dossiê da mafia evangélica
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O MICROFONE DE DEUS
Dossiê Da Mafia Evangélica
GIANCARLO SUMMA
Publicado na REVISTA CARTA CAPITAL em 24/06/2002
Garotinho, o Traficante de Deus: 58 rádios massacrando o povo de 16 Estados
Com ajuda de empresário da era Collor, Garotinho monta rede nacional de rádios evangélicas
para tentar chegar ao Planalto
O segredo para administrar um Estado e, quem sabe, um dia, o Brasil inteiro, é simples:
"Joelho no chão e oração", diz o governador dos 14 milhões de habitantes do Rio de Janeiro,
Anthony Garotinho. Explica o homem eleito para governar o Estado com o terceiro maior PIB e
o segundo pior índice de homicídios do País: "Orar, pedir a Deus, de joelhos, para que abençoe
o governo".
A singela receita é repetida com freqüência a centenas de milhares de irmãos evangélicos
sintonizados numa das dezenas de estações que, em todo o País, retransmitem o programa
diário A Paz do Senhor Governador, gerado pela Rádio Melodia, do Rio. Um programa que, nos
últimos meses, transformou-se num dos principais trunfos de Garotinho para alavancar sua
anunciada candidatura ao Planalto em 2002.
PESO DE OURO.
Oficialmente, a Melodia controla somente sete rádios FM: no Rio (onde é líder de audiência
entre as rádios evangélicas), em São Paulo, Brasília, Teresina, Curitiba, Mandaguari (PR) e
Cataguases (MG). Na realidade, o alcance de sua programação é muito maior. Segundo um
levantamento preliminar do Planalto, as palavras de Garotinho são retransmitidas por pelo
menos 34 rádios, em 11 diferentes Estados. O Ministério Público do Rio, que está investigando
possíveis crimes eleitorais, trabalha com números ainda maiores: 58 rádios, em 16 Estados.
INTERESSE.
A versão da Rádio Melodia é algo diferente. "O satélite da Melodia é aberto. Eventualmente,
alguém pode captar a programação e reproduzir. Nós não sabemos se alguém está fazendo
isso", afirma o deputado Estadual Eduardo Cunha (PPB-RJ), diretor da rádio e personagem
célebre na política carioca desde o governo Collor. E qual seria o interesse de uma rádio de
Caxias, interior do Maranhão, ou de uma emissora de Porto Velho, em reproduzir de graça a
programação da Melodia? "A Melodia está em primeiro lugar no Rio, é um trabalho bom, e
assim desperta o interesse de outras pessoas", é a resposta de Cunha a CartaCapital. "Se você
tem uma programação redonda, sem custo, e tem breaks (intervalos comerciais) para vender,
qualquer um quer retransmitir."
PRIMEIRA VEZ.
Garotinho representa algo novo: a primeira tentativa em grande estilo de utilização da fé
religiosa de uma parte da população como instrumento para viabilizar uma candidatura a um
cargo majoritário - no caso, o mais alto do País. Na campanha eleitoral para o governo do Rio,
em 1998, Garotinho e sua vice, a senadora petista Benedita da Silva, nunca esconderam sua fé
(ela é integrante da Assembléia de Deus), embora o aspecto religioso não tenha sido central na
disputa. Uma vez eleito, no entanto, Garotinho passou a dar mais e mais importância ao papel
das igrejas evangélicas, às quais foi confiada a implementação de boa parte das ações sociais -
e assistenciais - do governo fluminense.
TELINHA.
Como bom candidato ungido pela vontade divina, Garotinho não poupa esforços na busca
incessante de contato com o povo - como, aliás, manda o figurino do mais clássico populismo
latino-americano. Contato direto, em dezenas de manifestações religiosas, organizadas pelos
diligentes irmãos evangélicos em todo o País. E contato eletrônico, fazendo jus ao experiente
radialista que é.
A estratégia de mídia de Garotinho - acompanhada com atenção por todos os principais
candidatos na corrida presidencial - baseia-se numa mistura de passos óbvios e de jogadas de
legalidade duvidosa. O governador fluminense, por exemplo, participou de meia dúzia de
programas de auditório - de Raul Gil a Adriane Galisteu, de Ratinnho a Luciana Gimenez - para
falar de seus projetos sociais. Embora os próprios nunca o admitam publicamente, quem
trabalha com publicidade e marketing político sabe que, em geral, os apresentadores desse
tipo de programa cobram, e caro, para abrir espaço a políticos em busca de votos.
Por três meses, Garotinho também teve à sua disposição um programa semanal de 45 minutos
na afiliada carioca da TV Record do irmão Macedo, usado para magnificar as realizações do
governo e criticar toda e qualquer oposição. A encarregada da produção era a Blue Light, a
mesma firma que havia trabalhado na campanha de Garotinho em 1998, e que hoje é
contratada para fazer publicidade institucional do governo. Após uma representação do PT, no
final de junho, o Tribunal Regional Eleitoral tirou do ar o programa da Record, junto com o Fala
Governador que a Rádio Tupi AM transmitia, por duas horas, todos os sábados. (O PT, que
tinha criado a cobra, agora queria cortar-lhe a cabeça - nota de PB)
GOLPE DURO.
Garotinho bem que tentou resistir. Na terça-feira, 19 de junho, através dos microfones da
Rádio Melodia, convidou os irmãos a rezarem juntos para evitar "a covardia" dos "poderosos"
que queriam "calar a voz dos que falam de Deus". "A audiência do nosso programa está
crescendo", explicou o governador. "Eles vão ficando preocupados, isso incomoda. Eles têm
receio que essas palavras do Garotinho toquem o coração do povo."
As orações não adiantaram. O que mais chamou a atenção no dia do julgamento do TRE foi a
presença, na bancada de advogados do governador, do ex-secretário de Justiça, Antônio
Oliboni, afastado em abril de 2000 após renovar, sem licitação, o contrato do governo com a
Brasal, a empresa do rei das quentinhas Jair Coelho, da qual o advogado era sócio. No site
no.com, está registrado o comentário de um desembargador: "O governante deveria se
assessorar de melhor equipe".
Para as aspirações eleitorais de Garotinho, no entanto, um golpe bem mais duro seria uma
eventual decisão da Justiça Eleitoral proibindo a transmissão de A Paz do Senhor Governador.
Trata-se, em teoria, de um programa jornalístico, conduzido pelo próprio dono da Rádio
Melodia, o pastor evangélico Francisco Silva, deputado federal (antes do PST e agora do PL),
empresário (fez dinheiro com o laboratório que produzia o Atalaia Jurubeba, popular remédio
para o fígado), radialista, ex-secretário e aliado de todas as horas do governador. Na prática, o
programa resume-se a um monólogo de Garotinho, interrompido pelos esporádicos améns de
Silva.
Título: Parlamentar pressionou chefe da máfia a fechar negócio com
lobista Autor: Otavio, Chico; Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 05/12/2010, O País, p. 4
Um político fluminense envolvido com a máfia dos combustíveis, cuja
atuação foi revelada pela Operação Alquila, da Polícia Civil do Rio,
pressionou o empresário Ricardo Magro, apontado como chefe do esquema, a
fechar negócio com um lobista chamado Itamar dos Santos Silveira. Em
conversas com Magro gravadas pelos investigadores, no ano passado, este
parlamentar ofereceu o próprio gabinete no Congresso Nacional para que o
acerto sobre a compra de um ponto comercial em Brasília, para um
restaurante, fosse concluído.
Do político, a polícia só conseguiu descobrir que usava um celular Nextel,
pertencente à Rádio Melodia, para conversar com o empresário. Em discurso
em plenário, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) admitiu que era
o usuário do aparelho, além de conhecer e ser cliente de Magro. A descoberta
do envolvimento do político com a quadrilha, além de suspeitas sobre a
participação de um ministro de Estado, de seu filho, e de dirigentes da
Agência Nacional de Petróleo (ANP), levaram a juíza Maria Elisa Lubanco,
na 20ª Vara Criminal do Rio, a remeter o caso para o Supremo Tribunal
Federal (STF).
Ricardo Magro encabeça a lista dos suspeitos de integrar uma quadrilha que
gravita em torno da Refinaria de Manguinhos. O esquema consiste na
sonegação de ICMS na distribuição de combustíveis no mercado fluminense.
De acordo com fiscais da Secretaria estadual de Fazenda, a fraude
representaria um rombo anual de R$162 milhões na arrecadação estadual.
AMIGO DO PC.
Eduardo Cunha trabalha na Melodia desde 1995, e hoje é apontado no Rio de Janeiro como o
encarregado de arranjar espaço nas rádios para Garotinho. Seu currículo, no entanto, tem
etapas mais interessantes. Ouviu-se falar pela primeira vez de Cunha em 1989 quando foi
tesoureiro no Rio da campanha presidencial de Fernando Collor. Em fevereiro de 1991 foi
nomeado presidente da Telerj - segundo algumas fontes, por indicação de Paulo César Farias -
e ocupou o cargo até abril de 1993. No começo do governo Garotinho, o dono da Melodia,
Francisco Silva, foi nomeado secretário de Habitação, cargo extinto em outubro de 1999,
quando Silva reassumiu seu mandato parlamentar; enquanto isso, Cunha foi indicado
presidente da Companhia Estadual de Habitação (Cehab).
Com a chegada de Cunha, começou a ser registrada na Cehab a presença diária de outro
integrante do esquema collorido: o argentino, naturalizado brasileiro, Jorge La Salvia, testa-de-
ferro de PC Farias em operações de lavagem de milhões de dólares do narcotráfico. Este nome
aparece também em outra história escabrosa, a das fitas gravadas na sede do BNDES na
véspera da privatização da Telebrás: no inquérito, foram detectadas várias ligações entre La
Salvia e Temílson Antônio Barreto de Resende, o Telmo, indiciado como um dos autores do
grampo.
Cunha acabou sendo afastado da Cehab em abril do ano passado, no roldão de denúncias
sobre a enxurrada de contratos sem licitação e favorecimento a empresas amigas que varreu o
governo fluminense, levando o PT a romper a aliança com Garotinho - o único quadro do
partido que permanece no cargo é a vice-governadora, Benedita da Silva. Junto com Cunha e
Oliboni, a degola no primeiro escalão atingiu vários integrantes da chamada Turma do
Chuvisco, um fechado grupo de amigos e colaboradores que acompanha Garotinho desde as
primeiras experiências políticas em Campos - chuvisco é um doce de ovo típico daquela cidade.
NÃO ROUBARÁS.
Entre eles, está Carlos Augusto Siqueira, presidente da poderosa Empresa de Obras Públicas do
Estado, e Ranulfo Vidigal, presidente da Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos
(Asep) e ex-prefeito de São João da Barra, cassado por corrupção em 1996. Além das orações,
ensina Garotinho em seu programa na Rádio Melodia, "para bem governar, é preciso não
roubar". E mais: é preciso "agir de forma clara, limpa, sem essa safadeza que está imperando
no Brasil. Aí, sobra dinheiro para a gente aplicar para nosso povo". Das palavras aos fatos, na
terça-feira, 10 de julho, O Globo denunciou, na capa, os detalhes de uma fraude fiscal e de
uma tentativa de suborno a um fiscal da Receita Federal que envolveriam Garotinho, Rosinha e
um integrante da Turma do Chuvisco, Jonas Lopes de Carvalho, atualmente conselheiro do
Tribunal de Contas do Estado. Os fatos remontam a 1995, quando o hoje governador
apresentava o Show do Garotinho na Rádio Tupi e na TV Bandeirantes, sorteando carros e
casas entre o público que adquiria um livro de receitas culinárias editado pela Garotinho
Editora Gráfica Ltda.
TELHADO DE VIDRO.
Trata-se, até hoje, do primeiro escândalo sério envolvendo diretamente o governador - o que
pode ajudar a explicar o alto nível de aprovação de sua administração, que no último ano se
mantém estável entre 60% e 62%. Ao que parece, a enxurrada de denúncias de irregularidades
nos órgãos do governo não prejudicou a imagem pessoal de Garotinho. Da mesma forma, as
quedas no alto escalão do Palácio Guanabara foram apenas temporárias. Enquanto os
inquéritos na Justiça continuam engatinhando, Garotinho não descuidou dos amigos. Vidigal
foi nomeado presidente da Agência de Desenvolvimento Local (ADL), que representa o
governo em todos os municípios do Estado; Siqueira reassumiu o antigo cargo na Empresa de
Obras Públicas; e Cunha, eleito segundo suplente de deputado estadual, graças às articulações
do governador, assumiu uma vaga na Assembléia Legislativa - que lhe garante imunidade nas
investigações do Ministério Público.
Na história toda, há também um episódio criminoso nunca esclarecido. Em outubro passado,
Cunha e Francisco Silva foram vítimas de uma emboscada à bala, quando, de madrugada,
deixavam a residência oficial do governador após terem gravado mais um programa para a
Rádio Melodia. O Toyota Hilux em que viajavam foi atingido por mais de 20 tiros, um dos quais
feriu, de raspão, o dono da Melodia; Cunha não foi atingido. Assalto? Tentativa de
assassinato? A polícia jamais encontrou os responsáveis.
EVANGÉLICOS DEFINEM DESTINOS DA VERBA SOCIAL
Elvira Lobato
Anthony Garotinho, que deixou o governo do Rio para disputar a presi- dência, distribuiu
R$100 milhões a famílias carentes nos três anos em que administrou o Estado. A verba gasta
com o Cheque Cidadão equivale a 23% do total investido em segurança pública e a quase três
vezes as despesas com reforma de escolas. Em 2000, uma inspeção do Tribunal de Contas do
Estado no Cheque Cidadão mostrou uma predominância de 85% das indicações de famílias por
igrejas evangélicas, principalmente da Assembléia de Deus. O pastor Geraldo Milato, da Igreja
Metodista de Duque de Caxias, nega haver esquema político na indicação das famílias e diz
que as igrejas estão à frente do programa porque só elas se dispõem a trabalhar sem
remuneração. Garotinho privilegiou as ações de impacto imediato e efeito na mídia. Abriu sete
restaurantes populares (três na última semana), que servem refeições a R$1. Para manter o
preço, a governadora Benedita da Silva terá de gastar cerca de R$700 mil por mês com o
subsídio. [e]
Original em: http://www.uol.com.br/folha/brasil/ult96u31078.shl
Pastor: 208 mil fiéis farão boca de urna para Garotinho
Publicado no Jornal O Globo em 04/07/2002
SÃO PAULO - O pastor Samuel Ferreira, representante da Convenção Nacional das Assembléias
de Deus, afirmou há pouco em discurso, durante almoço de apoio a de Anthony Garotinho
(PSB) à presidência da República, que há 208 mil pessoas inscritas para fazer trabalho de boca
de urna para o candidato. O pastor, que é de Madureira, Rio de Janeiro, integra uma ala da
Assembléia de Deus que reúne cerca de 30% dos fiéis dessa religião no país.
Segundo Ferreira, que se retirou em seguida do almoço, essas pessoas serão 'visitadas' pela
igreja.
- Vamos fazer o que a lei não impede - completou.
Garotinho ainda não falou aos cerca de 300 pastores de diversas partes do país que estão
reunidos num hotel em São Paulo.
POR QUE NÃO VOTAR EM GAROTINHO
Publicado na Revista Carta Capital em 20/05/2002
A HISTÓRIA PROIBIDA
Como o pré-candidato do PSB, Anthony Garotinho, preferiu o caminho das liminares à
transparência que ele prega e se espera de um presidenciável
O leitor deveria encontrar nesta e nas próximas quatro páginas uma outra história. A que
envolve o pré-candidato à Presidência da República pelo PSB, Anthony Garotinho, e Guilherme
Freire, cidadão que declarou em entrevista a CartaCapital ter sido freqüente doador de
campanhas políticas e intermediário de negócios do agora presidenciável.
Garotinho, apesar de seus assessores terem sido informados de que CartaCapital não
publicaria o conteúdo de fitas - e sim uma entrevista em que Freire contava, inclusive, por que
gravou conversas de e com o ex-governador -, buscou na Justiça o embargo à reportagem.
O que se lê a seguir, enquanto a revista vai à Justiça em busca do direito líquido e certo de
publicar uma entrevista com um cidadão que acusa, e diz ter como provar, é o estilo e algo
mais de um homem que quer governar 170 milhões de cidadãos brasileiros.
CartaCapital confia na Justiça e tem a certeza de que seus leitores, em breve, terão acesso a
esse capítulo pregresso da história de Garotinho. Aos fatos.
No dia 24 de abril, CartaCapital conversou pela primeira vez, por telefone, com o empresário
Guilherme Freire, que afirmava ter denúncias, e provas, contra o ex-governador do Rio de
Janeiro e candidato à Presidência, Anthony Garotinho.
Freire afirmou ter provas também de seu passado como colaborador de campanha do
presidenciável. E relatou negócios feitos em nome de Garotinho. Freire disse ter resolvido falar
como forma de proteger sua vida e a dos seus familiares.
Três dias depois, no Rio de Janeiro, deu-se o primeiro encontro do editor Flávio Lobo com o
empresário. A conversa, num prédio em Ipanema, durou 50 minutos.
No dia 1º de maio, o editor encontrou-se com Freire em São Paulo. A conversa se esticou das 7
da manhã às 5 da tarde. Foi gravada uma entrevista. Presente o subeditor Sérgio Lírio, que se
encontraria outra vez com Freire em Campos, no Rio de Janeiro, já nos dias 7 e 8 deste maio.
Lobo esteve duas vezes no Rio, onde, por cinco dias, checou informações fornecidas por Freire.
Sérgio Lírio, entre Campos e o Rio de Janeiro, passou outros quatro dias. Juntos, ambos
ouviram 19 testemunhas de fatos, ações, relações e negócios que, segundo Guilherme Freire,
envolvem o seu passado de ligações com o ex-governador Anthony Garotinho.
Na segunda-feira 13, Sérgio Lírio encontrou-se rapidamente com o presidenciável na redação
do jornalismo da Rede Bandeirantes, em São Paulo, onde Garotinho gravaria uma entrevista.
Com testemunhas - que, no caso, são sempre necessárias -, o subeditor descreveu para
Garotinho o cerne do que seria a reportagem e pediu-lhe uma entrevista. O ex-governador
respondeu, sem saber dos detalhes da investigação da revista:
- Não falo sobre bandidos.
Lírio, na mesma noite, insistiu com Paulo Fona, um dos assessores de imprensa do ex-
governador. Discorreu sobre os fatos em questão e quanto à necessidade de ouvir o pré-
candidato.
No dia seguinte, terça-feira 14, Fona telefonou para a redação de CartaCapital e informou que
Garotinho não falaria. Na quarta-feira 15, por volta das 19 horas, o redator-chefe insistia com
os assessores Fona e Peninha para ouvir o ex-governador.
Enquanto seguia a conversa, e se tratava da possibilidade de uma entrevista, chegava à
redação de CartaCapital uma liminar expedida pelo juiz Marcelo Oliveira da Silva, da 21ª Vara
Cível, com ação indenizatória contra a revista (leia à página 31).
No despacho, Oliveira adianta: "Ficando, desde já, INTIMADA de que deverá abster-se
publicamente, perante a imprensa escrita e falada, e ainda pela internet, o conteúdo de
quaisquer gravações ou fitas, ou ainda transcrições ou escritos, relativos a interceptações de
ligações telefônicas dos autores".
Na liminar, o juiz estipulava uma multa de R$ 100 mil por dia em caso da divulgação. O
redator-chefe, Bob Fernandes, observou ao assessor Peninha:
- Mas como é que vocês fazem de conta que tratam de uma entrevista enquanto pedem à
Justiça uma liminar para impedir a publicação de uma reportagem?
Os assessores disseram não ter informação alguma sobre a liminar. O redator-chefe disse
ainda que a reportagem não se baseava em fitas, e sim numa entrevista e em fatos revelados
por Guilherme Freire. O assessor Fona mostrou-se surpreso:
- Ah, não são fitas? É uma entrevista com ele?
Uma hora depois, Sérgio Lírio conversava com o assessor Peninha. Este, depois de informar
que estava com o presidenciável, a caminho da Paraíba, sugeriu:
- Mande perguntas detalhadas por escrito que o governador irá responder.
Dez perguntas foram enviadas, às 23h19 para o Hotel Tambaú, em João Pessoa (PB). A
recepção confirmou a chegada do fax em perfeitas condições, o que foi reconfirmado por volta
das 11h30 da manhã seguinte pelo assessor Fona:
- O fax já está com ele. Vão te ligar.
Cinco telefonemas durante o dia, e sempre a mesma resposta: "Daqui a pouco alguém te liga".
Já às 17h30, sem que houvesse resposta alguma por parte de Garotinho, toca o telefone na
redação de CartaCapital. Alguém, que se identificou como o escrivão Benedito, da 21ª Vara
Cível, informou:
- O juiz expediu um outro mandado.
Dito isso, passou a transmitir por telefone o teor da petição (leia à página 29) dos advogados
de Garotinho e o conteúdo da decisão do juiz (leia à página 28).
É inédito, ao menos na história do jornalismo brasileiro, e desconhecido pela lei processual,
que um escrivão faça, por telefone, uma intimação para embargo de uma reportagem. Dizia o
escrivão falar em nome do juiz.
Por volta das 18h30 chegaram à redação, via fax, a petição dos advogados de Garotinho e o
despacho do juiz, parte dele escrito de próprio punho.
Para ilustração dos leitores quanto à personalidade do candidato, adiante-se um trecho do que
solicitaram seus advogados ao juiz. Que, neste particular, indeferiu. Pediu Garotinho por meio
dos seus:
- Fiquem impedidos de imprimir e distribuir qualquer material da ré (CartaCapital) envolvendo
as pessoas dos autores (Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira, Jonas Lopes de
Carvalho Júnior - advogado, ex-sócio do presidenciável, hoje conselheiro do Tribunal de
Contas, e Waldemar Linhares Duarte, contador) sem prévia autorização do juízo, fixando-se
multa não inferior a R$ 500 mil para o caso de descumprimento da ordem.
Não se especifica se a multa é diária, como no mandado anterior, ou não. A ordem envolvia
também a gráfica que imprime CartaCapital e a distribuidora.
Entenda-se: um dos candidatos que pretendem presidir o Brasil no início do século XXI, no
caso Garotinho, pediu a um juiz, por meio de seus advogados, que a Justiça simplesmente
impeça a publicação de toda e qualquer informação sobre a sua pessoa.
Não se admite publicar nada, sem prévia autorização. Inclusive, citá-lo. Quiçá mencionar um
espirro que tivesse dado. Chega-se, assim, ao clímax, aos píncaros, à perfeição do jornalismo
ideal para quem está no poder.
Tivesse sido atendido o pedido de Garotinho - e o juiz não o atendeu, registre-se - o máximo
que o leitor estaria a ler aqui seria algo no gênero:
- O cidadão, aquele que carrega no nome o que não mais tem na alma, o que já morou e
governou aquela cidade, cujo nome remete a um lugar que contém capim, plantas, vacas,
passarinhos, galinhas, carrapatos, fauna e flora, enfim, e que já habitou naquele palácio,
aquele, aquele, isso, aquele, é candidato a tomar conta daquele outro palácio. Aquele, o da
rampona, que tem uns soldados com baioneta na porta. E ele é candidato por aquele partido.
Aquele, que tem na sigla aquela ideologia que o barburdão alemão em grande parte
formulou...
Quanto a essa porção da manifestação de inequívoco pendor democrático e respeito às
liberdades básicas, o juiz recusou o pedido do candidato a presidir o Brasil e dos seus
colaboradores.
O que o juiz Silva deferiu na noite da quinta-feira 16, foi:
- Em razão dos documentos anexados que demonstram o firme propósito de publicação do
conteúdo das gravações, majoro a penalidade para R$ 500 mil caso o teor das fitas venha a ser
divulgado.
Registre-se que a colunista Márcia Peltier teve uma pequena participação no espetáculo. Em
sua coluna no Jornal do Brasil, ainda na quinta-feira 16, Márcia, sem sequer ter ouvido
CartaCapital, divulgou versão dos advogados de Garotinho - que falavam em fitas - e já
comemoravam o embargo à publicação antes de ela ir às bancas.
Caro leitor. O candidato, ator nesta peça, é o mesmo que vive, nestes dias, a cobrar
transparência e explicações de seus adversários.
É o mesmo candidato que acusou o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, de
obstruir as investigações em torno dos grampos do BNDES.
É o mesmo candidato que gravou seu ex-secretário de Segurança, Luís Eduardo Soares. Gravou
e divulgou o conteúdo da conversa a toda imprensa e à mídia em geral.
É o mesmo que, relatam assessores da governadora Benedita da Silva, permitiu, ao deixar o
Palácio da Guanabara, que se destruíssem os cabos da rede de informática da sede do governo
carioca, entre outras malfeitorias.
O mesmo que assinou, no último dia de governo, o ato que lhe daria o direito a uma pensão de
R$ 9,6 mil. E que só voltou atrás depois da divulgação da história.
É o mesmo que, agora, fez crer à Justiça que CartaCapital publicaria fitas sob embargo, embora
já soubesse, desde a segunda-feira 13, que a reportagem se baseava numa entrevista de
Guilherme Freire, seu ex-colaborador.
Na entrevista, Freire conta por que gravou conversas com e de Garotinho e revela o teor de
outros assuntos graves, que não apenas os contidos nas fitas.
CartaCapital, depois de ouvir seus advogados, e como o despacho incluía seus parceiros -
gráfica e distribuidora - optou por buscar na Justiça o desbloqueio da reportagem e evitar
problemas a terceiros.
Por ora, serve a seus leitores um retrato de Garotinho pincelado pelo próprio. Esta é uma
crônica sobre quem é e como age o pré-candidato do PSB à Presidência da República.
Diria um padre, ou um pastor, num púlpito, diante de seus fiéis:
- O destino é implacável.
É mesmo. Na noite da quinta-feira 16, enquanto CartaCapital recebia o despacho já
mencionado e escrevia-se esta história, em rede nacional de televisão, no horário eleitoral
gratuito a que tem direito, Garotinho verberava. Verbo entrecortado por palavras
transformadas em slogans publicitários a piscar na tela da tevê:
- Justiça... Seriedade... Honestidade... Verdade.
É da tradição da imprensa norte-americana, e a de outros países, indicar um candidato de sua
preferência em algum momento da campanha eleitoral.
CartaCapital, por ora, depois das informações obtidas nos últimos 20 dias e da ação de
Garotinho e dos seus, vista e vivida tal história, permite-se pelo menos sugerir em quem não
parece ser prudente votar.
COM A PALAVRA, O INIMIGO ÍNTIMO
Publicada na Revista Carta Capital em 27/05/2002
Negócios, artimanhas e ameaças de Garotinho no relato do empreiteiro.
A Flavio Lobo e Sérgio Lírio
Na entrevista que segue, o empresário Guilherme Freire conta sua versão da amizade com o
presidenciável Anthony Garotinho e os motivos do rompimento. Parte da conversa com
CartaCapital tratou do conteúdo de fitas gravadas pelo ex-empreiteiro, mas, seguindo a
determinação da Justiça, a revista suprimiu os detalhes nos trechos publicados abaixo. Até
porque CartaCapital só teve acesso à parte do conteúdo de um número desconhecido de fitas.
CartaCapital: Por que houve o rompimento entre o senhor e o ex-governador?
Guilherme Freire: Em meados do ano passado, o Garotinho falou à imprensa que rompemos
em 1992. Depois, deu uma entrevista ao Boris (Casoy), na Record (programa Passando a
Limpo), dizendo que mal me conhecia. Em 1996, Garotinho me ligava insistentemente para
que eu comprasse a TV Norte Fluminense. Estávamos formando um grupo. A TV Norte,
naquela época, era repetidora da Rede Globo (hoje é da Record), possuía rádio AM e FM.
Garotinho tinha um grande interesse nela. O preço era US$ 6 milhões. Ele não tinha o dinheiro
todo, precisava de outras pessoas e começou a montar o grupo de financiadores. Eu não tinha
interesse em sociedade com o Garotinho. De uma certa forma, comecei a fazer corpo mole
para não comprar.
CC: Por quê?
GF: Porque uma tevê nas mãos do Garotinho seria um perigo. Chantagem? Sem dúvida. A
menina dos olhos dele sempre foi televisão, jornal, rádio. É a área que ele gosta como
empresário. Tenho certeza de que um dos primeiros com quem ele iria querer brigar seria
comigo. Eu fiz corpo mole na compra. E a partir daí começamos a nos separar. O deputado
Aloísio Castro comprou à época. Depois, o negócio não foi para a frente. A Igreja Universal
comprou recentemente.
CC: Além da compra da TV Norte, o senhor intermediou outros negócios para o Garotinho?
GF: Eu intermediei vários negócios para o Garotinho. Sempre fui considerado por ele uma
pessoa de altíssima confiança.
CC: Por exemplo.
GF: Eu comprei, a pedido dele, e para ele, 50% de uma rádio de Macaé.
CC: Foi a Rádio Jornal Macaé?
GF: Foi.
CC: Com quanto o senhor entrou?
GF: Com cerca de US$ 200 mil.
CC: O senhor passou a ter algum envolvimento com a direção da rádio?
GF: Eu nem sei onde ela fica. Nunca estive lá. Depois da compra, não participei de mais nada.
Garotinho colocou o Paulo (Mafra, empresário, colaborador de campanhas do ex-governador)
para administrar a rádio. O Paulo sempre foi muito amigo dele. Depois de algum tempo, a
rádio foi vendida (para Aluysio Barbosa, empresário de Campos).
CC: Como o senhor define o relacionamento com o candidato. A que ponto chegava a
intimidade de vocês?
GF: Festas de Garotinho, dos filhos, da esposa dele, eram na minha casa. Lá comemoravam os
aniversários dos filhos, por exemplo. Para quem diz que não me conhecia, têm festas recentes.
Tudo por minha conta. Ele só entrava com os convidados. O Garotinho sempre gostou de ter
seu empreiteiro da moda. Quando éramos próximos, me chamava de Odebrecht. Depois de
mim, ele passou a fazer festas na casa de outros. O aniversário do filho dele, no ano passado,
foi na casa do Ari "Mãozinha" (Ari Pessanha). O Ari tem um defeito na mão. O Garotinho dizia
que esse defeito é de tanto roubar. Na tal festa, ele aparece abraçado ao Ari. Eu vi aquela mão
no ombro do Garotinho e disse: fechou. O Garotinho é daqueles: "Faça o que eu digo, mas não
faça o que eu faço". Ele sempre usa o ditado "Dize-me com quem andas que eu te direi quem
és". Ele, que adora essa expressão, se auto-rotulou.
CC: Mas o senhor tinha trânsito com ele?
GF: Livre. Não precisava nem botar crachá. Abria e entrava. Se ele estivesse conversando com
alguém, terminava logo para me atender. Sempre foi assim. O Garotinho tinha uma porta
paralela na casa dele que eu sempre usava para entrar sem qualquer restrição. Sempre fui um
alto financiador das campanhas. Dele e de quem ele indicava. Já botei até escola de samba
para desfilar no sambódromo fazendo homenagem a ele (A Independentes de Cordovil, em
1994). Banquei tudo. O que ele me pediu e eu pude atender, atendi. Bonés, panfletos,
gasolina.
CC: Os senhores se encontravam onde?
GF: A gente se encontrava mais na casa dele. Ofereço meu sigilo telefônico para provar nossos
contatos. Em vésperas de eleição, ele me ligava quatro, cinco vezes por dia. Que amor é esse
com uma pessoa que mal se conhece? Por que ele me ligava tanto? Sem me conhecer, por
quê?
CC: Além de tratar de negócios, tinham uma relação de amizade, de sair para bater papo?
GF: Tínhamos. Íamos a restaurantes, ao Rio juntos várias vezes…
CC: O senhor ajudou na campanha para governador?
GF: E muito. Nessa última não, na que ele disputou com o Marcello Alencar (1994).
Principalmente na pré-campanha, quando o Garotinho disputou a indicação do PDT com o
Noel de Carvalho e o Jorge Roberto Silveira. Brizola era o governador. Naquela pré-campanha,
toda a ajuda foi minha. Saí arrecadando fundos com terceiros, procurando pessoas. Fiz o
possível. A partir do momento em que ele ficou como candidato do PDT, o próprio partido,
com sua estrutura política, entrou e fez a campanha. Aí já foi outra etapa. Garotinho deu uma
entrevista dizendo que ia entrar com uma ação trabalhista contra o Brizola por serviços
prestados sem remuneração. Eu quero uma cópia dessa ação para entrar com uma igual
contra o Garotinho. Os serviços que eu prestei para ele não foram pequenos, não, foram dos
grandes. E eu tenho provas disso. Quero mostrá-las.
CC: Quanto o senhor gastou ajudando o Garotinho?
GF: Dei muita, muita ajuda...
CC: Quando exatamente houve o rompimento?
GF: Depois da história da tevê. O Garotinho criou ali o que chamo de "secretaria da maldade".
O secretário, doutor Jonas Lopes, o subsecretário, Antonio Maurício Costa. Eram as duas
pessoas incumbidas de agenciar pessoas e advogados para entrar com ações contra mim. O
Jonas combinou com o Maurício para colocar a Receita Federal em cima de mim e que outros
processos viriam. E que havia conseguido mandado de prisão contra mim. O Maurício Costa,
conversando com terceiros, diz que eu estava sofrendo uma fiscalização da Receita Federal.
Como ele sabia, se a fiscalização da Receita é uma coisa sigilosa? Como vazou isso? Falar em
outros processos? Jonas é incapaz de tomar uma atitude sem o Garotinho participar. Não é
uma pessoa que tem autonomia. Nunca teve autonomia nem na casa dele.
CC: O ex-governador se defende dizendo que o senhor o acusa porque ele teria descoberto
irregularidades nos serviços prestados por sua empresa.
GF: Ele diz que me colocou para fora da prefeitura em 1992, o que é uma inverdade.
Totalmente mentira. Depois de eu me recusar a comprar a tevê, um pouco antes do segundo
mandato de prefeito (1997), o Garotinho colocou a Receita em cima da minha empresa, aí ele
entrou na prefeitura, mandou as empresas revalidarem as certidões, o cadastro junto às
prefeituras, justamente para que não desse espaço para participarmos da obra. A Receita não
forneceu a certidão. Ele armou para tirar a minha empresa da prefeitura.
CC: Por que o senhor resolveu falar agora?
GF: Eu não tinha como confrontar o Garotinho antes. É delicado para um cidadão comum
enfrentar a fúria de um governador e de um cidadão milionário, diria até perto de bilionário.
Tenho sofrido muitas perseguições e a única forma de me defender foi me preparar para
denunciar. É o que estou fazendo agora.
CC: Mas não é estranho que o senhor apareça justamente no momento em que o ex-
governador sobe nas pesquisas eleitorais como candidato à Presidência?
GF: Não sou político, não tenho afinidade política com ninguém. Não me interessa a posição
dele na campanha eleitoral. Quero ser ouvido, mostrar o que está sendo feito comigo. O
Garotinho tem mandado vários recados via terceiros de que ele tem uma vasta documentação
contra mim. Eu o desafio: mostre. Torne público. Estou perdendo meu direito de ir e vir, me
ameaçam falando em documentos que me incriminam. Chantagem, não. Estou disposto a
entregar todas as provas que tenho ao deputado Aécio Neves (presidente da Câmara dos
Deputados). Sei que no Brasil é uma prática questionável, mas as fitas contêm o raio X de um
político que pretende ser o presidente do Brasil. Se eu não conseguir espaço para falar aqui,
vou ao exterior, à OEA (Organização dos Estados Americanos), à comissão de direitos humanos
mostrar o que tenho passado.
CC: O senhor tem idéia do que seriam esses documentos?
GF: Não, estou até curioso, abro o espaço para que se faça o raio X de um cidadão. Por que
não se pode também fazer o raio X de um político, de um presidenciável? A população tem de
saber quem ele é. Por que barrar? Por que calar a imprensa? O Garotinho diz que eu fiz fitas.
As fitas salvaram vidas, a minha vida e a de outras pessoas. Tenho provas de que ele
corrompeu um consulado. E isso é como corromper um país.
CC: Corromper como?
GF: O Garotinho conseguiu um esquema com um consulado no Rio para obter materiais
hospitalares sem ter de pagar impostos de importação. O consulado importava produtos
farmacêuticos em forma de doação e repassava para ele. O Garotinho tinha um contato lá,
alguém identificado como primo do cônsul. Isso era repassado para parceiros. É um tipo de
negociação envolvendo um presidenciável da qual, acredito, a população brasileira precisa ser
informada.
CC: O que mais?
GF: Quando parte das fitas sobre os acertos no Show do Garotinho foi divulgada no ano
passado, o Garotinho disse também que em momento algum corrompeu ou autorizou alguém
a corromper o fiscal da Receita. É outra mentira. Ele corrompeu, autorizou e até comemorou.
Houve a participação direta do ex-governador na negociação.
CC: O senhor fez fitas?
GF: Eu tive de entrar num certo submundo para não morrer. Eles queriam me matar. Tive que
me defender, juntar documentos que salvaram vidas. Tem fita falando em matar juiz. Há uma
conversa em que gente ligada a Garotinho fala abertamente em matar uma empresária de
Campos, dona Sila Chebabe. Eu mostrei a fita a ela e isso salvou a sua vida (a empresária
confirmou ter ouvido a tal fita). Se não fossem esses documentos, eles teriam me matado. O
policial Melchiades (Luiz Carlos), que foi contratado para me matar, havia sido expulso da
polícia nos anos 80 por assassinato, roubo e seqüestro. Aí o Garotinho entra para o governo do
Estado e o que ele faz: bota o cara de volta na polícia para ele se calar, para não falar que tinha
sido pago para me matar. Eu fui ao Ministério Público e levei provas. O depoimento do
Josenildo Ramos (empresário), que me informou da trama, é muito contundente. (O inquérito
foi arquivado. Leia detalhes à pág. 29).
CC: O senhor diz que sofreu muitas pressões desde as desavenças.
GF: A perseguição que o Garotinho faz comigo, principalmente psicológica, é demais. Eu vivo
um momento turbulento, sem saber o que eles vão fazer. Estou sem direito de ir e vir. Quero
pedir encarecidamente, ao deputado Aécio Neves, como presidente da Câmara, que me
receba, ele ou alguém da Comissão de Justiça, para mostrar tudo o que se tem passado. Está
tudo documentado. Quero entregar em mãos. É um pedido que faço. Peço que ele veja o que
tenho para mostrar. Sofro perseguições que nem na época da ditadura militar aconteceram
neste País. Corro sério risco de vida. Quero mostrar o que estou passando. Eu não agüento
mais. Tive de tirar minha família de Campos. Meus filhos começaram a ser discriminados. Há
cópias de todos os documentos e fitas guardadas em lugar seguro. Elas serão divulgadas caso
aconteça a mim ou à minha família.
CC: Conte melhor essa história do plano para matá-lo.
GF: Garotinho, em 1997, mandou me matar. O Josenildo (Ramos, empresário em Campos)
começou a ligar para a minha casa, sem se identificar, avisando o que estava para acontecer. O
que ele queria, na verdade, era deixar uma janela para escapulir depois, já que o assassinato
teria muita repercussão na região. O matador seria o Melchiades. Com essas informações nas
mãos, contratei um escritório de investigação. Eles levantaram e checaram tudo. Eu fui ao
Ministério Público e denunciei que o Garotinho tinha armado para me matar. Sobre isso há um
inquérito no MP. O promotor Marcelo Lessa convocou várias pessoas para depor, inclusive o
então prefeito Garotinho. O ex-governador ligava, em meio a reuniões, para saber o porquê da
demora. Eles iam me matar. Tentaram me matar fisicamente. Como não conseguiram,
partiram para me matar nos negócios. Inclusive procurando pessoas que me devem e
fechando acordos com eles para que não me pagassem. Como é o caso de um processo em
torno de R$ 500 mil que tramita na Justiça de Campos.
CC: Que tipo de perseguição o senhor sofria?
GF: Várias. Posso citar, por exemplo, duas perseguições a mando de Garotinho contra mim via
Ibama. Em junho do ano passado, foi montada uma operação na minha fazenda. Havia um
conjunto de irrigação trabalhando, molhando a lavoura. A chefe do Ibama em Campos, dona
Rosa Castelo Branco, casada com um empreiteiro da prefeitura, mandou apreender máquinas
e tratores. Ela alegou que a água estava sendo tirada de uma lagoa. Fiquei detido um dia na
Polícia Federal. Ela mentiu. Não era uma lagoa, era um açude que eu fiz, eu construí.
CC: E o outro caso?
GF: Foi algum tempo antes, em 1996. O coordenador do Ibama em Campos era Álvaro Mateus,
primo-irmão do Garotinho. Fiscais do Ibama foram até uma obra minha, prenderam e
acorrentaram várias máquinas. Ele me procurou, disse que as máquinas estavam presas e que
precisava conversar comigo. Ele foi ao meu escritório, me disse que havia uma certa
necessidade de ajudar na campanha da deputada Alcione Athayde e colocou um certo valor
para resolver o problema. Eu disse a ele que íamos resolver. Logo depois, liguei e disse que ele
poderia voltar que já estava tudo resolvido. Quando ele voltou, lhe entreguei a documentação
da nossa conversa, com os pedidos que ele me fez.
CC: Que tipo de pedido ele lhe fez?
GF: Nada que se pague com uma GRED (guia de pagamento de imposto) em banco.
CC: Ao fazer todas essas denúncias, o senhor se expõe muito. O que espera ganhar com isso?
GF: Só quero recuperar o meu direito de ir e vir, que é sagrado. Perseguições políticas temos
de banir.
Deputado acusado de tortura é julgado no Recife
Publicado no Jornal O Globo em 29/05/2002
RECIFE - A audiência de instrução e julgamento do pastor e deputado estadual João de Deus
(PL-PE), acusado de ter perseguido e mandado espancar a corretora de seguros Márcia Cristina
Verçosa do Nascimento, 30 anos, acontece a partir das 15h, no 5º Juizado Civil do Fórum
Tomás de Aquino. A ação tramita na justiça desde o início do ano passado.
Márcia, que desde setembro refugiou-se em Alagoas, está sob cuidados do Ministério Público
de Pernambuco e vem ao Recife escoltada por oficiais da PM alagoana. Ela acusa o deputado
de calúnia, difamação e tortura. A corretora chegou a ficar em coma depois de espancada. O
deputado nega as acusações.
Catecismo municipal
Publicado na Revista Epoca em 15/05/2000
A Universal transforma pastores em cabos eleitorais para ampliar o poder nas Câmaras de
Vereadores
É uma campanha barata, rápida e com pelo menos 5 mil palanques. Pretende contabilizar 8
milhões de votos. Nos templos da Igreja Universal do Reino de Deus espalhados por todo o
país, os fiéis cantam, oram e escolhem candidatos. Na maioria das vezes as opções
apresentadas aos crentes pertencem aos quadros funcionais da instituição. Em Luziânia, a 60
quilômetros de Brasília, o pastor Irineu da Silva Ferreira usa uma passagem do livro do
Deuteronômio para cabalar os 2.500 votos necessários para se tornar vereador. "Elegerás que
rei o Senhor, teu Deus, tiver escolhido. E este será um dos teus irmãos", diz o livro bíblico, que
faz as vezes de panfleto para Ferreira. "Quando o pastor põe a mão na cabeça de um
candidato e o abençoa na frente dos fiéis, a eleição está ganha", crê e prega o deputado Bispo
Rodrigues (PL-RJ), estrategista político da Universal.
O conselho dos 86 bispos da igreja aprovou uma lista com 773 nomes de candidatos a
vereador em todo o Brasil. A estratégia foi traçada logo depois das eleições de 1998. O papel
de Rodrigues é avaliar, em cada município, qual partido tem maior capacidade para eleger,
com o menor número de votos, os candidatos sagrados pelo conselho. O potencial eleitoral da
Universal completa os cálculos do bispo. Nas grandes cidades cada templo rende, em média,
500 votos. Nas pequenas, até 300. Os escolhidos são aconselhados a passar um "livro de ouro"
entre os fiéis para arrecadar, a cada vez, cerca de R$ 3 mil para gastar em propaganda. A
estrutura de comunicação da Universal, dona da Rede Record de TV e de 84 rádios AM e FM, e
o poder de opinião dos pastores também ajudam nas campanhas.
Os interesses em jogo justificam a investida. Em São Paulo, o vereador Celso Cardoso, eleito
pelos fiéis dos bispos e pastores que divulgam as idéias da Universal, trabalha para derrubar
uma lei municipal que proíbe emissões sonoras superiores a 80 decibéis. "O aparelho de som
pode estar com defeito", argumenta Cardoso. A norma estabelece multa de R$ 13.740 e
ameaça os 260 templos paulistanos da igreja de Edir Macedo. Em São Gonçalo, no Rio de
Janeiro, o vereador Sebastião Linhares, pastor da igreja, quer isenção para as contas de água e
luz dos templos. O objetivo das missões eleitorais empreendidas pelo deputado
Bispo Rodrigues é justamente esse: formar bancadas municipais que ajudem os pastores em
cada cidade a fermentar a pregação da Universal.
Pastor quer tirar orixás do Parque
Publicado no Jornal Correio de Brasilia em 24/05/2002
As oito esculturas gigantes de orixás expostas no lago do Parque da Cidade estão provocando
polêmica. O deputado distrital Agnaldo de Jesus (PFL), que é pastor evangélico, chegou a ir ao
Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT) com a intenção de apresentar
uma ação civil pública contra a exposição. Mas o próprio pastor desistiu de apresentar a ação
depois que soube que se tratava de uma trabalho itinerante.
As peças são do escultor baiano Tatti Moreno e percorrerão várias cidades. Elas já foram
expostas na Lagoa Rodrigues de Freitas (Rio de Janeiro) e no Parque do Ibirapuera (São Paulo).
"Pensei que estivessem usando dinheiro público para colocar aquelas imagens
permanentemente no Parque", explicou. "Caso contrária, isso só poderia ser feito com um
plebiscito, por uma consulta junto aos frequentadores", complementou. O deputado-pastor
apresentou ainda uma moção de desagravo na Câmara Legislativa contra exposição. "Não
podemos privilegiar uma religião em particular. E havia outros lugares para expor as peças,
como o Vale do Amanhecer, em Planaltina", disse.
PASTOR PEDE QUE "POVO DE DEUS" VOTE EM GAROTINHO
Publicado no NOTICIAS.TERRA em 12-08-2002
O pastor Silas Malafaia pediu, durante pregação sobre um trio elétrico, em frente ao ginásio
Nilson Nélson, em Brasília, que "o povo de Deus vote em Garotinho para presidente e em
Benedito Domingos (PPB) para governador do Distrito Federal". De acordo com ele, tem muita
gente roubando o Brasil. "Tem candidato defendendo acordo com o FMI e tem candidato
amasiado, que não se preocupa com os valores da família", disse, numa alusão aos candidatos
do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, e do PPS, Ciro Gomes. Na avaliação do pastor, só os candidatos
"crentes e competentes" são confiáveis.
Original em: http://noticias.terra.com.br/eleicoes/interna/0,5625,OI41345-EI382,00.html
PDT requer na Justiça cassação da candidatura do 'bispo' Crivela
Publicado no Jornal Folha de S. Paulo em 04/09/2002
RIO - O PDT pediu hoje à Justiça Eleitoral a suspensão do registro da candidatura de Marcelo
Crivela (PL) ao Senado. Em representação junto ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro
(TRE-RJ) contra o candidato do PL, o partido pede a abertura de investigação para apurar
abuso do poder econômico e do poder político, já que Crivela vem vinculado sua candidatura à
Igreja Universal do Reino de Deus e ao Projeto Nordeste (Fazenda Nova Canaã, em Irecê,
Bahia). Na representação, o PDT alega que o candidato do PL - sobrinho do 'bispo' Edir Macedo
- "notória e abusivamente ostenta o abuso do poder econômico como nas fitas de vídeo que
panfleta". O candidato ao Senado pelo PDT, Carlos Lupi informou que o partido recebeu cópia
de uma fita de vídeo em que os seguidores de Marcelo Crivela estão distribuindo em templos
da Igreja Universal, "verdadeiras peças de marketing eleitoral, numa evidente demonstração
de abuso do poder econômico e de manipulação da boa fé e dos sentimentos religiosos da
população". De acordo com o PDT, as fitas são produzidas pela Rede Record de Rádio e
Televisão, de propriedade de Edir Macedo.