HIDROLOGIA
Antônio Marciano da Silva
Carlos Rogério de Mello
Capítulo 1
CONCEITUAÇÃO, APLICAÇÃO E CICLO HIDROLÓGICO.
1.1 - Conceituação
Hidrologia é uma ciência aplicada que estuda a água na natureza, abrangendo as suas
propriedades e os processos que interferem na sua ocorrência e distribuição na atmosfera, na
superfície terrestre e no subsolo. Dentro deste contexto, ela pode ser dividida em:
- Hidrometeorologia: estudo da água na atmosfera;
- Hidrologia de Superfície: estudo das águas superficiais, dividindo-se em:
� Limnologia: estudo d água em lagos e reservatórios;
� Potamologia: estudo água em arroios e rios;
� Glaciologia: estudo da água na forma de gelo e neve na natureza;
- Hidrogeologia: estudo das águas subterrâneas;
Com a incorporação da visão holística, incluindo os aspectos ambientais, a Hidrologia vem
se aprofundando e se subdividindo em subáreas do conhecimento, como por exemplo:
- Geomorfologia: avaliação do relevo de bacias hidrográficas de forma quantitativa;
- Interceptação vegetal: análise da influência da cobertura vegetal na interceptação da
chuva;
- Infiltração: processo altamente influenciado pelo manejo do solo, determinante da
intensidade de escorrimento superficial e por indiretamente da erosão hídrica;
Evaporação e Evapotranspiração: avalia a transferência de água para atmosfera,
desde a superfície do solo, vegetação ou dos espelhos de água;
- Sedimentologia – estudo da produção de sedimento e de seu transporte sobre as
encostas e canais de drenagem: análise da influência da água no contexto da erosão
em bacias hidrográficas;
- Qualidade da água e meio ambiente: quantifica a qualidade da água por meio de
parâmetros físicos, químicos e biológicos.
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1.2 Importância da Hidrologia
A água é um recurso natural reciclável que aparentemente encontra-se em grande
disponibilidade, tanto qualitativamente como quantitativamente, por ocupar cerca de 70% da
superfície do planeta. Sempre foi e continuará sendo, com maior intensidade, um fator
preponderante e cada vez mais limitante para o desenvolvimento da sociedade humana.
Essencial à vida, a água é um elemento necessário a diversas atividades humanas, além de
constituir componente fundamental da paisagem e meio ambiente. Recurso de valor inestimável,
apresenta utilidades múltiplas, como geração de energia elétrica, abastecimento doméstico e
industrial, irrigação, navegação, recreação, turismo, aquicultura, piscicultura, pesca e ainda,
assimilação de esgoto.
A quantidade de água existente na natureza é finita e sua disponibilidade diminui
gradativamente devido ao crescimento populacional, à expansão das fronteiras agrícolas, ao
desperdício e à degradação do meio ambiente devido à poluição e contaminação. Sendo a água um
recurso indispensável à vida, é de fundamental importância a discussão das relações entre o homem
e a água, uma vez que a sobrevivência das gerações futuras depende diretamente das decisões que
hoje estão sendo tomadas.
No Brasil, depois da aprovação da Constituição de 1988 e da Lei 9433/97 – que instituiu a
“Política Nacional de Recursos Hídricos”, a água passou a ser um bem público, com valor
econômico, cuja utilização requer que seja conferida a outorga do direito de uso da água,
instrumento de apoio à gestão dos recursos hídricos.
O Quadro 1 a seguir apresenta a distribuição de água no globo terrestre.
Quadro 1. Distribuição da água no Globo Terrestre.
Forma de Ocorrência Volume (106 km3) % do total
Água Salgada - oceanos 1,405 97,13
Água Doce: 2,87
- geleiras 32,41 2,24
- subterrânea (solo + aquíferos) 8,86 0,612
- lagos 0,13 0,009
- rios 0,014 0,001
- atmosfera 0,014 0,001
Fonte: Wolman – citado por Chow (1964).
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A Figura 1 mostra os percentuais de água doce de cada uma das fontes no planeta.
Figura 1. Distribuição da água doce no planeta.
A análise dos dados, que refletem a distribuição da água no globo terrestre, permite que se
conclua ser necessário estabelecer um uso racional dos recursos hídricos, uma vez que a maior parte
da água consumível não está acessível ao homem. No Brasil, o fornecimento de água para as
atividades econômicas é, na grande maioria, proveniente de rios e reservatórios e nas regiões mais
habitadas já estão ocorrendo sérios problemas de fornecimento, como em São Paulo e no Rio de
Janeiro, que já apresentam um quadro próximo de um colapso.
Da água da atmosfera, 90% encontra-se nos primeiros 5 km e se toda ela precipitasse sobre a
superfície terrestre, resultaria uma lâmina de 25 mm. A Figura 2 mostra outra informação relevante,
sobre os diferentes usos da água no mundo.
Distribuição da Água Doce
Gele ira
78,05%
Lagos
0,31%
Atm osfera
0,03%
Rios
0,03%
Subterrânea
21,32%
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Figura 2. Distribuição média do uso da água pelas diferentes atividades no mundo.
No Quadro 2, pode-se analisar o consumo de água, das principais atividades econômicas no
Estado de Minas Gerais, comparativamente ao uso, em nível mundial. É importante destacar que
em Minas Gerais o uso da água para atividades de irrigação chega a 90% do total enquanto no
Mundo, 72%. Esta diferença é considerável e basicamente está associada a uma das principais
atividades econômicas do estado, a agropecuária, que tem apresentado demanda crescente por
sistemas irrigados em especial na região do Triângulo Mineiro. Uma informação importante é que
mais de 60% das derivações dos cursos d’água brasileiros são para fins de irrigação. Atualmente,
mais de 50% da população mundial depende de produtos irrigados.
Quadro 2. Distribuição do consumo de água em Minas Gerais e no Mundo pelas principais atividades.
Minas Gerais Mundo
Natureza do uso % do Total % do Total
Abastecimento Humano 8,92 6
Abastecimento Industrial 0,60 21
Sedentação Animal 0,62 1,4
Irrigação 89,96 71,6
Fonte: Freitas (1996).
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Estas informações reafirmam a importância que a água assume para uma agricultura
sustentável, que além de atender a uma demanda crescente de produção e produtividade, deve
também, atentar para a conservação e preservação de um recurso que é finito e cada vez mais
escasso, em termos qualitativos.
Tanto a Agenda 21 (Capítulo 18), como a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei
9433/97), estabelecem princípios a serem praticados na gestão dos recursos hídricos: a) a adoção da
bacia hidrográfica como unidade de planejamento; b) a água é um recurso que possui usos
múltiplos; c) o reconhecimento da água como um bem finito e vulnerável; d) a gestão dos recursos
hídricos deve ser descentralizada, participativa. Possuem ainda, como diretrizes gerais de ação: a
integração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental; a adequação às peculiaridades
regionais de cada bacia; a articulação dos planejamentos regionais, o Estadual e o Federal; as
articulações e parcerias entre o poder público, os usuários e as comunidades locais.
Na Figura 3 apresenta-se um mapa com as principais bacias hidrográficas do Brasil,
juntamente com informações adicionais de população, área e potencial hídrico.
Figura 3. Principais bacias hidrográficas do Brasil.
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Apesar de o Brasil possuir em seu território, 8% de toda a reserva de água doce do mundo,
com 53% dos recursos hídricos da América do Sul, deve-se alertar que 80% dessa água encontram-
se na região Amazônica (Bacia Amazônica), ficando os restantes 20% circunscritos ao
abastecimento das áreas do território onde se encontram 95% da população e a maioria das
atividades econômicas do país. Por isso, mesmo com grande potencial hídrico, a água é objeto de
conflitos, em várias partes do país.
Para se entender a importância científica e prática da Hidrologia, deve-se atentar para a
interação da água com as propriedades físicas, químicas e biológicas do meio, ou seja, é
absolutamente necessária a interação com outras ciências uma vez que a água apresenta-se em 3
estados físicos da matéria e influencia a maioria dos processos naturais. Portanto, a Hidrologia é
uma ciência que interage com outras áreas aplicadas como Hidráulica, Drenagem, Ciência do Solo,
Meteorologia e Geologia, além de outras básicas tais como física, química, matemática e biologia,
que são essenciais para atingir um dos principais objetivos da ciência hidrológica que é a
modelagem do comportamento da água, visando a previsões. Isto tem grande importância para
auxiliar estudos que envolvam a influência de atividades antrópicas (ações do homem) na natureza.
Além disto, auxilia nos projetos de obras hidráulicas, fornecendo informações seguras e
consistentes sobre chuvas intensas e vazões máximas.
1.3 Aplicações da Hidrologia
As várias aplicações da hidrologia envolvem desde projetos de obras hidráulicas, até
atividades associadas às questões ambientais, destacando-se:
a) Fornecimento de subsídios técnicos para escolha adequada de fontes de abastecimento de água
para uso doméstico e industrial, por meio de parâmetros associados à qualidade e quantidade de
água disponível;
b) Projeto e construção de obras hidráulicas (projetos de drenagem e barragens) e fixação de
dimensões de obras de arte como pontes, bueiros e galerias pluviais, por meio da geração de
informações com base na aplicação de modelos chuva-vazão às bacias de contribuição;
c) Estudo das características químicas, biológicas e comportamentais, como condições de
alimentação, escoamento natural e oscilação temporal da profundidade de lençol freático;
d) Auxiliar nos projetos de irrigação na escolha do manancial e estudos de evaporação e infiltração
de água no solo;
e) Regularização de cursos d’água e controle de inundações por meio de estudos de variação de
vazão, previsão de vazões máximas e áreas de inundação;
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f) Controle de poluição, por meio da análise da capacidade de recebimento de corpos receptores
dos efluentes de sistemas de esgotos, gerando informações sobre vazões mínimas de cursos
d’água, capacidade de reaeração e velocidade do escoamento;
g) Estudos de erosão, fornecendo subsídios para estimativa de perdas de solo como, intensidade de
precipitação, escoamento em bacias hidrográficas e proteção por meio da implantação de
vegetação e dimensionamento de canais divergentes, bacias de contenção em estradas e terraços
de infiltração e escoamento;
h) obtenção de dados e estudos sobre construção e manutenção de canais para navegação;
i) Aproveitamento hidrelétrico por meio da geração de informações sobre vazões máximas,
médias e mínimas de cursos d’água visando às avaliações técnico-financeiras do projeto;
j) Verificação da necessidade de reservatórios de acumulação e determinação dos elementos
necessários à execução do projeto, como informações sobre bacias de contribuição, volumes
armazenáveis e perdas por evaporação e infiltração;
k) Recuperação e preservação do meio ambiente bem como preservação e desenvolvimento da
vida aquática;
l) Planejamento e gerenciamento de bacias de hidrográficas, fornecendo informações sobre os
principais parâmetros hidrológicos.
Observa-se que a Hidrologia é uma ciência de aplicação essencial para projetos de obras
civis e também para estudos ambientais, por meio de monitoramento do ciclo hidrológico dos
ecossistemas de interesse. É importante tanto para a Engenharia Agrícola e como Florestal, que
além de obras hidráulicas e irrigação, que são campos de atuação da primeira, é fundamental para a
ciência florestal, uma vez que estudos sobre o papel hidrológico de áreas de preservação ambiental,
como matas ciliares e várzeas, e áreas de exploração vegetal, ocupadas por eucaliptos e pinus,
típicas de empresas produtoras de papel e celulose, devem ser realizados e estimulados, já que, a
disponibilidade hídrica é um dos parâmetros ambientais indicadores de degradação de áreas e
essencial para recuperação de sistemas ecológicos degradados.
1.4 Métodos de Estudo
Como já exposto, a Hidrologia estuda a ocorrência da água em suas diferentes fases e
formas, tanto na atmosfera como na superfície da terra e no interior do solo. Mostrou-se ainda que,
a ocorrência da água é uma conseqüência da interação de vários fatores meteorológicos.
A maioria dos dados hidrológicos como precipitação e vazões dos cursos d’água são
elementos de natureza histórica, porque cada um deles constitui um evento que não pode ser
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repetido na prática sob controle de um experimentador. Os dados experimentais podem ser
verificados e comparados por meio da repetição de um dado experimento. Os dados históricos, ao
contrário, não podem ser confirmados por repetição do fenômeno em laboratório, tornando-se
necessária a observação e o registro contínuos, para possibilitar a comparação e verificação e
análise dos mesmos.
A observação e o registro dos eventos meteorológicos de interesse para a Hidrologia torna-
se possível devido a postos meteorológicos instalados e estações fluviométricas (hidrométricas),
estas últimas instaladas em seções de cursos d’água. É interessante observar que a existência de
postos hidrométricos reflete, de certa forma, a extensão do aproveitamento dos recursos hídricos de
um país e seu grau de desenvolvimento.
Com relação a postos pluviométricos (estações meteorológicas), a recomendação para o
Brasil é de 1 a cada 500 km2, o que atualmente existe apenas em alguns regiões dentro dos estados,
havendo uma carência acentuada de registros de chuvas. O principal problema verificado na
observação e registro dos dados hidrológicos até pouco tempo era o homem, pois, devido às
características do serviço, o retorno financeiro não é compensador, implicando em mão-de-obra
sem a devida formação para atender a seriedade e a importância com que deve ser encarada a coleta
dos dados. Isto resultava, inevitavelmente, em falhas no registro, preenchimento arbitrário dos dias
sem observação, leituras equivocadas, etc. O problema se acentuava quando se tratava de dados de
vazões em cursos d’água, onde a rede de observações fluviométricas é bem inferior a de postos
meteorológicos. Felizmente este quadro tem se alterado rapidamente em decorrente do avanço
tecnológico, em particular no setor de automação e comunicação, existindo um número
significativo de estações automatizadas, com sistema de armazenamento de dados ou mesmo em
rede “on line”com a central de monitoramento.
O monitoramento da erosão, por meio do aporte de sedimentos, ainda é relativamente raro
no país. Tudo isto associado, faz com que ainda se apliquem modelos hidrológicos, desenvolvidos
para as condições meteorológicas e pedológicas de fora do país, abrindo a perspectiva de
imprecisão na previsão de fenômenos hidrológicos para as condições brasileiras.
Portanto, para realizar os estudos hidrológicos, há necessidade de :
- observar e registrar os eventos e parâmetros hidrológicos básicos;
- disponibilizar e/ou publicar os dados obtidos;
- analisar os dados e formular teorias;
- aplicar teorias a problemas práticos.
Neste sentido, pode-se dentro de uma visão acadêmica, a Hidrologia pode ser entendida
como:
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- Hidrologia Paramétrica: aquela que baseia-se na análise e no desenvolvimento das
relações entre as características físicas em jogo nos acontecimentos hidrológicos e o uso
destas relações para gerá-los ou sintetizá-los.
- Hidrologia Estocástica: aquela que baseia-se nas características estatísticas das variáveis
hidrológicas, para resolver problemas com base nas propriedades estocásticas daquelas
variáveis. Variável estocástica é aquela cujo valor é determinado por uma função
probabilística qualquer. Como exemplo, tem-se dados de precipitação e vazão.
1.5 Ciclo Hidrológico
O ciclo da água no globo é acionado pela energia solar. Esse ciclo retira água dos oceanos através
da evaporação da superfície do mar e da superfície terrestre. Anualmente cerca de 5,5 x 105 km3 de
água são evaporados, utilizando 36% de toda a energia solar absorvida pela Terra, cerca de 1,4 x
1024 Joules por ano (IGBP, 1993). Essa água entra no sistema de circulação geral da atm osfera que
depende das diferenças de absorção de energia (transformação em calor) e da reflectância entre os
trópicos e as regiões de maior latitude, como as áreas polares. Em média, cerca de 5.109 MW são
transportados dos trópicos, para as regiões polares em cada hemisfério.
O sistema de circulação da atmosfera é extremamente dinâmico e não-linear, dificultando
sua previsão quantitativa. Esse sistema cria condições de precipitação pelo resfriamento do ar
úmido que formam as nuvens gerando precipitação na forma de chuva e neve (entre outros) sobre
os mares e superfície terrestre. A água evaporada se mantém na atmosfera, em média apenas 10
dias.
O fluxo sobre a superfície terrestre é positivo (precipitação menos evaporação), resultando
nas vazões dos rios em direção aos oceanos. O fluxo vertical dos oceanos é negativo, com maior
evaporação que precipitação. O volume evaporado adicional se desloca para os continentes através
do sistema de circulação da atmosfera e precipita, fechando o ciclo. Em média, a água importada
dos oceanos é reciclada cerca de 2,7 vezes sobre a terra através do processo precipitação-
evaporação, antes de escoar de volta para os oceanos (IGBP,1993). Esse ciclo utiliza a dinâmica da
atmosfera e os grandes reservatórios de água, que são os oceanos (1.350 x 105 m3), as geleiras (25 x
105 m3) e os aqüíferos (8,4 105 m3 ). Os rios e lagos, biosfera e atmosfera possuem volumes
insignificantes se comparados com os acima.
Os processos hidrológicos na bacia hidrográfica possuem duas direções predominantes de
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fluxo: vertical e o longitudinal. O vertical é representado pelos processos de precipitação,
evapotranspiração e fluxo de água no solo, enquanto que o longitudinal pelo escoamento na direção
dos gradientes da superfície (escoamento superficial e rios) e do subsolo (escoamento subterrâneo)
O conceito de ciclo hidrológico é um bom ponto de partida útil, inclusive acadêmico, para se
iniciar o estudo da Hidrologia. O mesmo se faz visível começando com a água existente na
atmosfera, conseqüência da evaporação desta nas superfícies livres (oceano, rios, lagos, geleiras,
etc.) e no solo. O vapor resultante da evaporação é transportado pelas massas de ar em movimento.
Sob determinadas condições climáticas (pressão de vapor e temperatura) o vapor se condensa,
formando nuvens que podem ocasionar precipitações. A precipitação que cai sobre o terreno
dispersa-se de vários modos. A maior parte é retida temporariamente no solo, nas proximidades do
local onde caiu e finalmente retorna à atmosfera por evaporação e por transpiração das plantas.
Parte da água escoa superficialmente até os leitos dos rios, outra parte penetra no solo para
constituir o armazenamento subterrâneo. Devido à ação da força gravitacional, tanto as águas
superficiais como as subterrâneas descem até cotas mais baixas e podem, eventualmente, atingir o
oceano. No entanto, grandes quantidades de águas superficiais e subterrâneas retornam à atmosfera
por evaporação e transpiração antes de chegar aos oceanos. Todos os processos que fazem parte do
ciclo hidrológico são regidos fundamentalmente pela radiação solar.
Esta descrição do ciclo hidrológico é bastante simplificada. Por exemplo, parte da água que
constitui as correntes superficiais pode infiltrar-se até a água subterrânea; em outros casos, ao
contrário, a água subterrânea dá origem às correntes superficiais. Parte da precipitação pode ficar
sobre o terreno como neve durante muitos meses até sofrer fusão com o fim do inverno e provocar
escoamento, num fenômeno conhecido como “snowmelt”.
O ciclo hidrológico é um meio apropriado para delimitar aproximadamente o campo da
Hidrologia de Superfície, como a parte compreendida entre a precipitação sobre o terreno e o
retorno de tal água para a atmosfera ou oceano. Serve também para ressaltar as cinco fases básicas
de interesse para o hidrólogo: precipitação, infiltração, evapotranspiração, escoamento superficial e
água subterrânea.
A apresentação do ciclo hidrológico da forma presente pode deixar a impressão de um
mecanismo contínuo no qual a água se desloca sob velocidade constante. Tal impressão deve ser
desfeita. O movimento da água entre as diversas fases do ciclo é, principalmente, irregular, tanto
em tempo como em lugar. Às vezes, a natureza parece trabalhar horas extras para proporcionar as
chuvas torrenciais que podem provocar inundações. Em outras ocasiões, parece que a maquinaria
do ciclo parou por completo e com ela, a precipitação e os escoamentos superficiais. Em áreas
adjacentes, as variações do ciclo podem ser totalmente diferentes. São precisamente esses casos
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extremos, de inundações e secas, que freqüentemente apresentam maior interesse ao hidrólogo, pois
muitos dos projetos de Hidrologia têm o fim de proteger contra os seus efeitos prejudiciais.
Da análise do Ciclo Hidrológico, observa-se os processos ou fases sobre os quais o técnico
pode atuar, no sentido de utilizar e preservar de forma racional os recursos naturais solo, água e
cobertura vegetal. Dentre as fases destacam-se:
- redução da parcela que atinge diretamente a superfície do solo pela manutenção de uma
cobertura vegetal adequada ao solo e relevo existentes;
- redução do escoamento superficial direto (cobertura vegetal, práticas conservacionistas
mecânicas e vegetativas);
- aumento da parcela de água que se infiltra (pelo aumento do tempo de oportunidade para
que a infiltração se processe).
Com isto, consegue-se alterar de forma significativa, a ocorrência e distribuição temporal do
escoamento superficial, reduzindo as vazões máximas (enchentes) e elevando as vazões mínimas,
ou seja, atenuação das cheias e secas por meio de regularização natural das vazões do curso d’água.
Indiretamente, atua-se também no aspecto qualitativo da água pelo controle da poluição.
Estas ações somente terão efeito pleno se planejadas e executadas sobre toda a unidade
física natural que é a Bacia Hidrográfica, em sintonia com a unidade social que é a comunidade
local. A Figura 4 ilustra os componentes principais do ciclo hidrológico.
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Figura 4 – Representação qualitativa do ciclo hidrológico.
O Ciclo Hidrológico também pode ser estudado por meio de um balanço hídrico global,
como descrito na Figura 5, ou mesmo, em nível de continentes, onde o Quadro 3 a seguir,
apresenta-o de forma resumida com os seus componentes principais mais atuantes em termos
proporcionais.
Lençol Freático (não confinado)
Radiação Solar
9 8
6 1
7 5
3
Lençol Artesiano (confinado)
1 2
4
1
1 – Evaporação e Evapotranspiração 2 – Precipitação 3 – Interceptação pela cobertura vegetal 4 – Armazenamento nas depressões 5 – Infiltração 6 – Escoamento Superficial Direto 7 – Recarga do Lençol Freático 8 – Escoamento Subterrâneo (base) 9 – Escoamento Superficial
Manto de Rochas
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Figura 5. Representação do balanço hídrico global.
Quadro 3. Balanço Hídrico simplificado dos continentes.
Continente Precipitação
Anual (mm)
Evaporação
Anual (mm)
Escoamento
(mm)
Escoamento/Precipitação
África 670 510 160 0,24
Ásia 610 390 220 0,36
Oceania 470 410 60 0,13
Europa 600 360 240 0,40
Am. Norte 670 400 270 0,40
Am. Sul 1350 860 490 0,36
O valor da relação escoamento/precipitação fornece uma idéia da proporção da precipitação
que é transformada em escoamento. Ele é um reflexo do regime climático do respectivo continente
e das características físicas das bacias hidrográficas, que são os agentes ativos no processo de
transformação da chuva em vazão.
Não se pode esquecer que as atividades antrópicas nas bacias interferem diretamente no
ciclo hidrológico. Quando um dos componentes deste sofre alteração haverá mudanças nos outros,
que podem afetar de maneira singular o comportamento e a produção de água nas bacias. Em
Atmosfera14*1012 m3
Oceanos1.405*1015 m3
(97,13 %)
Terra41,42*1015 m3
(2,86%)
Precipitação
99*1012 m3/ano
Evaporação/Transpiração
62*1012 m3/ano
Escoamento37*1012 m3/ano
Pre
cip
itaç
ão
324*
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m3 /
ano
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raçã
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361 *
1012
m3 /
a no
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termos agrícolas, o manejo do solo é uma das principais atividades que pode promover alterações
consideráveis no tocante ao regime hídrico. Atualmente, várias pesquisas têm sido conduzidas com
o intuito de verificar possíveis diferenças em termos de infiltração e retenção de água no solo
proporcionada pelos manejos convencional e alternativo, como plantio direto e escarificação. Os
resultados mostram que o primeiro reduz consideravelmente a infiltração de água no solo e na
mesma proporção, aumenta o escoamento superficial, devido à completa desestruturação do solo e à
superfície desprotegida, uma vez que normalmente este manejo ou retira os restos culturais ou os
queima. Já o plantio direto, por promover mínima movimentação do solo (apenas na linha de
plantio) e manutenção de restos culturais em superfície, promove uma maior capacidade de
infiltração e, principalmente, manutenção da água no solo, além de reduzir o escoamento
superficial, por aumentar a rugosidade superficial (pela presença de restos de culturas) e reduzir a
produção de erosão, haja vista, que a energia produzida pelo impacto de gotas também será
reduzida. É necessário, no entanto, que estudos sejam realizados com o intuito de verificar a relação
custo/benefício e a adaptação dos sistemas mínimos em algumas regiões brasileiras. A avaliação
econômica é importante, pois, os custos com pesticidas aumenta nestes sistemas e normalmente, a
produção cai nos primeiros anos devido à uma adaptação natural do solo ao processo, o que não se
verifica com o passar do tempo.
Uma outra ação do homem que altera sensivelmente o ciclo da água é o corte indiscriminado
de coberturas vegetais, em especial, matas ciliares e vegetação nativa. Mentalmente, ao se avaliar a
Figura 4, verifica-se que a retirada de árvores promoverá conseqüências marcantes no ciclo. Os
componentes evaporação e evapotranspiração serão reduzidos. Haverá também, aumento
considerável do escoamento superficial, pela redução da interceptação, o que, por conseqüência,
reduzirá a infiltração de água no solo e automaticamente, a recarga de lençol freático,
comprometendo o fluxo de água nas nascentes e rios. Desta forma, analisa-se o papel
importantíssimo da Hidrologia no contexto ambiental, uma vez que qualquer atividade sobre os
recursos naturais da bacia hidrográfica, promoverá alteração no ciclo hidrológico e cabe ao
hidrólogo compreender a função destes para melhor predizer os impactos que as atividades
agrícolas promovem ao meio ambiente.