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UNIVERS IDADE CANDIDO MENDESINS TITUTO A VEZ DO MESTRE
P ÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENS U”
A DEMOCRACIA DO S ABER
RICARDO CAETANO DA SILVA
ORIENTADORA
Mª. DINA LÚCIA CHAVES ROCHA
Rio de J ane iro2010
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UNIVERS IDADE CANDIDO MENDESINS TITUTO A VEZ DO MESTRE
P ÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENS U”
A DEMOCRACIA DO S ABER
Rio de J ane iro
2010
Apresentação de monogra fia à Univers idadeCandido Mendes como requis ito pa rcia l pa raobtenção do grau de especia lis ta em Docênciado Ens ino Superior.Por: Rica rdo Cae tano da S ilva
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AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus mes tres que fize ram des tecurso uma a legria . Todos e les provaram que acordar cedoaos sábados pode resultar em uma grande aventura dosaber. Pudemos apreender muitas novas coisas , que ,ce rtamente se rão de va lia num futuro próximo. Agradeçotambém aos meus companhe iros de jornada , porque semeles tudo te ria s ido menos colorido e praze roso.
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DEDICATÓRIA
Dedico es te traba lho aos meus professoresAdriana Mograbi, Gus tavo Vasconce los e Maria DinaLúcia Chaves Rocha pe la sua dedicação incansáve l e ,sobre tudo, pe la paciência em mostra r a todos nós asposs ibilidades de um futuro mais inves tiga tivo em cadaum dos nossos campos de ação. Eles ce rtamente nosfize ram quere r prosseguir nos es tudos , sempre nosrenovando , pa ra que nos tornássemos melhoresprofiss iona is .
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RESUMO
Ao ana lisa r os rumos das cotas univers itá ria s no Bras il, deparamos
com uma série de discrepâncias com re lação às opiniões de vá rios s egmentos
da sociedade, que levanta ram ques tões extremamente inte ressantes e
re levantes a es te proje to do governo. Para muitos é um “racismo às avessas”,
pa ra outros não passa de uma imitação de um modismo importado, pa ra outros
tantos uma reparação para tantos anos de sofrimento experimentado,
principa lmente pe los negros . Após tantos anos de exclusão socia l e
consequentemente exclusão mercadológica , os menos favorecidos , fina lmente ,
conseguem aventa r a poss ibilidade de acesso à educação, bens de consumo
e , principa lmente, a poss ibilidade de uma vida mais digna , cidadã .
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METODOLOGIA
Este traba lho foi tota lmente baseado na le itura de livros e consulta
em sites na Inte rne t. Não foi poss íve l faze r-se uma pesquisa de campo, pois
es távamos em época de fé ria s escola res, dificultando ass im es ta espécie de
procedimento.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
O MUNDO GLOBALIZADO
CAPÍTULO 2 O SISTEMA DE COTAS UNIVERSITÁRIAS NO BRASIL
CAPÍTULO 3
COTAS – UMA PROPOSTA INOVADORA?
CONCLUSÃO BIBLIOGRAFIA
ANEXO ÍNDICE
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INTRODUÇÃO
Apresentamos um panorama gera l do que foi (ou es tá sendo) a
globa lização em te rras bras ile iras e os pre juízos e vantagens de um mundo
globa lizado, com um tipo de globa lização importado de te rce iros . Até que ponto
os paradigmas vindos de a lém mar se rão e fe tivos pa ra nosso pa ís?
Em segundo (porém não menos importante ) plano, ana lisamos o
que representam as cotas univers itá ria s pa ra todos. Qua is se riam os
beneficiados das políticas de ação a firmativa tão a la rdeadas pe lo governo?
Estamos diante de um quadro de reparação para com os menos favorecidos ,
ou os propós itos são apenas e le itore iros?
Mostramos aqui a s opiniões do Movimento Negro Bras ile iro com
re lação às cotas , racismo e preconce ito, e o quanto podemos cons ide ra r como
vitoriosas inicia tivas como es ta . O que é mais “incons tituciona l”, promover o
bem-es ta r ou excluir?
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CAP ÍTULO 1
O MUNDO GLOBALIZADO
Num mundo que muitos chamam de globa lizado, em que as
re lações de traba lho es tão sendo mudadas , vemos que exis te a poss ibilidade
da expansão das capacidades inte lectua is dos indivíduos . Is to se dá em virtude
da automação do traba lho, de uma mane ira ge ra l, e , e specificamente , das
grandes indús tria s .
A tecnizaçã o e a informatização nos colocam, com re lação às
nossas próprias capacidades , em pos ição privilegiada . Essa mesma
automação, que temeu-se de início, nos de ixa agora com mais tempo para
a tuarmos em outros campos e também para a expansão dos nossos
conhecimentos .
O mode lo tayloris ta -fordis ta , cuja organização e ra focada em uma
rígida divisão de ta re fas , numa hie ra rquia de funções e numa também rígida
divisão entre plane jamento e execução (le ia -se traba lho inte lectua l e traba lho
manua l) nos pa rece agora obsole to. O paradigma da organização do traba lho
começou a mudar, portanto, poss ibilitando uma maior inte ração s is têmica de
diversas unidades , das prá ticas ge rencia is e das equipes responsáve is pe los
núcleos produtivos . A pa lavra “flexibilidade” tomou corpo e passou a se r a
tônica principa l nas re lações de traba lho. O mudar de funções no ambie nte de
trabalho é , agora , uma prá tica corrique ira .
No ras tro dessas mudanças , evidentemente , vie ram ta mbém as
mudanças no processo educa tivo, nos s is temas de va lores , e nas re lações
sociais .
Essa nova sociedade , chamada por muitos de pós-indus tria l,
informática , do conhecimento, tecnizada ou mesmo em rede , prevê uma
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mudança s ignifica tiva nas re lações socia is, e seu foco es tá em se rviços e
permite a utilização intens iva do conhecimento, por inte rmédio das inovações
tecnológicas ofe recidas pe la microe le trônica , pela informática e pe las , cada vez
mais rápidas , novas tecnologias de comunicação. Enquanto no mode lo
tayloris ta -fordis ta , que criou o traba lhador inte rcambiáve l, a repos içã o dos
trabalhadores e ra minuciosamente plane jada , hoje is to se dá de mane ira mais
rápida e completa .
Num mundo que muitos chamam de globa lizado, em que as
re lações de traba lho es tão sendo mudadas , vemos que exis te a poss ibilidade
da expansão das capacidades inte lectua is dos indivíduos . Is to se dá em virtude
da automação do traba lho, de uma mane ira ge ra l, e , e specificamente , das
grandes indús tria s .
A tecnização e a informatização nos colocam, com re lação às
nossas próprias capacidades , em pos ição privilegiada . Essa mesma
automação, que temeu-se de início, nos de ixa agora com mais tempo para
a tuarmos em outros campos e também para a expansão dos nossos
conhecimentos .
O mode lo tayloris ta -fordis ta , cuja organização e ra focada em uma
rígida divisão de ta re fas , numa hie ra rquia de funções e numa também rígida
divisão entre plane jamento e execução (le ia -se traba lho inte lectua l e traba lho
manua l) nos pa rece agora obsole to. O paradigma da organização do traba lho
começou a mudar, portanto, poss ibilitando uma maior inte ração s is têmica de
diversas unidades , das prá ticas ge rencia is e das equipes responsáve is pe los
núcleos produtivos .
Vários autores nos dão, com grande cla reza , descrições das
transformações na nossa sociedade . Entre e les es tá Adam Schaff em seu livro
“A sociedade informática”. Nes te livro e le procura responder à pergunta “que
futuro nos aguarda?” Para Schaff (1995), as três últimas décadas do século
vinte, já anteviam uma revolução ace le rada e dinâmica da microe le trônica , na
qua l a s poss ibilidades de desenvolvimento e ram enormes , como também eram
os perigos ine rentes a e las , não só nos aspectos tecnológicos como também
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nas re lações socia is , uma vez que as transformações da ciência e da técnica ,
na produção e nos serviços deveriam conduzir a transformações nas re lações
sociais .
Ainda no entendimento de Schaff (1995), a 2ª Revolução Indus tria l,
em curso no fina l do século vinte , e s tá conduzindo também a um avanço,
nunca antes vis to, na procura por novas fontes de energia . A inves tigação de
Schaff conduz a duas ordens de ques tões : por um lado, a s ques tões
re lacionadas com o sentido da vida , pe rguntando se a sociedade informática
dará o passo para a mate ria lização do idea l dos humanis tas: o homem
universa l, cidadão do mundo com formação globa l e cultura inte rnaciona l. Por
outro, as ques tões da política e das re lações de poder, pe rguntando qua l se rá
a repercussão da a tua l re volução indus tria l, com os avanços da informática ,
sobre o pape l e as funções do Estado (centra lização x descentra lização;
governo loca l x autogoverno).
Mesmo que se acredite que es tas mudanças possam proporcionar o
aparecimento des te homem universa l, bem informado e com formação globa l e
que a informática pode abrir te rreno para o exercício de democracia dire ta em
governos loca is , é importante , segundo Schaff (1995), compreender que a a tua l
revolução tecnológica de modo a lgum nos conduz automaticame nte a uma
forma superior de democracia . Ao contrá rio, ainda diz Schaff (1995), se não
houver uma tomada de pos ição dos pa rtidos popula res e das entidades que
organizam os traba lhadores , um desenvolvimento poss íve l pa ra es ta nova
sociedade informática é a divisão socia l entre quem tem e quem não tem
acesso à tecnologia ( a chamada exclusão digita l).
De acordo com Alvin Toffle r, que possui uma visão bas tante otimis ta
sobre as potencia lidades e virtudes da tecnologia , a a scensão de um novo
s is tema de comunicação, idé ia que não se separa da idé ia de um novo s is tema
de criação de riqueza . De a cordo com Toffle r,e t a l.(1990, p.384)
numa economia baseada no conhecimento, o problema
político inte rno mais importante não é mais a dis tribuição (ou
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redis tribuição) da riqueza , mas da informação e dos me ios de
informação que produzem riqueza .
Segundo o autor, já exis tem tensões socia is provocadas pe lo
surgimento des ta nova forma de economia, em especia l a “divisão da
população em inforrica e infopobre” (TOFFLER,1990, p. 384), sendo que a
superação dos “problemas re lacionados com a mane ira pe la qua l o
conhecimento é disseminado na sociedade”(TOFFLER, 1990, p. 387) passam
especia lmente por uma bem fe ita a rticulação do s is tema educaciona l com o
sis tema de meios de comunicação e pe lo tota l desenvolvimento dos princípios
da inte ra tividade , mobilidade , conversabilidade , conectividade , ubiqüidade e
globa lização, cons iderados por Toffle r como os princípios definidores do
s is tema de meios de comunicação do futuro.
Numa perspectiva mais próxima da de Manue l Cas te lls , inclus ive
com a mesma preocupação metodológica , Lucília Macha do examina com rigor
as transformações tecnológicas , ge rencia is e organizaciona is do fina l do século
passado. Segundo Machado (1993), es tamos obse rvando a emergência de um
novo padrão inte rnaciona l de competitividade capita lis ta , com a redefinição do
mode lo de indús tria , a lte rações na es trutura de empregos , nas re lações
trabalhis tas , nas de finições de traba lho qua lificado e traba lho desqua lificado,
tudo isso resultando em uma mudança no padrão de exploração da classe
trabalhadora em esca la mundia l.
Ainda conforme Lucília Machado(1993), o a tua l padrão de
exploração da força de traba lho – resultante das modificações na base técnica ,
por conta da introdução da microe le trônica e da informática – bas e ia -se no
trabalho flexíve l e integrado. Es te traba lho flexíve l e integrado só se faz
possíve l pe la grande ve rsa tilidade dos equipamentos ; passs íve is de
reprogramação via s oftwa re o traba lho flexíve l e integrado diz respe ito ao
desempenho de vá rias funções s imultâneas e conexas e no inte rcâmbio dentro
do cole tivo de traba lho e apresenta novas exigências aos traba lhadores , como
a capacidade de se leção, o tra tamento e a inte rpre tação de informações ,
comunicação e integração dos grupos , a antevisão de problemas , a capacidade
de resolução de imprevis tos , a a tenção e a responsabilidade, a lém das
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variáve is comportamenta is como abertura , cria tividade , motivação, inicia tiva ,
curios idade e vontade de aprender e de busca r soluções .
As mudança s na organização do traba lho e a introdução de novas
tecnologias de ges tão e produção exigem um es tilo dife rente de traba lhador,
bem dife rente do mode lo tayloris ta -fordista , com imensa capacidade de
abs tração, comunicação e integração. Es tas habilidades podem se r aprendidas
na escola , na ins trução regula r de qua lquer cidadão, e agora es tá a í o inte resse
das classes dominantes pe la qua lidade da escola , o que não acontecia
anteriormente , no período tayloris ta -fordis ta , no qua l à educação não eram
dispensados maiores inte resses , pois o traba lhador aprendia o que precis asse
na própria linha de produção, a través de tre inamento.
Fundamentando-se em um amplo conjunto de informações
empíricas , Manue l Cas te lls apresenta em “A sociedade em rede”, uma
importante contribuição pa ra o deba te sobre o (novo) formato das sociedades
de tecnologia avançada des te início de novo século. Cas te lls (1999) descreve a
sociedade contemporânea como uma sociedade globa lizada , cujo foco é a
aplicação de informação e conhecimento, e que está sendo a lte rada num
processo ace le rado por uma revolução tecnológica centrada na tecnologia da
informação e em meio a profundas mudanças nas re lações socia is , nos
s is temas políticos e que vis lumbram novos va lores .
Cas te lls examina a “nova economia , sociedade e cultura em
formação”(CASTELLS,1999, p. 24), e utiliza como ponto de pa rtida a revolução
da tecnologia da informação, por sua capacidade de “pene tra lidade em todas
as esfe ras da a tividade humana”(p. 24), e a lerta que “devemos loca liza r e s te
processo de transformação tecnológica revolucionária no contexto socia l em
que e le ocorra e pe lo qua l es te ja sendo moldado”(CASTELLS, 1999, p. 24).
A contribuição de Cas te lls à discussão apresenta qua tro aspectos
principa is : a centra lidade da tecnologia da informação; o re finamento da teoria
sociológica , com a propos ição da a rticulação do conce ito cláss ico de modo de
produção à noção, por e le desenvolvida , de modo de desenvolvimento; a
compreensão do pape l do Es tado no desenvolvimento econômico e
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tecnológico; e a ca racte rização da sociedade informaciona l como uma
sociedade em rede , com formato socia l definido por uma topologia em forma de
rede.
Sobre o pape l do Es tado no desenvolvimento indus tria l da Europa
após o século 16, e para a não industria lização da China na mesma época ,
Cas te lls (1999, p. 31).des taca que :
O que deve se r gua rdado pa ra o entendimento da re lação
entre a tecnologia e a sociedade é que o pape l do Es tado, seja
interrompendo, seja promovendo, seja lide rando a inovação
tecnológica, é um fator decis ivo no processo geral, à meida
que expressa e organiza as forças sociais dominante s em um
espaço e uma época dete rminados .
Ao observar que a tecnologia da informação foi essencia l pa ra o
processo de rees truturação do s is tema capitalis ta a pa rtir dos anos oitenta ,
Cas te lls (1999) mos tra que o desenvolvimento tecnológico foi moldado pe la
lógica e pe los inte resses do capita lismo avançado, a inda que não tenha se
res tringido à expressão desses inte resses , mesmo porque também o esta tismo
– Cas te lls (1999) – entende que há dois sis temas de organização socia l
presentes em nosso período his tórico: o capita lismo e o es ta tismo tentou
redefinir os meios de a lcançar seus obje tivos es trutura is por meio da tecnologia
da informação. Caste lls (1999, p. 33) diz se rem “as sociedades organizadas em
processos estruturados por re lações his toricamente de te rminadas de produção,
experiência e poder”. A produção é organizada em re lações de classe que
es tabe lecem a divisão e o uso do produto em termos de inves timento e
consumo. A experiência se es trutura pe las re lações entre os sexos (a té agora
organizada em torno da família ) e o poder tem como base o Es tado e o
monopólio do uso da violência .
É nes te quadro teórico que Cas tells (1999, p.20) s itua a nova
es trutura socia l, que ”es tá associada ao surgimento de um novo modo de
desenvolvimento, o informaciona lismo”.
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Trazendo o enfoque para o Bras il, especificamente , temos opiniões
controversas quanto à importação do mode lo de globa lização fe ita pe lo Bras il.
Segundo o professor Marcos Coimbra “globa lização nada mais é do que um
ape lido moderno pa ra o neocolonia lismo” (A Globa lização e o Bras il (SITE):
http://www.bras ilsoberano.com.br/a rtigos /Ante riores /agloba lizacaoeobras il.htm).
E, continua o professor, o que muda agora são as re lações de poder. Ele diz
que e las es tão mais sutis . Concederam a independência política aos pa íses
“colonizados” (ou emergente s ), porém mantive ram os laços de dominação
econômicos e tecnológicos , e também o controle tota l dos a rmamentos de
des truição em massa , como os arte fa tos nucleares .
P rocuram des truir o Es tado Nacional Soberano, extinguir a s Forças
Armadas , faze r va le r a tese da Soberania Re la tiva , força r a priva tização
se lvagem, a abertura econômica irres trita , is to tudo a través da venda da idé ia
de que a “globa lização” é um fa to irrevers íve l. A pressão diplomática e a
s is temática “lavagem cerebra l” da mídia foram impondo as novas regras aos
pa íses emergentes . Pre tendem proibir a té a posse de a rmas de fogo pe los
cidadãos , bem como controla r todo o es toque mundia l de a rmas e munições
para facilita r a implantação de um “governo mundia l”, dotado de uma “força de
paz supranaciona l”, obviamente comandada por e les . Alguns pa íses como
Israel, China, Índia e Paquis tão, porém, conseguira m a obtenção de poder
nuclea r próprio, podendo ass im ameaçar a concretização dos planos dos
“donos do mundo”.
Já Julio Cezar Winkle r (2007) diz que a globa lização presenciada
por nós es tá fundamentada na busca , pelas gra ndes corporações , de
mercados consumidores e de á reas em que os cus tos de produção se jam os
mais ba ixos poss íve is (le ia -se também mão de obra bara ta ). Em contrapartida ,
vozes se levantam e indicam, ta lvez, um outro caminho para o Brasil, com mais
jus tiça socia l.
Globa lização, boa pa ra uns , devas tadora pa ra outros . Pa ra os
franceses “mundia lização” e pa ra a lgumas outras sociedades a expressão
usada é “inte rnaciona lização”. Se ja es te ou aque le vocábulo, is to ta lvez tenha
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pouca importância , tanto quanto ta lvez importasse um consenso com re lação
ao seu surgimento. Alguns autores ins is tem em afirmar que a globa lização
surgiu, e fe tivamente , nos anos de 1980, quando os governos começaram a
implanta r o programa econômico neolibe ra l, abrindo suas portas à entrada do
capita l e das mercadorias e s trange iras . Outros acreditam que a origem da
globa lização remonta à segunda metade do século XIX, aproximadamente ,
quando as grandes economias capita lis ta s inicia ram a primeira grande onda de
inves timentos no exte rior, inaugurando o que se chamou de imperia lismo.
Finalmente , pa ra outros es tudiosos , a globa lização é um fenômeno bem mais
antigo, que surgiu com as grandes viagens marítimas dos séculos XV e XVI, a
partir das qua is exploradores , burgueses e governantes europeus submete ram
as te rras conquis tadas do chamado Novo Mundo à dinâmica da política
econômica mercantilis ta , integrando colônias e metrópoles no comércio
mundia l.
Voltando ao Bras il, outro aspecto que deve se r obse rvado é que a
associação de capita is naciona is e inte rnaciona is ganhou força , e , a ss im, o
discurso ideológico da globa lização procura mos tra r que a abertura econômica
é a solução para a crise econômica e social do pa ís . Com efe ito, a maior
presença de capita l es trange iro – com fontes exte rnas de poder – representa
uma reconfiguração da corre lação de forças política s em de trimento dos
inte resses naciona is , se ja de traba lhadores , se ja do empresariado. Sendo
ass im, quanto mais a s e mpresas se globa lizam, quanto mais escapam da ação
reguladora do Estado, mais tendem a se apoia r nos mercados exte rnos para
cresce r. Ao mesmo tempo, as inicia tivas dos empresá rios tendem a fugir do
controle das ins tâncias políticas . A globa lização em esca la plane tá ria das
a tividades produtivas leva necessa riamente a grande concentração de renda ,
contrapartida do processo de exclusão socia l.
Como é poss íve l, então, acredita r num modelo que privilegia as
economias mais ricas e gera exclusão socia l nas economias
subdesenvolvidas? A respos ta ta lvez es te ja na própria dinâmica do capita lismo,
vis to que com o aumento da competitividade entre as transnaciona is torna -se
necessá rio conquis ta r novos mercados . Dessa forma, os pa íses do te rce iro
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mundo aparecem como á reas potencia lmente promissoras para facilita r o
aumento da acumulação de capita l e da lucra tividade .
Segundo re la tório do Banco Mundial ( Banco Mundia l. Globa lização,
crescimento e pobreza , 2003), o crescimento nos pa íses em desenvolvimento
também se recuperou, mas não com tanta força , ampliando a dis tância entre
nações ricas e pobres . O número de pobres continuou a cresce r, embora
houvesse aumentos contínuos na expecta tiva de vida dos bras ile iros , e de
outros povos também. Enquanto as novas nações globa lizadas es tão
começando a a lcançar as nações mais ricas, grande parte do res tante do
mundo em desenvolvimento – cerca de dois bilhões de pessoas – es tá se
tornando margina lizada . Na América La tina , por força de extremas
des igua ldades ante riores quanto à formação educaciona l, a integração globa l
aumentou a inda mais as des igua ldades sa la ria is .
Diante dessas ques tões , pe rcebe-se que a globa lização nada mais
representa do que a explora ção dos pa íses centra is aos pa íses pe rifé ricos , e
seu obje tivo maior é aumenta r a produtividade e os lucros de suas empresas
capita lis ta s , a pa rtir de um mercado globa l integra do. Através das e lite s
políticas e econômicas , o Es tado agora age sob a orientação das grandes
corporações inte rnaciona is contra riando os inte resses de seus próprios
cidadãos . Vis ta dessa forma , a globa lização mata a noção de solida riedade ,
fazendo-nos regredir a uma espécie de condição primitiva , de cada um por s i.
Convém lembrar que durante os primeiros anos do Pla no Rea l, os
rendimentos médios do traba lhador a tingiram o pa tamar de R$ 624,00 por
domicílio, declinando para R$ 558,00, já em pleno governo Lula . Isso
demons tra que os dez ma ndamentos do Consenso de Washington continuam a
vigora r no Bras il e Lula não consegue se liberta r do neolibe ra lismo que tanto
criticava . Portanto, o neolibe ra lismo bras ile iro, como querem a lguns , encontra -
se em seu 4º manda to (dois de Fernando Henrique Cardoso e dois de Lula ).
O Consenso de Washington criou um conjunto de medidas que
deram origem ao neolibe ra lismo impos to à América La tina , que por sua vez
deu origem à globa lização, e a través desses dois processos de evolução do
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novo modo de produção capita lis ta , o Bras il foi obrigado a implanta r o Plano
Real, adequando-se perfe itamente aos ditames supranaciona is .
No que se refe re à globa lização e suas “promessas”, não se viu a té
o presente momento, muitos afirmam, nenhum cla ro s ina l de que e la tenha
melhorado a vida das populaçõe s das nações subdesenvolvidas . As medidas
impos tas aos pa íses subdesenvolvidos pe la “globa lização” não os permitem
exerce r plenamente suas capacidades , visto se rem essas medidas de
res trição, ficando sempre mais fora de a lcance a resolução de seus problemas
inte rnos .
Quanto ao Plano Rea l, pode-se dize r que e le refle te a própria
consagração do neolibe ra lismo e da globa lização impos tos ao Bras il. O P lano,
não há dúvida , foi um sucesso na luta contra a inflação, mas também não
exis tem dúvidas com re lação aos pre juízos causados por e le à classe
trabalhadora, a tingindo, também, a classe média , que cons titui a nova
“pobreza” do pa ís .
Voltando ao Consenso de Washington e ao conjunto de regras
criadas pe lo mesmo para a judar no desenvolvimento da América La tina . Não
que es tas regras foss em absolutamente obriga tórias , porém teriam de se r
cumpridas pa ra que os pa íses recebessem ajuda finance ira e pudessem, na
medida do poss íve l, a tra ir inves timentos estrange iros (? ). O Bras il , sendo um
país de exceção entre os pa íses cons ide rados subdesenvolvidos , recebe
inves timentos de capita l e s trange iro de toda sorte , embora sofra a inda de uma
certa re ticência com re lação a uma nova estruturação em suas regras de
“trading”, de uma mane ira ge ra l.
As dife rença s entre os pa íses do mundo a tua l são enormes . Os
pa íses do G8 (Es tados Unidos , Japão, Alemanha , França , Itá lia , Re ino Unido e
Canadá) são de fa to responsáve is pe la produção de cerca de 56% de toda a
riqueza do mundo. Todos os outros pa íses , aonde vivem 85% da população,
produzem os 44% res tantes .
As regras criadas pe lo Consenso de Washington e sua equipe de
economis tas são cla ras e os pa íses te riam de :
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- diminuir a dívida do governo, pa ra isso promover o corte de
sa lários e demissões dos funcionários públicos em excesso, e rea liza r
mudanças nas le is tra ba lhis tas , na previdência socia l, e nas le is da
aposentadoria ;
- promover uma re forma no s is tema de a rrecadação e a tribuição de
impos tos , pa ra que as empresas pagassem menos e tivessem mais chance de
competitividade .
Além disso, o Consenso de Washington propunha a abertura
comercia l, o aumento de facilidades para saída e entrada de ca pita is , e a
privatização de empresas es ta ta is .
Os pa íses que não aderiram às regras impos tas pe lo Consenso de
Washington, muitos de les , não o fize ram por es ta rem numa situação a inda
aquém, fa lando-se a inda de pa íses subdesenvolvidos , da pos ição do Bras il, e
portanto vivem de a juda humanitá ria pa ra a sobrevivência de suas populações .
O Bras il seguiu as regras comandadas pe los pa íses do G8,
diminuindo a taxação sobre os produtos importados , que passa ram a dominar o
mercado, fazendo empresas naciona is fecharem suas portas. Incentivou-se
também a priva tização das empresas es tata is , e a s grandes empresas
multinaciona is , desde então, mais e mais inves tiram em tecnologia , que por
sua vez contribuiu dire tamente e a inda contribui pa ra os cortes de pe ssoa l.
Quanto às priva tizações das empresas , e specificamente , a legou-se
que davam pre juízos ao pa ís , vivendo em sua maior parte , de subs ídios do
próprio governo. O que fa la r das priva tizações , por exemplo, da Va le do Rio
Doce e da Companhia Siderúrgica Naciona l? Elas não só davam lucros ao
pa ís, como também tinham capacidade de honra r todos os seus compromissos
comercia is .
Compara r-se , nes ta a ltura dos acontecimentos , os governos de FHC
e de Lula , pa rece -nos , pe lo menos, um ato de desa tino sócio-político. As
advers idades encontradas pe los respectivos governantes , supracitados ,
tive ram ca racte rís ticas bas tante próprias , e mesmo dive rsas .
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A ges tão FHC consolidou o Plano Rea l (ges tado e implantado na
adminis tração Itamar Franco), integrando milhões de bras ile iros às de lícias do
consumo e poss ibilitando-lhes acesso a bens e se rviços outrora apenas
acess íve is aos mais abas tados .
Entre tanto a ges tão FHC não teve taxas de crescimento como as do
governo Lula . Alguns argumentam que is to se deve ao fa to de que FHC apenas
consolidou as regras finance iras e os novos fundamentos da economia ,
enquanto coube a Lula somente a colhe ita dos bons frutos . O governo Lula
se ria apenas uma continuação da bem sucedida política econômica de FHC.
Porém, uma pesquisa mais rigorosa , tende a e liminar e s ta visão
displicente , que francamente ignora dife renças notá ve is entre a s duas ges tões .
Há cla ras evidências de que a filosofia econômica da ges tão FHC vinha das
ca rtilhas neolibe ra is , dentre e las a do Consenso de Washington.
Que a doutrina econômica das duas ges tões é radica lmente
dife rente fica cla ro no nítido rompimento do governo Lula com prece itos
bás icos da prá tica macroeconômica seguida por FHC. Não só as priva tizações
foram cortadas bruscamente , como depois de longos e crué is anos de dívida e
submissão bras ile ira ao FMI, o Bras il passou de devedor a credor daque la
ins tituição, ganhando efe tiva autonomia pa ra gerir sua política pública , sem o
constrangimento de pressõe s do Fundo Monetário Inte rnaciona l. Nes te sentido,
a política econômica de Lula representa muito mais um rompimento do que
uma continuação em re lação à ges tão passada.
Por conseguinte , uma discussão em te rmos compara tivos entre as
duas ges tões , é , pe lo menos , uma grande perda . Devemos ana lisa r os prós e
os contras das duas , que ce rtamente muito fizeram, e muito de ixa ram de faze r.
Porém o foco principa l de ve se r o deba te , para não ca irmos na tentação do
voto demagógico (le ia -se populis ta ). A nossa maior preocupação deverá , em
primeira e última aná lises , de te r-se em quem rea lmente poderá continuar a
gerir o futuro do Bras il, com o nosso voto. E que o faça com sucesso e é cla ro,
a cumplicidade do povo bras ile iro.
21
Falando agora em educação, e focando principa lmente no que
poderia se r fe ito em prol dos es tudantes , da rede pública em especia l. Fa la -se
num tipo de ens ino mais integra l, o a luno fica ria na escola em regime de dois
turnos e te ria consequentemente outras tantas a tividades , como esportes ,
línguas (de uma mane ira mais aprofundada), a rte s (ve rsada para es te ou
aquele segmento), mús ica (o aprendizado de como toca r um ins trumento, ou
canto) e tc, tendo como resultado um cidadão mais a rticulado com o mundo ao
seu redor, mais consciente da sua importância como formador de opinião, e
consequentemente , lá na frente , mais consciente de seu voto.
Alunos da rede pública , ou mesmo da rede pa rticula r de ens ino, vão
passando de ano para ano sem preencher requis itos que se riam bás icos ,
queremos cre r, como le r (com boa pontuação, que indica ria que o a luno es ta ria
compreendendo o que lê ), ou mesmo escrever um parágrafo com poucos
erros. Es tamos fa la ndo da formação de le itore s , pessoas capazes de
reproduzir o que quer que tenham lido. Professores deveriam preocupar-s e na
formação de “formadores de opinião” e não de “gramáticos”. Todas as regras
de es truturação da língua se riam muito melhor ass imiladas , se já tives sem sido
experienciadas em textos .
Es tamos fa lando de uma escola utópica , ou apenas de cons tatações
para lá de óbvias de educadores que as vivenciam no seu dia -a -dia .
Deveremos sa lva r (? ) e s tes a lunos egressos da rede pública , e propiciá -los
uma educação de níve l superior, pe la implementação de medidas
governamenta is que os façam “ganhar” uma vaga nos bancos univers itá rios?
Ou devemos , ao invés , ofe rece r-lhes um ens ino de qua lidade , desde a mais
tenra idade , pa ra que e les possam caminhar com seus próprios pés na
conquis ta , e s ta s im mais saborosa , de uma vaga nos bancos unive rs itá rios ?
Parece -nos que ofe recendo um ens ino de boa qua lidade aos
es tudantes , de qua isquer redes , se ria mais prudente , e minimiza ría mos vá rias
questões , como as que dizem respe ito ao poder aquis itivo das família s , ou
mesmo as ques tões é tnicas , pois todos te riam dire ito ao mesmo ens ino.
22
Voltamos pois aos princípios mais bás icos . Sem jus tiça socia l não
te remos a expecta tiva da formação de um cidadão universa l, pleno e cônscio
de todas as suas ca pacidades , e com espaço pa ra exercê -las em sua
plenitude . Não pode haver medida governamenta l que supere es tas
expecta tivas .
23
CAP ÍTULO 2
O S IS TEMA DE COTAS UNIVERSITÁRIAS NO BRAS IL
Neste cenário de mudanças tota is de pa radigma nas re lações
trabalhis tas e pessoa is , o governo decide aprovar o s is tema de cotas
univers itá ria s no Bras il.
Quando a Assemblé ia Legis la tiva do Rio de Jane iro aprovou em
2001 o proje to de le i que abria vagas para afro-descendentes nas
univers idades daque le es tado, e la expandiu oportunidades que haviam s urgido
no ano ante rior, com a passagem da le i que rese rvava uma percentagem de
vagas pa ra a lunos egressos das escolas públicas . Combinadas , as duas le is
reservavam 50% das vaga s e permitiam a candida tos ao ves tibula r de 2002
concorre rem sob dois tipos de cotas. Cercada de reações , nem sempre de
concordância , a negociação da rese rva de vagas continuou no ano seguinte e
resultou, em se tembro de 2003, no estabelecimento dos seguintes crité rios :
“20% para es tudantes oriundos da rede pública de ens ino, 20% para negros e
5% para pessoas portadoras de deficiência e integrantes de minorias é tnicas”.
(SANTOS, 2006, p. 119). Em 2004, os crité rios de rese rvas foram novamente
revisitados com a introdução do corte de renda, o qua l e s tipulava que os
candida tos concorrentes à s cotas fossem provenientes de família s com renda
per capita de a té 300 rea is por mês . Ass im, em 2003, a Univers idade do
Estado do Rio de Jane iro (Uerj), juntamente com a Univers idade Es tadua l do
Norte Fluminense (Uenf), foram as pione iras na admissão de a lunos cotis ta s no
Brasil.
Es te programa de ações a firmativas resulta de um processo de
redemocra tização fomentado por vários segmentos do movimento negro e
24
apoiado por inte lectua is e representantes do próprio governo, numa tenta tiva
de aumenta r a representa tividade das camadas his toricamente excluídas da
sociedade . O governo, na ve rdade , propôs a adoção de cotas unive rs itá ria s em
2001 na Confe rência Mundia l contra o Racismo, Discriminação Racia l,
Xenofobia e Intole rância Corre la ta , em Durban, na África do Sul.
A propos ta des ta abertura de vagas para es tudantes unive rs itá rios
não-brancos , ve io da pe rcepção de que as des igua lda des bras ile iras dizem
respe ito também a aspectos racia is e não somente econômicos , portanto
exis tiria a necess idade de repara r es tas citadas de s igua ldades com uma
medida “temporá ria”, porém efe tiva . Se a conquis ta de um diploma univers itá rio
aumenta , comprovadamente , a ascensão sócio-econômica do cidadão, e spera -
se pois que o contingente de negros bras ile iros nas classes mais favorecidas
aumente . Oponentes da s cotas no Bras il, a legam se r esta uma política
importada , que não re tra ta ria a na tureza racia lmente igua litá ria que é marca do
Brasil. A democracia racia l é “um idea l a se r a lcançado, um mito no sentido
antropológico do te rmo: uma mane ira específica de pensa r um a rranjo socia l
em que a ances tra lidade ou a aparência do indivíduo deveriam se r irre levantes
para a dis tribuição dos dire itos civis ou dos bens públicos” (FRY, 2005, p. 17).
As cotas são vis tas pe los seus oponentes como anti-meritocrá ticas , pois
permitiriam a entrada de pe ssoas mal-preparadas no espaço privilegiado que é
a univers idade .
Não se pode negar, deba te à parte , que a adoção de cotas no Bras il
corresponde também a uma reava liação do que s ignifica “raça” para a
identidade pessoa l dos bras ile iros . Os biólogos há muito se desvincula ram do
conce ito de raça e , es tudos recentes , demons tram a preva lência da mis tura
genotípica entre nós , porém socia lmente os se res humanos continuam a se
utiliza r de expedientes como cor de pe le , textura de cabe lo e fis ionomia para
classifica rem uns aos outros . Sabemos também que “raça” é crité rio
s ignifica tivo em sociedades com passado escravocra ta , como as sociedades
das Américas dos séculos XVI ao XIX. Como es te passado sobrevive , a té hoje ,
no século XXI, infe lizmente , não é de se admira r que as pessoas continuem a
se beneficia r e /ou serem discriminadas , ou mesmo excluídas , por conta de
25
seus a tributos fenotípicos , e que fa ta lmente afe ta m sua qua lidade de vida . No
Brasil, porém, essa s ituação contém mais um elemento agravante . Por um
lado, a class ificação racia l no Bras il é fluida e ambígua , a ponto de muitos
es tudiosos a cons ide ra rem irre levante . Por outro lado, e la é cons ide rave lmente
severa quando se compa ram as dife renças em renda , ocupação, níve l
educaciona l e se obse rvam como essas dife renças es tão re lacionadas com a
raça dos indivíduos . Queremos cre r, então, que no Bras il não somos cegos à
cor ou à raça dos indivíduos , mas ao racismo e suas conseqüências .
Devemos concordar que , a poss ibilidade de se obte r uma vaga na
univers idade a través de cotas racia is , faz os candida tos te rem de se enquadra r
em uma de te rminada raça . Como, oficia lmente, is to é novo no Bras il, a auto-
decla ração racia l se torna uma ques tão empírica . Em princípio, is so não
constituiria nenhum problema se e les já se pensavam como membros da
ca tegoria que escolhe ram. O que entre tanto acontece ria com aque les que não
se diriam pertencentes des te ou aque le grupo, aque les que por razões vá rias ,
minimiza ram sua identidade racia l? Es ta ríamos diante de uma quadre de auto-
discriminação? Ou is to se daria ao fa to des tes indivíduos , por nunca te rem (se )
classificado como pertencentes ao grupo dos “brancos”, ou dos “negros”, e ,
consequentemente , não soubessem class ifica r-se? Sabemos que os traços de
ances tra lidade des ta ou daque la raça , podem se r minimizados , por es ta ou
aquela razão. Seria a auto-class ificação destes indivíduos , quando fossem
pedidos a fazê -la , menos legítima?
Várias se riam as ques tões que nos fa riam pondera r a re spe ito da
e tnia dos indivíduos , de uma mane ira gera l. Se você é o resultado de uma mãe
negra e um pai branco, ou vice versa , e se você não tivesse outros
antecedentes na família na mesma s ituação, como você se cons ide ra ria? E
mais adiante, como você se decla ra ria , caso tivesse as fe ições “de brancos” e
os cabe los chamados “lisos”? Você é mais “branco” ou é mais “negro”? Um tom
um pouco mais moreno de pe le poderia s ignifica r a lgo a lém de um acidente
“na tura l”?
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Vamos agora pensa r em outras te rminologias , como é o caso do
te rmo “pardo”. Se r-se pa rdo quer dize r se r-se mes tiço, como a maior parte da
população bras ile ira? Pardo é moreno? Pardo é a mis tura entre o branco e o
negro? Sendo ass im, você é mais branco ou mais negro? Parece -nos que
voltamos ao momento inicia l. Em quanto vão importa r es tas denominações? Só
para o e fe ito de declaração, na tenta tiva de obte r uma vaga na univers idade?
Ou a identidade racia l é nece ssá ria na e liminação de conflitos exis tencia is?
Nos anos 1960 e 1970, “pardo” e ra um eufemismo para “negro”,
amplamente usado em certidões de nascimento. Portanto, em pleno século
XXI, é curioso ouvir pessoas se denominando de “pardas” como class ificação
racial. Fazem is to para fugir do binômio a que os americanos do norte se
reduzem? Nos Estados Unidos , por exemplo, você é branco ou a fro-
descendente (negro). Por conta da nossa maleabilidade , cremos que para nós
nada é tão facilmente explicado. Ou se rá que a lguns indivíduos ao se
decla ra rem “pardos”, e s ta riam fugindo da class ifica ção de “negros” por auto-
discriminação? Parece -nos a imagem de um “cão correndo a trás do próprio
rabo”. Voltamos portanto a um dos temas ante riores , novamente .
A exclusão de classes da educação não é um problema apenas da
sociedade bras ile ira . É de repercussão mundial. O Bras il, em busca da redução
das des igua ldades na sociedade es tá apresentando como a lte rna tiva o
inves timento na educação de níve l superior. Para isso, utiliza -se de um proje to
de ações a firmativas , incluindo des ta forma os a té então excluídos . Ta is
políticas , entre tanto, têm como ca rá te r a periodicidade , is to é , devem ser
levadas a cabo em de te rminadas circunstâncias até que ha ja um efe tivo
progresso nas condições dos grupos beneficiados , aque les que se procura
proteger. Portanto, têm caráte r temporá rio.
Essas políticas trazem cons igo questionamentos com re la ção a a tua l
condição da Educação no nosso pa ís , tanto nas unive rs idades como nas
escolas de ens ino fundamenta l e médio. Promovem, por conseguinte , uma
mobilização da sociedade que leva a uma reflexão sobre o ens ino público no
27
pa ís, também com re lação aos aspectos lega is e cons tituciona is dessas cotas
nas univers idades públicas do pa ís .
Diz a Cons tituição do Bras il, promulgada em 1988, que o cons tituinte
procurou proteger bens essencia is do indivíduo, cidadão des te país . No Título
II, Capítulo I desta Cons tituição, e s tabe lece o a rtigo 5º que : “Todos são igua is
perante a le i, sem dis tinçã o de qua lquer na tureza , ga rantindo-se aos bras ile iros
e estrange iros res identes no Pa ís a inviolabilidade do dire ito à vida , à libe rdade ,
à igua ldade , à segurança e à propriedade ...”, o que nos faz cre r que a
implementação do que vers a o artigo nem sempre é tão s imples quanto se
supõe . Vemos cla ramente que a igua ldade postula ria o tra tamento uniforme de
todos os homens . Não se tra ta de um tra tamento igua l pe rante o dire ito, mas
de uma igua ldade e fe tiva pe rante os bens que a vida ofe rece.
Es te tra tamento igua l pe rante o direito acaba por aca rre ta r um ônus
a aque les que não es te jam em plena igua ldade no pla no socia l. As dife renças
ine rentes a cada grupo em de te rminados momentos , á reas ou s ituações fazem
com que a acess ibilidade a ta l dire ito se torne difícil. A igua ldade forma l ao não
levar em conta fa tores his tórico-socia is acaba por discriminar, ou excluir, a s
classes menos protegidas da acess ibilidade a alguns dire itos fundamenta is .
Is to pos to, obse rva-se que o pape l do legis lador é a lcançar a
igualdade , não de mane ira apenas jurídica e abs tra ta , mas também envolver de
mane ira aplicáve l, plena , ou s eja, uma igua ldade de fa to.
Ainda na Cons tituição, por exemplo, no artigo 37, inciso VIII, que faz
a lusão à rese rva de vagas pa ra portadores de deficiência em ca rgos públicos;
e o artigo 7º, inciso XX, que ga rante a proteção do traba lho da mulher de
acordo com a le i e specífica . Cons ta ta -se , pois, cla ramente , que o legis lador é
de pleno acordo com as ações a firmativas , buscando garantir pe la le i a
igualdade que cada um deve te r pe rante as oportunidades em decorrência do
próprio Dire ito. Ainda no título VIII, Da Ordem Socia l”, capítulo I, “Dispos ições
Gerais”, da Constituição, tem-se o seguinte: “Artigo 193. A ordem socia l tem
como base o primado do traba lho, e como objetivo o bem-es ta r e a jus tiça
sociais”.
28
Como expos to acima , os obje tivos da ordem socia l são o “bem-es tar
e a jus tiça socia is”, por conseguinte , promover a proteção aos cidadãos que
porventura se jam socia lmente pre judicados . Ainda , no que infe re es tritamente a
jus tiça socia l, por ana logia , entende-se que a acess ibilidade presente nas
políticas de cotas unive rs itá ria s se enqua dra no ordenamento, recebendo
ass im, em primeira aná lise , um respa ldo cons tituciona l.
A Cons tituição, portanto, tem como fundamento explícito o dever de
promover, a través de inte rvenções na rea lidade socia l, formas de torna r
equilibrada e jus ta as re lações socia is . Desta forma , tem como dever, a
promoção de inclusão de a lguns grupos e aprimoramento das re lações socia is
des tes , nas s ituações em que são abundantemente pre judicados , como no
caso da educação, a dificuldade de acesso ao ens ino superior, principa lmente
em univers idades públicas . As re lações daque les oriundos de um ens ino
deficitá rio, em que as condições his tórico-socia is influem de mane ira nega tiva
no desenvolvimento do indivíduo, fazem com que o equilíbrio entre os demais
entes da sociedade e também concorrentes a vagas univers itá ria s não se dê ,
na sua plenitude .
Pa ra ga rantir a isonomia previs ta na Cons tituição, que como já vis to
é uma igua ldade sobre um dire ito, o cons tituinte inse riu em a lguns a rtigos e
princípios , os qua is deve m reger a sociedade , cabendo a le i e specífica
“discriminar” pa ra torna r a aplicabilidade dos dire itos ine rentes a todos a lgo
jus to. Tra tando de dire itos adquiridos na Cons tituição de 1988, quanto à
acess ibilidade e ao dever do Estado em reger e propicia r a plena igua ldade de
dire itos a todos, temos o que vem a seguir, em seu artigo 23: “É competência
comum da União, dos Es tados , do Dis trito Federa l e dos municípios”; inciso V –
propicia r os meio de acess o à cultura e à ciência ; e inciso X – combate r as
causas de pobreza e fa tores de margina lização, promovendo a integração
social dos se tores desfavorecidos .
Por ana logia , entende-se que ao implementa r uma política de
acess ibilidade e promoção de de te rminados grupos , o Es tado tende a seguir o
que es tá dispos to na Cons tituição.
29
É de domínio público, porém, que adota r políticas de inclusão, como
as cotas unive rs itá ria s , s implesmente , não va i re solve r séculos de
discriminação econômica e racia l.
Uma das ca racte rís ticas mais crué is dos pa íses subdesenvolvidos é
a de render-se a “modismos”, que ocorrem em países desenvolvidos , sem
entendê-los de uma forma mais abrangente e sem nenhum espírito crítico. Es te
é o caso das cotas pa ra negros nas univers idades públicas , e que foram
introduzidas em muitas unive rs idades americanas há vários anos . Acontece lá ,
apenas , um processo dife rente no s is tema de ingresso nas mesmas .
Aqui o acesso se dá por inte rmédio dos exames ves tibula res , em
que se respe ita rigorosamente a class ificação: todos te riam igua l oportunidade ,
como ocorre em qua lquer concurso público. Nos EUA não há , normalmente ,
exames de ingresso, e a e scolha dos candida tos é fe ita por um comitê de
professores que ana lisa o currículo do candida to e as notas que obteve nas
escolas primária e secundária .
Lá , portanto, os crité rios de admissão não são tão obje tivos , pois
dependem da orientação que cada escola adota. Em algumas des tas escolas,
os alunos que são proeminentes nos esportes são pre fe ridos . Em a lgumas
outras tenta -se ga rantir uma ce rta mis tura entre grupos é tnicos -
pa rticula rmente a fro-descendentes – ou es tudantes de família s de níve l de
renda dife rente , assegurando des ta forma a presença dos mais pobres em
seus bancos.
Isso é fe ito há décadas e gerou aos poucos a idé ia e rrônea de que
exis tem “cotas” nessas univers idades . Algumas vezes , e s tudantes brancos
brilhantes, que foram pre te ridos para da rem lugar a negros , entra ram com
ações judicia is contra a unive rs idade e o caso foi a té a Corte Suprema, que
não ava liou o s is tema de cotas , mas permitiu que as univers idades usassem
seus próprios crité rios de es colha de es tudantes .
O que ocorre no Bras il, entre tanto, é inte iramente dife rente , e por
força de le i abrem-se cotas que ga rantam a presença de 20% de negros nas
univers idades .
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A primeira de las a fazê -lo foi a Univers idade do Estado do Rio de
Janeiro, mas a abertura se deu por todo o pa ís , com o apoio de re itores
des lumbrados (e desavisados ), ou a té de minis tros da Educação e certos
políticos sens íve is ao ape lo um tanto ou quanto demagógico da medida . Tudo
isso, que fique cla ro, é fe ito em nome da jus tiça socia l e pa ra remedia r a
discriminação que os negros sofre ram no passado.
É ce rto que , ao longo dos anos , acertos es tão sendo fe itos na le i, e
agora inclui-se também pess oas oriundas de comunidades de ba ixa renda per
capita e outras “minorias”, como os índios , as iá ticos , e tc. Com as cotas no
s is tema educaciona l, e spe cia lmente de forma a as segura r à s minorias
condições de permanência e sucesso na escola (uma vez que o acesso está
pra ticamente garantido), a reprovação e o abandono cons tituirão o verdade iro
garga lo pa ra o ingresso na unive rs idade.
É poss íve l e dese jáve l cria r ações afirmativas pa ra remedia r os
problemas (pe lo menos pa ra os poucos que terminam o ens ino médio), como
cursos pré -ves tibula res que e levem o níve l dos candida tos ma is pobres ,
incluindo os negros .
Adota r cotas , pura e s implesmente , a lém da eminente dificuldade de
dis tinguir brancos e negros num país com tão ampla miscigenação como o
Brasil, é uma medida ce rte ira de degradação do níve l das unive rs idades
públicas , e que , no fina l das contas , não resolve rá tantas décadas de
discriminação econômica e racia l.
Além do mais , e stabelece r cotas pe la legis lação é perigoso e por
que não dize r “ilega l”, pois contra ria frontalmente a autonomia univers itá ria ,
a ssegurada pe la Cons tituição e pe la LDB e que cons titui uma garantia
fundamenta l pa ra a libe rdade de ens ino. Num pa ís democrá tico, boas
intenções não deveriam servir de pre texto pa ra o desrespe ito à le i.
Mais a inda , se vamos rea lmente embarca r na idé ia das cotas , por
que não assegurá -las a outros grupos que se jam cons ide rados “minorias”,
se jam eles por ques tões é tnicas , socia is ou mes mo re ligiosas? Copia r
s implesmente “modismos” poderá traze r prejuízos irrevers íve is à s nossas
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melhores unive rs idades e benefícios mínimos para corrigir iniqüidades socia is
que devem ser combatidas nas suas origens , e não nos seus efe itos .
Alguns es tudiosos pensam numa contrapartida das a le gações
acima , pois sendo o Bras il um pa ís que tem no seu passado recente o traba lho
e o suor dos escravos e que tem no seu ens ino público toda uma precariedade ,
materia l e humana , a limentada por inte resses políticos escusos , a cota
univers itá ria se ria a bem dize r o único modo que ga rantiria ao negro,
principa lmente ao negro pobre, o ingresso na univers idade . Como, de outra
forma, e le a lcançaria o e ns ino superior? As “minorias” menos abas tadas da
população (es tamos incluindo os negros e pobres) sã o oriundas da escola
pública . Consequentemente não têm como es tudar em escolas pa rticula res ,
a lgumas de las pra ticando mensa lidades proibitivas , e des ta forma te r um bom
aprove itamento nos es tudos , que os possibilita ssem uma boa nota no
ves tibula r e o conseqüente acesso às unive rs idades. Não nos esqueçamos de
que após a Le i Áurea os negros foram libe rtos , porém is to não lhes trouxe
fe licidade e proventos ; foram sim abandonados sem te r sequer onde morar.
Enganam-se aque les que a inda pensam que a libe rdade os favoreceu. Como
então te r as mesmas chances do branco e entra r no ens ino superior?
Voltando à idé ia de cisão, muitos autores a rgumentam que a idé ia
de raça deva se r abolida , por estimula r a divisão do pa ís em grupos é tnicos. A
cisão racia l se ria um passo em direção ao conflito. Desde o Modernismo, nossa
sociedade se vê como mis turada . A introdução ao s is tema de cotas rompe com
esse ideá rio e produz uma sociedade que tem a obrigação lega l de se
classifica r como “branca ou negra”. Em outros pa íse s , políticas que re força ram
a condição socia l ge raram conflitos inimagináveis , como em Ruanda , Kosovo e
África do Sul.
Des ta forma , a adoção de cotas ape nas reve la ria um preconce ito
que já é rea l. Pode expor o racismo, que é la tente , mas não ge ra r um
preconce ito maior que o já exis tente . Os negros es tive ram fora do s is tema ,
apesa r da mes tiçagem, que não garantiu a e les o ace sso ao ensino superior.
Gene ticamente não há raças , mas socia lmente e las exis tem: a dis criminação é
32
pe la cor da pe le . A inte rvenção no s is tema deve se r racia l, pois , sem as cotas ,
os negros continuarão fora do s is tema.
His toricamente , a maioria das entidades de de fesa dos negros
tentou combate r o preconce ito sem usar a idéia de raça como dife rencia l ou
exigir qua lquer tipo de privilégio. Exis te o exemplo do movimento radicado na
Baixada Fluminense , no Rio de Jane iro, conhecido como P ré -Ves tibula r pa ra
Negros e Carentes (PVNC), que a lém de prepara r jove ns para ingressa rem na
univers idade , procura dar noções de dire itos socia is e cidadania . No PVNC,
negros e pobres , (brancos ou não) concorriam em igua ldade de condição. Os
mentores do movimento e ram contra qua lquer tipo de a juda finance ira ou
cotas . Eles não queriam modifica r o s is tema, mais s im prepara r esse s a lunos
para ingressa r ne le . As cotas e ram cons ide radas por muitos como favor e e les
queriam concorre r em pé de igua ldade . Es ta foi a primeira ve rsão do
movimento, que inverteu o seu pa radigma e hoje que r que os negros tenham
cotas , ou se ja , privilégios .
A consta tação de que os negros foram desprivilegiados com re lação
ao acesso às unive rs idades é cla ra , pois os mesmos são oriundos da escola
pública . Em vez de cotas , o Es tado deveria aumenta r os inves timentos no
ens ino público, que propicia ria a oportunidade de mais negros e pobres
entrando na univers idade por boas notas , e portanto, mérito próprio.
Juris ta s cons ide ram ser o s is tema de cotas incons tituciona l, porque
fe re o princípio fundamenta l de igua ldade entre os cidadãos . É uma
discriminação às avessas , em que o branco não tem dire ito a uma vaga mesmo
se sua pontuação for maior. Reconhecemos, portanto, que o preconce ito
exis te , mas a política a firmativa não deve se r feita no ens ino superior, e s im no
de base .
É jus tamente no ensino público que res ide uma outra crítica à
reserva de vagas . Ao adota r a medida , que não onera os cofres públicos , o
governo pode de ixa r pa ra segundo plano o problema da educação. As cotas
produzem um efe ito es ta tís tico pos itivo, ao aumenta r o número de negros nas
univers idades , mas não acabam com a exclusão. Colocar um punhado de
33
negros nas univers idades por meio de cotas não resolve o problema socia l.
Beneficia apenas aqueles indivíduos que entram.
Os defens ores das cotas concordam que o s is tema não é uma
medida definitiva . A maioria dos programas é temporá ria , emergencia l. Mas se
essa política não é idea l, poucas são as a lte rna tivas viá ve is e de resultados
imedia tos apresentadas a té então. O inves timento do governo no ens ino
bás ico, por exemplo, depende de fa tores políticos de difícil previsão e só te rá
e fe itos num longo prazo. As cotas foram, a té agora , o único mecanismo
encontrado por a lgumas univers idades para resolve r o difícil acesso de negros
e pobres às unive rs idades públicas . É uma inicia tiva cora josa e só dentro de
a lguns anos poderemos ava lia r se de fa to se rá efe tiva . As piores opções são
não faze r nada , ou pior, quere r nos faze r cre r que es tá tudo bem, ou que as
cotas representam um grande perigo para a cultura bras ile ira , pa ra as re lações
raciais no Bras il, pa ra o futuro da humanidade . Exis te um conservadorismo
traves tido de humanismo. Se exis tem meios me lhores que as cotas para
aumenta r o acesso de negro à univers idade pública , que e les se e fe tivem, que
se jam adotados , que se façam programas sé rios e e ficientes , sem transfe rir o
problema para outras e s fe ras ou outra ge ração.
Críticas exis tem, e vão sempre exis tir, como a que diz respe ito à
identificação dos candida tos às vagas rese rvadas . Até o momento, as
univers idades adota ram como crité rio a auto-decla ração. A s olução ge rou
controvérs ias , depois de a lguns candida tos brancos class ifica rem-se como
negros pa ra obte r o benefício das cotas . Qualquer crité rio, de fa to, pode se r
burlado. Se as pessoas acham que nossa especificidade é se rmos trapace iros
e que nenhuma política s ocia l pode funcionar entre nós , es ta remos então
fadados à le i de mercado ,mais se lvagem. Foi decla ração do então Minis tro da
Educação Cris tóvam Buarque , se rem “as cotas não um sis tema ide a l, porém
apoiava a medida a té que o ens ino público tenha condição de prepara r me lhor
os es tudantes”. Buarque tentou es timula r a rese rva de vagas para negros ,
porém não quis impor a medida por le is , pois is to se ria inte rpre tado como
inte rfe rência na autonomia das unive rs idades .
34
A política de cotas não é coisa nova , já foi adotada pa ra defender
mulheres na política , e ninguém a cons ide rou a trasa da. Quando é pa ra o
negro, surge a discussão. O movimento negro não dese ja fe rir a autonomia das
univers idades , mas exis tem poucos negros no ens ino superior.
Em 2004, o Minis té rio da Educação lançou o edita l do programa
Divers idade na Univers idade , que prometia passa r recursos de a té cem mil
dólares para ins tituições que mantivessem proje tos educa tivos pa ra grupos
socialmente desfavorecidos . As concorrentes deveria m te r pe lo menos 51% de
afro-descendentes e /ou indígenas e repassa r entre 40% e 50% do va lor para
os es tudantes , sob a forma de bolsas .
Es te tipo de a juda finance ira deveria se r ava liado pe lo s is tema de
cotas , porque pode decidir a pe rmanência de a lunos beneficiados nas
faculdades . Como a maioria da população negra é pobre , é de se espera r que
boa pa rte des tes e s tudantes tenha dificuldade em se mante r nas
univers idades , mesmo que públicas . Além das despesas normais de transporte
e a limentação, há o cus to de mate ria is didá ticos . Em a lgumas á reas , como a
saúde , o preço de um livro pode ultrapassa r um sa lá rio mínimo. Sem as bolsas
de apoio, o s is tema pode redundar em vagas ociosas .
Discutir a s cotas no Bras il é discutir racismo. Além disso, não
podemos esquecer que , se ao longo do tempo a jus te s não forem fe itos , a
ins tituição de cotas aba la rá um pila r fundamenta l da instituição acadêmica
univers itá ria : o mérito. A importância das pessoas dentro da comunidade
univers itá ria decorre de s eus méritos , is to é, seus traba lhos , seus títulos
acadêmicos. Se dentro des ta comunidade passa r a preva lece r outro va lor,
como a raça da pessoa , a qua lidade da ins tituição e sua ordem poderiam se
modifica r. O crité rio raça te ria de se r incluído em tudo e o crité rio mérito, que
se ria o mais jus to e permeia todos os processos inte rnos acadêmicos , se ria
esquecido.
A discussão parece não te rminar por aqui. Acreditamos que passado
o tempo, a jus tes na le i se rão fe itos , e injus tiças , se des ta forma podemos
35
chama-las , se rão minimiza das , novas idé ias surgirão trazendo sa tis fação a
todos os cidadãos des ta Nação.
36
CAP ÍTULO 3
COTAS – UMA P ROP OS TA INOVADORA?
Segundo o Minis té rio da Educação (MEC), de 91 unive rs idades e
ins tituições públicas es tadua is e federa is , 34 de las adota ram um sis tema de
cotas . No entanto, a presença de a lunos cotis tas a inda é pequena . O Minis té rio
mostra que a té o fina l de 2007, dentro das unive rs idades federa is , e les
chegavam a 14 mil – um pouco mais de 2% de um tota l de quas e 580 mil
a lunos .
O movimento negro defende as cotas como uma forma de
implementa r uma política que corrija es tas aberrações e que possa inse rir o
negro dentro de um contexto educaciona l que pe rmita a s ua formação
inte lectua l e humana , pa ra que e le possa disputa r, em condições de igua ldade ,
uma vaga no mercado de traba lho. Es tá colocada em nossa rea lidade , de ce rta
forma, a invis ibilidade do negro no ens ino superior. O fa to é que , em especia l
nas univers idades públicas , a população a fro-descendente não ocupa os
espaços . A política de ação afirmativa vem jus tamente para va loriza r a ques tão
democrá tica , ou se ja , democra tiza r o acesso pa ra uma população que tem
representa tividade dentro da sociedade , mas que não es tá representada na
univers idade . Ou se ja , o corpo dentro da unive rs idade não consegue reproduzir
o que a sociedade tem como verdade em te rmos de presença étnica efe tiva .
A segregação tem uma caracte rís tica essencia lmente econômica .
Não foi o racismo que gerou a escravidão, mas s im a escravidão que ge rou o
racismo. Melhor dizendo, primeiro ve io a necess idade econômica de explora r o
trabalho escravo, e foi com base nessa necess idade que se criou a ideologia
37
racista . Colocar a ques tão racia l como uma ques tão centra l é tomar a parte
pe lo todo.
Já exis te uma descriminação colocada e um racismo e s trutura l no
nosso pa ís que impede a ocupação dos espaços de des taque pe los a fro-
brasile iros . Então a tenta tiva de desfaze r a identidade e busca r a idé ia de que
somos todos igua is e de que somos frutos de uma mis tura, do ponto de vis ta
político, é uma forma de impedir a rea firmação de uma identidade .
Aque les que são contra a implantação das cotas a legam que a
medida é um “racismo ao contrá rio” e que contribui a inda mais para o aumento
do preconce ito. No entanto, pa ra melhor entendermos as discussões , cabe
explica r o que é racismo e o que é preconce ito. O racismo não é apenas você
gos ta r ou não de um certo grupo. Isso é cons ide rado como preconce ito.
Já racismo se entende como um mecanismo sis temático de
exclusão socia l de um grupo, pra ticado por aque les que de têm o poder, is to é ,
por aque les que possuem a autoridade pa ra mudar ce rtas re lações de exclusão
e des igua ldade , mas que não o fazem.
Alguns autore s reba tem, com veemência , o a rgumento de que a
implantação das cotas reba ixa ria o níve l de qua lidade das univers idades , já
que as pessoas que entram pe las cotas não passa riam pe lo process o normal
do ves tibula r, que não é , diga -se de passagem, um indicador de exce lê ncia .
Tanto é verdade que nas univers idades que têm experiência na aplicaçã o de
cotas , os a lunos cotis ta s têm desempenho igual ou s uperior aos não-cotis ta s .
De outro lado, os que se opõem às cotas a rgumentam que o
mecanismo é uma afronta gritante ao mérito individua l, uma violação da
Cons tituição, na qua l e s tá previs ta a igua ldade de todos os indivíduos pe rante
à le i, um es tímulo injus tificáve l à segregação e ao conflito racia l num pa ís em
que a miscigenação entre raças e e tnias es tá bem marcada , a lém da
ins tituciona lização da discriminação e uma potencia l ameaça ao desempenho
acadêmico das univers idades federa is bras ile iras .
Os defensores do proje to contra -a rgumentam que o racismo opera
de mane ira complexa , contínua , prolongada e mascara da na formação de um
38
indivíduo de ta l maneira que não se pode resumir o mérito de um a luno ao
momento do ves tibula r, que a Cons tituição prevê o tra tamento des igua l pa ra
des igua is , que a segregação racia l já exis te , tendo em vis ta o ba ixo pe rcentua l
de alunos negros nas ins tituições públicas de ens ino superior no país e que na
verdade as cotas podem atuar como ins trumento de integração, a lém da tese
que a dive rs idade de a lunos com dife rentes experiências de vida leva , na
rea lidade , a uma cons trução do conhecimento mais abrangente e , portanto,
mais rica .
Recentemente , a polêmica das cotas ganhou mais repercussão,
ressurgindo nas páginas dos jorna is e na mídia , após Partido Democra ta
(DEM) para que fossem suspensas as cotas racia is de 20% nos ves tibula res da
Univers idade de Brasília (UnB). Observe-se que nes se pedido os crité rios
sócio-econômicos para o re fe rido benefício não foram obje tos de protes to. O
foco reca ía exclus ivamente sobre a ques tão racia l.
A ação a juizada pe lo (DEM), ocorrida em a bril de 2009, a legava que
o sis tema de cotas racia is da UnB violava pre ce itos fundamenta is da
Cons tituição, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana , o
preconce ito de cor e a discriminação, o que inte rfe ria no próprio combate ao
racismo.
No entanto, os pa rece res encaminhados ao Supremo Tribuna l
Federa l (STF) pe la Procuradoria Gera l da República (PGR) e pe la Advocacia
Geral da União (AGU) foram contrá rios à ação. A decisão a inda tem ca rá te r
provisório. O caso deverá se r julgado no mérito pe lo plenário da Corte ,
provave lmente agora em 2010. Mas a té lá os procedimentos de matrícula na
univers idade poderão seguir normalmente .
Ao negar o pedido do DEM, o minis tro Gilmar Mendes , pres idente do
STF, a legou que as cotas são cons titucionais , afirmando a inda que nes te
momento “não há urgência a jus tifica r a concessão da medida liminar”.
O procurador-ge ra l da República , Roberto Gurge l, enfa tizou que os
grupos socia is minoritá rios e que es tão mais vulneráve is são amparados pe la
Cons tituição Federa l. Gurge l citou a inda que 35 unive rs idades públicas
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brasile iras (dados de 2009) já adotam políticas afirmativas para negros . Des tas,
32 já prevêem a lgum tipo de mecanismo para facilita r o ingresso no ens ino
superior. De acordo com o procurador-ge ra l, na eventua lidade de o pedido do
DEM ao STF se r concedido, uma ampla maioria de pessoas ca rentes se ria
beneficiada.
O movimento negro bras ile iro tem sido incansáve l no sentido de
re ivindica r do Es tado a implementação de políticas pa ra o combate à
discriminação. Gradua lmente , a lgumas conquis tas começaram a ser
a lcançadas , a té que, em 1995, fez-se mais transpare nte a mudança da pos tura
do Estado em re lação à ques tão racia l, quando o movimento negro bras ile iro
deu vis ibilidade às comemorações pe los 300 anos de res is tência contra o
racismo. O governo bras ile iro só passa ria a se compromete r publicamente
nessa luta por ocas ião de s ua pa rticipação na III Confe rência Mundia l contra o
Racismo, a Discriminação Socia l, a Xenofobia e Formas Corre la tas de
Intole rância , es tabe lecida pe la ONU, que aconteceu no período de 31 de
agosto a 7 de setembro de 2001.
O Bras il tem um passado his tórico de escravidão que durou 350
anos. Os efe itos nocivos desse período pe rduram. Gerações de negros a inda
sentem os re flexos do racismo, a inda que ve lado. Muitas oportunidades foram
tolhidas da sociedade e por iss o é necessá rio repara r esse e rro histórico.
O deba te s obre quem es tá ce rto ou errado continua , A des igua ldade
é flagrante , no entanto, e deve se r combatida . Muitos ques tionam se a adoção
do sis tema de cotas racia is não se ria um racismo ao contrá rio e um privilé gio
que não cabe na se leção para o ingresso nas univers idades , uma vez que o
critério de admissão não deva levar em conta a cor da pe le , mas a ava liação
por igua l do conhecimento de todos os candidatos, s em dife renciações . Outros
podem alegar, a inda , que a medida mais democrá tica e jus ta se ria o Es tado
ofe rece r um ens ino bás ico de qua lidade , pa ra que todos tenham, futuramente ,
acesso ao bom conhecimento e , consequentemente, condições e
oportunidades igua is diante de um ves tibula r.
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Tais a legações podem, a um primeiro momento, te r sentido lógico no
que se re fe re aos aspectos democráticos . Porém, se pa ra rmos pa ra pensa r
que o cenário não é tão s imples ass im, se levarmos em cons ide ra ção que
tivemos um passado de 350 anos de escravidão, é ma is do que legítimo
e liminar a obra da escravidão, que é a discriminação sofrida a té hoje pe los que
portam a aparência fís ica dos a fricanos escravizados . Quando pensamos em
toda a des igua ldade socia l e racia l no Bras il e seus e fe itos corros ivos ,
podemos nos torna r um pouco menos res is tentes no sentido de compreender
que tra ta r de mane ira dife renciada um grupo que teve menos oportunidades e
que es tá em franca s ituação de desvantagem é uma tenta tiva de diminuir e ssas
des igua ldades e de se faze r jus tiça , reparando as dis torções que vitimaram
essas minorias e res tituindo-lhes dire itos que há muito lhes foram negados .
Houve quem dissesse que os negros desorganiza riam as
univers idades , como a Abolição des truiria a economia bras ile ira .
Quem acompanhasse os deba tes na Câ mara dos Deputados em
1884 poderia ouvir a le itura de uma moção de fazende iros do Rio de Jane iro:
“Ninguém no Bras il sus tenta a escravidão pe la escra vidão, mas não há só um
brasile iro que não se oponha aos perigos da desorga nização do a tua l s is tema
de traba lho”.
Livres os ne gros , as cidades se riam invadidas por “turbas ignaras”,
“gente re fra tá ria ao traba lho e ávida de ocios idade”. A produção se ria des truída
e a segurança das família s e s ta ria ameaçada .
Ve io a Abolição, o Fim do Mundo ficou pa ra mais ta rde e o Bras il
me lhorou.
Passados dez anos do início do deba te em torno das ações
a firmativas e do recurs o às cotas pa ra facilita r o acesso dos negros às
univers idades públicas bras ile iras , fe lizmente é poss íve l confe rir a cons is tência
dos a rgumentos contra e ssa inicia tiva .
Pa ra começar, ve io a advertência de que as cotas exarcebariam a
questão racia l. Essa ameaça va i comple ta r 20 anos e não se regis tra ram casos
41
s ignifica tivos de exacerbação. Há mais de 500 mandados de segurança no
Judiciá rio, mas is so nada mais é que a livre disputa pe lo dire ito.
Num curso pa ra le lo vie ram os votos do “não-va i-pegar”. Hoje há em
torno de 60 univers idades públicas com sis temas de acesso orientados por
cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de dez mil jovens
beneficiados pe la inicia tiva .
Havia outro a rgumento: sem preparo e sem recursos pa ra se
mante r, os negros entra riam nas univers idades, não conseguiriam acompanhar
as aulas , desorganiza riam os cursos e acabariam de ixando as escolas .
Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotis ta s na Univers idade
Es tadua l do Rio de Jane iro foi de 13%. No universo dos não-cotis ta s , e sse
índice foi de 17%.
Quanto ao aprove itamento, na Uerj, os es tudantes que entra ram
pe las cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos
demais . Na Federa l da Bahia , em 2005, os cotis ta s conseguiram rendimento
igual ou melhor que os não-cotis ta s em 32 dos 57 cursos . Em 11 dos 18 cursos
de maior concorrência , os cotis ta s desempenharam-se melhor em 61% das
áreas .
De toda a maré contrá ria às cotas , o fa to mais crue l foi o que
levantou o perigo da discrimina ção, pe los colegas , contra os cotis ta s . Caso de
pura transfe rência de preconce ito. Não há notícia de tensões no campus .
Mesmo ass im, se ria ingenuidade acredita r que os negros não receberam
olhares “a travessados”, como se costuma dize r. Tudo bem, mas entra ram para
as univers idades sus tentadas pe lo dinhe iro público. Um bom exemplo de ação
afirmativa dando bons resultados , pois e s te é o propós ito primeiro das políticas
de ação a firmativa , remover ba rre iras que impeçam que as minorias
desfavorecidas tenham acesso ao mercado de traba lho, à educação e a pos tos
de comando.
A Ação Afirmativa , como forma de discriminação pos itiva , é uma
política de aplicação prá tica e tem s ido implementa da em dive rsos pa íses ,
va riando o público a que s e des tina . A Índia , por exemplo, rese rva um
42
percentua l de vagas em suas univers idades públicas e cas tas cons ide radas
infe riores , os da lits ou “intocáve is”. O deba te sobre ações a firmativas tem, pois ,
um cará te r inte rnaciona l, transcendendo as nossas fronte iras .
Muitos a firmam que a implementação de políticas de ação a firmativa
no Bras il, principa lmente as refe rentes a cotas nas unive rs idades , com base
em dados racia is , seria uma forma de imitarmos o exemplo dos Es tados
Unidos , que possuem uma sociedade bem diferente da bras ile ira e , ma is a inda ,
num período em que as próprias univers idades americanas es tão abolindo
esse s is tema . É importante , pois , um conhecimento mais profundo da rea lidade
norte-americana que poss ibilite uma comparação com a s ituação bras ile ira .
Para se entender o contexto his tórico do surgimento de políticas de
ação afirmativa num pa ís e no outro é fundamenta l se leva r em conta ce rtas
ca racte rís ticas das duas sociedades , a norte-americana e a bras ile ira .
A nação norte -americana , desde sua origem, se define
constituciona lmente como uma república democrá tica , avessa às
des igua ldades de be rço tão caras às sociedades a ris tocrá ticas da Europa . Ao
contrá rio da nação norte -americana que já nasceu re pública , o Bras il foi
Império a partir da Independência a té quase o início do século XX. Somos mais
seduzidos por va lores e litis ta s do que os norte-americanos. Bas ta lembra r que
a té bem pouco tempo os ana lfabe tos não tinham dire ito de vota r, sendo, na
rea lidade , os pobres , principa lmente negros , os que , não tendo tido acesso à
escola pública , se cons tituíam no maior contingente de ana lfabe tos . Outro
exemplo é o tra tamento especia l que é dado ao réu que possui curso superior.
Já nos Es tados Unidos a expressão do “se lf made man” traduz a va lorização
das qua lidades individua is , independentemente da origem socia l do indivíduo,
como fa tor de mobilidade ascendente e rea lização pe ssoa l. No Bras il, é a
expressão “Você sabe com quem você es tá fa lando?” que traduz melhor a
nossa rea lidade cultura l.
Apesa r dos princípios igua litá rios da república , a economia norte-
americana , principa lmente no Sul, apoiava-se no traba lho escravo. Mesmo
após a abolição, negros e brancos formavam um mundo à parte . Essa
43
rea lidade de segregação passa a te r um fundamento lega l a pa rtir de uma
decisão da Suprema Corte , em 1896, que cons ide rava cons tituciona l
acomodações separadas para brancos e negros em transportes públicos ,
desde que fossem equiparáve is . A filosofia do “igua l, mas separado” e rigiu uma
barreira , negando aos não brancos o livre acesso à moradia , re s taura ntes e a
maior parte dos se rviços públicos .
Em vez da segregação como a que exis tiu nos Es tados Unidos ,
temos um “racismo cordia l” que encobre uma forte discriminação socia l. Somos
uma sociedade visce ra lmente des igua l, desde a nossa origem. São inúmeros
os dados que mos tram as grandes desvantagens da população negra quando
comparada à branca . Es tudo rea lizado pe lo P rograma das Nações Unidas para
o Desenvolvimento, divulgado em 2005, ao compara r 173 pa íses com re lação
ao IDH-M ( Índice de De senvolvimento Humano Médio ), coloca o Bras il em 73º
lugar, bem aba ixo da Argentina , 34ª colocada . Se compara rmos dois grupos de
brasile iros , os brancos de um lado e os negros e os pa rdos , de outro,
poderemos observar melhor o grau de des igualdade ra cia l no Bras il. Enquanto
a média do IDH da população branca colocaria o pa ís em 44º lugar em re lação
à média dos demais pa íses comparados , a mesma média para a população
negra bras ile ira nos colocaria em 105º lugar. Dados do IBGE nos mos tram,
a inda , que entre 10 e 59 anos de idade a taxa de mortos vítimas de homicídios
na população é sempre maior entre a população negra e pa rda do que entre a
branca . Pa ra da r um exemplo: a taxa de mortes entre os jovens brancos de 20
a 24 anos é de 102,3 homicídios por cem mil habitantes , já entre os pa rdos é
de 185,4, e a entre os negros é de 218,5, ou se ja , mais do que o dobro de
jovens negros são vítimas de homicídio.
Um aspecto bas tante específico da rea lidade dos EUA é a forma
como são cons truídas as ca tegorias re lacionadas à cor dos indivíduos . Para
se r cons ide rado negro bas ta te r tido um ances tra l a fricano, é o que e les
cos tumam se refe rir como “one drop rule”, is to é , uma gota de sangue negro
torna o indivíduo e seus descendentes negros . Is to gera um preconce ito racia l
de origem ao passo que no Bras il, o preconce ito racia l é de marca . Pa ra os
cidadãos norte -americanos , mais importante na class ificação racia l é o
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genótipo, aqui, o que importa é o fenótipo, a aparência fís ica , que leva em
conside ração, também, a classe socia l dos indivíduos : quanto mais ricos e
europeus na aparência , mais brancos se tornam. Embora sempre tenha havido
miscigenação nos Es tados Unidos , e la foi inexpress iva se comparada à
rea lidade bras ile ira .
Verdade iramente , o Bras il te ria muitas nuances com re lação à
classificação de “raça” dos seus cidadãos . Devido à miscigenação de vá rios
tipos dife rentes , tivemos com resultado mulatos , ca fuzos , mamelucos , portanto
não tão s imples quanto os americanos do norte, que , his toricamente , possuem
uma tendência a departamenta r o seu pensamento com re lação às várias
classificações de raça , re ligião, e tc, gue tizando os inúmeros grupos que
formam a sua sociedade .
Temos certeza das intenções do governo bras ile iro com re lação aos
benefícios (se podemos chamá-los des ta mane ira ), da dos aos his toricamente
menos favorecidos . Se ja “cons tituciona l”, como querem muitos , ou
“incons tituciona l” como outros tantos, a ve rdade inaba láve l é que o primeiro
passo foi dado pa ra uma tenta tiva de ace rto de contas . Ajus tes virão e
certamente promoverão melhorias no que já nasceu vitorioso. A ce rteza de que
nossos irmãos se rão fina lmente agraciados com o que sempre lhes foi de
dire ito, deve-nos encher de orgulho e boas expecta tivas . Se ja no governo
corrente ou no próximo, devemos es ta r a tentos às demandas dos grupos
menos favorecidos , pa ra , futuramente , quem sabe , vis lumbrarmos uma
sociedade mais jus ta .
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CONCLUS ÃO
Há quase dez anos do início das cotas unive rs itá ria s no Bras il, a inda
não temos um quadro cla ro dos resultados deste s is tema . Nos Es tados Unidos
es te s is tema es tá sendo abolido aos poucos , outras a lte rna tivas es tão sendo
encontradas . E, pa ra o Bras il, se rá o mesmo? Encontra remos um caminho
próprio para as nossas que s tões de exclusão socia l? A experiência em lidar
com as cotas es tá nos fazendo a jus ta r a lgumas das idé ias que , primeiramente ,
não tinham como dar e rrado. A idé ia de que as cotas se riam para beneficia r os
negros , e apenas os negros , foi expandida para os cidadãos de ba ixa renda e ,
também, pa ra aque les a lém da linha da pobreza ; e também para os indígenas
e asiá ticos . Agora s im, parece -nos que todos os que rea lmente foram excluídos
de acesso aos benefícios propos tos, se rão finalmente contemplados . Es tamos ,
portanto, caminhando para um amadurecimento maior e , com a a juda de todos ,
conseguiremos melhora r a inda mais es ta propos ta que já tem o sabor da
vitória !
46
BIBLIOGRAFIA
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SCHAFF, Adam. A Soc iedade In fo rmática . São Paulo: Bras iliense , 1995.
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47
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Acesso em: 21/02/2010 às 18h33.
48
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS DEDICATÓRIA
RESUMO METODOLOGIA
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
CAPITÚLO 1
O mundo globa lizado
CAPÍTULO 2O sistema de cotas univers itá ria s no Bras il
CAPÍTULO 3
Cotas – uma propos ta inovadora?
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
ANEXO
ÍNDICE