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REVOLU<;AO BURGUESA NO BRASIL
Florestan Fernandes (2.fLedi«;ao)
Para chegar A conceituacao clara e precisa do que seja a nossa"r evolucao bu rguesa", Flor estan Fernandes remonta ao p rocesso deformacao da economia e da sociedade nacional, desde os temposem que se iniciou a colonizacao. Nao 0 faz, porern, senao paraexercer melhor a critica da ordem nacional, a partir de suasestruturas, submetid as a rigoro sa analise. Essa angulacao Ihe perm ite
ver as. s ingula ridades brasi lei ra s dos conce itos de "revolucao burguesa" ,"burguesia" e "burgues" , conceito s estes que nao podem ser ap licado sno Brasil como simp les transposicao acadern ica, Cap ltu lo s comoos que versam sobre 0 status colonial , a s impl icacoes soc ial s eeconornicas da Independencia e a formacao da ordem socialcompetitiva estabelecem as condicoes e i1uminam os estagios dodesencadeamento his t6ri co da nossa "revolucao burguesa",
Alto nivel de interesse ganham igualmente as paginas dedicadas aoexarne dos p roulemas da cri se do poder burgues no Bras il , c ri sedef lagrada pela passagem do capita li smo competi tivo ao capit al ismomcnopolista. Desdobra-se essa analise na abordagern do modeloautarquico-burgues de transfor rnacao cap italista vigen te no Brasil,e das contrad icoes sociais e politicas geradas no interior da nova ordem.
A SOCIOLOGIA NUMA ERA DEREVOLU<;AO SOCIAL
Florestan Fernandes (2.ft ed., reorg. e ampl.)
Este Iivro, que aparece sob organizacao relativamente diversa, c:m .sua segunda edicao, reune ensa ios voI tados para 0 tipo de conhecimentoque 0 sociologo deve criar quando se. procura atingir ~ .desenvolvimento de acordo com os requtsitos da democracia. Escntosnuma epoca em que parecia pacifico que os principais palses daAmerica Latina, 0 Brasi l inc lusive , possuiam condicoes paradesencadear uma revolucao dernocratica "dentro da ordem", elesIccalizam as tarefas r.raticas da Sociologia e a interacao dos papeisque 0 scci61ogo deve' desempenhar em sua dupla condicao decientista e cidadiio.
Apesar das aparencias, 0 livre nao perdeu sua atualidade. Suas
principais ideias ai~d estao de !leo Que estrategia de~~m,?s seguir,nas condicoes brasil as, para 0 desenvolvimento da ciencia?
o oue r .rec is a f 'az 0 sociologo, enquanto cienti sta , para converte ro ccnhecimento sociologico em urn conhecimento crftico, util ao"planejamentc dentro da liberdade"? A realidade que exigia 0 debatedessas ideias nao desanareceu. Ao contra rio, ela se agravou,impcndo que retomernos, de modo ainda mais intenso, 0 debateinterrompido.
ZAHAR
A cultura a service do progresso social
ED I TORES
Edson de O live rra Nunes(organizador)
A AventuraSociolOgica
Objetividade, Paixao, Improvise e
Metoda na Pesquisa Social
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1
o Oficio de Etnologo, ou como
"Anthropological Blues" *
Ter
ROBERTO DA. MA.TA
This glory, the sweetest, the true~
or rather the only true glory, awaitsyou, encompasses you already; youwill know all its brilliance on thatday of triumph and joy on which,returning to your country, welcomedamid our delight, you will arrive inour walls. loaded with the most pre-cious apoils, and bearers of happytidings of our brothers scattered inthe uttermost confines of the Universe.
Degerando="
lntrodw;iio
Em Etnologia, como nos "rites de passagem"; existem tres
fases (ou planos) fundamentais quando se trata rle discorrcr sohre
• Trabalho apresentado na Universidade de Brasilia, junto ao Departa-
mento de Ciencias Sociais, no Simposio sobre Trabalho-de-Campo, ali
realizado. Expresso meus agradecimcntos aos Profs. Roberto Cardoso de
Oliveira e Kenneth Taylor, que na epoca eram, respect ivamente, Chefe
do Departamento de Ciencias Sociais e Coordenador do Curso de Mes-
trado de Antropologia Social, pelo convite. Posteriormente, 0 texto Ioi
publicado no Museu Nacional como Comunicacao n.O I, Setembro, 19711.,
em edicao mimeografada. Desejo agradecer a Gilberto Velho, Luiz de
Castro Faria e Anthony Seeger pelas sugestoes e encorajarnento, quando
da preparacao das duas versoes deste trabalho.
** Joseph-Marie Degerando, The Observation of Savage Peoples (1800),
traduzido do frances por F.C.T. Moore, Berkeley e Los Angeles: Uni-
versity of California Press, 1969.
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24 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA A VERSAO QUAUTATrv A
.e.
as etapas de uma pesquisa, vista pelo prism a do seu cotidiano. A
primeira, .e aquela caracterizada pelo uso e ate abuso da cabeca,
quando ainda niio temos nenhum contato com os seres hurnanos
que, vi~endo em grupos, constituem-se nos nossos objetos de tra-
balho. E a fase ou plano que denomino de teorico-intelectual; mar-cada pelo divorcio entre 0 futuro pesquisador e a tribo, a classe
social, 0 mito, 0 grupo, a categoria cognitiva, 0 ritual, 0 hairro, 0
s~stema de ~~lac;oessociais e de parentesco, 0 modo de produciio, 0
sistema pOlItICOe todos os outros dominies, em sua lista infinda-
vel, que certamente fazem parte daquilo que se busca ver, enca-
rar, enxergar, perceber, estudar, classificar, interpretar, explicar,
etc. .. Mas esse divorcio - e e born que se diga isso claramente
- niio diz respeito somente Ii ignorancia do estudante. Ao contra-
rio, ele fala precisamente de urn excesso de conhecimento, mas de
urn conhecer que e teorico, universal e mediatizado niio pelo con-
creto e sobretudo pelo especifico, mas pelo abstrato e pelo nao
vivenciado. Pelos livros, ensaios e artigos: pelos outros.
. _N~ fase tecrico-intelectual; as aldeias sao diagramas,: os ma-
trimonios se resolvem em desenhos geornetrioos perfeitamente si-
metric os e equilibrados, a patronagem e a clientela politica apa-
re~em em ,reg:as o;-denadas, a propria espoliaei io passa a seguir
Ieis e os indios sao de papel, Nunca ou muito raramente se
p.ensa em coisas especificas, que dizem respeito Ii minha experien-
CIa, quando 0 conhecimento e permeabilizado por cheiros, cores,
dores e amores. Perdas, ansiedades e medos, todos esses intrusos
que os Iivros, sobretudo os famigerados "manuals" das Ciencias
Sociais teimam por ignorar.
Uma segunda fase, que vern depois dessa que acabo de apre-
sentar,. pode ser denominada de periodo priitico, Ela diz respeito,
essencialmente, a nossa antevespera de pesquisa. De fato, trata-se
daquela semana que todos cuja pesquisa implicou uma mudanea
drastica experirnentaram, quando a nossa preocupaejio muda subi-
tamente das teorias mais universais para os problemas mais
banalmente concrclos. A pergunla, entao, njio e mais sc 0 grupo X
tern ou nfio linhagens segmentadas, Ii moda dos Nuer, Tallensi ou
Tiv, ou se a tribo Y tern corridas de tora e metades cerimoniais
como os Kraho ou Apinaye, mas de planejar a quantidade de arroz
e remediosque deverei levar para 0 campo comigo.
?bservo que a oscilaciio do pendulo da existencia para tais
questoes - onde YOUdormir, comer, viver - niio e nada agra-
davel, Especiahnente quando 0 nosso treinamento tende a ser ex-
eessivamente verbal e teorico, ou quando somos socializados numa
cultura que nos ensina sistema'jcamente 0 conformismo, esse filhoDurante anos, a Antropologia Socia] esteve preocupada em
estabelecer com precisiio cada vez maior suas rotinas de pesquisa
da autoridade com a generalidade, a lei e a regra. No plano pru-
tico, portanto, ja nfio se trata de citar a experiencia de algum he-
roi-civilizador da disciplina, mas de colocar 0 problema fundamen-
tal na Antropologia, qual seja: 0 da especificidade e relatividade de
sua propria experiencia,
A fase final , a terceira, e a que chamo de pessoal ou existen
cial, Aqui, nfio ternos mais divisoes nitidas entre as. etapas db
nossa formacao cientifica ou academica, mas por uma especie de
prolongamento de tudo isso, uma certa visiio de conjunto que cer-
tamente deve coroar todo 0 nosso eslorco e trabalho. Deste modo,
enquanto 0 plano teorico-intelectual e medido pela competencia
academica e 0 plano pratico pela perturhaeao de uma realidade que
vai se tornando cada vez mais imediata, 0 plano existencial da
pesquisa em Etnologia fala mais das lic;oes que devo extrair do
meu proprio caso. E por causa disso que en a considero como es-
sencialmente globalizadora e integradora: ela deve sintetizar a bio-
grafia com a teoria, e a pratica do mundo com a do oficio.
Nesta etapa ou, antes, nesta dimensiio da pesquisa, eu nfio me
encontro mais dialogando com indios de papel, ou com diagramas
simetricos, mas com pessoas. Encontro-me numa aldeia concreta:
calorenta e distante de tudo que conheci . Ache-me fazendo face a
lamparinas e doenea, Vejo-me diante de gente de carne e osso.
Gente boa e antipatica, gente sabida e estupida, gente feia e bonita.
Estou, assim, submerso num mundo que se situava, e depois da pes-
quisa volta a se situar, entre a realidade e 0 Iivro,
E vivenciando esta fase que me dou conta (e niio sem susto)
que estou entre dois fogos: a minha cultura e uma outra, 0 meu
mundo e urn outro. De fato, tendo me preparado e me eoloeado
como tradutor de urn outro sistema para a minha propria lingua-
gem, eis que tenho que inieiar minha tarefa. E entiio verifieo, inti -
mamente satisfeito, que 0 meu oficio - voltado para 0 estudo dos
homens - e analogo Ii propria eaminhada das sociedades humanas:sempre na tenue linha divisoria que separa os animais na deterrni-
nnliuo da nnturcza c os douses quc, dizern os crcntes, forjam 0sen
proprio destino.
Neste trabalho, procuro desenvolver esta ultima dimensiio da
pesquisa em Etnologia. Fase que, para mim e talvez para outros,
foi tao importante,
I
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA26
ou- como e tambem ehamado 0 exercicio do oficio na sua pratica
mais imediata, do trabalho de campo. Nos cursos de Antropologia
os professores mencionavam sempre a necessidade absoluta da co-
leta de um bom mater ial, isto e, dados etnograficos que permitis-
sem um dialogo mais intenso e mais proficuo com as teorias co-
nhecidas, pois dai, certamente, nasceriam novas teorias - segundoa velha e, porque njio dizer, batida dialetica do Prof. Robert
Merton.
Desse esforco nasceram alguns livros - na America e fora
dela - ensinando a realizar melhor tais rotinas. Os dois mais fa-
mosos sao 0 notorio Notes and Queries in Anthropology, produzido
pelos ingleses e, diga-se de passagem, britanicamente produzido
com zelo missionario, colonial e vitoriano, e 0 niio menos famoso
Guia de Inoestigaci io de Dados Culturais, livro inspirado pelo Hu-
man Relations Area Files, sob a egide dos estudos "cross-culturais"
do Prof. George Peter Murdock.
Sao suas pec;as impressionantes, como sao impression antes as
monografias dos etnologos, livros que atualizam de modo, correto
e impecavel essas rotinas de "como comecei fazendo um mapa daaldeia, colhendo duramente as genealogias dos natives, assistindo
aos ritos funerarios, procurando delimitar 0 tamanho de cada
roca" e "terminei descobrindo um sistema de parentesco do tipo
Crow-Omaha, etc . .. ". Na realidade, livros que ensinam a fazer
pesquisa sao velhos na nossa disciplina, e pode-se mesmo dizer -
sem medo de incorrer em exagero - que eles nasceram com a sua
fundaeiio, ja que foi Henry Morgan, ele proprio, 0 primeiro a des-
cobrir a utilidade de tais rotinas, quando preparou uma serie de
questionarios de campo que foram enviados aos distantes missiona-
r ios e agentes diplomatieos norte-americanos para escrever 0 seu
superehissieo Systems of Consanguinity and Affinity of the Human
Family (1871)1. Tal tradieiio e obviamente necessaria e niio e
meu proposito aqui tentar denegri-la. Niio sou D. Quixote e reeo-
nheeo muito bem os frutos que dela nasceram e poderiio ainda
nascer. E mesmo se estivesse contra ela, 0 maximo que 0 born
sensa me permitiria acrescentar e que essas rotinas sao como urn
mal necessdrio.
Desejo, porem, neste trabalho, trazer a luz todo um "outro
lado" desta mesma tradic;ao oficial e explicitamente reconhecida
pelos antropologos, qual seja: os aspectos que aparecem nas ane-
dolas e nas reunifies de antropologia, nos coqueteis enos momen-
1 Republicado em 1970, Anthropological Publications: Oosterhout N.B.- Rolanda. Veja-se, em relacao ao que f'oi mencionadoacima, pp. viii eix do Pref acio e 0 Apendice a Parte I II, pp. 515 e ss.
27A VERSAO QUALlTATIVA
tos menos formais. Nas estorias que elaboram de modo tragicomico
um mal-entendido entre 0 pesquisador e 0 s~u ~elhor inf~r~ante,
de como foi duro chegar ate a aldeia, das diarreias, das dl£lCulda-
des de conseguir comida e - muito mais importante - de como
£oi dificil comer naquela aldeia do Brasil Central. ..,
Esses sao os chamados aspectos "romanticos" da disciplma,quando 0 pesquisador .se,v.e obriga~o a atuar ?O~O medico, .coz~-
nheiro contador de histories, mediador entre indios e funciona-
rios d~ FUNAI, viajante solitario e ate palhac;o, lanc;an~o mao
destes varies e insuspeitados papeis para poder bem reahzar. as
rotinas que infalivelmente aprendeu na escola graduad!. " I t c,U~lOS?
e significativo que tais aspectos sejam cunhados de ,anedot~cos
e, como ja disse, de "romanticos", desde que se esta consclen~e
_ e niio e preciso ser fllosofo para tanto - ~e ~ Antropol~gIa
Social e uma disciplina da comuta~ao e da mediacao. E com ISSO
quero simplesmente dizer que talvez mais do que qualquer outra
materia devotada ao estudo do Homem, a Antropologia e aquela
onde necessariamente se estabelece uma ponte entre dois universos
(ou subuniversos) de signi£ica~ao, e tal ponte ou mediaeiio e reali-
zada com urn minimo de aparato institucional ou de instrumen-
tos de mediaciio. Vale dizer, de modo artesanal e paciente, depen-
dendo essencialmente de humores, temperamentos, fobias e todos
os outros ingredientes das pessoas e do contat~ hun:ano., "
Se e possivel e permitido uma interpret~~ao, nao ha d~vlda
de que todo 0 anedotario referente as pesqUlsas de campo e um
modo muito pouco imaginativo de depositar num ~ad~ o~s~ur~ do
oficio os seus pontos talvez mais importantes e m~ls slgmflCahvos.
E uma maneira e - quem sabe? - um modo muito envergonhado
de nao assumir 0 lado humano e Ienomenologico da disciplina, com
um temor infanti l de revelar 0 quanta vai de subjetivo nas pesqui-
sas de campo, temor esse que e tanto maior quanta ~~is .voltado
esta 0 etnologo para uma idealiza~iio ~o rigor .nas dl;~lplIDas s~-
ciais. Numa palavra, e um modo de nao assumir 0 OflCIOde etno-logo integralmente, e 0 medo de sentir 0 que a Dra. Jean Carter
Lave denominou, com rara felicidade, nurna carta do campo, 0
anthropological blues.
II
,Por anthropological blues se quer cobrir. e descob~i~, de u~
, modo mais sistematico, os aspectos interpretahvos do Of~CIOde. e~n.o-
i logo. Trata-se de incorporar no campo mesmo das ro~mas oficiais,
. jli legitimadas como parte do treinamento do antropologo, aqueles
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28 A Buscx DA REAl_IDADE OBJETIVA
aspectos extraortliruirios, sempre prontos a emergir em todo 0 rela-
c ionamento humano. De fato, so se tern Antropologia Social quan-
do se tern de algum modo 0 exotieo, e 0 exotico depende invariavel-
mente da dis tanc ia social, e a distancia social tern como componen-
te a marginal idade (re lativa ou absoluta), e a marginalidade se ali-
menta de urn sentimento de segrega\!ao e a segrega\!aO implica
estar so e tudo desemboca - pari! comutar rapidamente essa longa
cadeia - na liminaridade e no estranhamento.
De tal modo que vestir a capa de etnologo e aprender a reali-
zar uma dupla tarefa que pode ser grosseiramente contida nas se-
guintes formulas: (a) translormar 0 exotico no familiar e/ou (h)
transformar 0 familiar em exotico, E, em ambos os casos, e neces-
saria a presenca dos dois termos (que represent am dois universos
de significacfio ] e, mais hasicamente , uma vivencia dos dois domi-
nios por urn mesmo sujeito disposto a situa-los e apanha-los, Numa
certa perspectiva, essas duas transformac;oes parecem seguir de per-
to os momentos criticos da lristoria da propria disc iplina . Assim e
que a primeira transformac;ao - do exotico em familiar _ corres-ponde ao movimento original da Antropologia quando os etnologos
conjugaram 0 seu esforeo na husca deliherada dos enigmas sociais
situados em universos de significac;ao sabidamente incompreendi-
dos pelos meios sociais do seu tempo. E foi assim que se reduziu e
transformou - para citar apenas urn caso classico - 0 kula ring
dos melanesios num sistema compreensivel de trocas, alimentadas
por praticas ritua is, politicas, juridicus, economicas e re ligiosas,
descoberta que veio, entre outras, permitir a criacao, por Marcel
Mauss, da nocfio hasilar de fato social total, desenvolvida logo aposas pesquisas de B. Malinowski."?
A segunda transformaefio parece corresponder ao momento
presente , quando a disciplina se volta para a nossa propria socieda-
de , num movimento semelhante a urn auto-exorcismo, pois ja niiose trata mais de depositar no selvagem africano ou melanesico 0
mundo de praticas primitivas que se deseja objetificar e inventariar,
mas de descobri-las em nos, nas nossas insti tuiefies, na nossa prati-
ea politica e religiosa. 0 problema e, enti io , 0 de tirar a capa de
membro de uma classe e de um grupo social especifico para poder
- como etnologo - estranhar alguma regra social familiar e as-
sim descobrir (ou recolocar, como fazem as crianeas quando per-
2 Permito-rne lembrar ao leiter que Malinowski publicou 0 seu Argon-auts of the Western Pacific ern 1922 e que a primeira edicao francesa doEssai sur Ie Don e de 1925.
A VERSAO QUALITATIVA 2 ' : )
guntam os "porques "] 0 exotico ~o que esta ?~trifi~a~o dentro de
nos pela reificaciio e pelos mecanismos de legltlma~a? .
Essas duas transformacdes fundamentais do OhClOde. etnologo
parecem guardar entre si uma estre ita re lacao ~e homologia. Como
o desenrolar de uma sonata, onde urn tema e apresentado clara-mente no seu inicio, desenvolvido rebuscadamente no seu curso~e,
finalmente , retomado no seu epilogo, No caso das transformacoes
antropologieas, os movimentos sempre conduzem a urn en~ontro.
Deste modo, a primeira transformacao leva ao encontro daquilo qU?
a cultura do pesquisador reveste inicial~ente .no envelo~e do hi-
zarro de tal maneira que a viagem do etnologo e como a via gem do
heroi classico, partida em tres momentos distintos e interdepend~n-
tes: a saida de sua sociedade, 0 encontro com 0 outro nos confms
" . f 1" ( 0do seu mundo social e, finalmente, 0 retorno triun a , com
coloca Degerando ] ao seu proprio grupo co~. os seus trofeus. ~e
fato, 0 etnologo e, na maioria dos casos, 0 ul timo agente da SOCle-
dade colonial ja que apos a rapina dos bens, da f~rc;a de,t .rabalh? e
da terra segue 0 pesquisador para completar 0 m~e~~rlO caniba-
listico: ele, portanto, busca as regras, ? S valores, . as Ide~as- numa
palavra , os imponderaveis da vida social qu~ Ioi colomzada. _
Na segunda transforrnaciio, a viagcm e _como a. do xama: um
movimento drastico onde, paradoxalmente, nao se sal do lugar. E,
de fa to, as viagens xamanisticas sao via~ens ,:erticais (para dentro
ou para cima) muito m~~s do q~? hO;lz~nta!s, ~omo aeontece ~a
via gem classic a dos herois homencos. E nao e por outra r~zao
que todos aqueles que realizam tais viagens para dentr~ e para erma
sao xamiis, curadores, profetas, santos e loucos; ou se)a, os que d.e
algum modo se dispuseram a chegar no fundo do poc;o d~ sua pro-
pria cultura. Como eonseqiiencia, a segunda transformaciio conduz
igualmente a urn encontro com 0outro e ao estranhament~.
As duas transformaeoes estiio, pois, intimamente relacionadas
e arsbas sujeitas a uma serie de residues, nunca sendo ~e~lmente
perfeitas. De fato, 0 exotico nunca pode passar a ser familIal'; e 0
familiar nunc a deixa de ser exotico.
Mas, deixando os paradoxos para os mais bern preparados,
essas transformaeoes indicam, num caso, um ponto de chegada (de
fato, quando 0 etnologo consegue se familiarizar com uma cultura
diferente da sua, ele adquire eompeteneia nesta cultura) e, no ou-
3 Estou usando as nocoes de reificacao e de legitirnacao como Bergere Luck mann no SI:U A Construciio Social da Realidade (Pctropolis:
Vozes, 1973). . . .. .4 Foi Peter Riviere de Oxford quem me sugenu esta Idem da viagernxamanistica.
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30 A Buscx DA REALIDADE OBJE1 'IVA
tro, 0 ponto de partida, ja que 0 iinico modo de estudar um ri tual
brasileiro e 0 de tomar tal rito como exotico, Isso significa que a
apreensiio no primeiro processo e realizada primordialmente por
uma via intelectual (a transformaeiio do exotico em familiar e rea-
Iizada fundamentalmente por meio de apreensfies cognitivas), ao
passo que, no segundo caso, e necessaria um desIigamento emocio-nal, ja que a familiaridade do costume nao foi obtida via mtelecto,
mas via coereiio socializadora e, assim, veio do estomago para a
cabeca. Em ambos os casos, porem, a media!;ao e realizada por urn
corpo de principios guias < . as chamadas teorias antropologicas ) e
conduzida num labirinto de confli tos dramaticos que servem como
pano de fundo para as anedotas antropologicas e para acentuar 0
toque romantico da nossa disciplina. Deste modo, se 0 meu insight
esta correto, e no processo de transformaciio mesmo que devemos
cuidar de buscar a def'inieiio cada vez mais precisa dos anthropolo-
gical blues.
Serra, entao, possivel iniciar a demarcaeao da area hasica do
anthropological blues como aquela do elemento que se insinua na
pratica etnologiea, mas que niio estava sendo esperado. Como um
blues, euja melodia ganha forea pela repetieiio das suas frases de
modo a cada vez mais se tornar perceptivel. Da mesma mane ira que
a tristeza e a saudade (tambem blues) se insinuam no processo do
trahalho de campo, causando surpresa ao etnologo. E quando elc
se pergunta, como fez Claude Levi-Strauss, "que viemos fazer aqui?
Com ({UC esperanea? Com ({ue rim'!" e, a partir desse memento,
pode ouvir claramente as intromissdes de urn rotineiro estudo de
Chopin, ficar por ele obsecado e se ahrir a terri vel descoberta
de que a viagem apenas despertava sua propria subjetividade: "Por
um singular paradoxo, diz Levi-Strauss, em lugar de me abrir a um
novo universo, minha vida aventurosa antes me restituia 0 antigo,
enquanto aquele que eu pretendera se dissolvia entre os meus dedos.
Quanto mais os homens e as paisagens a cuja conquista eu partira
perdiam, ao possui-los, a significaciio que eu deles esperava, maisessas imagens decepcionantes ainda que presentes eram substitui-
das por outras, postas em reserva por meu passado e as quais eu nao
dera nenhum valor quando ainda pertenciam Ii reaIidade que me
rodeava." (Tristes Tropicos, Sao Paulo: Anhembi, 1956, 402 ss.).
Seria possivel dizer que 0 elemento que se insinua no trabalho
de campo e 0 sentimento e a emoeao. Estes seriam, para parafrasear
Levi-Strauss, os hospedes niio convidados da situaeiio etnografica. E
tudo indica que tal intrusi io da subjetividade e da carga afetiva que
vem com ela, dentro da rotina intelectualizada da pesquisa antropo-
IOgica, e urn dado sistematico da situa!;ao. Sua manifestaeiio assu-
A VERSAO QUALITATIVA 31
me varras formas, indo da anedota infame contada pelo falecido
Evans-Pritchard, quando disse que estudando os Nuer pode-se fa-
cilmente adquirir sintomas de "Nuerosia'P, ate as reaeiies mais vis-
cerais, como aquelas de Levi-Strauss, Chagnon e Maybury-Lewis?
quando se referem Ii solidiio, Ii falta de privacidade e Ii sujeira dos
indios.Tais relatos parecem sugerir, dentre os muitos temas que ela-
boram, a fantastica surpresa do antropologo diante de um verda-
deiro assalto pelas emoeoes, Assim e que Chagnon descreve-eua
perplexidade diante da sujeira dos~Y anomano e, por ~s~omesmo,
do terrivel sentimento de penetraeao num mundo eaonco e sem
sentido de que foi acometido nos seus primeiros t ,e~pos de ,traba-
lho de campo. E Maybury-Lewis guarda para 0 ultimo ~aragraio
do seu livro a surpresa de se saber de algum modo envolvido e ca-
paz de envolver seu informante. Assim, e no ultimo instan~e do
seu relato que ficamos sabendo que Apowen - ao se despedir do
antropologo - tinha lagrimas nos olhos. E com~ se na esc~la ~a-
duada tivessem nos ensinado tudo: espere um sistema matrimonial
prescritivo, um sistema politico segmentado,. um~sistema ~?alist~,
etc., e jamais nos tivessem prevenido que a srtuaeao etnograflca nao
e realizada num vazio e que tanto la, quanto aqui, se pode ouvir os
anthropological blues!Mas junto a esses momentos cruciais (a chegada e 0 ultimo
dia), ha - dentre as imimeras situaeoes destacaveis - um outro
instante que ao menos para mim se configurou como critico: 0 mo-
mento da descoberta etnografica, Quando 0 etnologo consegue des-
cobrir 0 funcionamento de uma instituieao, compreende finalmente
a operaeiio de uma regra antes obscura. No caso da minha pesquisa,
no dia em que descobri como operava a regra da amizade formali-
zada entre os Apinaye, escrevi no meu diario em 18 de setembro
de 1970:
"Entao ali estava 0 segredo de uma relaeao social mui-
to importante (a relaeiio entre amigos formais), dada
por acaso, enquanto descobria outras coisas. Ele mos-
trava de modo iniludivel a fragilidade do meu traba-
lho e da minha capacidade de exercer 0 meu oficio cor-
s cr . Evans-Pritchard, The Nuer, Oxford: at the Clarendon Press.
1940 : 13.6 Para Levi-St rauss , vcja 0 jli citado Tristes Tropicos: para Chagnon eMaybury-Lewis confira, respectivamente, Yunomano: The Fierce People,
Nova York: Holt, Rinehart e Winston, 1968, e The Savage and The Inno-
cent, Boston: Beacon Press, 1965.
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A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
retamente. Por outro lado, ela revelava a contingencia
do oficio de etnologo, pois os dados, por assim dizer ,
caem do ceu como pingos de chuva. Cabe ao etnologo
nao so apara-los, como conduzi-los em enxurrada para
o oceano das teorias correntes. De modo muito nitidoverifiquei que uma cuItura e um informante sao como
cartolas de magico: tira-se alguma coisa (uma regra)
que faz sentido num dia; no outro, so conseguimos fi-
tas coloridas de baixo valor ...
Do mesmo modo que estava preocupado, pois havia
mandado dois ar tigos errados para publicaeao e tinha
que eorrigi-los imediatamente, fiquei tambem euforico.
Mas minha euforia ter ia que ser guardada para 0 meu
diario, pois njio havia ninguem na aldeia que comigo
pudesse compartilhar de minha descoberta. Foi assim
que escrevi uma carta para um amigo e visitei 0 encar-
regado do Posto no auge da euforia. Mas ele niio es-
tava absolutamente interessado no meu trabalho. E,
mesmo se estivesse, niio 0entenderia. Num dia, It noite,quando ele perguntou por que, afinal, estava eu ali estu-
dando indios, eu mesmo duvidei da minha resposta,
pois procurava dar sentido pratico a uma atividade
que, ao menos para mim, tem muito de artesanato, de
confusiio e e , assim, totalmente desligada de uma rea-
lidade instrumental.
E foi assim que tive que guardar segredo da minha
descoberta, E, a noite, depois do jantar na casa do en-
carregado, quando retornei a minha casa, la so pude di-
zer do meu feito a dois meninos Apinaye que vieram
para comer comigo algumas bolachas. Foi com eles e
com uma lua amarela que subiu muito tarde naquela
noite que eu compartilhei a minha solidao e 0 segredo da
minha mimiscula vitoria."
Esta passagem me parece instrutiva porque ela revela que, no
momenta mesmo que 0 intelecto avanca - na ocasiiio da descober-
ta - as emoefies estao igualmente presentes, ja que e preciso com-
partilhar 0 gosto da vitor ia e legitimar com os outros uma desco-
berta. Mas 0 etnologo, nesse momento esta s6 e, deste modo, terti
que guardar para si proprio 0 que foi capaz de desvendar .
E aqui se coloea novamente 0 paradoxo da situaeiio etnogni-
fica: para descobrir e preciso relacionar-se e, no momenta mesmo
da descoberta, 0 etnologo e remctido para 0 seu mundo e, deste
.J
A VERSAO QUALITATIVA 33
modo, isola-se novamente. 0 oposto ocorre com muita Ireqiiencia:
envolvido por urn chefe politico que deseja seus favores e sua opi-
niiio numa disputa, 0 etnologo tem que calar e isolar-se, Emocionado
pelo pedido de apoio e temeroso por sua participaefio num conflito,
ele se ve obrigado a chamar a razdo para neutralizar os seus senti-
mentos e, assim, continuar de fora. Da minha experiencia, guardo
com muito cuidado a Iembranca de uma destas situacfies e de outra.
muito rnais emocionante, quando urn indiozinho que era um misto
de secretar io, guia e filho adotivo, ofereceu-me um colar, Trans-
crevo novamente um longo trecho do meu diar io de 1970:
"Pengi entrou na minha casa com uma cabacinha presa
a uma linha de tucum. Estava na minha mesa remoen-
do dados e coisas. Olhei para ele com 0 desdern dos can-
sados e explorados, pois que diariamente e a todo 0 mo-
mento minha casa se enche de indios com colares para
trocas pelas minhas missangas. Cada uma dessas trocas
e um pesadelo para mim. Socializado numa cultura
onde a troca sempre implica uma tentativa de tiraro melhor partido do parceiro, eu sempre tenho uma re-
beldia contra 0 abuso das trocas propostas pelos Api-
naye: um colar velho e mal feito por um punhado sem-
pre crescente de missangas. Mas 0 meu oficio iem des-
ses logros, pois missangas nada valem para mim e, no
entanto, aqui estou zelando pelas minhas pC!J1WIl"~
bolas color idas como se fosse um guarda de urn hnnco,
Tenho chime delas, estou apegado ao seu valor .-- que
eu mesmo estabeleci. .. Os indios chegam, ofereccm os
colares, sabem que eles sao mal feitos, mas sabem que
eu yOU trocar. E assim fazemos as trocas. Sa o (Ic,e-
nas de colares por milhares de missangas. A te ·IU0 elas
acabem e a noticia corra por toda a aldeia. E, entiio, fi-
carei livre desse incomodo papel de comerciante. Te-
rei os colares e 0 trabalho cristalizado de quase todas
as mulheres Apinaye. E eles terao rnissaugas para ou-
tros colares.
Po is bern, a chegada de Pengy era sinal de mais uma
troca. Mas ele estendeu a mao rapidamente: - Esse epara 0 teu ikni (filho), para ele brincar ...
E, ato continuo, saiu de casa sem olhar para tras. 0
objeto estava nas minhas miios e a saida nipida do in-
diozinho niio me dava tempo para propor uma recom-
pensa. So pude pensar no gesto como uma gentileza,
8/7/2019 Antropological Blues - Roberto DaMatta
http://slidepdf.com/reader/full/antropological-blues-roberto-damatta 8/8
I
I
I ·1. . J J : II .J
34 A BUSCA DA REALIDADE OBJETIVA
mas ainda duvidei de tanta hondade. Pois eia niio exis-
te nesta sociedade onde os homens sao de mesmo va-
lor."7
Que 0 Ieitor niio deixe de observar 0 meu ultimo panigrafo.
Duvidei de tanta bondade porque tive que racionalizar imediata-
mente aquela dadiva, casu contra rio nao estar ia mais solitario. Mas
sera que 0 etnologo esta realmente sozinho?
Os manuais de pesquisa social quase sempre colocam 0 pro-
blema de modo a fazer crer que e precisamente esse 0 caso. Deste
modo, e 0 pesquisador aquele que deve se orientar para 0 grupo
estudado c lentar idcnrificar-se corn C1e.Nao se coloca a contrapnr-
tida deste mesmo processo: a identificaefio dos nativos com 0 siste-
ma que 0 pesquisador carrega com ele, urn sistema formado entre
o etnologo e aqueles nativos que consegue aliciar - pela simpatia,
amizade, dinheiro, presentes e Deus sabe rna is como! para que
lhe digam segredos, romp am com lealdades, fornecam-lhe lampejos
novos sobre a cultura e a sociedade em estudo.
Afinal, tudo e fundado na alteril idade em Antropologia: pois
s6 existe antrop6Iogo quando ha urn nativo transformado em in-
formante. E so ha dados quando ha urn processo de empatia cor-
rendo de lado a lado. E isso que permite ao informante con tar mais
urn mito, elaborar com novos dados uma relaei io social e discutir
os motivos de urn Iider polit ico de sua aldeia. Sao justamente esses
nativos (transformados em informantes e em etnologos ] que sal-
vam 0 pesquisador do marasmo do dia-a-d~a da aldeia: do nasce~ :
por-do-scl, do gado, da mandioca, do milho e das foss as sanita-
rias.
Tudo isso parece indicar que 0 etnologo nunc a esta so. Real-
mente. no meio de urn sistema de regras ainda exotico e que e seu
objeti~o tornar familiar, ele esui relucionudo - e. m:~i~ do lJue
nunca ligado - a sua propria eultura. E quando 0 familiar ~ome-
ea a se deseuhar na sua conseiencia, quando 0 trabalho tcrmma, 0
;ntropologo retorna com aqueles pedaeos de imagens e de pessoas
que eonheeeu meIhor do que ninguem, Mas situa~as ~ora do al-
eanee imediato do seu proprio mundo, elas apenas mstlg~m e tra-
zem a Iuz uma ligagao nostalgica, aquela dos anthropological blues.
? Para urn estudo da organizacao social desta sociedade, veja-se Rober-to Da Matta, Um Mundo Divitlido: A Estrutura Social dos Apinaye.
Petrooolis: Vozes, J 976.
A Vl:RSAO ~LJAUtAIl\A oJ_'
III
Mas 0 que se pode deduzir de todas essas oli servaefies e de to -
das essas impressfies que formam 0 processo que denominei an-
thropological blues?
Vma dedueao possivel, entre muitas outras, e a de que, em
Antropologia, e preeiso recuperar esse lado extraordinario das rela-
goes pesquisador/nativo. Se este C 0 ludo menos rotineiro e 0
mais dificil de ser apanhado da situacfio antropolrigiea, e certamen-
te porque ele se eonstitui no aspecto mais humano da nossa rotina.
E 0 que realmente permite eserever a boa etnografia. POl·que scm
ele, como coloca Geerlz, mnnipulando hnhilmcntc Hill cxciuplo do
filosofo illgles RyIe, nao se distingue urn piscar de 01h05 de uma pis-
cadela marota. E e isso, precisamente, que distingue a "de5cri~ao
densa" - tipicamente antropologica - da descricfio inversa, fo-
tografica ou mecanica, do viajante ou do missiomi rio." Mas para
distinguir 0 piscar mecanieo e fisiologico de uma piscadcla sutil e
comunieativa, e preciso sentir a marginalidade, a solidao e a sau-dade. E preciso cruzar os caminhos da empatia e cia humildade.
Essa descoberta da Antropologia Social como materia interpre-
tat iva segue, por outro Iado, uma tendencia da disciplina. TendeD-
cia que modernamente parece marcar sua passagem de uma cien-
cia natural da sociedade, como queriam os empiricistas ingleses c
amcricanos, para lima ciencia interpretativa, dcstinada antes de
tudo a confrontar subjetividades e delas tratar. De fato, neste pla-
no nfio seria exagero afirmar que a AntropoJogia e 11mmecanisme
dos mais importantes para deslocar nossa propria subjetividade. E
o problema, como assume Louis Dumont, entre outros, niio pare-
ce propriamente ser 0 de estudar as castas da India para conhece-
las integralmente, tarefa impossivel e que exigi r ia muito mais do
que 0 inteleeto, mas - isso sim ~ permitir dialo~ar com as for-
mas hierurqu icas qne convivemeon0500.
l~ a :lIll1lissuo - rouum-t ismo e anthropological blues aparte - de que 0 homem niio se en-
xerga sozinho. E que ele preeisa do outro como seu espelho e seu
guia.
6 Cf. Cli fford Geertz, The Int erpreta ti on of Cul tu res, Nova York; BasieBooks, 1973. [A ser publicado brevernente por Zahar Editores.]