entre elas estão igrejas comoa dos Irmãos Tchecos e os Valdenses,igrejas da reforma antes de Lutero,que se tornaram parte da família re-formada.

Cerca de 30 igrejas-membros daAMIR são igrejas unidas, vindas demuitos continentes e sua participa-ção como membros é francamentebem-vinda. As igrejas unidas da Ásia,tais como a Igreja Unida do Sul daÍndia e a Igreja Unida de Cristo nasFilipinas, parecem ser, até certo pon-to, fruto da preocupação reformadaem não perpetuar as velhas divisõesda Europa nas novas igrejas. Unindopessoas de diversas tradições protes-tantes, elas continuam a honrar suasraízes reformadas através da sua con-dição de membros da Aliança. A Igre-ja do sul da Índia une congregaçõesanteriormente reformadas com ou-tras, em uma estrutura que possui oepiscopado histórico proveniente desua herança episcopal. Outro tipo deigreja que se uniu é a Igreja Evangé-lica do Rio da Prata, na Argentina,agora membro tanto da Aliança comoda Federação Luterana Mundial.Igrejas unidas na Alemanha e naHolanda também provêm de raízesluteranas e reformadas. Todas essas

9 L. Vischer. “The Ecumenical Commitment of theWorld Alliance of Reformed Churches” in ReformedWorld, vol. 38, no. 5 (1985), p. 262.

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igrejas unidas sustentam um teste-munho ecumênico em meio à comu-nhão reformada. A maioria das igre-jas-membros, exceto as que são mui-to pequenas para se habilitar, sãotambém membros do CMI e de ou-tros corpos ecumênicos.

Divisão e reconciliação na famí-

lia reformada. Dada esta tradição depreocupação com a unidade cristã,permanece desconcertante o fato deque movimentos para unificar dife-rentes denominações reformadas emum mesmo país sejam tãoinfrequentes. Em anos recentes, oprojeto Missão em Unidade do Cen-tro Internacional Reformado JohnKnox e da AMIR tem procurado es-timular uma unidade maior entreigrejas da família reformada dentrode um mesmo país.

É preciso dizer que alguns herdei-ros da tradição de Calvino têm colo-cado mais ênfase na doutrina rigoro-samente pura e frequentemente seseparado para formar novas igrejas,afastando-se do compromissoecumênico. Eles interpretam as mar-cas da Igreja em Calvino de uma for-ma mais estreita. Há casos como ode uma jovem igreja reformada quefoi estilhaçada por sucessivas ondasde missionários reformados estran-geiros, cada vez mais conservadores.Um recente manual das igrejas re-

formadas em todo o mundo, resul-tado de uma pesquisa exaustiva, or-ganizada pelo Centro InternacionalReformado John Knox, em Genebra,identifica muito mais igrejas refor-madas, muitas vezes completamen-te isoladas, do que aquelas que sãomembros da Aliança.

Uma situação em que a divisão daigreja foi correta, creio eu, foi na lutapara superar o apartheid na África doSul. Foi trágico saber que os descen-dentes de Calvino desempenharamum importante papel na criação dosistema do “apartheid”, então im-posto pelo estado. A grande famíliareformada tomou posição afirman-do que a justificação teológica doapartheid pelas duas igrejas deforma-va de tal maneira o evangelho que seuensino era uma heresia, e que a co-munhão eclesiástica era impossível.Isto levou toda a família reformada euma hoste de parceiros ecumênicos aapoiar a resistência corajosa de den-tro da família reformada holandesa,no sul da África, para produzir tantoo repúdio à heresia como a restaura-ção da comunhão.

Deveríamos considerar a Confis-são de Belhar, da Igreja da MissãoReformada Holandesa no Sul da Áfri-ca, adotada alguns meses após a De-claração de status confessionis daAMIR em 1982. Aí se encontra, di-

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ante de uma situação difícil, umareafirmação vigorosa do ensino deCalvino sobre a unidade da igreja,sobre o senhorio de Cristo comoúnico cabeça da igreja, sobre a soli-dariedade de toda a humanidade emuma só natureza humana, sobre areconciliação, amor e responsabilida-de mútua que marcam a vida da ver-dadeira igreja, sobre a liberdade paraa diversidade de dons, linguagens eculturas para enriquecer o único povode Deus visível e o apelo à justiça,que rolará como as águas.

A confissão é, por um lado, umaafirmação bíblica e graciosa do essen-cial da teologia cristã e reformada e,por outro, uma acusação devastado-ra e de repúdio à situação das igrejasracialmente segregadas da África doSul, incluindo as igrejas reformadas.“...a Igreja como domínio de Deusdeve estar colocada onde Ele está,ou seja, contra a injustiça e com osinjustiçados. No seguimento de Cris-to a Igreja precisa testemunhar con-tra todos os poderosos e privilegia-dos que egoisticamente procuramseu próprio interesse e dessa forma

controlam e prejudicam os outros...Cremos que, em obediência a JesusCristo, seu único cabeça, a Igreja échamada a confessar e fazer todasessas coisas, embora as autoridades eas leis humanas possam proibir e pu-nir e o sofrimento seja a conseqüên-cia. Jesus é Senhor.”10 Como na De-claração de Barmen, que ela reflete,vemos a luta contra os “ídolos”. Ve-mos também a paixão por justiçasocial como parte da obediência e dotestemunho cristãos. Uma vez maisa fé comum foi confessada novamen-te em um momento de crise, emuma situação bem particular queaquela igreja estava vivendo.

Hoje a Igreja da Missão Reforma-da Holandesa se fundiu com a anti-ga e negra Igreja Reformada Holan-desa da África para formar a inter-racial Igreja Reformada Unida naÁfrica do Sul , tendo a Confissão deBelhar entre seus símbolos confessio-nais. Como uma nova igreja, ela con-vidou a Igreja Reformada Holande-sa, branca, para se unir a ela. As dis-cussões pela unificação continuam,mas não é fácil.

10 “A Confissão de Belhar de 1982” nosdocumentos preparatórios para a Consulta da AMIRna África do Sul. Genebra: WARC, Aliança Mundialde Igrejas Reformadas, 1993. Ver também“Confession of Belhar”, www.vgksa.org.za/confessions ou www.warc.ch/pc/20th/ (nota doEditor).

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A utilidade daA utilidade daA utilidade daA utilidade daA utilidade dateologia de Calvinoteologia de Calvinoteologia de Calvinoteologia de Calvinoteologia de Calvino

para os diálogospara os diálogospara os diálogospara os diálogospara os diálogosbilateraisbilateraisbilateraisbilateraisbilaterais

O significado da teologia deCalvino para o movimento ecumê-nico de hoje tem sido reconhecidonos diálogos bilaterais reformados.Desde a década de 60, a Aliança es-teve compromissada em diálogosbilaterais com todos os corpos cris-tãos mundiais, assim como com al-gumas tradições como a pentecostal,que não possui organismos mundiaisorganizados. Calvino provavelmentese alegraria com os progressos já fei-tos no diálogo luterano-reformado,agora com comunhão plena na Eu-ropa, América do Norte e em algu-mas outras localidades e, a nívelmundial, com uma intensa e regu-lar cooperação entre a FederaçãoLuterana Mundial (FLM) e a Alian-ça Mundial de Igrejas Reformadas(AMIR).

Outro diálogo permanente entreparceiros tem sido feito com oPontifício Concílio para a Promoçãoda Unidade dos Cristãos e novasoportunidades para articular a coo-peração católica-reformada têmemergido. Em uma conferência es-

pecial entre católicos e reformadosrealizada no Seminário Teológico dePrinceton, em 1996, o cardealEdward Idris Cassidy, então respon-sável naquele concílio pela unidadedos cristãos, falou dos desafios à fren-te, sendo um deles a ampliação docírculo do movimento ecumênico,para torná-lo mais abrangente e in-clusivo. Ele sugeriu: “... o diálogoentre a Aliança Mundial de IgrejasReformadas e a Igreja Católica podeter uma significação que vá muitoalém dos círculos que elas represen-tam.” Ele então apontou para afir-mações que têm sido feitas por“evangelicais” fora da Aliança e forada tendência atual do movimentoecumênico, que defendem seudistanciamento baseado em sua teo-logia calvinista. “Os exemplos acimacitados sugerem que se o diálogoentre a Aliança Mundial e a IgrejaCatólica tem êxito na tarefa de aju-dar a resolver diferenças históricas hámuito estabelecidas entre nós, tam-bém pode ser útil para outros cris-tãos, que atualmente não fazem par-te dos círculos ecumênicos usuais.Este diálogo pode servir como umaponte...”11

11 Cardeal Edward Idris Cassidy. “Desafiosecumênicos para o futuro: uma perspectivacatólica”, in The Princeton Seminary Bulletin, 18(1997), pp. 26-27.

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A sugestão do cardeal Cassidy noslembra que existem seguidores deCalvino que o compreendem demodo diferente dos membros daAliança. Estes calvinistas estão emdiversas denominações: algumas igre-jas reformadas, algumas igrejas batis-tas e algumas igrejas vagamente cha-madas de não-denominacionais. Asugestão dele também salienta a sig-nificativa relevância dos estudos con-tinuados da teologia de Calvino hoje,tanto nos círculos daqueles que rei-vindicam sua influência como comnossos parceiros ecumênicos.

Outros católicos também estãopedindo uma presença maior da pa-lavra de Calvino no diálogoecumênico. George Tavard, escre-vendo em 2000, considera os diálo-gos entre católicos e reformados nopassado como frustrantes quanto aosresultados, em parte por causa daausência de Calvino nos debates. Eleconsidera que o diálogo não oficialdesde 1937 entre católicos de falafrancesa, reformados e pastoresluteranos, desde 1937, no Grupo deDombes, como é conhecido, temsido muito mais profundo e substan-tivo, sendo perceptível a palavra deCalvino. Seus documentos frequen-temente assumem a forma de umconvite à conversão, uma forma “pró-xima do verdadeiro centro da teolo-

gia de Calvino”. Tavard tem ensina-do e escrito sobre Calvino.12

O teólogo franciscano DennisTamburello, autor do livro Union with

Christ: John Calvin and the

Mysticism of St. Bernard, publicouum pequeno artigo intitulado “Cris-to no centro: o legado da tradiçãoreformada”. Ele fala calorosamentecomo chegou a apreciar muitos as-pectos do pensamento de Calvino,especialmente sua ênfase nacentralidade de Cristo, sua teologiasacramental – incluindo a doutrinada presença real e a convicção de quea eucaristia é o laço de amor ligandoos sacramentos à justiça social - , suapenetrante doutrina do Espírito San-to e seu ensino de que os cristãosexpressam sua gratidão a Deus atra-vés do amor ao próximo. Ele achaque o importante ensino de Calvinosobre a união com Cristo não temsido plenamente apreciado na tradi-ção reformada e que esta negligên-cia tem conduzido a uma falsa infor-mação sobre o pensamento deCalvino e ao dogmatismo reforma-do. Ele comenta a dificuldade depersuadir aqueles que não lêemCalvino de que ele não é um

12 George H. Tavard. The Starting Point of Calvin´sTheology. Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 2000, pp.VII-VIII.

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dogmático rígido mas um cristão deprofunda espiritualidade e um teó-logo bíblico. A velha caricatura deCalvino é difícil de morrer, diz ele.

Mas Tamburello acredita que aarticulação de Calvino acerca da du-pla graça de Cristo nos seres huma-nos é “uma das mais significativascontribuições da teologia reformadapara a igreja.” Ele se refere particu-larmente às Institutas III.16.1 comoexcelente equilíbrio entre justifica-ção e santificação.13

Este ensino de Calvino é, de fato,uma das contribuições reformadaspara um prosseguimento da discus-são ecumênica sobre a justificação.A Aliança Mundial simplesmentedeclinou de assinar a Declaração con-junta de católicos e luteranos sobrea justificação, mas concorda em par-ticipar de uma nova e mais amplaconversação, que inclua também osmetodistas. Os reformados estavampreocupados particularmente com aconexão entre justificação e justiça.Uma das teólogas reformadas queparticiparam da discussão foi AnnaCase-Winters, que comenta:

O lugar em que a questão dajustiça apareceu mais clara-

mente nos diálogos em quetive o privilégio de participar,foi na discussão da declaraçãoconjunta sobre a doutrina dajustificação. Na conversaçãoentre católicos romanos,luteranos, metodistas e refor-mados - ‘quadrilateral´, sequiser – notou-se as vozes re-formadas perguntando pelaconexão entre justiça e justi-ficação. Os reformados demodo geral celebravam e afir-mavam o acordo doutrinalconseguido mas pressionaramperguntando acerca de suasimplicações. Para mim, a in-sistência reformada em sus-tentar justificação e santifi-cação juntas, como uma du-pla graça (a duplex gratia deCalvino) é onde a conexãonaturalmente surge. Parece-me que temos equilibrado cui-dadosamente a questão doperdão de pecados com a re-novação da vida. Esta não serefere às nossas obras (!) masàs obras de Deus em nós namedida em que crescemosdia-a-dia, mais e mais emunião com Cristo (Institutas,

III.2.24).Este crescimento em graça,fundamentado em nossa jus-

13 Dennis Tamburello, OFM. “Christ at the center: thelegacy of the Reformed Tradition”, in The Bulletin ofthe Institute for Reformed Theology, 4 (2004), pp.1,3-6.

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tificação, resulta em uma vidatransformada – individual esocialmente. A questão tam-bém pode ser conectada,como faz Daniel Fackre, coma nossa afirmação da sobera-nia de Deus sobre toda a vida.Assim, ser justificado é cres-cer em uma forma justa de vi-ver. A mim parece uma cone-xão lógica – e mesmo neces-sária. Nessas mesmas conver-sações, Russel Botman levan-tou a questão da relevância:como pode um acordo sobrea justificação fazer diferença.Sua preocupação era a de quepode não fazer, a menos quecompreendamos a questão dajustiça.14

Confessando unidos em busca da

justiça. Muitos reformados acredi-tam que os graves problemas de in-justiça econômica mundial hoje, queresultam da globalização econômi-ca, pela qual as nações pobres do sulestão sofrendo ameaça de vida, cons-tituem para esta geração uma ques-tão confessional.

O Conselho Geral da Aliança,realizado em Debrecen em 1997,conclamou a um “processo de con-

fissão” no qual as igrejas estudariamesta questão para ver que atitudedeveriam tomar. Uma vez mais re-conhecemos a luta contra os “ído-los”, uma insistência em que não hádomínio fora do governo de Deus eque, portanto, ninguém pode argu-mentar em favor de uma absolutaautonomia dos mercados. O clamorde Deus por justiça inclui o campoda economia, como Calvino certa-mente acreditava. A Aliança convi-dou a Federação Luterana Mundiale o Conselho Mundial de Igrejas paraparticiparem deste processo de con-fissão e eles também começaram aestudar a questão, tornando-se par-ceiros neste esforço ecumênico. AFederação Luterana Mundial elabo-rou recentemente sua própria decla-ração sobre a justiça econômica.

Em 2004 o Concílio Geral daAliança Mundial de Igrejas Reforma-das em Accra, convocou as igrejaspara tomarem uma atitudeconfessante, fazendo juntas um pac-to em prol da justiça na economia eda terra, declarando sua fé e refor-çando estes mesmos pontos teoló-gicos em torno do tema do Concí-lio: “Para que tenham vida e a te-nham em abundância” (Jo 10.10). Asolidariedade da família e o interes-se especial de Deus para com os po-bres e pela criação são enfatizados

14 Carta de Anna Case-Winters para Jane DempseyDouglass, 26 de outubro de 2006.

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como a resistência que se requer emuma ordem econômica injusta, im-posta pelo império. Ecos das Con-fissões de Barmen e de Belhar cla-mam por uma resistência apesar dasconseqüências. Jesus é Senhor!

A iniciativa reformada tem sidobastante encorajadora de uma parti-cipação ecumênica mais ampla nolabor pela justiça econômica, comoo fez anteriormente com a preocu-pação pelos direitos da criação não-humana e o programa de Justiça, Paze a Integridade da Criação.

Concluirei meu relatório coma alegria de saber que a DeclaraçãoConfessional de Accra está desper-tando muito interesse ecumênico emum canto distante do mundo, ouseja, na Califórnia (EUA). Um gru-po com cerca de quarenta líderes debase, ativistas de várias tradições cris-tãs, católicos e protestantes, reuniu-se em uma igreja presbiteriana emLos Angeles para discutir a declara-ção de Accra e decidiu encontraruma forma de estabelecer uma par-ceria que lhes permitisse viver jun-tos o compromisso com a justiçaeconômica exemplificada naqueledocumento. Um grupo de Fé e Or-dem de um conselho de igrejas tam-bém estudou o documento. Em umseminário no norte da Califórnia, umseminário de estudos com duração

de um ano, dirigido pela teóloga ca-tólica Rosemary Reuther, estará es-tudando a declaração.

Uma breveUma breveUma breveUma breveUma breveconclusãoconclusãoconclusãoconclusãoconclusãocalvinianacalvinianacalvinianacalvinianacalviniana

Uma palavra final da parte deCalvino: “Em cada época que lemosa palavra um, lembremo-nos de queela é usada com ênfase. Cristo nãopode ser dividido. A fé não pode serdespedaçada. Não existem váriosbatismos, mas um só, que é comuma todos. Outro não pode ser o nos-so dever senão cuidar da santa uni-dade que é formada por muitos vín-culos”. 15

15 Comentário de Efésios 4.5 em Lucas Vischer, PiaConspiratio, p. 13. Em português: SantaConspiração. Calvino e a Unidade da Igreja. S.Paulo: Caderno de O Estandarte, 2004, p. 14. NT.

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Sherron K

. George Ao entrar na bela baía

da Guanabara no Riode Janeiro, em 12 de

agosto de 1859, o jovem de 26anos, Ashbel Green Simonton(1833-1867), deve ter ficado bo-quiaberto diante da visão do mag-nífico paraíso tropical, com prai-as de areias brancas ao lado derochedos imponentes. Havia alasde palmeiras imperiais, árvorescom flores roxas e vermelhas emontanhas impressionantes. Ojovem norte-americano desco-briu que a capital do Brasil Im-perial era uma próspera e cultametrópole com arquitetura euro-péia, ruas calçadas, transporteurbano e iluminação a gás.

Foi um sermão de Charles

Sherron K. George, pastora edoutora, é consultora de

educação teológica e “liaison”para a América do Sul, da Igreja

Presbiteriana dos EstadosUnidos, morando no Brasil.

* Artigo publicado em Missiology: an Internationalreview. Vol. XXIV, no. 2, abril 2006, pp. 135-149.

Sementes do PSementes do PSementes do PSementes do PSementes do Presbiterianisnoresbiterianisnoresbiterianisnoresbiterianisnoresbiterianisnofrutificam no Brasil:frutificam no Brasil:frutificam no Brasil:frutificam no Brasil:frutificam no Brasil:

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Hodge, na capela do Seminário dePrinceton, que inspirou Simonton atornar-se o primeiro missionário en-viado ao Brasil pela IgrejaPresbiteriana nos Estados Unidos daAmérica. Durante os oito anos quese seguiram, enquanto seu país seempenhava na Guerra Civil,Simonton se casou, perdeu a esposadepois do nascimento da filha e, jun-tamente com seus colegas missioná-rios/as, estabeleceu a primeira con-gregação, presbitério, jornal evangé-lico, escola e seminário teológico daIgreja Presbiteriana do Brasil.

A irmã de Simonton, Elizabeth S.Blackford, e seu cunhado AlexanderBlackford, chegaram ao Rio em 1860e, em 1863, mudaram-se para SãoPaulo, a fim de começar o trabalhoevangelístico ali. Outro colega mis-sionário presbiteriano, FrancisSchneider, veio em 1861 para traba-lhar com os/as colonos/as alemãesem São Paulo.1

Blackford conheceu e conversoumuito com o padre José Manoel daConceição, chamado o “padre pro-testante”, pela avidez com que sededicava à leitura da Bíblia e por suaaproximação com os protestantes.Conceição deixou a batina e inicioua primeira congregação presbiterianaem Brotas, no interior do estado deSão Paulo, que logo superou nume-

ricamente as do Rio de Janeiro e deSão Paulo. Seguindo sua tradiçãopresbiteriana, Simonton, Blackforde Schneider convocaram uma reu-nião em São Paulo nos dias 16 e 17de dezembro de 1865, para organi-zar o Presbitério de Rio Janeiro epara ordenar José Manoel da Con-ceição, o qual tornou-se o primeiroministro protestante brasileiro. Otexto de seu sermão de ordenaçãofoi Lucas 4:18,19.2 O novo presbi-tério filiou-se ao Sínodo deBaltimore, do estado de Maryland,um estado fronteiriço entre o Nortee o Sul, mantido fora da Secessãopelo governo federal, porém sulistaem sua mentalidade.

A febre amarela acabou de ma-neira trágica e prematura com o mi-nistério de Simonton, aos 34 anosde idade, mas as sementes dopresbiterianismo já estavam lançadase germinando. Após três séculos emeio de hegemonia da Igreja Cató-lica Romana no Brasil, o estabeleci-mento da Igreja Presbiteriana abriuas portas do maior país católico ro-mano do mundo para outros grupose denominações protestantes.3

1James E. Bear. Mission to Brasil. Nashville: Boardof World Missions, PCUSA, 1961.2Duncan Alexander Reily. História Documental doProtestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1993,pp.117-120.

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Durante a Guerra Civil entre onorte e o sul, por causa da escravi-dão, ocorreu uma divisão na IgrejaPresbiteriana (PCUSA), formando-se no sul, a Igreja Presbiteriana dosEstados Unidos (PCUS). A partir daí,passaram a existir separadas uma igre-ja presbiteriana “do norte” e outra “dosul” até a união em 1983. Além dos/as missionários/as presbiterianos/asenviados/as ao Brasil pela Igreja doNorte (PCUSA) através da Junta deNova Iorque, em 1869 chegaram osprimeiros missionários da Igreja do Sul(PCUS) pelo “Comitê de Nashville”,George Nash Morton e Edward Lane.Em harmonia, cada igreja estabeleceuuma missão para coordenar seu tra-balho com a IPB.

A dinastia missionária de quatrogerações da família Lane, mostra aintegração do presbiterianismo do he-misfério norte no Brasil. Nascido naIrlanda, Edward Lane apareceu mis-teriosamente na cidade de NovaIorque, órfão e pobre, abandonado pelapessoa que o trouxera. Uma famíliapresbiteriana em Stony Point, no in-terior de Nova York (curiosamente, aIgreja do Norte ali estabeleceu, maistarde, um centro de estudos missio-nários) o abrigou, e mais tarde o en-viou para estudar no estado da Georgia,no sul do país. Enquanto servia comosoldado sulista em Richmond, Lanediscerniu a chamada de Deus ao mi-nistério e ao Brasil.

Recém-formados da primeira tur-ma do Seminário Union, emRichmond (capital do estado deVirginia), Morton e Lane escolhe-ram Campinas, que vivia o auge dacultura do café, e que também esta-va próxima da colônia americana de

3Antônio Gouvêa Mendonça relata as duas tentativasfracassadas para marcar a presença da reformacalvinista no Brasil Colônia por huguenotes francesesliderados por Nicolau Villegaignon no século 16 epor reformados holandeses no século 17 (Ver “AReforma no Brasil” em “Raizes da IgrejaPresbiteriana Independente do Brasil” em Cadernode O Estandarte, São Paulo, 2003, pp. 17-18).Anglicanos e luteranos receberam permissão dogoverno imperial antes da chegada de Simontonpara realizar cultos para os/as colonos/as ingleses ealemães, mas não tinham intenções de evangelizarbrasileiros/as. As Sociedades Bíblicas Britânica eAmericana haviam distribuído bíblias no Brasil. (Ver

Elben M. Lenz César, Entrevistas com Ashbel GreenSimonton, pp. 18-19, 29-30.) Robert Reid Kalley,um médico escocês de origem presbiteriana, de umamentalidade formada por uma associaçãomissionária britânica não-denominacional, ordenadopastor pelos congregacionalistas, veioindependentemente com sua esposa Sarah, ao Riode Janeiro em 1855. Joyce Every Clayton nos contaque Kalley “fundou as primeiras igrejas evangélicasno Brasil e foi o primeiro protestante a evangelizarbrasileiros/as em português.” (Ver Joyce EveryClayton, “The Legacy of Robert Reid Kalley,”International Bulletin of Missionary Research 26,no. 3, July 2002, p. 123.)

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Santa Bárbara, estabelecida por “su-listas” que fugiram após a derrota naGuerra Civil, para ser sua basemissionária. Numa viagem aos EUA,Lane casou-se com Sarah Lightner.

Embora tenha havido avanços sig-nificativos na evangelização e na edu-cação em Campinas e arredores, em1892 uma epidemia de febre ama-rela atingiu a cidade. Os/as missio-nários/as foram aconselhados/as adeixar Campinas, mas o casal Lane esua colega missionária CharlotteKemper ficaram para cuidar dos/asenfermos/as e confortar as pessoasque estavam morrendo. Kemper pe-gou a febre e os Lane cuidaram delaaté que se recuperasse, mas o minis-tério frutífero de Edward Lane che-gou ao fim quando a febre o vitimou,levando-o à morte no dia 26 demarço de 1892.4

No entanto, não foi em vão o suore sacrifício que abriram portas emterra alheia. O filho do casal, EdwardLane II e sua esposa Mary, continu-aram a obra missionária no estado deMinas Gerais, onde nasceram Johne Edward Lane III, que se tornarammédicos e professores de medicinaem sua terra natal, o Brasil. Eles cui-daram de muitos/as missionários/aspresbiterianos/as e Edward fez o par-to de muitas delas. Quarenta anosdepois da morte de Edward I,

Edward Lane II e sua colegamissionária Frances Hesser, funda-ram o Instituto Bíblico Edward Laneem Patrocínio, Minas Gerais. Opresbítero dr. Edward Lane III, umpresbítero presbiteriano, tornou-sepresidente da Junta do SeminárioPresbiteriano do Sul em Campinas,construído em um terreno doado porseu avô. Seu filho William serviucomo professor e presidente do Se-minário. No dia 28 de junho de 2002,com 78 anos, o dr. Edward Lane III,passou para a glória.

Ao vislumbrar os frutos duradou-ros do presbiterianismo em terra bra-sileira, as juntas missionárias do Nor-te e do Sul dos EUA se empolgarame continuaram a enviar missionários/as para trabalhar em prol da IgrejaPresbiteriana do Brasil (IPB). Seulabor foi realizado basicamente atra-vés da evangelização, da implantaçãode igrejas e do estabelecimento deinstituições educacionais no vastoterritório brasileiro. Ao lado das igre-jas eles fundaram escolas primárias,especialmente em regiões pioneiras,onde a educação não havia chegado.Os colegas de Simonton, Blackford eSchneider, George Chamberlain e sua

4Bear em Mission to Brasil conta do trabalho deLane e de outros/as missionários/as da PCUS emCampinas e ao redor, incluindo o “ColégioInternacional de Campinas,” pp. 10-25.

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esposa Mary Annesley Chamberlain,fundaram em 1870, em São Paulo, aEscola Americana, que deu origem àUniversidade Presbiteriana Macken-zie, hoje a maior universidade parti-cular do Brasil. 5

Antonio Gouvêa Mendonça reco-nhece a contribuição dos/as missio-nários/as na educação oferecida ameninos e meninas nas “escolas pa-roquiais”, mas levanta a questão po-lêmica acerca da influência culturale ideológica na educação secundária.No projeto educacional liberal nor-te-americano, especialmente noMackenzie, estavam “frente a frentea cultura anglo-saxã protestante e aibero-americana católica”.6 No bojodo trabalho educacional das missõesestrangeiras estava a intenção detransmitir a “civilização” e valores li-berais do protestantismo do norte.

RRRRRumo à autonomiaumo à autonomiaumo à autonomiaumo à autonomiaumo à autonomiado presbiterianismodo presbiterianismodo presbiterianismodo presbiterianismodo presbiterianismo

brasileirobrasileirobrasileirobrasileirobrasileiro

A Igreja Presbiteriana do Brasildeu o primeiro passo de sua “precá-ria” autonomia com relação às jun-tas missionárias do Norte e do Suldos EUA em 1888, com a criação dosínodo em uma reunião no Rio deJaneiro. Naquela altura havia 59 igre-jas e três presbitérios com 12 minis-tros brasileiros e 20 missionários/as.Os presbitérios se desligaram dossínodos das duas igrejas norte-ameri-canas e o Presbitério de Campinas eOeste de Minas se desdobraram paraformar o Presbitério de São Paulo e ode Minas. Não havia ligação eclesiás-tica oficial com outras igrejas.

A Igreja Presbiteriana do Brasiladentrou o século XX como a maisforte denominação protestante naAmérica Latina. As sementes plan-tadas tinham tudo para fazer germi-nar uma igreja nacional verdadeira-mente autônoma. Portanto, não foisem mais que isto aconteceu. Já nasegunda reunião do sínodo, em 1891,ficaram evidentes as tensões inter-

5Osvaldo Henrique Hack mostra a influêncianacional de 13 instituições educacionaisestabelecidas por missionários/as presbiteriano/asentre 1870 e 1930 em 7 estados no Brasil. Asescolas são: Colégio Agnes Erskine em Recife, PE;Colégio XV de Novembro em Garanhuns, PE; ColégioDois de Julho em Salvador, BA; Instituto Ponte Novana Bahia; Colégio Evangélico Alto Jequitibá em MG;Instituto Gammon em Lavras, MG; Colégio EvangélicoBuriti em MT; Escola Americana em São Paulo;Instituto José Manoel da Conceição em Jandira, SP;Colégio Internacional em Campinas, SP; EscolaAmericana em Curitiba, PR; Instituto Cristão emCastro, PR e a Escola Americana em Florianópolis,SC. Hack destaca a Escola Americana em São Paulo“porque ela foi a pioneira na aplicação do sistemapedagógico norte-americano no Brasil”. (VerProtestantismo e Educação Brasileira. São Paulo:Casa Editora Presbiteriana, 1985, pp.101-102.)

6Antonio Gouvêa Mendonça. “Raízes da IgrejaPresbiteriana Independente do Brasil,” em TerceiroCaderno do Centenário de O Estandarte, São Paulo,2003, p. 27.

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nas e os conflitos entre missionáriosestrangeiros e lideranças nacionais, asquais “já julgavam que poderiamconduzir a igreja sem a interferênciaamericana. O espírito do tempo erade independência e autoctonia”.7

A dependência financeira, a im-posição americana e a “ideologia dasuperioridade da cultura anglo-saxãsobre a latina”8 foram os empecilhos.Como resultado do impasse sobre aautonomia, as implicações doutriná-rias da maçonaria, a educação teoló-gica, a filosofia educacional norte-americana no Mackenzie e o planode Missões Nacionais, EduardoCarlos Pereira liderou um grupo na-cionalista na formação da IgrejaPresbiteriana Independente do Bra-sil, o que ocorreu no dia 31 de julhode 1903. A IPIB nasceu portando asbandeiras do auto-sustento, auto-governo e auto-propagação. Nas pa-lavras de Assir Pereira, cem anos de-pois, a “Igreja, celebra seu centená-rio como igreja autóctone, brasileirae primeira igreja a se emancipar dasmissões estrangeiras na América La-tina”.9 De acordo com Éber FerreiraSilveira Lima, a IPIB “foi o primeirogrupo protestante a se organizar noBrasil com uma proposta voltada paraa realidade do país”.10

Algumas questões missiológicasque causaram o êxodo da IPIB fo-

ram: qual é o papel de missionários/as de fora? Quanto tempo devem fi-car? Ministros estrangeiros devempertencer aos presbitérios? Qual é olugar de missionários/as estrangei-ros/as na Igreja nacional? Quanta in-fluência sua cultura deve ter? Comodevem abrir mão do controle?

Refletindo sobre a cisão que re-sultou na formação da IPIB, ÁureoRodrigues de Oliveira, presidente doSeminário Teológico de Fortaleza daIPIB, diz “A igreja brasileira, confor-me propugnava Pereira, não podia deforma alguma ficar na dependênciados contingentes missionários”.11

FFFFFechou-se uma porta:echou-se uma porta:echou-se uma porta:echou-se uma porta:echou-se uma porta:missões nacionaismissões nacionaismissões nacionaismissões nacionaismissões nacionais

independentesindependentesindependentesindependentesindependentes

Sem recursos financeiros ou hu-manos de fora, comprometidos como auto-governo, auto-sustento e

7Éber Ferreira Silveira Lima. Apóstolo “Pé Vermelho”:Jonas Dias Martins e a evangelização do norte doParaná. São Paulo: Editora Pendão Real, 2002, p. 27.8Antonio Gouvêa Mendonça. “Raízes da IgrejaPresbiteriana Independente do Brasil,” em TerceiroCaderno do Centenário de O Estandarte, São Paulo,2003, p. 83.9Assir Pereira, Palavra do Presidente, “Casa deOração para todos os povos.Em O Estandarte, ano111, no. 07, julho 2003, p. 3.10Éber S. Lima, op. cit., p. 28.11Áureo Rodrigues de Oliveira, “Educação Teológica eIPIB no Norte/Nordeste”, p. 1.

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auto-propagação, a IPIB cresceu aospoucos, especialmente nos estados deSão Paulo e Paraná. “Quando a IPIdo Brasil foi organizada, tudo indica-va que ela seria um grande fracasso”,diz Gerson Correia de Lacerda, pre-sidente do Seminário Teológico deSão Paulo da IPIB. “A vida do Rev.Jonas foi semelhante: tinha tudo paranão dar certo”12 diz Éber Silveira Limaem Apóstolo “Pé Vermelho”, ao con-tar a história estupenda de Jonas DiasMartins (1902-1986) - apóstolo, pas-tor e missionário brasileiro, o terceiroafro-brasileiro ordenado na IPIB. Avida desse gigante espiritual é ummodelo do fruto das missões nacio-nais independentes.

Nascido numa família pobre delavradores, Martins trabalhava novehoras por dia numa serraria para po-der assistir às aulas noturnas no se-minário improvisado no porão daIgreja Presbiteriana Independente,em Sorocaba. Sua ordenação em1935 foi uma vitória. Primeiramen-te no estado de São Paulo e depoisno Paraná, as muitas congregaçõespor ele plantadas constituíram seu

imenso campo missionário. Lima citao relatório de Martins prestado aoPresbitério em 1945: “Quilômetros(sic) percorridos em todo o campo:embarcado, 422; ônibus, 5.394; acavalo, 540; a pé, 185; de charrete,56; de bicicleta, 131; de automóvel,42, em um total de 6.770 quilôme-tros”.13 A última igreja que elepastoreou, a Primeira IPI de Londri-na, é a maior na denominação hoje.A aposentadoria, o glaucoma e a ce-gueira não impediram que esseeloquente pregador continuasse acuidar de seu rebanho.Enquanto aevangelização, a implantação de igre-jas e a educação caracterizaram a atu-ação presbiteriana no Brasil, o rev.Jonas também se preocupava inten-samente com o ser humano e a reali-dade social e política. Lima comen-ta o contraste entre sua postura equi-librada e progressista e a dos/as mis-sionários/as que, “fortemente influ-enciados por uma teologia espiri-tualizante e intimista (característicado século XIX), produziram um pro-testantismo diluído, sem ênfase so-cial”.14 A questão merece amplodebate crítico.

12 Gerson C.de Lacerda, apresentação em ÉberFerreira Silveira Lima. Apóstolo “Pé Vermelho”, p. 12.13Éber Ferreira Silveira Lima, Apóstolo “PéVermelho,” p. 69.14Éber Ferreira Silveira Lima, Apóstolo “PéVermelho,” p. 91.

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RRRRRumo à umo à umo à umo à umo à ssssseparaçãoeparaçãoeparaçãoeparaçãoeparaçãode de de de de ppppparcerarcerarcerarcerarceriiiiias as as as as aaaaantigasntigasntigasntigasntigas

Enquanto as duas denominaçõesbrasileiras presbiterianas expandiramseus ministérios e cresceram, em1917 houve uma tentativa de corri-gir um dos problemas principais quecausou o cisma de 1903. O “modusoperandi” do famoso “Brasil Plan”de cooperação determinou que mis-sionários/as presbiterianos/as eevangelistas da “Junta de NovaIorque” e do “Comitê de Nashville”serviriam somente no desenvolvi-mento de novos “campos missioná-rios “ da IPB no interior do país, en-quanto pastores nacionais cuidariamdas igrejas já estabelecidas. Ademais,norte americanos não seriam maismembros dos presbitérios brasileiros.Embora o alvo do plano fosse a even-tual retirada dos/as estrangeiros/as,os resultados imediatos foram umacrescente separação e isolamento dosmissionários e das missionárias nasmissões norte americanas, que atua-vam paralelamente à Igreja Nacional.Em 1954 a IPB, a PCUSA, a PCUSe as Missões aposentaram o “BrasilPlan” e estabeleceram um ConcílioInter-Presbiteriano que definiu cla-ramente a meta de gradativamentetransferir todo seu trabalho à Igreja

nacional. A Igreja do Norte, em1956, determinou a integração com-pleta de suas missões à IPB no prazode cinco anos. 15

A partir dos anos 30 e especial-mente na década dos 60, mudançassignificativas começaram a ocorrer naigreja e na sociedade brasileira. Mo-vimentos estudantis e ecumênicosarticularam o comprometimentocom a responsabilidade social e atransformação da sociedade, conde-naram o proselitismo de católicos/aspraticantes e se pronunciaram con-tra a repressão política. Um espíritode vanguarda estava no ar. Era reco-nhecida nacional e internacionalmen-te a liderança ecumênica da IgrejaPresbiteriana do Brasil. Contudo,depois da fundação do ConselhoMundial de Igrejas em 1948, a opo-sição ao movimento ecumênico e ao“modernismo” começaram a crescer.João Dias de Araújo em seu livroInquisição sem Fogueira: Vinte Anos

de História da Igreja Presbiteriana

do Brasil: 1954-1974, mostra como“o movimento fundamentalista des-pertou a tendência inquisitorial doprotestantismo conservador”.16 No

15Frank L. Arnold, “From Sending Church to PartnerChurch: The Brazil Experience”, no Journal ofPresbyterian History, Philadelphia, Fall 2003.16João Dias de Araújo. Inquisition without Burning,Traduzido por James N. Wright. Rio de Janeiro:Instituto Superior de Estudos da Religião, 1982. p. 20.

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livro Protestantismo e Repressão,Rubem Alves revela as últimasconsequências do tipo de protestan-tismo que ele chama de “reta dou-trina” cujos seguidores/as “estão con-denados à verdade absoluta e à into-lerância”.17 Portas abertas começa-ram a se fechar e a maioria dos/aspresbiterianos/as cederam às medi-das duras do regime militar, impos-to ao Brasil por um golpe em 1964.

PPPPPor dez anos umor dez anos umor dez anos umor dez anos umor dez anos ummissionáriomissionáriomissionáriomissionáriomissionário

revolucionário fezrevolucionário fezrevolucionário fezrevolucionário fezrevolucionário fezdiferença no Brasildiferença no Brasildiferença no Brasildiferença no Brasildiferença no Brasil

Missionário da “Junta de NovaIorque”, Richard Shaull, que primei-ro serviu na Colômbia (1942-1951),foi um símbolo das mudanças no es-tilo de atuação na Missão Brasil Cen-tral da PCUSA e na IPB diante dasituação política e eclesial neste pe-ríodo. Em 1952 Shaull veio ao Brasilpara passar duas semanas e fazer pa-lestras na Primeira Conferência La-

tino-Americana de Estudantes Cris-tãos. As portas se abriram e ele fi-cou dez anos.

A linguagem de Shaull sobre “re-volução social” o tornou um agentecatalisador de mudanças e uma ame-aça. Além de sua liderança no movi-mento universitário protestante, elelecionou no Seminário Presbiterianoem Campinas, onde abriu as men-tes dos jovens para o mundo. Ru-bem Alves entrou no seminário em1953, logo que Shaull começou aensinar ali. Ele recorda como Shaullveio cheio de perguntas e dizendoaos estudantes para não procuraremDeus em lugares calmos, mas nas“asas do furacão”. E assim foi suaexperiência no Brasil. Alves vê a teo-logia de Shaull como “uma medita-ção sobre o furacão. E o que é inte-ressante é que ele falava sem medo,como se o furacão não fosse coisaruim: o furacão como sinal de espe-rança. . . . Shaull entendia que a vida,para continuar, tem de passar pelamorte. . . . É necessário morrer pararessurgir”.18 Shaull foi um protóti-po de morte e ressurreição para asmissões presbiterianas dos EUA.

Um discípulo de Shaull, Eduar-do Galasso Faria, em seu livro sobreo impacto da teologia de Shaull noprotestantismo brasileiro nas déca-das de 50 e 60, demonstra que Shaull

17Rubem Alves. Protestantismo e Repressão. SãoPaulo: Editora Ática, 1979, p. 284.18Rubem Alves. “O Deus do Furacão,” em De Dentrodo Furacão: Richard Shaull e os primórdios daTeologia da Libertação. São Paulo: CEDI e CLAI,1985, pp. 22, 23.

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acreditava que a igreja não existeprincipalmente para se preocuparcom cuidados pastorais ou edificaçãopessoal, mas como uma comunida-de missionária através da qual Deusestá agindo no mundo, e que a voca-ção dos/as ministros/as é de prepa-rar a igreja para engajar-se ativamentena missão transformadora de Deus.Em Somos uma Comunidade

Missionária, Shaull disse, “Para cum-prir a sua missão, a igreja tem de fa-zer o que Cristo fez: entrar na vidado ser humano e do mundo. Somosenviados ao mundo”.19

Shaull ensinou aos jovens que, avida do cristão, em vez de ser umafuga do mundo marcada por proibi-ções, é interessante, dinâmica e po-sitiva, é uma vida de serviço a JesusCristo tanto no mundo, quanto naigreja. Muitos jovens e estudantescomo Alves entusiasticamente com-partilharam a visão de Shaull da igrejana sociedade. Por isso, ele ficou cho-cado quando, no ano sabático com afamília nos EUA em 1958, recebeuuma carta do reitor do Seminário emCampinas dizendo-lhe que seriamelhor não voltar ao Brasil. Ele nãoaceitou que esta porta se fechasse evoltou para enfrentar muitos fura-cões, o que o levou a contemplar a“impossibilidade da renovaçãoinstitucional da igreja no Brasil”.20

Shaull deixou o Brasil em 1962 etornou-se professor de ecumenismono Seminário Teológico de Princeton.Em 25 de outubro de 2002 faleceu,com 82 anos. Ao avaliar o papel deShaull no protestantismo brasileiro,Galasso conclui: “ele representouum grande divisor de águas e sãomuitos os que reconhecem na histó-ria das igrejas protestantes brasilei-ras, a existência de um antes e um

depois dele”.21

Shaull entretanto, não foi o úni-co professor expulso do Seminário.O Seminário do Norte, em Recife,também experimentou expurgos. Osmissionários norte-americanos PaulPierson e Thomas Foley foram retira-dos de lá. Também o teólogo siste-mático João Dias de Araújo foi ex-pulso em 1970, por falar contra a in-justiça social no nordeste do Brasil.22

Quando Rubem Alves terminousua tese de mestrado no SeminárioUnion de Nova Iorque e estava sepreparando para regressar ao Brasil,viu dentro do metrô a seguinte man-chete no New York Times:

19Eduardo Galasso Faria. Fé e Compromisso: RichardShaull e a Teologia no Brasil. São Paulo: ASTE,2003, p. 101.20Eduardo Galasso Faria. Fé e Compromisso. RichardShaull e a Teologia no Brasil. S. Paulo: Aste, 2003,p. 139.21Eduardo Galasso Faria, idem, p. 143.

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“Revolution in Brazil”. Era o dia 1ºde abril de 1964. Ao chegar no Bra-sil, o amigo que foi encontrá-lo noaeroporto, contou que ele era um dosseis pastores que estavam sendo acu-sados pelo Supremo Concílio da IPB.O pesadelo solitário que se iniciousó foi aliviado através de um conviteda Igreja Presbiteriana Unida dosEstados Unidos da América(UPCUSA)23 e do Seminário Teoló-gico de Princeton para voltar e fazerseu doutorado. Alves escreve comonunca pôde se esquecer da sensaçãoque teve quando o avião decolou:

Mas, se na partida está a eufo-ria da liberdade,na chegada está a tristeza doexílio.Aquele não era o meu mun-do.24

A influência de Shaull sobre a ju-ventude foi marcante. Araújo expli-ca que o primeiro alvo da intransi-gência da IPB foi o trabalho dos jo-

vens presbiterianos/as.25 BillyGammon, filha de um casal missio-nário da PCUS, ajudou a fundar aConfederação da Mocidade Presbi-teriana e viajava por todo o Brasil.Ela foi tragicamente morta em umacidente automobilístico, em Brasília.Algumas pessoas acreditam que oregime militar planejou sua morteporque ela estava mobilizando jovenspresbiterianos/as para lutarem poruma reforma política.

Uma famíliaUma famíliaUma famíliaUma famíliaUma famíliamissionáriamissionáriamissionáriamissionáriamissionária

ecumênica marcaecumênica marcaecumênica marcaecumênica marcaecumênica marcapresença no Brasilpresença no Brasilpresença no Brasilpresença no Brasilpresença no Brasil

Outro estudante presbiterianoativista envolvido com a juventudefoi Paulo Wright, filho e irmão demissionários norte-americanos. Umartigo que ele escreveu no jornalMocidade em 1960 inflamou a igre-ja contra ele e contribuiu para aextinção da Confederação da Moci-dade Presbiteriana. Ele foi eleito de-putado estadual em Santa Catarinaem 1962, e por causa de suas medi-das de reforma foi um dos primeiroslegisladores cassados após o golpemilitar de 1 de abril de 1964. Paulo

22João Dias de Araújo. Inquisition without Burning, p. 60.23A Igreja Presbiteriana Unida dos Estados Unidosda América (UPCUSA) era o ramo do “norte” queresultou da união da PCUSA com a IgrejaPresbiteriana Unida da América do Norte (UPCNA),em 1958.24Rubem Alves no prefácio de Da Esperança.Tradução de Theology of Hope por João FranciscoDuarte Jr. Campinas: Papirus Editora, 1987, p. 31.25 João Dias de Araújo. Inquisition without Burning,p. 21.

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foi para o exílio em Cuba, mas umano depois voltou ao Brasil e traba-lhava na clandestinidade. Como lí-der do grupo político Ação Popular,ele organizava cooperativas rurais emvárias regiões do Brasil, ensinando aopovo como coletivamente reivindi-car os direitos que lhes estavam sen-do negados.

Durante oito anos, Jaime, o ir-mão de Paulo que era missionário daUPCUSA, ocasionalmente recebiaum telefonema de Paulo e eles seencontravam secretamente paraconversar, sem fazer perguntas sobresua ação clandestina. Mais tarde, emum dia de setembro de 1973, Jaimerecebeu um telefonema anônimodizendo “Ele caiu”. Não era neces-sário explicação. Paulo foi desapare-cido. Sua sobrinha Delora no livro OCoronel Tem um Segredo, mostra aagonia de não saber por anos o quefizeram com ele: se o mataram, onde,quando, como e o que fizeram comseu corpo. Depois de tentativas frus-tradas de localizá-lo em prisões mili-tares em São Paulo, Jaime descobriuque Paulo foi torturado e morto emum período de vinte e quatro horasapós sua captura. Jaime e sua esposaAlma encontraram apoio e confortopor parte do arcebispo de São Paulo,dom Paulo Evaristo, Cardeal Arns.Como arcebispo da maior arqui-

diocese do mundo naquela época, ocardeal Arns falava contra o uso mi-litar da tortura contra inimigos polí-ticos. Uma porta se abriu e reverteuanimosidades históricas quando ocardeal Arns convidou Wright paratrabalhar com a Igreja Católica Ro-mana, como assessor para assuntosinternacionais e direitos humanos epara unir-se a ele em um projeto daarquidiocese, que requeria sigilo ab-soluto. Durante seis anos uma equi-pe secreta, porém atuando legalmen-te em Brasília, fotocopiou um mi-lhão de páginas de documentos ofi-ciais sobre o regime, contendo de-poimentos de tortura sistemáticarealizada pelo governo militar de1964 a 1979. Os resultados da pes-quisa estão em Brasil Nunca Mais,

publicado no Brasil em 1985, quan-do o governo civil foi restaurado etambém em um filme feito nos Esta-dos Unidos um ano depois. O livroteve um tremendo impacto público,especialmente na juventude, que hojeestá governando e construindo umasociedade democrática no Brasil.26

Durante esses anos doloridos, ofrágil relacionamento entre a IgrejaPresbiteriana do Brasil (IPB) e a IgrejaPresbiteriana Unida dos EstadosUnidos da América (UPCUSA) de-teriorou-se por causa do envol-vimento ecumênico, especialmente

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com católicos e o apoio aos movi-mentos progressistas nos seminários eentre a juventude. Finalmente, apóstensões acirradas sobre a questão dasinstituições educacionais e a transfe-rência de propriedades, não causousurpresa o fato de, em 1971, a IPBpedir para a UPCUSA retirar JaimeWright, Paul Pierson, Carl Hahn, Jr. eCharles Harken do Brasil. Nenhumdeles foi retirado. Nesse mesmo anoa UPCUSA, que já havia diminuído onúmero de missionários e missionáriasno Brasil devido a uma crise orçamen-tária, desmantelou a MissãoPresbiteriana Brasil Central como or-ganização operacional, mantendo ape-nas sua existência jurídica para fins le-gais. Jaime Wright permaneceu noBrasil como representante da igreja donorte dos EUA. Consequentemente,em 1973, a IPB unilateralmente de-clarou o fim de todas as relações daIPB com a UPCUSA e sua “Junta de

Nova Iorque”.Alguns missionários e missionárias

da UPCUSA voltaram ao Brasil com o“Comitê de Nashville” da PCUS (Igrejado Sul). Em 1973 a IPB e a PCUS assi-naram um novo acordo e, na opiniãode Frank Arnold, entraram numa faseem que ocorreram as mais rápidas mu-danças na história das relações entre aigreja brasileira e os presbiterianos/asnorte americanos/as.27

Mudanças rápidas eMudanças rápidas eMudanças rápidas eMudanças rápidas eMudanças rápidas esolidariedade aos/solidariedade aos/solidariedade aos/solidariedade aos/solidariedade aos/

as excluídos/asas excluídos/asas excluídos/asas excluídos/asas excluídos/as

Em 1978, como resultado deportas fechadas pela IPB, dois fatosde grande significado aconteceram.Após conflitos teológicos, pronun-ciamentos sociais e posicionamentosecumênicos, ocorreu a expulsão daIgreja Presbiteriana do Brasil de maisde 50 pastores e algumas igrejas, pres-bitérios e sínodos inteiros. Nasceuem Atibaia, no dia 10 de setembrode 1978, a Federação de IgrejasPresbiterianas (FENIP) que, em1983, tornou-se a Igreja PresbiterianaUnida do Brasil (IPU). Por ocasiãode seu jubileu de prata, foi lançado o

26 Lawrence Weschler, “A Reporter at Large: AMiracle, A Universe”, The New Yorker, Parte I: May25, 1987, pp. 69-86 e Parte II; June 1, 1987, pp.72-85. Em 1986 Weschler visitou Jaime Wright emSão Paulo, o qual lhe mostrou uma sala commilhares de arquivos cujos “conteúdosdocumentaram o outro lado do Milagre Brasileiro”,Parte I, p. 69. Sua pergunta a vários entrevistadosfoi: “Como, afinal das contas, conseguiram manterseu projeto em sigilo por tanto tempo?”, ao querespondeu um colunista brasileiro: “Isso foi overdadeiro Milagre Brasileiro”, Parte II, p. 84. Vertambém Delora Jan Wright em O Coronel Tem umSegredo: Paulo Wright Não Está em Cuba.Petrópolis: Vozes, 1993, para se sentir a agonia dossegredos militares durante as longas investigaçõessobre o desaparecimento de seu tio.

27Frank L. Arnold. “From Sending Church to PartnerChurch: The Brazil Experience” em Journal ofPresbyterian History, Philadelphia, Fall, p. 187.

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livro Por que IPU, do Rev. AntônioMarques de Fonseca Júnior conten-do o registro de documentos quecontam uma triste, porém corajosahistória.

O comprometimento da IPUcom a inserção social e profética daigreja na sociedade, seu envolvimentoecumênico e sua inclusão plena demulheres no ministério, tornaram suaaproximação com a Igreja Presbi-teriana dos EUA, natural. A solida-riedade de alguns missionários quetambém foram excluídos dos semi-nários foi importante. A influênciade Richard Shaull na formação teo-lógica da IPU foi tão grande que re-centemente ela reabriu o SeminárioCentenário, que havia sido fechadopela IPB em Vitória, com o novonome de “Faculdade de TeologiaRichard Shaull”. O missionário Jai-me Wright serviu como SecretárioExecutivo da IPU. John e Jean Millerabriram a primeira congregação daIPU em Brasília.

Ninguém exemplifica melhor avisão da IPU e sua parceria com aPC(USA) do que João e IthamarDias de Araújo. Ela também rece-beu dois casais de missionários quetrabalharam no Instituto TeológicoEcumênico da Bahia (ITEBA), Sal-vador, apoiado pela IPU, que foi umade suas fundadoras. Também acom-

panharam Peter Kemmerle e MariaArroyo, hoje Coordenadora paraAmérica Latina e Caribe para aPC(USA)), no seu trabalho durante3 anos com CEDITER, uma pasto-ral presbiteriana da Bahia que atuacom os sem-terra, em cooperaçãocom a Igreja Católica Romana e oMST. Trezentas famílias afro-brasi-leiras foram ajudadas para obter osdireitos sobre suas terras. Em 2004veio mais um casal, que foi convida-do pela IPU para lecionar no ITEBA.

Em palestra para a comemoraçãodo jubileu de prata da IPU, João Diaslançou mão da imagem do êxodo doEgito e descreveu da seguinte ma-neira os passos que a Igreja deu emAtibaia, em 1979:

Saída do presbiterianismo desegunda mão para opresbiterianismo da fonte;Saída da pregação da ‘salvaçãoda alma’para a pregação do‘evangelho do Reino de Deus’;Saída de uma igreja sectáriapara uma igreja ecumênica;Saída de uma igreja de minis-tério restrito para uma igrejade ministério integral;Saída de uma igreja de códigode disciplina para uma igrejade ética cristã.28

28João Dias de Araújo, “As Bases de Atibaia”,Atibaia, SP, 25 de julho de 2003.

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29Josué da Silva Mello. “Desafios da IPU”. Atibaia,26 de julho de 2003.

No dia seguinte, Josué da SilvaMello, que também foi expulso daIPB, disse que a IPU quer ser umaigreja que sai e vai, uma igreja emmovimento, em processo. Ele incen-tivou especialmente as igrejas locais aresgatarem o sentido da comunidadecomo instrumento da missão, que é aidentidade da IPU. A igreja a cami-nho tem esses cuidados:

Reconstrução da consciência daevangelização;Educação teológica;Desafio profético e diaconal;Avanço na vivência ecumênica;Contextualização da celebra-ção litúrgica;Constituição em comunidadeconstrutora da esperança.29

Mudança deMudança deMudança deMudança deMudança dementalidade: damentalidade: damentalidade: damentalidade: damentalidade: da“independência”“independência”“independência”“independência”“independência”para o convite àpara o convite àpara o convite àpara o convite àpara o convite à

“integração”“integração”“integração”“integração”“integração”

Após a IPB haver terminado suaparceria com UPCUSA em 1973,um grande acontecimento se deu em1978, na Igreja Presbiteriana Inde-

pendente do Brasil (IPIB). Ao con-solidar os seus 75 anos de autono-mia, dois de seus presbitérios cora-josamente convidaram dois casais eum solteiro da Igreja PresbiterianaUnida nos Estados Unidos da Amé-rica (UPCUSA - a Igreja do Norte)a trabalhar com eles. Pela primeiravez na trajetória da IPIB, numa reu-nião histórica, o Presbitério de SãoPaulo, recebeu por unanimidade umobreiro norte-americano como mem-bro votante. Foi o Rev. RichardIrwin. Alguns dias depois, o Rev.Albert Reasoner e o Rev. GordonTrew aceitaram os convites para in-gressar no Presbitério Brasil Central.

Esse passo na direção de umaparceria de “interdependência” e“integração” com uma igreja fun-dada para ser “independente” dainfluência missionária, foi um sinalde maturidade e mudança nas duasdenominações. Por iniciativa da di-retoria da IPIB, o passo seguintefoi um encontro histórico em mar-ço de 1983, em São Paulo, de trêsigrejas irmãs: a Igreja PresbiterianaIndependente do Brasil (IPIB), aIgreja Presbiteriana Unida nos Es-tados Unidos da América(UPCUSA) e a Igreja Presbiteriananos Estados Unidos da América(PCUS). Quando a PC(USA) foifundada em junho de 1983,pela

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da. Foi o fim de uma era e um estilo,uma morte de “causas naturais”, es-perada há muito tempo. A dissolu-ção poderia ter significado um avan-ço maduro nas parcerias de igreja-para-igreja, mas foi uma crise e tran-sição confusa para muitos/asmissionárias/as e para a cúpula daPC(USA), que resultou em um lon-go processo experimental de disso-lução e morte.

Em 1986, o missionário daPC(USA) Archibald Woodruff che-gou para lecionar no Seminário Teo-lógico de São Paulo, da IPIB, junta-mente com sua esposa Linnis Cook,que trabalhou como advogada como ecumênico Centro Gaspar Garcia.Woodruff explica que ele foi “o pri-meiro missionário enviado ao Brasilcujo primeiro trabalho seria com aIPIB, marcando assim um novo pas-so na parceria. Era para ser um rela-cionamento diferente. Seríamos re-cebidos pela igreja parceira e não pelaMissão”. Woodruff ainda comenta:“Creio que a maioria dos/as missio-nários/as no Brasil tem laços fortesde afeto com uma das igrejas parcei-ras da PC(USA) ou uma ex-parcei-ra, mas eu desenvolvi laços com aigreja brasileira antes de desenvol-ver laços com a Missão, e minha igrejabrasileira é a IPIB”.30

Foi de fato uma experiência de

união da UPCUSA do Norte e aPCUS do Sul, a Igreja Presbiterianado Brasil (IPB) unilateralmenterompeu sua parceria com a Igreja-mãe. Em seguida, o Supremo Con-cílio da IPIB, em 1984, abriu a pos-sibilidade de convidar mais obrei-ros/as da PC(USA) para trabalharcom ela.

A MissãoA MissãoA MissãoA MissãoA MissãoPPPPPresbiteriana resbiteriana resbiteriana resbiteriana resbiteriana nonononono

Brasil dissolvida emBrasil dissolvida emBrasil dissolvida emBrasil dissolvida emBrasil dissolvida emum longo processoum longo processoum longo processoum longo processoum longo processo

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Os tempos haviam mudado. APC(USA) estava na fase de conhe-cer e desenvolver relacionamentoscom duas novas igrejas parceiras.Após anos de trabalho de missioná-rios e missionárias dos EUA no Bra-sil, como membros de uma entida-de norte-americana com considerá-vel autonomia, a Missão Presbiterianano Brasil foi formalmente dissolvidapela PC(USA) no dia 31 de dezem-bro de 1985, permanecendo apenascomo sociedade civil, para fins legais.Foi a última das missões norte-ame-ricanas no mundo (para presbi-terianos/as dos EUA) a ser dissolvi-

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aprendizagem, tanto para a igrejareceptora, como para o missionárioe a missionária da PC(USA).“Integração numa igreja que temciúme de sua autonomia exigiu cer-ta adaptação da minha parte”,Woodruff diz. “Era importante queas pessoas da IPIB controlassem suasinstituições e fossem meus patrões.Por isso, tinham certa relutância emser meus estudantes.”31 Evidente-mente, superaram os desafios.

Missão PMissão PMissão PMissão PMissão Presbiterianaresbiterianaresbiterianaresbiterianaresbiterianado Brasildo Brasildo Brasildo Brasildo Brasil

Portanto, como a fênix, a MissãoPresbiteriana do Brasil (MPB) “nas-ceu de novo”, embora com uma fei-ção bem diferente. O parto foi de-morado e doloroso porque envolveumorte e ressurreição em múltiplosaspectos. A resposta para as pergun-tas concernentes ao papel e controlede missionários/as foi que não de-veria continuar a co-existir uma es-trutura “missionária” paralela às igre-jas nacionais. Hoje, treze dosdezesseis missionários e missionáriasda PC(USA) no Brasil estão servin-do à IPIB nos seminários, na diaconiae na evangelização.

Numa reunião em 1989, em Lon-drina, de todos/as os/as missionári-os/as da PC(USA) com representan-tes da IPIB e da IPU, nasceu formal-mente a nova Missão Presbiterianado Brasil. Não era mais uma organi-zação de missionários/as norte-ame-ricanos/as. De acordo com o Esta-tuto aprovado naquela ocasião, osnovos membros da MPB não são maispessoas, mas igrejas - a PC(USA), aIPIB, a IPU e “outras igrejas Presbi-terianas ou Reformadas que a ela seassociarem”.32 As diretrizes que ori-entam a missão trilateral são: parce-ria, intercâmbio, participação inter-racial, contextualização e diálogo.33

O escritório da antiga MissãoPresbiteriana no Brasil, em Campi-nas, passou a servir à nova MissãoPresbiteriana do Brasil, ainda atenden-do a necessidades legais e logísticasdos/as missionários/as e também aoandamento da nova MPB.

O primeiro evento da nova MPBfoi uma consulta para reflexãomissiológica contextual em Mariápolisem 1990, com 129 participantes dastrês igrejas membros e outras. Publi-cou-se em seguida as palestras, ofici-nas e sermões em Sonhos em Parce-

ria. A afinidade entre as três Igrejasaumentou em 1999 quando a IPIB,que ordena mulheres como diaconisasdesde 1934, votou a ordenação de

30 Archibald Mulford Woodruff, “‘Ten Minute’Report”. Águas de Lindoia, 26 de outubro de2002. p. 1.

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mulheres como pastoras e presbíteras.Uma pastora da PC(USA), MeganRitchie, foi convidada para pregar em1999 na Assembléia em que a deci-são foi ratificada.

Muitas coisas aconteceram no ano2003. Na sua Assembléia emLouveira, a IPIB atualizou e reafir-mou seu Memorandum de Entendi-mento com a PC(USA) e a IPUaprovou um Compromisso de Par-ceria oficial com a PC(USA) na suaAssembléia em Atibaia. Após umaenfermidade, o querido tesoureiro daMPB que a serviu com tanta dedica-ção, Rev. Frank Musick, faleceu. AMPB apressou a decisão de fechar oescritório em Campinas e, no dia 13de outubro, a Assembléia ali se reu-niu para sua última reunião. Nadevocional de abertura, o Presiden-te Archibald Woodruff leu 1 Samuel7.12, “Tomou . . . Samuel uma pe-dra, e a pôs entre Mispa e Sem, e lhechamou Ebenézer, e disse: até aquinos ajudou o Senhor” e Apocalipse5:1-12, lembrando que o livro quese fecha está nas mãos do Cordeiroque o abrirá no Último Dia. Nãoserá esquecido. A Assembléia depoiscantou, “Deus chama a gente praum momento novo”.

O escritório fechou, mas a novaMissão Presbiteriana do Brasil na suabusca de direção aprovou um novo

Estatuto em São Paulo no dia 24 denovembro, que diz: “A Missão temcomo suas finalidades: a) Cooperarcom as igrejas-membros na missãointegral do Reino de Deus no Brasile fora dele através da proclamaçãodo evangelho de Jesus Cristo; doatendimento integral das necessida-des humanas; e da promoção da dig-nidade humana, justiça e paz; b) Serfórum de reflexão missiológica, for-mação teológica e inserção cristã nasociedade; d) Manter cooperação ediálogo entre as igrejas-membros eoutras igrejas através de consultas epublicações; e) Atender às necessi-dades legais e operacionais dos/ascolaboradores/as em atividademissionária”.34

Portanto, questões missiológicasainda pairavam: seria possível trans-formar uma estrutura missionária vi-ciada, que se tornou um “odre ve-lho”, em uma autêntica e relevanteparceria multilateral? Teriam as duasparceiras brasileiras realmente assu-mido a identidade e a necessidadeda Missão Presbiteriana do Brasil

31Archibald Mulford Woodruff, e-mail “Questionáriosobre Presbiterianismo no Brasil”, 20 de setembrode 2002.32Ata da Assembléia Geral Ordinária da MPB, 9/7/1989. Estatuto, artigo 1.33Ata da Assembléia Geral Ordinária da MPB, 21/9/1989. Regimento Interno, Artigo 2.34Ata da Assembléia Geral Extraordinária da MPB,24/11/2003. Estatuto, artigo 2.

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como veículo de parceria? Não seriamelhor deixar os “odres velhos” ecolaborar nos “odres novos” dosacordos bilaterais entre as Igrejas edas organizações ecumênicas nasci-das em solo latino (CLAI, AIPRAL,CESE, CONIC) e assim deixar aMissão Presbiteriana do Brasil com-pletar sua morte?

Nesta última análise, chegamosà conclusão que há tempo para or-ganizar estruturas e tempo para dis-solver estruturas. As três igrejas(IPIB, IPU e PCUSA) chegaram àconclusão de que a entidade legal“Missão Presbiteriana do Brasil” nãoera mais necessária para se fazer re-lacionamentos e que o tempo paraa sua dissolução havia chegado. Aúltima Assembléia realizou-se no dia30 de janeiro de 2006 em Campi-nas. O Presidente ArchibaldWoodruff deu oportunidade paracada delegado/a da IPIB, da IPU eda PC(USA) expressar seus senti-mentos e, depois de tratar dos as-suntos legais, encerrou-se a reuniãocom a oração do Pai Nosso.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoApós 150 anos de evangelização

protestante, as sementes plantadasem 1859 germinaram de tal maneiraque há hoje cerca de um milhão de

presbiterianas e presbiterianos brasi-leiros que têm cultivado econtextualizado as sementes e têmimpactado o continente. Portas paraparcerias em missão e colaboraçãoentre presbiterianas/os brasileiras/os e norte-americanas/os têm se aber-to e fechado ao longo do caminho.

Questões missiológicas permane-cem: será possível às Igrejas do norte,que plantaram sementes do evange-lho no sul e estabeleceram estruturasmissionárias paralelas à igreja nacional,conseguirem deixar a imposição e abra-çar a genuína parceria? A verdadeiraigualdade e reciprocidade caracterizamas relações bilaterais entre os/as obrei-ros/as missionários/as dos EUA e suasigrejas anfitriãs? Essas e outras ques-tões são tratadas em termos bíblico-teológicos e práticos no livro Partici-

pantes da Graça: Parceria na Missão

de Deus, o primeiro título na nova sé-rie “Parceria na Missão de Deus” edi-tado por CLAI e SINODAL, com oapoio da AIPRAL. Essa Série foilançada no Café Teológico durante a 9ªAssembléia do Conselho Mundial deIgrejas, em Porto Alegre. Poderia estasérie ser um “odre novo” para a refle-xão missiológica de presbiterianas epresbiterianos do norte e no sul, queprocuram uma ação missionáriaecumênica em conjunto com a igrejaglobal?

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Abival Pires da Silveira é pastor

ex-presidente do SupremoConcílio da IPI do Brasil e atual

presidente da Fundação EduardoCarlos Pereira.

As igrejas presbiterianas ereformadas no Brasil

Uma reflexão sobre o tema“Missão em Unidade”*

Uma reunião das igrejas presbiterianas ereformadas do Bra-

sil foi realizada em São Paulo nodia 11 de março de 1993 e, dasquinze igrejas convidadas paraparticipar do evento, oito esti-veram representadas. Foi umaoportunidade promissora, es-pecialmente pelo fato de ter sidoa primeira vez que estas igrejas seencontraram para refletir sobre suapreocupações em comum. A par-ticipação das igrejas presbiterianase reformadas étnicas deu ao en-contro uma dimensão especial.Foram elas: a Igreja ReformadaSuíça, a Igreja Presbiteriana deFormosa no Brasil (chinesa), a Igre-ja Evangélica Árabe, a Igreja Re-formada Evangélica no Brasil (ho-landesa) e a Igreja PresbiterianaCoreana. As igrejas brasileiras queparticiparam do encontro forama Igreja Presbiteriana Independen-

* “Presbyterian and Reformed Churches inBrazil – A reflection on the theme “Mission inUnity”. Em Mission in Unity. Towards deeper

communion between Reformed Churches

worldwide. Genebra: John Knox, InternationalReformed Center. John Knox Series, no. 8,1993. Tradução de Eduardo Galasso Faria.

da 1ª IPI de São Paulo,

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te do Brasil, a Igreja Presbiteriana Uni-da e a Igreja Presbiteriana do Brasil.

O fato de que algumas igrejascomo a Igreja Cristã Reformada doBrasil (húngara), a Igreja EvangélicaArmênia e a Igreja CongregacionalEvangélica do Brasil (alemã) nãocompareceram, provavelmente nãose deve a razões de naturezaecumênica. A ausência das seguintesigrejas é devida a fatores históricos,que as mantiveram afastadas das pre-ocupações ecumênicas: a IgrejaCongregacional do Brasil, a IgrejaPresbiteriana Conservadora, a IgrejaPresbiteriana Fundamentalista e aIgreja Presbiteriana Renovada. As quecompareceram entretanto, estão de-terminadas a envidar esforços parapossibilitar sua participação em fu-turas reuniões desse tipo.

O grupo procurou encaminharsuas reflexões em três direções: pri-meiramente para tentar fazer umbreve levantamento dos elementoshistórico-teológicos comuns às igre-jas presbiterianas e reformadas emtoda parte; em segundo lugar, paraidentificar as causas da divisão queafeta a família reformada, particular-mente no Brasil; em terceiro lugar,para estabelecer algumas orientaçõespara o desenvolvimento futuro doempreendimento agora iniciado.

Como ponto de partida, refletimos

sobre a identidade presbiteriana e re-formada. Como destacou o Centro deConsulta John Knox (Genebra, 1991),nós também sentimos que amultiplicidade de nomes, as diferen-ças quanto à origem histórica e a influ-ência de ideologias políticas criaram umestado de confusão que torna difícil aidentificação dos grupos e igrejas per-tencentes à família reformada.

Identidade Identidade Identidade Identidade Identidade RRRRReformadaeformadaeformadaeformadaeformadaA partir daí surge a questão: quem

são realmente os presbiterianos e re-formados? A resposta inclui diversoselementos. Um deles é a tradiçãohistórico-teológica diretamente liga-da à Reforma realizada por Calvino eseus companheiros e preservada emdocumentos notáveis como o Cate-cismo de Heidelberg, a ConfissãoEscocesa e a Confissão de Fé deWestminster. Eles não somente re-fletem o pensamento dosreformadores, como também o es-pírito que permeou a luta da Refor-ma e que ainda está presente entreas igrejas presbiterianas e reforma-das, sem restrição de nomes. Tantoos documentos escritos como o seuespírito determinam, por assim di-zer, a mente teológica dos reforma-dos hoje. Ademais, presbiterianos ereformados partilham um ethos que

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favorece a convivência entre as pes-soas, grupos e igrejas dessa tradição.Embora seja difícil definir este ethos,alguns de seus elementos estão conti-dos nas palavras de John Mackay so-bre a paixão pela verdade, ordem edisciplina. Estes elementos estão pre-sentes em vários graus na necessidadepeculiar a presbiterianos e reformados,de constantemente “dar razões de suafé”. Mackay tinha em mente estes ele-mentos quando definiu os presbiteria-nos e reformados como “um povo dementalidade teológica”.

Os presbiterianos e reformadosfrequentemente são vítimas de suaspróprias virtudes. Sua forte tradiçãoteológica, manifesta em confissões,credos e declarações, e sua necessi-dade evidente de dar razão de suafé, os leva, muitas vezes, a colocar adoutrina acima da vida, dando lugarassim a intolerância e divisões. Mui-tos cismas têm sua origem em con-fissões de fé ou em cláusulas menosimportantes encontradas em taisconfissões, à custa da própria vida daigreja. Paradoxalmente, as igrejasnem sempre têm sido capazes de li-dar sabiamente com questões teoló-gicas. Como estas questões foramlevantadas em um tempo e lugar di-

ferentes, sua tendência é tornar-seirrelevantes diante dos fatos da vidae, quando elas são levantadas comespírito de intolerância, provocamcismas. Seria isso um sinal do amor àdoutrina pela doutrina? Tomemoscomo exemplo os presbiterianos noBrasil: algumas de suas muitas divi-sões tiveram sua origem nas diferen-tes interpretações da Confissão deFé de Westminster. Não obstante,esta confissão permanece como re-ferência de fé para as principais igre-jas presbiterianas.

TTTTTeologia e disciplinaeologia e disciplinaeologia e disciplinaeologia e disciplinaeologia e disciplina

Outro caso é a questão ecumênica.Logo após a criação do ConselhoMundial de Igrejas em 1948, antesde ser iniciada a discussão sobre oecumenismo no Brasil, um grupopresbiteriano estranho, hostil ao mo-vimento, lançou uma vigorosa cam-panha no país. Em conseqüência, asigrejas ficaram divididas em sua ati-tude para com esta organização ecle-siástica recém-formada, tensões inter-nas e desconfianças mútuas foramcriadas entre igrejas da mesma tradi-ção presbiteriana e seu relacionamen-to foi prejudicado. Hoje, nenhuma dasmaiores igrejas presbiterianas brasilei-ras é membro do CMI1. Elas foram,digamos assim, imunizadas contra,

1Publicado em 1993, o texto não faz jus à realidadeatual uma vez que, de lá para cá, a IPU e a IPI doBrasil passaram a fazer parte do CMI.

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embora algumas dessas igrejas parti-cipem na vida de outras organizaçõesecumênicas. A propaganda anti-ecumênica no país, impediu um de-bate objetivo sobre a questãoecumênica a ponto de até a Confis-são de Fé de Westminster ter sidousada frequentemente como argu-mento contra o movimento ecumêni-co. As igrejas presbiterianas, mais umavez, foram incapazes de discutir teo-logicamente uma questão urgentecolocada diante delas. Infelizmente,a velha e anacrônica controvérsia en-tre conservadores e liberais (ou mo-dernistas) veio à tona novamente ereacendeu antigos antagonismos.

A sensibilidade teológica das igre-jas presbiterianas torna-as vulneráveisàs mensagens dos inúmeros grupospara-eclesiásticos que atuam no Bra-sil. Esses grupos vêm do Norte e in-centivam polêmicas que não estãorelacionadas com a vida das igrejas,gerando assim perturbações ou frus-trações. De modo geral, estes gru-pos para-eclesiásticos têm tendênci-as conservadoras e fundamentalistas.Eles questionam a vida e o testemu-nho das igrejas, mas fazem isso demodo a criar conflito e confusão navida interna das congregações, favo-recendo assim o desenvolvimentodos movimentos carismáticos. Asoutras igrejas protestantes são me-

nos vulneráveis às atividades de taisgrupos e também menos suscetíveisaos perigos desintegradores dos de-bates teológicos. O fato de que ospresbiterianos sejam vulneráveis a taisinfluências parece residir, paradoxal-mente, em uma de suas fortes ca-racterísticas: sua mente teológica eseu amor pela verdade.

Outra virtude do presbite-rianismo é seu amor à ordem e à dis-ciplina. Sendo igrejas confessionaise portadoras do espírito de discipli-na peculiar ao calvinismo, as igrejaspresbiterianas são a favor da ordem,têm constituições claras e bem defi-nidas, frequentemente complemen-tadas por leis disciplinares. Ambaspretendem ordenar a igreja a nívelinstitucional e conciliar, assim comoa vida das pessoas. É óbvio que aordem e a disciplina existem por cau-sa da vida e não o contrário. Entre-tanto, as igrejas presbiterianas comfreqüência, vão a extremos nestaquestão e se tornam ou intolerantesou negligentes. Conhecemos muitobem os perigos do extremismo nasvidas de nossas igrejas. Por um lado,a intolerância está na origem de ten-sões dolorosas dentro das igrejas e,por outro, o afrouxamento com re-lação à ordem e disciplina causam adeterioriação das relações ministe-riais e conciliares.

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I I – SUPERANDOI – SUPERANDOI – SUPERANDOI – SUPERANDOI – SUPERANDODIFICULDADESDIFICULDADESDIFICULDADESDIFICULDADESDIFICULDADES

Normalmente, os grupos humanos aderem a uma de-terminada verdade. O problema, portanto, é como al-cançar esta verdade. No século XIX por exemplo, os teó-logos de Princeton em sua luta com o humanismosubjetivista dos avivalistas, sustentaram a bandeira da ob-jetividade teológica: eles defenderam o método indutivoe o senso comum ao tratar das narrativas bíblicas. Argu-mentando que o senso comum é um componente univer-sal da vida que prepara as pessoas para conhecer as coisasconforme suas necessidades, esses teólogos afirmaramque todos podem ter acesso à verdade divina através dosfatos da revelação. O senso comum era, portanto, consi-derado capaz de construir um corpo de verdades acercada religião que era relativamente universal. O fato de queas igrejas em qualquer lugar pudessem combinar tal uni-versalidade com componentes culturais peculiares a suasparticularidades étnicas, constituiu uma fonte de vitalida-de e dinamismo intensos em suas vidas. Todavia, o queaconteceu em muitos casos foi que a objetividade quantoao conhecimento religioso deu lugar a doutrinas congela-das que, por seu turno, geraram uma ortodoxia rígida. Talortodoxia, naquele momento,deu lugar a reações subjeti-vas favorecidas pelo individualismo protestante. Esta podeser uma razão porque os presbiterianos são frequentementevulneráveis aos extremos do fundamentalismo por umlado, e do subjetivismo individualista por outro.

Sabemos que este é um grande problema, que exigemuito esforço e décadas de trabalho persistente se quiser-

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mos tratar dele adequadamente. Oamor à verdade tão característico denossa tradição, exige que a objetivi-dade seja constantemente equilibra-da no processo dinâmico de cons-trução da verdade. Este seria o ca-minho para as igrejas evitarem a rigi-dez dogmática e a intolerância porum lado, e ao mesmo tempo seremfiéis ao ideal de reforma contínua. Oamor apaixonado pela verdade nadatem a ver com uma verdade fecha-da, porque ela procede e é renovadapela experiência humana, vivida comDeus e à luz desta revelação.

Ecumenismo

Outra questão que nos divide é oecumenismo. Os presbiterianos bra-sileiros são provavelmente os maisfortes opositores do ecumenismo nopaís. O ecumenismo que existe paraunir, nos desune. Eternizamos dife-renças de opinião e suspeitas a seurespeito e estamos muito longe deter uma compreensão que seja co-mum acerca da participação em or-ganizações, mesmo em organizaçõesque pertençam à nossa própria tra-dição. As razões para isto são muitasmas basicamente, elas podem serreduzidas a duas: uma é o processocismático que se seguiu a polêmicasque, no passado, se desenvolveram

em torno da questão da ortodoxia e,a outra, é a influência na vida das igre-jas, de fobias estranhas como o medodo comunismo. Devido à postura doConselho Mundial de Igrejas comrelação à responsabilidade das igre-jas para com as grandes mudançassociais, durante os anos 60, os adver-sários do ecumenismo acharam fácillançar uma campanha de propagan-da cujo objetivo era identificarecumenismo com comunismo. As-sim, no período de 1948-1961 (fun-dação do CMI e a Assembléia deNova Delhi), os opositores doecumenismo fizeram suas propagan-das tendo como base os perigos re-presentados por uma união com aIgreja Católica Romana, enquantonos inícios dos anos 60, a ênfase re-caiu na fobia do comunismo. Todaesta propaganda veio a nós de fora,na esteira dos interesses econômi-cos e políticos do Norte. Embora amaioria dessas questões estejam ago-ra superadas pelos acontecimentos,suas conseqüências ainda estão pre-sentes entre nós e o estranhamentocriado entre as igrejas é difícil de servencido.

Estamos iniciando o diálogo, ten-tando encontrar caminhos para su-perar esse estranhamento. A reuniãoé um primeiro passo nesta direção:nós nos reunimos para obter conhe-

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cimento uns dos outros. Um segun-do passo, ainda mais desafiador, seráa realização de estudos para trazer àluz, fielmente e com amor cristão,as razões de nossa falta de unidade.Acreditamos que neste processo deestudo, as igrejas étnicas poderãodesempenhar um papel moderadorimportante, pelo fato de que elasmantiveram distância das controvér-sias a que nos referimos.

A questão de ordem e disciplinatem a ver mais com os problemas deunidade interna de cada igreja. Pro-vavelmente nem todas as igrejas noBrasil sentem da mesma forma o pro-blema do enfraquecimento interno

da ordem e disciplina. Todavia, é doseu interesse que todas enfrentemjuntamente este fato, que está colo-cando em perigo a coesão da famíliapresbiteriana, tanto a nível das basescomo a nível dos concílios, causandofalta de interesse e até oposição aber-ta às decisões tomadas por estes úl-timos. Tais reações impedem que asdecisões dos concílios alcancem ascongregações locais e estas ficam,consequentemente, impossibilitadasde participar plenamente da vida dafamília.

Uma escolha mais cuidadosa dosdelegados dos concílios poderia for-talecer os laços entre as congregaçõeslocais e a Assembléia Geral e, assim,fortalecer a coesão interna de umaigreja. De modo semelhante, deve-ria ser dada mais atenção ao uso apro-priado dos meios de comunicação emcada igreja. Por exemplo, uma pu-blicação oficial deveria ser vista comofonte apropriada de informação eorientação. Isso implica maior cui-dado na preparação do material a serpublicado, respeito para com as da-tas estabelecidas para a publicação eampla distribuição na igreja. Estamosconvencidos de que a falta de comu-nicação ou uma comunicação inade-quada é um fator importante, quecontribui para o isolamento das con-gregações locais.

“““““Uma escolha maiscuidadosa dos delegadosdos concílios poderiafortalecer os laços entre ascongregações locais e aAssembléia Geral e, assim,fortalecer a coesão internade uma igreja. De modosemelhante, deveria serdada mais atenção ao usoapropriado dos meios decomunicação em cadaigreja.

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II – UM APELII – UM APELII – UM APELII – UM APELII – UM APELO ÀS IGREJASO ÀS IGREJASO ÀS IGREJASO ÀS IGREJASO ÀS IGREJASREFORMADASREFORMADASREFORMADASREFORMADASREFORMADAS

Um aspecto importante da Reforma do século 16 foi que aigreja deixou de ser hierárquica para se tornar povo. Foi assim queela se tornou uma igreja viva e por isso, sujeita a erros. Somente asinstituições mortas não cometem erros. Na época do Iluminismoela sucumbiu ao racionalismo. No século XIX, houve um grandedespertamento do cristianismo protestante (nas palavras do histo-riador Latourette), mas também foi neste século que o individua-lismo protestante manifestou aversão pelas questões sociais. Umarenovação dessas igrejas ocorreu com a criação do Conselho Mun-dial de Igrejas, especialmente quando esta organização aprofundousua preocupação com as questões sociais. Todavia, paradoxalmen-te, esta nova tendência no Conselho Mundial de Igrejas represen-tou também o começo do final de um protestantismo coeso naAmérica Latina. A propaganda anti-católica e anti-comunista divi-diu as igrejas, semeou a desconfiança mútua e líderes de igrejas,jovens e promissores, foram rejeitados, causando grande prejuízoàs igrejas e ao protestantismo como um todo. O medo de novoscismas e a dependência do Norte fizeram as igrejas – especialmen-te as presbiterianas – voltar-se para dentro de si e perder acriatividade que estava começando a florescer.

Os últimos trinta anos foram marcados pela perda daquela pe-quena unidade que o protestantismo tinha antes. No Brasil, a Con-federação Evangélica do Brasil, a única estrutura que uniu as igrejasprotestantes, faliu. A principal razão para sua morte foi o forteenvolvimento das igrejas membros do CMI nas questões sociais,após a assembléia de Nova Delhi, que não poderia ser toleradapelas forças conservadoras. Esforços recentes para unir as igrejas,

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para representação ou cooperação,têm apenas multiplicado o númerode organizações. O que vemos hojesão uniões de divisões.

O problema do protestantismo demodo geral se reflete também nasigrejas presbiterianas, embora outrasigrejas também têm rupturas inter-nas, ainda que em escala menor. Por-tanto, o documento “Missão em uni-dade” representa um duplo chama-do às igrejas presbiterianas no Brasil:um chamado a recuperar o pleno sig-nificado teológico da missão e umchamado a fazer isso em unidade.Este duplo chamado implica em umduplo desafio: primeiro precisamosrepensar teologicamente a missãonosso continente no momento emque muitos estão disseminando aidéia de que a missão nada mais éque o crescimento da igreja, semnenhuma preocupação com o mun-do; segundo, para fazer isso, precisa-mos urgentemente recuperar nossaunidade perdida. O desafio de repen-sar a missão entretanto, é precedidopelo desafio da unidade: juntas asigrejas presbiterianas e reformadaspodem buscar um entendimentocomum sobre a missão. Nossa pri-meira tarefa, por conseguinte, é en-contrar o reconhecimento e aceita-ção mútuos que conduzam ao diá-logo. Esta é também a primeira su-

gestão do documento “Missão emUnidade”.

A terceira parte deste mesmodocumento oferece sugestões quesão particularmente úteis para a apro-ximação das igrejas presbiterianas ereformadas no Brasil. São três as su-gestões: recuperar a tradição, iniciarum processo de reflexão teológicabaseado na condição e na experiên-cias do pobre e desenvolver mode-los litúrgicos que reflitam as necessi-dades materiais e espirituais do povo.Nestas sugestões temos as diretrizespara uma reavaliação teológica damissão em seu sentido mais amplo.Na verdade, todo pensamento sobremissão pressupõe um diálogo entreuma dada tradição teológica e o con-texto sócio-histórico e cultural deuma igreja. As formas litúrgicas de-vem, por causa da coerência, seguiros critérios teológicos.

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III III – PIII – PIII – PIII – PIII – PASSOS INICIAISASSOS INICIAISASSOS INICIAISASSOS INICIAISASSOS INICIAIS

Nosso grupo, reunido em 11 de março de 1993, ficouplenamente consciente do longo e provavelmente difícilcaminho à frente. Todavia, ficou comprometido em inici-ar uma ação em direção aos objetivos indicados, aceitan-do como uma primeira tentativa os desafios destacadospela Aliança Mundial de Igrejas Reformas (AMIR).

A fim de assegurar o prosseguimento deste primeiroencontro de representantes da família de igrejas reforma-das no Brasil, ficou decidido:

1. Nomear uma comissão de trabalho para organizar aagenda do próximo encontro, a se realizar em ju-nho ou no início de julho;

2. Estimular o interesse e o apoio oficial das igrejasparticipantes neste projeto que consideramos decrucial interesse para o futuro do presbiterianismono Brasil;

3. Persistir convidando as igrejas que não estiveramrepresentadas no primeiro encontro para que pos-sam participar no próximo;

4. Estabelecer as seguintes atividades como prioridades:

4.1 Promover a aproximação mútua das igrejaspresbiterianas históricas;

4.2 Promover a integração das igrejas de origemétnica e lingüística com as igrejas nacionais;

4.3 Encorajar as igrejas a oferecer propostas re-fletidas para a continuação e o desenvolvi-mento do projeto “Missão em Unidade”. Osseguintes pontos foram mencionados comofundamentais para a reflexão:

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- “O que nos une e o quenos divide?”

- “O que pode nos sus-tentar à medida que tra-balhamos pela aproxi-mação gradual entrenossas igrejas?”

- “Como atuar como par-ceiros em missão noBrasil e fora?”

- “Quais recursos podemser partilhados a fim deevitar duplicação desne-cessária e fortalecer umtestemunho comum?”

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

Nossas expectativas com relaçãoa esta primeira reunião foram umpouco modestas. No entanto, foisupreendentemente compensadorapara todos: foi conduzida em umaatmosfera de informalidade, tranqüi-lidade e amizade; no desejo sincerode examinar cuidadosamente o Do-cumento e iniciar uma reflexão so-bre ele; no compromisso de chamara atenção para os desafios identifi-cados no Documento. Estes sinaispromissores e encorajadores nos per-suadiram a ir adiante, passo a passo,em busca da missão em unidade.

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No século XIX, houve um grande

despertamento do cristianismo protestante

(nas palavras do historiador Latourette), mas

também foi neste século que o individualismo

protestante manifestou aversão pelas questões

sociais. Uma renovação dessas igrejas ocorreu

com a criação do Conselho Mundial de Igrejas,

especialmente quando esta organização

aprofundou sua preocupação com as questões

sociais.

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pastor e professor do Seminário

Teológico de São Paulo

IPI do Brasil: uma visãoIPI do Brasil: uma visãoIPI do Brasil: uma visãoIPI do Brasil: uma visãoIPI do Brasil: uma visãopanorâmicapanorâmicapanorâmicapanorâmicapanorâmica

Organizada em 31 dejulho de 1903, com7 pastores e 15

presbíteros, a Igreja Presbite-riana Independente do Brasil –conhecida como IPI – iniciouuma caminhada sonhando emser uma igreja brasileira e autô-noma, determinando seus pró-prios rumos, sem depender derecursos missionários norte-ame-ricanos.

Em 1884, um quarto de sé-culo após a chegada do primei-ro missionário presbiteriano aoBrasil, Ashbel Green Simonton,estavam criadas as condiçõespara que pelo menos um jovem

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pastor brasileiro sonhasse com umaigreja que pudesse ter objetivos pró-prios e claros para a evangelização dapátria. Com ideais nacionalistas,Eduardo Carlos Pereira primeiro or-ganizou uma Sociedade Brasileira deTratados Evangélicos, para publicartrabalhos de autores nacionais sobreproblemas brasileiros. Ele mesmodurante a luta abolicionista no BrasilImpério, escreveu o folheto “A reli-gião cristã e a escravidão”.

Posteriormente, veio a formulaçãodo Plano de Missões Nacionais(1886), que pretendeu despertar naIgreja a consciência nacional para asresponsabilidades da obra missionária.Também seria necessário que o sus-tento dos pastores, evangelistas, es-tudantes ao ministério e professoresfosse feito com dinheiro brasileiro.Isso significava colocar a obra educa-cional da Igreja nas mãos de brasilei-ros. Divergências sobre a forma derealizar a obra de evangelização tam-bém estavam presentes. Enquanto osmissionários, privilegiavam aevangelização de maneira indireta, pormeio da obra educacional nos colégi-os, os nacionais queriam fazê-lo dire-tamente, preparando os pastores ade-quadamente no Seminário, sem asdiretrizes das Missões.

Dez anos mais tarde, outras idéi-as forneceriam o caldo para que o

movimento da independência en-grossasse. Discordâncias quanto àmaçonaria, cujos princípios foramconsiderados incompatíveis com a fécristã e amplamente divulgados pelojornal oficial, O Estandarte, dividi-ram a igreja e os pastores. Para a mi-noria, eram evidentes os traçosdeístas implícitos nos princípios filo-sóficos maçônicos e assim, não comocausa mas como “ocasião”, a maço-naria levou à divisão, em princípiofora de qualquer cogitação.Intransigências de um lado e do ou-tro, provocaram o lamentável desfe-cho, considerado mais tarde, por umdos mais lúcidos fundadores da novaigreja, o pastor e teólogo AlfredoBorges Teixeira, como “um erro deambas as partes”.

Em 1902 o rev. Eduardo CarlosPereira (que mais tarde seria consa-grado como grande gramático da lín-gua portuguesa no Brasil), apresen-tou a sua Plataforma, que seria dis-cutida no Sínodo de 2003 e que in-cluía: independência absoluta daIgreja Presbiteriana do Brasil; desli-gamento dos missionários norte-americanos dos presbitérios; decla-ração de incompatibilidade entre amaçonaria e o evangelho; autonomiados presbitérios para a obra deevangelização; educação sistemáticados filhos da Igreja pela Igreja e para

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a Igreja.A derrota da proposta da mino-

ria, com sua Plataforma, foi decisivae levou à separação e formação daIPI do Brasil. Contemplando-se àdistância pode-se perceber lições queà primeira vista podem estar ocul-tas. Os sonhos com uma igreja inde-pendente das missões estrangeiras,sem dispensar sua colaboração masbuscando o seu próprio caminho noBrasil, não estavam maduros e en-contraram muitas resistências. Se ti-vessem uma aceitação maior entre ospresbiterianos, a longo prazo, pode-riam ter desencadeado um processopara o desenvolvimento de uma igre-ja com destino diferente: o de serigreja autóctone, no projeto do pro-testantismo brasileiro.

As dificuldades financeiras dosprimeiros tempos e a falta de pasto-res tornaram difícil a caminhada paraos independentes, mas as lutas for-jaram o espírito da nova denomina-ção, que conseguiu superar obstácu-los e se firmar diante dos céticoscomo a “ igrejinha dos milagres”. Oesforço do povo da igreja que, emsua maioria estava na zona rural,permitiu inclusive a fundação de umSeminário (1905) que, um poucodepois, teve o seu prédio próprio(1914), construído na cidade de SãoPaulo. A prioridade da educação te-

ológica para o preparo dos novos pas-tores, fazia do Seminário, no dizerdo rev. Eduardo, pastor da 1ª. IPI deSão Paulo e líder do movimento, a“menina dos olhos da igreja”.

Nova liderança,Nova liderança,Nova liderança,Nova liderança,Nova liderança,novas ênfasesnovas ênfasesnovas ênfasesnovas ênfasesnovas ênfases

A atuação dos fundadores fez comque outras metas fossem logoestabelecidas para a IPI. Em 1922,por iniciativa do rev. prof. OtonielMota , filólogo, escritor e professorna mais importante universidade dopaís (USP), adquiria-se uma propri-edade agrícola para a realização daobra social : foi a Chácara Bethel,que se firmaria na cidade de Soro-caba com o nome de Bethel – Lar daIgreja, dedicado ao atendimento deórfãos e que catalizaria a ação diaconalde toda a Igreja, por anos a fio.

A morte do rev. Eduardo CarlosPereira em 1923, trouxe para o ce-nário eclesiástico a questão da suces-são na liderança, que acabou se en-caminhando para uma descen-tralização. Dentre os que passaram aocupar o novo espaço, esteve umpequeno grupo de intelectuais àfrente do Seminário e de O Estan-

darte, primeiro jornal evangélico bra-sileiro e grande veículo de comuni-

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cação com as igrejas, lido a cada mês,sofregamente, pelos crentes indepen-dentes. Uma nova temática, expres-sa nos artigos do jornal, refletiu oarejamento e abertura dessa elite,que estava familiarizada com as ino-vadoras ênfases teológicas proveni-entes do protestantismo europeuecumênico. Seu redator, filho de umdos fundadores da IPI, o rev. LívioTeixeira, filósofo e professor na Uni-versidade de São Paulo, que influen-ciou as novas gerações de pensado-res no Brasil, estava entre os repre-sentantes desta nova geração de pas-tores presbiterianos independentes.

Reflexos do Congresso do Pana-má (1916) também se fizeram sen-tir na vida da Igreja, permitindo-lhereformular posturas anteriores, quehaviam levado à divisão. O idealunionista fez com que, em 1928,juntamente com Igreja Presbiteriana(IPB) e as missões norte-americanas,ela participasse da obra educacionalecumênica liderada pelo grande edu-cador e missionário, dr. WilliamWaddell, na fundação de um cursopré-teológico (Seminário Menor),próximo a São Paulo, o Instituto JoséManoel da Conceição (JMC). Tam-bém na preparação de pastores, aIPI viveu uma experiência não mui-to produtiva, mas que refletia odesejo de experimentar soluções

“unionistas”. Foi quando, o Seminá-rio de São Paulo, com sérios proble-mas, se transferiu com um profes-sor e alguns alunos, para as depen-dências do Seminário Unido do Riode Janeiro, interdenominacional, nocurto período de 1930 a 1933.

É deste tempo também a susten-tação da bandeira da unidade da Igre-ja através da atuação do rev.Epaminondas Melo do Amaral, pas-tor da Primeira IPI de São Paulo esucessor do rev. Eduardo Carlos Pe-reira. Ele participou com o pastorpresbiteriano (IPB), rev. ErasmoBraga, chamado o “Profeta da Uni-dade” da organização da Confede-ração Evangélica do Brasil (CEB,1934), que reuniu as igrejas históri-cas no mais importante projeto deunião das igrejas evangélicas no Bra-sil. O rev. Epaminondas foi o seu pri-meiro secretário geral e em 1934 tevepublicado o livro Magno Problema,

no qual sustentava que a divisão en-tre as igrejas era fruto da dureza doscorações.

Significativa foi a atuação de umneto do rev. Eduardo Carlos Pereira,o rev. Eduardo Pereira de Magalhãesque, nas décadas de 30 e 40, quandoo país viveu o período ditatorial dopresidente Getúlio Vargas, liderouem São Paulo, um projeto de açãopara a juventude evangélica. Ele con-

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seguiu envolver a mocidade em umaproposta cultural, idealista eecumênica, expressa no livro, A

Marcha da Mocidade Evangélica. NoCongresso Evangélico realizado na 1ª.IPI de São Paulo (1936), que reuniubatistas, presbiterianos, metodistas econgregacionais, os jovens foram con-vocados a um testemunho cristãocomprometido com a transformaçãosocial e política da nação, baseado nos“princípios bíblicos e não em umateologia estática”.

Nos anos 30 ainda, refletindo onovo espaço dado à mulher brasilei-ra pela Constituição da República(1934), com o direito de votar, amulher independente passou a atu-ar como diaconisa pela primeira vezno presbiterianismo brasileiro. Tam-bém foi no Seminário de São Pauloque, pela primeira vez na AméricaLatina, uma mulher se formou emteologia. Em termos de reencontrocom a IPB, a IPI viveu tempos deunião em torno de uma causa co-mum, com a participação de um ca-sal – rev. Orlando de Andrade, daIPB e Loide Bonfim, da IPI – na mis-são entre os índios Caiuá, no estadodo Mato Grosso.

EnfraquecimentoEnfraquecimentoEnfraquecimentoEnfraquecimentoEnfraquecimento,,,,,recuperação erecuperação erecuperação erecuperação erecuperação enovos desafiosnovos desafiosnovos desafiosnovos desafiosnovos desafios

Por outro lado, a presença de umforte pensamento conservador, fezsurgir a disputa que gerou uma gran-de crise na IPI, com reflexos nopresbiterianismo brasileiro. Umaincomum vocação para a reflexãoteológica, tornou atual a discussão,no período de 1938 a 1942, acercadas Penas Eternas e do Aniquilamen-to dos Ímpios. O grupo liberal en-tendia que “o cristianismo está liga-do à tolerância e não aos dogmas quematam” e que portanto, tinha o di-reito de “discordar da Confissão deFé, pois os símbolos da fé são falí-veis”. Em razão disso, foi apresenta-do ao Sínodo, em 1942, um projetode nova confissão de fé que, mesmotendo como base a Confissão deWestminster, seria brasileira. O pro-jeto nunca se concretizou e a divi-são tornou-se inevitável, fazendo sur-gir duas outras pequenas igrejas: umaconservadora e outra liberal. Maistarde e aos poucos, o grupo chama-do de “liberal”, que tinha sido força-do a sair, perdendo suas bases na IPI,em sua maioria acabou retornandoe, em parte, a Igreja viveu a experi-ência da reconciliação.

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Foram graves as conseqüênciasdesse episódio para uma Igreja que,sendo pequena, perdeu 13 ministrose várias igrejas. Uma fase dereadaptação, com grandes esforçospara superar a falta de pastores e asdificuldades no Seminário, teve êxi-to nos anos 40 e 50. Os leigos foramchamados para o centro do cenário.Com o presbítero Carlos René Egg,os jovens passaram a ocupar umanova liderança e a eles se juntaramas senhoras e os varonis, na Comis-são de Educação Religiosa e Ativida-des Leigas (CERAL), que revitalizoua IPI. Nesse período, outras ênfasestomaram conta da igreja, juntamen-te com outros sonhos missionários,como a busca do avivamento e aevangelização a fim de conseguir “OBrasil para Cristo”, lema que virounome de igreja pentecostal.

Como resultado dos esforçospara superar a crise, desde então aIPI experimentou várias tentativaspara encontrar o seu caminho. Emmeio a outras dificuldades, como opentecostalismo na década de 50 e70, diversos passos, embora tímidos,foram dados nessa direção.

A partir dos anos 60, dificulda-des comuns às igrejas históricas, tor-naram difícil e muitas vezesdesalentadora a caminhada. A situa-ção política da América Latina, sob a

ameaça de uma Política de Segu-rança Nacional, acatada por diversoslíderes eclesiásticos, pesou sobre avida da igrejas. Com o golpe militarno Brasil (1964), pastores e semina-ristas foram perseguidos e a Facul-dade de Teologia, à semelhança doque ocorreu em outras igrejas, foifechada (1968).

Com a sujeição ao autoritarismomilitar (1964-85) e uma certa omis-são, a atuação conservadora esgotavasuas possibilidades. Nova aproxima-ção com o pentecostalismo trouxeoutra cisão para Igreja em 1972. Emcompensação, a década de 80 colo-cou à frente da Igreja outras opções.A participação de um novo grupo nogoverno da Igreja, sob a liderança dorev. Abival Pires da Silveira, desper-tou esperanças que se fizeram reali-dade em diversos setores e princi-palmente na expansão e atualizaçãoda educação teológica. Já no ano de1978, mostrando-se igreja amadu-recida, capaz de re-trabalhar suaspropostas fundantes, a IPI passou ater em seus quadros pastores missi-onários da igreja mãe norte-ameri-cana (UPCUSA) em inédita parce-ria de “independência e integração”.Hoje são 13 os missionários emissionárias que atuam nas áreas deevangelização e diaconia da IPI.

Novos projetos como o de

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diaconia, educação cristã, aberturada igreja para contatos internacionaise reforma da Constituição, envolve-ram a Igreja. A partir da década de90, o Seminário de São Paulo, preo-cupado em oferecer à igreja umateologia fiel à sua identidade refor-mada, empenhou-se com as “Publi-cações João Calvino” editando livrosvoltados à recuperação do pensamen-to e atuação do reformador de Ge-nebra, em detrimento das aborda-gens tradicionais, chamadas“calvinistas”.

Novamente, a Igreja voltou aenfrentar a persistente questãopentecostal. Desta vez no entanto,teve maior êxito ao encontrar, nareunião extraordinária do SupremoConcílio em São Sebastião (1993),o caminho do entendimento e dodiálogo. Em 1995 a IPI elegeu umanova Diretoria para o Supremo Con-cílio, agora com ênfase carismática.Nos anos que se seguiram, outrosdesafios foram aceitos. Após algunsanos de discussão sobre a ampliaçãoda participação da mulher na vida daIgreja, através de O Estandarte, aAssembléia Geral aprovou, em 1999,o seu direito de ser presbítera e tam-bém pastora. Mesmo antes disso, aIPI foi considerada a primeira deno-minação evangélica a ter uma pasto-ra como professora em um de seus

seminários.Atualmente, contando com cer-

ca de 70.000 membros, 3 seminári-os teológicos, 470 igrejas, l5 sínodos,51 presbitérios, a IPI temaprofundado seu interesse por anti-gas e novas questões, como a açãopastoral, a diaconia, a missão e a re-novação litúrgica. Em 1996 editouo seu Manual do Culto e em 2003aprovou as novas Ordenações

Litúrgicas. Delas estão sobre a mesada Assembléia Geral, para serem dis-cutidos em 2007, três pontos polê-micos que indicam algumas preocu-pações da Igreja: a participação decrianças na ceia do Senhor, a ques-tão do rebatismo e do culto em bus-ca de cura. Em 2006, fez uma novaedição do seu hinário: Cantai Todos

os Povos.

Como entender e qualificar estaigreja que em meio a muitas dificul-dades, busca o seu caminho naevangelização da América Latina? Édifícil opinar. Com sua configuraçãohistórica, ao longo dos seus 100 anos,a IPI muitas vezes confirmou aquiloque acabou se tornando uma de suascaracterísticas evidenciadas já nosinícios e diversas vezes ressuscitada,ou seja, a capacidade de articular umpensamento evangélico afinado nãosó com a renovação do pensamentoteológico reformado, mas também

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com os rumos renovadores da socie-dade brasileira. Melhor é que alguémde uma outra igreja, menos suspei-to, use a palavra. Escrevendo sobre aIPI, em 1994, o rev. James Wright,missionário e depois pastor da Igre-ja Presbiteriana Unida, já falecido,filho de missionários norte-ameri-canos que trabalharam no Brasil eque atuou no projeto de resistência“Brasil Nunca Mais”, se expressouda seguinte forma: mesmo com suasdificuldades naturais, a IPI é “umaigreja que não se ensimesmou”.Noseu entender, ela tem servido comomodelo dentro do presbiterianismobrasileiro.

“““““Como entender e

qualificar esta igrejaque em meio a muitasdificuldades, busca oseu caminho naevangelização da Amé-rica Latina? É difícilopinar. Com sua con-figuração histórica, aolongo dos seus 100anos, a IPI muitas ve-zes confirmou aquiloque acabou se tornan-do uma de suas carac-terísticas evidenciadasjá nos inícios e diver-sas vezes ressuscitada,ou seja, a capacidade dearticular um pensa-mento evangélico afi-nado não só com a re-novação do pensamen-to teológico reforma-do, mas também comos rumos renovadoresda sociedade brasileira.

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erVischer faz uma clara distinçãoentre o uso bíblico e teológicoclássico o termo pacto e seu usona linguagem ecumênicacontemporânea. As raízes do usocontemporâneo do termo estãona reforma radical e nosmovimentos não-conformistasdentro do mundo anglo-saxão.Ele argumenta que os dois usosdeveriam ser vistos comocomplementares. Como teólogoreformado e ecumenista suíço,ele foi diretor da Comissão de Fée Ordem do Conselho Mundial deIgrejas, CMI (1965-1979) emoderador do Departamento deTeologia da Aliança Mundial deIgrejas Reformadas, AMIR(1982-1989).

BerithBerithBerithBerithBerith, pacto e, pacto e, pacto e, pacto e, pacto efazer pactofazer pactofazer pactofazer pactofazer pacto*****

Os dois usos doOs dois usos doOs dois usos doOs dois usos doOs dois usos dotermo pactotermo pactotermo pactotermo pactotermo pacto

O termo pacto é amplamen-te utilizado hoje no movimentoecumênico. A Assembléia deVancouver (1983) do CMI con-vocou um processo conciliar decompromisso mútuo (pacto) emfavor da justiça, paz e integrida-de da criação. Mais recentemen-te, delegados que participaramdo 24o. Concílio Geral da Ali-ança Mundial de Igrejas Refor-madas formularam uma “Con-

* “Berith covenant and covenanting” in Reformed

World. Vol. 55 (4). Geveva, dezembro, 2005.Tradução de Eduardo Galasso Faria.

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fissão de Fé frente a Injustiça Eco-nômica e a Destruição Ecológica”acompanhada da seguinte declaraçãosolene: “Ao confessar juntos a nossafé, em obediência à vontade de Deus,fazemos um pacto em obediência àvontade de Deus como um ato defidelidade em solidariedade mútuae afinidade responsáveis. Isto nos unepara trabalhar pela justiça na econo-mia e na terra, tanto em nosso con-texto global comum como em nos-sos diversos ambientes regionais elocais (par. 37).”

A noção de pacto também de-sempenha um papel central no pen-samento e nos escritos de Calvino.Introduzida por Zwínglio nos idos de1520, a noção foi desenvolvida pos-teriormente por Henrique Bullingerno famoso tratado de único et aeterno

testamento seu foedere Dei (1534).Calvino se vale da idéia de Bullinger.Aos seus olhos, o pacto de Deus comos pais proporciona a chave para acompreensão adequada das Escritu-ras – Antigo e Novo Testamento.Existe apenas um pacto. “Ambos (asaber, o que é semelhante e o que édiferente no Antigo e no Novo Tes-tamento) podem ser expressos emuma frase: o pacto de Deus estabe-lecido com todos os antepassados é,em essência e em verdade, tão se-melhante com o pacto estabelecido

conosco que pode ser visto comoum único e o mesmo. Ele difere ape-nas na forma como é administrado(administratio tamem variat,

Institutas II.10.2).” Deus escolheuum povo e permanece fiel à sua es-colha. Deus guia e protege esta co-munidade escolhida através da his-tória. Em Cristo o sentido pleno dopacto se torna manifesto. Os sinaisdo pacto mudam mas o pacto comotal, permanece o mesmo. O Antigoe o Novo Testamento formam umaunidade. Ambos são a palavra deDeus testemunhando seu amor naescolha de seu povo.

Qual é a relação entre estes doisusos do termo pacto? Embora o ter-mo usado seja evidentemente o mes-mo, seu significado é muito diferen-te nos dois casos. Para evitar confu-são é importante estar consciente dadiferença. Somente com distinçõesclaras podem as duas perspectivas serrelacionadas uma com a outra deforma construtiva.

O pacto de Deus eO pacto de Deus eO pacto de Deus eO pacto de Deus eO pacto de Deus eo nossoo nossoo nossoo nossoo nosso

A preocupação básica do Concí-lio Geral de Accra (AMIR) é o com-promisso comum para com a causada justiça e da responsabilidade eco-

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lógica. Havendo analisado os sinaisdos tempos e evocado os fundamen-tos da fé cristã em face da injustiça eda destruição ambiental, o ConcílioGeral apela para um novo ponto departida em comum. A ênfase está nanecessidade de uma nova orientação.As igrejas são convocadas a viver àaltura de seu chamado comum paracom o mundo. O pacto é entendidoem primeiro lugar, como uma inicia-tiva comum. O termo pode ser utili-zado como substantivo e tambémcomo verbo: nós fazemos um pacto.

Para Calvino, o pacto é, em pri-meiro lugar, o dom do amor de Deuspara com o seu povo. O pacto é, emprimeiro lugar, ainda que exclusiva-mente, iniciativa de Deus. É de suainescrutável vontade escolher umpovo para testemunhar a sua glória.Deus nos atrai para o seu pacto. Denossa parte não há méritos. Tudo sebaseia na sua misericórdia. Com cer-teza somos chamados para respon-der ao dom de Deus. É nosso deverglorificar o seu nome através das nos-sas vidas. O compromisso do próprioDeus para com o pacto é o cantus

firmus tanto do Antigo como doNovo Testamento.

A compreensão de Calvino sobreo termo pacto sem dúvida está maispróxima do sentido original da pala-vra. O termo hebraico berith se refe-

re a uma iniciativa tomada por Deus.Berith envolve sempre um parceiro.Todavia, não tem o sentido de umacordo entre iguais. É significativoque a palavra seja traduzida naSeptuaginta pelo termo diatheke, quequer dizer uma ação unilateral emfavor de uma pessoa, por exemplo,uma última vontade. Um outro ter-mo –syntheke - teria sido plausívele sugere a idéia de um pacto e trata-do entre dois parceiros. Entretanto,os tradutores preferiram obviamen-te um termo enfatizando a iniciati-va de Deus. O Novo Testamentotambém utiliza o termo diatheke parapacto. A tradução latina da palavra étestamentum.

A origem do “nósA origem do “nósA origem do “nósA origem do “nósA origem do “nósfazemos um pacto”fazemos um pacto”fazemos um pacto”fazemos um pacto”fazemos um pacto”

Como é possível então que o ter-mo pacto adquira hoje um sentidoativista? Um primeiro passo foi a tra-dução adotada por Jerônimo. Eleescolheu para berith o termo foedus

que certamente, está muito maispróximo de uma idéia de associaçãoentre parceiros iguais. Um desenvol-vimento posterior ocorreu no séculodezesseis. Os anabatistas concebiama igreja como um associação volun-tária. Existem textos anabatistas ape-

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lando aos crentes para se reuniremem federação uns com os outros.Melchior Hofmann escreve: “nestesúltimos dias, mensageiros do senhorJesus Cristo reunirão a comunidadeescolhida, chamando-a por intermé-dio do evangelho e conduzindo-acomo a esposa do Senhor ao desertoespiritual. Ela será a noiva e fará umpacto com o Senhor. Da mesmamaneira, Paulo fala da igreja deCorinto como noiva do Senhor, se-melhante a uma virgem que é en-tregue ao seu esposo em compromis-so, em um pacto com Deus.” Mas opasso decisivo foi dado pelo movi-mento congregacionalista no mundoanglo-saxão. A comunidade cristã eravista como a comunidade do pacto,ou seja, uma comunidade constituí-da por Jesus Cristo e compromissadacom o seu serviço. Fazer um pactocom Jesus Cristo era o equivalente ase tornar e ser a igreja.

O pacto passou a ser entendidocomo uma iniciativa humana em fé,oferecida a Deus. Essa compreensãoé evidente particularmente no casodos pais peregrinos, nos EstadosUnidos. John Winthrop, o primeirogovernador da colônia que se insta-lou na baía de Massachussets, inter-pretou a expedição como um man-dato recebido de Deus. Antes dedesembarcar ele reuniu os colonos

para pedir as bênçãos de Deus sobreo seu empreendimento comum.“Nós concluímos um pacto com oSenhor a esse respeito. Nós aceita-mos um mandato. O Senhor nos deua liberdade de estabelecer por nósmesmos os seus artigos. Aceitamoso compromisso de nos envolver nes-ta empresa com objetivos e deveresespeciais. Oramos pedindo o seu fa-vor e a sua bênção. E se agora é doseu agrado ouvir-nos e guiar-nos empaz ao lugar com o qual sonhamos,que outro sentido pode haver alémde ele ter confirmado o pacto e sela-do o mandato...”

O movimento ecumênico e a Ali-ança Mundial de Igrejas Reformadasseguem evidentemente, esta linha depensamento.

Existe alguma ligação entre estasduas abordagens? Ou nos encontra-mos diante de dois discursos dife-rentes e até conflitantes?

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Paulo fala da igreja de

Corinto como noiva do

Senhor, semelhante a uma

virgem que é entregue ao seu

esposo em compromisso, em

um pacto com Deus.

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FFFFFazendo pacto emazendo pacto emazendo pacto emazendo pacto emazendo pacto emtestemunho aotestemunho aotestemunho aotestemunho aotestemunho aopacto de Deuspacto de Deuspacto de Deuspacto de Deuspacto de Deus

Em primeiro lugar é importanteestar consciente da diferença. Umavez que o termo pacto é usado commuitos significados, a confusão podesurgir facilmente. Para avançarmos énecessário distinguir os diferentessignificados.

Diante disso, há muita coisa a serdita para relacionar os discursos umcom o outro. Ambos podem contri-buir para uma compreensão maisampla do propósito de Deus paracom este mundo. A convocação doConcílio Geral para Accra, indicaqual testemunho a igreja deve darhoje. É uma tentativa de articular asimplicações do pacto de Deus com avida da Igreja frente aos desafios atu-ais. O chamado a uma ação comumprocura mostrar o que significa viversob o pacto de Deus.

Todavia, antes de nos empenhar-mos com o testemunho, devemosser lembrados da vontade de Deuspara estabelecer comunhão com ahumanidade. Mesmo com a melhordas intenções, não colocaremos emordem a desordem do mundo. Cer-tamente que para a humanidade so-

breviver, a justiça e o cuidado deDeus são indispensáveis. Masestamos, de fato, em uma situaçãode abandono. Somos apanhados pelacarga de erros herdados do passado.Deparamo-nos com estruturas ma-lignas que ultrapassam nossa capaci-dade de lutar. Sabemos que neces-sitamos e necessitaremos do perdãode Deus. Somente se confiarmos nainiciativa de Deus, poderemos estarempenhados em testemunhar. Sópoderemos enfrentar os poderes dedestruição dentro de nós e ao nossoredor, ao saber que toda a criação estáem suas mãos e será conduzida à ple-nitude pela ação do próprio Deus.O discurso sobre fazer um pacto temo mérito de dar expressão e se ajus-tar ao pacto de Deus. O discurso bí-blico sobre o pacto de Deus indica abase firme sobre a qual todo o ver-dadeiro testemunho deve serconstruído.

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O Rev. Ézio Martins de Lima épastor da IPI Central de Brasília

e Professor de Teologia Pastoral ePrática da Pregação no

Seminário Teológico Antônio deGodoy Sobrinho – Extensão

Brasília/DF.

PPPPPoimênica: a tarefa pastoraloimênica: a tarefa pastoraloimênica: a tarefa pastoraloimênica: a tarefa pastoraloimênica: a tarefa pastoralde compartilhar o sofrimentode compartilhar o sofrimentode compartilhar o sofrimentode compartilhar o sofrimentode compartilhar o sofrimento

(uma revisão do conceito desofrimento no livro de Jó)

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Poimênica é uma palavra nãodicionarizada na língua portugue-sa.2 O termo é derivado da pala-vra grega poimen. Utilizamos estapalavra no título deste artigo pelofato de não haver na língua por-tuguesa um termo que expresseintegralmente seu sentido.Poimênica nos remete à questãodo cuidado no sentido do agirpastoral, direcionado de formaespecial àqueles que se encon-tram em sofrimento.

A poimênica é o agir pastoralcomo ‘cura de almas’. O princi-pal sentido de “cura” em latim écuidado, visando a recuperação.

1 Apud Rubem ALVES.Da Esperança.Campinas: Papirus. 1987. p. 174.2 Cf. observação do tradutor da obra deHoward CLINNEBELL. AconselhamentoPastoral. Citando L. WEINGÄRTNER, referenteaos verbetes Poimenik e Seelsorge, p.11.Poimen é uma tradução aproximada daexpressão da língua inglesa pastoral care, e temsido utilizada na bibliografia teológica brasileiracontemporânea

“Somente nasprofundezas dosofrimento e dodesespero, oshomens chegam aconhecer a graça”.1

Martin Buber

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“Alma” é compreendida aqui comoa essência da personalidade humana.Peterson define que “A cura de al-mas é então o cuidado dirigido paraas Escrituras, cuidado em forma deoração (...) É uma determinação detrabalhar no centro das coisas, deconcentrar-se no essencial.”3

O ministério pastoral, contudo,sofreu trágicas mudanças nos últimosdois séculos. “O que fazemos aos do-mingos não mudou realmente atra-vés dos séculos: proclamar o evange-lho, ensinar as Escrituras, celebrar ossacramentos, oferecer orações. Mas,o trabalho entre os domingos mudouradicalmente e não constitui um pro-gresso, mas uma deserção”4. A tare-fa pastoral deixou de ser o de ‘curade almas’ e passou a ser “dirigir umaigreja”.

A compreensão do ministériopastoral como poimênica é o resgatedo fundamento bíblico do agir pas-toral. Tal compreensão aponta, por-tanto, para a necessidade de umareforma radical no atual modelo pas-toral que transforma o ‘cura de al-mas’ em um administrador de umainstituição religiosa.

O trabalho pastoral é a decisão de

lidar, nos termos mais íntimos e pes-soais, com o sofrimento. Não é tare-fa do pastor, contudo, encontrar for-mas de evitar o sofrimento ouminimizá-lo. A tarefa do pastor é en-volver-se no sofrimento. De formaconsciente e deliberada, o ‘cura dealmas’ envolve-se na experiência dosofrimento das pessoas. Isto, porém,é uma tarefa complexa, pois o pró-prio cura de almas sofre das mesmasmazelas pelas quais passam boa par-te daqueles que são alvos de seu cui-dado. Além disso, a negação do so-frimento através do triunfalismo te-ológico ou o seu inverso, odeterminismo fatalista corrente nasreligiões cármicas, são desafios cons-tantes com os quais o pastor precisalidar.

Neste artigo avaliaremos de for-ma específica a questão do sofrimen-to no livro de Jó, pois uma compre-ensão bíblica do sofrimento é funda-mental para uma poimênica pastoralque evite conceitos desumani-zadores.

Irmãos e irmãs noIrmãos e irmãs noIrmãos e irmãs noIrmãos e irmãs noIrmãos e irmãs nosofrimentosofrimentosofrimentosofrimentosofrimento

Somos tão diferentes, e ao mes-mo tempo tão iguais! Reagimos deforma diferente frente a situações

3 O Pastor Contemplativo. Textus, 2002, p.69.4 Idem, p.68.

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idênticas. Assim somos nós, os sereshumanos: diferentes.

Não obstante nossas diferençastodos nós indistintamente temos algosimilar, que nos reporta a uma mes-ma identidade, à nossa humanidade:todos nós sabemos muito bem o queé a dor e o sofrimento! “Todos so-mos irmãos e irmãs no sofrimento.Ninguém chega até nós de uma casaque nunca conhece a tristeza”. 5

Compreender o sofrimento éuma tentativa constante dos sereshumanos em todas as eras e em to-dos os lugares. O dr. Gary Collins,conhecido psicólogo cristão, definiu:

“O sofrimento é uma respos-ta importante e normal pelaperda de um objeto ou entesignificativo. É uma experiên-cia de privação e ansiedade quepode evidenciar-se física, emo-cional, cognitiva, social e espi-ritualmente. Qualquer perdapode provocar sofrimento (...)De fato, toda vez em que umaparte de nossa vida é removi-da, surge o sofrimento”.6

É possível que a palavra ‘normal’não seja apropriada quando falamosde sofrimento. C. S. Lewis escreveuque “O erro e o pecado são um malmascarado; o sofrimento é um malàs claras, indiscutível. Todo homemsabe que algo está errado quandosente dor”.7

Podemos lidar com o sofrimentode diversas formas e utilizamos osmais diferentes artifícios para com-preender as perdas irreparáveis. Asreligiões são a expressão mais clarade como o ser humano precisa ex-plicar o que foge à compreensão:“Qual o sentido do sofrimento?”.Mas afinal, “há algum sentido emsofrer?”. E “Por que pessoas boas ejustas sofrem?”. São as perguntas quenos fazemos e fazemos aos outros.

A visão do antropólogo CliffordGeertz expressa a intenção quase quesimilar das religiões frente ao proble-ma do sofrimento:

Assim, o problema do mal, outalvez devamos dizer o proble-ma sobre o mal, é em essênciaa mesma espécie de problemade ou sobre perplexidade e deou sobre sofrimento. A estra-nha opacidade de certos acon-tecimentos empíricos, a tolafalta de sentido de uma dorintensa ou inexorável e a

5 Harold S. KUSHNER. Quando coisas ruinsacontecem às pessoas boas. p.113.6 Gary R. COLLINS. Aconselhamento Cristão. SãoPaulo: Vida Nova, 1995. p. 342.7 O problema do sofrimento. São Paulo: MundoCristão, 1983, p. 67.

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enigmática inexplicabilidade daflagrante iniqüidade, tudo issolevanta a suspeita inconfortávelde que talvez o mundo, e por-tanto a vida do homem nomundo, não tenha de fato umaordem genuína qualquer –ne-nhuma regularidade empírica,nenhuma forma emocional,nenhuma coerência moral. Aresposta religiosa a esta suspei-ta é sempre a mesma: a formu-lação, por meio de símbolos, deuma imagem de tal ordem ge-nuína do mundo, que dará con-ta e até celebrará as ambigüi-dades percebidas, os enigmase os paradoxos da experiênciahumana. O esforço não é paranegar o inegável – que existemacontecimentos inexplicados,que a vida machuca ou que achuva cai sobre o justo – maspara negar que existam acon-tecimentos inexplicáveis, quea vida é insuportável e que ajustiça é uma miragem.8

A vida é insuportável? A justiça éuma miragem? Devemos negar o so-frimento ou aceitá-lo? Como, pois,os cristãos devem se portar diantedo sofrimento? Como o cristianismolida com as perdas e danos que sãoinerentes à vida de todos?

Jó e o enigma doJó e o enigma doJó e o enigma doJó e o enigma doJó e o enigma dosofrimentosofrimentosofrimentosofrimentosofrimento

O livro de Jó comumente é usa-do para responder à questão do so-frimento. Infelizmente, contudo, osenso comum com respeito à ‘teolo-gia de Jó’ assemelha-se ao deter-minismo fatalista corrente nas religi-ões cármicas. O próprio jargão “pa-ciência de Jó”, utilizado abundante-mente por todos para designar aspessoas que padecem sem reclamar,é fruto de ignorância com respeitoao texto bíblico. Jó não foi paciente,nem tão pouco resignado ao sofrer.Pelo contrário! As falas e perguntasde Jó, como bem apontou PhilipYancey, “contêm expressões profun-das de dor, desespero e indignação.Quase não contendo o sarcasmo, eledeixa transparecer protestos iradoscontra Deus, chegando mesmo bempróximo da blasfêmia. As primeiraspalavras que consegue pôr para forasão: ‘Pereça o dia em que nasci, e anoite em que se disse: foi concebidoum homem!’”.9

Outras inúmeras passagens do li-

8 Clifford GEERTZ. A interpretação das Culturas.Rio de Janeiro:LTC, 1989. p.124.9 Philip YANCEY. A Bíblia que Jesus lia. São Paulo:Vida, 2000. p.56-7.

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vro de Jó nos fazem perceber sua in-dignação e protesto diante do sofri-mento, inexplicavelmente injusto,pelo menos aos seus próprios olhos:

Até quando não apartarás demim a tua vista, nem me lar-garás, até que eu possa engolira minha saliva?Se peco, que te faço a ti, ó vi-gia dos homens? Por que mefizeste alvo dos teus dardos?Por que a mim mesmo me tor-nei pesado?Por que me não perdoas a mi-nha transgressão, e não tiras aminha iniqüidade? Pois agorame deitarei no pó; tu me bus-carás, porém eu não serei mais(Jó 7.19-21).Ainda que eu fale, a minha dornão se mitiga; e embora mecale, qual é o meu alívio? (...)Na sua ira ele me despedaçou,e me perseguiu; rangeu os den-tes contra mim; o meu adver-sário aguça os seus olhos con-tra mim (...) Deus me entre-ga ao ímpio, nas mãos dos iní-quos me faz cair (...) Descan-sado estava eu, e ele me que-brantou; e pegou-me pelo pes-coço, e me despedaçou; colo-cou-me por seu alvo” (Jó 16.6, 9, 11,12).

Jó não é paciente, nem sofre demaneira resignada. A realidade nosmostra que no instante do sofrimen-to dificilmente nos portamos demaneira resignada, paciente e racio-nal. Os sentimentos envoltos nas tra-gédias deixam claro que o sofrimen-to é anti-natural, anormal, estranhoe, indiscutivelmente, incômodo. Seo sofrimento fosse natural, não seriauma experiência de dor universal-mente questionada.

Se o sofrimento nos incomoda éporque acima de tudo ele não é na-tural, normal ou aceitável. O ‘segre-do’ do livro de Jó, como escreveu,Kierkegaard: “a força vital, o pontocentral, a idéia é que, apesar de tudo,Jó está certo”.10

Se Jó não está certo quanto aoponto de partida para os seusquestionamentos, com certeza estácerto por questionar o próprio sofri-mento. Jó deixaria de ser humano senão o fizesse! Toda e qualquerespiritualidade que negue o sofri-mento, ou o espiritualize, falha jus-tamente na medida que torna o serhumano um semideus. “(...) Deusnão quer que nossa vida seja mera-mente espiritual, ele quer que nossaespiritualidade seja verdadeiramen-

10 Idem, p. 58

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O livro de Jó nos surpreende por-que é o questionamento sincero deum homem sincero frente à anorma-lidade do sofrimento. Jó precisa com-preender o que lhe acontece, nãoporque “não crê”, mas justamenteporque crê. Porque crê, não conse-gue assimilar que seu Deus, onipo-tente e justo, pode ser o causador desuas aflições.

C. S. Lewis, enlutado pela perdada esposa, escreveu em seu diário:“Não que eu esteja (penso eu) emgrande perigo de deixar de crer emDeus. O verdadeiro perigo é come-çar a crer em coisas tão espantosas arespeito dele. A conclusão que eutemo não é: ‘Bem, no final das con-tas não existe Deus mesmo’, mas‘Bem, Deus, é assim mesmo. Então,pare de se enganar’. Será que Deus éum sádico cósmico?”12 Estas palavrasde C. S. Lewis parecem ser um resu-mo exato do dilema presente nosquestionamentos e argumentos de Jó.

Qual o caminho que Jó precisatrilhar para lidar com as perdas?Olhar para frente ou retroceder?Crer ou descrer? Alimentar o cora-ção de esperança ou literalmentedesesperar-se?

Se ele cedesse à descrença oseu problema cessaria imedia-

tamente. Permaneceria, semdúvida, a sua luta física e mo-ral contra um mal sem causaaparente, mas a sua torturaespiritual acabaria. Assim ocaminho de sua agonia não écomparável a uma descidacontínua para o horror; é an-tes uma cessante oscilação en-tre a negação e a afirmação, adúvida e a certeza, a revolta ea suspeita de uma esperança,‘um combate contra Deus e,não obstante, uma esperançanele, uma evasão de sua pre-sença e uma paixão porreencontrá-la’. 13

Na leitura do livro de Jó perce-bemos que ele percorre o caminhonatural ao qual somos levados quan-do somos vítimas do sofrimento: ocaminho da oscilação entre o deses-pero e a esperança! O sofrimento,desta forma, torna-se a mola propul-sora do questionamento da fé, masparadoxalmente o sofrimento é amãe da esperança. “Ao engendrar anegação daquilo que é, (o sofrimen-

11 James, HOUSTON. A Fome da Alma. São Paulo:Abba Press, 2000, p.222.12 Philip YANCEY. A Bíblia que Jesus lia. São Paulo:Vida, 2000. p.57.13 Samuel TERRIEN. Jó: grande comentário bíblico.São Paulo: Paulus, 1994, p. 47.

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to) prepara o caminho para o novodia. É o sofrimento histórico que faza esperança manter-se radicalmentehistórica, enquanto a superação da-quilo que hoje impede o homem deser livre para o futuro e a vida”.14

Esta oscilação entre desespero eesperança torna Jó um herege revol-tado ou um justo protestando justi-ça? Jó pode ser, assim, acusado deheresia ou blasfêmia? Se Jó questio-na o seu sofrimento, não questiona,portanto, a soberania de Deus? Sequestiona a soberania de Deus, seráque Jó não passou dos limites?

O oposto desta concepção do “Jóherege” é a que está presente no sen-so comum. Comumente o livro deJó é entendido como uma seqüênciade fatídicos acontecimentos nebulo-sos na vida de um homem íntegro,que aceita todas as tragédias porquese submete pacientemente à vonta-de de Deus. O grande problema des-ta concepção é que ela leva natural-mente a um raciocínio equivocado:“Deus é poderoso, mas permite queum homem justo sofra, e não resol-ve em nenhum momento o seu pro-blema”. Ou o que é pior, Deus se

torna um carrasco dos justos e fiéis,apenas para prová-los quanto à suaintegridade. Como alguém sarcasti-camente disse: “Com um deus as-sim, quem precisa do diabo?”. Ora,tal concepção está longe da doutrinacristã e se torna idêntica a concep-ções das deidades do mundo grego,cujo panteão está repleto de deusesmovidos por sentimentos de vingan-ça, numa clara manifestação deantropopatismo15. Uma leitura equi-vocada do livro de Jó naturalmentelevará a um raciocínio congênere.Partindo de tal concepção, natural-mente somos levados a questionar:“Este Deus de Jó é Todo-poderoso,e se é, o que foi feito da sua bonda-de? Se é Todo-poderoso, por que nãoresolve? Se não resolve, onde está oseu amor?”.

Há, entretanto, outra forma deler o livro de Jó. Como sugeriuSamuel Terrien, ao enfrentar as ca-tástrofes, Jó precisa re-ver seus con-ceitos e crer no Deus que “escapa àspretensões humanas”. Jó, em outraspalavras, precisa sair do equívoco dateologia da retribuição para a segu-rança da fé que repousa na graça:

Inesperadamente, ele tomouo exemplo clássico do homemíntegro atirado na adversida-de. A situação (...) permitiu-

14 Rubem ALVES. Da Esperança. Campinas: Papirus,1987, p. 174.15 Antropopatismo é atribuir sentimentos humanosàs divindades.

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lhe perscrutar o homem en-quanto homem, despojado detodos os reconfortos e de to-das as ilusões. Explorando odesconhecido teológico, ele foiconduzido a pedir que fosselançada uma ponte entre oDeus incognitus e o homemabandonado no universo. Fi-nalmente, aprendeu que a re-ligião e a moralidade não con-ferem nenhum direito à feli-cidade e se achou então no li-miar de um novo reino de ser,no qual a graça é suficiente. 16

Até que Jó chegue neste “(...) li-miar de um novo reino de ser, noqual a graça é suficiente”, é necessá-ria uma longa jornada. Acima detudo, porém, é necessário odespojamento da concepção de queDeus é refém dos conceitos huma-nos, por mais coerentes, ‘bonitos’ e‘justos’ que aos olhos dos homenspareçam ser.

Jó: nem herege,Jó: nem herege,Jó: nem herege,Jó: nem herege,Jó: nem herege,nem justo!nem justo!nem justo!nem justo!nem justo!

Jó não é nem um herege revolta-do, nem um justo que se posta paci-ente e resignadamente diante do so-frimento. Ao lermos de forma aten-

ta as palavras de Jó, percebemos umhomem que vê a si mesmo como jus-to, e, por isso mesmo, se senteinjustiçado por sofrer.

Os questionamentos de Jó, nãoobstante sejam sinceros, são equivo-cados justamente porque desviam oolhar de Deus e o faz repousar sobresi mesmo. Jó reflete a atitude da cri-atura que não reconhece as limita-ções de sua finitude. “É antes umsemi-deus que aplica sua inocênciacom uma alavanca à vontade divinae que, quando é incapaz de conciliarsua justiça com seu destino, questio-na a justiça da divindade e se erigeem juiz de seu criador”.17

Vejamos algumas reações de Jófrente ao seu sofrimento:

Jó grita que Deus o atacou semmotivo: “Ele me esmagaria com umatempestade e sem motivo multipli-caria minhas feridas” (Jó 9.17).

Jó afirma a sua justiça: “Longe demim que eu vos dê razão; até que eumorra, nunca apartarei de mim aminha integridade. À minha justiçame apegarei e não a largarei; o meucoração não reprova dia algum daminha vida” (Jó 27.5-6).

16 Samuel TERRIEN. Jó: grande comentário bíblico.São Paulo: Paulus, 1994, p. 44.17 Idem, p. 47.

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Jó questiona se há algum motivono seu sofrimento e desafia para queDeus mostre por escrito os erros quedão motivos ao seu Criador de fazê-lo passar por tribulação: “Ah! quemme dera um que me ouvisse! Eis aminha defesa, que me responda oTodo-poderoso! Oxalá tivesse eu aacusação escrita pelo meu adversá-rio! Por certo eu a levaria sobre oombro, sobre mim a ataria comocoroa. Eu lhe daria conta dos meuspassos; como príncipe me chegariaa ele” (Jó 31.35-37).

Por fim, Jó conclui a discussãocom a lista de seus atos de virtude.O texto bíblico merece ser lido commuita atenção (Ver Jó 31.4-40).

Jó alista suas virtudes. Gaba-se deser isento de qualquer forma de jul-gamento. Jó é um típico fariseu an-tes do farisaísmo! Orgulha-se de suapureza religiosa, moral, seu compro-misso social, sua defesa dos oprimi-dos, injustiçados e excluídos. Enfim,Jó é um típico “super-crente”. Tãoconfiante em suas virtudes religiosase morais que se acha suficientemen-te capaz de exigir de Deus um trata-mento digno de sua posição.

Ao alistar suas virtudes, Jó nemparece ser humano. Mostra-se como

um semideus. É justamente nesteaspecto que se mostra seu equívocoteológico. “Por uma contradição tí-pica da natureza humana, que, noentanto, revela a confusão de seuespírito, Jó condena a justiça de Deuse, entretanto, exige desse mesmoDeus um veredicto de quitação (Jó23.3-7)”18. Sua crença no dogma daretribuição faz com que Jó se apre-sente diante de Deus não como umhomem que busca misericórdia, mascomo um ‘super-homem’, que re-quer seus direitos! Apresenta-se di-ante de Deus com “a glória de umtitã, que, como um príncipe, querconceder audiência a Deus, tratá-locortezmente, (sic) mas de igual paraigual (Jó 31.37), e tirar da ocasiãodessa entrevista a última afirmaçãode si mesmo. Nessa procura não hálugar para a graça (...)Ele exige queDeus reconheça seu valor; não acei-ta a sua misericórdia; e nisso está afonte se sua doença mortal”.19

Quando os amigos de Jó, Elifaz,Bildad e Sofar apontam a recusa deJó em aceitar as limitações de seuestado de criatura, tocam no pontocentral da “hybris”, do orgulho, naqual Jó está imerso. Contudo, mui-tas são as falhas em seus discursos natentativa de explicar o sofrimento.

Primeiro eles estão equivocadosquando explicam que os sofrimen-

18 Samuel TERRIEN. Jó: grande comentário bíblico.São Paulo: Paulus, 1994, p. 47.19 Idem.

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tos de Jó são decorrência dos peca-dos de seus filhos (Jó 8.4), ou porpecados cometidos por ele próprio(Jó 11.14; 15.15; 18.21; 22.5).

Os amigos de Jó também estãoequivocados quando aplicam a cren-ça na retribuição divina, como se asbênçãos de Deus estivessem meca-nicamente subordinadas à lei da causae efeito (Jó 5.17-27; 8.6-22; 11.15-20; 15.17-35; 18.5-21; 27.13-23).Com isso eles caem no erro funda-mental de Jó, porque professam odogma da retribuição divina no qualadmitem que é o homem, por suaprópria vontade e por seu própriopoder, o autor de seu destino e o se-nhor de sua existência. Como bemescreveu o dr. Samuel Terrien, “Nes-sa concepção da relação entre Deuse o homem – concepção comum aJó e aos seus consoladores – não hálugar para a realidade da graça: o amorpuro do homem para com Deus életra morta”. Como Satanás (Jó 2.1-5), continua, “nem Jó nem seus ami-gos acreditam realmente que o ho-mem possa servir a Deus ‘por nada’(...) Para eles, a religião é mercado, ahumildade, uma apólice de seguro,e a moralidade, uma moeda quecompra a paz da alma e a prosperi-dade”. 20

Infelizmente a teologia da retri-buição – que faz da religião um mer-

cado e da fé o ingresso para aquisi-ção de todas as bênçãos, e que estápresente nos discursos de Jó e de seusamigos – é a que encontramos commais facilidade na grande maioria dostemplos evangélicos de nosso tempo.

O triunfalismo, que prega a vitó-ria em todo tempo e que demonizao sofrimento, faz o papel de Satanásque, segundo o livro de Jó, quer pro-var para Deus que ninguém o servesenão em troca de algo.

A grande lição do livro de Jó éque a teologia da retribuição só en-contra lugar onde a graça não foicompreendida, assimilada e expe-rienciada. O capítulo 42 de Jó frus-tra as expectativas dos que esperamuma explicação para o problema dosofrimento e do drama humano. Apresença revelada de Deus faz o ho-mem calar-se nas suas vãs pretensõese o coloca no seu verdadeiro lugar:submetido à poderosa mão do Se-nhor de todas as coisas, criador doscéus e da terra, e que faz emudeceras palavras tortas de toda e qualquerreligiosidade que pretende destronaro Deus Todo-poderoso e entronizara criatura.

20 Samuel TERRIEN. Jó: grande comentário bíblico.São Paulo: Paulus, 1994, p. 49.

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Bem sei eu que tudo podes, eque nenhum dos teus propó-sitos pode ser impedido.Quem é este que sem conhe-cimento obscurece o conse-lho? por isso falei do que nãoentendia; coisas que para mimeram demasiado maravilhosas,e que eu não conhecia.Ouve, pois, e eu falarei; eu te per-guntarei, e tu me responderas.Com os ouvidos eu ouvira fa-lar de ti; mas agora te vêem osmeus olhos.Pelo que me abomino, e me ar-rependo no pó e na cinza (Jó42.2-5).

No encontro com o Deus quevem ao seu encontro, Jó aprende queDeus está mais longe e mais alto doque a religiosidade humana. A expe-riência com Deus, ao olhar para a suaface – linguagem que opõe a religio-sidade à experiência da conversãogenuína, faz com que os questio-namentos percam o sentido. “Aque-le que esperava sair do cadinho comodo ouro puro (Jó 23.10) se prostraem adoração (Jó 42.6)”. 21

O que acontece com o Jó revol-tado e indignado que requer expli-cações e exige justiça baseando-se emseus méritos? O que o capítulo 42nos mostra é que o Jó revoltado dálugar ao Jó que se prostra em adora-ção em reconhecimento da sobera-nia de Deus. Fica-nos, entretanto,uma pergunta: por que Jó muda ra-dicalmente assim?

Creio que a experiência de Jó é aconversão ao amor que desobstrui aavenida da graça. Os entulhos doegoísmo e justiça próprios são retira-dos à medida que Jó tem uma per-cepção do amor de Deus que é eter-no e que, por isso, atrai com benig-nidade (Jeremias 31.3). O olhar édesviado de si mesmo, de suaspretensas virtudes e moral. Não sefala mais de um merecimento ou jus-tiça. Jó se cala, porque se encontracom o Deus cujo amor eterno o en-volve em tal medida que as explica-ções são desnecessárias.

Neste encontro com o amor, a lin-guagem dos poetas explica bem maisdo que a linguagem dos filósofos eteólogos, por isso o poeta Drummondde Andrade pode ajudar-nos:

Eu te amo porque te amo.Amor é estado de graçae com amor não se paga.Amor é dado de graça,

21 Samuel TERRIEN. Jó: grande comentário bíblico.São Paulo: Paulus, 1994, p. 47.

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Amor foge a dicionáriose a regulamentos vários.Eu te amo porque não amobastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,não se conjuga nem se ama.Porque amor é amor a nada. 22

A expressão “amor a nada” é per-feita para que entendamos a fé quenasce na compreensão da Graça. A féque nasce na graça é a que Jó conheceno encontro com Deus. É amar a Deusnão pelo que Ele lhe concede, mas poraquilo que é. A fé oriunda da graça nosfaz lançar o olhar para a face de Deus afim de conhecê-lo, e não para as suasmãos, a fim de receber algo.

Como bem observou SamuelTerrien, a palavra amor não apareceno capítulo 42 de Jó. “Todavia, umDeus infinitamente santo, que trans-cende Sua transcendência para ma-nifestar ao homem de dor, é umDeus que ama. O amor de Deus pelohomem que sofre, implica participa-ção desse Deus nos sofrimentos dessehomem, porque não há amor semsym-pathia” 23.

A experiência de Jó não preten-de explicar e pôr um fim ao proble-ma do sofrimento humano. As res-postas que Jó esperava receber deDeus não são dadas. Ao invés de

respostas, ele ouve um turbilhão deperguntas às quais não pode respon-der. Jó, assim, descobre qual é o seulugar! O falador e inquiridor se trans-forma no homem silencioso, imersona experiência do conhecimento dasoberania de Deus. Jó se dá contaque o trono do universo não está va-zio. Todas as coisas estão no controledaquele que tudo pode e cujos pla-nos não podem ser frustrados.

A necessidade de explicação dálugar à participação, à comunhão, àexperiência com o soberano Senhore Criador de todas as coisas. Tal par-ticipação, é verdade, “não desfaz oenigma do sofrimento no universo,mas permite ao homem viver. Ele nãoestá mais prostrado pelo escândalo.Não está mais fascinado pelo nada.A sua fé o liga ao Ser. Ele vive naperspectiva da sola gratia”.24

Não é intenção do livro de Jó re-solver o problema do sofrimento, masmostrar o triunfo da fé que repousa nagraça quando do despojamento com-pleto do eu. Jó prenuncia, portanto,séculos e séculos antes do apóstoloPaulo, a doutrina cristã de que a graçaé suficiente quando somos privados dasdemais coisas! (2 Coríntios 12.9)

22 Trechos do poema: “As sem razões do Amor”.23 Samuel TERRIEN. Jó: grande comentário bíblico.São Paulo: Paulus, 1994, p. 56.24 Idem, p. 57.

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ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

A poimênica, e a conseqüenteconcepção do pastor como cura dealmas, precisa ser recuperada na Te-ologia Pastoral. Tal recuperação faz-se ainda mais urgente quando na atu-alidade o ministério pastoral passatanto pela crise de sentido como pelacrise de práxis.

A poimênica, especialmente noque tange ao sofrimento, não apre-senta propostas para administrar,negar ou resolver o problema do so-frimento. Mas aponta para a neces-sidade de uma avaliação responsáveldo tema do sofrimento humano esuas implicações. Isto posto, a com-preensão do tema do sofrimento nolivro de Jó estimula a poimênica. Nãoporque tal compreensão seja um “re-vestimento de forças para que o ‘curade almas’ resolva o sofrimento”. Pelocontrário! Tal compreensão é desco-brimento de que se pode fazer me-nos em relação ao sofrimento, aomesmo tempo em que leva o ‘curade almas’ a aproximar-se muito maisdos que sofrem. Desta forma, o “curade almas” não sucumbirá à tentaçãode resolver os problemas de quemsofre como se fora um semideus, mas

o seu envolvimento “sym-pático”com aquele que sofre apontará paragraça de Deus. “A postura que con-cede mais sentido à dor é a fidelida-de em levar o sofrimento a sério e acompanhia enquanto se espera oamanhecer”25.

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A poimênica, especialmenteno que tange ao sofrimento,não apresenta propostas paraadministrar, negar ouresolver o problema dosofrimento. Mas apontapara a necessidade de umaavaliação responsável dotema do sofrimento humanoe suas implicações.

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antesMilton Schwantes é pastor

luterano e doutor em teologiapela Universidade de Heidelberg.Professor na área de Literatura e

Religião no Mundo Bíblico, docurso de pós-graduação em

Ciências da Religião da Umesp.

Um jumentinho no reino –Marcos 11.1-11*

“1Quando se aproxima-vam de Jerusalém, deBetfagé e Betânia, junto aoMonte das Oliveiras, en-viou Jesus dois dos seus dis-cípulos 2e disse-lhes: Ide àaldeia que aí está diantede vós e, logo ao entrar,achareis preso umjumentinho, o qual aindaninguém montou; despren-dei-o e trazei-o. 3Se alguémvos perguntar: Por quefazeis isso? Respondei: OSenhor precisa dele e logoo mandará de volta para

* Prédica no Domingo de Ramos, 9 de abril de2006, na Primeira Igreja PresbiterianaIndependente de São Paulo. O texto previstopara este domingo é o de Marcos 11.1-11.

“E a paz de Deus,que excede todo onosso entendimento,guardará o vossocoração e a vossamente em CristoJesus.”(Filipenses 4.7)

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aqui. 4Então, foram e acharamo jumentinho preso, junto aoportão, do lado de fora, na rua,e o desprenderam. 5Alguns dosque ali estavam reclamaram:Que fazeis, soltando ojumentinho? 6Eles, porem, res-ponderam conforme as instru-ções de Jesus; então, os deixa-ram ir. 7Levaram o ju-mentinho, sobre o qual puse-ram as suas vestes, e Jesus omontou. 8E muitos estendiamas suas vestes no caminho, eoutros, ramos que haviam cor-tados dos campos. 9Tanto osque iam adiante dele como osque vinham depois clamavam:

Hosana!Bendito o que vem emnome do Senhor!10Bendito o reino quevem, o reino de Deus,nosso pai!Hosana, nas maiores al-turas!

11E, quando entrou em Je-rusalém, no templo, tendo ob-servado tudo, como fosse játarde, saiu para Betânia comos doze.” (Marcos 11.1-111)

Querida comunidade,

em Jerusalém, conta-se um inci-dente meio estranho em relação aoDomingo de Ramos. Estava de visitaà cidade o sr. Imperador alemão,Guilherme II. Naqueles tempos, nocomeço do século XX, portanto há100 anos atrás, alemães e turcos eramaliados. E estes senhores turcos eramquem governava também nas terrasde Jesus, em especial em Jerusalém.Guilherme II visitava, pois, seus ali-ados internacionais. E, como este sr.Imperador tinha suas devoções es-peciais, resolveu entrar na cidade san-ta, como Jesus lá entrara no começoda semana santa. Mas, lhe pareceupouco apropriado vir montado emum burrico. Afinal, são muito peque-nos. O senhor Imperador não cabe-ria no lombo de jumento, porque lhesobrariam as pernas. A assessoriaachou ser mais digno que o senhorImperador entrasse em Jerusalém,no caso pela porta de Damasco, mon-tado em um camelo. Havemos deconcordar que um camelo há de es-tar mais à altura de um soberanocomo o Imperador Guilherme II, daPrússia e da Alemanha inteira. E lá

1 Trata-se da tradução de João Ferreira de Almeida.

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veio sua majestade, um tanto commedo, mas enfim equilibrando-sesobre o camelo, rumo à porta deDamasco, entrada norte da cidadesanta, para a liturgia daquele Domin-go de Ramos. Mas quanto mais seaproximava a solene comitiva, maisse aproximava o vexame para sua al-teza. O portão era muito baixo! Nelenão cabia nem camelo e muito me-nos o senhor Imperador sobre ele. Aassessoria tentou, mas nada. Não res-tou outra saída, senão retirar o se-nhor Imperador daquela enorme al-tura para que continuasse sua traje-tória e, digamos, tragédia a pé. Péante pé entrou na cidade, e foi cum-prindo a liturgia daquele Domingode Ramos, há cem anos atrás. Umimperador sem seu aparato, comoum comum mortal, andando a pé,pelos apertos e ruelas de Jerusalém!Que sensação! E é disso que tratanosso trecho: a entrada de um rei nacidade santa!

Com isso a mensagem deste do-mingo já está clara. Digo-a logo, paraque, de começo, esteja clara: Jesusentra como rei pobre em Jerusalém,nesta cidade símbolo de Israel; bastaque o imitemos. Que tal?

1A cena parece de pompa. Ao me-

nos, quer-se dar a impressão de cer-ta pompa. Em todo caso, a pompamaior está nas palavras dirigidas aJesus pelos que acompanhavam oséqüito. A gente cantava salmos. Pro-movia um momento de devoção.Afinal, peregrinos das festas dapáscoa viviam em liturgia, oração edevoção naqueles dias da páscoa, emJerusalém. Era-lhes de imensa felici-dade poder permanecer naqueleambiente litúrgico e festivo, numespaço tão denso e comunitário.

E, agora, ainda se lhes apresentavaalguém que pudesse ser comemoradocomo messias. Ah, nós não deixaría-mos de estar nesta companhia de quemclamava hosanas e de quem aclama onovo reino. A comunidade que se cons-tituía ali, nas ruelas de Jerusalém, can-tava e celebrava a era messiânica.

Por um lado, entoavam-se cantos!Trata-se de conteúdos de salmos.2

Refere-se a quem, vindo de longe,peregrinando dias e semanas a Jeru-salém, entra na cidade santa, comjúbilo, barulho e cantoria. Ao encon-trar-se com a cidade e seu templo,2 Salmo 118.25-26.

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os peregrinos vibram, saltitam e ba-tem palmas. A meta estava alcançada:os portões da cidade, de Sião! E aícomemoram “aquele que vem”. Eeste que vem é especial; vem em “onome do Senhor”. Ora, este “nome”assinala, justamente, a presença deDeus. O processional está chegandoà sua meta: ao Senhor Deus que estápresente em seu templo, mas maisque isso, em Jesus. Pois, o que é “ben-dito”, que está, pois, ‘abençoado’, é,na verdade, o próprio Jesus. Quemparticipa do cortejo de Jesus, estáatualizando o salmo em questão: osalmo se referia a Deus Senhor emsua entrada em Jerusalém. Na cenados ramos, o Senhor é o próprio Je-sus, triunfante pelas ruas e ruínhas dacapital religiosa e política de Israel.

Por outro lado, diziam-se coisasmaravilhosas nestes cânticos. A co-munidade que precede e que seguea Jesus pelos caminhos de Jerusalém,não só recita um salmo. Afirma coi-sas novas: o reino! Os vivas são emprol do reino de Deus, que aí irrompecom este Jesus sobre o jumentinho!Este reino é aclamado com hosanas3,que significa: “ele ajuda”, “socorre”.

Jesus ajuda. Aliás, estes hosanas ebenditos têm praticamente o mes-mo sentido, porque ambos levam osignificado de “socorrer”, “tirar doaperto”. Para quem vivia sob as bo-tas romanas lá nas terras de Jesus,isso de cantar para alguém como Je-sus era maravilhoso: voltaremos a noslivrar dos roubos, feitos pelos senho-res do mundo de então, e dos im-postos saqueadores do Império Ro-mano. Ah, que felicidade! Este ho-mem no jumentinho é libertador! Elefaz lembrar de Davi, e, em especial,de “o reino de Davi”. Eis, aí o temada autonomia nacional, anti-Roma!Bendito este reino que vem! Nesteclima, os peregrinos e as peregrinas,com entusiasmo e euforia, conduzemJesus pelas ruas, rumo ao templo. Ospoliciais romanos não se terão ale-grado com os cânticos políticos,messiânicos, festivos daquela gentepobre a conduzir um messias pobrepelas ruelas de Jerusalém.

2Este messias é pobre! Esta é a con-

tradição vital desta nossa passagembíblica. Este Jesus é rei sem nem

3 Hosana provém do verbo yx’, no hifil hebraico, nosentido de “ajudar”, “socorrer”. Este verbo se usaoriginalmente, como em nosso trecho, em sentidopolítico. Só posteriormente em contexto designificados mais gerais também pode ter o sentidode “curar”.

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mesmo ter um jumentinho, muitomenos um camelo.

Seu cortejo é de gente do povo,simples e pobre. Ele também tem láseus ‘batedores’ e seu ‘séquito’. Masa este falta pompa e envergadura. Sua‘pompa’ são aqueles peregrinos deboa fé, vindos de longe, empoeiradospelas estradas daquelas pobres ter-ras palestinas. O que sabiam era can-tar, porque tinham passado o tempoda peregrinação até Jerusalém can-tando salmos e fazendo suas orações.O que tinham e sabiam era aquelemínimo que cada qual sabe: cantar,bater palmas, festejar aquele messi-as como quê ‘nordestino’ que davaentrada pelos portões e ruelinhas deJerusalém. Que cortejo tem estenosso messias!

Mas, enfim, este é o cortejo maisadequado àquele nazareno, um tan-to maltrapilho, ainda com os cheirose os modos da manjedoura deestrebaria! O que lhe compete émuito rudimentar, mas mesmo as-sim ou por isso mesmo encantador.Ora, olhe, agora, para o tapete dehonra, sobre o qual se desloca o cor-tejo. Ah, que lindo, até tem seu ta-pete de honra. Está feito das roupasdos peregrinos. Sobre “as suas ves-tes” é que Jesus passa, com seujumentinho. Que sensacional! Opovo recorre ao último que lhe res-

ta: a roupa de seu corpo para fazerum tapete àquele que aponta para oreino, para as comunidades comoabrigos para os carentes. E, como asroupas não bastam, a gente recorreainda à própria natureza, aos ramossempre verdes da Palestina para‘atapetar’ o caminho do SenhorDeus. É assim: do nada se faz tudo!Eis tua chance, minha irmã e meuirmão, do nada resulta algo. Eis nos-sa chance na igreja! Aí não nos reu-nimos como super-dotados, em sa-ber e religião, mas como míseros pe-regrinos, na plenitude da miséria denossa falta de amor e de justiça, paralançar aos pés de Jesus o que temos:uns ramos e umas roupas surradaspelo uso e desgastadas pela vida. E éo que basta. Tudo mais já poderia serostentação e exibicionismo. Basta tuaroupa velha e uns galhos sobrantes!O messias já se alegra com isso. Fazfesta com tuas coisas pequenas. De-las faz muito. Faz tudo! Gente, jegueé melhor que camelo, para voltaràquela estorinha inicial.

Enfim, o jumentinho! Primeira-mente, há que perceber que está aípor causa do profeta Zacarias. Ele équem dizia:

“Alegra-te muito, ó filha de Sião;exulta, ó filha de Jerusalém: eisaí te vem o teu rei, justo e salva-dor, pobre, montado em jumen-

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to, num jumentinho, cria dejumenta.Destruirei os carros de com-bate de Efraim e os cavalos deJerusalém...” (Zacarias 9.9-10a)

Nesta poesia de Zacarias, pinta-se o quadro do messias, do que háde vir. Ao ler Marcos 11, você é co-locado nas cenas da profecia. É cla-ro, partes do cenário estão retoca-dos, mas não de todo.

O profeta dizia que o rei viriamontado em jumento. E Marcos,nosso evangelista, já vai retocando oquadro dizendo: o tal jumento virajumentinho, de idade pouca, “o qualainda ninguém montara” (v.2). Emais: é tomado de empréstimo! Je-sus é um novo jeito de ser do rei:um rei de jumentinho emprestado!Incrível!

Aliás, não deixa de ser meio raroo jeito de o jumentinho ser empres-tado. É que as pessoas que o vêemser desamarrado “reclamaram” dian-te da ação dos discípulos: “Quefazeis?”. Mas as instruções que Jesuslhes dera haviam sido bem claras,facilitadoras: “o Senhor precisa dele”.É, é um empréstimo, assim, assim,meio forçado. É um empréstimomeio que na marra. Afinal, o bichi-nho já estava desamarrado e sendolevado, de sorte que as pessoas nempuderam protestar muito. Enfim, o

que importava mesmo foi que “leva-ram o jumentinho” (v.7), prometen-do devolvê-lo em seguida.

Eis, pois, o messias de jumentinhoemprestado! Isso não é sensacional!O jegue deste soberano, do Senhordos Senhores, de nosso Salvador, dequem venceu a própria morte – éemprestado! Ele, meu Senhor e meuAmigo, ele – montado em ju-mentinho emprestado! Que maravi-lha maravilhosa! Neste tenho gosto decrer! Que tal te parece?

Ora, queria despedir-me destejumentinho. Mas estou vendo quelhe preciso devotar mais umpouquinho de tempo. Ora, vejam só!Se tiveres tua Bíblia em mãos, a queestá aí nos bancos da igreja, podesreparar na quantidade de versículosdedicados ao jumentinho. Fez-sejegue famoso, uma celebridade, esteda entrada triunfal de Jesus, come-morada no Domingo de Ramos. Otal assunto começa no final do v.1,quando Jesus instrui dois de seus dis-cípulos para ir em busca do jegue. Eo assunto só chega a sossegar no v.7,quando “levaram o jumentinho” esobre ele “puseram suas vestes”. Eleainda continua presente, se bem queo foco passa a ser direcionado paraquem lhe vem montado. Então, mi-nha gente querida, o assunto do tex-to quase que vem a ser o tal do mui

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famoso jumentinho, emprestado.Veja, pois, nosso texto não só focaJesus! Tem lugar para umanimalzinho. Dedica-lhe mais dametade dos versículos! Ao lado deJesus até jegue leva chance. Quantomais nós, tu e eu, levamos chance aolado de Jesus! É que Jesus, rei que é,exalta a nós! Afinal, se a seu lado atéjegue tem vez, quanto mais nós te-mos e teremos voz. Cristão, segui-dor do messias, não estás aí para fi-car caladinho, cabisbaixo. Nada dis-so! Deus nos quer gente, de cabeçaerguida, pessoas livres, senhoras esenhores de nós mesmos. O jegueque nos sirva de exemplo! Descul-pem, mas é assim! Esse jegue – ‘per-sonagem’ quase central – é o bicho, éo cara, diriam os jovens. E é mesmo!

3O alvo foi o templo. Mas, lá não

haverá lugar para o jeguezinho. Afi-nal, animais por lá não eram bem vin-dos. Faziam sujeira, impureza. Jeguee templo não combinam. Aliás, nemJesus combina com o templo!

Pois, tudo o que ele por lá obser-va não lhe dá paz. E, assim, Jesus

deixa a tarefa do templo para o ou-tro dia (v.11). O que vê no santuárioé o que Marcos 11 expressa nosversículos subseqüentes, alvo das ta-refas do outro dia. Digamos: tarefasnossas para os dias de amanhã, paraa semana.

Este templo não dá e nem deixaespaço para as pessoas. Nos caminhosde Jesus, até para jumentinho em-prestado há lugar. No templo, nostemplos, que estão por aí, não só nãohá lugar para animais e as pessoas,mas ele mesmo já está morto eesturricado. As cenas do dia seguin-te ao da entrada do pobre messiasJesus do jumentinho emprestadodestacam a “figueira sem fruto”(11.12-14.20-26). Assim é o templo:sem fruto para ninguém. Há umareligião que a ninguém alimenta, ‘fi-gueiras sem fruto’.

Esta figueira é figura do templo.Não dá fruto. Em nada ajuda o povo.Só trata de ajudar a si mesmo, e aossumos-sacerdotes e a outros dignitá-rios que consideram seu o que a elese leva em donativos ou sacrifícios(11.15-19). No templo, manda odinheiro. E onde ele manda, gover-na a morte! Assim há de se compre-ender que Jesus, aquele do jegueemprestado, quase nada mais esperado templo. Pois, onde se sacrifica,governa a morte. E é, enfim, o tem-

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plo e seu senhorio que condena àmorte o amigo dos jegues e das cri-anças, dos pobres e famintos: Jesus.

Assim podemos concluir, apon-tando para mais um aspecto destenosso trecho de Jesus em sua entra-da em Jerusalém. É que seu interes-se não se fixa em lugar santo, emtemplo ou similares. A Jesus lhe agra-dam as ruas. Pois, é na rua que oaclamam: “hosana”, “bendito o rei-no que vem”! Este reino é para asruas! Aí Jesus é aclamado. No espa-ço templar, é contestado, por fimmorto. Aí dele não se faz apreço.Mas, pelos caminhos, aí sim, Jesus érecebido com agrado e carinho. Asgentes até lhe jogam as roupas, dealegria e efusão de sentimentos. Afi-nal, ali estava “o que vem em nomedo Senhor”. Ele está pelas ruas, tam-bém pelas da imensa São Paulo. Foiassim que também “Bartimeu, cegomendigo... assentado à beira do ca-minho” foi achado por Jesus (em10.42-46). É que Jesus passava ali,no caminho! E declara a Bartimeuque tanto lhe pede pela cura de suacegueira: “vai, a tua fé te salvou!”.

É assim, na beira dos caminhossomos curados para uma fé feliz eatuante neste reino de Jesus.

Amém.

“Saireis com alegria e em paz sereis guiados;os montes e os outeirosromperão em cânticosdiante de vós,e todas as árvores docampo baterão palmas.”(Isaías 55.12)

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Paulo Proença é pastor e deão doSeminário Teológico de

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Falsos mestres:perigo e destruição

2 Pedro 2.1-22

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

A comunidade destinatá-ria da segunda epístola de Pedroestava sofrendo com a ação defalsos mestres, o que era um pe-rigo e poderia provocar destrui-ção. A epístola é escrita paramotivar os fiéis a uma resistên-cia contra a apostasia dos quenegam a verdade. O capítulo se-gundo, que deve ser entendidono panorama geral de toda aepistola, tem uma intençãoparenética inegável e uma estru-tura equilibrada com a intençãodo escrito. E, porque, também

Porém Deusprometeu, e nósestamos esperandoum novo céu e umanova terra, onde tudoserá feito de acordocom a vontade dele.(2 Pedro 3.13)

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hoje, somos perturbados por perigoe destruição, provocados por líderesque atuam na esfera religiosa e na po-lítica (ou na junção delas, quando ra-zões de estado são sustentadas porcredos e deuses), a mensagem de 2Pedro se torna mais do que atual.

1. A intenção1. A intenção1. A intenção1. A intenção1. A intençãoparenética daparenética daparenética daparenética daparenética da

epístolaepístolaepístolaepístolaepístola

A segunda epístola de Pedrotem uma intenção claramenteparenética. Dirige-se a destinatáriosque passam por uma situação muitodifícil: a demora da parousia dá oca-sião a que surjam muitos apóstatas,que distorcem a verdade e confun-dem os crentes. A comunidade devepermanecer fiel no aguardo do tem-po do Senhor (pois, para ele, mil anossão como um dia e um dia como milanos, conforme 2Pe 3.8)1 e não darouvidos à pregação dos falsos mes-tres que se insurgem no meio dela.

O tom parenético, que pres-creve comportamentos que devemser adotados e procedimentos a se-rem evitados, pode ser notado prin-cipalmente no emprego de impera-tivos. Vejamos os exemplos: doisestão no capítulo primeiro e dois no

terceiro, emoldurando, assim, o ca-pítulo segundo.

1.5 Associai com a vossa fé a vir-tude... com o domínio próprio(associai) a perseverança;

1.10 Procurai, com diligência cadavez maior, confirmar a vossavocação e eleição;

2. ...(capítulo segundo)3.14 Empenhai-vos por serdes

achados por ele em paz;3.18 Crescei na graça e no conhe-

cimento de nosso Senhor eSalvador Jesus Cristo.

Alguns termos e expressões des-tes poucos versículos podem sinteti-zar a intenção da epístola: “associaicom o domínio próprio a perseve-

rança”; “procurai... confirmar a vossa

vocação e eleição”; “empenhai-vospor serdes achados em paz”. Comopodemos observar, a confirmação daeleição deve ser combinada com aperseverança, assim como ambasdevem contribuir para a busca da paz.

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1 A demora da parousia é entendida como“longanimidade” de Deus, oportunidade para queninguém se perca, conforme 3.9: “O Senhor nãodemora a fazer o que prometeu, como algunspensam. Pelo contrário, ele tem paciência com vocêsporque não quer que ninguém seja destruído, masdeseja que todos se arrependam dos seus pecados”.E também a primeira parte do versículo 15:“Lembrem que a paciência do nosso Senhor é umaoportunidade para vocês serem salvos”.

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2. Capítulo segundo: o perigo dos2. Capítulo segundo: o perigo dos2. Capítulo segundo: o perigo dos2. Capítulo segundo: o perigo dos2. Capítulo segundo: o perigo dosfalsos mestresfalsos mestresfalsos mestresfalsos mestresfalsos mestres

2.1 A estrutura do capítulo2.1 A estrutura do capítulo2.1 A estrutura do capítulo2.1 A estrutura do capítulo2.1 A estrutura do capítulo

Dois versículos podem ser destacados: um, do capítulo primeiro eoutro do capítulo terceiro que, por assim dizer, ajudam igualmente a“enquadrar” o capítulo segundo. São eles:

1.20s sabendo, primeiramente, isto: que nenhuma profecia daEscritura provém de particular elucidação, porque nunca, ja-mais, qualquer profecia foi dada por vontade humana;3.3s tendo em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias,virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundoas próprias paixões e dizendo: Onde está a promessa da suavinda?

O segundo trecho acima é uma extensão explicativa do que foianteriormente transcrito. A interpretação particular, que deve ser re-jeitada pelos crentes (destinatários de 2Pedro), pode muito bem serresumida na negação da “promessa de sua vinda”. Esse perigo é con-seqüência da atuação negativa dos falsos mestres, conforme o capítu-lo segundo.

O começo do capítulo pode ser um índice importante de suaestruturação: “Assim como no meio do povo surgiram falsos profetas,assim também haverá entre vós falsos mestres...”. O trecho é construídosob um paralelismo de estruturas sintáticas que coordenam a estrutu-ra de composição do capítulo:

1 a. No meio do povo =>b. surgiram =>c. falsos profetas2 a. Entre vós =>b. haverá =>c. falsos mestres

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Há, de início, uma instauração deelementos opostos (no meio dopovo/entre vós; surgiram/haverá; fal-sos profetas/falsos mestres), que re-sulta na identificação de um tempo(passado x presente ou futuro), deum espaço social (no meio do povox entre vós) e de uma mentira (fal-sos profetas x falsos mestres), cujocruzamento potencializa a situaçãoque a epístola quer combater.

O presente de dificuldades é re-conhecido e interpretado sob umolhar criterioso para o passado; essefato também direciona o olhar parao futuro, que poderia (poderá, nonosso caso) ser de castigo e destrui-ção ou de livramento e salvação. Te-mos, então:

A.2.1-3: caracterização dos fal-sos mestres; predomínio dotempo verbal do futuro; “o

juízo não tarda” B.2.4-8: Deus castigou os maus

e livrou os bons: “Deus não

poupou os anjos quando pe-

caram”; predomínio do tem-po verbal do passado, comexemplos do Antigo Testa-mento;

C. 2.9: “O Senhor sabe livrar daprovação os piedosos e reser-var, sob castigo, os injustos

para o dia do juízo”: síntese daseqüência anterior;

B’.2. 10-19: continuação da ca-racterização dos falsos mes-tres; predomínio do tempoverbal do presente;

A’. 2.20-22: conclusão: apostasia

e destruição.

A partir desta exposiçãoesquemática, propõe-se uma estru-tura concêntrica, na qual os elemen-tos A-A’ e B-B’ se correspondem,apontando para a centralidade de C,que é uma espécie de síntese dosdemais elementos que compõem aestrutura. Assim, os elementos A’ eB’ são “contaminados” pela carga se-mântica de punição, castigo e des-truição, presente em A e B.

A combinação desses elementosconduz a uma conclusão, que brotaevidente, a partir do olhar que sevolta para o passado: Deus vai des-truir os infiéis e apóstatas, quedistorcem a verdade (no presenteou no futuro), assim como não pou-pou nem o anjos que pecaram (nopassado). Cabe, portanto, apenasconfiar e permanecer fiel, até que otempo se cumpra. E ele vai ser cum-prido, seja em um dia ou em milanos.

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2.2 Falsos mestres:destruição à vista

O termo “destruição”, aqui, temduplo sentido: o primeiro diz respei-to à ação destrutiva dos falsos mes-tres em relação à comunidade; o se-gundo em relação à punição que elesreceberão de Deus: quem destróiserá destruído.

A ação destrutiva dos falsos mes-tres é descrita de forma objetiva, atéchocante: são dissimulados, pregamheresias destruidoras, renegam o so-berano Senhor, têm práticas liberti-nas, difamam o caminho da verda-de; são avarentos e fazem comérciocom a fé; são atrevidos e arrogantes,brutos irracionais; são injustos eluxuriosos, adúlteros, abandonam oreto caminho; são fonte sem água,escravos da corrupção e apóstatas.Por essas referências, podemos veri-ficar que eles representaram, de fato,um grande perigo para a comunida-de.2 Há um grande pessimismo emrelação a eles, que pode ser notado,

sobretudo no versículo final do capí-tulo segundo, com menção a umadágio popular que faz referência adois animais: “O cachorro volta aoseu próprio vômito” e “A porca lava-da volta a rolar na lama”. Esses doisanimais, no contexto, se ligam aocampo semântico da sujeira, peloemprego de “vômito” e de “lama”, oque quer sugerir a indignidade daspessoas ligadas a essa situação; temos,ainda, clara referência à apostasia,pela repetição do verbo “volta”, nosditados populares recuperados. Alémdisso, há o reforço da associação de-les à condição animal, já registrada emoutras partes do capítulo segundo.

Por todas essas características ne-gativas, é dito que só resta a essesfalsos líderes a destruição que o Se-nhor já preparou para eles. Isso é as-sumido a partir de uma leitura espe-cial da história bíblica, com exem-plos conhecidos e, portanto, inegá-veis: Deus castigou os anjos que pe-caram, o mundo antigo, reduzindo acinzas as cidades de Sodoma aGomorra, o que deve servir de exem-plo; por outro lado, Deus preservouNoé (e mais sete pessoas) e livrou ojusto Ló. Portanto, Deus, como osupremo juiz, haverá de exercer averdadeira justiça, como força supe-rior à dos homens, o que torna certaa destruição dos falsos mestres. E,

2 Sob o ponto de vista da classificação das formasliterárias, Klaus Berger indica que o trecho (2 Pe2.12-22) corresponde a uma ékphrasis – descriçãodo que pessoas ou grupos (principalmente adversáriosda comunidade) costumam fazer; sua função é servirde alerta para a comunidade e para a identificação eseparação de adversários, principalmente osconsiderados “falsos mestres”. A classificação formalacima citada foi extraída da seguinte obra: BERGER,Klaus. As formas literárias do Novo Testamento. SãoPaulo: Edições Loyola, p. 204.

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como é tão certa a destruição deles,os destinatários de 2 Pedro deveri-am se conservar fiéis perseverantespara a preservação de suas vidas e aintegridade da comunidade.

Temos uma oposição entre puni-ção e premiação, entre preservaçãoe destruição. Essa oposição (que de-sencadeia uma série de outros ele-mentos opostos, nos quais se com-pleta), sustenta o capítulo e a epís-tola; é esse o eixo que dá sentido aotexto, que pode ser sintetizado comosendo uma oposição entre morte evida; esquematicamente, isso podeser assim apresentado (a oposiçãoinstaurada nos permite preencher oselementos não diretamente regis-trados, por serem pressupostos, as-sim como “vida” pressupõe “morte”):

Vida (+) Morte (-)

Verdade Mentira

Justiça (Injustiça)

Livramento Destruição

Liberdade Escravidão

Luz Trevas

(Verdadeiros mestres) Falsos mestres

No eixo pertencente à “vida” háum investimento positivo, identifi-cado com o sinal (+) e, no outro eixo,

há uma projeção negativa (-). Nes-ses investimentos de valor podem seridentificados os elementos ideológi-cos do texto que suportam a sua in-tenção e regulam a recepção dos des-tinatários, que devem, após “recebe-rem” o texto, fazer uma opção pelavida,3 pois Deus está do lado da vida.

3. Injustiça e3. Injustiça e3. Injustiça e3. Injustiça e3. Injustiça ementira, comércio ementira, comércio ementira, comércio ementira, comércio ementira, comércio elucro: desafios paralucro: desafios paralucro: desafios paralucro: desafios paralucro: desafios para

hojehojehojehojehoje

Vimos que os falsos mestres fo-ram pintados com cores fortes, con-seqüência do real perigo que repre-sentavam para as comunidades. Den-tre tantas características muito ne-gativas dos falsos mestres, algumasse destacam: os falsos mestres se in-serem dissimuladamente no meio dopovo e, por meio de intrigas, produ-zem injustiça com prejuízos à liber-dade, torcem a verdade e comerci-am a fé.

Contudo, dentro da perspectivaadotada pelo próprio capítulo segun-do, que tem olhar crítico sobre o pre-

3 Todo texto é intencional e quer provocar umareação no leitor ou ouvinte.

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sente e o interpreta à luz da ação deDeus no passado, devemos tambémfazer o mesmo. Nesse sentido, quala importância do texto para nós?

Ele é mais do que oportuno. Vi-vemos no tempo da injustiça e damentira, do comércio e do lucro, oque é evidente deformação da natu-reza humana e, de acordo com o eixode sentido (derivado de elementosopostos) acima apontado, contrariaa vontade de Deus, pois Deus estádo lado da liberdade, da verdade eda vida.

A intenção e a prática dos falsosmestres, cujas características sãoapontadas em 2 Pedro, podem seridentificadas hoje, em muitas comu-nidades de fé e em outros ambien-tes e níveis de vida social, principal-mente as que envolvem instâncias depoder. Esse perfil pode ser associadoa líderes religiosos e políticos de nossotempo, com certeza.

No que diz respeito a comércio elucro, não seria exagero dizer que odeus mais incensado hoje nos altaresde nossas igrejas e em nossos cora-ções é Mamon. Por ele torcemos averdade; por ele corrompemos e nosdeixamos corromper; por ele faze-mos guerras, invadimos outros paí-ses e matamos inocentes: o nossomundo está tomado por falsos deu-ses, por falsos líderes e por falsos

mestres. Mas devemos nos lembrarque, conforme 2Pe 2.1-22, o verda-deiro líder é aquele que está do ladoda justiça e da vida! É aquele que nãotorce a verdade!

Se, porventura, eles demonstramostensivamente que são mais fortesdo que nós, hoje, temos a nosso fa-vor a iminência da justiça de Deusque (pode tardar um dia ou mil anos)no passado não deixou de castigaranjos que pecaram – como não seri-am punidos os falsos mestres e fal-sos líderes de hoje?

Deve-se supor, então, que a falsi-dade ou legitimidade de líderes nãose restringe ao campo da religião. Nãobasta professar a doutrina correta.4

É preciso construir a justiça com averdade. Se isso procede, deve-seadmitir que não é a confissão religio-sa o mais importante para a identifi-cação dos falsos líderes, mas a verda-deira disposição para a construção deum mundo em que a justiça seja oárbitro das relações humanas.

4 Os discursos religiosos e doutrinários, emborapossam ser válidos como sistematização de crenças,podem, também, ser fonte de opressão e ser usadospara o comércio da fé. Temos exemplos eloqüentes,na história do passado e do presente, em que se usaa fé e a religião para a perseguição, a destruição, aguerra e a morte, o que gera con-fusão de gravesconseqüências para a compreensão do papelmodelador da religião em nossas vidas.

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ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

Sob esta perspectiva, uma nova noção de ex-pectativa escatológica se insinua, alimentandonossa esperança, inclusive pela relatividade dotempo de Deus (conforme 2Pe 3.8). Essa expec-tativa escatológica não se refere somente nemnecessariamente à destruição do mundo materi-al, mas à construção de um novo sistema de valo-res e de práticas que rejeitem a falsidade, o lucroe a morte. Esperamos uma nova terra, na qualhabite a justiça de Deus. Assim, podemos dizer,como 2Pe 3.13: “Porém Deus prometeu, e nós

estamos esperando um novo céu e uma nova

terra, onde tudo será feito de acordo com a von-

tade dele”. Que não demorem esse lugar e essetempo.

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Lysia

s O

liveira

Santo

s

Resenhas

cânon da Bíblia vem suprir grande

falta sentida neste campo bibliográ-

fico..

O livro traz somente uma in-

trodução de apenas uma página, as-

sinada pelo Prof. Dr. Jaime dos Reis

Sant’Anna. A ausência de material

informativo, como uma introdução

geral mais ampla e informações

introdutórias para cada documen-

to é a nosso ver a grande lacuna da

obra, pelas razões que passamos a

expor.

A começar pela capa, o título

em caracteres grandes: “Apócrifos

da Bíblia” chamam mais a atenção,

já que “e pseudo-epígrafos” vem

em tipo bem menor. Isto, acresci-

do ao fato de que a capa é preta,

cor comum nas edições da Bíblia,

o que leva a pensar em uma Bíblia

Apócrifa, usada por alguma seita

herética, apesar da advertência em

contrário do prefaciador.

A introdução, além de breve,

refere-se apenas ao Novo Testa-

mento, ao passo que o volume in-

A pesquisa bíblico-teológica no

Brasil está vivendo um momento

importante com a tradução de clás-

sicos indispensáveis aos que se dedi-

cam a tais estudos, como a História

Eclesiástica, de Eusébio de Cesaréia,

Porque Deus se Fez Homem, de San-

to Anselmo, A Busca do Jesus Histó-

rico, de Albert Schweitzer, textos

importantes de teólogos como

Calvino, Schleiermacher, Karl Barth,

Oscar Cullman, Emil Brunner,

Rudolf Bultmann.

Os livros chamados apócrifos,

principalmente os do Novo Testa-

mento, estão causando grande inte-

resse hoje por causa da publicação

dos documentos descobertos e a di-

vulgação pela mídia em edições com

grande apelo ao sensacionalismo. Por

isso julgamos de grande importân-

cia a tradução destes documentos

para a nossa língua. Assim a publica-

ção da Fonte Editorial, um alentado

volume reunindo mais de 50 textos

ou fragmentos de textos da literatu-

ra judaica e cristã não incluídos no

Apócrifos e pseudo-epígrafos da Bíblia.Organização de Eduardo de Proença. S. Paulo: Fonte Editorial,

2005, 869 páginas.

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clui os “textos judaicos e pseudo-

epígrafos”.

A divisão do material adotada pelo

editor carece também de explicações.

Ele inclui os textos pseudo-epígrafos

só nos textos judaicos, sem os separar

dos demais textos judaicos. Além dis-

so há também textos pseudo-epígrafos

no Novo Testamento.

A inclusão da Didaquê, já que a

mesma tem sido classificada como

pertencente à literatura chamada dos

Pais Apostólicos, entre os apócrifos e a

observação do próprio prefaciador de

que o interesse atual por estes docu-

mentos está menos em função de sua

oposição, como literatura herética, ao

texto canônico e mais como subsídio à

história da literatura religiosa judaica e

cristã, pode ampliar o espaço para a

inclusão de outros textos, como a Epís-

tola de Barnabé, as epístolas de Cle-

mente de Roma e de Inácio de

Antioquia entre as epístolas, e o Pastor

de Hermas, entre os apocalipses, e até

mesmo a reconstrução crítica da cha-

mada Fonte Que. Na parte das epísto-

las não aparecem outras que são atri-

buídas a Paulo, como a III aos Coríntios

e a epístola aos Laodicenses, esta pre-

sente em Bíblias latinas do século VI.

Enfim, levando-se em conta que as

informações de caráter crítico são tão

importantes quanto ao próprio conteú-

do do documento, sugerimos que as

novas edições da obra aqui resenhada

sejam acompanhadas de um aparato

que inclua, sobre os textos judaicos,

além de outras informações, as possí-

veis interferências do pensamento cris-

tão na redação dos mesmos. Nos de-

mais documentos, informações sobre

o local da descoberta, época e circuns-

tâncias em que foram descobertos,

possível datação, história de suas edi-

ções, dados existentes sobre a comu-

nidade que os produziu, seu provável

uso na comunidade, informações an-

teriores sobre a sua existência, impor-

tância para os estudos do Novo Testa-

mento seriam importantes. Se o do-

cumento faz parte de um grupo maior

de textos, como os encontrados nas

localidades egípcias de Nag-Hamadi ou

Orxyrynchus, seria bom estabelecer as

relações possíveis com os outros do-

cumentos encontrados no local e a

possibilidade de fazer parte de uma

coleção de livros. Como se trata de

assunto que está aberto para novas

descobertas e interpretações, o ideal

seria informar sobre as perspectivas

futuras neste importante campo do

conhecimento humano.

Lysias Oliveira dos Santos

Pastor e professor do Seminário Teológico

de São Paulo.

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Milton Schwantes é bastan-

te conhecido do público leitor

de estudos e comentários bí-

blicos do Brasil e do exterior.

Seu trabalho como biblista é

reconhecido internacional-

mente e destaca-se na condu-

ção de projetos como as revis-

tas Estudos Bíblicos e Ribla e a

série “Comentário Bíblico”.

Dentre seus trabalhos publica-

dos destacam-se Projetos de

Esperança - Meditações sobre

Gênesis 1-11, A família de

Sara e Abraão, Ageu, Sofrimen-

to e esperança no exílio, Histó-

ria de Israel (local e origens) e

“A terra não pode suportar suas

palavras” (Amós 7.10). Embo-

ra seus trabalhos primem por

uma exegese apurada, digna da

escola alemã, Schwantes tem

uma verdadeira obsessão em

falar de modo claro para o povo

simples, muitas vezes com

pouco estudo formal. Seus escri-

tos combinam a precisão e profun-

didade científica com a maneira

simples de expressão.

Chega agora às mãos do públi-

co o seu texto mais recente: As mo-

narquias do antigo Israel. Recente

enquanto publicação, mas não

como pesquisa. As origens desse

livro remontam à década de 80

quando o autor morou em Israel e

lá iniciou a pesquisa que serve de

base ao texto. Schwantes vem de-

senvolvendo essa pesquisa desde

então em cursos, palestras, viagens

e outros trabalhos de investigação.

Em As monarquias, Schwantes

estuda a transição do período tribal

para a monarquia. Quem espera

um estudo histórico-narrativo sur-

preende-se com uma análise críti-

ca que considera aspectos econô-

micos, sociais, políticos e religiosos

como fatores componentes do pro-

cesso.

Marc

os

Paulo

B

ailã

o

As monarquias no antigo Israel. O estado

monárquico no final do século XI a.C.: um

roteiro de pesquisa histórica e

arqueológica.SCHWANTES, Milton. São Leopoldo /

São Paulo: Cebi / Paulinas, 2006, 85 p.

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As monarquias inicia com a pro-

posta de trabalho sobre a relevância

da análise da passagem do tribalismo

para a monarquia como mudança do

modo de produção igualitário para o

modo de produção tributário e os fa-

tores correspondentes a esta mudan-

ça, que são analisados no livro.

Seguem-se os quatro capítulos do

livro. No primeiro (sem numeração),

Schwantes analisa os casos narrados

na Bíblia que significaram tentativas

do estabelecimento da monarquia,

desde Abimeleque até o sucesso com

Davi. Mais do que recontar o texto,

ele avalia as diversas experiências, res-

saltando as diferenças entre elas e os

avanços em direção ao sistema real.

No segundo capítulo, talvez o mais

importante, Schwantes analisa as

transformações nas estruturas sociais,

econômicas e políticas internas e ex-

ternas que favoreceram a formação

do estado monárquico no período.

Algumas das idéias e proposições aí

expostas mereceriam um espaço mai-

or de discussão por parte do autor.

Um exemplo é a sugestão, à página

39, do surgimento, na época, da agri-

cultura comercial em torno do vinho

e do azeite.

No terceiro capítulo, o autor exa-

mina a relação cidade-campo, expres-

sa na conexão entre Jerusalém e o

campesinato judaíta. Para isso, lança

olhos na questão da capital do reino

do norte e na palavra profética de

época posterior, pregada por

Miquéias. E no quarto, ele trata das

disputas territoriais entre algumas das

tribos e outros grupos que habitavam

a Palestina em função das rotas co-

merciais. Nessas pesquisas Schwantes

combina aspectos da tradição bíblica

com informações históricas e arque-

ológicas, a fim de propor uma cami-

nhada independente - embora relaci-

onada com a de os outros grupos -

para cada uma das tribos ou comuni-

dades investigadas.

O trabalho de Milton Schwantes

é de grande importância, especial-

mente para aqueles já iniciados ao

tema, apresentando diversos desafios

a serem investigados e perguntas a

serem respondidas. Em alguns mo-

mentos gostaríamos que o autor

aprofundasse mais a discussão, dialo-

gando com outros estudiosos do as-

sunto e/ou apresentando outras evi-

dências de suas afirmações, o que,

infelizmente, nem sempre faz. Talvez

pela saudável preocupação em tornar

o seu texto acessível ao leitor comum

tenha evitado discussões mais perti-

nentes ao âmbito acadêmico.

Marcos Paulo Bailão

Pastor e professor do Seminário Teológico

de São Paulo.

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O Seminário de São Paulo da IPI do Brasil foiorganizado em 21/4/1905. É a instituição deensino teológico mais antiga da denominação,tendo celebrado seu centenário no anopassado.

Conta atualmente com 48 alunos e 8 alunasno curso regular de teologia. Possui ainda 6alunos no curso de reciclagem acadêmica.Mantém um curso de extensão na cidade doRio de Janeiro. Além disso, através de umconvênio estabelecido com o CESUMAR(Centro Universitário de Maringá), conta com24 alunos no curso de integralização decréditos para registro no Ministério daEducação do diploma de teologia.

Durante o decorrer do ano de 2006, asprincipais atividades que destacamos foramas seguintes:

� Credenciamento do cursopelo Ministério da EducaçãoSob a orientação da Fundação Eduardo CarlosPereira, entidade mantenedora do Semináriode São Paulo, foi preparada toda adocumentação necessária para solicitar ocredenciamento do curso de bacharel emteologia pelo Ministério da Educação. Emsetembro, foi protocolado o requerimento.Estamos, agora, aguardando a análise dadocumentação apresentada e a visita dacomissão de inspeção. Esperamos, em breve,obter a autorização para funcionamento.

� Café Teológico eCongresso EcumênicoDurante a realização da 9a Assembléia Geraldo Conselho Mundial de Igrejas, em PortoAlegre, RS, de 14 a 23/2/2006, aconteceu o

Seminários em NotíciaSeminários em NotíciaSeminários em NotíciaSeminários em NotíciaSeminários em Notícia

Seminário TSeminário TSeminário TSeminário TSeminário Teológico deeológico deeológico deeológico deeológico deSão PSão PSão PSão PSão Pauloauloauloauloaulo

Café Teológico e o Congresso Ecumênico. Noprimeiro evento, promovido pela Associação deSeminários Teológicos Evangélicos (ASTE), emparceria com outras entidades, foram realizadaspalestras com lançamento de obras teológicas.O Seminário de São Paulo esteve envolvido emambos os eventos. No Café Teológico, divulgoumaterial institucional e teve o Rev. Prof. EduardoGalasso Faria como um dos participantes,apresentando a obra Fé e Compromisso –

Richard Shaull e a Teologia no Brasil. NoCongresso Ecumênico, o Seminário teve quatroalunos freqüentando as aulas que foramministradas na Escola Superior de Teologia daIgreja Evangélica de Confissão Luterana doBrasil, em São Leopoldo, RS.

� Curso Básico de TeologiaVem funcionando regularmente com o objetivode preparar os membros das igrejas para melhoratuação nos diversos ministérios existentes nascomunidades locais. Com duração de um ano,já formou duas turmas que tiveram aulas nopróprio Seminário e outras duas turmas quefuncionaram na 1a IPI de Osasco, em trabalhodesenvolvido em conjunto com o Presbitério deOsasco.

� Curso de Integralização deCréditosA Fundação Eduardo Carlos Pereira estabeleceuparceria com o CESUMAR para odesenvolvimento desse curso. O Seminário deSão Paulo começou as atividades com suaprimeira turma de alunos do curso deintegralização em agosto, com 24 alunosmatriculados. As aulas são ministradas nopróprio Seminário, uma vez por mês, às sextas-feiras à noite e durante todo o dia de sábado.

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� Formaturas

No curso de extensão do Rio de Janeiro, a turma de formandos é integrada

por 8 alunos e a cerimônia de formatura será na 2a IPI do Rio de Janeiro,

no dia 25/11/2006. Em São Paulo, a formatura será na 1a IPI de São

Paulo, no dia 2/12/2006, sendo que a turma de formandos é integrada

por 9 alunos.

Seminário TSeminário TSeminário TSeminário TSeminário TeológicoeológicoeológicoeológicoeológicoRRRRRevevevevev. Antônio . Antônio . Antônio . Antônio . Antônio de Godoyde Godoyde Godoyde Godoyde Godoy

SobrinhoSobrinhoSobrinhoSobrinhoSobrinhoO Seminário Teológico Rev. Antonio de GodoySobrinho, localizado na cidade de Londrina,Paraná, estará completando no próximo ano (28/02/1982 – 28/02/2007 ) 25 anos deorganização. Durante esse período mais de 300alunos graduaram-se em teologia, a maioriadeles servindo a IPI do Brasil, seja em nossopaís ou fora dele. Nestes vinte anos, a maiorparte do tempo funcionou em regime de tempointegral, com aulas nos períodos da manhã etarde oferecendo aos alunos a maioroportunidade de pesquisas e contatos com seuscolegas e professores.

Ao comemorarmos Bodas de Prata de nossaorganização, importantes projetos estão emandamento e efetivas mudanças acontecerão.As principais delas relatamos abaixo:

� EstágiosElaboramos um programa de estágios ( semanal) que são supervisionados pelo deão doSeminário. Atualmente nossos alunos dosegundo e terceiro anos estão desenvolvendo aprática pastoral nos seguintes lugares:

1) Casa de Apoio às Crianças comCâncer – Ali são desenvolvidas

atividades lúdicas e espirituais quevisam dar um pouco de conforto àscrianças internadas e que sofrem dessaterrível doença.

2) Projeto Social com Crianças Carentes– Este trabalho é desenvolvido emparceria com a IPI do Jardim NovoBandeirantes e a Prefeitura de Cambé/PR, procurando atender, através doreforço escolar, crianças carentes dobairro.

3) Projeto Natanael – Um grupo de alunostem trabalhado neste projetoministrando cursos sobre MissãoUrbana e Evangelismo Pessoal nos maisdiversos presbitérios e igrejas do país.

� Nossos cursosPara o próximo ano, além do curso de graduaçãoem teologia, estamos abrindo dois novos cursosconforme as informações abaixo:

1) Curso de Teologia ( Noturno ) - Todomodelo e projeto necessitam passar poravaliação e mudanças. Com osdepartamentos da Igreja não sãodiferentes. O modelo de curso em tempo

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integral funcionou de maneiraexcelente atendendo alunos de todoo país com competência e qualidadede ensino. A mudança para o períodonoturno visa atender esse mesmopúblico e ao mesmo tempo ofereceroportunidade àqueles que não temcondições de estudar em tempointegral. Iniciaremos as aulas no dia12 de fevereiro de 2007.

2) Curso de Teologia para leigos –Será oferecido uma vez por semananas dependências do STAGS ou emigrejas que possam formar turmas.Nosso objetivo é proporcionar apossibilidade de estudos teológicosque proporcionem ferramentas aotrabalho dos nossos irmãos e irmãsnas suas respectivas comunidades.

3) Especialização ( Lato Sensu ) emPsicologia Pastoral – Ênfase emAconselhamento Familiar. Este cursoserá oferecido em parceria com a EscolaSuperior de Teologia (EST) de SãoLeopoldo/RS. O primeiro móduloacontecerá no início do mês de marçode 2007. A oferta deste curso estaráatendendo ao pedido de vários pastores/as, irmãos e irmãs que tenham umaoutra formação profissional e quedesejam atuar com mais propriedade naárea do aconselhamento familiar.

� Formatura 2006

Atualmente o curso regular conta com 45 alunos, o curso de reciclagem,

8, o curso de extensão de Brasília, 18 e os formandos são 13.

A formatura da 21ª turma de graduados em teologia do STAGS se dará

no dia 02 de dezembro de 2006, às 19h e 30m nas dependências da 1ª

IPI de Londrina.

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Seminário TSeminário TSeminário TSeminário TSeminário Teológico deeológico deeológico deeológico deeológico deFFFFFortalezaortalezaortalezaortalezaortaleza

O ano de 2006 foi um marco para o Semináriode Fortaleza. Em março celebramos nossosprimeiros 20 anos como instituição de ensinovoltada para preparação de homens e mulherespara o serviço da igreja no Norte/Nordeste doBrasil. Durante esse período, o Seminário tementregue à IPI e demais denominações da região,mais de 200 alunos que estão servindo a igrejaem seus diferentes ministérios. Outros tantos jáconcluíram seu treinamento para o ministérioda música e estão servindo às igrejas.

As celebrações de aniversário incluíram ainauguração da nova capela do Seminário,contando com a presença da Fundação EduardoCarlos Pereira através do seu presidente, rev.Abival Pires da Silveira e do rev. Sérgio Franciscodos Santos, integrante da Câmara de Ensino daFECP e primeiro diretor do Seminário.

A nova capela foi a realização do antigo sonhode possuir um local apropriado para ascelebrações do seminário em um ambiente maiore acolhedor. A FECP providenciou todos osrecursos necessários para execução do projeto.

Vários ex-alunos estiveram presentes emanifestaram sua alegria pela data, bem comoexpressaram o reconhecimento do papel eimportância do seminário em suas vidas eministérios. Foi, sem dúvida, um tempo deregozijo e confirmação de que até aqui tem nosajudado o Senhor.

� Departamento de MissõesUm outro elemento marcante em 2006 foi ainstalação do Departamento de Missões doSeminário, sonho de muito anos e agora tornadorealidade graças a uma parceria com TheOutreach Foundation da PC(USA). Através desta

parceria foi possível convidar o Rev. PauloCésarMonteiro para assumir este projeto. ORev. Paulo era até então o diretor do CTMCampinas e se juntou à equipe de Fortalezapara,de maneira mais objetiva, ajudar a igrejado Norte/Nordeste em sua caminhadamissionária.

Entre os objetivos de Departamento estão arealização de eventos focalizando a tarefamissionária da igreja, a produção de materialde apoio às igrejas e de reflexão, o treinamentoe capacitação de lideranças para o trabalho edesafio missionários, bem como o suporte aosmissionários que atuam na região e a interaçãoentre estes e o seminário como forma deinspiração e motivação para os alunos.

Já está programada para meados de 2007 a IConsulta Missionária do Norte/ Nordeste emparceria com a Secretaria de Evangelização daIPIB.

� Timóteo Carriker emFortalezaDentro do acordo de cooperação entre IPIB-PC(USA) se juntará à equipe de ensino deFortaleza, como reforço considerável, o dr.Timóteo Carriker e sua esposa, profa. MarthaCarriker.

� Semana TeológicaO STF tradicionalmente realiza sua semanateológica e este ano tomou o desafio deapresentar esta série de conferências com osprofessores da casa abordando os seguintestemas:

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� 23/10 - Êxtase e Cotidiano emApocalipse - prof. Heitor Glória

� 24/10 - Introdução ao Pensamento deKierkgaard - profa. Abigail Noadia

� 25/10 - Bioética: desafioscontemporâneos - prof. Paulo Monteiro

� 26/10 - Repensando a democracia:desafios políticos do Brasil - prof.Francisco Fábio

� 27/10 - A diaconia no pensamento deCalvino - prof. Áureo R. Oliveira

� Treinamento de ProfessoresEducação CristãAtendendo à vocação do seminário como casade ensino, foi promovido um treinamento paraprofessores de crianças na Escola Dominical.Considerando que existe uma lacuna muitogrande nessa área, o seminário organizou umtreinamento com duração prevista de 16 horas,durante quatro sábados. A idéia é ampliar paraum curso mais extenso, com duração de pelomenos um semestre. A receptividade tem sidomuito grande. Outros cursos como Diaconia eTreinamento de Líderes estão na pauta para opróximo semestre em 2007.

Alunos em novembro/2006:67 bacharel em teologia;

22 em música;

17 no mestrado;

7 reciclagem.

Em dezembro próximo devem colar grau13 alunos no curso de bacharel emteologia e 13 no curso de música.

� Reformulação de CurrículoTemos a preocupação de atender ao Plano deEducação Teológica aprovado pela AG em SantoAndré, pelo qual os seminários deverão adequarseus novos currículos para a formaçãomissiológica, incluindo disciplinas que ampliema compreensão e envolvimento dos egressos deforma mais efetiva na atividade missionária.Esperamos poder trabalhar mais efetivamentenessa direção no próximo ano. Os atuaiscurrículos têm focalizado mais a formação parao trabalho pastoral de comunidades jáestabelecidas. O desafio é preparar pessoas parao início e estabelecimento de novas igrejas.

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