UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí. ACADÊMICA: KELLY CRISTINY SOUZA
São José (SC), Maio de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Professor MSc. Sérgio Ramos.
ACADÊMICA: KELLY CRISTINY SOUZA
São José (SC), Maio de 2008.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
A OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL
KELLY CRISTINY SOUZA
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
Área de Concentração: Direito Processual Penal e Direito Constitucional.
São José, 18 de junho de 2008.
Banca Examinadora:
_______________________________________
Prof. MSc. Sérgio Ramos
Orientador
_______________________________________
Prof. MSc. Rita de Cássia Pacheco
Membro
_______________________________________
Prof. MSc. Juliano Keller do Valle
Membro
Dedico esta pesquisa monográfica:
Ao meu inesquecível pai, Acioni (in
memorian), exemplo de profissional, pai,
esposo, irmão e amigo, figura de grande
importância na minha formação e de quem
sinto muitas saudades;
A minha mãe, Onéria, pela sua dedicação e seu
carinho;
Ao meu irmão, Neto, pelo apoio e
companheirismo;
Ao Dani, por ter, tão amorosamente,
ingressado em minha vida...
“Não há melhor maneira de exercitar a imaginação do que estudar direito. Nenhum poeta jamais interpretou a natureza com tanta liberdade quanto um jurista interpreta a verdade”. (Jean Giraudox)
AGRADECIMENTOS
A Deus, não só pela minha existência mas também por toda força que cotidianamente
me forneceu, através da qual pude enfrentar os obstáculos que me apareceram durante a
confecção deste trabalho de conclusão de curso.
Aos meus pais, pela boa educação que me ministraram e por todo o amor com que
sempre me envolveram. Não obstante, não posso me furtar de tecer agradecimentos pessoais a
cada um deles individualmente.
A minha mãe, Onéria, exemplo de força e coragem, que com muito carinho e apoio,
não mediu esforços para que eu chegasse até esta etapa de minha vida.
Ao meu pai, Acioni (in memorian), meu herói e ilustre Delegado de Polícia, por toda
dedicação e incentivo que ofereceu durante a minha caminhada.
Ao meu irmão, Neto, que sempre esteve presente nas horas mais difíceis.
Ao meu namorado, Daniel, incontestavelmente a pessoa que mais de perto
acompanhou todas as dificuldades que advieram durante a realização desta pesquisa e,
compartilhando-as comigo, auxiliou-me com toda sua paciência, atenção, companheirismo e
principalmente, com todo seu amor.
Aos meus amigos Bernardo, Danielle, Gabrielle, Giselle, Vanisa, Laila e Liana, por
me compreenderem, ajudarem, participarem, nos momentos mais angustiantes e nos mais
descontraídos, engrandecendo de maneira significativa esta pesquisa.
A minha amiga, Andréa, por ter ajudado muito no processo de confecção deste
trabalho.
Aos meus amigos Guilherme, João Paulo, Victor, Marina, Gabriela e Paula, pela
amizade e motivação nos momentos em que precisei.
Ao meu primo e amigo, Fábio, pelo auxílio fundamental na conclusão desse estudo.
Ao meu orientador, professor e juiz Sérgio Ramos, pela constante prontidão na
solução de dúvidas, por seu apoio e inspiração no amadurecimento dos meus conhecimentos e
conceitos que me levaram a execução e conclusão desta monografia.
Enfim, a todos os amigos, alunos, professores e funcionários, que foram meus
contemporâneos no Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, e que compartilharam
comigo os cinco anos mais proveitosos de minha vida.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a
coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer
responsabilidade acerca do mesmo.
São José, 30 de maio de 2008.
Kelly Cristiny Souza Graduando
SUMÁRIO
RESUMO ...................................................................................................................................9
ABSTRACT ...........................................................................................................................110
INTRODUÇÃO........................................................................................................................11
1. O INQUÉRITO POLICIAL .................................................................................................13
1.1. A ORIGEM DO INQUÉRITO POLICIAL..................................................................13
1.1.1. A origem do inquérito policial no Brasil ......................................................................14
1.2. AS FASES DO INQUÉRITO POLICIAL ...................................................................16
1.2.1. Processo Acusatório .....................................................................................................17
1.2.2. Processo Inquisitório ....................................................................................................18
1.2.3. Processo Misto..............................................................................................................19
1.3. CONCEITOS DO INQUÉRITO POLICIAL...............................................................19
1.4. CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL.................................................21
1.4.1. Discricionariedade ........................................................................................................22
1.4.2. Escrito...........................................................................................................................22
1.4.3. Sigiloso .........................................................................................................................23
1.4.4. Obrigatório e Indisponível ...........................................................................................23
1.5. A POLÍCIA JUDICIÁRIA ...........................................................................................24
1.6. FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL .............................................................26
1.7. NATUREZA JURÍDICA DO INQUÉRITO POLICIAL.............................................27
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ...................................................................................31
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO PENAL .................................30
2.1.1. Princípio da Legalidade ................................................................................................31
2.1.2. Princípio da Obrigatoriedade........................................................................................32
2.1.3. Princípio da Publicidade...............................................................................................32
2.1.4. Princípio da Indisponibilidade......................................................................................36
2.1.5. Princípio da Oficialidade ..............................................................................................36
2.1.6. Princípio da Verdade Real............................................................................................37
2.1.7. Princípio do Devido Processo Legal ............................................................................39
2.2. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO..........................................................................41
2.3. PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA.............................................................................44
2.4. A VINCULAÇÃO DO INTÉRPRETE AOS PRINCÍPIOS ........................................45
3. OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO INQUÉRITO
POLICIAL................................................................................................................................48
3.1. PROCEDIMENTOS.....................................................................................................48
3.1.1. Instauração e atos iniciais .............................................................................................48
3.1.2. Instrução .......................................................................................................................51
3.1.3. Indiciamento .................................................................................................................52
3.1.4. Deveres da autoridade policial .....................................................................................54
3.1.5. Encerramento................................................................................................................54
3.1.6. Arquivamento ...............................................................................................................56
3.2. A VALIDADE DAS PROVAS NO INQUÉRITO POLICIAL ...................................57
3.2.1. Admissibilidade Relativa do Valor Probatório do Inquérito Policial...........................58
3.2.2. Não Admissibilidade do Valor Probatório do Inquérito Policial .................................60
3.2.3. Admissibilidade do Valor Probatório do Inquérito Policial .........................................61
3.3. A UTILIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA
DEFESA NO INQUÉRITO POLICIAL. .................................................................................64
3.3.1. As posições favoráveis .................................................................................................64
3.3.2. As posições intermediárias ...........................................................................................67
3.3.3. As posições contrárias ..................................................................................................69
CONCLUSÃO..........................................................................................................................71
REFERÊNCIAS .......................................................................................................................73
RESUMO
A presente monografia objetiva verificar a possibilidade da observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. Para tanto, depois de um breve estudo acerca do inquérito policial, buscou-se definir sua natureza jurídica, certificando ser a mesma administrativa. Após, passa-se a análise dos princípios constitucionais penais, dando enfâse as garantias do contraditório e da ampla defesa, onde constatou-se o seu teor doutrinário, que tem por escopo garantir aos indíviduos sua dignidade e seu direito defesa em qualquer procedimento onde sua esfera jurídica possa ser ameaçada; constatou-se, também, que na maioria das vezes a observância destas garantias não é aceita no nosso ordenamento jurídico em virtude dos doutrinadores e dos tribunais sustentarem ser o inquérito mera peça informativa, não valendo como prova; porém, baseado em alguns doutrinadores, não menos autorizados, pode-se constatar a necessidade de se fazer verdadeiramente ampla a defesa do investigado no curso do inquérito policial. Enfim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa legitimados pelo art. 5°, inciso LV da Constituição Federal de 1988, afiguram-se como uma ferramenta extremamente relevante, que pode e deve ser explorada a fim de garantir que o direito fundamental dos indivíduos não seja lesado na fase da investigação criminal. Palavras-chave: 1. Inquérito Policial; 2. Princípios Constitucionais; 3. Contraditório; 4. Ampla defesa.
ABSTRACT
The present monograph has the object to check on the possibility of observing the constitutionalist principles of contradictory and complete defence into police inquiry. For that, after a short study about police inquiry, has been definy juridical nature, certifying to be the same of administrate. After, it is transferred analysis of the criminal principles constitutional, giving importance the guarantees of the contradictory and legal defense, where its doctrinal text was evidenced, that has for target to guarantee to the people its dignity and its prohibited right in any procedure where its legal sphere can be threatened; it was evidenced, also. That most of the time the observance of these guarantees is not accepted in our legal system in virtue of the doctrinaters and the courts to support to be the mere inquiry part informative, not being valid as test; however, based in some doctrinaters, not less authorized, it can be evidenced the necessity of if making trully ample the defense of the investigated one in the course of the police inquest. At last, the principles constitutional of the legitimated contradictory and legal defense for art. 5°, interpolated proposition LV of the Federal Constitution of 1988, is figured as an extremely excellent tool, that can and must be explored in order to guarantee that the basic right of the individuals is not injured in the phase of the criminal inquiry. Keywords: 1. Police Inquiry; 2. Constitutional Principles; 3. Contradictory; 4. Great defense.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma análise da utilização dos princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial.
Cumpre lembrar, em primeiro lugar, que o inquérito é um procedimento
administrativo com a função de acumular os quesitos imprescindíveis para definir a prática de
uma contravenção penal e o seu autor.
O motivo de lidar com esse tema está ligado a ausência da aplicação desses princípios
no inquérito policial, ferindo o disposto no art. 5º, LV da nossa Magna Carta.
Contudo, uma revisão acerca da investigação preliminar, relatando sua natureza
administrativa, uma vez que se considera como uma fase preparatória ao processo penal,
exercido pela Polícia Judiciária, impõe-se nesse estudo a observância das garantias
constitucionais já citadas.
A hipótese aqui levantada é a regra de que "aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes", prevista no art. 5º, LV, da Constituição Federal de 1988,
também se estenderia ao inquérito policial, em harmonia com o sistema acusatório penal.
Deste modo, o objetivo geral deste trabalho é analisar o inquérito policial relacionando o
mesmo com os dois princípios constitucionais relatados. Assim sendo, três são as tarefas
propostas para esse fim: a) abordar de uma maneira geral o inquérito policial; b) discorrer
acerca dos princípios constitucionais penais mais relevantes, dando ênfase ao contraditório e a
ampla defesa; c) analisar a utilização destes princípios na fase investigatória.
Definida a importância de se estudar a questão-problema, é mister identificar
brevemente a metodologia utilizada para possibilitar o bom desenvolvimento do trabalho e
também explicar a ordem lógica que se seguiu. Enquanto o método de abordagem eleito foi o
dedutivo, a escolha do procedimento recaiu sobre a modalidade de revisão bibliográfica.
Para que o estudo desfrutasse de coerência lógica, com tal concatenação de premissas
a ponto de se construir uma tese bem fundamentada, dividiu-se esta monografia em três
capítulos.
Num primeiro momento, após uma breve exposição acerca da história do inquérito
policial, adentrou-se na verificação do seu conceito, seu desenvolvimento, suas características
principais, sua finalidade, natureza jurídica, ou seja, a importância de que se reveste para a
possibilidade de empreender a análise proposta e para a definição do alcance da tese
formulada. Cumpre mencionar também, que neste primeiro capítulo foi abordada a função da
Polícia Judiciária no inquérito policial.
O capítulo que, apresenta a exposição doutrinária dos princípios constitucionais penais
mais importantes a presente pesquisa, versando destacadamente, sobre os princípios do
contraditório e da ampla defesa, para então ser analisada a vinculação do intérprete aos
princípios.
Isto feito, parte-se para o terceiro e último capítulo que traz a exposição dos
procedimentos no inquérito policial, o seu valor probatório, para que, finalmente, se pudesse
vislumbrar a aplicação do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, afim de
garantir o poder de defesa do indiciado.
1º Capítulo
O INQUÉRITO POLICIAL
Neste capítulo, apresenta-se um estudo sobre o inquérito policial, analisando também a
instituição responsável pela sua condução, a Polícia Judiciária. Busca-se com este capítulo
apresentar elementos capazes de facilitar um entendimento sobre a fase da investigação
criminal.
1.1 A ORIGEM DO INQUÉRITO
O inquérito policial surgiu na Idade Média com o sistema inquisitorial, em meados de
1200, que tinha como figura de um “juiz delegado” o inquisitor e seus poderes eram
delegados pelo Papa. O inquisitor tinha como função proceder contra todos os suspeitos de
heresias, toda e qualquer ameaça a fé católica era investigada pelo Santo Ofício.1
A Igreja encarregou, nos seus primeiros doze séculos, exclusivamente aos bispos, de
zelar pela inocência dos mandamentos relativos à religião dos fiéis. Tratava-se de um tribunal
em que lhe competia verificar as falhas da crença que a perversidade ou ignorância inseriram.2
A Inquisição ou Santo Ofício nasceu no seio da Igreja Católica Romana durante o
século XIII, em quase todos os países da Europa Meridional e, ainda, nas extensas províncias
da América e do Oriente, fixando-se como tribunal permanente nos fins do século XV,
decretando que os arcebispos e bispos indicassem em cada paróquia um clérigo, com dois ou
mais três assessores seculares, estando estes juramentados para buscarem a existência de
alguma doutrina contrária aos dogmas da Igreja Católica, apontando os acusados aos bispos
ou magistrados seculares, com intuito de não permitir a fuga dos responsáveis pelas heresias.3
Césare Cantu descreve fatos históricos sobre a Inquisição:
[...] Gregório organizou verdadeiramente a inquisição, tirando a instrução dos processos aos bispos, para dar aos irmãos pregadores (1233). Gualter de Marbes, bispo de Tournay, legado pontifício, estabeleceu dois inquisitores em todas as cidades em que os dominicanos tinham conventos. O poder da inquisição estendia-se sobre todos os seculares, compreendendo os governantes: só o Papa, seus legados e o alto clero escapavam à sua jurisdição. A sua chegada a uma cidade, o inquisitor dava aviso aos
1 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 21. 2 HERCULANO, Alexandre. História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. 13. ed. Portugal : Livraria Bertrand, 1975. p. 24. 3 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 22-25.
magistrados e convidava-os a comparecer perante ele. Imediatamente o principal deste prestava juramento de fazer executar os seus decretos contra os hereges, de ajudar a descobri-los e a prendê-los; se algum oficial do príncipe desobedecia, o inquisitor podia suspendê-lo e excomungá-lo, tinha mesmo a faculdade de pôr a cidade em interdito. As denúncias não surtiam efeito senão depois de se ter esperado que o réu se apresentasse voluntariamente; findo o prazo de espera, era citado para comparecer; ouvia-se as testemunhas, na presença de dois eclesiásticos e do escrivão. Se a instrução preparatória fornecia a prova do delito, os inquisitores ordenavam a prisão do acusado ao qual já não protegia nem privilégios nem asilo. Depois de preso, ninguém mais se comunicava com ele procedia-se à visita do seu domicílio e fazia-se o seqüestro de seus bens. Se negava o crime que lhe imputavam, era considerado como obstinado. A informação do processo era-lhe comunicada; mas calava-se o nome do delator e das testemunhas. Concedia-se-lhe um advogado; e, se os seus meios de defesa, depois do exposto, não pareciam satisfatórios, aplicavam-lhe a tortura. Uma vez instituído um tribunal desta espécie, não era de esperar que fosse melhor do que os outros tribunais da mesma época. Por isso se viram novamente todas as crueldades usadas nos processos da Roma pagã: as chicanas, a tortura e os suplícios mais atrozes; teremos, muito freqüentes vezes, de deplorar semelhantes horrores, que, por fim, adquiriram à Igreja mais detratores do que lhe tiraram. Felizes os que, como nós, nasceram num tempo em que a religião só tem por armas a persuasão e a oração! [...]4
No Santo Ofício, os denunciados jamais saberiam quem eram os delatores, variando as
punições de acordo com o grau das afrontas. A divergência da apreciação doutrinária era
penalizada com encarceramento, banimento e até a morte, isso tudo sem esquecer de
mencionar as torturas sofridas pelos acusados. Em 1253, foram autorizadas as tortura no
interrogatório pelo Papa Inocêncio IV.5
Para A. Herculano “o termo inquisição vem do latim inquirere, inquirir. Compõe-se de
duas outras palavras latinas: in (em), e quaero (buscar). Portanto, a inquisição é uma busca,
uma investigação”.6
Diante o exposto, observou-se que o Inquérito Policial nasceu na Inquisição, sendo
que esta tinha o intuito de exterminar toda e qualquer oposição à Igreja Católica.
1.1.1 A Origem do Inquérito no Brasil
As Ordenações Filipinas, em particular o Livro V, na ocasião do Brasil Colônia,
estabeleciam a principal legislação penal e processual penal vigorante. Descreve Ricardo
4 CANTU, Césare. História Universal. Belo Horizonte: Editora das Américas, 1955. vol. 10. p. 104-106. 5 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. Campinas: Bookseller, 2000. p. 30. 6 HERCULANO, A. História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal. Portugal: Livraria Bertrand. p. 86.
Lemos Thomé, que o Regimento de 17 de dezembro de 1548 durou por mais de um século,
até a concretização de toda a legislação em 23 de janeiro de 1677. Durante esta época, a ação
militar em amparo da posse, o desempenho policial e o desempenho de julgar não se
encontravam afastados. A atividade policial preventiva e repressiva, era regulada pelo Alvará
do Rei de Portugal, de 25 de junho de 1760, e a polícia de segurança e tranqüilidade pública,
era ajustada pelo Alvará de 15 de janeiro de 1780.7
Quanto ao ordenamento jurídico nacional, Rohling8 traz uma retrospectiva histórica
das legislações que abordavam o processo penal:
1- Livro V das Ordenações Filipinas; 2- Regimento de 17 de dezembro de 1548; 3- Consolidação da Legislação de 23 de janeiro de 1677; 4- Alvará do Rei de Portugal de 25 de julho de 1760 – regulava a atividade policial preventiva e repressiva; 5- Alvará de 15 de janeiro de 1780 – regulava a atividade de polícia de segurança e tranqüilidade pública; 6- Alvará de 10 de maio de 1808 – criou a Intendência Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil; 7- Código de Processo Criminal de Primeira Instância de 29 de novembro de 1832; 8- Lei n. 261, de 3 de dezembro de 1841 – reformou o Código de Processo Criminal; 9- Lei n. 2.033, de 20 de setembro de 1871 – finalmente separou as atividades de polícia e a atividade judiciária; 10- Decreto n. 4.824, de 22 de novembro de 1871 – regulamentou a lei anterior e utilizou, pela primeira vez, a expressão “Inquérito Policial”; 11- Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal; 12- Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995 – limitou a atividade do Inquérito Policial ao estabelecer procedimento específico.
Em 10 de maio de 1808, foi criado um Alvará que instituiu a Intendência Geral de
Polícia da Corte e do Brasil, que foi modificado após a chegada da família real portuguesa no
Brasil e utilizava pela primeira vez a expressão Delegado para indicar a autoridade policial da
Província, que simbolizava o Intendente Geral.
Com a proclamação da Independência do Brasil e a promulgação da Constituição de
1824, o legislador brasileiro gerou a organização de um Código Civil e outro Criminal.
A Lei n. 261, publicada em de 3 de dezembro de 1841, aperfeiçoou o Código de
Processo Criminal e, também, trouxe a primeira impressão em texto legal do que seria o
Inquérito Policial, ainda não com este título, que foi adquirido apenas pelo Decreto n. 4.824,
7 THOMÉ, Ricardo Lemos. Contribuição à Prática de Polícia Judiciária. 2. ed. Florianópolis: Editora do autor, 1997. p. 15. 8 ROHLING, Valdoney Sérgio. O Valor Probatório do Inquérito Policial. 2002. 78 f. Monografia (Graduação em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. p. 7.
de 22 de novembro de 1871. Fazia referência a “competência da polícia judiciária”,
mencionando o julgamento de crimes de menor potencial ofensivo.9
O artigo 42 do Decreto n. 4.824, de 22.11.1981 definia que “O inquérito policial
consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento do fato criminoso, de suas
circunstâncias e dos seus autores e cúmplices”.10
O Código de Processo Penal vigente ampara a permanência do inquérito policial:
há em favor do inquérito policial, como instrução provisória antecedendo à propositura da ação penal, um argumento dificilmente contestável: é ele uma garantia contra apressados e errônios juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas. Por mais perspicaz e circunspecta, a autoridade que dirige a investigação inicial, quando ainda perdura o alarme provocado pelo crime, está sujeita a equívocos ou falsos juízos a priori, ou a sugestões tendenciosas. Não raro, é preciso voltar atrás, refazer tudo, para que a investigação se oriente no rumo certo, até então despercebido. Por que, então, abolir-se o inquérito preliminar ou instrução provisória, expondo-se a justiça criminal aos azares do detetivismo, às marchas e contramarchas de uma instrução imediata e única? Pode ser mais expedito o sistema de unidade de instrução, mas o nosso sistema tradicional, com inquérito preparatório, assegura uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena.11
Desde então o inquérito policial permaneceu cultivado, praticamente sem nenhuma
modificação dentro do processo penal nacional, a não ser por uma ou outra pequena alteração,
que não lhe alteraram o sentido.
1.2 AS FASES DO INQUÉRITO POLICIAL
Ao longo da história, o inquérito policial é qualificado no Direito, por três formas
diferentes: acusatória, inquisitória e mista.12
Nas palavras de Marcus Cláudio Acquaviva “o primeiro desenvolveu-se na Grécia e
em Roma; o segundo, durante a Idade Média, e o terceiro no mundo moderno.13
A seguir, serão analisados separadamente os três sistemas.
9 BOSCHI, José Antônio Paganella. Persecução Penal. Rio de Janeiro: AIDE, 1987. p. 29-30. 10 BOSCHI, José Antônio Paganella. Persecução Penal. Rio de Janeiro: AIDE, 1987. p. 32. 11 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1994. p. 17. 12 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. vol. 1. p. 8-18 13 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Inquérito Policial. São Paulo: Ícone, 1992. p. 9.
1.2.1 Processo Acusatório
Para Marcus Cláudio Acquaviva14, o sistema acusatório era marcado pelo direito da
própria vítima em dar iniciativa na ação penal, ficando o juiz impotente em relação à mesma.
Mais tarde, a ação passou a poder ser proposta por qualquer cidadão, em razão do crime não
afrontar exclusivamente o ofendido.
O processo começava pela acusação, a autoria e a materialidade eram verificadas
apenas após a incriminação, passando a existir a figura do Inquérito15.
Cabe ressaltar que, o acusador era quem levava a termo as averiguações, expedindo o
magistrado uma espécie de mandado, instrumento este que permitia as buscas e apreensões,
oitivas das testemunhas, exame de documentos, tendo competência para obter todas as
informações necessárias a prova do ato criminoso.
Sobre o sistema acusatório, leciona Hélio Tornaghi,
1. A prova dos fatos compete às partes. O Juiz não tomava a iniciativa de
apurar coisa alguma, até porque os fatos não controvertidos não precisam ser provados;
2. As partes tinham disponibilidade do conteúdo do processo; 3. Se o réu se confessava culpado, era condenado sem mais indagações; 4. Dominava a publicidade e a oralidade; 5. O réu aguardava a sentença em liberdade.16
Ainda, na mesma linha, Hélio Tornaghi versa:
a) impunibilidade de criminoso – O maior contra-estímulo ao crime é a certeza da punição; a esperança da impunibilidade é o acicate do criminoso; ela o açula para o delito;
b) facilitação da acusação falsa – Que garantia é essa que não impede sejam os homens de bens arrastados à barra de um tribunal sem nenhuma verificação anterior? Certamente é sempre possível, em qualquer sistema, acontecer que um inocente responda a processo criminal(...) Isso decorre das contingências da justiça humana, da impossibilidade de se saber de antemão se alguém é culpado(...) Admitir a acusação nua, totalmente desacompanhada de qualquer vestígio de prova, e só com ela submeter o indivíduo às agruras do processo criminal, não pode ser o grau máximo de garantia da liberdade civil;
c) desamparo dos fracos – Especialmente em certas sociedades organizadas em castas ou classes, de direito ou apenas de fato, não havia como esperar que alguém viesse a acusar aquele de quem dependia, aquele sob cuja sujeição tinha de viver;
d) deturpação da verdade – Deferindo exclusivamente às partes a tarefa de trazer para os autos a prova dos fatos e negando ao juiz todo poder
14 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Inquérito Policial. São Paulo: Ícone, 1992. p. 9. 15 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 35. 16 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. vol. 1. p. 11.
inquisitivo, este sistema não possibilitava o conhecimento da verdade. Contentava-se com uma verdade ficta, com aquilo que as partes admitiam como verdade;
e) impossibilidade eventual de julgamento – O sistema acusatório, despido da instrução prévia, carecedor de provas elucidadas por sérias investigações, reduzia freqüentemente o juiz à impotência de julgar;
f) inexeqüibilidade da sentença – Desprovido das cautelas que devem ser adotadas para que a decisão não se torne vã, o processo acusatório terminava freqüentemente numa comédia. Porque de nada adiantava condenar o pior e mais perigoso dos facínoras, se, durante o curso do processo, ele pode fugir, pois aguardava a sentença em liberdade.17
Portanto, o referido sistema era frágil, não garantindo a punição do acusado,
facilitando a condenação de inocentes, em virtude da complicada demonstração da verdade
real dos fatos, pois partia das partes as incriminações contra o investigado.
1.2.2 Processo Inquisitório
Subsidiariamente ao processo acusatório, surgiu o processo inquisitório, ao contrário
do primeiro, era do juiz que partia as ordens para a investigação da verdade dos fatos. A partir
deste momento é que a investigação tornou-se sigilosa, resguardando o apropriado caminho
das buscas, estando todos os atos provados através de documentos escritos.18
Fernando Costa Tourinho Filho, citando Garcia-Velasco, esclarece no que se refere às
características do processo inquisitório:
1. Concentração das três funções: acusadora, defensora e julgadora, em
mãos de uma só pessoa; 2. Sigilação; 3. Ausência de contraditório; 4. Procedimento escrito 5. Os Juízes eram permanentes e irrecusáveis; 6. As provas eram apreciadas de acordo com umas curiosas regras, mais
aritméticas que processuais; 7. A confissão era elemento suficiente para a condenação; 8. Admitia-se apelação contra a sentença.19
No processo inquisitório a confissão era uma das provas mais importantes, sendo
obtida através de torturas pelo inquisitor. Salienta-se também, que o magistrado atuava como
17 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. vol. 1. p. 12-14. 18 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. vol. 1. p. 14 19 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 73.
acusador, defensor e julgador, tendo em vista que era ele, de ofício, que iniciava o processo,
colhia as provas e pronunciava a sentença.20
1.2.3 Processo Misto
O sistema misto foi implementado depois da revolução francesa, onde se
manifestavam os dois tipos de preceitos mencionados anteriormente.
Sobre o sistema misto, ensina Tornaghi:
O procedimento inquisitório é mais eficiente para a apuração dos fatos, enquanto o acusatório oferece maiores garantias ao acusado. No primeiro, o suspeito, o indiciado, o processado, enfim, é objeto de investigações, no outro é sujeito de uma relação jurídica. Mas o sistema que deveria prevalecer seria o misto, que reúne as vantagens e elimina os inconvenientes dos outros dois.21
Deste modo, é observado que o procedimento acusatório ocupa o posto de acusar,
defender e julgar, sendo estas cominadas a órgãos distintos, ao passo que o procedimento
inquisitório armazena estas três funções num mesmo órgão. Conclui-se que o sistema misto é
uma mistura destes dois preceitos.
1.2 CONCEITOS DO INQUÉRITO POLICIAL
O Código de Processo Penal não conceitua claramente o inquérito policial, o instituto
encontra-se disciplinado nos artigos 4 a 23. A exposição de motivos do Código deixa de
forma clara que o inquérito policial foi mantido como processo preliminar ou preparatório da
ação penal. Tem ele uma função garantidora, pois a investigação tem por fim impedir a
formação de uma persecução penal injusta por parte do Ministério Público.
A palavra “inquérito” tem a mesma origem de inquisitivo e é composta pelo prefixo in
acrescentada a palavra quaerere. 22
É compreensível dizer que as investigações policiais são as buscas incessantes de
subsídios pra descobrir o responsável por uma infração penal, são os procedimentos que
definem o que é o inquérito policial.
20 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 38. 21 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. vol. 1. p. 17-18. 22 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 118.
O inquérito policial, para Ismar Estulano Garcia,
É o instrumento formal de investigações. É peça informativa, compreendendo o conjunto de diligências realizadas pela autoridade para apuração do fato e descoberta da autoria. Relaciona-se com o verbo inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, averiguar os fatos, como ocorreram e qual o seu autor. Resumindo, inquérito policial é a documentação das diligências efetuadas pela polícia Judiciária.23
Entende Tourinho Filho que, o conjunto de diligências obtidas para revelar a autoria
de uma infração penal, através da Polícia Judiciária, com o objetivo de que o responsável pela
ação penal ingresse em juízo, é denominado inquérito policial.24
O art. 4º do Código de Processo Penal determina que “a Polícia Judiciária será
exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições, e terá por
fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.
Para Julio Fabbrini Marabete25 o inquérito policial é um procedimento com a função
de acumular os quesitos imprescindíveis para definir a prática de uma contravenção penal e o
seu autor. Evidencia que é uma instrução provisória, preparatória, informativa, obtendo
fatores que em muitas ocasiões são complicados de conseguir na instrução judiciária, como
auto de flagrante, exames periciais etc.
Sucede que o ofendido busca a autoridade policial para que comece as averiguações
na hipótese de existir ofensa ao bem jurídico. A autoridade responsável acumula todas as
informações, regulariza as mesmas, podendo vincular laudos periciais e declarações escritas,
colher testemunhos, afirmações da vítima e, ainda, pode adquirir a oitiva do acusado.26
Já Augusto Mondin27 estabelece que “o inquérito é, pois, o instrumento clássico e
legal de que dispõe a autoridade para o desempenho de uma das suas mais importantes
funções. A sua elaboração constitui, principalmente, ato de polícia judiciária, e tem por
escopo apurar não só os chamados crimes comuns, senão também as infrações previstas em
legislação especial, quando as leis que lhe regulam o processo não dispuseram o contrário e os
fatos que dêem lugar à aplicação das medidas de segurança”.
23 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 7. ed. Goiânia: AB, 1998. p. 7-8. 24 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 163. 25 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 76. 26 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 118. 27 MONDIN, Augusto. Manual de Inquérito Policial. 6. ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1995. p. 5.
Guilherme de Souza Nucci 28 discorre que “O inquérito policial é um procedimento
preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e
voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua
autoria.”
Aduz Fernando Capez29 que “é o conjunto de diligências realizadas pela polícia
judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da
ação penal possa ingressar em juízo”.
Diante das doutrinas expostas, infere-se que o inquérito é a ferramenta conduzida pela
autoridade policial, destinada a desvendar uma contravenção e sua autoria.
1.4 CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
O inquérito policial possui características diversas do processo, pelo fato daquele
tratar-se de uma instrução provisória e preparatória. Instrução provisória pelo fato de que após
atingida sua finalidade o inquérito policial será encerrado. Pode-se, portanto, notar que o
inquérito policial constitui fase investigatória, operando-se em âmbito administrativo.
De acordo com o artigo 12 do Código de Processo Penal “O inquérito acompanhará a
denúncia ou queixa, sempre que servir de base uma ou outra”.
Cumpre observar que o inquérito é um precioso apoio para denúncia ou queixa, pois é
nele que se encontram as informações imperativas que se baseará a ação penal. 30
O professor Antônio de Matos, citado por José Geraldo da Silva, ensina:
O inquérito policial foi mantido na legislação processual vigorante. Mantido, somente, não; mantido e ampliado na sua conceituação e esfera de ação. Pode-se dizer ainda: valorizado. Deixou de ser a peça meramente informativa, sem valor probante, para tornar-se a base acreditada da ação penal, o seu melhor alicerce. 31
A atividade de polícia judiciária, assim denominada pela CF/88, dentro do inquérito
policial, tem como características:
28 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 67. 29 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 66. 30 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 136. 31 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 94.
1.4.1 Discricionariedade
As atribuições conferidas à polícia no inquérito policial são de cunho discricionário,
isto é, têm elas a capacidade de agir ou deixar de agir, dentro, todavia, de uma área na qual os
alcances são cravados rigorosamente pelo direito. 32
Mirabete33, citando Lazzarini, esclarece que “o ato de polícia é auto-executável pois
independe de prévia autorização do Poder Judiciário para sua concretização jurídico-
material”.
De acordo com o direito administrativo brasileiro, o poder discricionário é conferido à
Administração, de maneira clara ou subentendida, para o exercício de atos administrativos
com liberdade na opção de seu interesse, oportunidade e teor.34
A respeito, Hely Lopes Meirelles relata:
A faculdade discricionária distingue-se da vinculada pela maior liberdade de ação que é conferida ao administrador. Se para a prática de um ato vinculado a autoridade pública está adstrita à lei em todos os seus elementos formadores, para praticar um ato discricionário é livre, no âmbito em que a lei lhe concede essa faculdade.35
Os atos administrativos devem sempre visar o interesse social ou interesse
coletivo, não obedecendo estes parâmetros o ato tornará nulo, por desvio de poder
ou finalidade, que poderá ser reconhecido ou declarado pela própria Administração
ou Poder Judiciário.36 Pode-se dizer que discricionariedade é a liberdade de ação administrativa,
dentro dos alcances admitidos em lei.
1.4.2 Escrito1.4.2 Escrito1.4.2 Escrito1.4.2 Escrito 32 MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 1. ed. São Paulo: Forense, 1961. p. 154. 33 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 77. 34 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 114. 35 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 116 36 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 116.
Esta forma está prevista no artigo 9º do Código de Processo Penal, tendo em
vista sua destinação de fornecer elementos de convicção ao titular da ação penal, não sendo, porém, sujeito a formas rígidas e indeclináveis. Exige-se, no entanto, algum rigor formal especialmente na comprovação da materialidade do delito, no interrogatório e auto de prisão em flagrante. Deve ser, portanto, escrito ou datilografado (digitado), sendo rubricadas todas as peças pelo Delegado de Polícia, pois este é a autoridade competente sobre o mesmo.37
Evidentemente, não seria compatível com a segurança jurídica, tampouco atenderia à finalidade do inquérito policial, qual seja, fornecer ao titular da ação penal os subsídios necessários à sua propositura, a realização de investigações puramente verbais sobre a prática de infração penal e sua autoria sem que, ao final, resultasse qualquer documento formal escrito.
1.4.3 Sigiloso1.4.3 Sigiloso1.4.3 Sigiloso1.4.3 Sigiloso
Nos termos do artigo 20 do Código de Processo Penal “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Nesse sentido, percebe-se que o sigilo é um atributo necessário para que possa a Autoridade Policial providenciar as diligências necessárias para a completa
37 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 78.
elucidação do fato sem que lhe oponham os empecilhos para impedir a coleta de provas.
Tem-se como correto que o sigilo do inquérito policial não pode ser oposto ao
representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária. 38
Contudo, este sigilo não é fragmentado nem pela intercessão da defesa no inquérito.
Sobre o tema, Vilas Boas versa: Quando o defensor do investigado pretenda indicar testemunhas no inquérito, deverá submeter-se ao poder discricionário da autoridade policial, sem que caiba inconformismo, um possível indeferimento nesse sentido. A autoridade presidente do inquérito pode rejeitar o pedido de diligências de qualquer interessado. 39 Porém, impende destacar que sendo o advogado indispensável à
administração da justiça (artigo 133 da Constituição Federal de 1988), pode o defensor ter acesso franco às dependências da repartição pública, conduzindo seu cliente e vigiando a fabricação das provas, além do direito de manusear os autos do inquérito. Trata-se de uma garantia moral e material à segurança e bem-estar do investigado.40 1.4.4 Obrigatório e Indisponível1.4.4 Obrigatório e Indisponível1.4.4 Obrigatório e Indisponível1.4.4 Obrigatório e Indisponível
38 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 78. 39 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 134. 40 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 134.
Em crime de ação pública a instauração é obrigatória, nos termos do artigo 5º, I, do Código de Processo Penal, não podendo arquivá-lo depois de instaurado (artigo 17 do Código de Processo Penal).41
Ainda que tenha sido provada a inexistência do fato, que não tenha sido fixada a
autoria do ilícito, ou ainda que o fato não constitua crime, a autoridade policial, diante do
artigo 17 do Código de Processo Penal, não poderá arquivá-lo. Nessas hipóteses caberá a
referida autoridade encerrar o inquérito e encaminhá-lo ao juízo que, após provocação do
titular da ação, poderá determinar o arquivamento do referido.
No que tange obrigatoriedade a Autoridade Policial deverá instaurar o Inquérito Policial e o Ministério Público promover a ação penal, em se tratando de ação pública incondicionada (artigos 5º, 6º e 24 do Código de Processo Penal).
Quanto à indisponibilidade, cumpre salientar que a mesma decorre do princípio da obrigatoriedade, em vigor no Inquérito Policial. Uma vez instaurado, não pode ser paralisado indefinidamente ou arquivado na Delegacia. A lei prevê prazos de conclusão. O Delegado de Polícia pode, ao relatar o Inquérito Policial, representar para que o mesmo seja arquivado. O Ministério Público igualmente requer o arquivamento ao juiz, que poderá concordar ou não (art. 28 do CPP).
1.5 A POLÍCIA JUDICIÁRIA A Polícia42, órgão da Administração, trata-se de uma instituição de direito
público, com o intuito de conservar a paz pública e a segurança pessoal. No Brasil há Polícia administrativa e judiciária. No que se refere à administrativa, compete 41 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 78. 42 Polícia, vocábulo derivado do latim politia que procede do grego politeia, e que originariamente traz o sentido de organização política, sistema de governo e, mesmo, governo.
salientar o seu modo preventivo, garantindo a ordem pública e evitando a prática dos eventos capazes de prejudicar ou ameaçar bens particulares ou coletivos. Já em relação a judiciária, destaca-se a maneira repressiva, que é posterior ao cometimento de uma violação penal. A Polícia judiciária tem por objetivo angariar elementos para instaurar a regular ação penal em desfavor dos agentes causadores do ilícito.43
A polícia administrativa no Brasil é desempenhada pelas polícias militares dos Estados e pelas polícias rodoviária e ferroviária federal, agindo de forma preventiva, com escopo de precaução, cultivando a ordem pública, promovendo e cuidando do sossego da sociedade, em ofício de guarda e patrulhamento evidente, tomando medidas cautelosas, de real fiscalização do crime.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, disciplina a ação da polícia, sua distribuição e imputações: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: 43 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 74.
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; (...) IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (...) § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (...) § 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. A investigação dos motivos e resultados da infração deve ser colhida pela
polícia civil logo após a prática do crime, descobrindo o delito e averiguando sua autoria. A polícia civil e a polícia federal apresentam ao Poder Judiciário todos os indícios necessários para provar a materialidade e a autoria de um crime, revelando-se judiciárias, pois operam somente em seguida ao cometimento do crime.44
Sobre a polícia judiciária, José Geraldo da Silva citando Faustin Hélie, declara: [...] é olho de justiça; é preciso que seu olhar se estenda por toda parte, que seus meios de atividade, como uma vasta rede, cubram o território, a fim de que, como a sentinela, possa dar o alarme e 44 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 51.
advertir o juiz; é preciso que seus agentes sempre prontos aos primeiros ruídos, recolham os primeiros indícios dos fatos puníveis, possam transportar-se, visitar os lugares, descobrir os vestígios, designar as testemunhas e transmitir à autoridade competente todos os esclarecimentos que possam servir de elementos para instrução ou formação da culpa; ela edifica um processo preparatório do processo judiciário; e, por isso, muitas vezes, é preciso que, esperando a intervenção do juiz, ela possa tomar as medidas provisórias que exigirem as circunstâncias . Ao mesmo tempo, deve ela apresentar em seus atos algumas das garantias judiciárias: que a legitimidade, a competência, as habilitações e as atribuições de seus agentes sejam definidas; que seus atos sejam autorizados e praticados com as formalidades prescritas pela lei; que, enfim, os efeitos desses atos e sua influência sobre as decisões da justiça sejam medidos segundo a natureza dos fatos e a autoridade de que são investidos os agentes.45 Ainda, para Tourinho Filho: [...] a função precípua da Polícia Judiciária consiste em apurar as infrações penais e sua autoria. Sempre vigilante, ela indaga de todos os fatos suspeitos, recebe os avisos, as notícias, forma os corpos de delito para comprovar a existência dos atos criminosos, seqüestra os instrumentos dos crimes, colige todos os indícios e provas que pode conseguir, rastreia os delinqüentes, captura-os nos termos da lei e entrega-os à Justiça Criminal, juntamente coma investigação feita, para que a Justiça examine e julgue maduramente.46 Após a prática do crime entra em cena a Polícia Judiciária, averiguando os
fatos através do inquérito policial, nos mesmos moldes da justiça penal que procura a culpabilidade do acusado por meio da ação penal.
45 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 52. 46 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 171.
1.6 FINALIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL
A Polícia, através do inquérito policial, tem como objetivo fornecer ao órgão da
acusação subsídios fundamentais para formar a suspeita do delito. Este instrumento tem por
finalidade guiar a acusação na captação de provas que se realizará no curso da instrução
processual.
De acordo com os artigos 4º e 12 do Código de Processo Penal, verifica-se que o
inquérito procura apurar a existência de infração penal e sua concernente autoria, mandando
ao titular da Ação Penal noções que permitam a formação da culpa.
A propósito, sobre a finalidade do Inquérito Policial, Fernando Capez47 adverte como
sendo “a apuração de fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de
base à ação penal ou às providências cautelares”.
Moraes institui que “a finalidade precípua do inquérito policial, em síntese, é instruir a
ação penal e, enfim, todo o processo penal, com as provas materiais de que é repositório”.48
Destaca-se também que o inquérito policial tem a finalidade de abastecer o juiz de
informações probatórias, autorizando a decretação da prisão cautelar, seja ela temporária, no
andamento do inquérito policial, de acordo com a Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de 1989,
seja ela preventiva, no decorrer do inquérito ou da instrução criminal, de acordo com o artigo
312 do Código de Processo Penal.
Ensina Tourinho Filho no que se refere ao inquérito policial não ser peça
imprescindível para o oferecimento da denúncia:
[...] desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou o ofendido) tenha em mãos as informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente dispensável. É claro que se exige o inquérito para a propositura da ação, porque, grosso modo, é nele que o titular da ação penal encontra elementos que o habilitam a praticar o ato instaurador da instância penal, isto é, a oferecer denúncia ou queixa.49
47 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 7 ed. rev. e amp. São Paulo: Saraiva, 2001. p.69. 48 MORAES, Bismael Batista. Direito e Polícia: uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 134. 49 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 181.
Impende observar que o titular da Ação Penal pode não utilizar o Inquérito Policial,
porém, não pode esquivar-se de evidenciar subsídios satisfatórios para avistar a materialidade
e autoria da contravenção.
1.7 NATUREZA JURÍDICA DO INQUÉRITO POLICIAL
O ordenamento brasileiro atribuiu à instrução preliminar caráter de
procedimento administrativo pré-processual, considerando-a como uma fase preparatória ao processo penal. O inquérito será, então, administrativo, pois é levado a fio pela Polícia Judiciária, um órgão ligado à administração - Poder Executivo - e que por isso amplia serviços de caráter administrativo.50
Os exercícios de averiguação e constatação dos elementos estáveis na notitia
criminis51 são caracteristicamente policiais, administrativas, sendo que, o inquérito tem por alicerce conhecimentos alcançados na empreitada de zelar pela segurança.52
A doutrina é cediça no entendimento de que o inquérito policial é o procedimento administrativo informativo, com vistas à apuração da autoria e materialidade de uma infração penal, destinado a auxiliar a propositura da ação penal.
A natureza jurídica vem a ser a sua localização no sistema de direito a que pertence esse instituto, é o enquadramento dentro da ordem jurídica vigente. 50 LOPES JR, Aury. Investigação Preliminar no Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 37. 51 Conhecimento espontâneo ou provocado, pela autoridade policial de um fato aparentemente criminoso. 52 LOPES JR, Aury. Investigação Preliminar no Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 37.
Sendo o inquérito policial um ato praticado pelo Estado com vista a apurar a prática de uma infração penal, temos que a sua natureza jurídica é de procedimento meramente administrativo de caráter informativo, preparatório da ação penal.53
Para Mirabete: Não é inquérito “processo”, mas procedimento administrativo informativo, destinado a fornecer ao órgão da acusação o mínimo de elementos necessários à propositura da ação penal. A investigação procedida pela autoridade policial não se confunde com a instrução criminal, distinguindo o Código de Processo Penal o “inquérito policial” (arts. 4ª a 23) da “instrução criminal” (arts. 394 a 405).54 As normas que delimitam o inquérito policial têm cunho administrativo,
devendo ser conhecidas e interpretadas à luz dos princípios do Direito Administrativo: legalidade, moralidade e impessoalidade.55
Por possuir o mesmo objeto do processo, o inquérito policial também é guiado por alguns princípios vigentes no processo penal.
Tourinho Filho ensina que “O processo penal é regido por uma série de princípios e regras que outra coisa não representam senão postulados fundamentais da política processual penal de um estado”.56
Os princípios mencionados são: Princípio da legalidade: diante da prática de um delito os órgãos oficiais são obrigados a tomar providências no sentido de apurá-lo
53 LOPES JR, Aury. Investigação Preliminar no Processo Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005. p. 38. 54 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 77. 55 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 36. 56 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 35.
em defesa da sociedade. Não podem eles instaurar inquéritos segundo as conveniências; Princípio da Oficialidade: com a prática delituosa surge para o Estado o “jus puniendi”, cuja pretensão será deduzida por órgãos oficiais. No caso brasileiro, a investigação é entregue à Polícia Judiciária, órgão oficial do Estado destinado à apuração das infrações penais; Princípio do impulso oficial: ao delegado cumpre movimentar o inquérito até seu termo, sem depender de interferência das partes para tal; Princípio da Indisponibilidade: uma vez instaurado o inquérito, não pode este ser paralisado indefinidamente, ou arquivado. É defeso à autoridade policial determinar o arquivamento do inquérito (artigo 17 do Código de Processo Penal). A lei processual prevê prazos para a conclusão do inquérito: 10 dias, se o indiciado estiver preso, e 30 dias, quando estiver solto. (artigo 10 do Código de Processo Penal); Princípio da Verdade Real: Deve a autoridade policial procurar o verdadeiro autor da infração penal e delimitar sua culpa numa investigação que não encontre limites na forma ou na iniciativa das partes.57
No que tange a natureza administrativa do inquérito, Moraes58 ressalta: [...] não se justifica dizer-se que inquérito policial é apenas procedimento administrativo, como se tivesse ele validade jurídico-processual em inúmeros de seus atos e, mesmo, às vezes, no seu todo – como, p. ex. , nos casos de prisão em flagrante de que se origine. [...] Se não o quisermos sentir como procedimento híbrido, compostos de atos de ordem administrativa e atos de valor processual definitivo, não podemos negar que o inquérito seja um procedimento 57 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 35. 58 MORAES, Bismael Batista. Direito e Polícia: uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 134.
extrajudicial de natureza processual, de vez que inserido no Código de Processo Penal e realizado pela polícia judiciária. Esclarecida a natureza administrativa do inquérito policial, ou seja, o mesmo
não é processo judicial, Hélio Tornaghi faz questão de ressaltar certas brechas no inquérito e no processo, cujas características parecem misturar-se: Se bem que o inquérito seja inquisitório e o processo judiciário acusatório, em suas linhas gerais, na verdade um e outro têm brechas: no inquérito permite-se ao ofendido e ao indiciado requererem diligências (art. 14, do CPP). E, na fase judiciária, inúmeros são os atos escritos em que se permite, por vezes o segredo (arts. 486, 561, VI, 745, 792 e etc., todos do CPP). E o juiz sempre pode determinar as diligências necessárias para descobrir a verdade (arts. 156, in fine, 176, 209, etc. do CPP). 59 Sendo assim, a presente pesquisa considera que a natureza do inquérito policial é administrativa, observando no próximo capítulo os princípios relativos ao processo administrativo.
2º Capítulo2º Capítulo2º Capítulo2º Capítulo
PRINCÍPIOS CONSTIPRINCÍPIOS CONSTIPRINCÍPIOS CONSTIPRINCÍPIOS CONSTITUCIONAISTUCIONAISTUCIONAISTUCIONAIS
Neste capítulo, serão examinados os princípios constitucionais penais de maior
significância para esse estudo, dando enfâse as garantias do contraditório e da ampla defesa,
bem como a vinculação do intérprete aos princípios. Busca-se com esse capítulo trazer uma
59 TORNAGHI, Hélio. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1981. vol. 1. p. 17-18. p. 226.
visão ampla dessas garantias constitucionais, para posterior avaliação de seus papéis no
inquérito policial.
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO PENAL
Os princípios constitucionais são os responsáveis pela sustentação de todo o ordenamento jurídico, pois guiam o intérprete de como atuar perante as normas jurídicas, e nas ocasiões sólidas a ele oferecidas no dia-a-dia.
José Augusto Delgado aprimora que:
O processo é que assegura a efetivação dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, quando violados, com base nas linhas principiológicas da Constituição. É instrumento que o estado está obrigado a usar e representa uma prestação de garantia, através da qual o fundamento da norma se preserva e são protegidos os direitos essenciais do cidadão. É o único meio de se fazer com que os valores incorporados pela Constituição, em seu contexto, sejam cumpridos, atingindo o fim precípuo a que se propõem – o estabelecimento da paz social.60
Nesse sentido, percebe-se que os princípios fundamentais são essenciais para a
apropriada aplicação do direito. Oportuno obter, na prática, um real Estado democrático de
direito, em virtude de muitas das leis efetivas em nosso país serem precedentes à Constituição
de 1988, tornando mais compreensíveis vários conceitos, constituindo regimes processuais
democráticos, consolidando alguns e estabelecendo em seu art. 5º uma epístola de direitos.
Sobre os princípios, Plácido e Silva define que:
Normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. E, assim, princípios revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma a toda ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica. Desse modo, exprimem sentido. Mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-se nem axiomas. 61
60 ALMEIDA FILHO, Agassiz de; CRUZ, Danielle da Rocha (Coord.). A supremacia dos princípios nas garantias processuais do cidadão. Estado de Direito e Direito Fundamentais: homenagem ao jurista Mário Moacyr Porto. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 8. Disponível na Internet: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/3232 >. Acesso em: 15 de maio de 2008. 61 DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 433.
Na obra de Ricardo Augusto Schmitt, citando Fábio Bechara e Pedro Franco de Campos: [...] são proposições mais abstratas que dão razão ou servem de base e fundamento ao Direito. Trata-se de um enunciado amplo, que permite solucionar um problema e orienta um comportamento resolvido num esquema abstrato através de um procedimento de redução a uma unidade da multiplicidade de fatos que oferece a vida real. São normas que têm uma estrutura deôntica, uma vez que estabelecem juízos de dever-ser.62
É de se mencionar também a definição feita por Canotilho63: Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a reserva do possível, fáctica ou jurídica. A Constituição Federal garante a proteção dos princípios processuais penais,
cumprindo salientar os mais importantes para este produto acadêmico: princípio da legalidade, da obrigatoriedade, da publicidade, da indisponibilidade, da oficialidade, da verdade real, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 2.1.1 P2.1.1 P2.1.1 P2.1.1 Princípio da Legalidaderincípio da Legalidaderincípio da Legalidaderincípio da Legalidade
62 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 401. 63 CANOTILHO, José João Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.255.
O princípio da legalidade encontra-se consubstanciado no art. 5º, inciso II, da
Constituição Federal, onde se proclama que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei".
Outro artigo que também se refere a este princípio é o 22, inciso I, da mesma
Constituição, que institui como competência exclusiva da União preceituar através de lei
sobre direito processual, anulando imediatamente, qualquer ação dos Estados-membros, do
Distrito Federal e dos Municípios de conduzir sobre a matéria, salvo, para os dois primeiros
entes, a respeito de procedimento (art. 24, inciso XI, CF).
Informa Assis Toledo64: O princípio da legalidade, segundo o qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada, sem que antes desse mesmo fato tenham sido instituídos por lei o tipo delitivo e a pena respectiva, constitui uma real limitação ao poder estatal de interferir na esfera de liberdades individuais. Daí sua inclusão na Constituição, entre os direitos e garantias fundamentais. 2.1.22.1.22.1.22.1.2 Princípio da ObrigatoriedadePrincípio da ObrigatoriedadePrincípio da ObrigatoriedadePrincípio da Obrigatoriedade
Quanto a obrigatoriedade, Mirabete65 aduz que os crimes, em hipótese
nenhuma, devem permanecer impunes (nec delict meneant impunita), no instante em que acontece o ilícito penal é forçoso que o Estado impulsione o jus puniendi, deixando de conferir aos órgãos incumbidos da persecução penal faculdades discricionárias para contemplar a conformidade ou ensejo de proporcionar seu anseio punitivo ao Estado-Juiz.
64 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 21. 65 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 46.
O princípio da obrigatoriedade força a autoridade policial a inaugurar inquérito
policial e o Ministério Público a operar processualmente sempre que ocorra crime de ação
penal pública, com espeque nos artigos 5º, 6º e 24 do Código de Processo Penal.66
Diante o exposto, se finda que o princípio da obrigatoriedade trata de uma ressalva no
que se alude à determinação da ação do Estado, Polícia Judiciária e Ministério Público,
defronte a criminalidade.
A Lei n. 9.099/95 atenuou o princípio da obrigatoriedade, ao consentir a composição
civil do dano, como motivo de exclusão do processo, ao constituir as presunções de aplicação
instantânea de pena não privativa de liberdade, por meio de acordo oferecido pelo Ministério
Público e, ao regulamentar o regime da suspensão condicional do processo, igualmente
emanada de parecer do órgão acusador.67
2.1.3 2.1.3 2.1.3 2.1.3 Princípio da PublicidadePrincípio da PublicidadePrincípio da PublicidadePrincípio da Publicidade
Trata-se de uma garantia individual ordenando que os processos sejam, em regra,
públicos, a fim de impedir irregularidades dos órgãos julgadores, restringindo a atuação tirana
da justiça criminal e promovendo o domínio social sobre o Judiciário e o Ministério Público.
É a divulgação dos atos e conteúdo de um processo.
No que tange ao princípio da publicidade, ensina Mirabete68:
O princípio da publicidade dos atos processuais, profundamente ligado à humanização do processo penal, contrapõe-se ao procedimento secreto, característica do sistema inquisitório. É ele regra em nosso direito e foi elevado à categoria constitucional pelo art. 5º, LX, da Carta Magna: “A lei som poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.” No mesmo sentido, dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes” (art. 93, IX) e que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (art. 5º, XXXIII).
66 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 46. 67 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 46. 68 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 45.
A sociedade não considera que o desempenho do Estado incida sem inspeção na
dissolução dos seus conflitos individuais. O Estado deverá exercer seu papel com exatidão
estando o cidadão ciente disto. Cumpre assinalar que essa preocupação envolve de forma
instantânea os réus e as vítimas, porém, de modo indireto, a todos os cidadãos, já que se
acontecer algo semelhante aos mesmos, estes necessitarão de amparo do Estado.69
Demonstram-se dois aspectos do princípio da publicidade: a publicidade geral ou
plena, onde os atos processuais podem ser assistidos por qualquer pessoa e a publicidade
especial, em que se restringe a audiência nos atos processuais e as informações sobre o
processo às partes e procuradores, ou somente a estes.70 Pode a publicidade ser imediata, ou
seja, os atos são conhecidos no momento que acontecem pela sociedade, e mediata, quando é
conhecida por meio de certidões dos atos do processo, imprensa, etc.71
O Código de Processo Penal traz o princípio da publicidade nitidamente nos seus
artigos 792, 185, 483, 217, 520 e 745.
Sucede que este princípio defende que o julgamento deve ser público, não só para que
a população confirme a boa-fé, como também para que o próprio cidadão fique a par do
decorrer de seu processo.
Inicialmente, oferece às partes condições de acompanhar os acontecimentos por
inteiro. No caso do réu, poderá conhecer aquelas ações que são perpetradas e como serão
perpetradas. Será possível além de acompanhá-las, contestá-las e ainda, motivar sua alegação
sob algum ponto de vista. Se desejar, solicitará a produção de novas provas ou apontará
defeitos nas já existentes, oportunizando a sua defesa.72
Tem-se que a divulgação dos procedimentos no processo sedimenta o exercício da
jurisdição no inconsciente da sociedade uma vez que,
Basta que se oculte da comunidade o conhecimento dos assuntos processuais, ou que sua revelação seja restrita unicamente aos interessados diretos na causa, para que se impeça qualquer aprovação popular a respeito do modo de realização da jurisdição, perdendo-se a fundamentação democrática dos julgamentos estatais.73
69 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 390. 70 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 45. 71 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 406. 72 ARAÚJO, Vicente Leal. O Direito de Defesa. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/>. Acessado em 15 de maio de 2008. 73 ALMADA, Roberto José Ferreira de. A garantia Processual da Publicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 54.
Cabe trazer à baila que são favorecidos pelo princípio da publicidade o investigado/processado, o cidadão e o Estado.
A publicidade dos atos processuais não pode ser renunciada pelas partes, pois se trata de matéria constitucional de interesse público, causando a sua infração nulidade absoluta, nos termos do artigo 93, IX da Constituição Federal de 1988. É independente do interesse das partes.74
No que dedilha o inquérito policial, deve ser ponderado o seu caráter sigiloso, regulado no artigo 20 do Código de Processo Penal.
Existem duas maneiras de ser demonstrado este sigilo, o Estado pode limitar o acesso ao procedimento investigativo apenas a terceiros ou pode ampliar o segredo até aos eventuais incriminados.75 Em conformidade com este entendimento de Marcos Vinícius Boschi, Reconhecer a incidência do segredo externo significa dizer que o feito administrativo é secreto aos terceiros estranhos à relação, sendo seu acesso permitido tão-somente às partes e aos seus procuradores. O segredo interno, por seu turno, implica o reconhecimento de que o feito é secreto para o próprio sujeito passivo e, por via de conseqüência, para os terceiros. Não atinge o Estado, ou seja, órgãos do ministério público e juízes.76 74 ALMADA, Roberto José Ferreira de. A garantia Processual da Publicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 142. 75 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 413. 76 BOSCHI, Marcos Vinícius. Publicidade e Segredo dos Atos Processuais: (Des)respeito às Garantias Fundamentais do Acusado? Rev. Síntese de Direito Penal e Processo Penal. Ano V. n. 26 Jun-Jul 2004. pg. 63.
Deste modo, o mencionado sigilo caberá somente se a circunstância averiguada harmonizar-se nas exceções constitucionais. Os tribunais77 já indicam para a impossibilidade do investigado não ter acesso às provas produzidas.78
O objetivo da investigação, para determinados doutrinadores, é atingir à verdade real, o que alça o inquérito policial para o posto de elemento protetor do interesse social de acordo no art. 4º, LX da Constituição Federal/88.
Em outros termos, tem-se que, Dito de outra forma, o inquérito deve ser sigiloso porque, no caso contrário, a investigação pode não chegar aos verdadeiros responsáveis pelo crime cometido, sendo que o interesse público (chegar à verdade) deve superar o eventual interesse do investigado. 79 Em virtude de outros doutrinadores entenderem que o inquérito não é ato
processual, a publicidade deixa de ser estabelecida para o mesmo. Josemar Dias Cerqueira defende a garantia da publicidade ao suspeito no
inquérito: Mesmo que imaginemos uma situação limite, onde o acesso aos autos possa revelar ao provável suspeito a linha de investigação, estaremos diante do confronto entre dois interesses, com o cidadão ocupando a parte mais frágil na disputa. Quem investiga tem o aparato da força; o cidadão não tem. Quem investiga pode forçar 77 Tanto o Tribunal Constitucional quanto o Tribunal Europeu dos direitos do homem já decidiram que [...] impedir sempre e em quaisquer circunstâncias, de forma abstracta e rígida [...] o acesso do argüido aos autos na fase de inquérito [...] não se compatibiliza com o asseguramento de todas as garantias de defesa. (ANTUNES, Maria João. O segredo de justiça e o direito do argüido sujeito a medida de coação. In “Líber Discipulorum” para Jorge Figueiredo Dias. Org. Manuel da Costa Andrade e outros. Coimbra Editora. 2003. p. 1.239.) 78 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 413.
79 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz
da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 413 e 414.
suas posições, tais como notificações para comparecimento, já que detém prerrogativas institucionais, e só eventualmente necessita do amparo da justiça para fazer valer suas posições; quem investiga tem recursos e pode acionar outros órgãos; o cidadão conta apenas com ele e seus recursos; quem investiga nunca depende exclusivamente do réu para chegar aos objetivos, já que pode usar perícias, fazer rastreamentos, coletar documentos, etc; pode sempre substituir uma prova por outra; o cidadão só pode chegar a seu objetivo se sabe qual ele é: do que precisa se defender.80 Vale lembrar que a ausência da publicidade é exceção e não regra, já que: A persecução criminal, mesmo na fase policial, há de ser pública, salvo nos casos de sigilo, e esta nunca deve alcançar a parte ou seu procurador. A lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia) não deixa margem à dúvida, ao dispor no art. 7º, XIV, ser um dos direitos do advogado “examinar, em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.81 Infere-se, portanto, que o inquérito jamais poderá ser sigiloso ao suspeito,
tendo em vista o mesmo ser o principal interessado no resultado que a investigação poderá lhe acarretar.82
2.1.4 2.1.4 2.1.4 2.1.4 Princípio da IndisponibilidadePrincípio da IndisponibilidadePrincípio da IndisponibilidadePrincípio da Indisponibilidade
Tanto o inquérito policial quanto o processo penal são indisponíveis. Este princípio
deriva do princípio da obrigatoriedade.
80 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 414. 81 PERES, César. O Advogado Constituído tem Sempre Acesso aos autos – Agora é o Supremo Tribunal Federal quem diz. Disponível em: <www.ibccrim.org.br>. Acessado em 17 de maio de 2008. 82 BOSCHI, Marcos Vinícius. Publicidade e Segredo dos Atos Processuais: (Des)respeito às Garantias Fundamentais do Acusado? Rev. Síntese de Direito Penal e Processo Penal. Ano V. n. 26 Jun-Jul 2004. pg. 66.
Com isso, proíbe-se a paralisação injustificada da investigação policial ou seu
arquivamento pelo delegado de Polícia, o mesmo valendo para a própria ação penal, que não
pode ser impedida, exceto por justa causa.83
O princípio da indisponibilidade está esclarecido no artigo 10 do Código de Processo
Penal, que estabelece prazos para a conclusão do inquérito, bem como o artigo 17 do mesmo
código, que impede o arquivamento do inquérito pela autoridade policial.84
Outro artigo que atribui o princípio da indisponibilidade é o artigo 28, que situa o juiz
como fiscal, no caso do membro do Parquet solicitar o arquivamento de um inquérito policial,
admitindo-lhe divergir das razões invocadas pelo Ministério Público.85
Convém ainda mencionar o artigo 42 do CPP, que impede que o Ministério Público
desista da ação penal que tenha proposto e o artigo 576 do Código de Processo Penal, que
proíbe o Parquet de abdicar de recurso que tenha interposto em ação penal pública.86
2.1.5 Princípio da Oficialidade
Profundamente associado com os princípios da legalidade e da obrigatoriedade, o
princípio da oficialidade está baseado no interesse público de defesa social.
Através do caput do artigo 5º da Constituição Federal, tem-se que a segurança também
é um direito individual, incumbindo ao Estado provê-la e assegurá-la por meio de seus órgãos.
O artigo 144 da Constituição Federal organiza a segurança pública no Brasil, bem
como o artigo 4º do Código de Processo Penal estabelece atribuições de Polícia Judiciária e o
artigo 129, inciso I, que a ação penal pública é gerada, privativamente, pelo Ministério
Público.87
O artigo 30 do Código de Processo Penal prevê ação penal privada, que é requerida
pelo próprio ofendido ou seu representante, nos crimes que se averiguam apenas por meio de
queixa e, ainda, nos termos do art. 5º, LIX da Constituição Federal e artigo 29 do Código de
Processo penal, na ação privada subsidiária.88
Impende observar, todavia, que existe uma outra aparente exceção à oficialidade da
ação penal. Trata-se da ação penal popular, instituindo a exclusividade do Ministério Público,
revogando o art. 41 da Lei n. 1.079/50, que permitia a iniciativa de qualquer cidadão nos
83 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 47. 84 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 47. 85 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 47. 86 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 47. 87 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 47. 88 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 47.
crimes de responsabilidade cometidos por Ministros do STF e Procurador Geral da
República.89
2.1.6 Princípio da Verdade Real
A verdade real nada mais é do que o fato processual que mais se assemelha da
realidade fática, ou seja, aquela que está em harmonia com o que realmente aconteceu.
Este princípio visa demonstrar que o jus puniendi apenas seja desempenhado em
desfavor daquele que perpetrou a violação penal e nos adequados limites de sua culpa, numa
investigação que não encontra restrições na forma ou na iniciativa das partes.90
Assevera-se que no processo penal vigora o princípio da verdade real, uma vez que
pretende achar a
Verossimilhança fática, pois, para o processo penal, nunca foi suficiente aquilo que tem aparência de verdadeiro. Por isso é que se agitou a busca da verdade material visando introduzir no processo o retrato que mais se aproxime de sua realidade.91
Sobre o assunto discorre Tourinho Filho:
[...] quando se fala em verdade real, não se tem a presunção de se chegar à verdade verdadeira [...] mas tão somente salientar que o ordenamento confere ao Juiz penal, numa análise histórico-crítica, na medida do possível, restaurar aquele acontecimento pretérito que é o crime investigado.92
Com o ensejo de reconstituir acontecimentos anteriores, sob o fundamento de abrigar
o interesse público, é possível produzir uma quantidade de provas vasta no processo penal, até
mesmo com a participação mais funcional do competente órgão julgador. 93
Tourinho, sobre a verdade real, discorre que,
A natureza pública do interesse repressivo exclui limites artificiais que se baseiam em atos ou omissões das partes. A força incontrastável desse interesse consagra a necessidade de um sistema que assegure o império da verdade, mesmo contra a vontade das partes.94
Exige-se no direito penal, a incessante busca da investigação para descobrir o que
verdadeiramente houve, a verdade explícita dos fatos, embora a exceção da Lei n. 9.099/95,
89 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 47. 90 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 44. 91 BARROS, Marco Antônio de. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.28. 92 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 17. 93 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 230. 94 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 41.
que institui os Juizados Criminais Especiais, acolhendo o acordo, nas infrações penais de
menor potencial ofensivo.95
Salienta-se que a verdade a ser arquitetada no processo será a verdade admissível96, ou
como nomeia Paulo Rangel, a verdade processual. Instrui este doutrinador que
Descobrir a verdade processual é escolher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza absoluta (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e a maneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade dos homens.97
Importante mencionar que deriva do princípio da verdade real a obrigação do juiz de
dar seqüência à relação processual quando da inércia da parte e mesmo de ordenar, ex officio,
provas imperativas à instrução do processo, para que chegue o mais perto possível de
descobrir a verdade dos fatos elementos da ação penal.98
No processo civil, nos termos do artigo 319 do Código de Processo Civil, o réu que
deixar de se manifestar em relação à ação, tornará as acusações contra si verdadeiras.
Já no processo penal, mesmo que o acusado não se apresente no interrogatório, o juiz
irá lhe nomear um defensor, devendo este comparecer em todos os atos do processo.
Diferentemente do processo civil, os fatos imputados contra o acusado na ação criminal não
serão confirmados como verdadeiros, pois, o réu não teve a chance de defender-se do delito.
Agindo neste sentido o princípio da verdade real.99
Constata-se que a doutrina interpreta como característica fundamental da verdade, a
liberdade do juiz ou do Tribunal para apurar os fatos, independentemente do interesse das
partes.
O estado pode e deve buscar a verdade real, tendo capacidade para produzir ou
reproduzir a prova. O artigo 156 do Código de Processo Penal relata que “A prova da
alegação incumbirá a quem fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir
a sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”.
Conclui Vilas Boas que “sem a verdade real corre-se o risco de o indivíduo ser
condenado, vítima de mera presunção ou ficção, e quem sabe: até por preconceito ou por
95 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 68 96 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 231. 97 RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 7 ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003. p. 5. 98 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 44. 99 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 69.
superstição [...]”.100
2.1.7 Princípio do Devido Processo Legal
Por devido processo legal, na esfera processual penal, inicialmente, carece
compreender que qualquer ato do Estado, que tenha a capacidade de refletir negativamente no
patrimônio jurídico do sujeito, necessita vir estruturado sob a rigorosa análise de todas as
garantias de defesa do indivíduo diante do Estado, apontadas na Constituição Federal, bem
como nas escrituras que mencionam seu teor fundamental.101
Encravado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, o princípio due
process of law determina que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal".
Portanto, é assegurado que a disposição do devido processo legal expressa a obrigação
do poder estatal em ressalvar o acervo integral de princípios e normas que protegem o
patrimônio jurídico do sujeito. Além disso, tem o escopo de integrar a ordem jurídica,
aceitando através de edificações doutrinárias e jurisprudenciais, a aplicação constitucional a
garantias não reveladas.102
Ao abordar a intensidade da abrangência do princípio, Alexandre de Moraes diz:
[...] configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade e propriedade quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado persecutor e plenitude de defesa.103
Tem-se o princípio como garantia das garantias do indivíduo, em razão do poder do
Estado, com desempenho distinto, evidentemente, em toda persecução criminal, é
compreensível que na sua abrangência estabeleçam, entre outras e com evidência peculiar, os
conceitos de ampla defesa e contraditório. A ampla defesa e o contraditório consistem em
princípios esmiuçadores do devido processo legal.104
André Rovégno citando Evandro Fernandes Pontes e Flávio Böechat Albernaz afirma
que historicamente, é adequado frisar que o devido processo legal foi a idéia que movimentou
100 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 73. 101 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 242 e 243. 102 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 1. p. 48. 103 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas: 2002. p. 360. 104 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 244 e 245.
o aparecimento da ampla defesa e do contraditório.105
Sobre a o tema, destaca Pedro Henrique Demercian e Jorge Assaf Maluly:
Na exposição dos regramentos constitucionais do processo, é possível identificar alguma redundância ou, pelo menos, uma especialização segundo critérios nem sempre isentos de uma crítica científica rigorosa. Assim, por exemplo, a garantia da ampla defesa não deixa de ser um modo particular de referência ao contraditório, apreciado do ponto de vista do imputado. Não seria difícil, além disso, inserir as duas regras em apreço na cláusula genérica do devido processo legal, apta, por sua intuitiva elasticidade, a absorver também aquelas concernentes ao juiz imparcial, igualdade de armas, direito à prova etc. [...] Já se disse que o pleonasmo é uma figura de linguagem que não se coaduna coma boa técnica legislativa. O texto constitucional, entretanto, por motivos bem conhecidos, entre os quais o propósito de conferir efetiva e especial proteção a todos os interesses envolvidos na persecução penal, com destaque para a tutela da liberdade pessoal, foi pródigo na alusão a diversos aspectos do devido processo legal.106
Deste modo, entende-se que hoje em dia o conceito de Estado Democrático de
Direito, devido processo legal, processo acusatório e contraditório marcham conectadas,
penetram reciprocamente e, também, produzem eficácia mútua, formando um considerável
bem humanístico da sociedade moderna. Sendo assim, torna-se inadmissível tratar de uma
delas desamparando o alcance das outras.107
Assim, será discorrido destacadamente nesta pesquisa, sobre os princípios
constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
2.2 O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sem o contraditório, não há se falar em devido processo legal, pois, o contraditório é a
segurança de que para todo ato haja uma apropriada reação, garantindo-se, a integral eqüidade
de conveniências processuais.108
Este princípio é orientado pelo caráter de igualdade entre as partes, tanto a acusação,
quanto defesa dispõe de idênticos prazos e oportunidades.
Nesse sentido, leciona Vilas Boas que “é uma espécie de isonomia entre todos os
105 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 245 e 246. 106 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. São Paulo: Atlas, 1999. p. 34 107 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 246 e 247. 108 SCHMITT, Ricardo Augusto (Org.). Princípios Penais Constitucionais – Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. Recife: Editora Podivm, 2007. p. 136.
litigantes do processo, praticamente realçando a máxima: todos são iguais perante a lei, como
se as partes fossem pessoas”.109
Para Joaquim Canuto Mendes de Almeida110, “o contraditório é, pois, em resumo,
ciência bilateral dos atos e termos processuais e possibilidade de contrariá-los”.
Joaquim Canuto relata ainda que existiam três períodos essenciais do contraditório, ou
seja, pedir, evidenciar e impugnar.111
O contraditório permite as partes envolvidas no processo a realização de pedidos, de
argumentar, demonstrando os motivos de admissão de seus requerimentos e, por fim, da
mesma maneira, explanar as causas da inadmissibilidade das exigências da parte contrária.
Nas palavras de Tourinho Filho, “o princípio encontra suas bases, como afirma a
doutrina, na máxima do audiatur et altera pars, ou seja, a recomendação de que a parte oposta
deve ser sempre ouvida”.112
Atualmente, a maioria dos doutrinadores afirma que o processo penal não pode crescer
na ausência do contraditório.113 Observa-se que no processo civil, o princípio pode ser
assentado como ocasião de reação oferecida pela citação114, sem exercício eficaz. Já na esfera
criminal é indispensável à análise perfeita do contraditório, no decurso de todo o
prolongamento do processo, ainda que o acusado seja revel115.
Sustenta André Rovégno:
A existência de duas partes digladiando-se perante um julgador imparcial, a necessidade de que ambas sejam ouvidas, a possibilidade conferida a elas de arrazoarem seus pedidos e impugnarem os adversos, tudo conduzindo a uma decisão final do julgador - que não pode desprezar as alegações das partes, antes tem que se estruturar sobre elas -, faz com que a doutrina aponte a natureza dialética do processo acusatório, que se estrutura sobre o movimento (bilateral) de oposição constante das partes.116
Tem-se que o juiz acolhe a participação de ambas as partes, como maneira de
109 VILAS BOAS, Marco Antônio. Processo penal completo: doutrina, formulários, jurisprudências e prática. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 62. 110 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 82 111 ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo Penal. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 82 112 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 48. 113 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 249. 114 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 59. 115 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 59. 116 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 249.
aprimorar a sua própria deliberação. O magistrado acolhe requerimentos e provas, associação
na produção das provas, argumentações esclarecendo a lei, subsídios sobre jurisprudência,
todos esses elementos recebidos das partes, auxiliando assim o seu julgamento.117
E. Magalhães Noronha apóia no sentido de que o contraditório é um princípio unido à
prova:
Além da participação na elaboração da prova, sem que se impeça a iniciativa do juiz, tem o contraditório como características: que as partes sejam avisadas, com a necessária antecedência, da data e lugar da prova ou diligência; sejam reveladas a natureza e a finalidade da prova; admitida a presença do acusador e do acusado; que se lhes faculte, provoquem a atenção do juiz para certos aspectos ou particularidades da prova. É que não há no crime, provas de defesa ou provas de acusação. Devem ser elas, sempre, provas de verdade.118
Importante mencionar que já se tem como certo que o contraditório abrange todo o
processo criminal, dando prioridade a um entendimento que inclui o termo instrução. O
princípio tem lugar no debate da prova e, também, em todos os eventos do processo, mesmo
alheios à discussão da prova.119
Sobre o assunto, ensina Ada Pellegrini Grinover que “todas as provas e alegações das
partes, garantidas, como são, pelo princípio do contraditório, devem ser objeto de acurada
análise e avaliação, sob pena de infringência do referido princípio”.120
Constata-se que além de ser garantido pelo contraditório a presença de ambas as partes
na ação de produção da prova, cumpre destacar que deriva deste princípio o impedimento da
condenação na ausência da oportunidade do depoimento do acusado. Diante disso, surge o
direito de ser interrogado pessoalmente pelo juiz e, além disso, o direito de ser ouvido
pessoalmente pela autoridade policial, em especial nas hipóteses de possível estado
flagrancial, quando o Delegado de Polícia, inegavelmente (e ainda de forma precária), realiza
julgamento de circunstâncias fáticas e de aplicabilidade legal de normas, para proferir decisão
que opera grave restrição à liberdade individual.121
Sobre o contraditório, cabe mencionar:
117 DINAMARCO. Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 89. 118 NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 236. 119 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 254 e 255. 120 GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 41. 121 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 260.
O contraditório pode ser diferido no tempo, por questões lógicas. Aliás, deve ser diferido no tempo em tais hipóteses - ou seja, naquelas situações em que seria inconcebível a realização do contraditório preliminar, por ser impossível (desconhecimento da identidade do autor de conduta supostamente criminosa), ou por ser inconveniente para o resultado das diligências -, o que significa a afirmação cabal da sua inafastabilidade. Ou seja, mesmo naquelas situações onde ele seria logicamente irrealizável de forma prévia, deve ser observado posteriormente.122
Importante esclarecimento de Vicente Greco Filho:
A Constituição não exige, nem jamais exigiu, que o contraditório fosse prévio ou concomitante ao ato. Há atos privativos de cada uma das partes, como há atos privativos do juiz, sem a participação das partes. Todavia, o que assegura o contraditório é a oportunidade de a eles se contrapor por meio de manifestação contrária que tenha eficácia prática antes da decisão. Assim, por exemplo, é válida a prova pericial realizada na fase do inquérito policial, por determinação da autoridade policial, desde que, em juízo, possa ser impugnada e, se estiver errada, possa ser refeita.123
A observância do princípio é essencial nos dias de hoje, em virtude da desatenção ao
contraditório culminar na nulidade de todos os atos, tendo como alicerce o art. 564, inciso III,
alíneas “c” e “e” do Código de Processo Penal.
Conclui-se que a observância do princípio do contraditório é uma garantia
indispensável às partes já que visa garantir a dignidade do incriminado, além de possuir o
importante papel de auxiliar na legitimação da decisão a ser proferida.
2.3 O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA
O princípio da ampla defesa garante ao acusado condições que lhe possibilitem
apresentar no processo todos os subsídios propensos a aclarar a veracidade dos fatos.
Este princípio encontra-se conectado a outros princípios e garantias, principalmente ao
contraditório e ao devido processo legal. Neste norte Maurício Lins Ferraz e Ronaldo Batista
Pinto, defende que a ampla defesa é seqüela do contraditório:
Se por intermédio do contraditório se reconhece a absoluta igualdade entre as partes, será por meio da ampla defesa que tal igualdade ganhará corpo, tornando-se efetiva e palpável. A ampla defesa consiste, portanto, na possibilidade do réu em contraditar por completo a acusação.124
122 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 265. 123 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 47. 124 CUNHA, Rogério Sanches; FERRAZ, Maurício Lins; LORENZATO, Gustavo Muller; PINTO, Ronaldo Batista. Processo Penal Prático. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 21.
Sendo assim não se pode negar que as garantias constitucionais processuais da ampla
defesa, do contraditório e do devido processo legal (entre outras), são princípios fundamentais
na solidificação dos objetivos de um Estado Democrático de Direito, dentre os quais estão o
amparo aos direitos basilares de seus administrados.
Para definir o princípio da ampla defesa, cumpre mencionar o dispositivo
constitucional que o consagra, qual seja, o art. 5º, LV, da Constituição Brasileira: “Aos
litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Sobre os aspectos assegurados pela ampla defesa Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia demonstra:
Esta defesa há de ser completa, abrangendo não apenas a defesa pessoal (autodefesa) e a defesa técnica (efetuada por profissional detentor do ius
postulandi), mas também a facilitação do acesso à justiça, por exemplo, mediante a prestação, pelo Estado, de assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados.125
Sucede que a defesa para ser apropriada e eficaz, deve ter o conhecimento completo
dos alcances da acusação. Equivalendo o alcance desta o limite culminante de uma ocasional
condenação, realiza a defesa o respeitável desempenho de advertir ao acusado a extensão total
da imputação conduzida ao juízo. Tem-se então a apropriada importância da citação efetiva e
o ensejo básico de aversão à condenação à revelia no processo penal. 126
No que tange a ampla defesa Rovégno esclarece que,
[...] deve reunir a possibilidade de autodefesa e a de defesa técnica, por advogado. De fato, uma não poderá ser verdadeiramente adequada sem a outra. O defensor técnico conhece o direito e, assim, os caminhos do processo e as possibilidades jurídicas abertas à defesa: mas, desconhece os fatos e, dessa forma, não saberá isoladamente aproveitar os recursos da técnica de forma plena. O acusado, por outro lado, conhece os fatos e muito tem a oferecer, contudo, não poderá fazê-lo de forma satisfatória se não for orientado sobre os momentos, as formas e as possibilidades de oferecer tais dados. Donde se concluir, logicamente, que as duas facetas do direito de defesa são complementares e somente a sua coexistência em todo o desenrolar do processo é capaz de assegurar a efetividade da participação em contraditório.127
Alexandre de Moraes, sobre a ampla defesa leciona:
125 GARCIA, Flúvio Cardinelle Oliveira. Diretrizes constitucionais aplicadas no âmbito do Direito Processual Penal. Jus Navigandi. Teresina, ano 8, n. 278, 11 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4993>. Acesso em: 15 de maio de 2008. 126 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 270 e 271. 127 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 271.
Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário.128
Em síntese, Mirabete classifica como os meios essenciais à ampla defesa: ter
conhecimento explícito da responsabilidade que lhe foi aduzida; poder deduzir alegações
contra a acusação; poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; ter defesa
técnica por advogado; e poder recorrer de decisão adversa.129
2.4 A VINCULAÇÃO DO INTÉRPRETE AOS PRINCÍPIOS
De acordo com Canotilho, em face da dupla vinculação do intérprete, tanto à
constituição quanto à lei, na ocorrência de lei que pode ser interpretada de diversas maneiras,
deve-se buscar aplicar-lhe o significado mais adaptado com os direitos, liberdades e
garantias.130
Contudo, se o defeito constitucional da lei for incontestável, nos termos da
observância do intérprete responsável, ele deve desaplicá-la no evento definido especialmente
quando a inconstitucionalidade se fundar em violação de direitos, liberdades e garantias. Se o
intérprete se sentir confrontado em virtude de lacunas, por desaplicação da lei, ele deverá
complementá-la, solicitando auxílio primeiramente, se necessário, às normas e princípios
constitucionais consagradores de direitos, liberdades e garantias. Salienta-se, que no caso
exposto os intérpretes não estão diante da alternativa da vinculação pela constituição ou da
vinculação pela lei. Estas duas vinculações concorrem para um mesmo fim, sendo que o
aplicador deverá empregar a lei, no entanto em consonância com os direitos fundamentais
constitucionalmente garantidos.131
Diferenciam-se as vinculações em as que operaram nas vestes de jurisdição civil e
deliberaram sobre as medidas do direito privado e, as que aplicam direito público, agindo
como competência jurídico-pública.132
Nas palavras de Canotilho:
128 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 117. 129 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 54. 130 CANOTILHO, José João Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.299. 131 CANOTILHO, José João Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.299. 132 CANOTILHO, José João Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.299.
As autoridades administrativas, como entidades públicas, estão já vinculadas pelos direitos fundamentais (os direitos fundamentais como normas de acção das entidades públicas); os seus actos estão ainda, em sede de controlo jurisdicional, sujeitos à apreciação dos tribunais competentes, cujas decisões se devem pautar também pelos direitos, liberdades e garantias (os direitos, liberdades e garantias como normas de controle e decisão da própria actividade jurisdicional). Noutras hipóteses, existe uma vinculação imediata dos juízes pelos direitos fundamentais. Exemplos significativos são os casos de reserva de decisão judicial [...] em que os juízes devem observar e aplicar directamente as normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias [...].133
Ainda:
A vinculação dos tribunais que atuam nas vestes de jurisdição civil e decidem segundo a medida do direito privado relaciona-se com o problema da eficácia externa dos direitos fundamentais [...]. Em todo caso, deve assinalar-se uma diferença fundamental entre a presente hipótese e a anteriormente estudada (tribunais nas vestes de jurisdições jurídico-públicas). A vinculação dos tribunais que decidem segundo a medida do direito privado não deriva apenas do facto entre eles, ao proferirem decisões, actuarem como poder público; deriva, também, da necessidade de eles observarem os direitos, liberdades e garantias, na medida em que eles valham para a decisão do caso concreto. Utilizando de uma formulação doutrinária expressiva: o Tribunal tem de observar os direitos, liberdades e garantias na medida que eles constituem direito aplicável à causa; eles não vinculam só pelo facto de um tribunal proferir uma decisão. 134
Cabe ressaltar então, que a vinculação dos tribunais pelos direitos, liberdades e
garantias é, portanto, “uma expressão do dever de proteção que incumbe ao Estado
relativamente à efetivação destes direitos”.135
Pelo exposto, é correto frisar que o Estado tem a obrigação de zelar pela garantia da
aplicação dos princípios constitucionais, como será visto no próximo capítulo.
133 CANOTILHO, José João Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.299-1.300. 134 CANOTILHO, José João Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.300. 135 CANOTILHO, José João Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1.300.
3º Capítulo
OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NO
INQUÉRITO POLICIAL
Analisado o inquérito policial e tecidas importantes considerações sobre os
princípios constituicionais penais, frisando principalmente os direitos fundamentais do
contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente considerados como garantias
processuais, cabe, neste terceiro capítulo, vislumbrar a contribuição destes estudos ao
problema central que aqui se dispôs a discutir.
Referida questão-problema envolve a situação daquela pessoa que está sendo
investigada em procedimento criminal, isto é, no inquérito policial.
Questiona-se se, neste caso, está o administrado (indiciado, acusado ou réu)
respaldado pelos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV
da Constituição Federal).
Será demonstrado através da doutrina que a observância desses princípicios se
estende à investigação criminal, pois como analisado no primeiro capítulo, item 1.7, o
inquérito policial nada mais é que um processo administrativo.
Antes de partir à argumentação que diretamente concerne à questão central desta
pesquisa, faz-se necessário compreender os procedimentos do inquérito policial e seu valor
probatório.
3.1 PROCEDIMENTOS
Primeiramente, serão considerados os procedimentos do inquérito policial, ou seja, os
atos que deverão ser realizados, até a conclusão do mesmo, pela autoridade policial.
3.1.1 Instauração e atos iniciais
Através da notitia criminis o delegado de polícia deve instaurar o inquérito policial
com o intuito de desvendar o fato em todas as suas circunstâncias e o seu autor. Embora
existam elementos que apontem a ocorrência de uma causa excludente da antijuridicidade o
inquérito não deixa de ser instaurado. Somente depois da denúncia será observada a
antijuridicidade do evento, ou quando da oportunidade para seu oferecimento.136
A peça inicial do inquérito no procedimento de ofício da autoridade policial é a
portaria, baixada no momento em que é certificada a ocorrência de um episódio tido como
crime, em se tratando de ação penal pública.137
Nesta peça inaugural do inquérito a autoridade policial demonstrará de maneira clara,
a comunicação recebida, constando dia, hora, local do fato, nome da vítima e indiciado, assim
como breve histórico do evento, determinará diligências ao escrivão, que depois de
desempenhadas, tornará os autos finalizados à autoridade que preside o inquérito.138
A autoridade policial, após receber a representação do ofendido, baixa portaria, e dá
136 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 86. 137 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 203. 138 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 203.
por instaurado o inquérito policial, quando o crime for de ação pública condicionada.139
Já na ação privada, o delegado de polícia espera solicitação do ofendido, no qual
expede despacho, instaurando regular inquérito.140
Vale lembrar que a autoridade judiciária ou do órgão do Ministério Público pode
requerer a instauração de inquérito, uma vez que a requisição seria a peça inaugural do
mesmo.141
Sobre as maneiras de inaugurar o inquérito, assevera José Geraldo da Silva:
a) Por portaria da autoridade policial, nos casos de ação pública incondicionada; b) Por representação, nos casos de ação pública condicionada; c) Através de requerimento do ofendido, nos casos de ação privada; d) Por requisição do promotor de justiça (Ministério Público), ou do juiz.142
No que tange a forma de proceder no inquérito policial, leciona Mirabete:
Inicialmente, a autoridade policial deve proceder de acordo com o art. 6º, do Código de Processo Penal, embora não preveja a lei um rito formal uma ordem prefixada para as diligências que devem ser empreendidas pela autoridade. Ela indica, porém, as diligências que, regra geral, devem ser efetuadas para que “a autoridade possa colher ao vivo os elementos da infração, devendo por isso agir com presteza, antes que se mude o estado das coisas no local do crime ou desapareçam armas, instrumentos ou objetos do delito enfim, colhendo as provas que sirvam para elucidação do fato e suas circunstâncias”.143
De acordo com o artigo 6º, I, do Código de Processo Penal, é imprescindível que o
delegado de polícia deva de início “dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem
o estado de conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais”. Esta providência é
necessária em diversos crimes para que se realize a apreciação do local do delito e outras
diligências que possam contribuir para a descoberta de provas ou vestígios proveitosos ao
esclarecimento da ocorrência.144
O artigo 6º do Código de Processo Penal, em seu inciso II, narra que deverá o
delegado apreender os artefatos que apresentarem conexão com o fato, depois de liberados
pelos peritos criminais, uma vez que esses elementos deverão acompanhar o instrumento da
139 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 203. 140 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 203. 141 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 203. 142 SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a polícia judiciária. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 203 -204. 143 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 86-87. 144 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 87.
investigação criminal, nos termos do art. 11145, do Código de Processo Penal. Estes
instrumentos utilizados para a prática do delito estarão sujeitos a análise para ser averiguada a
sua natureza e a sua eficácia (artigo 175146 do Código de Processo Penal).147
Cumpre ressaltar que a busca e apreensão estão disciplinadas nos artigos 240 a 250 do
Código de processo penal, contudo, a entrada em casa sem a concordância do residente só é
admitida durante o dia e através de mandado judicial, com exceção das hipóteses de flagrante
delito ou desastre ou para prestar socorro (artigo 5º, XI, da Constituição Federal).
Incontestável mencionar que são permitidas as diligências policiais cumpridas no período
noturno, em residência, se a autoridade obtiver autorização do morador.148
A autoridade também está designada a “colher todas as provas que servirem para
esclarecimento do fato e suas circunstâncias” (artigo 6º, III, do Código de Processo Penal).
Ressalvados os direitos e garantias individuais previstos na Constituição e nas leis ordinárias,
o delegado de polícia poderá desenvolver qualquer diligência, que compreende a de intimar
testemunha, vítima ou suspeito para manifestar-se na investigação. Além das garantias
constitucionais, não é lícito a nenhum dos envolvidos isentar-se da apuração dos fatos e muito
menos condicionar o abastecimento de informações para a investigação.149
Aplica-se às testemunhas do inquérito policial o disposto nos artigos 202150 e 221151
145 Art. 11. Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do inquérito. 146 Art. 175. Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se Ihes verificar a natureza e a eficiência. 147 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 87. 148 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 87. 149 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 87. 150 Art. 202. Toda pessoa poderá ser testemunha. 151 Art. 221. O Presidente e o Vice-Presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, os governadores de Estados e Territórios, os secretários de Estado, os prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os deputados às Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os ministros e juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz. § 1o O Presidente e o Vice-Presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito, caso em que as perguntas, formuladas pelas partes e deferidas pelo juiz, Ihes serão transmitidas por ofício. § 2o Os militares deverão ser requisitados à autoridade superior.
do Código de Processo Penal, até mesmo o deslocamento forçoso daquela que deixar de se
apresentar sem motivo justificado (artigo 218152 do Código de Processo Penal).153
3.1.2 Instrução
Uma das finalidades da instrução é captar informações sobre o crime, suas
circunstâncias e o seu executor, sendo assim, a oitiva da vítima é extremamente útil para o
desenvolvimento das investigações, pois, é a melhor forma obter a descrição da infração, nos
termos do artigo 6º, IV, do Código de Processo Penal. A vítima será chamada para depor
através da notificação.154
Sobre o tema discorre Mirabete:
O ofendido deve ser notificado para comparecer e prestar suas declarações e, diante do não atendimento injustificado, ser conduzido à presença da autoridade (art. 201, parágrafo único, do Código de Processo Penal), podendo esta determinar, caso necessário, a busca e apreensão (art. 240, § 1º, alínea g, do Código de Processo Penal).155
O delegado de polícia, ainda quando necessário, deverá “Proceder a reconhecimento
de pessoas e coisas e a acareações” (artigo 6º, VI, do Código de Processo Penal). O
reconhecimento é a identificação de pessoas ou coisa feita na presença da autoridade, estando
disciplinado nos artigos 226 a 228 do Código de Processo Penal.156
Caberá também ao delegado “determinar, se for o caso, que se proceda a exame de
corpo delito e a quaisquer outras perícias” (artigo 6º, VII, do Código de Processo Penal), de
conformidade como o disposto nos artigos 158 a 184 do mesmo Código.157
Para Mirabete:
O exame de corpo delito é indispensável todas as vezes que a infração deixar vestígios, constituindo-se na verificação dos elementos exteriores ou da materialidade da infração penal pelo perito, a quem compete o exame do fato
§ 3o Aos funcionários públicos aplicar-se-á o disposto no art. 218, devendo, porém, a expedição do mandado ser imediatamente comunicada ao chefe da repartição em que servirem, com indicação do dia e da hora marcados. 152 Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública. 153 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 87. 154 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88. 155 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88. 156 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88. 157 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88.
delituoso, de suas causas, conseqüências, circunstâncias etc. As demais perícias serão determinadas de acordo com a natureza do crime, a necessidade para a elucidação do fato etc.158
A autoridade policial se desejar averiguar a verdadeira maneira que o evento foi
executado, poderá reproduzir simuladamente os fatos, desde que esta não contrarie a
moralidade ou a ordem pública, de acordo com o disposto no artigo 7º, do Código de Processo
Penal. Trata-se de um elemento eficaz de persuasão para o julgado e segurança de serenidade
de quem conduz o inquérito, uma vez que cercado o ato quase sempre de certa publicidade,
evidencia a espontaneidade do indiciado.159
Ainda sobre a instrução do instrumento investigatório, tem-se que:
Tratando-se de apuração de infrações penais decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo, a Lei 9.034, de 3.5.1995, permite ainda a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, além da interceptação telefônica, e seu registro e análise, bem como a infiltração por agentes de polícia ou inteligência, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, diligências estas que também só podem ser efetuadas mediante circunstanciada autorização judicial.160
Portanto, a instrução serve para elucidar os fatos, buscando todos os elementos
necessários para que a autoridade policial possa esclarecer como ocorreu o fato e sua autoria.
3.1.3 Indiciamento
Por Indiciamento tem-se a atribuição a alguma pessoa, no inquérito policial, da prática
do ilícito penal, ou seja, se houver algum sinal da autoria, a autoridade policial providenciará
o indiciamento.161
O Delegado interrogará o suposto executor do delito. Em conformidade com o
referido, Mirabete leciona que:
Indiciado o presumido autor da infração penal, deve a autoridade policial ouvi-lo, ou seja, interrogá-lo, com observância no que for aplicável, do disposto no Capítulo III, do Título VII, do Livro I, do Código de Processo Penal, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura (art. 6º, V, do Código de Processo Penal). Não é necessário, assim, que as testemunhas, denominadas “instrumentárias”,
158 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88. 159 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88. 160 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 88. 161 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 89.
assistam o interrogatório.162
O indiciado no inquérito não está forçado a responder aos questionamentos que a
autoridade policial irá lhe fazer, uma vez que é um direito particular garantido na Constituição
Federal o de permanecer calado (artigo 5º, LXIII).163
O indiciado deverá ser identificado pela autoridade policial através da sua
qualificação, onde citará seu nome, filiação, naturalidade, etc., bem como todas as outras
características físicas, morais, sociais, que possam auxiliar na identificação do indiciado, isto
é, profissão, apelido, deformidades físicas, sinais aparentes, dentre outros (artigo 259, do
Código de Processo Penal). Esta identificação visa constituir a identidade do indiciado,
conjunto de informações e sinais que diferenciaram o sujeito, nos termos do art. 6º, inciso
VIII, do Código de Processo Penal.164
Após ser identificado o indiciado, o delegado poderá conduzi-lo coercitivamente para
o fim legal. Caso haja recusa imotivada, fica-lhe facultado autuá-lo em flagrante pelo crime
de desobediência, conforme o caso.165
Dentro do inquérito policial deve estar incluída a folha de antecedentes do indiciado,
para que a vida pregressa deste seja conhecida, em especial se já foi condenado anteriormente
para a caracterização da reincidência.166
Nas palavras de Mirabete,
Deve ainda a autoridade “averiguar a vida pregressa do indicado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para apreciação do seu temperamento e caráter” (art. 6º, IX).167
Deste modo, se ainda houver imprecisão em relação à identidade do suposto executor
do crime, poderá ser procedida a tomada fotográfica do indiciado, sendo muito valiosa na
circunstância de reconhecimento em juízo no caso da revelia.168
3.1.4 Deveres da autoridade policial
Em todo percurso da investigação criminal, até mesmo depois do seu encerramento e, 162 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 89. 163 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 89. 164 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 89. 165 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 91. 166 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 91. 167 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 91. 168 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 91.
de maneira especial em seu relatório final, está encarregada à autoridade oferecer ao poder
judiciário todos os elementos e considerações que possam ser de proveito na elucidação do
delito em todas as suas circunstâncias, já que a polícia deverá auxiliar a Justiça (artigo 13, I,
do Código de Processo Penal).169
O Delegado ainda deverá cumprir as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo
Ministério Público, que poderão ser solicitadas à autoridade policial a qualquer tempo, sendo
atendidas obrigatoriamente e, exclusivamente quando forem ilícitas, poderá o Delegado
recusar seu cumprimento (artigo 13, inciso II, do Código de Processo Penal).170
Impende também à autoridade policial, nos termos do artigo 13, inciso III, do Código
de Processo Penal, “cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias”,
abrangendo este inciso os mandados concernentes às prisões provisórias ou decorrentes de
condenação transitada em julgado a pena privativa de liberdade.171
Deverá a autoridade policial ainda:
[...] “representar acerca da prisão preventiva” (inciso IV). A autoridade policial é a primeira a sentir a necessidade da prisão preventiva do indiciado. Assim, estando presentes, a seu critério, os pressupostos previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, deve representar para a decretação da prisão preventiva, fundamentando o pedido sobre a necessidade ou conveniência da medida cautelar. A representação pode ser deduzida a qualquer momento, desde que haja da existência do crime e indícios suficientes da autoria (art. 312).172
Passa-se a descrever sobre o encerramento do inquérito policial.
3.1.5 Encerramento
Finalizadas as averiguações, a autoridade policial deve perpetrar cauteloso relatório do
que foi verificado no inquérito policial (artigo 10, § 1º, 1ª parte, do Código de Processo
Penal). Este relatório poderá sugerir testemunhas que não tiverem sido indagadas, fazendo
referência ao lugar onde possam ser localizadas (artigo 10, § 2°, do Código de Processo
Penal), não podendo a autoridade relatar qualquer juízo de valor, assim como expender
opiniões ou julgamentos. Deve proporcionar todas as informações adquiridas no decorrer das
investigações e das diligências realizadas. Pode, porém, exprimir impressões deixadas pelas
169 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 93-94. 170 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 94. 171 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 94. 172 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 94.
pessoas que intervieram no inquérito: indiciado, vítima, testemunhas etc.173
No momento da instauração do instrumento investigatório, a autoridade classificará o
crime, ou seja, dará a capitulação ou definição jurídica do ilícito penal exercido. No caso dos
subsídios colhidos demonstrarem ter sucedido outro crime que não o aludido, o delegado deve
alterar a classificação, mesmo depois do fechamento das investigações.174
Cumpre salientar que a classificação realizada pelo Delegado é provisória e não
vincula o Ministério Público para o oferecimento da denúncia ou o querelante para a
propositura da queixa.175
Finalizados os atos da investigação, tem-se que:
[...] a autoridade deverá remeter os autos ao juiz competente (art. 10, § 1º, 2ª parte). Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem a prova, devem acompanhar os autos (art. 11l). Ao fazer a remessa dos autos do inquérito ao juiz competente, a autoridade policial deve oficiar ao Instituto de Identificação e Estatística, ou repartição congênere, mencionando o juízo a que tiverem sido distribuídos, e os dados relativos às infração penal e à pessoa do indiciado (art. 23).176
O artigo 10 do Código de Processo Penal estabelece o prazo de 30 dias para a
conclusão do inquérito policial se o indicado encontrar-se solto, mediante fiança ou sem ela,
calculando o lapso de tempo da data do recebimento pela autoridade policial da requisição ou
requerimento ou, em geral, da portaria que deve ser expedida quando da notitia criminis. Se o
acusado estiver preso, o prazo é de 10 dias, contados da data da prisão.177
Destaca-se também que se o indiciado estiver preso, o prazo de 10 dias a contar do dia
da prisão não pode ser dilatado. Extrapolado o referido prazo, haverá constrangimento ilegal à
liberdade de locomoção do indiciado, o que leva ao deferimento de habeas corpus para a
soltura do interessado, sem prejuízo do prosseguimento do inquérito policial.178
173 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 94. 174 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 94. 175 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 95. 176 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 95. 177 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 95. 178 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 96.
3.1.6 Arquivamento
Somente o juiz poderá arquivar o inquérito policial, através do requerimento do
Promotor de Justiça, mesmo que comprovada a ausência do fato ou que não se tenha
desvendado o autor do crime, a autoridade policial não pode determinar o arquivamento o
inquérito (artigo 17, do Código de Processo Penal).179
De acordo com o que dispõe o artigo 28 do Código de Processo Penal, o arquivamento
deverá ser fundamentado. Nas palavras de Mirabete:
Aliás, com a vigência da Constituição de 1988, que determina sejam fundamentadas as decisões judiciais (art. 93, IX e X), afasta-se a possibilidade de reconhecimento de um arquivamento implícito, ou seja, sem requerimento do Ministério Público e sem decisão expressa e fundamentada da autoridade judiciária competente.180
No que tange a crime de ação penal pública o inquérito policial não pode ser
arquivado pelo juiz, ou pelo tribunal, sem a manifestação do Ministério Público. Neste caso,
cabe do despacho correição parcial ou, no tribunal, agravo.181
Ressalta-se, sobre a ação penal privada, que:
Tratando-se de inquérito policial que verse sobre crime que se apura mediante ação penal privada, os autos aguardarão a iniciativa do ofendido ou de seu representante legal, ou serão entregues ao requerente, se o pedir, mediante traslado. A vítima deverá oferecer a queixa dentro do prazo legal, sob pena de ser decretada a extinção da punibilidade pela decadência, caso em que os autos serão arquivados. O pedido de arquivamento por parte do ofendido equivale à renúncia tácita, também causa extintiva de punibilidade.182
Deste modo, nos crimes de ação penal privada o arquivamento se dá se a vítima deixar
de oferecer a queixa no prazo ou se requerer seu arquivamento.183
Dispõe o artigo 28, do Código de Processo Penal:
“Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará a remessa do inquérito ou peças de informação ao Procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o
179 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 96. 180 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 97. 181 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 97. 182 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 97. 183 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 97.
juiz obrigado a atender.”
Nota-se que de acordo com o artigo acima exposto não está o juiz obrigado a
consentir, de início, a promoção do Ministério Público.
Sobre o assunto, leciona Mirabete:
É o princípio da devolução, em que o juiz transfere (devolve) a apreciação do caso ao chefe do Ministério Público, ao qual cabe a decisão final sobre o oferecimento, ou não, da denúncia. O juiz atua, na hipótese, numa função anormal, a de velar e fiscalizar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. A não-apreciação do pedido de arquivamento enseja nulidade do processo a partir do momento em que deveria ser considerado pelo juiz.184
Cumpre ainda observar que o despacho em que se arquiva o inquérito policial ou as
peças de informação, a pedido do Ministério Público, é irrecorrível, ou seja, não cabe
apelação, recurso em sentido estrito, mandado de segurança, carta testemunhável, correição
parcial ou qualquer outro recurso, nem mesmo o pedido de reconsideração.185
De acordo com a súmula 524 do Supremo Tribunal Federal, depois de arquivado o
inquérito, a ação penal não pode ser inaugurada sem novas provas. Veja-se que então que
obtidas novas provas que alterem a matéria de fato, poderá ser aberto o inquérito arquivado.
Desta forma, o Código permite que a autoridade policial proceda a novas investigações,
mesmo após o arquivamento do inquérito. Através das novas provas é possível desarquivar o
inquérito, possibilitando-se o oferecimento de denúncia.186
Por fim, demonstrados todos os procedimentos do inquérito policial, da instauração
até seu arquivamento, cumpre relatar sobre o valor probatório do mesmo, o que será realizado
a seguir.
3.2 A VALIDADE DAS PROVAS NO INQUÉRITO POLICIAL
Nesta segunda parte do terceiro capítulo é tratada a questão do valor probatório do
Inquérito Policial durante a fase processual da persecução penal. Busca-se apresentar uma
visão geral das diferentes correntes de aceitação do inquérito policial como prova no
transcorrer da Ação Penal. O estudo dessa questão foi dividido em três tópicos. Primeiro se
apresenta a corrente que admite um valor relativo de força probatória ao procedimento
presidido pela autoridade policial, posteriormente, os motivos dos que pregam pela não
184 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 97-98. 185 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 98. 186 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 98-99.
admissibilidade probante, por último, é apresentado os que defendem a admissibilidade do
valor probatório do Inquérito Policial.
3.2.1 Admissibilidade Relativa do Valor Probatório do Inquérito Policial
Será iniciado o estudo do valor probatório do inquérito policial pela corrente
doutrinária e jurisprudencial majoritária em nosso direito, ou seja, aquela segundo a qual,
apesar de encarar o inquérito como peça administrativa, informativa e instrutória, atribui-lhe
valor probatório relativo, consoante determinadas premissas ou relativa a determinadas peças
nele produzidas, notadamente as perícias.
Explica Malcher em sua obra Manual de Processo Penal Brasileiro que
[...] o inquérito policial é o modo mais amplamente aplicado, de exercer a função investigatória do Estado na preparação da ação penal. Não é o inquérito policial a única forma de se exercer a investigação e não é a autoridade policial a única autoridade administrativa que, procedendo a inquérito, pode fornecer os elementos necessários à persecução penal através da ação penal. De qualquer forma, o inquérito mais comum é o policial.187
O doutrinador acima citado confere ao inquérito policial a função de instrumento de
informação para a propositura da ação penal. O inquérito tem somente valor de base de
informação, como meio de levar ao titular da ação penal os elementos de que precisa para
intentar ou não intentar a ação penal, estando aí encerrado seu papel.188
Para Mirabete, inicialmente o Inquérito Policial tem valor meramente informativo para
a instauração da Ação Penal correspondente, não podendo servir exclusivamente de base para
a sentença condenatória, por violar o princípio do contraditório189. Porém, logo em seguida
Mirabete apresenta:
Entretanto, nele se realizam certas provas periciais que, embora praticadas sem a participação do indiciado, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias têm elas valor idêntico ao das provas colhidas em juízo.190
187 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de Processo Penal Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. v. 1. p. 111. 188 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de Processo Penal Brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. v. 1. p. 111. 189 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 79. 190 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 80.
Para Greco Filho, a prova técnica também consiste no principal elemento adquirido
durante o Inquérito Policial:
[...] além da audiência de testemunhas e interrogatório do indiciado, quanto houver, é colhida a prova técnica, em especial o exame de corpo delito, o qual, salvo erro ou omissão, é definitivo para toda a ação penal que posteriormente se desenvolver, na qual pode ser questionado, mas não se repete se não demonstrada sua inverdade ou erro.191
Na defesa da validade das provas periciais, Garcia expõe o seguinte:
Embora não estejam na categoria de provas judiciais, algumas peças do inquérito têm valor probatório, notadamente os exames periciais (corpo delito). Tanto é verdade que a lei exige que as peças periciais sejam efetuadas por peritos oficiais, funcionários do Estado, os quais estão sujeitos aos mesmos impedimentos do Juiz (art. 112, CPP). Certos exames periciais são mais que simples provas, pois além de descreverem fatos, contêm ainda um parecer técnico que amplia o campo de visão do magistrado, de quem não se pode exigir conhecimentos enciclopédicos. Por isso é que os peritos são classificados como auxiliares do Juiz.192
Nota-se que a doutrina dominante é praticamente unânime em relação à questão do
valor probatório do Inquérito Policial. Asseguram que o inquérito é meramente informador do
processo, admitindo o valor probatório de determinadas peças do Inquérito Policial, em geral
as provas técnicas.
Mesmo as provas técnicas colhidas na fase policial, admitidas pela doutrina como
prova judicial, somente serão aceitas após passarem pelo contraditório da fase processual,
sendo elas acolhidas caso sejam corroboradas ou, ao menos, não infirmadas durante a
instrução criminal.
Pode-se concluir que a corrente doutrinária majoritária, na verdade, defende a não
necessidade de se reproduzir, na fase processual, algumas provas colhidas durante a fase
policial.
A maioria dos julgados é no sentido de aceitar as provas não contrariadas durante a
fase do processo penal. Pode-se ilustrar, nesse sentido, Apelação Criminal n. 98.003451-5, de
Xanxerê, Relator Desembargador Amaral e Silva: “A confissão extrajudicial não deve ser
desprezada quando se harmoniza e se ajusta à prova colhida na instrução, sob o crivo do
contraditório, sendo irrelevante se foi obtida na fase do inquérito policial” (TJSP – RT
742/605).
191 GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 81. 192 GARCIA, Ismar Estulano. Procedimento policial: inquérito. 7. ed. Goiânia: AB, 1998. p. 11.
De acordo com o relatado, percebe-se que de maneira clara a posição majoritária da
doutrina e da jurisprudência, a respeito do valor probatório relativo do inquérito policial.
3.2.2 Não Admissibilidade do Valor Probatório do Inquérito Policial
Os defensores da não admissibilidade do valor probatório do Inquérito Policial,
durante a fase processual, baseiam-se, prioritariamente, na não aplicação do princípio da
ampla defesa e do contraditório. Como o inquérito é eminentemente inquisitivo, não poderia
ter suas provas aceitas no convencimento do juízo.
Nesse sentido, Pedrosa:
O inquérito já nasce morto quanto à possibilidade de seus efeitos na esfera judicial. Como o inquérito é inquisitivo, prescindindo do contraditório e do devido processo legal, não está ele habilitado a auxiliar o Juiz na formação de sua convicção.193
A não admissibilidade absoluta do valor probatório das provas colhidas no Inquérito
Policial também não é defendida pela doutrina majoritária. Porém, são encontradas inúmeras
decisões nesse sentido.
Como ilustração, apresenta-se a seguinte decisão:
A prova, para que tenha valor, deve ser feita perante juiz competente, com as garantias de direito conferidas aos indiciados e de acordo com as prescrições estabelecidas na lei. As provas produzidas ao longo da fase inquisitiva têm validade e eficácia na formação da convicção do juiz tãosomente se confirmadas por outros elementos colhidos durante a fase instrutória judicial. Do contrário, não se prestam a fundamentar o juízo condenatório, sob pena de violação do contraditório. É trabalho da acusação transformar os elementos do inquérito em elementos de convicção do juiz. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Hábeas Corpus n. 2004/0099509-7, relator Ministro Nilson Naves, julgado em 07/04/2005)
Sobre o assunto tem-se ainda:
CONSTITUCIONAL - PROCESSUAL PENAL - PROVA - PROCESSO -INQUÉRITO POLICIAL - A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DISTINGUE PROCESSO E INQUÉRITO POLICIAL. O PRIMEIRO OBEDECE O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. O SEGUNDO É INQUISITORIAL. A PROVA IDÔNEA PARA ARRIMAR SENTENÇA CONDENATÓRIA DEVERÁ SER PRODUZIDA EM JUÍZO. IMPOSSÍVEL INVOCAR OS ELEMENTOS COLHIDOS NO INQUERITO, SE NÃO FOREM CONFIRMADOS NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.
193 PEDROSA, Ronaldo Leite. Inquérito Policial/Peças de informação: Servem para julgar? ADV Advocacia Dinâmica: Seleções Jurídicas, agosto de 1995. p. 28.
55178/Minas Gerais, relator Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 14/11/1994)
Outra decisão que bem ilustra a não admissibilidade do valor probatório do Inquérito
Policial:
Não é possível um decreto condenatório com base unicamente nas provas colhidas durante a fase policial. Assim, no caso, deve-se manter a decisão absolutória, já que os indícios revelados durante o inquérito, além de confusos, não encontraram respaldo em prova indiciária colhida na instrução processual, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, que lhes poderia conferir a idoneidade e veemência necessárias. (SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 2002.000471-5, de Chapecó, relator Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz)
Concluindo, percebe-se que a não possibilidade de se embasar a decisão do magistrado
apenas nas provas colhidas no Inquérito Policial se sustenta na impossibilidade de
reconstituição da prova na fase processual. Sendo assim, se todas as provas devem ser
reconstituídas em fase de contraditório e ampla defesa, os defensores dessa não
admissibilidade em questão não deveriam também aceitar as provas periciais. No entanto,
essas são provas que até mesmo os combatentes do Inquérito Policial aceitam, contrariando
seus próprios argumentos.
3.2.3 Admissibilidade do Valor Probatório do Inquérito Policial
No debate dessa admissibilidade, pode-se trazer como hipótese de validade a
possibilidade de se obter condenação criminal baseada exclusivamente nas provas que foram
colhidas no Inquérito Policial. A aceitação plena do valor probatório do Inquérito Policial na
fase processual não é encontrada na maioria da doutrina ou jurisprudência. Em geral, é um
posicionamento encontrado em publicações de artigos procedentes da própria polícia
judiciária e em alguns poucos doutrinadores.
Bismael Batista Moraes apresenta-se como o maior defensor do valor probatório do
Inquérito Policial. Para tanto, baseia-se sobre dois aspectos: no sistema de apreciação das
provas utilizado em nosso processo penal, o de livre convencimento, e na consideração de o
inquérito fazer parte do processo194.
194 MORAES, Bismael B. Direito e Polícia – Uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 234.
Na defesa do Inquérito Policial fazer parte do processo penal, cita-se Mondin195:
Se o inquérito é peça informativa do processo, faz parte de sua estruturação, por isso que o informa, dá-lhe conteúdo nuclear, estabelecendo-lhe o embasamento. Se a base é fraca, transforma-se em simples presunção, que necessita ser comprovada. Se é firme, basta, por si só, como fundamento da condenação, se no sumário de culpa não for aluída por elementos contrários.
Defende Bismael Moraes que há certos elementos de prova que se encontram
exclusivamente no inquérito policial, tais como: exames periciais, avaliações,
reconhecimentos, buscas e apreensões etc., argumentando ainda que o nosso sistema
processual empresta-lhe inquestionável valor jurídico, tanto assim que lhe dá força para a
prova da materialidade do crime e para a concessão da prisão preventiva. Classifica o
inquérito como base acreditada da ação penal, o seu melhor alicerce.196
Continuando, Bismael de Moraes afirma que os exames periciais acolhidos nessa fase
preliminar sobrevivem e valem como prova na ação penal, desde que se processem com as
devidas cautelas de lei, não havendo necessidade de se reproduzir todo esse trabalho pericial
em juízo, senão em casos especiais197. Bismael menciona Mittermaier, ilustre jurista
internacional, para bem reforçar seu ponto de vista:
Mittermaier, mostrando que a sentença sobre a verdade dos fatos da acusação tem por base a prova, conclui que é sobre esta que versam as prescrições legais mais importantes em matéria de processo criminal. E perguntamos: entre nós, onde são colhidas as provas materiais, em geral perenes e imutáveis, senão no inquérito policial?198
Nesse sentido, o próprio Código de Processo Penal, em seu artigo 12, traz que o
Inquérito Policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base a uma ou
outra. Sendo a denúncia ou queixa responsável pelo início da Ação Penal, o Inquérito Policial
acompanhará os autos do processo penal, dele fazendo parte. Sendo admitida a consideração
do Inquérito Policial fazer parte o processo penal, a aceitação do seu valor probatório se faz
mais evidente, baseado no livre convencimento do magistrado. Segundo esse sistema de
apreciação das provas, que é o admitido no processo penal, o julgador tem a liberdade para
195 MORAES, Bismael B. Direito e Polícia – Uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 234. 196 MORAES, Bismael B. Direito e Polícia – Uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 234. 197 MORAES, Bismael B. Direito e Polícia – Uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 234. 198 MORAES, Bismael B. Direito e Polícia – Uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 235.
formar sua convicção, devidamente fundamentada. Fazendo o Inquérito Policial parte do
processo penal, nada mais aceitável que o magistrado se fundamente nele para formar seu
convencimento.199
Para que o juiz aceite somente a prova produzida no Inquérito Policial, ele deve estar
convencido de ser a prova verdadeira e não anulada durante o processo.
Outra questão importante a ser ressaltada no sentido da admissibilidade do Inquérito
Policial como força probante ao juízo, encontra-se no fato de existirem provas que somente
podem ser produzidas durante o inquérito, como exames periciais de local do crime, corpo de
delito, busca e apreensões, entre outras.
Apesar da admissibilidade plena do valor probante das provas colhidas no Inquérito
Policial não ser o entendimento da jurisprudência dominante, apresentam-se alguns julgados
nesse sentido: “O QUE FOI DECLARADO PELO RÉU, PELAS VÍTIMAS E PELAS
TESTEMUNHAS NO INQUERITO POLICIAL TEM VALOR PROBANTE” (DISTRITO
FEDERAL. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal, n. 14438, relator Desesembargador Pingret de
Carvalho).
No seu voto, o Relator da Apelação Criminal n. 97.012933-5, de São José,
Desembargador Amaral e Silva apresenta os seguintes entendimentos:
Vigorando no Direito brasileiro o princípio do livre convencimento, alicerçado no exame do conjunto das provas, nada obsta que o Magistrado se valha da prova colhida no inquérito policial, se sobre ela, se entendida boa e valiosa, se funde um decreto condenatório. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Criminal n. 20.800/9, relator Desembargador Guimarães Mendonça, julgado em 23.09.94.) A mais alta Corte de Justiça teve oportunidade de decidir que: 'de acordo com o princípio do livre convencimento, alicerçado no exame do conjunto das provas, é legítima a condenação que se funda na instrução policial não infirmada pela prova colhida na instrução judicial, porque o convencimento do julgador se inspira na realidade dos fatos apurados com isenção, não no lugar onde se faz a colheita das provas'. (BRASIL. Superior Tribunal de. Recurso Criminal n. 1.333-6-Distrito Federal, relator Ministro Cordeiro Guerra, julgado em de 28.12.78)
Deste modo, foram encontradas decisões que amparam a tese de que o inquérito
policial, por si só, poderá servir de prova suficiente para embasar um decreto condenatório,
199 MORAES, Bismael B. Direito e Polícia – Uma introdução à Polícia Judiciária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. p. 235.
buscando valorizar o livre convencimento do julgador, reforçando a idéia de que o
convencimento do julgador deve ser sobre a verdade, a realidade dos fatos.
3.3 A UTILIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA
NO INQUÉRITO POLICIAL
Já se sabe o que é o inquérito, qual sua natureza jurídica, qual sua finalidade e,
conseqüentemente, qual sua função na persecução penal. Sabe-se, também, qual o teor
doutrinário dos princípios do contraditório e da ampla defesa. Agora, portanto, esta pesquisa
passa a relacionar tais noções, verificando a compatibilidade da aplicação de tais princípios ao
inquérito policial.
3.3.1 As posições favoráveis
Com a chegada da Carta Magna de 1988, duas manifestações foram essenciais no
auxílio do consentimento da incidência dos cânones da ampla defesa e do contraditório
durante o inquérito policial: a de Marcelo Fortes Barbosa e a de Rogério Lauria Tucci.200
Barbosa certifica que, desde a Constituição de 1967/1969, já poderia se reconhecer a
aplicação da ampla defesa no inquérito policial, o que seria conseqüência lógica do § 15 do
art. 153, no qual se afirmava que “a lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os
recursos a ela inerentes”. Fundamenta que, “caso contrário, a defesa não será ‘ampla’ como é
óbvio”.201
Nesta mesma obra, Barbosa versou sobre as garantias constitucionais do texto
constitucional de 1988, que compreendia conservar as implicações sobre a necessidade de
ascensão dos princípios do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial.202
No tocante ao contraditório e a ampla defesa, a literalidade do dispositivo
constitucional (art. 5º, LV) que os consagra não deixa dúvidas de que é uma garantia
declaratória de um direito: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a 200 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 299. 201 BARBOSA, Marcelo Fortes. Garantias Constitucionais de Direito Penal e de Processo Penal na Constituição de 1988. 1993. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 1993. p. 68. 202 BARBOSA, Marcelo Fortes. Garantias Constitucionais de Direito Penal e de Processo Penal na Constituição de 1988. 1993. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 1993. p. 68.
ela inerentes”. Em outros dizeres, a norma constitucional declara o direito individual ao
contraditório e a ampla defesa justamente ao mesmo tempo em que a institui como garantia
necessária à defesa plena dos direitos dos litigantes e, sobretudo, dos acusados em geral.
Ainda para Barbosa, não existe a possibilidade de afastar a defesa das investigações
preliminares, em especial diante da conjugação das expressões “acusados em geral” e
“processo administrativo”, de acordo com o inciso citado, bem como diante da constatação da
existência, no inquérito policial, da colheita de provas que não poderão ser repetidas em juízo,
como é o caso, por exemplo, dos exames periciais.203
Nesse sentido, assenta Rovegno, citando Barbosa que:
Com relação ao primeiro argumento, afirma que a conjugação das expressões indica claramente que o legislador pretendeu fazer uso da noção de “processo administrativo” em sentido ampliado, abrangendo todas as situações coativas, sendo certo ainda que todo o sistema da Constituição de 1988 se encaminha para uma concepção do indiciado como sujeito de direitos, afastando entendimentos ultrapassados, que o viam como simples objeto de investigação.
No que tange ao entendimento de Lauria Tucci, que sempre pugnou a necessidade de
se reconhecer a ampla defesa e o contraditório no inquérito policial, com base na Constituição
Federal, o mesmo assinala que:
[...] à evidência que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidade de efetivação de ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, e marcada pela contrariedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase dos atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o final do processo de conhecimento, ou do de execução, seja absolutório ou condenatória a sentença proferida naquele.204
Infere-se, portanto, do acima exposto, que para Tucci, a utilização dos princípios
referidos é marca registrada da persecução criminal e não somente da ação penal, como na
maioria das vezes sustenta a doutrina.
Para Tucci, a proteção do advogado, que é base e pré-requisito para a plenitude da
defesa e do contraditório, deve ser concreta, e não meramente formal, afastando-se qualquer
203 BARBOSA, Marcelo Fortes. Garantias Constitucionais de Direito Penal e de Processo Penal na Constituição de 1988. 1993. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 1993. p. 143 204 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 1993. Tese (Concurso de Professor Titular de Direito Processual Penal) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. p. 205.
compreensão predisposta a acolher a mera presença inativo do advogado, para realçar-lhe a
marca de atuação efetiva.205
Rovegno, ao citar a obra conjunta de José Rogério Cruz e Tucci, esclarece que:
[...] há que se atentar para o fato de que “a confusão terminológica, e até mesmo conceptual, entre processo e procedimento se tradicionalizou em nosso País”, a ponto de, no texto de uma Constituição falar-se em “’processo administrativo’, quando se está querendo aludir a procedimento administrativo”, motivo pelo qual não se deve fazer uma interpretação excessivamente restritiva dos conceitos, vez que “o próprio legislador nacional entende ser possível a utilização do vocábulo processo para designar procedimento”.206
Deste modo, cabível no alcance do inciso em questão, o inquérito policial, uma vez
que os autores qualificam como um dos tipos de procedimento administrativo existente.
Robustecendo este fundamento, Cruz e Tucci salientam que o legislador constitucional
de 1988 implantou a expressão “acusados em geral” no inciso LV do art. 5º, com o intuito
corroborar a sua intenção de ampliar ao máximo o alcance desta expressão, pois, se essa não
fosse sua vontade, teria dito simplesmente “acusados”. A amplitude, assim, alargada, da
expressão alcança, em razão dessa máxima extensão proposta pelo constituinte, sem qualquer
resquício de dúvida, “qualquer espécie de acusação, inclusive a ainda não formalmente
concretizada”.207
Faz-se essa ressalva apenas para registrar que alguns países já estenderam a ampla
defesa ao indivíduo que figurar em todo e qualquer procedimento público. Este é o caso da
Itália, cuja Constituição reza, no art. 24: "A defesa é direito inviolável em qualquer estado ou
grau de procedimento".
O Delegado de Polícia Higor Vinícius Nogueira Jorge, em seu artigo descreve que:
O contraditório deve ser admitido na investigação criminal, pois esse procedimento é um procedimento administrativo, composto por um conflito de interesses, que expressa a existência de litigantes, que proporciona uma carga processual, e origina a necessidade de garantias inerentes ao processo.208
205 TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. 1993. Tese (Concurso de Professor Titular de Direito Processual Penal) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. p. 205. 206 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 303. 207 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 304. 208 JORGE, Higor Vinícius Nogueira. A processualização do inquérito policial. É possível o contraditório no inquérito? Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 471, 21 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5840>. Acesso em: 15 de maio de 2008. p. 3.
Na mesma linha, Higor Vinícius, citando o desembargador do Tribunal de Justiça de
São Paulo, Sérgio de Moraes Pitombo afirma que “reunidos os elementos informativos tidos
com suficientes, a autoridade policial cientificará o investigado, atribuindo-lhe,
fundamentadamente, a situação jurídica de indiciado, com as garantias dela decorrentes”.209
Outro Delegado, ainda sobre o tema, demonstra que:
O contraditório, após o indiciamento, não conspira contra o êxito das investigações, ao contrário, assegura maior legitimidade as conclusões da investigação. A adoção do princípio dá ao inquérito policial outra natureza, não de peça meramente informativa, mas com valor de prova na instrução. Consequentemente, mais célere e mais rápida a prestação jurisdicional.210
Por fim, não se pode olvidar que os direitos e garantias individuais, têm aplicabilidade
imediata, por força do art. 5º, § 1º, do texto constitucional. Assim, desde a entrada em vigor
da Constituição brasileira, em 1988, os direitos e garantias fundamentais passaram a ter tal
força normativa de maneira a vincular toda a atividade jurídica.
3.3.2 As posições intermediárias
Como entendimento intermediário, tem-se os ensinamentos de Scarance Fernandes,
que em sua obra assegura que “Só exige a observância do contraditório, no processo penal, na
fase processual, não na fase investigatória”.211
Muito embora, lecione que exista sem dúvida, “Necessidade de se admitir a atuação da
defesa na investigação, ainda que não exija o contraditório, ou seja, ainda que não se imponha
a necessidade de prévia intimação dos atos a serem realizados”.212
Discorre sobre a possibilidade de defesa, reduzida aos interesses indispensáveis do
investigado.213
Para este doutrinador deve ser observada a questão dos exames periciais realizados
durante o inquérito policial, tendo em vista que, quando a este se segue ação penal, tais 209 JORGE, Higor Vinícius Nogueira. A processualização do inquérito policial. É possível o contraditório no inquérito? Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 471, 21 out. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5840>. Acesso em: 15 de maio de 2008. p. 3. 210 LACERDA, Marcus Camargo de. O inquérito policial agora é legalmente contraditório. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 275, 8 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5063>. Acesso em: 15 de maio de 2008. 211 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 64. 212 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 64. 213 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 64.
documentos são aproveitados de forma completa, determinando a doutrina, excepcionalmente,
sua subordinação a um contraditório diferido.214
Scarance narra ainda que “não parece condizente é a participação em contraditório
pleno em todos os atos de investigação, haja vista que o sucesso de certas diligências está
exatamente na surpresa de sua realização”.215
Na mesma obra acima citada, Scarance fala sobre a possível distinção de duas espécies
de atos existentes na investigação criminal: aqueles propriamente investigativos e aqueles que
podem ter valor probatório e, portanto, podem influir na fase processual da persecução. Nos
primeiros, parece-lhe incompatível a participação da defesa, todavia, no segundo caso, parece-
lhe que a ação da defesa tem que ser facultada.216
Sendo assim, mesmo que negue a plenitude do contraditório, Scarance reconhece
extenso espaço para atuação defensiva no inquérito policial, defendendo, até mesmo, o
aumento dos mecanismos legais à disposição da defesa, de maneira a tornar essa
probabilidade tão ampla quanto a noção decorrente do desenho constitucional dos princípios
aludidos.217
Na mesma posição, Rovegno cita em sua obra Pontes e Albernaz que ampararam a
ausência de ato decisório, no inquérito policial, capaz de alcançar a esfera jurídica do sujeito,
sendo que o contraditório não teria lugar em tal quadro, em razão de ser o responsável por
permitir à parte envolvida argumentar em busca de uma decisão adequado.218
Nota-se, que os doutrinadores aludidos por Rovegno, entendem como regra, não ser
compatível com o inquérito policial o princípio do contraditório, no entanto, alguns atos que
nele ocorrem devem estar efetivamente submetidos à incidência dessa garantia.219
A primeira suposição em que entendem cabível a aplicação do contraditório é a
daqueles expedientes que servirão como prova e são irrepetíveis ou de difícil repetição, ou
seja, as diligências de busca e as perícias.220
214 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 64. 215 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 119. 216 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 120. 217 FERNANDES, Antônio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3. ed. vol. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 120. 218 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 297. 219 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 298. 220 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 298.
A outra hipótese que asseguraram ser necessária à efetivação de contraditório, prévio e
eficaz, sempre que possível, e diferido, em caráter de exceção, é a dos atos judiciais de
restrição de direitos fundamentais, praticados no contexto das investigações prévias.221Enfim,
Pontes e Albernaz finalizam :
Em resumo: atender ao contraditório, com atenção ao estabelecido ao contraditório, com atenção ao estabelecido no indigitado mandamento legal, quando falamos de inquérito policial, não significa que devemos transformar esse em um processo-mirim, mas significa que devemos legitimar (jurisdição) o inquérito no procedimento judicial (processo) e pelo contraditório (ciência + participação).222
Demonstradas as principais opiniões intermediárias acerca da aplicação do
contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, resta então, examinar os entendimentos
contrários à incidência dos dois princípios no instrumento investigatório.
3.3.3 As posições contrárias
No Brasil, a doutrina é majoritária em apoiar que no inquérito policial não atuam as
garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, afirmação esta que, na maioria
das vezes, está corroborada por considerações genéricas, sobre a ausência de acusado na fase
da investigatória e sobre o caráter inquisitivo do inquérito policial, que, nestas circunstâncias,
não permitiria a ação da defesa.
Primeiramente, sobre o assunto, Dilermando Queiroz Filho, afirma que no inquérito
policial não há relação processual, como também não existe acusado, desautorizando assim,
de acordo com o disposto na Constituição Federal, a utilização dos princípios já referidos na
investigação preliminar.223
Análogo ao acima mencionado, Manoel Messias Barbosa assevera que em virtude do
inquérito policial ter natureza inquisitória e sigilosa a defesa não é acolhida.224
Chouke também é contra a adoção das garantias do contraditório e da ampla defesa no
inquérito, destacando que tal contrariedade é acertadamente a mais apropriada
221 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 299. 222 ROVEGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. pg. 299. 223 QUEIROZ FILHO, Dilermando. Inquérito Policial. Rio de Janeiro: Esplanada, 2000. p. 64-65. 224 BARBOSA, Manoel Messias. Inquérito Policial: doutrina, prática, jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 1991. p. 10.
sistematicamente ao texto constitucional e, ainda, ao próprio fim do instrumento da
investigação.225
Outra lição adversa, com o fundamento de que não existe acusado no inquérito
policial, é a de Marques, que define o sujeito investigado como indiciado. Assevera, como
também os outros doutrinadores já citados, ter o inquérito natureza inquisitiva, expondo a não
aceitação de um inquérito com contraditório, baseado no perigo da falha caso haja um delito
de difícil elucidação.226
Enfatiza ainda Tourinho Filho, sobre o emprego do contraditório e da ampla defesa no
inquérito, que mesmo reconhecida essa possibilidade, “dificilmente vingariam as ações
penais”.227
Não se pode deixar de mencionar Celso Ribeiro Bastos, que influenciou a doutrina
brasileira através de suas manifestações avessas a adoção do contraditório. Bastos defende a
inaplicabilidade das garantias já citadas no inquérito policial, argüindo que nas investigações
preliminares não existe acusação formada.228
Assim, finalizou-se o presente estudo expondo as posições que não aceitam a
observância dos princípios do contraditório da ampla defesa no inquérito policial, discorrendo
que o inciso da Carta Magna citado não se relaciona com este instrumento de investigação.
225 CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 111. 226 MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 1. ed. Campinas: Bookseller, 1997. p. 151. 227 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 50. 228 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Cometários à Constituição do Brasil. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 288.
CONCLUSÃO
A presente pesquisa demonstrou que a verificação de um acontecimento, que se
assemelha à descrição teórica de uma conduta tida como ilícito penal, impõe ao Estado uma
atuação voltada a esclarecer as exatas circunstâncias desse fato, tendo como órgão
responsável por esta busca a Polícia Judiciária.
Importante ressaltar que o inquérito policial é o instrumento rotineiramente usado para
a tarefa de elucidação dos fatos a cargo da polícia judiciária e tem como finalidade reconstruir
a verdade, estabelecendo, com a maior serenidade e isenção possíveis, as bases para a segura
decisão sobre a existência ou não de um quadro determinante do exercício da ação penal, ou
seja, o processo nada mais é do que um dos possíveis resultados impostos pelo conteúdo do
inquérito policial.
Após, verificou-se que o ordenamento brasileiro atribuiu à instrução preliminar caráter
de procedimento administrativo pré-processual, considerando-a como uma fase preparatória
ao processo penal, que serve para apurar a verdade sobre fato aparentemente criminoso.
Viu-se que os princípios são instrumentos imprescindíveis à aplicação da lei penal e
representam uma prestação de garantia, através da qual o fundamento da norma se preserva e
são protegidos os direitos essenciais do cidadão. É o único meio de se fazer com que os
valores incorporados pela Constituição, em seu contexto, sejam cumpridos, atingindo o fim
precípuo a que se propõem, ou seja, o estabelecimento da paz social.229
Explanados destacadamente os princípios referidos no artigo 5º, LV da Constituição
Federal (contraditório e ampla defesa), pode-se afirmar que o contraditório é a segurança de
que para todo ato impõe-se uma apropriada reação, garantindo-se a integral eqüidade de
conveniências processuais. Já a ampla defesa, garante ao acusado condições que lhe
possibilitem apresentar no processo todos os elementos necessários a aclarar a veracidade dos
fatos.
A doutrina brasileira, a respeito da aplicabilidade dos princípios do contraditório e da
ampla defesa no inquérito policial, tem se mostrado dividida, com predominância das posturas
que contradizem tal possibilidade.
229 ALMEIDA FILHO, Agassiz de; CRUZ, Danielle da Rocha (Coord.). A supremacia dos princípios nas garantias processuais do cidadão. Estado de Direito e Direito Fundamentais: homenagem ao jurista Mário Moacyr Porto. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 8.. Disponível na Internet: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/3232 >. Acesso em: 15 de maio de 2008.
Vários são os argumentos que induzem como mais acertado o entendimento pelo
cabimento da utilização do contraditório e da ampla defesa na investigação criminal.
O art. 5º, LV da Constituição Federal alega que “aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes”, em outros dizeres, a norma constitucional declara o
direito individual ao contraditório e a ampla defesa justamente ao mesmo tempo em que a
institui como garantia necessária à defesa plena dos direitos dos litigantes e, sobretudo, dos
acusados em geral.
A utilização do contraditório “dá ao inquérito policial outra natureza, não de peça
meramente informativa, mas com valor de prova na instrução. Consequentemente, mais célere
e mais rápida a prestação jurisdicional”.230
No que se refere a ampla defesa, tem-se que esta é possivelmente aplicável no
inquérito policial, onde seu exercício tem lugar em toda investigação em que se verifique uma
carga de acusação sobre alguém, como é o caso, por exemplo, da figura do indiciado.
A utilização dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla está legitimada
no inciso LV, do art. 5º da Constituição Federal, afigurando-se como uma ferramenta
extremamente relevante, que pode ser muito mais explorada, principalmente para a plenitude
da ação defensiva ao longo do inquérito policial, não comprometendo a eficiência da
persecução penal, além de servir à importantíssima tarefa de proteção aos direitos
fundamentais do homem.
230 LACERDA, Marcus Camargo de. O inquérito policial agora é legalmente contraditório. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 275, 8 abr. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5063>. Acesso em: 15 de maio de 2008.
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