trabalho de conclusao de curso
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FACULDADE DE DIREITO
ALEXANDRE PAIVA FORTES DOS SANTOS
Maioridade penal, ato infracional e controle sócio
jurídico sob a revista legislativa brasileira
CANOAS – RS
2014
ALEXANDRE PAIVA FORTES DOS SANTOS
MAIORIDADE PENAL:
Maioridade penal, ato infracional e controle sócio jurídico
sob a revista legislativa brasileira
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Faculdade de Direito
do Centro Universitário Ritter dos
Reis, como requisito parcial para
obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Profª. Renata Almeida
da Costa
Canoas – RS
2014
ALEXANDRE PAIVA FORTES DOS SANTOS
Maioridade penal, ato infracional e controle sócio jurídico
sob a revista legislativa brasileira
Trabalho de Conclusão defendido e aprovado como requisito parcial a
obtenção do título de Bacharel em Direito pela banca examinadora
constituída por:
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CANOAS – RS
2014
À minha mãe, Déa Paiva Fortes dosSantos, que moldou a minha existência.Ao meu pai, Rui Fortes dos Santos, quemoldou o meu caráter.Ao meu professor, Rafael Braude Canterji,que moldou minha visão sobre os DireitosFundamentais.À minha orientadora, Renata de AlmeidaCosta, cuja fé em um projeto por mimdesacreditado, moldou sua forma e, Ao meu Amor, Natália Rosa Ferreira, quemoldou o meu jeito de amar e deacreditar que eu seria capaz de concluiralgo em minha vida.Sem vocês, nada disso existiria.
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO....................................................
.....................................................6
2 O ATO INFRACIONAL E CONTROLE
PENAL......................................................8
2.1 CONCEITO E BREVE HISTÓRIA DO “DIREITO DOS
MENORES”....................8
2.2 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE LEI
8.069/90.......................12
2.3 PRINCÍPIOS E “PUNIÇÕES” DO
ECA...........................................................
....15
3 O “ESPETÁCULO” MIDIÁTICO E OS EFEITOS NA PRODUÇÃO DA NORMA
JURÍDICA......................................................
...........................................................19
3.1 MÍDIA
PRIVADA/SOCIAL................................................
...................................19
3.2 CONSEQUÊNCIAS DE UMA EVENTUAL DIMINUIÇÃO DA MAIORIADADE
PENAL E SEU PUBLICO
ALVO..........................................................
.....................23
4 A MAIORIDADE PENAL E AS PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO
LEGISLATIVA...................................................
.......................................................27
4.1 PROPOSTAS DE
ALTERAÇÃO.....................................................
....................27
4.1.1 PEC
20/1999.......................................................
.............................................27
4.1.2 PEC
90/2003.......................................................
.............................................28
4.1.3 PEC
74/2011.......................................................
.............................................29
4.1.4 PEC
83/2011.......................................................
.............................................29
4.1.5 PEC
33/2012.......................................................
.............................................30
4.2
(IM)POSSIBILIDADES............................................
............................................32
4.3 ALTERNATIVAS
VIÁVEIS.......................................................
...........................33
5 CONSIDERAÇÕES
FINAIS........................................................
..........................37
6 REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS................................................
.....................39
6
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo verificar os
movimentos sociais e midiáticos das ações em favor da
diminuição da maioridade penal, analisar os motivos pelos
quais há uma cobertura cada vez maior da mídia, e, por
consequência, um aumento do clamor popular suscitando mudanças
na legislação vigente.
Diante da simpatia à causa em diversos setores da
sociedade, tramitam no Congresso Nacional alguns Projetos de
Emenda Constitucional abordando o tema, trazendo à tona a
questão sobre a possibilidade de tal diminuição.
Para isso entende-se necessária a abordagem histórica do
direito de menores no Brasil desde sua independência, passando
pela república, ordenamentos jurídicos e transformações, até a
promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n°
8.069/90, sua origem e eficácia diante daquilo que ela se
propõe, a proteção integral, do recém nascido até o jovem de
dezoito anos.
A abordagem seria incompleta se não houvesse o intuito de
conceituar o termo ato infracional, base para aplicação das
medidas sócio-educativas aos maiores de doze anos, idade
última no quesito inimputabilidade absoluta e que, embora não
seja interpretada por aqueles que acreditam que
inimputabilidade é sinônimo de impunidade, é marcada pelas
sanções, muitas vezes até mais rigorosas no ECA do que para os
adultos no Código Penal.
7
Não obstante a questão do rigor do estatuto, pretende-se
analisar as consequências de uma eventual diminuição, e se ela
é viável no ordenamento jurídico Brasileiro, uma vez que há
indícios de que mudanças nas cláusulas contendo direitos
fundamentais possuem restrições severas junto a carta magna.
Mas se o regramento indica uma restrição, por qual motivo
o legislador insiste em sua modificação? Será este o tema de
um subitem de um dos capítulos do presente trabalho, cuja
importância de sua tramitação junto ao Congresso Nacional não
deve ser esquecida.
Dentre tantas propostas de modificação, pelo menos cinco
delas serão analisadas, seja na sua complexidade, seja em suas
justificativas, para que se possa entender de onde se acredita
que uma eventual diminuição poderá resolver, ou pelos menos
amenizar o assunto da criminalidade no país.
Em havendo diminuição, julgou-se importante abordar os que
eventualmente seriam atingidos pela medida punitiva, já que no
contexto atual, não há retribuição da pena senão pelo simples
objetivo de eliminar da visão da sociedade aquele que pratica
o delito e o ato infracional, em vez da aplicação singela,
tanto do ECA quanto do CP, que preveem a reeducação, e não o
depósito de seres humanos, quase como a Lei de Talião em seu
sentido mais puro que não a justiça, e sim a vingança.
Na tentativa de esclarecer a possibilidade ou não na
mudança da norma, há a pretensão singela na apresentação de
alternativas visando o esquecimento da ideia de diminuição,
8
haja vista que bastaria o cumprimento integral dos artigos
situados junto ao Estatuto da proteção integral.
Para tanto, a metodologia utilizada será a da pesquisa
bibliográfica, onde se buscará o embasamento do que se defende
junto ao Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade de
Direito do Centro Universitário Ritter dos Reis.
2 ATO INFRACIONAL E O CONTROLE PENAL
O capítulo a seguir tem por objetivo contar um pouco a
história do direito dos menores ao longo da formação do Estado
Brasileiro, desde a chegada da família real no ano de 1808 até
os dias de hoje.
9
Também busca discorrer sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente como instrumento de proteção integral, sua
eficácia, juntamente com a descrição do Ato Infracional.
2.1 Conceito e breve história do “Direito dos Menores”
A descrição atual para ato infracional é dada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8069/90, que
em seu artigo 103 define: “considera-se ato infracional a
conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Nesse
sentido, percebe-se que o legislador brasileiro, ao procurar
estabelecer as medidas de resposta aos atos ilícitos
praticados por menores, ateve-se aos conceitos de direito
penal.
Muito embora o ECA seja considerado um instrumento de
vanguarda no cenário internacional, já que fora promulgado
apenas um ano após a Convenção Sobre os Direitos da Criança
(1989), tal redação do artigo referido no parágrafo anterior é
simples e vaga. Verifica-se que a relação entre o “direito de
menores” com o Direito Penal foi mantida, seja por vontade do
legislador na substituição dos termos para buscar o seu
afastamento, ou para evitar esquecimento de que há necessidade
de punir, o que legitimaria ainda mais o seu cunho protetivo
em detrimento da mera punição.
Para buscarmos essa ligação, é necessário o entendimento
histórico da Legislação Penal Brasileira no que cerca os
“atores” postulantes ao ato infracional.
10
Conforme Saraiva1, as Ordenações Filipinas balizaram o
Direito Penal em nossas terras até 1830, quando passou a viger
o Código Penal do Império. Nelas, tendo em vista forte
influência da Igreja oficial, encontramos rastros do Direito
Canônico, tanto que, para balizar imputabilidade, as
ordenações utilizavam a chamada idade da razão no catecismo
católico, ou seja, sete anos. Segundo o autor, os dez anos de
delinquência, entre os sete e os dezessete, eximiam o menor da
pena de morte, bem como lhe era concedido uma redução de pena.
Contudo, dos dezessete aos vinte um anos era passivo a
aplicação da pena capital, ou, dependendo, ela poderia ser
reduzida. Falando em plenitude, temos a idade de vinte e um
anos completos.
Diante disso, percebe-se que, mesmo no Século XVII (1603),
o estatuto normativo não referia adultos com menos de vinte e
um anos, muito embora a idade inicial da imputabilidade fosse
tão baixa.
No ano de 1830, tem-se a vigência do Código do Império,
trazendo consigo um aumento da idade da imputabilidade, de
sete para quatorze anos.
Também como novidade, poder-se-ia citar um sistema
biopsicológico para punição das crianças entre os sete e
quatorze anos. Como o termo diz, há uma reunião dos critérios
Biológico e Psicológico na análise do delito praticado,
1SARAIVA, João Batista Costa. “Adolescente em Conflito com a Lei: daindiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidadepenal juvenil”. 4.ed.rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do AdvogadoEditora, 2013. p.30.
11
criando assim a figura dos relativamente imputáveis. Nele, o
juiz seria o responsável por dizer se, e por quanto tempo
seriam os menores custodiados nas casas de correção, desde que
entendidos cumpridos o critério acima descrito, prazo este não
excedendo aos 17 anos2.
Já na República, permaneceu-se com o sistema adotado pelo
Império, ou seja, a avaliação do “discernimento” continuaria a
cargo do Juiz, contudo, a idade mínima passa dos sete para os
nove anos de idade. Curiosamente, Barreto, em sua publicação
“Menores e Loucos em Direito Penal”3, de 1884, cinco anos antes
da Proclamação, e seis antes do Código Penal da chamada
Primeira República, tece críticas em relação a idade mínima
para imputabilidade no nosso ordenamento, além de criticar o
ensino oferecido no Brasil, fazendo um comparativo com o que
ocorria na Itália no mesmo período.
Entendia ele que na Itália, por ter um povo mais “culto” e
antigo, uma criança de nove anos possuiria mais discernimento
do que um adolescente de quatorze anos no Brasil, cujo povo
2SARAIVA, João Batista Costa. “Adolescente em Conflito com a Lei: daindiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidadepenal juvenil”. 4.ed.rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do AdvogadoEditora, 2013. p.323BARRETO, Tobias. “Menores e Loucos em Direito Penal” – Rio de Janeiro;Edição da “Organização Simões”; 1951; Página 44 (Cap III)“A Itália mesma,em cuja última codificação penal aquela idade principia aos nove anos, étalvez, coeteris paribus, menos censurável do que este vasto país sem gente.Pelo menos me parece que um estado, no qual se obriga a aprender, e ondehomens com Casati, Coppino, de Sanctis, têm sido ministros da instruçãopública, para promoverem a sua difusão, tem mais direito de exigir de ummaior de nove anos uma certa consciência do dever, que o faça recuar daprática do crime, do que o Brasil, com o seu péssimo sistema de ensino,pode exigi-la de qualquer maior de quatorze.”
12
era muito mais novo e, pelas dimensões muito mais vastas, o
que dificultava seu povoamento.
No ano de 1921 o sistema biopsicológico é abandonado, e o
critério passa a ser objetivo, juntamente com a mudança na
idade da imputabilidade, iniciando aos quatorze anos, ou seja,
qualquer que tenha sido o ato infracional cometido pelo menor
de quatorze anos seria desconsiderado. Timidamente observamos
o surgimento das primeiras normas que buscavam proteção dos
menores abandonados e delinquentes, e não somente sua punição4.
Em 1927, na data de 12 de outubro, por meio do Decreto
17.943-A, é criado o Código de Menores. Sua baliza temporal se
dava dos quatorze aos dezoito anos. É o chamado “Código Mello
Mattos”, singela homenagem ao primeiro Juiz de Menores do Rio
de Janeiro, José Cândido de Albuquerque Mello Mattos5.
Como se percebe, acompanhando movimentos do início da
década de 20, o Código Mello Mattos busca uma abrangência
4SARAIVA, João Batista Costa. “Adolescente em Conflito com a Lei: daindiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidadepenal juvenil”. 4.ed.rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do AdvogadoEditora, 2013. p.44.5DIAS, Caroline Mendes. Artigo “Direitos humanos e fundamentais e o códigoMello Mattos de 1927”: Portal Educação: Campo Grande: acesso em 20/05/2014às 16:39.http://www.portaleducacao.com.br/direito/artigos/29166/direitos-humanos-e-fundamentais-e-o-codigo-mello-mattos-de-1927#ixzz30xbvQRFH:”Considerado como o “Apóstolo da Infância Abandonada”,deixou também um grande acervo bibliográfico, além de ter criado algunsestabelecimentos de assistência e proteção à infância abandonada edelinquente. Tal código representou uma iniciativa precursora dentro dalegislação brasileira, destacando-se pela assistência aos menores de 18anos. Ao definir, no Capítulo 1, o objeto e a finalidade da lei, o Códigode Menores de 1927 teve uma visão correspondente aos conceitos entãovigentes, abrangendo em um mesmo entendimento o “menor abandonado” e o“menor delinquente”, embora pretendendo oferecer a um e a outro“assistência e proteção”. No art. 26, agrupou em oito situações os menoresabandonados com menos de 18 anos”
13
maior no que tange a medidas de proteção dos menores,
afastando a questão da punição e inserindo termos como
assistência e proteção (mencionado na nota de rodapé n.3).
No ano de 1940, marco importante para o Direito Penal
Brasileiro, é criado o Decreto- Lei nº 2848, sendo este
promulgado dois anos após. Trata-se do Código Penal e sua
vigência, com algumas alterações6, se dá até os dias de hoje.
Conforme Zaffaroni7, O direito penal brasileiro que se
constrói depois do Código Penal de 1940, será sucessivamente
marcado por três grandes influxos metodológicos: o tecnicismo
jurídico, o neokantismo e o ontologismo8 de raiz finalista, o
que se pode observar num dos diferenciais inseridos no CP, o
critério biológico de culpabilidade, onde não há consciência
nos atos ilícitos praticados pelos menores de 18 anos,
portanto, absolutamente inimputáveis.
6Alterado em sua Parte Geral pela Lei 7.209/84.7ZAFFARONI, E. Raúl. “Direito Penal Brasileiro, segundo volume: teoria dodelito: introdução histórica e metodológica, ação e tipicidade”: Rio deJaneiro: Revan, 2010, p. 488Decreto-lei nº 2848 de 07/12/1940 / PE - Poder Executivo Federal(D.O.U. 08/12/1940) Exposição de motivos da parte especial - 2. Ficoudecidido, desde o início do trabalho de revisão, excluir do Código Penal ascontravenções, que seriam objeto de lei à parte. Foi, assim, rejeitado ocritério inicialmente proposto pelo Professor Alcântara Machado, de abolir-se qualquer distinção entre crimes e contravenções. Quando se misturamcoisas de somenos importância com outras de maior valor, correm estas orisco de se verem amesquinhadas. Não é que exista diversidade ontológicaentre crime e contravenção; embora sendo apenas de grau ou quantidade adiferença entre as duas espécies de ilícito penal, pareceu-nos de todaconveniência excluir do Código Penal a matéria tão miúda, tão vária e tãoversátil das contravenções, dificilmente subordinável a um espírito desistema e adstrita a critérios oportunísticos ou meramente convencionais e,assim, permitir que o Código Penal se furtasse, na medida do possível, pelomenos àquelas contingências do tempo a que não devem estar sujeitas asobras destinadas a maior duração.
14
Na exposição de motivos da Parte Especial do Código Penal
de 1940, o item 719 menciona, muito embora tratando dos crimes
sexuais, o intervalo de idade para proteção penal entre os 14
e 18 anos, estendendo aos 21 anos o advento da imaturidade
psíquica para as vítimas de abuso, no caso as mulheres. Não se
consideravam abusos cometidos contra os homens.
O Código de Menores promulgado em 1979 (Lei 6.697),
provavelmente influenciado pelo Ano Internacional da Criança,
tinha por objetivo não a proteção da criança e do adolescente
como um todo, somente os em situação irregular. Uma espécie de
releitura do código de 27, nada de novo trouxe, exceto a
previsão de criação de entidades de assistência e proteção ao
menor, estas supervisionadas pelo Ministério Público10.
Tem-se ainda, por movimento derradeiro antes do Estatuto
da Criança e do Adolescente, vigente desde 13 de julho de
1990, a exposição de motivos da nova parte geral do Código
Penal, Lei 7.209/84, onde se verifica a manutenção da
9Decreto-lei nº 2848 de 07/12/1940 / PE - Poder Executivo Federal(D.O.U. 08/12/1940) Exposição de motivos da parte especial - 71.Sedução...defloramento. Foi... himenal.O sujeito...virgem, maior de 14(quatorze) e menor de 18 (dezoito) anos. No sistema do projeto, a menoridade, doponto de vista da proteção penal, termina aos 18 (dezoito) anos. Fica, assim, dirimido o ilogismo emque incide a legislação vigente, que, não obstante reconhecer a maioridade política e a capacidadepenal aos 18 (dezoito) anos completos (Constituição, artigo 117, e Código Penal, modificado peloCódigo de Menores), continua a pressupor a imaturidade psíquica, em matéria decrimes sexuais, até os 21 (vinte e um) anos.
10SARAIVA, João Batista Costa. “Adolescente em Conflito com a Lei: daindiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidadepenal juvenil”. 4.ed.rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do AdvogadoEditora, 2013. p.53.
15
inimputabilidade penal até os dezoito anos11, mantendo o
critério objetivo.
Estava trilhado o caminho para a evolução dos direitos da
criança e do adolescente em sua esfera plena, não só abordando
os “irregulares”. Tudo isso será visto na criação do Estatuto
da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90.
2.2 Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90
Criado no rastro da Constituição Federal de 1988, cujos
artigos 227 e 22812 prepararam o seu caminho e, baseando-se na11 EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA NOVA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL LEI Nº 7.209, DE11 DE JULHO DE 1984 DA IMPUTABILIDADE PENAL –22. Além...do art. 26.23. Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito)anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os quepreconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidadecrescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram acircunstância de que o menor, ser ainda incompleto, e naturalmente anti-social na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento doprocesso de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à penacriminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada,dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovemdelinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem suanecessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o àcontaminação carcerária.12Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar àcriança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito àvida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, àcultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar ecomunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde dacriança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidadesnão governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aosseguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde naassistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado paraas pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem comode integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência,mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação doacesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos
16
Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança (1989)13, o
Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é o que se pode
chamar de vanguarda no que se refere ao direito e a
incorporação da Doutrina da Proteção Integral14, rompendo
definitivamente com a Doutrina da Situação Irregular, tão
presente no “Código de Menores”.
arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos
edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transportecoletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras dedeficiência.
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o
disposto no art. 7º, XXXIII;II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato
infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica porprofissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeitoà condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação dequalquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica,incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob aforma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, aoadolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploraçãosexual da criança e do adolescente.
§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, queestabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designaçõesdiscriminatórias relativas à filiação.
§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá: I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos
jovens; II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à
articulação das várias esferas do poder público para a execução depolíticas públicas.
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos,sujeitos às normas da legislação especial.
17
Sua construção procura abraçar não só os que possuem
necessidades decorrentes de abandono ou infratores em geral,
mas sim a criança, o adolescente e o jovem, este último
acrescentado pela emenda n° 65 de 2010, oferecendo uma série
de direitos e implementando deveres à família, à sociedade e
ao Estado15, algo que nos ordenamentos anteriores era
impensado, já que, em sua maioria visavam a punição, e não a
proteção daquele que, segundo o próprio código penal, não
possui discernimento necessário para ser considerado completo
(Vide Nota de rodapé n°10).
(Artigos aqui mencionados já com a nova redação proposta pela EmendaConstitucional n° 65 de 2010)13Parte do Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada naAssembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 “...Recordandoque na Declaração Universal dos Direitos Humanos as Nações Unidasproclamaram que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais;Convencidos de que a família, como grupo fundamental da sociedade eambiente natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros,e em particular das crianças, deve receber a proteção e assistêncianecessárias a fim de poder assumir plenamente suas responsabilidades dentroda comunidade;Reconhecendo que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento desua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente defelicidade, amor e compreensão;Considerando que a criança deve estar plenamente preparada para uma vidaindependente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideaisproclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz,dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade;...”14 SARAIVA, João Batista Costa. “Adolescente em Conflito com a Lei: daindiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidadepenal juvenil”. 4.ed.rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do AdvogadoEditora, 2013. p.89.15Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e dopoder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitosreferentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, aolazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, àliberdade e à convivência familiar e comunitária.
18
Carvalho e Weigert16 colaboram com a Doutrina da Proteção
Integral. Segundo eles:
“a conclusão sobre a extensão potencializada dos direitos e das garantiasindividuais aos adolescentes em conflito com a lei é plenamente adequada àdeterminação constitucional de tutela absoluta e prioritária e desalvaguardas das crianças, adolescentes e jovens contra qualquer forma denegligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Contudo, Morais da Rosa, muito embora não teça críticas ao
conteúdo do Estatuto, não poupa a sua má utilização pelos seus
operadores. Segundo ele:
“A ideia de tutela dos abandonados, expostos, apesar da modificação dadoutrina da ‘situação irregular’ pela da ‘proteção íntegra’, operada peloEstatuto da Criança e do Adolescente e pela Normativa Internacional –plenamente em vigor no Brasil, ainda mais depois da EC n.45 -, continua nopapel, porque os atores jurídicos envolvidos nestas questões continuam coma ‘mentalidade da defesa social’. Dizer, enfim, que invocar questõescriminológicas é estranha à seara da Infância e Juventude, com o devidorespeito, é ingênuo e demonstra que não se sabe o lugar que se ocupa 17“.
Com 267 artigos espalhados por sete títulos, o Estatuto da
Criança e do Adolescente tem por objetivo afastar a expressão
punibilidade dos seus quadros, o que não quer dizer que suas
medidas sócio-educativas não possuam, em diversas ocasiões, o
cunho de “castigo” aos executores dos atos infracionais.
Como se percebe, o Estatuto manteve a inimputabilidade
para os menores de 18 anos18, tratando como criança meninas e
16 CARVALHO, Salo;WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. “As Alternativas àsPenas e às Medidas Socioeducativas: estudo comparado entre distintosmodelos de controle social punitivo”; p. 233.17ROSA, Alexandre Morais da; Introdução Crítica ao Ato Infracional,Princípios e Garantias Constitucionais 2 Edição; Editora Lumen Juris; Riode Janeiro; 2011. p 16 (Capítulo I, §2º).18Art. 104 São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitosàs medidas previstas nesta Lei.
19
meninos até os 12 anos19, podendo sua aplicação se dar até os
21 anos, conforme o §ú do seu artigo 2°20.
Para Reale Junior, o inimputável não age, pratica fatos,
logo não pode ser responsabilizado em função apenas do
critério biopsicológico, já que não possui consciência do
caráter criminoso do fato21.
Somente pessoas na faixa etária entre 12 e 18 anos que
praticam ato infracional estão sujeitas às medidas
socioeducativas. Excepcionalmente, a sua aplicação e o seu
cumprimento poderão ser estendidos até os 21 anos. Caso uma
criança se envolva na prática de alguma infração, receberá
medidas protetivas previstas no artigo 101.
2.3 Princípios e “Punições” do ECA
19Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até dozeanos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anosde idade.20Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmenteeste Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.21REALE JUNIOR, Miguel. “Instituições de Direito Penal”; 3ª edição; EditoraForense; 2009.p 207/208.“A imputabilidade, portanto, não é pressuposto daculpabilidade nem obstáculo à culpabilidade, mas dado distintivo da pessoahumana, razão pela qual constitui um pressuposto da ação, vista esta comodecorrência de uma opção valorativa. O inimputável, neste sentido, não age,pratica fatos.A norma penal, como todo o Direito, instaura um processo de comunicação,sendo fundamental que, do outro lado, o receptor, o destinatário da norma,possa ter capacidade de motivação. A dessintonia nesta comunicação, emrazão de grave transtorno mental do receptor, importa a necessidade demedidas curativas.A base da inimputabilidade está em características biopsicológicas, que nãobastam para o seu reconhecimento, pois é essencial que conduzam o agente anão ter consciência do caráter criminoso do fato.
20
Os princípios do ECA representam a nova política
estatutária do direito da criança e do adolescente, como
vistos nos sub itens anteriores. Dentre eles:
1) Princípio da prevenção geral: É dever do Estado assegurar à
criança e ao adolescente as necessidades básicas para seu
pleno desenvolvimento (art. 54, I a VIII) e prevenir a
ocorrência de ameaça ou violação desses direitos (art. 70).
2) Princípio da prevenção especial: o Poder Público regulará,
através de órgãos competentes, as diversões e espetáculos
públicos (art. 74).
3) Princípio de Atendimento Integral: o menor tem direito à
atendimento total e irrestrito (vida, saúde, educação,
esporte, lazer, profissionalização, etc.) necessários ao seu
desenvolvimento (arts. 3º, 4º e 7º, do ECA).
4) Princípio da Garantia Prioritária: Tem primazia de receber
proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, assim como
formulação e execução das políticas, sociais, públicas e
destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude (art. 4º,
a,b,c,d).
5) Princípio da proteção estatal: visa a sua formação
biopsíquica, social, familiar e comunitária, através de
programas de desenvolvimento (art. 101).
21
6) Princípio da prevalência dos interesses do menor: pois na
interpretação do estatuto levar-se-ão em conta os fins sociais
a que ele se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e
deveres individuais e coletivos, e sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento (art. 6º).
7) Princípio da indisponibilidade dos direitos do menor: pois
o reconhecimento do estado de filiação é direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser
exercido contra os pais, ou seus herdeiros, sem qualquer
restrição, observado o segredo de justiça (art. 27).
8) Princípio da sigilosidade: sendo vedada a divulgação de
atos judiciais, policiais e administrativos que digam respeito
a crianças e adolescentes a que se atribua autoria de ato
infracional.
9) Princípio da gratuidade: pois é garantido o acesso de todo
menor à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder
Judiciário, por qualquer de seus órgãos, sendo a assistência
judiciária gratuita prestada a todos que a necessitem (art.
141, §§ 1º e 2º ).
Quanto as suas medidas sócio-educativas, contrariando aos
que são a favor da redução da maioridade penal, o Estatuto da
Criança e do Adolescente contempla mecanismos de correção
talvez até mais rigorosos do que os encontrados no nosso
ordenamento jurídico penal, senão vejamos:
22
O artigo 11622 do ECA lista que há a necessidade de
reparação do dano causado pelo infrator, ficando a cargo da
autoridade a decisão. Buscando no Código Penal, o artigo 91,
I23 também ocorre a possibilidade de reparação, contudo, o
ofendido deve buscá-la na esfera cível se assim o desejar. Não
é o Juiz Penal que detém o poder de “persuadi-lo” a ressarcir
o prejuízo provocado pelo seu ato.
Verifica-se também que não há no Estatuto da Criança e do
Adolescente a previsão de Medida de Segurança. Para Abreu24,
“o Estatuto, com a devida vênia, pecou – e feio – ao não instituir ‘medida desegurança’ a ser aplicada à criança, mas com maior atenção aosadolescentes infratores, pois há infratores de alta periculosidade,psicopatas e portadores das diferentes anomalias psicossociológicas, quenão poderia ter o legislador se esquecido. Como internar um adolescenteinfrator insano, perigoso, com outros que cometeram infrações não tãograves, mas pessoas ditas normais, sãs, do ponto de vista psiquiátrico”?
É sabido que, em casos muito singulares, a despeito do que
não é mencionado no ECA, existem internações de menores nos
manicômios. Contudo, tal medida fica a cargo do Operador do
juízo, conforme critérios não contemplados no ordenamento
específico, recorrendo este ao Art. 97 do Código Penal25.
22Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, aautoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua acoisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense oprejuízo da vítima.
Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá sersubstituída por outra adequada.23Art. 91 - São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;24ABREU, Charles Jean Início de. “Estudo crítico ao Estatuto da Criança e doAdolescente: comentários e análise”; Porto Alegre: Ed. Síntese, 1999. p 99.25 Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação(art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível comdetenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
23
Quando da internação, mesmo que provisória, há a obrigação
do cumprimento de atividades pedagógicas26, e tais atividades
não preveem a remição, já que no ECA não se fala em pena. No
entanto, na Lei de Execução Penal27, o estudo é facultado ao
detento e, em ele optando pelo ensino, consegue reduzir seu
tempo de cumprimento de pena.
Mencionando o parágrafo 3° do Artigo 12128, que trata da
internação, o adolescente que cometer Ato Infracional mediante
violência ou grave ameaça à pessoa, poderá permanecer até três
anos recluso em Centros de Internação. Não se fala em
progressão de regime tendo em vista que não há pena, e sim
medida sócio-educativa.
Bezerra29 menciona em seu artigo que, ao passo que um
menor cumprindo três anos de Medida Sócio-educativa, seria
26Parágrafo único do Art. 123. Durante o período de internação, inclusiveprovisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.27Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiabertopoderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução dapena.28(ECA)Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade,sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condiçãopeculiar de pessoa em desenvolvimento.§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério daequipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial emcontrário.§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção serreavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a trêsanos.§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescentedeverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdadeassistida.§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. 29BEZERRA, Saulo de Castro. Artigo “A EXCLUSÃO SOCIAL E A IMPUTABILIDADEPENAL” - “Idade da responsabilidade penal: a falácia das propostasreducionistas / César Barros Leal e Heitor Piedade Júnior, organizadores. –Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.104.
24
como se um adulto cometesse um crime de pena mínima de dezoito
anos, cumprindo assim um sexto em regime fechado.
Neste aspecto há de se lembrar que, ao contrário dos
presídios, ainda que precários, são separados por regime de
reclusão/detenção, importando ao preso ser colocado em sua ala
e/ou instituição conforme seu regime penitenciário. No ECA,
muito embora exista previsão de distinção das casas, por
carência elas não existem, permanecendo todos cumprindo
medidas sócio-educativas no mesmo estabelecimento correcional.
Estes são alguns exemplos do quão merece ser observado o
Estatuto da Criança e do Adolescente, seja para que seus
artigos sejam aplicados em sua íntegra, afim de que se possa
acreditar na recuperação dos que cometem Atos Infracionais,
bem como se verifique desnecessário a redução da maioridade
penal.
3 O “ESPETÁCULO” MIDIÁTICO E OS EFEITOS NA PRODUÇÃO DA NORMA
JURÍDICA
O presente capítulo pretende discorrer sobre o papel da
mídia junto a população e suas consequências em razão ao
clamor das ruas e no que isso influencia junto a classe
política brasileira.
25
Buscará também analisar quem seria atingido efetivamente
em uma hipotética mudança no ordenamento jurídico, no caso a
diminuição da maioridade penal.
3.1 Mídia Privada/Social
Existe um papel importante protagonizado pela mídia
privada em relação a diminuição da maioridade penal, seja na
forma de veiculação de notícias, onde a participação de jovens
no cometimento de delitos é sempre repassada ao público com
eles sendo os protagonistas principais, seja na ênfase como as
notícias são selecionadas em seus meios de repasse à população
em geral.
O jornalista Juremir Machado em sua coluna eletrônica dá asua ideia de como ela funciona:
“[...]a mídia tem pressa. Quer baixar a idade penal para colocar crianças nacadeia. A mídia é medieval. Só acredita no fogo do inferno. Quer cadeiapara tudo. No limite, quer mais do que isso. Flerta com o linchamento. Nasentrelinhas, estimula a justiça com as próprias mãos. Detesta a “infinidade”de recursos em favor do acusado. Ignora que a justiça deve proteger o réude qualquer condenação mal sustentada[...]”30
Como fora visto no capítulo anterior, o Estatuto da
Criança e do Adolescente é o instrumento que foi encontrado
pelo legislador para contemplar as garantias previstas pela
Constituição Federal, bem como é a ratificação da Convenção da
ONU sobre os Direitos da Criança.
30Trecho retirado da Coluna do Jornalista Juremir Machado; “O Mito daImpunidade no Brasil”, postada em 08 de maio de 2014. Acessado em20/05/2014 às 14:33aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahttp://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=5923
26
É nele que os operadores do Direito devem se basear para
buscar coibir a prática do Ato Infracional ou, em último caso,
aplicar a medida cabível.
No entanto, o que se tem visto com o passar dos anos por
parte da mídia, seja ela impressa, televisionada ou
eletrônica, é uma espécie de negação às medidas sócio-
educativas propostas pelo Estatuto como mecanismo eficaz.
De um modo geral, há quem assegure que os índices de
criminalidade são cada vez maiores e que a sensação de
insegurança provocadas por este aumento são o resultado da
impunidade, e, neste caso não é só relacionado menor infrator,
mas sim a impunidade de todos os que cometem delitos/Atos
Infracionais.
Para Pastana31, há uma tempestividade e um alcance muito
amplo na cobertura de atos e conflitos violentos, ainda mais
se forem consideradas as mídias eletrônicas, cuja expansão nos
últimos anos se dá em progressão geométrica. O acesso a
informação nos dias atuais é demasiadamente rápido, ao ponto
de a população mundial ter assistido ao vivo um dos maiores
atentados terroristas de que se tem notícia32.
Nos canais abertos das emissoras há uma série de programas
voltados a casos de polícia nos horários mais variados. Os
noticiários sempre possuem ao menos alguma informação
pertinente ao assunto. Existem jornais impressos
31PASTANA, Débora Regina. “Cultura do Medo: reflexões sobre violênciacriminal, controle social e cidadania no Brasil – São Paulo: EditoraMétodo, 2003. p 72/73.32O atentado às Torres Gêmeas em Nova Iorque no dia 11 de setembro de 2001.
27
especializados na barbárie. Na mídia eletrônica não representa
ser diferente, já que esta também está em poder dos grandes
conglomerados de comunicação do país.
Apresentadores de TV em seus programas policiais fazem
propaganda ferrenha em favor da diminuição da maioridade.
Convocam políticos, incitam a população a não votarem naqueles
que são contrários à redução, troçam com a tarja preta
obrigatória no rosto do menor apreendido, alegando que a
sociedade tem o direito de ver a cara de seu agressor, dentre
outras coisas.
Com relação a mesma tarja, há ainda uma colaboração do
escritor Millõr Fernandes em sua coluna no Jornal do Brasil de
22.04.1992:
“Quando as crianças viram criminosas, as autoridades fecham os olhos.Não os delas próprias, que andam sempre bem abertos para qualquerlicitação que passe distraída. Legislam. Ah como legislam! Obrigam todos osmeios de comunicação a pôr uma tarja negra – ridícula – cobrindo os olhosdos ‘monstrinhos’ que criaram, a fim de que estes não sejam identificados. Eestá resolvido o problema do menor”.
Para S. Silva33 “A violência se tornou uma mercadoria que todos os
nossos veículos de informação abrigam sem pestanejar, enquanto vacilam
seriamente em conceder duas ou três linhas para informar o leitor do surgimento de
uma obra científica ou literária”.
Parece não haver um critério para a divulgação das
matérias, o que gera mal estar e insegurança na população.
33S.SILVA, Hélio R.. Artigo “A LÍNGUA-GERAL DA VIOLÊNCIA” – “A FENOMENOLOGIADA VIOLÊNCIA/Gabriel J. Chittó Gauer e Ruth M. Chittó Gauer, organizadores– Curitiba: Juruá Editora, 2003. p.43.
28
Contudo, para Bezerra34, a mesma mídia que retrata tais
ações como uma crescente na sociedade moderna, esquece-se de
mencionar os índices baixos de reincidência do adolescente
infrator que cumpre os três anos de internação, ao contrário
do número de reincidência revelado nos presídios.
Já Martins Costa35 provoca o jeito abordado pela mídia ao
relatar tais assuntos. Segundo ele, “o aumento da criminalidade
juvenil, quase sempre enfocado na grande mídia de forma sensacionalista e
superdimensionada, acaba por repercutir intensamente no imaginário social”.
Pastana36 lembra da Lei que dispõe sobre os Crimes
Hediondos (Lei 8.072/90), que fora promulgada depois de uma
série de pressões exercidas pela mídia após o assassinato da
atriz Daniela Perez.
Tal Lei até hoje é discutida nos meios jurídicos por
inconstitucional em vários dispositivos.
No Livro “Bar Bodega, Um crime de imprensa”, do Jornalista
Carlos Dorneles, tem-se a dimensão do quão nociva pode se
tornar a mídia em busca de soluções para crimes cometidos cuja
repercussão ganha dimensões inimagináveis.
34BEZERRA, Saulo de Castro. Artigo “A EXCLUSÃO SOCIAL E A IMPUTABILIDADEPENAL” - “Idade da responsabilidade penal: a falácia das propostasreducionistas / César Barros Leal e Heitor Piedade Júnior, organizadores. –Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.104.35MARTINS COSTA, Tarcísio José. Artigo “A REFORMA DO ESTATUTO E A REDUÇÃO DAIDADE PENAL” - “Idade da responsabilidade penal: a falácia das propostasreducionistas / César Barros Leal e Heitor Piedade Júnior, organizadores. –Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.107. 36PASTANA, Débora Regina. “Cultura do Medo: reflexões sobre violênciacriminal, controle social e cidadania no Brasil – São Paulo: EditoraMétodo, 2003. p 111.
29
Trata-se de um assalto ocorrido em um bar de num bairro de
classe média-alta da cidade de São Paulo no ano de 1996, e que
acabou no assassinato de dois jovens que o frequentavam.
Devido à pressão da mídia, as investigações criminais se
voltaram para um grupo de adolescentes da periferia da cidade,
cujo um único jovem possuía passagem por Instituto de Correção
e que, mesmo assim, nem perto do estabelecimento havia passado
no dia do crime37.
“[...]Essa tendência ao simplismo conquista a adesão primária. Mas tem seupreço. O linchamento da mulher em São Paulo coloca essa mídia no bancodos réus. É aquela que só se contentaria com prisão perpétua, pena demorte e, por que não?, olho por olho e dente por dente. Estamos avançandopara trás. Se essa mídia triunfar, roubo de galinha dará 30 anos de cadeia.Sem direito à progressão de pena. O populismo midiático, defensor desempre mais repressão nas formas mais vingativas, anda na contramão dosestudos mais especializados[...]”38
E mesmo que a mídia seja responsabilizada e passe ao
“banco dos réus”, não há um mecanismo jurídico para sancioná-
la.
Campanhas contra sua regularização, bem como contra o
marco civil da internet procuram sempre imputar aos governos o
advento da censura e do cerceamento do direito da população de
receber a informação, muito embora nem sempre se preocupam de
que ela seja dada da forma correta e imparcial.
Nas ruas e nas mídias sociais há uma propagação muito
grande da população em prol da redução da maioridade penal,
37DORNELES, Carlos. “Bar Bodega: um crime de imprensa”. – São Paulo: Ed.Globo, 2007.38Trecho retirado da Coluna do Jornalista Juremir Machado; “O Mito daImpunidade no Brasil”, postada em 08 de maio de 2014. Acessado em20/05/2014 às 14:33aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahttp://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=5923
30
juntamente com o incentivo de se “fazer justiça com as
próprias mãos”.
Não é incomum verificar em sites de relacionamento
histórias e pedidos de revisão, cujas alegações são as mais
diversas e sob argumentos dos mais complexos aos mais
esdrúxulos.
Sabe-se que não há como culpar a mídia da violência das
ruas, mas não se deve esquecer da função pública que ela
exerce.
Para Zaluar39,
“A violência também tem um efeito inflacionário. Quando a taxa de crimes,especialmente os violentos, chega a um patamar muito elevado, o medo dapopulação e a insegurança ameaçam a qualidade de vida conquistada aduras penas em décadas de desenvolvimento econômico e de reivindicaçõessociais.”
Citando novamente Pastana40,
“Propostas de introdução da pena de morte, redução da maioridade legal, eoutras medidas repressivas, surgem em demasia e são cada vez maisaceitas socialmente. Como vimos, existem movimentos sociais quedefendem estas medidas e estão organizados a ponto de mobilizar aopinião pública através de páginas na Internet e de manifestaçõessimbólicas veiculadas pela imprensa nacional.”
Isso talvez explique um pouco os movimentos que buscam a
punição pela punição, cuja sensação de insegurança e
impotência da população diante dos fatos salientados pelas
mídias em voga hoje em dia cada vez aumenta mais.
39 ZALUAR, Alba e OUTROS. “Insegurança Pública – Reflexões sobre acriminalidade e a violência urbana”/São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p.76.40PASTANA, Débora Regina. “Cultura do Medo: reflexões sobre violênciacriminal, controle social e cidadania no Brasil – São Paulo: EditoraMétodo, 2003. p 111
31
3.2 Consequências de uma Eventual Diminuição da Maioridade
Penal e seu Público Alvo
Diante de uma Eventual Diminuição da Maioridade Penal,
seja ela na esfera penal ou na esfera civil41, haveria diversas
consequências que, se não foram ignoradas pelos que propuseram
as mudanças, provavelmente as foram esquecidas.
“Quanto mais terríveis forem os castigos, tanto mais cheio de audácia será o
culpado em evitá-los. Praticará novos crimes para fugir à pena que mereceu pelo
primeiro42”.
A publicação de BECCARIA data do ano de 1764, mas fazendo
a leitura nos dias de hoje, esquece-se que ela foi escrita no
século XVIII.
Ainda no mesmo livro tem-se diversas citações escritas
pelo autor, dentre elas: “[...]à medida que as almas se tornam mais
brandas no estado social, o homem faz-se mais sensível; e, se se desejar conservar
as mesmas relações entre o objeto e a sensação, as penas precisam ser menos
rigorosas43”.
Segundo Lemgruber44, a Lei Penal norte-americana é uma das
mais severas do mundo, contudo, em trinta anos, a população
carcerária passou de 200 mil para aproximadamente 2 (dois)
milhões. Para ela, assim como para Beccaria há 250 anos,41PEC N° 83/2011; torna obrigatório o voto e altera maioridade para 16(dezesseis) anos.42BECCARIA, Cesare. “Dos Delitos e das Penas”; Tradução de TorrieriGuimarães – São Paulo; Ed. Hemus. p.43.43BECCARIA, Cesare. “Dos Delitos e das Penas”; Tradução de TorrieriGuimarães – São Paulo; Ed. Hemus. p. 45.44LEMGRUBER, Julita e OUTROS. “Insegurança Pública – Reflexões sobre acriminalidade e a violência urbana”/São Paulo: Nova Alexandria, 2002.p.166.
32
endurecer a pena, e a redução da maioridade penal se inclui
neste endurecimento, não resolve.
Dentre outras Leis modificadas afim de “intimidar” a
prática delituosa, pode-se citar a antiga Lei 6.368/76,
revogada pela Lei 11.343/2006. Inicialmente a pena mínima para
o tráfico de drogas era de 3 (três) anos45. Hoje ela é de 5
(cinco) anos46.
Tal medida não implicou na intimidação dos protagonistas
do tráfico de drogas, um dos maiores “recrutadores do trabalho
infanto-juvenil”.
Neste caso, onde o Estado não chega, o tráfico arruma uma
forma de suprir as necessidades da população, seja na “ajuda”
a comunidade, seja oferecendo o “primeiro emprego” ao menor.
Literaturas como “Cabeça de Porco”47 abordam o quotidiano
das comunidades pobres do Brasil, suas entranhas, mazelas e
dissabores.
45Art. 12 da Lei 6.368/76 - Importar ou exportar, remeter, preparar,produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecerainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo,guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumosubstância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica,sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar; Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50(cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.” 46Art. 33 da Lei 11.343/2011 - Importar, exportar, remeter, preparar,produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter emdepósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar,entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, semautorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500(quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. 47SOARES, Luiz Eduardo/Athayde, Celso/MV Bill; “Cabeça de Porco” – Rio deJaneiro: Ed. Objetiva,2005.
33
“Por força da projeção de preconceitos ou por conta da indiferençageneralizada, perambulam invisíveis pelas grandes cidades brasileirasmuitos jovens pobres, especialmente os negros – sobre os quais seacumulam, além dos estigmas associados à pobreza, os que derivam doracismo.Um dia, um traficante dá a um desses meninos uma arma.”48
O desdobramento desta história é igual ao de diversas
outras mencionadas no cotidiano das periferias das grandes
cidades, onde, na maioria das vezes, o acusado possui sempre
as mesmas características.
Para Barata49,
“Se é verdade que o sistema punitivo em geral é dirigido aos pobres e que ajustiça menoril dele faz parte (a despeito de sua ideologia tutelar e de seuseufemismos), então os jovens pobres são a população de referência maisrepresentativa do sistema punitivo em geral. De fato, a maior parte dospobres é jovem e a maior parte dos jovens é pobre, no Brasil e no mundointeiro. Se procurarmos uma resposta de caráter qualitativo, devemos partirde mais longe. A justiça para menores, desde sua fundação, no final doséculo XIX, foi sempre a parte mais sensível de todo o sistema punitivo, amais problemática e qualificante, o lugar onde a mistificação doutrinária eideológica do sistema e, ao mesmo tempo, o seu caráter seletivo e destrutivoalcançaram seu ponto mais alto.”
Poder-se-ia acrescentar ao comentário acima a questão dos
negros, pois são, em sua maioria, jovens pobres e pobres
jovens, muitos habitando a margem da sociedade.
No Brasil, o negro, até quase o final do séc. XIX nascia
preso, pois era filho de escravos. Movimento buscando tal
correção, não obteve resultado satisfatório. Vide a Lei do
Ventre Livre, cujo uma criança filha de escravo nasceria
livre, contudo, seus pais continuavam presos.
Talvez não houvesse alguma alternativa para este ser
“livre” que não a mendicância e a marginalidade.
48Idem item 47. p.21549 BARATTA, Alessandro. “Prefácio do livro Difíceis Ganhos Fáceis”, de
BATISTA, Vera Malaguti
34
Quem sabe atitudes como essas não reforçavam a sensação de
impunidade, muito embora naquele século as mídias fossem
primitivas e provavelmente se preocupavam com outras avenças.
Não obstante o fato de que o endurecimento de pena não
soluciona o problema da criminalidade, há a questão de “para
quem” normalmente se direcionam as Leis Penais no Brasil.
Outra consequência importante vem de uma pergunta dapromotora Cuneo50.
Segundo ela,
“caso o Legislativo emende a Constituição da República e,consequentemente, modifique o Código Penal e o Estatuto da Criança e doAdolescente, o infrator entre dezesseis e dezoito anos, hoje considerado o‘vilão da história’ e candidato ao arcabouço punitivo ditado pelosdescalabros do arcaico Direito Penal, será sucedido por quem se, aindaassim, a criminalidade recrudescer?”
Tirando a questão acima suscitada, que por si só
representaria uma dúvida importante ao questionamento da
população, é de se atentar para o fato de as prisões no
sistema carcerário brasileiro possuirem déficit de vagas para
os que já estão lá dentro, nunca esquecendo que, inobstante as
condições de precariedade as quais se encontram os presídios,
são raros os que não reincidem.
Perde-se com isso o intuito de ressocializar o indivíduo
em detrimento de depositá-lo longe dos olhos da população que,
ao contrário do que imagina, confunde justiça com vingança.
50 CUNEO, Mônica Rodrigues. Artigo “INIMPUTABILIDADE NÃO É IMPUNIDADE:DERRUBE ESTE MITO, DIGA NÃO À REDUÇÃO DA IDADE PENAL” - “Idade daresponsabilidade penal: a falácia das propostas reducionistas / CésarBarros Leal e Heitor Piedade Júnior, organizadores. – Belo Horizonte: DelRey, 2003. p.78/79.
35
4 A MAIORIDADE PENAL E AS PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
Neste capítulo são apresentadas as principais propostas de
emenda constitucional objetivando a diminuição da maioridade
penal, as justificativas de cada uma delas bem como o estado
em que se encontram junto a casa examinadora.
Também são abordadas as questões de possibilidade da
mudança do texto constitucional que, ao que se entende por
cláusula pétrea e, portanto, não bastando uma simples mudança
no artigo desejado.
Por último, procura-se visualizar dentro do próprio
estatuto, alternativas viáveis para que, ao menos a
criminalidade entre os inimputáveis e semi-imputáveis não
36
tenha crescimento e, por quê não, a verificação de sua
diminuição nos dias de hoje.
4.1 Propostas de Alteração
Em várias ocasiões, seja por clamor social, pressão da
mídia ou mesmo em época de eleição, diversas propostas
surgiram com o intuito de reduzir a maioridade penal no
Brasil. Na maior parte das vezes através de Emenda
Constitucional, o que não quer dizer que não existam propostas
de alteração no próprio ECA, bem como na sugestão de lei
complementar.
No caso das PEC’s, da promulgação da Constituição Federal
em 1988, diversas iniciativas foram protocoladas, em sua
maioria buscando alteração no art. 228 da referida Carta
Magna.
Dentre elas, cinco são atualmente as que tramitam pelo
Congresso nacional, o que segue:
4.1.1 PEC 20/1999, do ex-senador José Roberto Arruda (hoje no
PR-DF) Torna imputáveis, para quaisquer infrações penais, os
infratores com 16 anos ou mais de idade, com a condição de
que, se menor de 18 anos, seja constatado seu amadurecimento
intelectual e emocional.51
O projeto prevê a alteração do art. 228 e a inclusão do
parágrafo único. Sua redação passaria a ser
51Retirado da página do Senado Federal;aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=38391&tp=1
37
“Art.228.São penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos,sujeitos às normas da legislação especial.Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anossão penalmente imputáveis quando constatado seu amadurecimentointelectual e emocional, na forma da lei (NR)”.
Como uma de suas justificativas, o projeto sustenta que o
menor entre dezesseis e dezoito anos já possui o discernimento
para entender que praticou um crime, criticando com isso o
critério biológico ao qual é baseada a inimputabilidade penal.
Salienta ainda que, deveriam haver outros critérios para
medir o discernimento do jovem entre os dezesseis e os dezoito
anos a serem disponibilizados em lei ordinária.
Também traça um paralelo entre a autorização especial para
os menores de dezoito anos adquirirem emancipação civil,
contudo, não há relato sobre o emancipado continuar sendo
inimputável.
A proposta encontra-se na mesa para ser colocada em
votação no plenário do Senado Federal.
4.1.2 PEC 90/2003, do senador Magno Malta (PR-ES)
Torna imputáveis os maiores de 13 anos em caso de prática de
crime hediondo52.
O projeto prevê a alteração do art. 228 com a inclusão do
parágrafo único. Sua redação passaria a ser“Art.228[...]Parágrafo único. Os menores de dezoito anos e maiores de treze anos quetenham praticado crimes definidos como hediondos são penalmenteimputáveis (NR)”.
52Retirado da página do Senado Federal;aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=39048&tp=1
38
Em suas justificativas há entendimento de que um
adolescente de treze anos possui discernimento necessário para
entender o mal que provocaria ao matar e/ou estuprar alguém,
além de listar os crimes considerados hediondos no código
penal.
A proposta encontra-se na mesa para ser colocada em
votação no plenário do Senado Federal.
4.1.3 PEC 74/2011, do senador Acir Gurgacz (PDT-RO)
Estabelece que, nos casos de crimes de homicídio doloso e
roubo seguido de morte, tentados ou consumados, são penalmente
imputáveis os maiores de 15 anos53.
O projeto prevê a alteração do art. 228 com a inclusão do
parágrafo único. Sua redação passaria a ser“Art.228[...]Parágrafo único. Nos casos de crimes de homicídio doloso e roubo seguidode morte, tentados ou consumados, são penalmente inimputáveis osmenores de quinze anos. (NR)”.
Em suas justificativas o autor questiona o critério
biológico, alegando este nunca ter sido provado pela ciência
psiquiátrica.
Menciona que nos dias atuais o amadurecimento se dá de
forma precoce entre os jovens juntamente com a evolução da
sociedade moderna.
53 Retirado da página do Senado Federal;aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaahttp://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101484
39
Cita que em outros países a imputabilidade se dá em épocas
diferentes, como o Irã, cuja imputabilidade penal para as
mulheres se dá aos nove anos e aos homens aos quinze anos.
Por último alega ser exigência social a modificação de tal
matéria constitucional.
Sua proposta está na mesa aguardando inclusão na ordem do
dia junto ao Senado.
4.1.4 PEC 83/2011, do senador Clésio Andrade (PMDB-MG)
Estabelece a maioridade civil e penal aos 16 anos, tornando
obrigatório o exercício do voto nesta idade. Torna as pessoas
maiores de 16 anos capazes para exercer diretamente todos os
atos da vida civil54.
O projeto prevê a alteração do inciso I do §1° do art. 14
e alteração do art. 228. A redação passaria a ser“Art.14[...]§1°[...]I – Obrigatório para os maiores de dezesseis anos.II – [...]a) os analfabetos;b) os maiores de 70 anos”
“Art. 228. A maioridade é atingida aos 16 (dezesseis) anos, momento a partirdo qual a pessoa é penalmente imputável e capaz de exercer diretamentetodos os atos da vida civil.”(NR)
Atenta em suas justificativas de que o acesso à informação
propicia o amadurecimento precoce do adolescente em relação
aos seus direitos e deveres, e cita como exemplo a diminuição
da maioridade civil no código, que passa dos vinte e um anos
para os dezoito anos.
54Retirado da página do Senado Federal;aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=95505&tp=1
40
O autor não menciona critérios para a sua diminuição, mas
acredita que o jovem de dezesseis anos possua totais condições
de assumir os compromissos da vida civil, tais como contrair
casamento, tirar carteira de habilitação, celebrar contratos,
postular em juízo, dentre outras coisas, e, já que haveria
condição de contrair todas as prerrogativas acima mencionadas,
a carga penal seria alcançada nas mesmas condições.
Aguarda inclusão na ordem do dia junto ao Senado.
4.1.5 PEC 33/2012, do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP)
Possibilita a imputação penal dos menores de 18 e maiores de
16 anos para crimes hediondos, tortura, terrorismo e tráfico
drogas ou na hipótese de múltipla reincidência na prática de
lesão corporal grave ou roubo qualificado. Pela proposta,
caberá ao Ministério Público pedir que o adolescente seja
julgado como maior de idade. A decisão caberá ao juiz,
mediante análise de laudo psiquiátrico do acusado55
O projeto insta sobre a alteração do inciso I do art. 129
e a inclusão do parágrafo único no art. 228. A redação
passaria a ser“Art.129[...]I – promover, privativamente, a ação penal pública e o incidente dedesconsideração de inimputabilidade penal de menores de dezoito emaiores de dezesseis anos. (NR).“Art.228[...]Parágrafo único. Lei complementar estabelecerá os casos em que oMinistério Público poderá propor, nos procedimentos para a apuração deato infracional praticado por menor de dezoito e maior de dezesseis anos,incidente de desconsideração da sua inimputabilidade, observando-se:
55Retirado da página do Senado Federal;aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/111035.pdf
41
I - Propositura pelo Ministério Público especializado em questões de infânciae adolescência;II - julgamento originário por órgão do judiciário especializado em causasrelativas à infância e adolescência, com preferência sobre todos os demaisprocessos, em todas as instâncias;III - cabimento apenas na prática dos crimes previstos no inciso XLIII, do art.5º desta Constituição, e múltipla reincidência na prática de lesão corporalgrave e roubo qualificado;
IV - capacidade do agente de compreender o caráter criminoso de suaconduta, levando em conta seu histórico familiar, social, cultural eeconômico, bem como de seus antecedentes infracionais, atestado em laudotécnico, assegurada a ampla defesa técnica por advogado e o contraditório;
V - efeito suspensivo da prescrição até o trânsito em julgado do incidente dedesconsideração da inimputabilidade.
VI - cumprimento de pena em estabelecimento separado dos maiores dedezoito anos.
Entende que, muito embora o ECA não tenha sido totalmente
implantado, há a necessidade de tal mudança, pois a sociedade
brasileira, embora dividida quanto ao assunto, não pode mais
ficar parada diante de menores infratores se valerem do
Estatuto para cometerem crimes.
O legislador cita alguns crimes cometidos por menores
infratores, dentre eles o “Champinha”, indivíduo que cumpre
medida de segurança até os dias de hoje na Unidade
Experimental de Saúde em São Paulo. Detalhe importante é que o
crime ocorreu em 2003 e “Champinha” cumpriu os três anos
previstos no Estatuto. Hoje está com 27 (vinte e sete) anos.
Defende ainda o Senador em sua proposta de que ficaria a
cargo do Ministério Público os critérios para apontar o
discernimento do jovem em relação aos atos infracionais
cometidos, bem como salienta que tal diminuição somente
42
atacaria aqueles que cometessem os crimes previstos como
hediondos ou reincidência múltipla.
A proposta aguarda inclusão na ordem do dia junto ao
Senado Federal da República para votação.
4.2 (Im)possibilidades
Diante do quadro visualizado no subitem anterior, onde no
Congresso Nacional se verifica uma clara divisão quanto a
matéria, pululando propostas de alteração, sempre objetivando
a diminuição da imputabilidade, seja para dezesseis anos, seja
para treze anos, diversas correntes entendem que o Art. 228 da
Constituição não pode ser alterado por se tratar de direito
fundamental, e como tal, cláusula pétrea.
Tal cláusula somente pode ser modificada pelo poder
constituinte originário, haveria com isso a necessidade de uma
nova assembleia constituinte para que fosse promulgada nova
constituição nacional, mas tal situação seria improvável, já
que apenas uma mudança brusca no regime de governo seria capaz
de convocá-la.
Saraiva56 defende que o conteúdo do Art. 228 da CF encampa
cláusula pétrea, pois nele insta sobre direitos e garantias
individuais, o que contempla o disposto no inciso IV do Art.
60 da Carta Magna.
56SARAIVA, João Batista Costa. “Adolescente em Conflito com a Lei: daindiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidadepenal juvenil”. 4.ed.rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do AdvogadoEditora, 2013. p.47.
43
Outra questão importante levantada por Saraiva57 é a de
que uma alteração neste sentido feriria o convencionado pela
Convenção da ONU sobre o Direito das Crianças, em seu art. 41,
que diz “Nenhuma disposição da presente Convenção afeta as disposições mais
favoráveis à realização dos direitos da criança que possam figurar: a)na legislação
de uma Estado Parte; b) no direito internacional em vigor para este estado”, ao
qual o Brasil é signatário.
Gomes Neto58 conclui em seu artigo a inconstitucionalidade
de qualquer ato que envolva abolição de texto constitucional
ou que promova a redução da maioridade penal por conta do
parágrafo 4º do Art. 60 da CF, além de alegar que “não se concebe
a quebra de um princípio constitucional, por força de um embate sem qualquer
fundamento jurídico”.
O jurista Ives Gandra Martins59 suscita a forma implícita
com que é tratada a questão dos direitos e garantias
fundamentais junto a Constituição Federal. Segundo ele:
“Os direitos e garantias individuais conformam uma norma pétrea. Nãosão eles apenas os que estão no art. 5º, mas, como determina o §2º domesmo artigo, incluem outros que se espalham pelo Texto Constitucional eoutros que decorrem de implicitude inequívoca. Trata-se, portanto, de umelenco cuja extensão não se encontra em Textos Constitucionais anteriores”.
Não obstante o fato de toda e qualquer modificação em
cláusulas consideradas pétreas pelo artigo 60 da CF, tem-se a
questão da própria desqualificação do ECA na condição de
57 Idem item 56. p. 48.58 GOMES NETO, Gercino Gerson. Artigo “A INIMPUTABILIDADE PENAL COMOCLÁUSULA PÉTREA” - “Idade da responsabilidade penal: a falácia daspropostas reducionistas / César Barros Leal e Heitor Piedade Júnior,organizadores. – Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p.47.59BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. “Comentários à Constituição doBrasil”. Saraiva, vol. 4, tomo I, p.371 e SS.
44
mecanismo de proteção e correção daquele que comete ato
infracional.
Contudo, Rimonato60 entende que
“As leis brasileiras in casu são falhas e ultrapassadas. Hoje os menores de18 anos têm o mesmo grau de consciência de qualquer adulto, poisqualquer pessoa que comete crimes com requintes de crueldade, sejamenor, seja maior, sabe muito bem o que está fazendo e, portanto, merecepunição a altura”.
O curioso é que no artigo do referido advogado, novamente
é citado a alcunha do menor Roberto Aparecido Alves Cardoso, o
“Champinha”, que cometeu um duplo assassinato no ano de 2003,
então com dezesseis anos, e que, até os dias de hoje, já com
27 anos, encontra-se em uma unidade aonde se cumprem medidas
de segurança.
Na lista de contrários a redução da maioridade penal
encontramos o Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros
Roberto Grau, que entende que, apesar de não estar no rol de
garantias do artigo 5º da CF, é sim o art. 228 uma cláusula
pétrea, impossibilitando assim qualquer emenda que a
modifique, a não ser por meio de uma nova constituição.
4.3 Alternativas viáveis
Após 24 (vinte e quatro) anos em vigor, sendo ainda
considerado referência mundial no que diz respeito a proteção
da criança e do adolescente e, muito embora uma parcela
considerável da população acreditar que inimputabilidade é
sinônimo de impunidade, o ECA não trouxe na sua totalidade de
60RIMONATO, Marcelo Augusto. Idade Limite da Imputabilidade Penal – RevistaIOB de Direito Penal e Processo Penal, n.45- Ago – Set/2007
45
forma prática a redução de atos infracionais perpetrados pelos
menores infratores, justamente por não ter sido utilizado em
sua forma plena.
Ao contrário do que se imagina, o Estatuto da Criança e do
Adolescente possui critérios bem duros no que tange a
responsabilidade penal juvenil, já que a inimputabilidade
absoluta só é estendida até o início da adolescência, que se
dá aos doze anos de idade.
Seria ele bastante em si se fosse utilizado de forma
correta, bem como se fossem promovidos todos os ajustes
necessários para seu bom funcionamento, afastando assim
propostas de diminuição da maioridade penal.
Segundo Malosso61, mesmo um grupo de trabalho formado na
câmara dos deputados para apresentar uma proposta de ampliação
do período de internação do adolescente, reconhecera que, se
houvessem investimentos maiores em políticas públicas, haveria
redução da criminalidade no meio juvenil.
Prudente62 destaca em seu artigo que políticas públicas
preventivas de inclusão social, previstas no Estatuto, já
evidenciariam uma melhora na diminuição dos índices de
criminalidade promovidos por jovens infratores, que, ainda
segundo o autor, de longe não são a maioria junto as práticas
criminosas.
61MALOSSO, Tiago Felipe Coletti. “REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SUASIMPLICAÇÕES DOGMÁTICO-CONSTITUCIONAIS, Artigo publicado na Revista dosTribunais, v.96 n.866 dez/2007.62PRUDENTE, Neemias Moretti. “Adolescentes Infratores”; Artigo publicado naRevista IOB de Direito Penal e Processual Penal, n.45- Ago – Set/2007.
46
Entende Saraiva63 que, “necessitamos é de compromisso com a
efetivação plena do Estatuto da Criança e do Adolescente em todos os níveis –
sociedade e Estado – fazendo valer este que é um instrumento de cidadania e
responsabilização – de adultos e jovens”.
Para Eros Grau64, falar que o ECA é um instrumento de
impunidade é algo inconsistente, já que o seu devido
cumprimento afastaria da sociedade a delinquência juvenil.
Junto à sociedade civil existem diversas iniciativas que
visam inclusão social da criança e do adolescente, seja por
meio de música, pintura, esporte, profissionalizante para o
mercado de trabalho, educação, entre outros, o que poderia
reforçar os princípios de cidadania, diminuindo assim os
índices de criminalidade infanto-juvenil por meio de ocupação.
Pastana65 define a compreensão de cidadania como uma forma
de identificar os seus problemas e, com isso haver uma
diminuição dos medos, e com isso, uma retomada da cultura
democrática. Esse medo é o que talvez impeça de a sociedade
como um todo, interpretar de forma clara e concisa, que a
diminuição da maioridade penal não é o caminho para a
63 SARAIVA, João Batista Costa. “Adolescente em Conflito com a Lei: daindiferença à proteção integral: uma abordagem sobre a responsabilidadepenal juvenil”. 4.ed.rev. e atual. – Porto Alegre: Livraria do AdvogadoEditora, 2013. p.63.64GRAU, Eros Roberto; TELLES JÚNIOR, Goffredo da Silvan. Artigo “ADESNECESSÁRIA E INCONSTITUCIONAL REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL” - “Idade daresponsabilidade penal: a falácia das propostas reducionistas / CésarBarros Leal e Heitor Piedade Júnior, organizadores. – Belo Horizonte: DelRey, 2003. p.31.65PASTANA, Débora Regina. “Cultura do Medo: reflexões sobre violênciacriminal, controle social e cidadania no Brasil – São Paulo: EditoraMétodo, 2003. p 128.
47
diminuição da criminalidade, tanto cometidas pelos jovens
quanto as cometidas pelos adultos.
É imperativo contudo, que as leis sejam não somente
pensadas, criadas e promulgadas, mas que fundamentalmente
fossem seguidas em sua plenitude, afim de que se possa não só
recuperar um jovem, mas sim evitar que ele cometa atos
infracionais.
Muito embora tenha isto sido pensado em data anterior
mesmo à vinda da Família Real para o Brasil, e, portanto,
antes de nos tornar nação, Beccaria66 alardeava que, para
prevenir crimes seria necessário leis simples e evidentes, de
fácil compreensão por parte de todos, e que elas não
favorecessem ninguém, mas que protegessem a todos, sem
distinção de classe e, acima de tudo, que o povo tivesse
educação.
“Desejais evitar os crimes? Caminhe a liberdade seguida das luzes. Se as
ciências produzem alguns malefícios, é quando são pouco difundidas; porém, à
proporção que se espalham, as vantagens que propiciam se tornam maiores.”67
Como se vê, mesmo ao longo dos séculos, impera que a
educação seja também fator de relevância para que a
criminalidade, e, no caso, o ato infracional, sejam
diminuídos, independente de o ECA prever punição para as más
condutas.
66 BECCARIA, Cesare. “Dos Delitos e das Penas”; Tradução de Torrieri Guimarães – São Paulo; Ed. Hemus. p.94.67 Idem nota 66; p.93
48
Curiosamente, o mesmo mecanismo é previsto no mesmo
Estatuto, o que pode ser verificado na questão da proteção
integral. É nela que entendemos a educação como parte deste
contexto.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
49
O objetivo deste trabalho foi o de buscar as explicações
dos motivos de tanta mobilização em torno de um tema que, aos
olhos de uma série de opiniões, não é possível, não tem
validade, não tem eficácia, não resolve.
A criminalidade no Brasil é um fenômeno não somente
relacionado as crianças e aos adolescentes, e o seu
recrutamento jamais deixará de existir, não da forma como a
população em geral acredita, que é o da punição pela punição,
do rigor que gera o medo, o que se mostra inócuo mesmo no
recrudescimento das penas aos adultos, tanto assim que a lei
de drogas aumentou a punição e os índices nunca deixaram de
subir.
Outro ponto de difícil entendimento é o da classe
política, neste caso daquela que trás à tona o tema da
redução.
Muitos daqueles que estão lá foram eleitos para serem
constituintes no ano de 1986, e participaram da construção da
Carta Magna. Presume-se que saibam que, por ser direito
fundamental, não há como modificá-lo.
Da conclusão que se chega em relação a todo este circo é
de que, ou existem parlamentares desinformados no que tange a
forma da lei máxima, ou então estão “jogando para a torcida”,
num claro movimento demagógico e catalisador de simpatias
eleitorais.
Verificou-se também que o papel da mídia não parece ser
dos mais saudáveis quanto ao Estatuto da Criança e do
50
Adolescente. Para ela, criança e adolescente serve para
consumir seus programas de gosto duvidoso, muitos deles
incitando violência gratuita e, por que não, serem enjaulados
quando matam, roubam, estupram.
Contudo, esquece ela de que não basta simplesmente achar
que um ser com o discernimento incompleto possa ser
responsabilizado pelos seus atos, muitas vezes influenciados
por ela mesma, a televisão.
Não há motivo para não falar nas justificativas elencadas
pelos parlamentares que propuseram as PEC’s.
A citação de que no Irã a imputabilidade penal se dá para
as mulheres aos nove anos e aos homens aos quatorze anos
perturbou muito.
Um país tão criticado por violações dos Direitos Humanos,
principalmente contra as mulheres não poderia nunca ser citado
como fonte de referência.
Outra situação que, se não foi pitoresca, foi no mínimo de
puro desconhecimento fora a menção de um menor no ano de 2003,
de traços psicológicos alterados, que cometeu um crime bárbaro
e que, não só cumpriu medida sócio-educativa, como ainda está
internado, hoje com 27 anos de idade, cumprindo medida de
segurança.
Há cabimento justificar a diminuição da maioridade penal
utilizando tais exemplos? Temo que não.
Da proposta de diminuição da maioridade civil, ardil que
encobre o verdadeiro motivo, o legislador esqueceu-se de
51
visualizar os efeitos colaterais de tal “benesse”. Todos fomos
jovens de dezesseis anos, e, por diversas ocasiões cometemos
pequenos erros, como pegar um carro escondido do pai e sair
por aí. Da inconsequência passaremos a responsáveis.
Poderíamos entrar em boates, consumir bebida alcoólica,
comprar cigarro, frequentar casas de prostituição, contrair
matrimônio, abrir conta em banco, utilizar o cheque especial,
comprar imóvel, automóvel, arma de fogo, meninas apaixonadas
poderiam comprar uma passagem de ônibus para ver seu ídolo
favorito em uma cidade distante, ou mesmo se encontrar com um
amor platônico que conheceu pela internet, etc, etc, etc...
Há discernimento em um jovem de 16 anos, do qual é apenas
facultativo o ato de voto, contrair todos estes atos citados
acima?
Por outro lado, ficou claro que o Estatuto da Criança e do
Adolescente é um belo instrumento de proteção integral, que se
bem utilizado, e com cada um fazendo sua parte, seja governo,
sociedade, família, há chance de melhorar o quadro por hora
verificado no Brasil.
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