xxi simpósio de história da imigração e colonização

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Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre Júlio Bittencourt Francisco 1 RESUMO O presente trabalho descreve uma parte da história da imigração dos sírios e libaneses no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul e na cidade de Porto Alegre. Relata as ações associativas, espirituais e recreativas dos descendentes de sírios e libaneses em Porto Alegre através do Clube social ‘Sociedade Libanesa’ e as suas festas e também a Igreja maronita localizada na Capital. Descreve outros aspectos da cultura árabe da cidade através de seus restaurantes e outras expressões culturais como a música e a dança. Palavras Chave: Sírios e libaneses, imigração, festas e danças. ABSTRACT This paper accounts part of the history of the Syrian and Lebanese immigration to Brazil, but also to the State of Rio Grande do Sul, and to its capital city of Porto Alegre. Report various forms of ethnic gathering; spiritual, recreational and around the food, music and dance. Describes several forms of Arabic motivations in Porto Alegre. Through the parties of the club ‘Sociedade Libanesa' and also looking at the maronite church located in the Capital, the paper describes other aspects of local Arab culture in the city through its restaurants and other cultural expressions such as music and dance. Key words: Syrian and Lebanese, immigration, parties and dance. Introdução 1 Professor assistente da FABICO/UFRGS, mestre em Memória Social e Documento pela UNIRIO/RJ e doutorando em História pela PUC/RS.

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Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Júlio Bittencourt Francisco1

RESUMO

O presente trabalho descreve uma parte da história da imigração dos sírios e libaneses

no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul e na cidade de Porto Alegre. Relata as ações

associativas, espirituais e recreativas dos descendentes de sírios e libaneses em Porto

Alegre através do Clube social ‘Sociedade Libanesa’ e as suas festas e também a Igreja

maronita localizada na Capital. Descreve outros aspectos da cultura árabe da cidade

através de seus restaurantes e outras expressões culturais como a música e a dança.

Palavras Chave: Sírios e libaneses, imigração, festas e danças.

ABSTRACT

This paper accounts part of the history of the Syrian and Lebanese immigration to

Brazil, but also to the State of Rio Grande do Sul, and to its capital city of Porto Alegre.

Report various forms of ethnic gathering; spiritual, recreational and around the food,

music and dance. Describes several forms of Arabic motivations in Porto Alegre.

Through the parties of the club ‘Sociedade Libanesa' and also looking at the maronite

church located in the Capital, the paper describes other aspects of local Arab culture in

the city through its restaurants and other cultural expressions such as music and dance.

Key words: Syrian and Lebanese, immigration, parties and dance.

Introdução1 Professor assistente da FABICO/UFRGS, mestre em Memória Social e Documento pela UNIRIO/RJ e doutorando em História pela PUC/RS.

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Embora a maioria dos sírios e libaneses que chegou ao Brasil fosse formada por

agricultores, a estrutura fundiária do país, baseada nas grandes propriedades e na

monocultura, a carência de terras disponíveis a baixos preços e os parcos recursos

financeiros trazidos por eles inviabilizaram sua fixação no meio rural. Como eles

também não se enquadraram na categoria de operários urbanos, ficaram à margem do

perfil idealizado pela política imigratória brasileira. Esses imigrantes concentraram-se

sim nos centros urbanos, mas nele desenvolveram atividades relacionadas ao comércio,

seja primeiro como ambulantes (mascates), ou mais tarde em negócios regularmente

estabelecidos. Contudo, a sua atuação profissional não estava restrita somente às

cidades, uma vez que a “população rural representava um importante contingente de

consumidores a serem atendidos” (ALMEIDA, 2000, p. 87). Desse modo, eles deram

uma importante contribuição no processo de ocupação do território nacional,

“funcionando como elementos dinamizadores dos mercados local e regional, integrando

regiões até então isoladas do mercado consumidor” (NUNES, 1986, p. 62).

Nos primeiros anos de atividade, os mascates, em visita às cidades interioranas e

principalmente às fazendas, levavam apenas miudezas e bijuterias. Mas com o passar do

tempo e o aumento do capital, começaram também a oferecer tecidos, lençóis, roupas

prontas, entre outros artigos. Conforme acumulavam os ganhos, os mascates

contratavam um ajudante ou compravam uma carroça; o passo seguinte era estabelecer

uma casa comercial. Foram eles que introduziram as práticas da alta rotatividade e alta

quantidade de mercadorias vendidas, das promoções e das liquidações.

Algum tempo depois, principalmente em São Paulo, onde se concentravam os

mais importantes comerciantes atacadistas, eles ingressaram no setor industrial.  A

expansão de suas atividades econômicas na produção têxtil na década de 1920 coincidiu

com a ‘era dourada’ da fabricação de tecidos no Brasil.  Após a Primeira Guerra

Mundial, as fábricas brasileiras de têxteis aumentaram em 50% a sua produção,

reduzindo assim a participação das importações inglesas no mercado nacional. O grupo

étnico que mais se beneficiou desta situação foram exatamente os sírios e libaneses que,

no final dos anos 1920, despontaram como uma poderosa força econômica em São

Paulo (TRUZZI, 1992, p. 66). Na década seguinte, era crescente a sua presença no

conjunto da indústria têxtil brasileira, destacando-se, sobretudo na produção de fibras

sintéticas. 

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Sírios e Libaneses e as estatísticas nacionais da 1ª metade do século XX

As estatísticas da Imigração Brasileira de 1880 a 1969 mostram que, enquanto

portugueses representavam 31% das migrações, italianos 30%, espanhóis 14%,

japoneses 5%, alemães 4%, os imigrantes do Oriente Médio totalizavam somente 3% e

iniciaram sua entrada no Brasil a partir do período de 1890 (LESSER, 1999, p.9).

Os dados numéricos sobre a entrada no Brasil dessa corrente imigratória são

muito imprecisos, sobretudo porque até 1892 todos eles (sírios, libaneses, palestinos e

mesmo turcos) foram classificados como turcos. Foi apenas a partir deste ano que os

sírios passaram a ser registrados separadamente. Como até 1920 – depois, portanto, do

término da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e início do mandato francês na Síria e

no Líbano – o Líbano foi considerado parte da Síria, por isso todos os libaneses foram

incluídos entre os classificados como sírios. Todavia, “tanto antes como depois de 1892

a imensa maioria dos imigrantes registrados como turcos eram, de fato, sírios e

libaneses” (PIMENTEL, 1986, p. 121). Ernesto Capello (2002) afirma basicamente o

mesmo, mas fornece outras datas. Segundo ele, as duas nacionalidades – síria e libanesa

– “foram incluídas numa única categoria pelas autoridades de imigração brasileiras até

1926, ano em que o Líbano se separou da Síria”. Na verdade, complementa o autor, até

1908 todos os imigrantes do Império Otomano eram classificados no Brasil como

‘turco-árabes’. Por conseguinte, diz ele, “é totalmente impossível ter à disposição dados

estatísticos confiáveis acerca do número de imigrantes especificamente sírios ou

libaneses” (CAPELLO, 2002, p. 34).

Contudo, é certo que nos períodos de 1895 a 1914, nos anos 1920 e no pós 1945

registraram-se as entradas mais expressivas desses imigrantes no país. Durante as duas

grandes guerras, o fluxo se reduziu de modo significativo ou praticamente cessou. No

conjunto, os dados disponíveis contabilizam o ingresso de 57.020 pessoas entre 1895 e

1914, de somente 2.693 entre 1914 a 1919 (no contexto da Primeira Guerra Mundial) e

de 42.210 de 1920 a 1930, totalizando 101.923 imigrantes (ALMEIDA, 2000, p. 14).

Nesse último período os ingressos anuais dos sírios e libaneses variaram entre mil e

cinco mil imigrantes, atingindo um pico de 7.308, em 1926 (NUNES, 2000, p. 60).

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

O que motivou a imigração dos levantinos2 foi um movimento espontâneo, sem

convites e incentivos dos governos. Os imigrantes sírios e libaneses arcaram com as

próprias despesas, desde passagem marítima até o estabelecimento no país de destino. A

maioria não viajou com intenção de se estabelecer na terra da imigração. Eles foram

‘fazer a América’ e pretendiam voltar para família, com dinheiro e prestígio social.

Muitos até conseguiram, mas tornaram a voltar a América por falta de oportunidades na

terra de origem.

O ano de 1930 marca o início das restrições imigratórias. Pelo Decreto 19.482,

de 12 de dezembro de 1930, o novo governo brasileiro (Getulio Vargas havia assumido

o poder pouco antes, através da vitória da Revolução de 1930), limitava a imigração aos

estrangeiros já domiciliados no Brasil, aqueles cuja entrada fosse solicitada pelo

Ministério do Trabalho e, sob certas condições, aos trabalhadores especializados

(PIMENTEL, 1986, p. 47). A subsequente adoção do sistema de cotas, somada à

depressão econômica, provocou uma redução substancial do fluxo imigratório em geral.

No caso específico dos sírios e libaneses, entre 1930 e 1940 a média de entradas no

Brasil ficou entre cem e quinhentos por ano. Com a Segunda Guerra Mundial, esses

números foram drasticamente reduzidos3 (NUNES, 1986, p. 89).

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO SÍRIA E LIBANESA: PRINCIPAIS ESTADOS RECEPTORES

Estado 1920 1940

São Paulo 19.285 23.948

Minas Gerais 8.684 5.902

Distrito Federal/RJ 7.321 9.051

Rio Grande do Sul 2.565 1.903

Paraná 1.625 1.576

Pará 1460 8482 Não analisamos aqui os fatores de expulsão na origem como instabilidade política, obrigatoriedade do serviço militar no exército turco, alta densidade demográfica e perseguição aos cristãos, tão pouco os fatores de atração como uma economia carente de mão de obra e altamente monetarizada. 3 Cabe informar que o termo ‘imigrante’ foi redefinido pelo Decreto nº 24.215, de 9 de maio de 1934. Desse modo, imigrante passou a ser aquele que vinha ao Brasil para exercer um ofício ou profissão por mais de 30 dias; o não imigrante, por sua vez, era quem permanecia no país por até 30 dias. Essa definição foi considerada insatisfatória, e por conta disso, quatro anos depois a legislação foi novamente alterada, pelos decretos nº 406, de 4 de maio de 1938, e nº 2.010, de 20 de agosto de 1938, incluindo agora as categorias ‘permanente’ e ‘temporário’. Os classificados como temporários eram os turistas, viajantes em trânsito; os permanentes os que constituíam lar definitivo no país (KNOWLTON, 1961, p. 35, apud SIQUEIRA, 2000, p. 26-27).

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Mato Grosso 1232 1.066

Bahia 1206 947

Quadro 1 – quadro montado pelo autor. Fonte: Recenseamento do Brasil 1920, 1947, p. 123, apud PIMENTEL, 1986, p. 56.

Ainda de acordo com o Censo de 1940, o número de sírios e libaneses do sexo

masculino chegava a 27.689, enquanto as mulheres somavam 18.097. Os homens

também superavam em muito às mulheres em relação à naturalização: 4.163 contra

1.284. Todavia, no que concerne aos descendentes de segunda geração, registrava-se um

grande equilíbrio: 53.769 homens contra 53.307 mulheres (CORTES, 1958, p. 72).

Com um grande senso de cooperação e apoio mútuo os imigrantes árabes4 foram

os responsáveis por dinamizar o comercio no interior do Brasil, principalmente ao

levarem mercadorias da capital de maneira independente e autônoma, formando as

primeiras redes comerciais das primeiras décadas do século XX. Eles recebiam as

mercadorias de outros patrícios, que lhes entregavam os produtos em confiança e

facilitava o pagamento: um corte de tecido, roupas, calçados, aviamentos, tudo em

consignação para ser revendido no interior pelo imigrante recém-chegado. Muitas vezes

o mascate vendia suas mercadorias diretamente a senhora, dona da casa, em prestações,

que lhe garantia a volta ao local, e no caminho mais vendas através de indicação de

mais clientela.

Essas redes eram muito eficazes porque se alongavam até as aldeias de origem

dos imigrantes no Oriente Médio. Havia uma grande movimentação de pessoas e

dinheiro viajando entre a América e os portos Mediterrâneos em direção ao Líbano e a

Síria. Vilarejos inteiros no Oriente Médio fornecem imigrantes à América desde as

últimas décadas do século XIX.

A vontade de emigrar, de fazer a América, onde quer que esta fosse, precedia a determinação por

um destino específico. Na Síria, relatórios de missões presbiterianas notaram que ao longo da

última década do século XIX, a febre imigratória chegou a tornar-se uma mania (...) Um

analfabeto vai para a América e no curso de seis meses manda um cheque de $300 ou $400

dólares, mais do que o salário de um professor ou de um pastor em mais de dois anos (...) Quase

tudo é usado para pagar velhas dívidas, hipotecas, e para levar outros imigrantes além- mar. Dos

4 Usamos o termo árabe para definir os diversos grupos étnicos, de língua árabe, que habitam a região do Oriente Médio denominado: Levante. A região inclui a Palestina, o Líbano, grande parte da Síria até a fronteira da Turquia. Historicamente o termo árabe era usado para descrever povos nômades do deserto.

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

relatos dos imigrantes só se ouvem louvores irrestritos à América. (TRUZZI, apud Knowlton,

1992: 289)

Muitos imigrantes cristãos, especialmente os libaneses, que, de uma forma geral

já se identificavam com o ocidente desde a terra de origem, aprovaram a tutela da

França5. Outros, entre eles muitos sírios, e imigrantes muçulmanos, eram favoráveis a

um estado árabe independente, secular, forte e unido. Eles eram partidários da chamada

‘Grande Síria’ que englobava num só país a Palestina, o Líbano e a Síria, que naquela

época incluía a Jordânia, Arábia Saudita e o Iraque. Está foi, aliás, a promessa feita por

Sir Lawrence (da Arábia) aos árabes que ajudaram o oficial inglês, infiltrado nos

exércitos árabes, durante a campanha contra o domínio otomano em 1916 na retomada

de Damasco das mãos dos turcos.

No Brasil, a maioria dos imigrantes que permaneceram optaram por esquecer os

problemas do Oriente Médio e criar suas famílias como brasileiras. Existem várias

histórias de imigrantes que mudaram ou traduziram seus sobrenomes para o português.

Uma opção mais simples, comum e fácil de pronunciar, além de não denunciar a

origem. A maioria jamais ensinou árabe aos filhos, na esperança que a próxima geração

se integrasse por completo a sociedade brasileira, sem nenhum tipo de desvantagem

possível ou preconceito étnico, como o que haviam sofrido na origem por serem

cristãos.

A imigração árabe no Rio Grande do Sul

Apesar das imprecisões do censo, o Rio Grande do Sul foi o quarto estado

brasileiro em número de ingressos oficiais de sírios e libaneses contabilizando 4.468

pessoas até 19406.

Repetindo o mesmo padrão de outros lugares, a atividade escolhida em peso

pelos imigrantes foi a da mascateação. Quase todos começaram a vida fazendo negócios

de porta em porta, levando pesada mala cheia de mercadorias nas costas, trazendo

notícias da capital, levando novidades ao interior. Eles estavam formando uma rede de

5 A França era chamada por muitos libaneses cristãos de “Mão Amiga”. O país já havia intervido em outros conflitos, sempre a favor dos cristãos, especialmente nas aldeias do Monte Líbano, durante o século XIX.6 Se considerarmos o DF, e o Estado do Rio de Janeiro como uma só unidade federativa.

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

cooperação que se projetava acima de qualquer diferença econômica, pertencimento

étnico, colocação social ou convicções políticas.

A historiografia da imigração sírio e libanesa no Rio Grande do Sul conta com

um verbete no volume V da Enciclopédia Rio-grandense (1958) cujo organizador, Klaus

Becker, destaca algumas famílias árabes que se estabeleceram no sul Estado do Rio

Grande em fins do século XIX, especialmente em Rio Grande, Pelotas e Bagé. Essas

informações encontram apoio no trabalho de Cecília Kamel (2000) que indica que “a

entrada desses primeiros imigrantes no Rio Grande do Sul deu-se pelo porto de Rio

Grande, por via terrestre a partir do porto de Santos e, não raras vezes, também por vias

terrestres a partir da Argentina e do Uruguai”.

Com acesso aos quatro cantos do Estado, não é estranho, portanto, que os sírios e os

libaneses se encontrem disseminados por todo o Rio Grande do Sul, Embora algumas

localidades se tenham tornado grandes redutos desses imigrantes entre elas, Pelotas,

Alegrete, Santa Maria, Cachoeira do Sul, Bagé, Passo Fundo, Rio Grande, Caxias,

Erechim, São Gabriel e São Borja, além de Porto Alegre. Acrescente-se ainda, que além

da cidade de Rio Grande no interior do Estado, especialmente no trecho que vai de

Capão da Canoa, até São José do Norte, existem entre os moradores, um grande grupo

de sírios e libaneses inteiramente integrados à vida rural gaúcha. (KEMEL, Cecília,

2000, p.34)

Abaixo foto de Abílio de Nequete sentado ao meio (DULLES, 1977)

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Não obstante a atual presença semita nas cidades fronteiriças do Rio Grande

do Sul há que se destacar que tal fenômeno é relativamente recente tendo pouco mais de

meio século. No caso de Pelotas,

encontramos a foto7 ao lado que

testemunha a presença de

comerciantes sírios na cidade

durante as primeiras décadas do

século XX.

Características

importantes da imigração árabe no

Brasil e no Rio Grande do Sul: em

primeiro lugar: a dedicação ao

comércio e, depois, a presença

urbana. A mobilidade entre a

metrópole e o interior foi uma

marca desta imigração, quando

eles estabeleceram laços de

cooperação, levando mercadorias,

riqueza e notícias nos dois

caminhos, mas, sobretudo,

estabelecendo redes,

independentemente da origem ou pertencimento étnico religioso.

A presença sírio e libanesa em Porto Alegre.

No início do século XX, quando os primeiros imigrantes sírios e libaneses

começaram a se estabelecer e circular pela cidade de Porto Alegre, seus núcleos

residenciais e comerciais eram na Rua General Andrades Neves, e na Praça Parobé.

Com o passar do tempo expandiram os negócios para a Rua Voluntários da Pátria, no

Centro da Capital, conhecida por seu comércio de miudezas, tecidos e comércio

popular.

7 Instituto Delfos PUC/RS Fundo Beno Mentz Foto sem data

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Viviam inicialmente em cortiços, moradias populares com cômodos para alugar onde se

aglomeravam famílias inteiras em um reduzido espaço. Era peculiar o comercio praticado em

longos trajetos percorridos como vendedor ambulante de sotaque tão característico (AMRIK, S/D)

Posteriormente, ainda nas primeiras décadas do século, os irmãos Selaimen,

imigrantes libaneses, lotearam sua chácara no bairro São João (entre as ruas Benjamin

Constant e Sertório, na Zona Norte da Capital), atraindo muitos outros patrícios e

fazendo do bairro um reduto dos libaneses na cidade. (Schilling, 2007)

Em Porto Alegre, desde o início do século XX várias associações foram criadas

num clima de dissensões, incorporações e cismas entre os grupos de sírios e de

libaneses. A primeira foi a Sociedade Síria fundada em 1922, na Rua Riachuelo, Centro

histórico de Porto Alegre e, dois anos depois era fundada a União dos Jovens Libaneses

e a Juventude Maronita. Em 1925 criou-se o Clube Sírio e Libanês (Schilling, 2007)

“que funcionava primeiramente, dentro do Clube Caixeral, na Rua da Praia, e, após,

passou para a Rua Voluntários da Pátria”.

Pela impossibilidade em participar de sociedades brasileiras tradicionais, quer seja pela dificuldade com a língua, pelos costumes ou mesmo pela condição social, os sírios e os libaneses formalizaram as associações que já existiam informalmente em bares, restaurantes, lugares para conversar, beber, tomar café, ler jornais ou praticar gamão e xadrez, seu jogos típicos. (SCHILLING, 2007 p.28)

Na década de 1930, “por desentendimentos entre a diretoria e alguns sócios” foi

criado o Clube da Juventude Sírio-Libanesa. “Passaram a existir, então, dois clubes

distintos, em 9 de Setembro de 1934 foi fundada a Sociedade Sírio-Libanesa” (p.34)

Ainda de acordo com Schilling, (2007) mais adiante novos desentendimentos “e a partir

de 1936 foi fundada a Sociedade Libanesa, no bairro São João, criada pelos dissidentes

dos outros clubes, e pela Juventude Maronita” (p.35).

Em 1954 o clube é ampliado e, em 1982 muda-se para a sede atual no bairro Boa

Vista. Em 1995, após negociações iniciadas em 1960, a Sociedade Libanesa incorpora o

Clube Sociedade Síria, absorvendo seus sócios e a sede localizada no centro, que é

vendida. Em troca os sócios da Sociedade Clube sírio ficaram isentos por dois anos de

pagar as mensalidades de manutenção e um salão da sede social da Sociedade Libanesa

é homenageado com o nome da Síria.

A capital dos gaúchos conta com um importante contingente de descendentes de

imigrantes sírios e libaneses, mas, da mesma forma, as cidades vizinhas e periféricas da

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Capital como Viamão, Guaíba, Canoas, Osório, Sapucaia, Santa Rita entre outras,

possuem presença árabe e herança local tão antiga quanto às da capital. O mesmo

ocorreu por todo interior do Estado do Rio Grande do Sul. Com presença mais

acanhada, porém, as áreas povoadas por colonos alemães e italianos, também se pode

encontrar algumas famílias árabes.

Desde o início da imigração dos sírios em Porto Alegre, podemos citar alguns

nomes emblemáticos. O primeiro deles é o imigrante e barbeiro libanês Abílio

Nequete8, que, de forma surpreendente fundou, em Niteroi, em 1922, o Partido

Comunista do Brasil. Outros nomes de destaque entre os descendentes de Porto Alegre

são o do desembargador Elias Mansur, membro da mais alta corte federal, e o cirurgião

Ivo Nasralla, o primeiro a realizar transplantes de coração no Estado. Ambos têm em

comum serem filhos de mascates estabelecidos em Porto Alegre.

Entrevistamos um filho de imigrante libanês muçulmano, estabelecido desde

1910, em Vera Cruz, na época, distrito de Santa Cruz do Sul, município com forte

presença alemã no estado. Muhamad Baccar, nascido em 1932, conseguiu estudar na

capital no início da década de 1950. Formado Engenheiro Químico fez uma brilhante

carreira, contribuindo para o desenvolvimento inicial da Petrobrás.

Tirei o científico lá em Porto Alegre. Depois eu fiz o vestibular e passei para engenharia química

na UFRGS. Em Porto Alegre eu conhecia os amigos de meu pai, que era gente de muito dinheiro

e de muita importância lá. Eles eram árabes mesmo, da comunidade. Eram atacadistas de tecidos

muito fortes. Eu tirei o curso muito novo. E quando eu me formei, tinha 21 anos. Engenheiro

Químico9. (FRANCISCO, 2005)

Estas redes se estendem da capital para as periferias, e do Oriente Médio até o

Rio Grande do Sul. As redes de conexões árabes, embora modificadas e resignificadas,

estão bem visíveis, ainda hoje, inclusive na área metropolitana e da Grande Porto

Alegre.

As Festas e as formas de rememoração da comunidade

Povos muito emotivos os sírios e libaneses, e são muito parecidos com os

brasileiros neste aspecto. É claro que o sentimento de família também é muito profundo,

8 Chegou ao Brasil aos 14 anos, no início do século XX em busca do pai, também imigrante libanês. Aos 18 anos mudou-se para Porto Alegre.9 Entrevistas com Muhamad Baccar (1932-2011) realizada em 04/04/2004.

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

sendo a Grande Família uma instituição consagrada no mundo árabe do Oriente Médio

colonial. Este sentido patriarcal de família foi transportado, enquanto um Ethos

comportamental10, para as gerações seguintes, inclusive aquelas que vieram ao Brasil.

Na origem, a grande casa patriarcal era uma tradição passada por gerações, onde

a família estendida, composta por netos, genros, filhos e noras, tios, primos, tias e

primas, viviam juntos, numa mesma grande propriedade, a qual pertencia a um

patriarca, que, em geral, era o parente varão mais antigo. Ele é o proprietário e herdeiro

de todos os bens e rebanhos. Normalmente seu prestígio se traduz em propriedade de

terra e número de agregados, o que poderia render-lhe algum poder junto às autoridades

otomanas que ocupam os países árabes do Levante no fim do século XIX. Casamentos

dentro da mesma família, entre primos, ou fechados no âmbito de duas ou três famílias

aparentadas é muito comum em todos os grupos pesquisados, contudo, tal prática foi

transplantada à terra da imigração, pelo menos se encontrou presente nas duas primeiras

gerações.

Neste contexto, as festas, quase sempre acontecem no ambiente da família ou da

aldeia, normalmente em meio a grande família. Essas celebrações sempre estiveram

presentes em acontecimentos como matrimônio ou datas familiares. Na mesma igreja

étnica, em casamentos, batizados e bodas. A fartura das colheitas e datas simbólicas

como a páscoa para os cristãos e o Ramadan para os muçulmanos, ou festividades

femininas como a festa da henna11.

Casamento não remete apenas à festa, mas também ao sacrifício, significa negociar aspectos

fundamentais que nortearão a vida das pessoas. Todas as histórias falam do peso da tradição, da

importância dos pais na escolha do cônjuge e do papel dos sujeitos ao transitar por esse código.

O modelo aparece nesse contexto como algo que rege a rede de relações sociais, garante a

coerência do grupo e as narrativas um significado. “A coerência do grupo não implica, de modo

algum, que os habitantes vivam em harmonia nem que todos partilhem dos mesmos valores”.

(PETERS, 2006 apud Fonseca, 2000, p.34).

10 Refiro-me aqui a maneira patriarcal de ordenar valores e comportamentos, onde o filho varão jamais deixa a casa quando casa-se com mulher árabe, já a filha dedica-se a família do marido.11 Tradicionalmente, a cerimônia de henna era restrita apenas às mulheres, cujo objetivo era homenagear a noiva e desejar-lhe saúde e riqueza enquanto se preparava para deixar a casa de seus pais e começar uma nova vida ao lado de seu marido. O vestido da noiva é de veludo, em cores fortes e vivas, para evitar o mau-olhado. Pedras e lantejoulas douradas e prateadas simbolizam a felicidade. O noivo veste a tradicional "djalabia", também com enfeites brilhantes que representam a luz que iluminará suas vidas. Na cabeça, usa um turbante vermelho. Sua nova casa é então enfeitada com veludo e com os tradicionais vasos e jarras de cobre.

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

Hoje, passados mais de cem anos do início da presença dos sírios e libaneses no

Rio Grande do Sul, verificamos entre poucos nomes árabes na lista de sócios da

Sociedade Libanesa, muitos outros sobrenomes: luso-brasileiros, alemães, italianos e

poloneses. Quase não há mais casamentos endogâmicos entre os descendentes dos

pioneiros. Na quarta geração em linha direta desde os primeiros imigrantes, o que foi

uma comunidade étnica síria e libanesa fechada, no início da imigração, é hoje uma

vasta mescla de pessoas de diversas procedências e costumes, que têm suas fronteiras

étnicas árabes bastante fluidas e flexíveis, entre os gaúchos de diversas origens.

A amplitude da memória do tempo passado terá um efeito direto sobre as representações de

identidade. A memória individual se desenvolve em um tempo privado, íntimo. Mas que

converge para o coletivo quando encontra apoio em acontecimentos vividos pelo grupo.

(CANDAL, 2014, p.100)

A recriação da identidade étnica dos sírios e libaneses em Porto Alegre se dá de

três formas principais: A primeira através da comunidade e da socialização através do

clube Sociedade Libanesa. Nessa dinâmica, a família assume um papel central nas

celebrações e na preservação da memória étnica. A segunda através da Igreja Maronita

Nossa Senhora do Líbano, inaugurada em 1964, no esforço da própria comunidade

libanesa de confissão maronita12, A Igreja maronita tem uma missa aos sábados, às

18h30minh, cuja parte da homilia é rezada em aramaico, língua da qual o árabe

moderno se originou. A igreja reúne alguns imigrantes e seus descendentes, mas

também brasileiros, sendo que alguns padres e freiras são libaneses maronitas. Por fim,

a identidade árabe também é rememorada nos diversos restaurantes de comida árabe da

cidade, mas também nas academias de dança oriental13 de Porto Alegre.

O Clube Sociedade Libanesa14 realiza duas festas étnicas por ano. Uma em

Setembro, quando se comemora a independência do Líbano, e a outra em Novembro,

para festejar o aniversário do Clube15. Em ambas as ocasiões há um jantar com comidas

12 Igreja fundada com o apoio da comunidade maronita portalegrense. A origem da Igreja Maronita remonta o século VII, e se deu em torno de São João Marun, que viveu nas montanhas do Líbano.13 Evitamos chamar de ‘dança do ventre’. Alguns estudiosos da cultura árabe consideram está uma terminologia inventada no ocidente, criada pela indústria do entretenimento.14 O Clube, fundado em 1936, teve sua primeira sede na Rua Leopoldina, bairro São João. Em 1954 passou por reformas de ampliação e, em 1982, foi construída uma nova sede, no bairro Boa Vista, Zona Norte da Capital, localização atual.15 A festa denominada “comenda do sheik” é uma tradição desde 1972. Os convidados comparecem ao jantar usando trajes típicos. Bailarinas contratadas, geralmente vêm de São Paulo para se apresentar especialmente no evento que é ansiosamente esperado por grande parte dos sócios todos os anos.

Festas, danças, família e rememorações: Sírios e libaneses em Porto Alegre

típicas e um show de dança árabe com bailarinas vestidas a caráter, música e espetáculo

de folclore árabe com som e luzes. Nesta ocasião, depois de terminado o show, todos

que quiserem podem dançar o Dabiq, que é uma dança realiza em grupo, onde todos

juntos de mãos dadas, ensaiam passos como numa ciranda, perfazendo uma coreografia

em harmonia com a batida dos pés e a dobra do joelho, ao som da percussão.

Já os restaurantes árabes de Porto Alegre são cinco, sendo o mais tradicional o

Baalbek, localizado na Rua Dr. Timóteo, bairro Floresta. O restaurante que pertence a

uma família de descendentes de imigrantes libaneses tem uma tradição culinária de 25

anos ininterruptos. Os demais restaurantes são: Lubnannn, na Cristovão Colombo,

bairro Floresta, o Damash, localizado na Cidade Baixa, o Al Nur, na Rua Protásio Alves

em Petrópolis, e o restaurante da Sociedade Libanesa, chamado de Monte Líbano.

Alem do Clube Sociedade Libanesa, dos restaurantes árabes de Porto Alegre, o

que mais chama atenção sobre a referência árabe na capital é o elevado número de

escolas de danças orientais. Entre as diversas academias especializadas em danças

árabes com aulas particulares ou em grupo, existem aquelas que também oferecem show

com bailarinas, música e Buffet de comidas árabes, a domicílio, em clubes ou

restaurantes. Essas iniciativas se caracterizam por serem verdadeiras produções de

espetáculo onde o imaginário árabe aparece pronto para o consumo.

A bailarina e coreógrafa Nurah Said, libanesa de nascimento, mas radicada em

Porto Alegre, fundou o Centro Cultural árabe Maktub. O objetivo do Centro é promover

o mundo oriental através de palestras que mostrem a contribuição da cultura árabe ao

ocidente, mas também permita exibir a arte contemporânea, a dança moderna e

folclórica, além do teatro, estrelando peças que são inspiradas em contos árabes e

adaptadas para o gosto do publico brasileiro. De acordo com nossa informante, as

danças árabes são dividas em quatro grupos principais: As danças folclóricas, por

exemplo: Tah-tib que é praticada por dançarina com um bastão16, a dança do Said, que é

uma dança tradicional do Norte do Egito em que a bailarina dança com bastão ou

espada, o Khaleege17, cujo ritmo é o Soudi (folclórico) e o Dabiq que é uma dança

coletiva do tipo ciranda que é praticada por todos18. Ainda há a dança clássica árabe,

16 Alguns em formato de cajado, outros com gancho na ponta. A dança simula uma arte marcial popular entre os pastores que usam o cajado como instrumento de puxar e bater no adversário, na dança, ao final da apresentação, o gancho serve para que a dançarina puxe os convidados para a pista de dança.17 É dançada com um vestido (túnica) de tecido fino, todo bordado. A túnica é chamada de Galabya.18 A origem da dança sugere algum tipo de mutirão quando aldeões se reunião para pisar uvas, pisotear o piso de alguma casa ou cobertura de telhado que era feito de estuque.

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onde detalhes como movimentos das mãos e quadris são cuidadosamente observados, a

dança Takssim que se desenvolve ao som de instrumentos de sopro e cordas, e os solos

de Derback, tambor árabe cuja diversidade de toques já catalogou mais de duzentas

diferentes batidas e ritmos.

ConclusãoA atividade de memória que não se inscreve em um projeto de presente, não tem carga identitária, e com mais frequência equivale a nada recordar. (Joel Candal)

O orgulho da raça19 é algo comparável a uma alta estima coletiva. É a mesma

que, neste sentido, gozam alguns descendentes de italianos e alemães, que buscam nos

consulados e embaixadas a cidadania desses países, na esteira do prestígio que têm no

cenário internacional, mas também os filhos e netos de imigrantes japoneses, açorianos

e poloneses e até, em muitos casos, os afrodescendentes20. Observa-se, porém, no caso

dos descendentes de imigrantes sírios e libaneses em Porto Alegre, características únicas

e peculiares de um grupo de descendentes de imigrantes que se nega e se afirma, ao

mesmo tempo, tão claramente em relação ao seu pertencimento e orientalismo21.

Seus pais e avós chegaram jovens e pobres, na condição de apátridas, sendo que

suas identidades estavam ligadas a religião e a aldeia de origem. Aqui aprenderam a se

vestir, comer e falar de modo ocidental. Conduziram carreiras empreendedoras,

atividades dinâmicas que, embora oferecessem riscos, souberam ser contidos suficientes

para não perder nas crises, embora muitos tenham falido a maioria manteve seus

negócios e até cresceu lentamente com o tempo. O resultado disso foi terem

proporcionado à segunda geração a entrada definitiva num outro patamar econômico,

aonde até bem pouco tempo, apenas os luso-brasileiros e outros descendentes de

imigrantes chegados ao país sob outras condições em um tempo anterior, poderiam

alcançar.

19 A categoria ‘raça’ é usada para definir o racismo. Esta palavra deve ser compreendida nas Ciências Sociais como limitada, todavia pode auxiliar quando se trabalhar com identidade étnica e todas as suas implicações.20 A baixa estima e a pobreza andam muito próximas e se constitui como uma chaga nacional, porém, muitos são os grupos e pessoas que afirmam sua condição de negros, se empoderando, inclusive esteticamente frente a uma sociedade capitalista cuja lógica é anglo-saxão.21 O orientalismo moderno, de acordo com Edward Said é a maneira culta que os ocidentais veem e explicam o oriente.

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Na história da Sociedade Libanesa observa-se que a memória é um campo em

disputas. Em Porto Alegre faltou regularidade e iniciativa da comunidade síria em

manter sua memória separadamente. Se assim tivesse ela feito, poderia negociar com a

Sociedade Libanesa o nome ‘síria’ no título do Clube, e não apenas e um salão nobre. O

que triunfou foi a comunidade maronita cristã, de origem libanesa. Em torno dela outros

grupos árabes se juntaram numa tácita aceitação de ‘libanizarem-se’, em outras

palavras, fazer concessões identitárias. Ao que se deve este fator? Talvez a forte

presença de alemães e italianos tenha dirigido as escolhas de muitos sírios a se

converterem em ‘libaneses’, mais próximos e mais parecidos com os ocidentais. Este

ponto de inflexão ficou claro durante os anos de 1920 e 1930, duas décadas de forte

movimentação associativa para os imigrantes e descendentes de sírios e libaneses em

Porto Alegre, quando o mandato Francês no Líbano e na Síria, como vimos, prevaleceu,

sobre uma visão de mundo “pan-árabe” como queriam muitos sírios. O estabelecimento

da Igreja maronita, algumas décadas mais tarde, consolidou o ‘território conquistado’.

Por outro viés podemos estudar a etnicidade através de outros símbolos, como,

por exemplo: a alimentação. Nas palavras de Woortmann, (1978), "o comer não satisfaz

apenas as necessidades biológicas, mas preenche também funções simbólicas e sociais".

Os alimentos da culinária sírio e libanesa unem tanto sírios quanto libaneses assim

como a língua, a arte e a dança árabe. Os alimentos são preparados de forma ritual e

demandam grande habilidade manual como moer, pilar, sovar e bater. Utiliza-se de

elementos frescos de uma cozinha tipicamente mediterrânea. Ingredientes como o trigo,

arroz e o grão de bico, juntamente com o azeite de oliva e hortaliças (quase todas têm

nomes árabes) além dos legumes que acompanham os pratos principais. Podem ser

servidos recheados, cozidos, crus ou assados. A carne preferida é a de carneiro e o leite

usado para coalhadas e iogurtes.

Os restaurantes árabes espalhados pela cidade propõe uma rememoração síria e

libanesa através de cheiros e sabores. Da suave pimenta síria, do pão árabe, da cebola e

da pasta de grão de bico. É através da cultura material, mas também de sua forma

intangível e imaterial, usando os sentidos, que se torna possível acessar um imaginário

ancestral disponível no dia-a-dia da cidade.

Estes produtos, ações e pessoas, agenciam os desejos de pertencimento,

movimentando uma fronteira étnica tanto de descendentes quanto de brasileiros, já

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familiarizados com o imaginário oriental do quibi e da esfirra, como salgadinhos

nacionais, invertendo a lógica orientalista e arabizando um pouco mais o Brasil.

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