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“COMPENDIO DA OBRA DA RIQUEZA DAS NAÇÕES DE ADAM SMITH” (1811): A PRIMEIRA VERSÃO EM PORTUGUÊS DA OBRA
DE SMITH, POR BENTO DA SILVA LISBOA Mauricio C. Coutinho1
1. Introdução A primeira edição reconhecida em língua portuguesa da Riqueza das Nações, de Adam Smith, foi publicada em 1811, no Rio de Janeiro, pela Impressão Régia. Bento da Silva Lisboa, o tradutor do “Compendio da Obra da Riqueza das Nações de Adam Smith”, era filho de José da Silva Lisboa, intelectual e administrador colonial luso-‐brasileiro agregado por D. João ao núcleo da administração portuguesa em território colonial e, nesta condição, transferido de Salvador -‐ sua terra natal e de residência -‐ ao Rio de Janeiro. José da Silva Lisboa foi Censor Régio e o primeiro dirigente da Impressão Régia, que veio a publicar diversas obras suas e o Compendio traduzido por seu filho.2
José da Silva Lisboa, futuro barão e Visconde do Cairu, tornar-‐se-‐ia um personagem controverso na historiografia brasileira, em parte por sua anglofilia, porém, particularmente, por sua inarredável simpatia aos Bragança.3 Cairu foi um partidário incondicional de D. João e de seu filho, D. Pedro, a quem, antes do retorno a Portugal, apoiou incondicionalmente – como deputado, chegou a justificar o controvertido ato de dissolução da Assembléia Constituinte. O apoio aos Bragança renderia a Cairu uma irresistível ascensão política e social, valendo-‐lhe também a pecha de adesista e até mesmo bajulador. A má vontade, ou no mínimo contenção, dos mais autorizados historiadores brasileiros em relação à figura de Silva Lisboa pai, deve-‐se, sem dúvida, ao apoio franco a Pedro I e a D. João.
Malgrado os reparos a sua atuação política, o pioneirismo intelectual de José da Silva Lisboa foi amplamente reconhecido. No Brasil, ele é tido como precursor do liberalismo econômico, e sua vasta obra sobre temas econômicos e políticos tem merecido destaque.4 Também no Brasil, porém, especialmente, em Portugal, os estudiosos destacam o pioneirismo dos Princípios de Economia Política, publicado em Lisboa em 1804: se não o primeiro tratado abrangente e sistemático de economia política em língua portuguesa, Princípios foi uma obra pioneira na difusão da nova ciência, a começar pelo próprio título. Tanto nos Princípios quanto nas obras subsequentes, Silva Lisboa se caracterizaria como um entusiasmado defensor e difusor da doutrina de Adam Smith, a tal ponto que, se alguma qualificação definitiva lhe pode ser atribuída, é a de um smitheano confesso e ardente. Isso certamente explica o fato inusitado de termos a tradução
1 UNICAMP 2 Sobre José da Silva Lisboa, ver Rocha (2001) e Melchior (1959). 3 Na primeira linha dos historiadores críticos, Hollanda (1956) e Hollanda (1962). 4 Sobre o liberalismo de Silva Lisboa ver, entre outros, Paim (1968) e Moraes (1958).
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da Riqueza das Nações como um da primeiros empreendimentos da Impressão Régia instalada no Rio de Janeiro.5 Bento da Silva Lisboa, o filho de José, que viria a herdar do pai o título nobiliárquico de Barão de Cairu, exerceu um papel de destaque na política imperial brasileira. Foi em duas ocasiões (1832-‐1834 e 1846-‐47) Ministro das Relações Exteriores e, entre um episódio e outro, notabilizou-‐se por chefiar a missão diplomática enviada a Europa para negociar o matrimônio de Pedro II com Teresa Cristina de Bourbon-‐Duas Sicílias.
A atribuição a Bento Lisboa da tarefa de traduzir e compilar a Riqueza das Nações surpreende de imediato pela juventude do tradutor. Tendo nascido em 1793, Bento teria, quando do lançamento do Compendio da Obra da Riqueza das Nações de Adam Smith, escassos 19 anos. Se supusermos que uma tarefa a tal ponto extensa e apurada se estendeu por diversos meses, o tradutor a teria executado no entorno dos 18 anos. Embora não disponhamos de informações mais detalhadas e precisas sobre a formação intelectual e acadêmica de Bento Lisboa, a qualidade final do Compendio, e mesmo a informação, disposta nas primeiras páginas, de que se trata de um trabalho executado a partir do original inglês, indica no mínimo a elevada cultura e conhecimento das línguas portuguesa e inglesa do tradutor – para não falarmos na familiaridade com a temática da economia política. Enfim, louve-‐se a precocidade de Bento Lisboa ou acenda-‐se um sinal de alerta sobre a verdadeira autoria da tradução.
Acresce à dificuldade do exame da tradução de Bento Lisboa o fato de que se trata de um “Compêndio”, ou seja, de uma versão resumida. Se compactação e adaptação não representavam uma grande transgressão às práticas consagradas de tradução e difusão executadas do século XIX – ao contrário, tratava-‐se de padrões admissíveis de difusão intelectual -‐, a prática adiciona às atribuições do analista uma tarefa suplementar, que é exatamente a de aferir a natureza das supressões e/ou adaptações efetuadas. A edição de Bento Lisboa suprimiu o Livro V e compactou significativamente o texto dos livros I, II, III e IV da Riqueza das Nações, sob a seguinte justificativa:
“Abreviei-‐a porque hum Compendio de taes doutrinas na parte mais sólida, e applicavel a todos os Estados, contendo, por assim dizer, a pureza e energia do espirito do Author, faz mais suave a sua leitura, não sendo carregada de algumas discussões prolixas, em que Inglaterra mais especialmente interessa, ou que tem sido havidas por menos importantes, ou não bem demonstradas pela razão e experiência, que devem ser as duas guias e inseparaveis companheiras em discussões tão difficeis da organização social.”
Advirta-‐se que esta passagem é antecedida por um elogio às atividades de Garnier como difusor do liberalismo e da economia política, e a sua versão em francês da Riqueza das Nações. Bento Lisboa, como o pai, eram entusiastas de Garnier. Sabendo-‐se que a cultura luso-‐brasileira era francófila e francófona, a despeito do conflito aberto com a França e das intensas relações políticas e comerciais com a Inglaterra, torna-‐se muito recomendável o cotejo da tradução
5 Sobre a obra econômica de José da Silva Lisboa, ver Novais e Arruda (1999), Cardoso (2001), Almodovar (2001), Almodovar and Cardoso (1998).
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Bento Lisboa com a tradução Garnier – tarefa que, no entanto, não foi possível empreender nesta primeira inspeção do Compendio.
O presente texto é o relato das primeiras impressões obtidas da análise da tradução de Bento Lisboa. Advirta-‐se que os trabalhos estão apenas em seu início, tendo sido feita inspeção apenas da tradução do Livro I da Riqueza das Nações, afora a medida das compressões em relação aos quatro primeiros livros da obra original. O objetivo final, a ser perseguido paulatinamente, será a elaboração de um relato detalhado sobre a qualidade e as opções editoriais do Compendio, em toda sua extensão. Este relato detalhado terá que conter, além do aludido cotejo com a tradução Garnier, uma análise detida das idiossincrasias da tradução e da natureza das supressões nos quatro livros da Riqueza das Nações traduzidos e condensados por Bento Lisboa. De todo modo, uma primeira análise da qualidade da tradução e da natureza das supressões (e adições), no que se refere ao Livro I, foi intentada no presente trabalho.
Por outro lado, e especialmente em virtude da precocidade do tradutor e da elevada qualidade literária (e mesmo científica) do Compendio, a análise estrita da tradução virá a ser complementada por estudos adicionais em história intelectual luso-‐brasileira. Em especial, pretende-‐se qualificar o ambiente intelectual em Salvador e Rio de Janeiro na passagem do século XVIII ao XIX, com o propósito de aquilatar qual o acesso de Bento Lisboa, e mesmo de seu pai, à literatura e às discussões na vanguarda do pensamento científico europeu. José da Silva Lisboa foi um egresso de Coimbra, o que torna o entendimento de sua formação intelectual mais acessível. Bento, porém, não teve experiência européia em sua formação, o que introduz uma questão: sua cultura advém do ambiente intelectual de Salvador e do Rio de Janeiro (para onde se transferiu com o pai, em 1808), ou, de modo alternativo ou combinado, reflete a formação doméstica, sob a tutoria do pai? Insistindo sempre tratar-‐se de uma primeira e parcialíssima aproximação a uma tarefa que se antevê longa, eis estrutura do presente texto. Após a Introdução, a sessão 2 apresenta tabelas com a medida das supressões, capítulo a capítulo, nos quatro livros traduzidos por Bento Lisboa. A partir destas tabelas, aventam-‐se algumas alternativas de tratamento à tradução compactada de Bento Lisboa. A sessão 3 contém um relatório sobre as comparações, parágrafo a parágrafo, entre os 11 capítulos do Livro I de Wealth of Nations de Adam Smith (doravante WN) e o Compêndio de Bento Lisboa (doravante CRN). O objetivo do relatório é alinhar idiossincrasias da tradução e o caráter das compactações e supressões efetuadas. Finalmente, a sessão 4 apresenta um comentário bastante preliminar sobre a qualidade da tradução, bem como sobre as vicissitudes da opção de Bento Lisboa de, na compactação, haver suprimido boa parte das exemplificações, abundantes no original de Smith.
2. As supressões nos quatro livros: uma quantificação O objetivo foi medir o tamanho das compactações efetuadas por Bento Lisboa. A tarefa, executada com base em uma contagem do espaçamento
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(número de toques ou espaços tipográficos) em WN e CRN, tem o objetivo de mostrar os desvios em relação ao texto original, capítulo a capítulo.6 Procurei estabelecer ainda uma relação de equivalência entre o texto de Smith e o de Silva Lisboa, supondo trechos com tradução integral; vale dizer, sem supressões. O objetivo, nesse caso, foi o de corrigir a estimativa bruta dos desvios de tamanho com uma estimativa que levasse em consideração uma tradução integral; ou seja, corrigir por um estimador que considere os desvios de espaçamento produzidos pelo mero fato de se tratar de um texto transposto de um idioma a outro, pelo padrão Bento Lisboa.
Para nossos propósitos iniciais, as colunas que interessam das tabelas a seguir são, em cada livro da Riqueza das Nações, E (CRN/WN corr.) e G (Desvio corr.). Estas colunas indicam – feito o ajustamento para o padrão de tradução Bento Lisboa – a proporção do texto original que veio a ser transposta do inglês para o português (coluna E) e seu complemento, ou seja, o desvio ou proporção da compactação em relação a uma hipotética transposição integral (coluna G). Para efeitos de exemplificação, vemos que, para a totalidade do Livro I, Bento Lisboa transpôs 0,45 do texto original, ou suprimiu 55,3%. Atendo-‐nos à informação da coluna G, as maiores taxas de compressão estão nos capítulos I, X e XI, enquanto as maiores taxas de aproveitamento do original estão em II, VI e VII.
6 Um anexo metodológico da medida de extensão dos textos não foi incorporado à presente versão do trabalho, mas encontra-‐se à disposição dos leitores.
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LIVRO I A B C D E F G
CAPÍTULO CM LINHAS TOQUES CRN/WN CRN/WN corr. DESVIO DESVIO
corr.
I WN 119,7 287 18.214
0,34 0,33 66,4% 67,4% CRN 51,5 152 6.123
II WN 51,5 124 7.836
0,96 0,93 4,1% 6,9% CRN 63,2 186 7.514
III WN 61,6 148 9.373
0,86 0,84 13,9% 16,4% CRN 67,9 200 8.072
IV WN 89,9 216 13.679
0,54 0,53 45,9% 47,4% CRN 62,3 184 7.407
V WN 233,2 560 35.484
0,46 0,45 54,0% 55,3% CRN 137,4 405 16.335
VI WN 98,8 237 15.033
1,03 1,00 -2,7% 0,3% CRN 129,9 383 15.443
VII WN 127,5 306 19.400
0,93 0,90 7,3% 10,0% CRN 151,3 446 17.987
VIII WN 323,7 777 49.254
0,56 0,55 43,8% 45,4% CRN 232,9 687 27.688
IX WN 158,7 381 24.148
0,64 0,62 36,0% 37,9% CRN 130 384 15.455
X WN 624,1 1.498 94.963
0,37 0,36 62,9% 63,9% CRN 296,6 875 35.261
XI WN 1260,6 3.025 191.813
0,36 0,35 63,9% 64,9% CRN 582,7 1.719 69.274
TOTAL WN 479.197
0,46 0,45 54,0% 55,3% CRN 220.437
LIVRO II A B C D E F G
CAPÍTULO CENTÍMETROS LINHAS TOQUES CRN/WE CRN/WN corr. DESVIO DESVIO
corr.
INTR. WN 29,0 70 4.413
0,82 0,80 17,80% 20,20% CRN 30,5 90 3.627
I WN 108,0 259 16.433
0,77 0,75 22,75% 25,00% CRN 30,0 315 12.695
II WN 638,1 1.531 97.093
0,22 0,21 78,00% 78,64% CRN 50,5 530 21.359
III WN 279,6 671 42.544
0,56 0,54 44,49% 46,11% CRN 55,8 586 23.616
IV WN 128,8 309 19.598
0,95 0,92 4,79% 7,57% CRN 44,1 463 18.659
V WN 225,2 540 34.266
0,81 0,79 18,97% 21,33% CRN 65,6 689 27.767
TOTAL WN 214.348
0,50 0,49 49,74% 51,21% CRN 107.722
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LIVRO III A B C D D F G
CAPÍTULO CM LINHAS TOQUES CRN/WN CRN/WN corr. DESVIO DESVIO
corr.
I WN 68,7 165 10.453
0,89 0,87 10,6% 13,2% CRN 78,6 232 9.350
II WN 160,6 385 24.437
0,50 0,49 49,5% 51,0% CRN 103,7 306 12.332
III WN 149,0 358 22.672
0,47 0,46 53,1% 54,4% CRN 89,5 264 10.639
IV WN 366,4 879 55.751
0,25 0,25 74,7% 75,4% CRN 118,6 350 14.105
TOTAL WN 113.314
0,41 0,40 59,0% 60,2% CRN 46.426
LIVRO IV A B C D E F G
CAPÍTULO CENTÍMETROS LINHAS TOQUES CRN/WN CRN/WN corr. DESVIO DESVIO
corr.
INTRODUÇÃO WN 179,8 432 27.358 0,02
0,02
97,64%
97,71%
CRN 5,4 16 645
I WN 306,4 735 46.622 0,71
0,69
29,12%
31,18%
CRN 278,0 820 33.046
II WN 281,1 675 42.772 0,77
0,75
23,12%
25,36%
CRN 276,6 816 32.885 III PI
WN 221,0 530 33.627 0,17
0,17
82,50%
83,01%
CRN 49,5 146 5.884 III PII
WN 140,6 337 21.394 0,99
0,96
1,10%
3,98%
CRN 178,0 525 21.158 IV
WN 76,1 183 11.579 0,59
0,57
40,83%
42,56% CRN 57,6 170 6.851
V a
WN 258,8 621 39.379 0,38
0,37
62,24%
63,34% CRN 125,1 369 14.871
V b
WN 318,1 763 48.402 0,69
0,67
30,89%
32,91% CRN 281,4 830 33.449
VI
WN 159,1 382 24.209 0,30
0,29
70,37%
71,23% CRN 60,3 178 7.173
VII PI
WN 130,1 312 19.796 0,47
0,46
52,77%
54,15% CRN 78,6 232 9.350
VII P2
WN 370,2 888 56.330 0,16
0,15
84,05%
84,51% CRN 75,6 223 8.987
VII PIII
WN 738,9 1.773 112.431 0,16
0,15
84,37%
84,83% CRN 147,8 436 17.571
VIII
WN 292,2 701 44.461 0,20
0,20
79,61%
80,20% CRN 76,3 225 9.068
IX
WN 368,3 884 56.041 0,53
0,51
47,14%
48,68% CRN 249,2 735 29.621
TOTAL
WN 584.401 0,39
0,38
60,55%
61,70% CRN 230.556
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A mesma inspeção pode ser feita em todos os livros e capítulos. Talvez, em uma primeira aproximação, e para efeito de análise do conteúdo desprezado por Bento Lisboa, possa ser fixado o critério de inspeção mais cuidadosa dos capítulos com maiores valores na coluna G; por exemplo, proporções acima de 50%. Em outras palavras, como as exclusões também indicam um critério de relevância para o Compendio de Bento Lisboa, parece recomendável efetuar uma inspeção cuidadosa dos trechos e conteúdos deixados de lado, conferindo especial atenção aos capítulos mais compactados. Seguindo-‐se este critério, no Livro I seria recomendável efetuar uma análise atenta das supressões nos capítulos com valores elevados na coluna G: I (67,4%), V (55,3%), X (63,9%), XI (64,9%). A sessão 3 contém um acompanhamento mais detalhado das exclusões efetuadas por Bento Lisboa em todos os capítulos do Livro I. Em caráter preliminar, e a uma primeira inspeção, pode-‐se dizer que há duas modalidades típicas de exclusões. A primeira diz respeito à enumeração ou antecipação de conteúdo a ser apresentado em sequência. O texto de Adam Smith recorre frequentemente a sínteses ou condensações do que foi exposto, assim como a breves antecipações ou anúncios do que está por vir. Por exemplo, em Introduction and Plan of the Work, Smith anuncia o propósito dos Livros I, II, III, IV e V, nos parágrafos 5 a 9. Os parágrafos 1 a 4, que apresentam princípios básicos, foram traduzidos quase integralmente por Bento Lisboa. Os demais, receberam uma drástica compactação, na qual foi suprimido integralmente o sumário do conteúdo dos cinco livros que compõem a obra, presente na Introdução de Wealth of Nations. A segunda modalidade típica de exclusão diz respeito às exemplificações. Como se sabe, o texto de Smith é pródigo em ilustrações e exemplificações, especialmente as que tomam como referência países e povos diversos, assim como períodos recentes e remotos da história. Bento Lisboa aproveita poucas ilustrações, seja porque elas não lhe parecem cruciais à exposição do núcleo teórico da Riqueza das Nações (conforme exposto na Introdução acima), seja porque remetem a temas e situações considerados menos relevantes ao mundo luso-‐brasileiro, ou, quem sabe, desnecessários ao leitor de língua portuguesa. Por exemplo, o capítulo XI do Livro I, que trata da renda da terra, tem na versão de 1811 uma elevada taxa de compactação. Neste capítulo, Smith estende-‐se em ilustrações variadas e valiosas sobre mineração, renda das minas, metais preciosos, muito pouco aproveitadas por Bento Lisboa. Do mesmo modo, as detalhadas descrições do sistema monetário inglês foram sistematicamente deixadas de lado. Tanto os numerosos parágrafos sobre renda das minas e metais, como as descrições da evolução do sistema monetário inglês, complementam e dão sentido a um capítulo – o XI do Livro I -‐ que é extremamente complexo, do ponto de vista teórico. Naturalmente, as complexidades e, em certa medida, o próprio sentido do capítulo, são perdidos (ou aparecem como remanescentes tênues) na versão Bento Lisboa. Uma possibilidade de abordagem alternativa ou complementar à das exclusões, acima apresentada, consistiria na identificação de tópicos supostamente sensíveis – ou, ao contrário, desinteressantes – ao tradutor.
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Partiríamos então dos temas e questões caros ao tradutor, para verificar em que medida eles sobressaem na tradução. Um exemplo: ao tratar de profissões e atividades que, a despeito do elevado treinamento, rendem pouco aos que as exercem, Smith se refere ao ministério religioso e utiliza como ilustração a formação profissional de curas no anglicanismo britânico. Estas passagens estão escassamente transpostas no Compendio. Bento Lisboa pode tê-‐las considerado irrelevantes ao leitor católico, ou ainda sensíveis ou perigosas. Lembremos que o tratamento dado por Smith à igreja e à religião, embora longe de desrespeitoso, é razoavelmente livre, situando-‐se a léguas de distância daquele adequado ou habitual ao padrão lusitano. Em suma, há temas que convém a Bento Lisboa ressaltar e outros que lhe convém omitir. O problema deste tipo de abordagem é a dificuldade em organizar-‐se uma tabela de temas sensíveis – os importantes e os desaconselháveis -‐, em função de desconhecermos as inclinações e preferências de Bento. Teríamos, possivelmente, que nos orientar pelas inclinações de seu pai, que são muito bem conhecidas a partir dos inúmeros textos publicados. Embora esta não deixe de ser uma abordagem sujeita a erros e ao viés das eventuais diferenças entre pai e filho, algumas preferências de Bento são bem coincidentes com as preocupações de José e, portanto, sintomáticas. Por exemplo, o Compendio dá destaque e transcreve de modo quase sempre literal passagens associadas a qualificação por educação, elogio à indústria (no sentido de trabalho eficiente), papel especial da agricultura alimentar (no capítulo sobre renda da terra), inconveniência de se tolher a mobilidade da mão-‐de-‐obra e dos capitais. Sabemos que estes são temas caros a José da Silva Lisboa. Poder-‐se-‐ia, assim, organizar uma lista de temas recorrentes em obras de José da Silva Lisboa anteriores a, e/ou coincidentes com, a publicação do Compendio, especialmente Princípios de Economia Política (Lisboa, 1804), Observações sobre o comércio franco no Brasil (Lisboa, 1808-‐1809) e Observações sobre a franqueza da indústria e estabelecimento de fabricas no Brazil (Lisboa, 1810). Ressalto que, embora este critério esteja de certo modo subjacente à inspeção relatada na sessão 3, uma especificação destacada de temas e questões relevantes a José da Silva Lisboa não foi explicitada, ou adiantada, à comparação.
3. O livro I capítulo a capítulo: Wealth of Nations versus Compendio da Obra da Riqueza das Nações de Adam Smith, por Bento Lisboa. Na descrição, capítulo a capítulo, procurei estar atento aos usos do tradutor, a fórmulas de tradução especialmente sugestivas, problemáticas ou mesmo flutuantes, e às supressões. Antecipo que o guia da comparação é a numeração de parágrafos da Wealth of Nations. A paragrafação de Bento Lisboa não é um bom guia porque, mesmo quando a tradução é integral, difere da paragrafação adotada em WN. Esta diferença tornou as comparações e a busca de supressões (e eventuais acréscimos) especialmente trabalhosas.
LI – Introdução e plano do trabalho
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Fórmulas de tradução: ‘annual supply’ por ‘annual suprimento’ ‘conveniencies of life’ por ‘comodo da vida’ ‘workman’ por ‘obreiro’ ‘quantity of capital stock’ por ‘fundo capital’ ‘revenue’ por ‘redito’ Uma compactação esperada deve vir do fato de que AS descreve em parágrafos concisos o conteúdo dos cinco livros de sua obra, enquanto CRN não incorpora o Livro V, que trata da receita e despesa pública. Sempre tomando como referência a paragrafação de WN, o que se pode destacar é: Par. 3 e 4 de WN – em CRN há fusão e compactação. Par. 5, no qual AS diz qual o objeto do Livro I – é suprimido. Par. 6, adaptado. BL ressalta que o trabalho produtivo é função da quantidade de capital: ‘The number of useful and productive labourers, it will hereafter appear, is everywhere in proportion do the quantity of capital stock which is employed in setting them to work, and to the particular way in which it is so employed’ (e segue-‐se o propósito do Livro II) ‘Mostrar-‐se-‐há no decurso desta Obra que o numero dos trabalhadores productivos e úteis se proporciona, em toda a parte, á quantidade do fundo capital, que he empregado em lhe dar obra’. No par. 7, AS expõe qual será o conteúdo do LIII – a ‘policy’. O primeiro período – ‘Nations tolerably well advanced as to…’ está equivalente. Segue-‐se: ‘The policy of some nations has given extraordinary encouragement to the industry of the country; that of others to the industry of towns’. ‘A policia de algumas nações tem dado extraordinario incitamento e favor á industria do campo, ou a agricultura; e a de outras os tem dado á indústria da cidade, ou ás manufacturas e ao commercio.’ Neste caso, BL desenvolveu, ou explicitou sentidos, do texto de AS – possivelmente para fortalecer este tema específico, que trata de policies discriminatórias entre ramos de atividade. Par. 8 – aqui, CRN compacta o final do par. 7 com o par. 8, que introduz os sistemas de economia política. ‘Though these different plans were, perhaps, first introduced by the private interests and prejudices of particular orders of men, without any regard to, or foresight of, their consequences upon the general welfare of the society; yet they have given occasion to very different theories of political economy, of which some magnify the importance of that industry which is carried on in towns, others of that which is carried on in the country’. ‘Esses planos foram introduzidos pelos interesses e prejuízos de certas ordens de pessoas que não atenderão, nem previrão, as suas consequências ao bem geral da sociedade; elles darão occasião a differentes theorias de Economia Politica’. Ao final, quando AS compacta em Par. 9 o Plano dos quatro primeiros livros: ‘To explain in what has consisted the revenue of the great body of the people, or what has been the nature of those funds which, in different ages and nations, have supplied their annual consumption, is the object of these four first books.’
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‘Explanarei no que consiste o redito do Povo, e Estado, e os effeitos da Administração da real riqueza, isto he, no annual producto da terra e do trabalho do paiz’. Aqui, além de compactar e adaptar, BL introduz um tema – a receita pública – que pertence ao Livro V, que não será traduzido. LI – Capítulo I Os pars. 1 e 2 estão traduzidos integralmente. Do par. 3, apenas o final foi suprimido. Curiosamente, onde AS diz que, sem divisão do trabalho, o produtor de alfinetes não conseguiria fazer mais do que 20 alfinetes, BL anota 10. E onde AS diz “… the important business of making a pin…’, BL diz ‘…o pouco importante emprego de fazer alfinetes’. Par. 5, supressão do que vem na linha 6: ‘The separation of different trades and employments from one another, seems to have taken place, in consequence of this advantage. This separation too is generally carried furthest in those countries which enjoy the highest degree of industry and improvement…’. No entanto, adiante, BL transcreve a passagem que afirma ser da natureza da agricultura não admitir tamanha divisão do trabalho. E, na discussão das 3 circunstâncias que favorecem a produtividade, com a divisão do trabalho, BL segue AS. No entanto, a discussão mais profunda da primeira e segunda circunstâncias, nos par. 6 e 7 de WN, é suprimida. Já a terceira circunstância, que trata do desenvolvimento das máquinas, é debatida. Aqui, BL dá destaque (itálicos) à passagem em que AS afirma que boa parte das melhorias das máquinas não são ocasionais, senão objeto das atividades de filósofos e ‘homens de especulação’. A ‘opulência universal’ provocada pela divisão do trabalho, extensiva às camadas mais pobres, é tratada. Esta passagem é bastante importante, porque nela AS situa a geração de excedente por parte do trabalhador, e a troca de excedentes do trabalho. LI – Capítulo II – Do princípio que ocasiona a divisão do trabalho Fórmulas de tradução ‘passions’ por ‘instintos’ ‘common stock’ por ‘fundo comum’ (em uma passagem em que esta tradução parece corresponder ao espírito do original. No par. 1., onde consta em WN ‘It is the necessary, … of a certain propensity in human nature which has in view no such extensive utility; the propensity to truck, barter, and exchange one thing for another’, temos em CRN ‘… mas a necessária, ainda que muito lenta e gradual, consequência de certa propensão, que a natureza dos homens tem para a troca de uma coisa por outra’. Em sequência, BL suprime a parte inicial de WN par. 2, até o exemplo dos galgos (o qual é incluído). Par 2. Integral. BL sublinha (itálicos): ‘Porém cada homem tem quase constante precisão do auxílio de seus irmãos…’, mas não o que segue: ‘… e em vão o pode esperar somente da benevolencia dos mesmos.’ E substitui ‘baker’ por ‘taverneiro’.
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Já ‘treaty, barter and purchase’ é traduzido de modo estrito: ‘contracto, troco e compra’. E BL sublinha o trecho que no original (par.3) lê-‐se como: ‘… it is this same trucking disposition which originally gives occasion to the division of labour’. Ainda no par. 3, onde AS diz “… the certainty of being able to exchange all that surplus of the produce of his owner labour, which is over and above his own consumption, for such parts of the produce of…’, BL prefere ‘… por iguais partes do produto do trabalho dos outros homens de que pode precisar’ – ou seja, um genérico ‘such parts’ transforma-‐se em ‘iguais partes’. É sugestivo o acréscimo de uma nota de esclarecimento do pé de página ao trecho do par. 4 em que Smith diz que as diferenças entre um filósofo e um porteiro não são inatas, originando-‐se antes ‘… do habito, costume, e educação’ (CRN). A nota é extensa: ‘*Observa-‐se que Smith não nega a existência dos talentos naturaes, nem o seu influxo na perfeição das habilidades; posto attribua a sua grande diferença á educação; o que he uma verdade em geral nos empregos communs. Não se póde com tudo contestar que os assignallados adiantamentos das Nações sejão a obra dos naturaes talentos extraordinarios bem cultivados.’ LI – capítulo III – Limites da divisão do trabalho pela extensão do Mercado Compressões significativas em apenas dois parágrafos. Par. 4 – foi suprimido ‘The extent of their market, therefore, must for a long time be in proportion to the riches and populousness of that country, and consequently their improvement must always be posterior to the improvement of that country’. Par. 5, trata do Mediterrâneo. Apenas o primeiro período do parágrafo foi traduzido. LI – capítulo IV – Origem e uso do dinheiro O capítulo merece atenção, porque a compactação foi grande. Uma das possíveis razões é a exemplificação, muitas vezes referida à história inglesa – BL informa na introdução que vai se fixar nos aspectos gerais da obra, evitando particularidades. Por outro lado, o pai de Bento, José da Silva Lisboa, não foi um grande cultor de temas monetários, o que pode explicar as preferências de Bento. De todo modo, o cap. IV da WN introduz a questão do valor, um tema importante para Smith, central na economia política, e a ser desenvolvido nos próximos capítulos. A compactação de BL pode indicar que ele está pouco inclinado a se alongar em temas de maior complexidade teórica. No par. 1, a tradução é integral, e chama atenção a tradução dada por BL à última frase: ‘… and the society itself grows to be what is properly a commercial society’, transformada em ‘… e a Sociedade então se constitue propriamente huma Companhia de Commercio’. De todo modo, a tradução dos pars. 1 a 7 é quase integral. No par. 8, é suprimido o final, uma extensa passagem, que inicia em ‘… and to have resembled the sterling mark … or the Spanish mark…’. Do mesmo modo, foi suprimida a importante informação de que William the Conqueror introduziu o costume de pagar tributos em dinheiro (e pelo peso). Temos aí duas questões importantes, para a história e para a teoria monetária, desconsideradas por BL: o papel do
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estado na imposição de um meio circulante nacional; a aceitação ‘by weight’, e não ‘by tale’, um tema critico na história da moeda e da teoria monetária. O par. 9 WN – ‘The inconveniency and difficulty of weighing those metals … gave occasion to the institution of coins…’ -‐ é introduzido na metade do par. 6 CRN. Curiosamente, a formula que BL utiliza para ‘…received by tale…’ é ‘…recebida por numeros…’, o que pode ser um equivalente literal, mas não de sentido, já que Smith, como os economistas, referem-‐se no caso a receber pelo valor de face. Par. 10 – AS fornece exemplos sobre a denominação original de peso ou quantidade de metal, um tema clássico dos relatos monetários. Por exemplo, o pound sterling originalmente continha o peso de 1 pound. Adicionalmente, Smith se refere à depreciação da moeda – diferenciação do peso efetivo em metal de suas denominações originais. Enfim, Smith entra no atribulado problema do ‘debasement’, o ato que permitia aos soberanos e devedores em geral saldarem seus compromissos com menos metal. Estas idéias são sintetizadas por BL, retirando do texto toda a exemplificação, em um parágrafo que contém trechos e idéias do par 10 WN. Trata-‐se do par. 7 CRN, que inicia por ‘Por meio destas operações, os Príncipes e Estados soberanos que a executarão, tiverão a possibilidade de pagar n’apparencia suas dividas…’, o que é seguido pela tradução literal do par 10 WN até o final. É suprimido todo o par. 11 WN, que efetua uma síntese: ‘It is in this manner that money has been in all civilized nations the universal instrument of commerce, by the intervention of which goods of all kinds are bought and sold, or exchanged for one another’. Do mesmo modo, suprime-‐se todo o par. 12, que anuncia o propósito de Smith de discutir o valor de troca. Já o par. 13, que trata de ‘value in use’ e ‘value in change’ é mantido. BL traduz estas expressões por ‘valor em uso’ e ‘valor em troca’, embora em outras situações utilize ‘utilidade’ por ‘value in use’. Com a utilização do termo ‘utilidade’ por ‘value in use’, BL mantém o paradoxo da água e do diamante do texto original. Os pars. 14, 15, 16, 17, 18 WN, que enunciam os desdobramentos da digressão sobre o valor de troca, a serem apresentadas nos capítulos posteriores, são suprimidas. Essa possa ser uma economia justificada pelo esforço de BL de evitar passagens que meramente enunciam o que virá, mas deve-‐se assinalar que se trata de passagens importantes para o entendimento da complexa teoria do valor de AS, que se segue. Em resumo, a supressão pode ser interpretada como uma tentativa de contornar temas teóricos complexos. LI – capítulo V – Of the real and nominal Price of Commodities, or of their Price in Labour, and their Price in Money Traduzido por: ‘Do Preço das Cousas, real, e nominal, ou de seu Preço em Trabalho, e do seu Preço em moeda’. Par. 1 – a tradução é problemática, embora não compactada. O início é literal: ‘Qualquer pessoa he rica ou pobre, conforme o gráo em que pode gozar do necessario, commodo, e agradável á vida’. Porém, o que segue é menos literal. AS: ‘But after the division of labour …, it is but a very small part of these with which a man’s own labour can supply him’, referindo-‐se, no caso, o ‘these’ a ‘necessaries,
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conveniencies, and amusements of human life’. Já em CRN: ‘… toda a pessoa he supprida nestes artigos com mui pequena parte do immediato produto de seu proprio trabalho’. Em sequência, AS: ‘The far greater part of them he must derive from the labour of other people, and he must be rich or poor according to the quantity of that labour which he can command, or which he can afford to purchase’, que é traduzido por BL como: ‘… e a maior parte do seu supprimento he tirado do produto do trabalho de outra pessoa’. Portanto, ‘produto do trabalho’ por ‘labour’ ou ‘trabalho’, uma confusão não casual no capítulo e que retira a nitidez, ou as sutilezas, da (complexa) concepção de trabalho comandado e valor como trabalho comandado de Smith. Insistência ainda no uso de ‘cousas’ por ‘commodities’, como em: ‘… o valor de qualquer cousa para quem a possue, e que alias não intenta applicalla para seu uso e consume, mas sim trocalla por outras cousas ou mercadorias…’. Par. 2 – um início literal e alterações sensíveis após. Para Smith, o preço real de todas as coisas é ‘what every thing really costs to the men who wants to acquire it is the toil and trouble of acquiring it’, traduzido por BL por ‘…cansaço e incommodo empregado em adquirilla’. Adiante, ‘toil and trouble’ vem como ‘vexame e incommodo’. No entanto, quando Smith sintetiza: ‘… that money or those goods indeed save us this toil’, BL converte em: ‘na verdade, esse dinheiro e esses bens nos dispensarão de fazer immediatamente a especie de trabalho que produz tal artigo.’ Segue a síntese smitheana: ‘They contain the value of a certain quantity of labour which we exchange for what is supposed at the time to contain the value of an equal quantity’, cujo equivalente em CRN é: ‘Elles contém o valor de certa quantidade de trabalho que trocamos por outro trabalho, ou produto do trabalho, alheio, que, ao tempo do contracto, supõe-‐se conter o valor de igual quantidade de nosso trabalho’. E, finalmente, em WN: ‘Labour was the first price, the original purchase-‐money that was paid for all things’, enquanto em CRN: ‘O trabalho foi o primeiro preço, e o original comprador do dinheiro que se pagou por todas as coisas’, sendo, evidentemente, ‘comprador do dinheiro’ em nada equivalente a ‘purchase-‐money’. A sentença que encerra o par. 2 – ‘It was not by gold or silver…’ – é substituída por outra, na qual a sentença inicial foi mantida, porém, um novo texto incluído: ‘O poder que a riqueza directa e immediatamente dá a quem a possue, he o poder de comprar; cujo poder vem a ser hum certo imperio ou commando sobre o trabalho dos homens, e sobre o producto do mesmo trabalho no mercado. A fortuna de qualquer pessoa he maior ou menor, exactamente em proporção á extensão deste poder.’ BL efetua uma adaptação e compresso do par. 3. O início é literal – ‘A riqueza he poder, como diz Mr. Hobbes. Mas a pessoa que adquire ou herda grande riqueza…’ – e o final é adaptado. Falta, particularmente, a insistência de Smith em ‘valor de troca’. No par. 4, Smith trata dos diferentes tipos de trabalho e como levá-‐los em consideração na determinação do valor. Conclui por afirmar que, não obstante as diferenças e imprecisões, o Mercado efetua um ajuste grosseiro, embora suficiente. BL substitui o ‘higgling and bargaining of the market’ por uma formula
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que foge ao espírito do texto original: ‘mas o ajuste he feito por um certo compromisso reciproco, e igualdade aproximada, que, posto não seja exacta…’. No par. 5, mais uma vez BL suprime ‘valor de troca’. Smith diz que é mais natural estimar o valor de troca pela quantidade de outra mercadoria, e não por trabalho, que se compra. BL afirma: ‘he mais natural avaliar as cousas pela quantidade…’ O final do par. 5, além disso, é suprimido. O par. 6 tem um interesse especial, porque nele Smith reintroduz o dinheiro – como vimos, um tema problemático em CRN. Cessado o escambo, afirma Smith, as mercadorias se trocam por dinheiro. BL traduz ‘barter’ por ‘troco’; ainda que ‘troco’ tenha significado troca em geral, ou intercâmbio, em passagens anteriores. O final do parágrafo é suprimido – o que afeta o exemplo de Smith do açougueiro que deseja pão e cerveja. Em particular, BL suprime a expressão do valor de troca em unidades monetárias – o preço – um passo essencial na argumentação de Smith e de outros economistas. O sétimo parágrafo de WN trata da importante questão da flutuação do valor do ouro e da prata – o que, conforme Smith, torna o dinheiro uma medida variável, e portanto imprópria, de valor. BL compacta o parágrafo, mantendo, no entanto, a frase essencial: ‘Pode-‐se porem dizer que iguais quantidades de trabalho, em todos os tempos e lugares, são de igual valor ao trabalhador’. Já a frase seguinte, de igual importância, foi suprimida. Em WN: ‘In his ordinary state of health…. He must always lay down the same portion of his ease, his liberty, and his happiness’. BL suprime ainda a frase seguinte: ‘The price which he pays must always be the same, whatever may be the quantity of goods which he receives in return for it’. E, curiosamente, suprime a frase final do parágrafo, que o sintetiza: ‘(Labour) is their real price; money is their nominal price only’, lembrando sempre que preço real e nominal dá o título ao capítulo. No par. 8, Smith diz que, apesar das mesmas quantidades de trabalho serem de igual valor para o trabalhador, para o empregador o preço do trabalho flutua – altera-‐se a relação de troca trabalho/mercadorias dadas ao trabalhador. O trabalho parece caro ou barato, quando, na realidade, as mercadorias é que o são. A formulação de BL não é clara; porem, no essencial, fiel ao original. O par. 9, que complementa o anterior, está traduzido literalmente. A distinção real/nominal, desenvolvida por Smith no par. 10, tem para ele grande importância, mesmo porque o valor dos metais flutua, o que provoca divergências entre preço nominal e valor. A tradução de BL é bastante literal, embora haja em seu texto um erro crucial – talvez, falha gráfica ou de revisão. Ali onde Smith diz que o valor de um arrendamento pago em dinheiro pode variar por duas razões (conteúdo metálico da moeda e variações no valor de ouro e prata), a primeira variação é assim referida por BL: ‘a que se origina das differentes quantidades de ouro e prata, que se contém em differentes tempos na moeda que tem o mesmo’ (falta aqui o termo ‘valor’ ou ‘valor de face’). Os parágrafos 11 e 12 de WN, que reforçam dois tópicos cruciais – quantidade de metal precioso nas moedas e valor do metal – foram suprimidos. BL vai direto ao conteúdo do par. 13, ainda que com compressões. Neste parágrafo, Smith discute as rendas fixadas em moeda e as causas de sua degradação. A compactação efetuada por BL é grande. O par 14, que complementa o anterior com os exemplos de França e Holanda é transcrito quase na íntegra, sendo de notar que Smith se refere a variações na denominação das moedas, sem lhes apresentar a causa, enquanto BL explicita, por sua conta, a causa: ‘Na Escocia e França, onde
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esta depreciação tem sido maior, pelas operações de temporário interesse de seus soberanos…’. Par. 15 – suprimido o terço final. O par. 16, que contém uma síntese das flutuações dos valores das diferentes mercadorias em intervalos de tempo distintos – o preço nominal dos cereais varia muito de ano a ano, mas é estável secularmente, os metais… -‐ também é suprimido. O mesmo ocorre com o importante par. 17, no qual, após avaliar as flutuações de valores relativos, Smith é levado a concluir: ‘Labour, therefore, it appears evidently, is the only universal, as well as the only accurate measure of value, or the only standard by which we can compare the values of different commodities at all times and at all places.’ A conclusão é complexa e controversa, porem, essencial à sustentação da posição de Smith sobre a relação entre trabalho e valor de troca. O par. 19, no qual Smith aduz que no mesmo tempo e lugar os preços reais e nominais das mercadorias estão em proporção exata um do outro, foi transcrito. Essa espécie de senso comum smitheano serve-‐lhe para concluir que o dinheiro é ‘medida exata do valor de troca de todas as mercadorias’, o que funciona como porto seguro após as tempestades do valor relativo considerado intertemporalmente. BL chama aqui ‘exchangeable value’ de ‘valor venal’. Smith ilustra com um exemplo de arbitragem entre Londres e China, o qual não foi aproveitado por BL Esta exemplificação é sucedida por uma generalização, na qual Smith nos acautela que ‘the whole business of common life’ pode ser levado considerando-‐se os preços (valor em dinheiro) – parágrafo transcrito por BL. A seguir, BL suprime os parágrafos 22-‐39 de WN, nos quais Smith se estende em assuntos monetários, ao historiar a evolução da moeda, os diversos padrões, as diferenças entre unidades monetárias nacionais e moedas cunhadas, debasement, reformas monetárias, senhoriagem – em suma, os tópicos sempre contemplados nas discussões monetárias. Todos estes tópicos foram ignorados em CRN, que retoma o texto no par. 40 WN, o qual comenta as flutuações nos preços das barras de ouro e prata, e na quantidade de metal em circulação (na forma de moedas cunhadas). O par. 41, que se estende nos azares da moeda metálica, é suprimido por BL, que se dirige diretamente às conclusões do par. 42 WN. Smith aí informa que ‘By the money-‐price of goods … I understand always the quantity of pure gold or silver for which they are sold, without any regard to the denomination of the coin’. Smith encaminha-‐se imediatamente ao fecho do capítulo, enquanto BL reintroduz uma pequena parcela do conteúdo suprimido (par. 22-‐39), especificamente desgaste da moeda e senhoriagem. Reaparece, desse modo, a título de conclusão do capítulo, uma pequena parcela do conteúdo anteriormente suprimido. LI -‐ Cap. VI – Das partes components dos preços das mercadorias No par. 1, cuja tradução é integral, é digno de nota que BL reitera o uso de ‘fundo’ por capital (‘stock’), e curioso que justaponha a’ … que precede á accumulação de fundo e appropriação de terras…’ a sequência (inexistente no original) ‘com reconhecimento do direito de propriedade’. Os pars. 2 e 3, nos quais Smith considera a dureza e a destreza do trabalho, também têm tradução quase integral. BL dá destaque em itálico a ‘Tais habilidades raras vezes se podem adquirir senão em consequência de longa
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applicação’ – um tema caro a José da Silva Lisboa. O par. 4 é incluído, na íntegra, no par. 3 de CRN. No par. 5, Smith se refere ao capital acumulado nas mãos de pessoas particulares, enquanto BL optou por ‘varias pessoas’. ‘Profits of the undertaker’ é traduzido por ‘lucro do emprehendedor’, de modo direto. E ‘adventure’ (‘the undertaker of the works who hazards his stock in this adventure’) vai como ‘especulação’. Adiante, no mesmo par. 5, ‘the profits of their employer’ vem como ‘os proveitos de quem os emprega’. Note-‐se que profits recebe traducões variadas. No par. 6, ‘prots of stock’ vem como ‘proveitos do fundo’. No entanto, ‘the capital annually employed in the one…’ vai como ‘capital annualmente…’. BL curiosamente omite do exemplo de Smith a taxa de lucros suposta, 10%. Novamente, ‘still expects that his profits should bear a regular proportion to his capital’, vem como ‘todavia espera que os seus proveitos tenhão regular proporção ao seu capital’. Na última frase do parágrafo, ‘In the price of commodities … the profits of stock…’ vem como ‘no preço das mercadorias, os proveitos do fundo…’. O par. 7 está com tradução integral – flutuação entre usos de ‘fundo’, ‘capital’, ‘proveito’. No par. 8, que introduz a renda da terra, BL substitui ‘all the natural fruits of the earth’ por ‘todos os fundos naturais da terra’, o que é incongruente. De resto, a tradução é correta. Já a tradução do decisive par. 9, ‘The real value of all the differente component parts of price…, tem um problema. Smith diz “labour measures the value not only of that part of price which resolves itself into labour, but of that which resolves itself into rent, and of that which resolves itself into profit’. BL: ‘O trabalho não somente mede o valor daquella parte do preço, que paga o trabalho, mas também as outras partes do mesmo preço, que satisfaz o proveito do fundo, e a renda da terra.’ A tradução BL utiliza o equivalente a remuneração (paga o trabalho, satisfaz o proveito…), para ‘resolves itself’. A solução dada ao par. 10 é mais satisfatória. Smith insiste no ‘that part of price which resolves itself into…’ e BL utiliza a formula ‘… o preço de cada mercadoria totalmente se compõe de huma ou outra, ou de todas essas tres partes…’. Os elementos do valor entrarão no preço final da mercadoria. O par. 11, no qual Smith exemplifica com o preço do grão, é traduzido integralmente. ‘profit of the farmer’ vem como ‘proveito do lavrador’. ‘Lavrador’ e recorrentemente utilizado na tradução BL, embora o termo não necessariamente denote um arrendatário capitalista, como frequentemente ocorre no original. ‘Rent, labour, and profit’ é reafirmado como ‘renda, salário e proveito’. Os pars. 12 e 13, que exemplificam com outros produtos, são traduzidos na íntegra. Do mesmo modo o par. 14, no qual Smith mostra como nos produtos manufaturados cresce a parte correspondente a salários e lucros. O par. 15, que admite a existência de produtos cujo preço seja composto apenas de salários e lucros, suprime apenas uma pequena parte ao final, a qual se refere à Escócia. O par. 16, que repete o argumento de Smith, acrescentando que qualquer parte que sobre após o pagamento da renda e dos salários tem que ser lucro, é omitido. A conclusão de Smith, no par. 17, também é transporta na íntegra, inclusive seu final: ‘Wages, profit, and rent, are the three original sources of all revenue as well
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as of all exchangeable value. All other revenue is ultimately derived from one or other of these.’ Em CRN: ‘Portanto o salario proveito, e renda, são as tres originaes fontes de todo o redito, e igualmente de todo o valor comerciavel: todos os outros reditos são, em ultima analyse, tirados de alguma destas fontes’ – com destaque (itálico) para a primeira sentença. O par. 18 esclarece a teminologia. BL diz que ‘O redito derivado do trabalho, chama-‐se salario: o percebido do capital pela pessoa que o maneja ou emprega, chama-‐se proveito: o tirado do mesmo capital pela pessoa que o não emprega por si mesma, mas o empresta à outra, chama-‐se interesse, ou juro da moeda.’ Este parágrafo é transcrito na íntegra. O par. 16 tem uma exemplificação final sobre a América do Norte, eliminada. O par. 17, que trata da figura do capitalista agíicola que ao mesmo tempo trabalha a terra, recebendo lucro e salário, está na íntegra. O ‘independent manufacturer’, considerado no par. 22, aparece como ‘artista independente’ – ele também ganha salários e lucros. Falta ao texto de BL a sentença final: ‘His whole gains, however, are commonly called profit, and wages are, in this case too, confounded with profit.’ O par. 23, que trata do caso do jardineiro que trabalha em seu próprio jardim, fazendo jus às três rendas, é transcrito na íntegra. Do mesmo modo, o par. 24, que encerra o capítulo. LI -‐ Ch VII – Of the natural and market Price of Commodities Par. 1 – WN: ‘There is in every society or neighbourhood an ordinary or average rate both of wages and profit in every different employment of labour and stock.’ Até aqui vem BL, porem, a fórmula adotada é peculiar: ‘Em toda povoação ou vizinhança ha uma certa estimação e taxa ordinaria ou media dos salarios e proveitos de cada differente ramo do trabalho, e emprego de fundo.’ E o que segue do parágrafo – que é importante, embora possa ser tomado como um anúncio de conteúdo a desenvolver – foi suprimido. De todo modo, Smith diz que esta taxa é regulada pelas ‘general circumstances of the society’ – riqueza, pobreza, estado declinante, estacionário ou progressivo; e pela natureza de cada emprego. BL faz menção a seguir à renda da terra, e, novamente deixa de lado as circunstâncias gerais e as particulares, que aqui são os diferenciais de fertilidade. WN: ‘These ordinary or average rates may be called the natural rates of wages, profit and rent…’. BL deixa fora esta equivalência entre ‘média’ e ‘natural’. No entanto, a seguir define preço natural: é o preço que permite pagar as taxas conforme os valores ‘ordinários ou médios’ – Smith se refere a pagar conforme ‘their natural rates’. Smith diz: a mercadoria é vendida então ‘for what it is worth, or for what it really costs the person who brings it to the market’. BL: ‘he vendida exactamente pelo que vale, ou pelo que realmente custa á pessoa que a traz ao Mercado;…’. Do mesmo modo, BL traduz corretamente o preço que permite um lucro ordinário. Idem, a constatação de que o lucro é, além da renda, o fundo de subsistência do próprio capitalista. No par. 6, AS define este preço que paga o lucro ordinário como o preço tendencial, o que prevalece quando há ‘perfect liberty’, o que implica mobilidade
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do capital. BL respeita o sentido, e fala em ‘perfeita liberdade’ e ‘mudar o … trafico’. Já a solução dada para ‘preço de mercado’ é menos clara, porque a tradução atribuída a ‘actual price’ é ‘preço actual’ – aparentemente, uma falha. O que regula o ‘preço de mercado’, conforme a formula de Smith: ‘… proportion between the quantity which is actually brought to the market, and the demand of those who are willing to pay the natural price…’, ou ‘effectual demand’. BL: ‘demanda effectiva’ e, antes disso, ‘… proporção entre a quantidade que actualmente se traz ao Mercado, e a demanda dos que tem faculdade e querem pagar o preço natural…’ – chame-‐se atenção para o ‘actualmente’. O par. 9 WN, que trata do ajustamente entre oferta e demanda, está bem encaminhado. Refere-‐se à concorrência entre os demandantes como ‘emulação e competencia’. ‘eager competition’ vem como ‘porfiosa rivalidade’. No geral, a tradução dos pars. 9 e 10 WN – excesso de demanda, excesso de oferta – está muito bem realizada. BL dá destaque (em itálico) à frase inicial do par. 12 WN: ‘A quantidade de qualquer mercadoria trazida ao mercado naturalmente se proporciona á demanda effectiva.’ No par. 13, AS se refere à retirada de uma parte da renda da terra, do trabalho ou do capital do Mercado, quando a taxa natural não é obtida. Utiliza ‘stock’, que BL traduz aqui por ‘capital’. No par. 15, AS define o preço natural como um ‘preço central’ em torno do qual os preços reais gravitam. BL respeita a fórmula, porém, menciona os ‘valores das cousas’ (oscilando em torno do seu ‘centro de repouso’). Smith, no trecho, fala apenas em ‘preço natural’, ‘preços das mercadorias’. Os pars. 15 e 16, alias, são fundidos, com adaptações. Ao mencionar, no par. 17, as diferenças entre atividades de produção variável e/ou quase constante por unidade de esforço (agricultura versus indústria), AS adapta a fórmula anterior – oferta versus demanda – ao ‘average produce’. O ‘actual produce’ pode flutuar muito. BL se refere a ‘producto médio, ou ordinario’. Smith aponta então a possibilidade de ‘grandes flutuações’ do preço de Mercado, e BL adiciona uma nota de pé de página: ‘Usei deste termo – grandes fluctuações – ainda que metaphorico, ele claramente exprime a semelhança de fluxo e refluxo das ondas e mares, para dar idéia da alternativa com que os preços se revezão no mercado’. No par. 18, AS afirma que as flutuações temporárias do preço de Mercado afetam preponderantemente salários e lucro. BL traduz o parágrafo na íntegra, ressaltando as negociações entre senhorio e lavrador para estabilizar a renda. No par. 19, no pitoresco exemplo do aumento do preço do pano preto provocado por um luto público, Smith se refere aos ‘profits of the merchants who possess any considerable quantity of it’. BL acrescenta ‘… quantidades de taes sortimentos, de que não podem dispor nesse tempo.’ Na sequência, fica claro o uso curioso feito por BL de ‘work’ por ‘obra’ e ‘work’ por ‘trabalho’. Smith fizera a comparação entre ‘work done’ e ‘work to be done’, e volta aos mesmos termos: ‘The market is understocked with commodities, not with labour; with work done, not with work to be done.’ BL compõe: ‘… o Mercado esta desprovido de mercadorias, e não de trabalho; de obra feita, e não de obra a fazer’.
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No par. 21, Smith trata do retardamento nos ajustes do mercado provocado por segredos de comércio. A tradução é integral. No par. 22, Smith passa a tratar de segredos de manufaturas. BL adapta este parágrafo, excluindo, entre outras, a frase ‘His extraordinary gains arise from the high price which is paid for his private labour’. Suprime ainda a comparação entre trabalho e capital (ou salários e lucro), no caso. No par. 24, Smith trata da impossibilidade de atender à demanda por restrições de terra ou fertilidade – caso em que o elevado preço de mercado pode se arrastar por séculos, produzindo uma renda típica (vinhedos na França...). BL efetua uma tradução literal. Os parágrafos seguintes, que tratam de monopólios e da possibilidade de manutenção do preço de mercado indefinidamente acima do preço natural. BL enfatiza algumas expressões em: ‘O preço de monopolio he sempre o mais alto que se pôde obter…’ ‘Ao contrario, o preço natural, ou o preço da livre concurrencia he o mais baixo que se pode alcançar…’. O par. 28, que estende o tratamento dos monopólios às corporações de ofício, é traduzido na íntegra. Do mesmo modo o cap. 30, que apresenta a impossibilidade de sustentar por longo tempo o preço de Mercado abaixo do preço natural, em condições de ‘perfect liberty’, conforme Smith, ou ‘perfeita liberdade da indústria’, para BL. O par. 31, que trata da menor longevidade das situações em que as corporações de ofício sujeitam os salários de seus componentes a um ponto abaixo do preço natural, devido aos ajustamentos geracionais, é traduzido na íntegra, exemplos inclusive. E este parágrafo encerra o capítulo da versão CRN, que assim corta os parágrafos que anunciam, ou sistematizam, o conteúdo dos capítulos subsequentes. LI -‐ Cap. VIII – Dos salarios do trabalho Curioso é que no par. 2 – sociedade que antecede apropriação de terra e acumulação de capital – BL traduz ‘stock’ por fundo, porem, ‘master’ (‘nor landlord nor master’) por capitalista. BL elimina um pequeno trecho final do par. 3. E elimina o par. 4 – um parágrafo especialmente confuso, em que Smith se refere à troca quando as produtividades do trabalho em segmentos determinados evoluem diferentemente. Suprime ainda o par. 5, que considera o término deste estágio primitivo. No par. 6, que introduz a renda como uma parte do produto, ‘first deduction from the produce of labour…’ é traduzido como ‘primeiro desconto ou desfalque do producto do trabalho’. No par. 7, o capitalista (‘master’) é apresentado como ‘farmer’, e BL utiliza, pela primeira vez, o termo ‘rendeiro’. O trabalhador do campo é o ‘jornaleiro do campo’. O Lucro do fazendeiro é o ‘proveito’ – ou o ‘segundo desconto’ do produto do trabalho. ‘Workmen’, o trabalhador das artes e manufaturas (par. 8) é ‘obreiro’ – o ‘master’ que lhe adianta material e subsistência é ‘mestre ou capitalista’. E aqui BL comete uma imprecisão. Smith diz: ‘He (the master) shares in the produce of their labour, or in the value which it adds to the materials upon which it is bestowed; and in this share consists his profit’. BL: ‘e tal partilha vem a ser o valor que o mesmo trabalho acrescenta aos materiais sobre que he empregado; e nesta partilha consiste o proveito das pessoas que dão emprego á taes obreiros’.
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BL suprime os pars. 9 e 10, que tratam do trabalhador independente. Mantém na íntegra o par. 11, que trata da disputa trabalhador/capitalista, e o 12, que apresenta as vantagens dos capitalistas na contenda, com pequena supressão. O par. 13, em que Smith detalha a análise dos conflitos e colusões, é apenas parcialmente adicionado ao anterior. O par. 14, que introduz a discussão sobre o piso salarial, é traduzido. O mesmo com o par. 15, que traz a referência a Cantillon – embora a menção de Cantillon (e Smith) ao escravo seja suprimida, assim como o restante do parágrafo – em que Smith deixa em aberto os cálculos precisos sobre o número de familiares sustentados pelo trabalhador ordinário. Ao apresentar a situação de demanda por trabalhadores consistentemente superior à oferta, Smith (par. 17) fala em ‘competition among masters’, nos quais BL inclui (fora do original) ‘proprietarios de terras e fundos’. Nos pars. 19 e 20, Smith compara a situação de proprietários, capitalistas de dinheiro e trabalhador independente, que tenham renda acima do considerado suficiente para viver. Smith fala em ‘landlord, annuitant, monied man’, de um lado, e ‘independent worker’, de outro. BL: ‘… o senhorio da terra, que vive de annuidades, se o capitalista, cujo redito consiste no interesse do seu dinheiro…’ e ‘obreiro independente’. E BL confere grande importância ao par. 21 de WN, a ponto de enfatizar com itálicos sua quase totalidade. WN: ‘ The demand for those who live by wages, therefore, necessarily increases with the increase of the revenue and stock of every country, and cannot possibly increase with it. The increase of revenue and stock is the increase of national wealth. The demand for those who live by wages, therefore, naturally increases with the increase of national wealth, and cannot possibly increase without it’. CRN: ‘Consequentemente a demanda dos que vivem de salarios necessariamente se augmenta com o augmento do redito, e do fundo de cada paiz; e não he possivel que haja de crescer sem tal aumento. Ora no augmento do redito e do fundo, donde este redito provem, consiste o augmento da riqueza nacional. Por tanto a demanda dos que vivem de salario naturalmente cresce com o augmento da riqueza nacional; e não he possivel que haja de crescer sem ella’. Segue-‐se o par. 22, que associa ‘greatness of national wealth’ ao crescimento da riqueza, e dos salários. BL traduz o parágrafo, que exemplifica com Inglaterra e América do Norte. A exemplificação numérica (nível dos salários) é suprimida, porem, BL dá especial destaque à diferença no preço das provisões, que ainda mais acentuam a afluência do trabalhador americano. Destaque é conferido também à conclusão (par. 23) de que o crescimento da população é o mais nítido indicador de prosperidade. O longo par. 24, que trata dos países estacionários, assim como o 25, são transcritos parcialmente. O mesmo com o par. 26, que trata dos países em retrocesso – a exemplificação final, com a exaltação da constituição britânica e o ataque às companhias mercantis, é omitido. Os parágrafos subsequentes, que discutem a situação inglesa e as condições da família trabalhadora, são suprimidos. Isso representa aproximadamente 5 páginas de WN, dos parágrafos 27 a 35. BL retoma a letra de WN no par. 36, em que Smith afirma que a afluência dos trabalhadores representa uma vantagem para a sociedade, já que eles constituem a maior parte dela. ‘Nenhum Estado pode florecer, onde a maior
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parte dos membros que o compoe, seja pobre e miserável…’. O par. 37 WN, que trata da grande fertilidade das mulheres pobres, e da baixa fertilidade das ricas, é mantido. Enfim, BL dá destaque às passagens que enaltecem o progresso dos pobres. E traduz (com supressões) os parágrafos que comparam trabalho livre e escravo, inclusive destacando a conclusão, a qual, não totalmente literal, vai como ‘… a obra feita por homens livres vem, em fim de conta, a ser mais barata, do que a executada por escravos.’ O par. 44 WN, que afirma que a recompensa liberal do trabalho aumenta a industry, também é traduzido. Este parágrafo considera o salário o ‘encorajamento da indústria’, ou seja, associa bons resultados a incentivos materiais palpáveis – e exalta o pagamento por peça. Para concluir, os parágrafos finais, que associam grandes capitais a uma divisão do trabalho mais completa, são parcialmente traduzidos. LI -‐ Cap. IX – Do proveito dos fundos Smith inicia igualando as causas que afetam os lucros às que afetam os salários: estado progressivo, estacionário ou declinante. BL segue o texto dos três primeiros parágrafos, literalmente, descontada uma pequena supressão ao final do parágrafo 3. Segue ainda o texto do par. 4, que compara ‘proveitos médios’ ao ‘interesse do dinheiro’, e variação dos juros a variação do lucro. Seguem-‐se, em WN, diversos parágrafos com ilustrações sobre evolução dos juros na Inglaterra e em outros locais. BL suprime a exemplificação, e diz apenas que ‘o zelo religioso proscreveu todo o interesse, ou juro do dinheiro, sem efeito. A rigor, em meio à exemplificação, Smith (par. 7) afirma que ‘It generally requires a greater stock to carry on any sort of trade in a great town than in a country village’, e é seguido por BL na idéia de que os grandes capitais reduzem a taxa de lucro – enquanto os salários são maiores nas grandes cidades. O par. 10, que contrapõe salários e lucros na Inglaterra e na