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“NOSSAS EXPERIÊNCIAS E LIÇÕES APRENDIDAS PARA POLÍTICAS PUBLICAS”
Essa é a segunda edição do Wayuri Educação, elaborado para divulgação nas sedes municipais e comunidades do rio Negro e para parceiros institucionais da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. O objetivo é informar os moradores da região sobre os resultados dos oito seminários regionais de educação escolar realizados nas Terras Indígenas do Rio Negro e nas sedes dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, assim como, sobre os processos desenvolvidos no âmbito das políticas de educação escolar indígena. A discussão sobre educação escolar indígena é um tema central na atuação da Foirn e conta com o apoio e parceria do Instituto Socioambiental e da Coordenação Regional da Funai. Essa luta travada pelos povos indígenas do rio Negro acumulou conquistas, temos experiências que deram certo e o nosso desafio é fazer com que as experiências exitosas
Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro -‐ FOIRN/São Gabriel da Cachoeira -‐AM. Edição Especial Educação maio/2014.
Foto: Aloísio Cabalzar/ISA
Nesta edição: Síntese dos dados escolares do médio e alto rio Negro -‐ pg. 2 Regional rio Içana e Aiari -‐ pg. 3 Regional baixo rio Uaupés e Tiquié -‐ pg. 4 Regional alto rio Uaupés e Papuri -‐ pg. 5 Regional alto rio Negro e Xié -‐ pg. 6 Regional médio e baixo rio Negro -‐ pg. 7 Formação profissional de agentes comunitários indígenas de saúde: o caso do alto rio Negro -‐ pg. 8 Escolas Indígenas: Desafios LinguísRcos -‐ pg. 10
Os Hupd'äh e a escola -‐ pg 12 PolíRcas do Estado e a Educação Escolar Indígenas no alto rio Negro -‐ pg. 13 Os desafios e a ampliação das parcerias das escolas Yuhup -‐ pg. 15 Escolas Indígenas: construindo novas práRcas educaRvas e pedagógicas -‐ pg. 16 Histórico do Projeto de Educação Indígena no alto rio Negro -‐ ISA/FOIRN -‐ pg. 17 InsRtuto dos Conhecimentos Indígenas e Pesquisa do Rio Negro -‐ pg. 18 Publicações Rio Negro -‐ pg. 19 Departamento de Educação FOIRN -‐ pg. 20
Wayuri Educação
!No município de Santa Isabel do Rio Negro a diferença de número de alunos matricula-‐dos na área urbana e rural é mínima, dos 4.982 alunos, cerca de 51% estudam em es-‐colas do interior, seja na área que se encon-‐tra já demarcada ou não.
!Em Barcelos o número de alunos matricula-‐dos é maior na área urbana do que na área rural, com uma diferença 66% do número de alunos matriculados na cidade e 34% matri-‐culados nas comunidades indígenas e ribei-‐rinhas. !
De acordo com IBGE (2010), os municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Ca-‐choeira possuem 362 escolas em funcionamento, das quais 343 ofertam ensino fundamental e apenas 19 ofertam o ensino médio, e destas apenas 4 estão localizadas em terra indígena. As 362 escola atendem à 27.856 alunos, são majoritariamente indígenas, sendo que 52% destes alunos estão matriculados nos anos iniciais, 34% nos anos ]inais do ensino fundamental e 14% cursam o ensi-‐no médio. E nestas atuam 1.483 professores indígenas, este número corresponde a aproximadamente 20% do total de professores que atuam em escolas indígenas no Brasil.
Tabela: Dados Escolares de Santa Isabel do Rio Negro
Tabela: Dados Escolares de Barcelos
Síntese dos dados escolares do médio e alto rio Negro
PERGUNTA: Porque (ainda) utilizam escola RURAL ao invés de escola indígena?
Tabela: Dados Escolares de São Gabriel da Cachoeira
No município de São Gabriel da Cachoeira existe um total de 240 escolas em Terra Indígena, destas 234 são municipais e 6 são estaduais, cabe destacar que apenas 4 escolas ofertam o ensino médio. O número de alunos matriculados em Terra Indígena é de 12.292, sendo que o total de alunos matriculados é 17.289, ou seja, 60% que frequentam escolas estão em Terra Indígena.
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“ Nossa escola adotou a metodologia de ensino via pesquisa. Antes dela o professor ficava escrevendo na lousa, a criança ficava com sono. Era só bater o sino que as crianças saíam correndo da sala de aula. O ensino via pesquisa mudou isso, e era justamente esse sistema que queríamos quebrar. Queríamos provar que não era preciso se vestir igual, como na época do internato, para poder aprender. Que não era preciso ser rico para aprender. Isso nós conseguimos provar com nossa escola. Nossa escola tem laboratórios de informática, tem criação de alevinos, tem hortaliças. E não consideramos o prédio como um espaço único de aprendizagem”. André Fernando – Seminário de
Educação Escolar Indígena
!escolapamaali
Abril: Lançamento do volume 2 da Coleção “O que a GENTE precisa para VIVER e ESTAR BEM NO MUNDO?, em Ucuqui Cachoeira, alto Aiarí, durante a inauguração da segunda Casa da Pimenta Baniwa. A publicação é da Escola Herieni, da comunidade Ucuqui, no âmbito da Rede de Escolas Baniwa e Coripaco.Foto: Ray Benjamim /FOIRN
Dados de Escolas: !Escolas de Ensino Fundamental: 57 !Alunos de Ensino Fundamental (anos iniciais): 1.173 !Alunos de Ensino Fundamental (anos ]inais): 720 !Escolas de Ensino Médio: 1 !Alunos de Ensino Médio: 192 !Número de Professores (SEMEC): 187
!Em fevereiro de 2014, lideranças e professores Baniwa entregam ao Governador do Amazonas, Omar Aziz documento reforçando a criação de cinco escolas estaduais na bacia do Içana, demanda encaminhada no V Seminário de Educação Escolar Baniwa e Coripaco, em julho de 2013.
OYicina de Elaboração dos Projeto Político Pedagógico – reuniu 100 pessoas, entre lideranças, professores, jovens e velhos. Foram quatro dias de discussão sobre processos educacionais; valorizando experiências já existentes. Construímos uma agenda de trabalho para construção e aprovação PPPs dos Ensinos Médio, pelo povo Baniwa e Coripaco e assim, uma agenda estratégica para criação e reconhecimento das Escolas-projetos Baniwa e Coripaco.
V encontro de Educação Baniwa & Coripaco – aconteceu em junho de 2013 na comunidade de Tunuí Cachoeira. O Objetivo do encontro foi de discutir a organização e o modelo de Escola de Ensino Médio Integrado Baniwa e Coripaco. Ao longo da discussão, chegou-‐se ao consenso de que deveriam ser criadas cinco escolas para atender toda a bacia do Içana. O maior problema é a falta de reconhecimento do ensino médio. No ]inal do Encontro, foi organizado um documento a ser enviado para o governador do estado solicitando uma audiência.
Regional rio Içana e Aiari
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“A discussão da educação escolar indígena está parada a nível do rio Negro, precisou-se desse momento para avaliar o que avançou e o onde está a dificuldade, os
problemas, para poder avançar”- professor Armando da Silva Menezes/Seminário de Educação Escolar Indígena de Taracuá do Uaupés.
Segundo Seminário Interno de Educação Escolar Indígena foi realizado em Taracúa -‐ Médio Uaupés no Yinal de fevereiro de 2014. O evento reuniu estudantes, professores e lideranças indígenas da região de abrangência da Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquie e Uaupés-‐COITUA. A educação escolar na região do médio waupés não é recente. Deu inicío com a implantação da missão salesiana ainda nos meados da década de 1920. Mas, a proposta e os objetivos voltados para uma prática de educação escolar que respeite e valorize a cultura dos povos de lá é recente, não passa de uma década. Um exemplo dessa transformação ou conquista é a gestão da escola hoje, o quadro de professores, incluindo o gestor, são da própria comunidade.
Dados de Escolas: !Escolas de Ensino Fundamental: 46!!Alunos de Ensino Fundamental (anos iniciais): 937 !Alunos de Ensino Fundamental (anos ]inais): 333 !Escolas de Ensino Médio: 2 !Número de Professores (SEMEC): 108
Calendário Ecológico elaborado pelos alunos da escola AEITY e AIMA de acordo com as pesquisas e anotações diárias, sobre passagem de cada constelações, ]loração e fruti]icação das arvores silvestres e cultivadas, doenças que acompanham cada constelações, piracemas de peixes (reprodução natural), subidas (piracemas) de animais, clima do dia a dia…
!Agentes Indígenas de
Manejo Ambiental do Rio Tiquié
Atividade de formação de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental -‐ AIMAS, em Caruru Cachoeira, rio Tiquié.
Regional baixo rio Uaupés e Tiquié
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“Nossos pais tinham respeito com a cachoeira da onça. As mulheres em menstruação não podiam tomar banho e nem as parturientes. Hoje em dia, cresceu a população e as pessoas não respeitam mais. Antigamente também tinha muito peixe e hoje em dia tem muita gente, os benzedores já vieram de
outros lugares, começam a tomar banho no rio, jogam resto de cigarro benzido no rio, com isso os peixes vão escasseando. Essas atividades de pesca,
antigamente, era muito diferente, hoje em dia o peixe é escasseado e só estamos comendo comida de fora. Por isso que nossa geração atual já tem outro tipo de
doença, não são mais as doenças de nossos avós. Isso já foi previsto. O meu avô já havia previsto que Iauaretê ia ser grande, teria muita dificuldade e não teria mais peixe.
Eu estou constatando isso agora”. Professora Maria da Glória Maia Gonçalves, da etnia Tariana – Seminário de Educação Escolar Indígena de Iauarete
Terceiro Seminário Interno de Educação Escolar Indígena do Rio Negro, em Iauaretê em março de 2014.
Dados de Escolas: !Escolas de Ensino Fundamental: 45 !Alunos de Ensino Fundamental (anos iniciais): 1.178 !Alunos de Ensino Fundamental (anos ]inais): 576 !Escolas de Ensino Médio: 1 !Alunos de Ensino Médio: 259 !Número de Professores (SEMEC): 128 !
Seminários de Educação Escolar Indígena que reuniram clãs Hupd’äh em abril
Participaram professores Hupd’äh, Yuhupdeh e Tukano, agentes indígenas de saúde, líderes comunitários, jovens e anciãos das comunidades Barreira Alta (rio Tiquié), Santa Cruz do Cabari (igarapé Japu) e Yuhupdeh, na comunidade de Guadalupe (igarapé Ira). A discussão, voltada às especificidade dos Hupd’äh e Yuhupdeh, foi pensada com o objetivo de promover o debate em relação à educação indígena/educação escolar indígena e fortalecer os diferentes espaços de se produzir saberes, visando construir!estratégias culturalmente adequadas a esses povos, de recente contato, em relação à educação escolar e, ao mesmo tempo, garantir seus modos próprios de ensino aprendizagem sejam respeitados, valorizados e incentivados.
Foto: Lirian Monteiro/ISA
Foto: Ray Benjamim /FOIRN
Regional alto rio Uaupés e Papurí
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Regional alto rio Negro e Xié
“O que nós pensamos? O que está dentro da nossa cabeça? Hoje temos esse questionamento, sobre o que é educação escolar indígena e o que é
educação indígena. Nós devemos ter muita preparação, curso de capacitação, realizar planejamentos, trabalhar através de temas
transversais, mas hoje em dia nós não trabalhamos mais com temas transversais em nossas escolas. Trabalhamos por disciplinas. Por isso
nós estamos fracos, muito fracos. Outros estão muito melhores capacitados. E os culpados somos todos nós, começando pelo Estado e município”- Professor Rafael Brito, professor da etnia Tariana –
Seminário de Educação Escolar Indígena de Iauarete
Dados de Escolas: !Escolas de Ensino Fundamental: 38!Alunos de Ensino Fundamental (anos iniciais): 506 !Alunos de Ensino Fundamental (anos ]inais): 381 !Escolas de Ensino Médio: 0 !Número de Professores (SEMEC): 140 !
Projeto Político Pedagógico da Escola Aí Waturá !Objetivos da Escola: Formar alunos para que no futuro, se tornem bons pais de família, sabedores das coisas dos brancos mas principalmente da cultura indígena, caça, pesca, dança, benzimentos, agricultura, artesanato e outros saberes. Com esses conteúdos, a escola estará formando alunos capazes de contribuir para melhor qualidade de vida nas comunidades,também com capacidade de conviver em qualquer lugar do país. Esclarecidos através desse conhecimento, terão um futuro digno, sabendo tirar proveito do seu território para sustentar sua família, movimentar a comunidade e melhorar a renda comunitária.
Mobilização reuniu jovens indígenas Baniwa, Baré e Werekena em Boa Vista-‐Foz do Içana O encontro começou com a pergunta: A juventude é o futuro? Os jovens presentes e os mais velhos entreolharam-‐se em busca da resposta. Um ou dois minutos de silêncio. Resposta, em meio de dúvidas: Sim para uns e não para os outros. “Tem certeza”? – pergunta a Ednéia Teles, coordenadora do DAJIRN, com microfone na mão, na frente de um platéia cheia de jovens Baniwa, Werekena e Baré da comunidade de Boa Vista, foz do Içana, e comunidades próximas. É a primeira vez que o Departamento de Jovens da FOIRN chega às comunidades para informar, animar, incentivar e fortalecer os jovens dessa comunidade e incluí-‐los no movimento, que vem se fortalecendo a nível do rio Negro e do país.
Foto: Ray Benjamim /FOIRN
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“Queria dizer que Barcelos passa por momentos importantes na sua historia, relacionado a demarcação de terras indígenas, temos conflitos, grandes, mas aqui hoje o centro é educação. Ninguém promove mudança na sociedade sem passar pela educação. O que vamos fazer aqui é
discutir a educação escolar indígena. Muito se fala, mas pouca experiência nós temos. Nós travamos essa discussão e aos poucos se vai avançando e hoje percebemos, que nossas
escolas da zona rural, nossos professores começam a compreender o que é uma educação diferenciada. Nós queremos, para Barcelos, uma escola que atenda as especificidades, uma
escola que promova a cidadania. Vamos aproveitar, é o momento de começarmos a construir efetivamente uma proposta de educação escolar em Barcelos, Santa Isabel e reforçar a
educação escolar indígena em São Gabriel”. Martinho - vereador Baniwa e professor/ Seminário de Educação Escolar Indígena de Barcelos
Nos dias 14 a 16 de maio deste ano, foi realizado o oitavo seminário interno de educação escolar indígena na sede do município de Barcelos. O evento reuniu 10 comunidades/escolas, somando cerca de 100 participantes. Durante três dias, foram debatidos vários assuntos, entre eles, a legislação da educação escolar indígena e foram apresentadas as experiências das escolas e professores participantes. Cada escola fez o levantamento da situação atual e suas demandas. Todas as escolas e comunidades presentes apóiam e querem que a educação escolar indígena seja implantada no município.
Seminário de Educação Escolar Indígena foi realizado em Santa Isabel do Rio Negro, em 2013.
OYicina de elaboração de Projeto Político Pedagógico da Escola Yandé Potira da Comunidade de Canafé -‐ no município de Barcelos. No dia 11 de maio de 2014 aconteceu o]icina para a discussão do projeto político pedagógico da escola indígena Yandé Potira, na comunidade de Canafé, médio rio Negro. Participaram do encontro professores, lideranças, agente comunitário indígena de saúde, pais, avós e jovens. As principais discussões se pautaram no histórico de escolarização no rio Negro, re]lexão sobre a educação indígena antes da chegada da escola, objetivos da escola indígena e esclarecimentos sobre o signi]icado e processos de elaboração de um projeto político pedagógico.
Dados de Escolas SEMEC/SGC: !Escolas de Ensino Fundamental: 19!Alunos de Ensino Fundamental (anos iniciais): 507 !Alunos de Ensino Fundamental (anos ]inais): 142 !
I Seminário Interno de Educação Escolar Indígena do Rio Negro foi realizado em Itapereira -‐ Médio Rio Negro em janeiro. foto: Lirian Monteiro/ISA
Foto: Lirian Monteiro/ISA
Regional médio e baixo rio Negro
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Entre os anos 2006/2007, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e o Conselho Distrital de Saúde Indígena-‐CONDISI/DSEI-‐ ARN (Resolução 001/2007), avaliando a situação formativa de agentes de saúde, chamou o Instituto Leônidas e Maria Deane/ Fiocruz – Amazônia (ILMD/Fiocruz), para discutir a possibilidade de implantação de um curso que possibilitasse o aumento do nível de escolaridade e a pro]issionalização destes trabalhadores. A base que utilizaram para tal re]lexão foi a comparação que ]izeram com os professores indígenas que conseguiram se organizar e lutar pela melhoria de sua formação. O passo seguinte foi ampliar esta discussão, com a realização de o]icinas e seminários com a participação de professores, gestores de escolas, lideranças de comunidades e de associações indígenas, agentes de saúde, pro]issionais de saúde do DSEI, para se discutir os princípios norteadores da proposta formativa. A partir daí iniciou um trabalho de construção
de parcerias para discussão da proposta, a FOIRN e o ILMD/Fiocruz para implementar o curso ]izeram parcerias com outras instituições:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/ Fiocruz; Distrito Sanitário Especial Indígena do Alto Rio Negro – DSEI/ ARN/ SESAI/ MS; Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do Ensino – SEDUC, através de Gerência de Educação Escolar Indígena – GEEI; Prefeitura Municipal de São Gabriel da Cachoeira (Secretaria Municipal de Educação e Cultura e Secretaria Municipal de Saúde). !Para a elaboração curricular utilizamos o
Referencial Curricular para Curso Técnico de Agentes Comunitários de Saúde (MS/MEC, 2004) e os princípios da Educação Escolar Indígena. Do ponto de vista do per]il pro]issional dos AIS, re]letimos que esse trabalhador, inserido na equipe multipro]issional de saúde indígena, desenvolve ações de promoção e vigilância à saúde, tendo por objetivo compreender modos de vida dos grupos sociais e as formas diversi]icadas de expressão do processo saúde-‐doença, buscando intervir nos condicionantes e determinantes desse processo. Dessa forma, se elaborou o plano de curso de Técnico de Agentes ComunitáriosIndígenas de Saúde (CTACIS) articulado à escolaridade ao nível médio, concluída em março de 2010.
Por Sully Sampaio,
Negro Acima, Baixo Rio Içana e Rio Xié; 2) Pólo Rio Negro abaixo, Santa Isabel do Rio Negro e
Barcelos; 3) Pólo Rio Médio e Alto Rio Içana e afluentes; 4) Pólo Baixo Rio Waupés e Rio Tiquié; e, 5)
Pólo Médio e Alto Rio Waupés e Rio Papuri. E está organizado em três etapas formativas, totalizando
1440 h/aula, realizadas em momentos presenciais e atividades de prática profissional nas comunidades.
Atualmente, estamos finalizando a segunda etapa formativa, com previsão de conclusão do curso no
primeiro semestre de 2015.
Do ponto de vista da profissionalização em saúde,
busca-se a constante articulação com os profissionais
e gestores do DSEI-ARN/Sesai, na construção e
fortalecimento das atribuições do AIS na equipe
multiprofissional no modelo de atenção primária
preconizado para a saúde indígena. Nesse sentido,
consideramos que se tem ampliado o potencial de
atuação dos AIS nas suas comunidades, com o
ensino de técnicas e conhecimentos relacionados à: a) saúde da criança, no acompanhamento alimentar e
nutricional, vacinação e a prevenção e atendimento às doenças prevalentes; b) saúde da mulher, no
acompanhamento do pré-natal, parto e puerpério, orientações sobre a prevenção do câncer de colo de
útero e planejamento familiar; c) saúde bucal, nas orientações de alimentação e higienização oral,
doenças prevalentes; d) saúde do adulto, no controle e prevenção da Hipertensão e do Diabetes,
vigilância e controle de doenças transmissíveis; e) Vigilância ambiental, com produção de mapas,
controle de água, lixos e dejetos; f) Vigilância epidemiológica e sistemas de informação; entre outros
assuntos.
No desenvolvimento das atividades didáticas, busca-se o estabelecimento de relações de ensino-
aprendizado pautadas pela pesquisa e pela valorização
da cultura pela articulação de conhecimentos do
campo da saúde pública com os saberes, práticas e
modos de vida próprios às culturas indígenas.
Como experiência piloto e pioneira de formação
técnica de AIS no país, o curso também foi entendido
como capaz de gerar um modelo de formação para
AIS, a ser utilizado – com as devidas adaptações às
diversas realidades culturais – em outras regiões do
Amazonas ou do país.
ACIS em prática do aprendizado. Foto: Sully Sam-
Formação profissional de agentes comunitários indígenas de saúde: O caso do Alto Rio Negro
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Do ponto de vista da pro]issionalização em saúde, busca-‐se a constante articulação com os pro]issionais e gestores do DSEI-‐ARN/Sesai, na construção e fortalecimento das atribuições do AIS na equipe multipro]issional no modelo de atenção primária preconizado para a saúde indígena. Nesse sentido, consideramos que se tem ampliado o potencial de atuação dos AIS nas suas comunidades, com o ensino de técnicas e conhecimentos relacionados à: a) saúde da criança, no acompanhamento alimentar e nutricional, vacinação e a prevenção e atendimento às doenças prevalentes; b) saúde da mulher, no acompanhamento do pré-‐natal, parto e puerpério, orientações sobre a prevenção do câncer de colo de útero e planejamento familiar; c) saúde bucal, nas orientações de alimentação e higienização oral, doenças prevalentes; d) saúde do adulto, no controle e prevenção da Hipertensão e do Diabetes, vigilância e controle de doenças transmissíveis; e) Vigilância ambiental, com produção de mapas, controle de água, lixos e dejetos; f) Vigilância epidemiológica e sistemas de informação; entre outros assuntos. !No desenvolvimento das atividades didáticas, busca-‐se o
estabelecimento de relações de ensino-‐ aprendizado pautadas pela pesquisa e pela valorização da cultura pela articulação de conhecimentos do campo da saúde pública com os saberes, práticas e modos de vida próprios às culturas indígenas. Como experiência piloto e pioneira de formação técnica de AIS no país, o curso também foi entendido como capaz de gerar um modelo de formação para AIS, a ser utilizado – com as devidas adaptações às diversas realidades culturais – em outras regiões do Amazonas ou do país.
Formação profissional de agentes comunitários indígenas de saúde – O caso do Alto Rio Negro.
Sully Sampaio, Ana Lúcia Pontes e Luiza Garnelo
Entre os anos 2006/2007, a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e o CONDISI/DSEI-
ARN (Resolução 001/2007), avaliando a situação formativa de agentes de saúde, chamou o Instituto
Leônidas e Maria Deane/ Fiocruz – Amazônia (ILMD/Fiocruz), para discutir a possibilidade de
implantação de um curso que possibilitasse o aumento do nível de escolaridade e a profissionalização
destes trabalhadores. A base que utilizaram para tal reflexão foi a comparação que fizeram com os
professores indígenas que conseguiram se organizar e lutar pela melhoria de sua formação. O passo
seguinte foi ampliar esta discussão, com a realização de oficinas e seminários com a participação de
professores, gestores de escolas, lideranças de comunidades e de associações indígenas, agentes de
saúde, profissionais de saúde do DSEI, para se discutir os princípios norteadores da proposta formativa.
A partir daí, iniciou-se um trabalho intenso de construção de parcerias para discussão da propostra e sua
posterior implementação, e assim, juntaram-se à FOIRN e ao ILMD/Fiocruz outras instituições como:
Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV/ Fiocruz; Distrito Sanitário Especial Indígena
do Alto Rio Negro – DSEI/ ARN/ SESAI/ MS; Secretaria de Estado de Educação e Qualidade do
Ensino – SEDUC, através de Gerência de Educação Escolar Indígena – GEEI; Prefeitura Municipal de
São Gabriel da Cachoeira (Secretaria Municipal de Educação e Cultura e Secretaria Municipal de
Saúde).
Para a elaboração curricular utilizou-se o Referencial Curricular para Curso Técnico de Agentes
Comunitários de Saúde (MS/MEC, 2004) e os princípios da Educação Escolar Indígena. Do ponto de
vista do perfil profissional dos AIS, refletiu-se que esse trabalhador, inserido na equipe multiprofissional
de saúde indígena, desenvolve ações de promoção e vigilância à saúde, tendo por objetivo compreender
modos de vida dos grupos sociais e as formas diversificadas de expressão do processo saúde-doença,
buscando intervir nos condicionantes e determinantes desse processo. Dessa forma, se elaborou o plano
de curso de Técnico de Agentes
Comunitários Indígenas de Saúde
(CTACIS) articulado à elevação da
escolaridade ao nível médio, concluída em
março de 2010.
O curso, voltado para os AIS contratados pelo
DSEI-ARN e PACS, funciona com 5 Pólos de
formação, levando em consideração o
pertencimento lingüístico e étnico: 1) Pólo Rio Mapa do Rio Negro, abrangência do Curso de
formação
www.foirn.org.br
Negro Acima, Baixo Rio Içana e Rio Xié; 2) Pólo Rio Negro abaixo, Santa Isabel do Rio Negro e
Barcelos; 3) Pólo Rio Médio e Alto Rio Içana e afluentes; 4) Pólo Baixo Rio Waupés e Rio Tiquié; e, 5)
Pólo Médio e Alto Rio Waupés e Rio Papuri. E está organizado em três etapas formativas, totalizando
1440 h/aula, realizadas em momentos presenciais e atividades de prática profissional nas comunidades.
Atualmente, estamos finalizando a segunda etapa formativa, com previsão de conclusão do curso no
primeiro semestre de 2015.
Do ponto de vista da profissionalização em saúde,
busca-se a constante articulação com os profissionais
e gestores do DSEI-ARN/Sesai, na construção e
fortalecimento das atribuições do AIS na equipe
multiprofissional no modelo de atenção primária
preconizado para a saúde indígena. Nesse sentido,
consideramos que se tem ampliado o potencial de
atuação dos AIS nas suas comunidades, com o
ensino de técnicas e conhecimentos relacionados à: a) saúde da criança, no acompanhamento alimentar e
nutricional, vacinação e a prevenção e atendimento às doenças prevalentes; b) saúde da mulher, no
acompanhamento do pré-natal, parto e puerpério, orientações sobre a prevenção do câncer de colo de
útero e planejamento familiar; c) saúde bucal, nas orientações de alimentação e higienização oral,
doenças prevalentes; d) saúde do adulto, no controle e prevenção da Hipertensão e do Diabetes,
vigilância e controle de doenças transmissíveis; e) Vigilância ambiental, com produção de mapas,
controle de água, lixos e dejetos; f) Vigilância epidemiológica e sistemas de informação; entre outros
assuntos.
No desenvolvimento das atividades didáticas, busca-se o estabelecimento de relações de ensino-
aprendizado pautadas pela pesquisa e pela valorização
da cultura pela articulação de conhecimentos do
campo da saúde pública com os saberes, práticas e
modos de vida próprios às culturas indígenas.
Como experiência piloto e pioneira de formação
técnica de AIS no país, o curso também foi entendido
como capaz de gerar um modelo de formação para
AIS, a ser utilizado – com as devidas adaptações às
diversas realidades culturais – em outras regiões do
Amazonas ou do país.
ACIS em formação apresentam trabalho durante o curso. Foto: Sully S.
O curso, voltado para os AIS contratados pelo DSEI-‐ARN e PACS, funciona com 5 Pólos de formação, levando em consideração o pertencimento lingüístico e étnico: 1) Pólo Rio Negro Acima, Baixo Rio Içana e Rio Xié; 2) Pólo Rio Negro abaixo, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos; 3) Pólo Rio Médio e Alto Rio Içana e a]luentes; 4) Pólo Baixo Rio Waupés e Rio Tiquié; e, 5) Pólo Médio e Alto Rio Waupés e Rio Papuri. E está organizado em três etapas formativas, totalizando 1.440 h/aula, realizadas em momentos presenciais e atividades de prática pro]issional nas c omun idades . A tua lmen te , e s t amos ]inalizando a segunda etapa formativa, com previsão de conclusão do curso no primeiro semestre de 2015.
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Escolas Indígenas: Desafios Linguísticos !Por: Kristine Stenzel e Nathalie Vlcek
Demandas e desafios !Uma das discussões mais importantes para as escolas indígenas é a da valorização da diversidade de línguas e o papel que estas devem desempenhar no âmbito escolar. A Referência Curricular Nacional para as Escolas Indígenas1 afirma o direito ao uso das línguas indígenas como línguas de instrução oral e escrita e estabelece a inclusão destas como objeto de estudo no currículo. O intuito destas diretrizes é assegurar os direitos linguísticos aos índios, atribuindo prestígio às suas línguas e fortalecendo seu uso nas formas tanto escrita como oral. !Entre os ideais destas diretrizes e a realidade da maioria das escolas indígenas, no entanto, a distância é enorme; e para caminhar na direção de implementá- las concretamente nas escolas, as comunidades muitas vezes demandam a colaboração de linguistas. Para ilustrar alguns desafios que já presenciamos, falaremos brevemente sobre nossas experiências com as comunidades Kotiria (Wanano), Wa’ikhana (Piratapuyo) e Tuyuka, sobre três demandas fundamentais relacionadas à questão linguística: o desenvolvimento ou reformulação de ortografias, a produção de materiais didáticos nas línguas e a implementação de estratégias de valorização da oralidade. !Ortografias, materiais escritos e documentais !Desde os primeiros encontros e oficinas com as comunidades Kotiria e Wa’ikhana, a questão do desenvolvimento de ortografias práticas foi colocada como prioridade. No caso dos Wa’ikhana, não havia proposta ortográfica existente, mas algumas pessoas conheciam a ortografia proposta para a língua Tukano. Já para a língua Kotiria, uma proposta ortográfica havia sido feita por linguistas missionários na década de 80. Esta ortografia refletia convenções ortográficas adotadas do espanhol (seu objetivo principal sendo o de facilitar o processo de letramento na língua nacional), e tinha sido mais utilizada nas comunidades Kotiria colombianas do que nas comunidades no Brasil.
Os professores da escola Khumuno Wʉ’ʉ Kotiria, que estavam se formando na época na comunidade de Carurú Cachoeira, queriam discutir esta proposta, conhecida por alguns, mas não utilizada de forma geral, para poder avaliar possíveis modificações. !Com ambas as comunidades, adotou-se uma metodologia de trabalho que casava atividades de análise da língua (principalmente os sistemas fonológicos - sons distintivos da língua - e de composição das palavras) com atividades práticas de escrita. No primeiro momento, a partir de atividades de escrita, levantamos dúvidas que serviam para nortear as atividades de análise. E com base nestas análises, feitas em conjunto durante as oficinas, propusemos soluções a serem testadas e avaliadas em novas atividades práticas. Esta metodologia circular e acumulativa, em que o estudo e a prática alimentam e reforçam um ao outro, permite que as questões fiquem mais claras para aqueles que efetivamente usam a ortografia, e valorize as decisões tomadas, testadas e avaliadas coletivamente. Apostamos em propostas ortográficas de autoria compartilhada, que refletem e incorporam o conhecimento linguístico dos falantes e que respeitam as suas decisões como usuários, mas reconhecemos que é uma metodologia que exige um investimento de tempo e certa dose de paciência da parte de todos, pois conhecer, praticar e avaliar são atos de cultivo, cujos frutos demoram a brotar e amadurecer. !Quando chegamos à escola diferenciada Tuyuka, em que já havia uma ortografia bastante difundida e funcional, encontramos frutos já bastante amadurecidos. Nossos esforços se voltaram, portanto, para a produção de materiais didáticos na língua. A partir de um projeto de dicionários temáticos, cujos temas e estrutura foram discutidos por toda a comunidade, alunos e professores da escola se envolveram na pesquisa com conhecedores e membros de outras comunidades, a fim de aprofundar o conhecimento que possuíam de sua própria cultura. Apesar de grande parte dos esforços do dicionário terem se voltado para registro de áudio e imagens, valorizando a l íngua viva em sua si tuação contextualizada de uso, diversas questões adormecidas da ortografia vieram à tona. Uma delas é o reconhecimento da impossibilidade de se ter uma ortografia única que reproduza a fala, já que a fala é variável e a ortografia possui um alto nível de neutralização destas variações. Outra questão é de se encontrar o equilíbrio entre a representatividade de detalhes da fala e um nível de abstração que torna a ortografia mais econômica e confortável de usar (basta perguntar para si mesmo se prefere escrever com vários acentos em cada palavra ou omitir aqueles que não são necessários para entender). Desta forma, o trabalho do linguista em parceria com a comunidade deve ser compreendido como uma atividade cíclica de troca de conhecimentos, em que o investimento em um produto gera a demanda de outros.
Análise da língua Kotiria durante a Oficina Linguística-Pedagógica em maio de 2002, Carurú Cachoeira, Alto Uaupés / Foto: Kristine
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Avaliação e revisão fazem parte deste processo, não só porque a língua é viva, mas também porque quanto mais nos debruçamos sobre ela, mais questões enxergamos. Assim, por exemplo, enquanto a ortografia possibilita grande parte da produção de materiais didáticos, este mesmo trabalho de produção tende a gerar novas discussões que podem afetar o acordo ortográfico. !Sempre tentamos trabalhar também em parceria com pedagogos e antropólogos na produção de materiais de natureza didática. Sendo estas praticamente inexistentes para a maioria dos grupos, as demandas são muitas, e incluem desde ferramentas de apoio a alfabetização na língua (cartilhas e livros de leitura e prática graduadas) até recursos de referência mais geral, como dicionários e gramáticas pedagógicas. Tais recursos reforçam e valorizam, sobretudo, a modalidade escrita em desenvolvimento, que reconhecemos ser uma ferramenta que contribui para a valorização e fortalecimento das línguas. !No entanto, não devemos esquecer que a vitalidade de qualquer língua, em último caso, não depende desta modalidade, e sim da sua transmissão e uso como meio de comunicação oral. Como linguistas sempre “batemos nesta tecla”, pensando em estratégias e promovendo atividades que reforçam e valorizam a oralidade, além de investir na produção de materiais documentais multimídia, uma das demandas prioritárias atuais. !Cada vez mais presentes nas pesquisas linguísticas e altamente valorizados pelas comunidades indígenas, materiais documentais capturam e refletem a relação íntima entre língua e cultura, retratam o uso da língua em vários contextos, e permitem o registro da beleza das artes verbais e da riqueza da literatura oral. Em uma única oficina sobre documentação multimídia em São Pedro, centro da escola Tuyuka, um simples exercício de transcrição de um vídeo levou a discussão do tema da dança tradicional, que acabou motivando uma festa em que muitos destes costumes foram revividos por seus membros e registrados pela equipe. Esta riqueza é possível porque nos projetos documentais que buscamos desenvolver com as comunidades Kotiria, Wa’ikhana e Tuyuka, os temas de pesquisa são auto-determinados pelos membros e as atividades são desenvolvidas por equipes de pesquisadores indígenas, seguindo um modelo de pesquisa colaborativa. Mas para o professor, assim como para o linguista, não basta apenas os projetos existirem. Estes precisam ser armazenados em um acervo, para que futuros alunos o utilizem como pesquisa e para que a escola possua um registro de suas atividades. Mesmo existindo hoje muitos mecanismos de armazenamento de dados multimídia, ainda é difícil em locais com acesso a internet remoto ou inexistente. !
Dito isto, começa a ser compreensível que o sistema de avaliação das e nas escolas tenha a escrita como premissa, já que esta é uma forma barata e prática de documentar, transportar e armazenar conclusões de trabalhos e projetos. !Porém, devemos reconhecer que a maioria das culturas indígenas amazônicas possui gêneros de fala próprios da oralidade e possuem uma tradição oral muito mais antiga e enraizada do que a escrita. Desta forma, pré-estabelecer a escrita como ponto de partida para a documentação ou avaliação das atividades escolares é levar a este espaço um pressuposto da escolarização da cultura branca, impondo determinadas estratégias discursivas que não são comuns a línguas de tradição oral, como conjunções para manter a coesão em um texto em que ambos falante e ouvinte estejam afastados dos fatos de que falam. Além disso, precisamos nos atentar para o fato de que muitas destas línguas estão ameaçadas e um dos papeis da escola é fortalecer e criar registros delas, visto que a mudança linguística alem de inevitável, pode muitas vezes ser acelerada em situações de desequilíbrio entre línguas dominante e minoritária. Assim, mecanismos de filmagem e gravação de som e vídeo de trabalhos produzidos pelos falantes não só são documentos duradouros e transportáveis das avaliações escolares, mas também são uma forma de gerar acervos destas línguas como efetivamente usadas por seus falantes. !Investimentos !Gostaríamos de fechar essa breve discussão (de um tema que é, de fato, bastante abrangente!) lembrando que o grau de investimento — tempo, recursos e trabalho — necessário para atender às demandas mencionadas é bastante elevado. É importante reconhecer a complexidade inerente a qualquer língua humana e o estudo profundo necessário para compreendê-la. É igualmente importante lembrar que trabalhos colaborativos interculturais também são complexos, exigem paciência e investimento de todas as partes para que relações de confiança e entendimento possam ser construídas. Por isso, acreditamos que materiais e produtos de qualidade não podem ser feitos às pressas, e que as preocupações linguísticas das escolas indígenas e as demandas apresentadas só poderão ser bem atendidas com dedicação, compromisso e investimento à altura.
Equipe de Documentação Wa’ikhana apreendendo a fazer filmagem, Iaua-retê, 2007. Foto: Kristine Stenzel
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Os Hupd’äh e a escola Participantes do Seminário de Educação Escolar Hupd’äh, realizado em abril de 2014, no igarapé Japu. Foto Ana Lima.
Por Lirian Ribeiro Monteiro – Instituto SocioambientalOs Hupd’äh costumam dizer que a educação Hup se inicia
desde o momento em que a criança recebe o nome de seu clã. Segundo eles, no momento do benzimento, o nome já traz todo o conhecimento que a criança irá desenvolver no decorrer de sua vida, tornando-‐a uma pessoa Hup, com todos os conhecimentos necessários para viver bem em seu território. Para essas pessoas o Náw Ibiy, traduzido para o conceito de ”viver bem”, está fortemente associado ao estar no interior da ]loresta, quando estão engajadas nas formas de consumo e de sociabilidade ligadas à caça e coleta. Contudo, atualmente, buscam aliar a vida no interior do mato com a vida em comunidades próximas aos seus vizinhos e patrões, da família linguística Tukano. O primeiro contato dos Hupd’äh
com a escola se deu a partir dos internatos salesianos, instalados na região do rio Negro nas primeiras décadas do século XX. No início dos anos 70, modelos salesianos de escola chegavam às comunidades ribeirinhas, levando muitas famílias Hupd’äh a se instalarem nas proximidades para que seus ]ilhos aprendessem o português e a religião católica com professores de outros grupos étnicos. Somente em 2005, com o inicio de um magistério voltado para as especi]icidades dos povos das etnias Hupd’äh, Yuhupdeh e Däw, se inicia o processo de contratação de 21 professores Hupd’äh pela Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira. Contudo, mesmo havendo uma demanda cada vez mais
crescente de alunos Hupd’äh, no primeiro semestre de 2014 a contratação de professores Hupd’äh foi reduzida a partir do edital para o Processo Seletivo Simpli]icado (PSS), lançado pela prefeitura de São Gabriel da Cachoeira.
O PSS desconsiderou as especi]icidades da educação escolar indígena, que garante a contratação de professores do mesmo grupo étnico dos alunos. A preocupação atual de professores e lideranças Hupd’äh
em relação à escola é como fazer com que a escola – no sentido indígena – incentive os conhecimentos que são produzidos em outros espaços, como na roça, em expedições
de caça e coletas de frutos, em rodas de ipadu, durante os rituais das ]lautas sagradas e dabucuris, pois percebem que os jovens de hoje estão perdendo o interesse no conhecimento de seus avós. Consideram de muita importância que o governo reconheça seus calendários especí]icos -‐ que contemplam as atividades cotidianas fora da escola – de forma a promover os diversos espaços de saberes em seus te r r i tór ios . Des tacam a importância no processo de letramento
das crianças Hupd’äh em sua própria língua e isso tem sido uma das principais demandas das comunidades Hupd’äh dos rios Tiquié, Papuri e igarapé Japu, com a solicitação de apoio da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados/Funai para a realização de o]icinas pedagógicas com a ]inalidade de produzir materiais didáticos e elaborar projetos políticos pedagógicos junto aos professores Hupd’äh. Salientam, também, o desejo em aprender sobre os conhecimentos de outros povos e que a escola tenha como objetivo o incentivo em seus próprios processos educacionais assim como no aprendizado de outros conhecimentos da sociedade envolvente, a partir de metodologias como o ensino via pesquisa.
“Segundo eles, no momento do benzimento, o nome já traz todo o conhecimento que a criança irá desenvolver no decorrer de sua vida, tornando-a uma pessoa
Hup, com todos os conhecimentos necessários para
viver bem em seu território”
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Políticas do Estado e a Educação Escolar Indígena no alto rio NegroLaise Lopes Diniz – antropóloga do Instituto Socioambiental
A implantação de políticas públicas para a educação escolar indígena, não podem ser assumidas como solucionadas pela a de]inição das leis de educação no Brasil , se não for acompanhadas de programas e acompanhamento real da aplicação de recursos públicos. Desde 1993, o MEC através do Comitê de Educação Escolar Indígena, elaborou as Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, que orientou os sistemas de ensino, tal como o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998), os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas (2002), e, também o Programa Parâmetros em Ação de Educação Escolar Indígena, que integram o conjunto de documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais em Ação, implementado pelo MEC. É fato que o ]inanciamento especí]ico à
educação escolar indígena passou a ser uma ação do governo, de modo gradativo e diversi]icado, concentrado primeiro na formação de professores e paralelamente com o apoio à publicação de materiais didáticos (Cf. MEC, 1998). Inicialmente vo l tada a in i c i a t ivas coordenadas por o r g a n i z a ç õ e s n ã o -‐ g o v e r n a m e n t a i s , posteriormente as universidades federais que assumiram os programas de formação de professores e de edição de materiais didáticos. O MEC então estimulou a criação de núcleos de
educação escolar indígena nas Secretarias Municipais e Estaduais de Educação e propôs que os setores se responsabilizassem pela elaboração de propostas que atendessem à diversidade dos povos indígenas nos estados e municípios brasileiros. O objetivo era que os sistemas de ensino
municipal e estadual assumissem a criação de programas de formação de professores e linhas de publicação para os povos indígenas, sendo que o recurso deveria sair das próprias secretarias, o que provocou uma reação de resistência das secretarias, tanto municipal quanto estadual, pois estas a]irmam categoricamente que não seria possível desenvolver as atividades necessárias ao desenvolvimento da educação escolar indígena sem a criação de uma linha de ]inanciamento especí]ico.
!Há o que se comemorar. Existem avanços e
conquistas a partir da década de 70 em diante em relação à educação escolar indígena, com o reconhecimento dos direitos de uma educação que considere os direitos da diversidade étnica. Entretanto, o que se pode comemorar com as conquistas em leis, não se pode comemorar com as ações implantadas. Infelizmente, os programas de formações de
professores e o investimento ]inanceiro referente às escolas indígenas ]icam à mercê da vontade de cada gestor que assume o MEC e as Secretarias Estaduais e Municipais, quem decide se a educação escolar indígena é ou não é uma linha de ação, apesar de existirem as leis. As políticas públicas não alcançam a população indígena. As lideranças e professores indígenas do alto
rio Negro apontam que os gestores do Estado do Amazonas e do município de São Gabriel da Cachoeira, responsáveis pelo ensino médio e pelo ensino fundamental, respectivamente, apesar de receberem recursos ]inanceiros (Fundeb e outros) para o desenvolvimento da formação de professores e implantação de políticas especí]ica às escolas indígenas; não estão preparados para o cumprimento dessas ações ou desconhecem as especi]icidades e demandas da educação escolar indígena. É fato, as comunidades que desenvolvem
diretrizes da educação escolar indígena diferenciada só o ]izeram através da obtenção de apoio de instituições não governamentais, com projetos próprios e não via o ]inanciamento por parte do Estado. No cenário atual, além da falta de recursos ]inanceiros, há também a falta de recursos humanos quali]icados no atendimento do sistema de ensino, dado a grande rotatividade dos pro]issionais ou a baixa formação técnica, o que provoca o total descompasso entre o que é de]inido por lei e as práticas da educação escolar indígena no estado e no município. Como mostra a fala do professor Tuyuka: !
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Acesse: federacaodasorganizacoesindigenasdorionegro
Futebol comunidade Tunuí Cachoeira / Foto: Laise Diniz /ISA
As concepções sobre a educação escolar indígena divergem de acordo com a posição dos atores – indígenas e governo. Mesmo com a formulação de propostas de políticas diferenciadas para os indígenas, destacando-‐se as leis que reforçam a diversidade étnica e cultural na Constituição de 1988, a concepção das políticas de inclusão sobrepõe-‐se às políticas de educação escolar indígena. A leitura da legislação normalmente realizada pelos governos municipais e estaduais é de garantir a oferta de escola com acesso a todos, garantindo o direito à equidade e não à construção de um programa de ensino que garanta o direito à diversidade, no caso a educação escolar indígena diferenciada. As propostas educacionais desenvolvidas nas
escolas Tuyuka e Baniwa inspiraram um outro modelo educacional, comprovando que era possível fazer uma educação escolar de qualidade, sob a gestão dos próprios indígenas e valorizando parcer ias . I sso provocou uma mudança fundamenta l toda a reg ião : as esco las originalmente missionárias e geridas pela Diocese do rio Negro passaram a ser coordenadas pelos indígenas, ao passo que muitas comunidades decidiram fazer suas próprias escolas. Essas experiências escolares propuseram
rupturas e reformas na política escolar desenvolvida pelo Estado brasileiro, totalmente
“Temos o objetivo da nossa escola descrito no PPP, e a escola Tuyuka persiste em manter o que foi de;inido no nosso PPP, apesar da Semec fazer política contrária e desconsiderar o que já foi aprovado. Na Semec é desse jeito, muda secretário e cada um quer de um jeito, mas o povo Tuyuka sabe o que quer, e não vai mudar de acordo com a vontade da gerência da secretaria”. (Entrevista Professor Alexandre Resende, Tuyuka, Comunidade São Pedro/alto rio Tiquié, 2012).
das tradições indígenas. Um dos preceitos fundamentais da escola é o acesso à cultura letrada, o que se faz não através de uma via espontânea, mas sim por meio de um processo sistematizado que ordena as rotinas de ensino-‐aprendizado. Conteúdos de outra ordem, como as tradições indígenas, são entendidos como processos educacionais secundários e não como papel fundamental da escola (SAVIANI, 1991). É certo a]irmar que as escolas Baniwa e Tuyuka
não rompem completamente com o modelo da escola moderna. Apesar de todo o esforço destes povos para desenvolver um ensino que não se restrinja aos paradigmas escolares convencionais, desde reformulação do conteúdo programático do currículo nacional e da de]inição de metodologias de ensino e objetivos mais adequados de formação. Contudo, estes povos indígenas (Tuyuka e Baniwa) fazem outros usos da escola, que por isso se intitulam de “diferenciada”. Priorizam outros valores, entre os quais a ênfase que dão à escola como um espaço de reunião entre saberes de dois mundos, caracterizando o que seria um ensino intercultural , que faz convergir conhecimentos diferentes ao que interessa à população, segundo suas potencialidades de serem úteis na lide com questões atuais. O processo desenvolvido nas escolas Tuyuka e
Baniwa é uma revisão do modelo da escola formal, podendo contribuir para a renovação dos processos pedagógicos num sentido amplo e colaborar para a reformulação dos processos pedagógicos aprisionados na instituição escolar convencional. Promove uma nova forma de organização escolar e se afasta do modelo ocidental quando abre espaço para os mais velhos, pais e lideranças de]inirem os parâmetros na formação dos jovens alunos, o que, no contexto atual, con]igura-‐se na constituição de novos sujeitos. Tanto os Tuyuka quanto os Baniwa consideram que a formação ofertada em suas escolas é de melhor qualidade e que seus jovens estão mais bem quali]icados para desenvolver atividades demandadas de suas comunidades.
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Os desafios e a ampliação das parcerias das escolas Yuhup Por: Pedro Lolli –USP e Henrique Junio Felipe – UFSCar
No contexto atual as escolas yuhup não têm funcionado nem no modelo tradicional, espelho das escolas rurais brasileiras, nem no modelo diferenciado, que vem sendo construído pelo movimento indígena da região. Em lugar disso, as escolas até pouco tempo estavam sob a assessoria de uma ONG formada por missionários evangélicos e católicos, cujo modelo pedagógico não era claro. A decisão da maior parte das comunidades yuhup, de interromper a parceria com a ONG, trouxe um novo cenário com desafios específicos em torno da construção de um projeto de escola. Sem dúvida, a criação de um departamento específico dentro da FUNAI em São Gabriel para apoiar os povos Maku foi fundamental para que a associação das escolas yuhup – mas também escolas hup e dow – encontrasse respaldo institucional para os desafios assumidos. O apoio de antropólogos que trabalham com essas comunidades também teve sua contribuição nesse processo.
Em meados de 2013, uma equipe técnica da FUNAI formada por Sirlene Bendazolli (CGPC/FUNAI) e Fernanda Nunes de Araujo Fonseca (CRRN/FUNAI) realizaram viagem às comunidades yuhup e hup para fazer uma avaliação pedagógica resultando no relatório “Diagnóstico da Educação Escolar Indígena entre os Povos Hupd’äh e Yuhupdeh do rio Tiquié”.
Ainda no segundo semestre de 2013, foi realizada a 1a Oficina Pedagógica da AECIPY (Associação das Escolas e Comunidades Indígenas do Povo Yuhupdeh) que contou com a assessoria dos antropólogos Henrique Junio Felipe e Pedro Lolli.
As discussões realizadas entre comunidades indígenas, indigenistas e antropólogos têm revelado a preocupação com o movimento de escolarização referente ao povo de língua yuhup e a necessidade de maiores discussões a respeito face à sua conhecida especificidade dentro do sistema social do Alto Rio Negro. Também ressaltou-se a necessidade da construção física das escolas, já que na maior parte das comunidades é utilizada uma casa improvisada.
Outro ponto destacado se relaciona à consolidação de um projeto político pedagógico de uma escola diferenciada a partir do que já foi realizado pela associação das escolas yuhup. Além disso, coloca-se também como desafios prementes: a decisão do que ensinar e em que ciclo, a elaboração de materiais didáticos na língua, a consolidação de um método de alfabetização.
Ainda no final do ano de 2013 houve uma mobilização dos envolvidos para procurar uma aproximação maior com a FOIRN, já que esta tem vasta experiência em relação à construção de projetos na área de educação indígena. O intercâmbio entre a associação das escolas yuhup e a FOIRN é fundamental para a consolidação do projeto político pedagógico dessas escolas. O primeiro passo oficial dado nessa direção foi a inclusão das escolas yuhup no grande Seminário de Educação que ocorreu em toda região do Alto Rio Negro. O Seminário foi realizado no mês de abril de 2014 e teve como foco a discussão de estratégias para que os objetivos acima citados possam ser alcançados. Com isso a associação das escolas yuhup vêm ampliando suas parceiras no sentido de fortalecer suas ações em relação a consolidação de um projeto político pedagógico.
Grupo de Trabalho Yuhupdeh -‐ Semi-‐nário de Educação Escolar Hupdah e Yuhupdeh. / Foto: Lirian Monteiro/
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Escolas Indígenas: Construindo novas práticas educativas e pedagógicas Por Pe. Justino Sarmento Rezende1
Depois dos quinze anos de novas histórias da educação escolar dizemos que acumulamos muitas experiências positivas e também não tão positivas. Hoje já é possível dizer como e quando uma escola indígena funciona bem, o que impede o seu bom funcionamento e o que se deve fazer para melhorar. Antes disso não tínhamos referenciais para falar da educação escolar indígena.
Se alguém me perguntasse quais foram as maiores dificuldades eu apontaria algumas para que estejamos atentos e evitemos os mesmos erros: 1. No nível interno das comunidades indígenas: preconceitos ao novo modelo de educação escolar. 2. Dificuldades com as secretarias de educação, municipal e estadual, que não reconhecem nem legitimam os Projetos Políticos Pedagógicos, mesmo com amparo jurídico, com suas legislações de educação escolar indígena. 3. Nossa dependência (indígena) à pessoa do assessor externo e financiamento externo. As assessorias externas não indígenas parecem ter compromissos bem passageiros. Quando elas se vão deixam os indígenas com o ar de desânimo. Diante disso eu me pergunto: quem fazia tudo isso?
Faço ainda uma observação que eu vejo como muito importante: nós indígenas devemos aprender a trabalhar sem depender tanto de assessorias não indígenas. A assessoria externa não pode ser paternalista conosco, mas deve ser colaboradora ao nosso protagonismo no campo de educação escolar indígena e em outros setores de nossas vidas. Na construção de nossas histórias da educação escolar indígena devemos estar convencidos de que ela está lidando com os povos indígenas contemporâneos e preparando os indígenas para viverem nos tempos contemporâneos. Dois objetivos devem fazer parte da educação escolar indígena atual: cuidar de temas importantes para nossas vidas indígenas e trabalhar com temas importantes do mundo contemporâneo globalizado.
1. É do povo Tuyuka. É salesiano padre. Tem formação acadêmica: Filosofia, Teologia e mestrado em Educação [Linha de pesquisa: Diversida-de cultural e Educação Indígena; área de concentração: Formação de professores].
Foto: Aloísio Cabalzar/ISA
Amigo leitor e amiga leitora eu partilho com você uma importante história da educação escolar indígena no nosso município de São Gabriel da Cachoeira – Amazonas! No final da década de 1990 e início da década de 2000, vimos surgir novas políticas de educação escolar para crianças, adolescentes e jovens indígenas. Estou falando de duas escolas que marcaram essa nova história: Escola Tuyuka e Pamáali. A partir dessas duas escolas vimos o surgimento de muitas outras escolas. Temos que nos orgulhar dos trabalhos de todas essas escolas, de todos os membros das comunidades, dos sábios, sábias, dos professores, dos estudantes. Todos eles protagonizam até hoje essas novas histórias educacionais!
Essas escolas que surgiram mostram para nós mesmos, para nossa região, para o Brasil e para o mundo que é possível educar as crianças, adolescentes e jovens indígenas a partir da participação de todos os membros das comunidades desde o momento em que se pensa essa educação, na programação, execução e na avaliação. Mostram que os membros das comunidades são educadores-professores. Que as comunidades são espaços educativos. Que o cotidiano e eventos especiais dão ritmo ao novo modelo educacional. Que os ambientes, as pessoas, sábios, homens e mulheres são bibliotecas a serem pesquisados.
Essas escolas utilizam a metodologia de estudo ensino via pesquisa. Todos os membros das comunidades são responsáveis pela organização de conteúdos, pela transmissão de conhecimentos e pela educação prática. Assim fortaleceram as identidades e diferenças culturais. A política linguística ganha prioridade: falar, escrever e ler na sua própria língua. Outra política importante é de criar amor às nossas terras, desenvolver os trabalhos, pesquisas e implantar projetos de sustentabilidade. Ensinam também os conhecimentos da sociedade nacional para preparar os estudantes para serem cidadãos brasileiros que saibam falar a língua portuguesa e dominem outros conhecimentos.
Essas histórias da nova educação escolar contam com a participação das assessorias qualificadas não indígenas, financiamentos internacionais e nacionais. Foi importante a parceria construída entre a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), Instituto Socioambiental (ISA) e as Comunidades. Os resultados dessa educação foram tão marcantes em nossas histórias que repercutiram no entorno regional, nacional e internacional.
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Histórico do Projeto de Educação Indígena no alto rio Negro – ISA / FOIRN
O registro histórico do contato dos povos indígenas na região do Alto Rio Negro teve início no século XVII, com a chegada de comitivas do governo português, os registros revelam que os primeiros contatos resultaram na introdução de doenças infecciosas (gripe, sarampo e varíola) que dizimaram boa parte da população, assim como o registro da exploração da mão- de-obra indígena nas construções e na extração de produtos florestais.
É neste período que tem os primeiros registros de presença missionária (jesuítas, carmelitas e franciscanos), contudo a presença mais contundente foi no século XX com a instalação da missão salesiana, sendo que a presença mais efetiva se deu através da construção dos centros salesianos: São Gabriel da Cachoeira em 1915; Taracuá em 1923; Iauareté em 1929, Santa Isabel em 1942; Pari-Cachoeira em 1945 e Assunção do Içana em 1955. O objetivo principal destes centros era o trabalho de catequese, eram dotados de igreja, hospital, escola e internatos destinados a receber crianças e jovens entre 10/12 anos até 16/18 anos.
A missão salesiana foi responsável pela ampla difusão da escolarização na região do Alto e Médio Rio Negro. Como resultado até os dias de hoje a região possui um alto índice de alfabetização, quando comparado as demais populações indígenas. Este é certamente o ponto positivo apontado pelas lideranças indígenas sobre a presença dos missionários salesianos, contudo, não se pode deixar de registrar que a ação da missão salesiana por meio de internatos provocou o esvaziamento das comunidades, criação de grandes missões com concentração de muita gente para facilitar a atividade catequética e escolar, além de empenharem campanhas contra o uso das línguas maternas nos internatos, a prática de danças e rituais, a residência nas malocas (casas comunitárias), entre outros aspectos socioculturais, ou seja, ações contrárias ao modo de vida tradicional.
Porém, vale ressaltar, que na avaliação das lideranças dos povos indígenas do alto rio Negro a presença salesiana propiciou a aprendizagem sobre o “o mundo dos brancos”, e que tais conhecimentos foram fundamentais para a organização do movimento indígena e passou a ser uma importante ferramenta para a conquista e defesa dos direitos indígenas.
Na década de 70, através da Resolução n. 114 do Conselho Estadual de Educação (Diário Oficial de 27/01/1970) o Regimento Escolar da Unidade Educacional Dom Pedro Massa é aprovado, resultando que as escolas salesianas passaram a ser mistas e deixam de ser internatos. Deste modo, as escolas estavam sob o controle das irmãs da congregação Filhas de Maria Auxiliadora (irmãs salesianas), mas sob a fiscalização da Secretaria Estadual de Educação do estado do Amazonas.
A extinção dos internatos se deu principalmente pela política do governo brasileiro, que passou a investir nas secretarias de educação como responsáveis pela educação escolar em todo o território brasileiro. Tal ação obrigou aos salesianos a estabelecer uma nova estratégia para a oferta da educação escolar para as aldeias indígenas no Alto Rio Negro. A principal estratégia foi a criação de escolas nas aldeias católicas, com o objetivo principal de alfabetizar na língua portuguesa e ensinar as primeiras noções de matemática, sendo que os ex-alunos dos internatos passaram a atuar como professores.
Somente na década de 80 é que foi instituído o Órgão Municipal de Educação de São Gabriel da Cachoeira, vinculado a Prefeitura e responsável pela organização e administração do sistema escolar do Município. As escolas das aldeias indígenas passaram para a jurisdição municipal, entretanto as irmãs salesianas continuaram com a função de supervisoras escolares até o início dos anos 90. Todas as escolas de responsabilidade do município ministravam as quatro primeiras séries do ensino fundamental, em turmas multisseriadas.
Atualmente, as escolas salesianas estão registradas no Censo Escolar como escolas indígenas, e são conveniadas com a SEDUC-AM (Pari Cachoeira, Taracuá e Assunção do Içana, e a Escola de São Miguel em Iauaretê). A SEDUC-AM também possui convênio com o exército, onde estão instalados os pelotões de infantaria da selva (Querari, fronteira com a Colômbia; São Joaquim, no alto rio Içana e Cucuí, povoado que faz fronteira com a Colômbia e Venezuela).
Apesar de as comunidades receberem a educação escolar imposta pelo Estado, buscam adequar seus projetos de educação visando construir autonomia, gestão própria e poder de decisão, numa clara contraposição aos propósito do processo de colonização. As experiências de educação escolar indígena dos Baniwa e Coripaco e dos Tuyuka são referenciadas como propostas inovadoras, por marcarem uma ruptura político-pedagógica com o sistema educacional salesiano, apoiado pelo Estado.
Essas experiências não se prendem a modelos escolares convencionais, e permitem articular suas memórias histórico-discursivas com os conhecimentos de outros povos, que interessam à população, por serem úteis na lide com questões atuais. Um dos grandes avanços desta estratégia de educação escolar é o fato de possibilitar que a gestão administrativa e pedagógica possa ser exercida pelos próprios índios.
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O Instituto dos Conhecimentos Indígenas e Pesquisa do Rio Negro -‐ ICIPRN é uma proposta de formato institucional que tem como perspectiva constituir uma rede de conhecedores e pesquisadores indígenas e não indígenas, fomentando processos de produção e transmissão de conhecimentos e práticas para o manejo ambiental, gestão territorial e o “bem viver” na Amazônia.
O ICIPRN será um espaço acolhedor à diversidade cultural e linguística do rio Negro, propiciando condições para o fortalecimento da produção de conhecimentos dos povos do rio Negro e conexões com outras redes de conhecimento e pesquisa cientí]ica. Operará como uma rede, com núcleos regionais situados em diferentes partes da bacia do rio Negro, onde serão desenvolvidas pesquisas e realizadas etapas de formação dos pesquisadores indígenas. Em vários desses núcleos já existem escolas com nível médio.
O Instituto, junto ao Programa de Formação Avançada Indígena do Rio Negro, está em fase inicial de preparação, pretendendo iniciar com a primeira turma em 2016, com um grupo de trabalho operando em São Gabriel da Cachoeira, sob supervisão da FOIRN, e assessorado pelo ISA e em parceria
com Ministério da Educação e Ministério da Ciência e Tecnologia através da Centro de Gestão e Estudos Estratégicos/CGEE.
Essa formação será em áreas que contribuam para enfrentar os graves problemas das populações indígenas do rio Negro – êxodo das terras indígenas, erosão linguística, abandono de práticas e conhecimentos tradicionais. Inicialmente, a formação dará ênfase na gestão territorial e manejo ambiental e gestão territorial, economia indígena e línguas indígenas (o município de SG é o único que reconhece três línguas indígenas como coo]iciais).
Pretende-‐se que o Instituto se constituirá na forma de organização social conforme o disposto na Lei nº 9.637. Isso implica observar os critérios básicos de composição do conselho, entre os quais a participação, de representantes do poder público e de entidades da sociedade civil; e formalizar parceria com ministérios por meio de contrato de gestão.
O que queremos? !✴ Queremos curso superior que nos permita atuar
nas comunidades. ✴ O cidadão indígena deve ser capaz de melhorar sua
condição de vida comunitária social e econômica. ✴ Conhecimentos indígena e ocidental não indígena
devem trabalhar juntos: o diálogo intercultural deve ser o princípio de construção da proposta de formação;
✴ Que o ensino seja por meio de pesquisa e interdis-‐ciplinar.
✴ Que essa formação nos permita gerir de forma sus-‐tentável os recursos que temos na nossa região.
✴ Um desenho institucional aberto e ]lexível, como espaço aberto para gerar e apreender diversas ex-‐pectativas.
✴ Que alunos e formadores possam cursar ou ofere-‐cer cursos e o]icinas nas universidades parceiras e vice-‐versa.
✴ O ensino deve ser reconhecido legalmente e os alu-‐nos que concluírem essa formação possam ter cer-‐ti]icado reconhecido.
✴ Seguiremos o princípio de acolher a diversidade de calendários microrregionais, regionais e étnicos de toda região do rio Negro.
O que não queremos? ✴ Replicar o que já existe: não vamos fazer cursos su-‐
periores de disciplinas que já existem, por exemplo, Direito, Medicina, Antropologia, Biologia e outras.
✴ Competir com alternativas existentes: licenciatura intercultural; acesso diferenciado a universidades.
✴ Que seja somente numa língua e com predominân-‐cia do conhecimento cientí]ico.
✴ Estruturas burocratizadas.
Atividade de ensino e pesquisa na escola Yupuri -‐ rio Tiquié. Foto: Aloísio Cabalzar
Instituto dos Conhecimentos Indígenas e Pesquisa do Rio Negro - ICIPRN
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Publicações Rio Negro - educação
Objetivo: Atuar no controle social referente às po l í t i cas públ i cas munic ipa is estaduais e nacionais referentes à Educação Escolar Indígena no rio Negro e no Brasil. !Equipe:
Coordenador: Ivo Fontoura, mestre em antropologia, da etnia Tariana. ! !!!!!!!!!!!Técnico: Ismael Moreira; especialista em gestão escolar.
Departamento de Educação FOIRN
Editores: Ray Baniwa/SETCOM-‐FOIRN | Laise Diniz/ISA | Lirian Monteiro/ISA Textos: Ana Lúcia Pontes | Ivo Fontoura | JusGno Resende| KrisGne Stenzel| Laise Diniz| Lirian Monteiro| Luiza Garnelo| Nathalie Vlcek |Ray Benjamim | Sully Sampaio Fotos: Aloísio Cabalzar | Ana Lima | Carol da Riva | KrisGne Stenzel | Laise DIniz| Lirian Monteiro | Ray Benjamim | Sully Sampaio.
Wayurí Educação
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro -‐ FOIRN que re-‐presenta os 23 povos indígenas do rio Negro tem a missão de garantir os direitos indígenas diante do estado brasileiro conforme consta na constituição federal. Para efeitos práticos de acompanhamento, atua na questão do controle social das políticas publicas pertinentes a região do rio Negro -‐ área de abrangência da instituição. Dessa forma com rela-‐ção as atividades de atendimento a questão da educação nessa região a FOIRN criou um departamento de educação que acompanha a execução das instancias publicas quanto ao atendimento da oferta da educação escolar no município. E como na região 90% da população é indígena se preocupa na implantação e reconhecimento das escolas indígenas que é garantido pela Lei.
Por essa razão, como uma instancia de controle social durante os anos de 2013 e 2014 vem realizando consultas nas regiões de abrangência das cinco coordenadorias CABC, CAIARNX, CAIMBRN, COITUA e COIDI com o objetivo de realizar um diagnóstico sobre a atual situação do atendimento da oferta de educação em nível do município, sejam elas escolas municipais, estaduais e instituições de ensino superior que se encontram na região. Essas consultas vem sendo realizadas por meio dos seminários internos de educação escolar indígena onde participam estudantes, pais, lideranças indígenas, professores, coordenadores e gestores das escolas estaduais que conforme o decorrer da realização dos seminários foram apresentando os problemas que as escolas en-‐frentam na atualidade e as possíveis propostas que poderão contribuir na melhoria do atendimento na oferta de uma educação escolar indíge-‐na da forma como almejam a população indígena dessa região. Isto é, a ]inalidade também é de proporcionar a oferta de uma educação escolar indígena de qualidade e que realmente atenda as especi]icidades da região. Nesse sentido por meio do apoio da FUNAI a FOIRN hoje cons-‐trói subsídios para a elaboração de planos municipais, estaduais e fede-‐rais de educação por meio de informações levantadas durante os semi-‐nários e a serem apresentadas para as instituições de ensino por meio de relatórios resultantes de cada seminário interno. Já que as institui-‐ções públicas não conseguem atingir e percorrer toda região do rio ne-‐gro dada a sua dimensão territorial.