sociedade, estéticas e memória - escola de música e belas
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Música e Músicos
no Paraná sociedade, estéticas e memória
v. I
Organização: Elisabeth Seraphim Prosser
Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia
Linha de Pesquisa: Música Paranaense
CNPq, Unespar/Embap
Curitiba, 2014
Música e Músicos
no Paraná sociedade, estéticas e memória
v. I
Organização: Elisabeth Seraphim Prosser
Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia
Linha de Pesquisa: Música no Paraná
CNPq, Unespar/Embap
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PARANÁ Escola de Música e Belas Artes do Paraná
Editora ArtEMBAP Rua Comendador Macedo, nº 254 – CEP 80.060-030, Curitiba, PR
www.embap.pr.gov.br
MÚSICA E MÚSICOS NO PARANÁ sociedade, estéticas e memória, v. 1
Uma produção do Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia Linha de Pesquisa: Música Paranaense
Líder do Grupo: Elisabeth Seraphim Prosser Capa: Sérgio Kirdziej - Parque Barigui, óleo s/tela, 40 cm x 30 cm, 1997, detalhe
Governador Beto Richa Secretário de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior João Carlos Gomes Reitor da Unespar Antonio Carlos Aleixo Vice Reitor da Unespar Antonio Rodrigues Varella Neto
Diretora da Embap Maria José Justino Vice Diretora da Embap Anna Maria Lacombe Feijó
Coordenador de Pesquisa e Pós-Graduação Fabio Poletto Editor Responsável pela Editora ArtEmbap José Eliezer Mikosz Organização e Coordenação Editorial Elisabeth Seraphim Prosser
CONSELHO EDITORIAL Dra. Amparo Carvas (Univ. de Coimbra)
Dr. Paulo Castagna (Unesp) Dr. Carlos Yansen (Unespar/Embap) Dr. Orlando Fraga (Unespar/Embap)
Ficha Catalogação na publicação elaborada por Mauro Cândido dos Santos – CRB 1416-9ª
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Os trabalhos apresentados são produção do Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia / Linha de Pesquisa: Música Paranaense, CNPq / Universidade Estadual do Paraná / Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Os textos são de inteira responsabilidade dos seus autores.
M987 Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória / Organizado por Elisabeth Seraphim Prosser. Curitiba : ArtEmbap; 2014. v. 1.
168 p. ISBN:
1. Música. 2. Música - Paraná. 3. Músicos – memória. I. Prosser, Elisabeth Seraphim. II. Escola de Música e Belas Artes do Paraná. III. Título.
CDU: 78.073
CDD CDU
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................... Dra. Elisabeth Seraphim PROSSER
4
PARTE I
PAISAGEM SONORA DO BOI-DE-MAMÃO PARANAENSE....................................................... Dranda. Beatriz Helena FURLANETTO
7
DAS IMAGENS, DOS SONS E DA MEMÓRIA HISTÓRICA: ASPECTOS DO JAZZ NO PARANÁ... Me. Marilia GILLER; Mdo.Tiago Portella OTTO
23
BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956): INTELECTUAL, COMPOSITOR, REGENTE, PROFESSOR.............................................................................................................
Esp. Angela Cristina LORENZZONI
36
INGRID HAYDÉE MÜLLER SERAPHIM E A PRÁTICA MUSICAL EM CURITIBA........................... Dra. Elisabeth Seraphim PROSSER
49
PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO DE HENRIQUE MOROZOWICZ.............................................. Dra. Ingrid BARANCOSKI
75
PENALVA, UM PÓS-MODERNISTA NA MÚSICA POPULAR: ANÁLISE DO ARRANJO DA CANÇÃO CARINHOSO...................................................................
Me. Eduardo Fabrício FRIGATTI
96
SONATA N. 2 PARA PIANO DE JOSÉ PENALVA: CONSIDERAÇÕES ANALÍTICO-INTERPRETATIVAS....................................................................................................................
Me. Alexandre GONÇALVES
113
PARTE II
O IV FESTIVAL PENALVA E A III MOSTRA DE MÚSICA PARANAENSE Curitiba, 23 a 29 de outubro de 2012......................................................................................
Dra. Elisabeth Seraphim PROSSER
147
DA MINHA ALDEIA... .............................................................................................................. Dra. Maria José JUSTINO
154
DEZ ANOS SEM JOSÉ DE ALMEIDA PENALVA, CMF (1924-2002)............................................. Dr. Pe. Jaime Sánchez BOSCH, cmf
155
INAMI CUSTÓDIO PINTO: PRÊMIO PENALVA 2012................................................................. Dr. Edwin Pitre VÁSQUEZ
156
PROGRAMAÇÃO GERAL DO IV FP & III MMP..........................................................................
157
QUADRO DA PROGRAMAÇÃO GERAL DO IV FP & III MMP.................................................... 168
4
APRESENTAÇÃO
Há algumas décadas, nota-se um crescente impulso quanto à pesquisa sobre a
história da arte local, tanto no Paraná quanto em outros Estados brasileiros, com o
objetivo de se escrever uma nova história da música e da arte brasileiras. De fato,
somente se terá uma imagem do todo, se for possível conhecer as partes. Assim, no
Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia, Linha de Pesquisa Música Paranaense,
reuniram-se professores, estudantes e pesquisadores cujo interesse comum é o
levantamento, o registro e a difusão do que se fez (faz) na música neste Estado,
buscando aprofundar as investigações e alargar o seu leque.
Este primeiro volume da série Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas
e memória, é uma pequena mostra da grande diversidade de temas a investigar.
Alguns dos artigos foram apresentados nas mesas-redondas que compuseram o IV
Festival Penalva e III Mostra de Música Paranaense, realizado em outubro de 2012,
outros foram adicionados posteriormente por diferentes integrantes do Grupo de
Pesquisa mencionado.
A primeira parte do livro contém artigos que abrangem desde a música de
tradição oral, com texto de Beatriz Furlanetto sobre o Boi de Mamão; e a música
popular, com o trabalho de Marilia Giller e Thiago Portella Otto sobre o jazz no Paraná
na primeira metade do século XX; até a história e a atuação de compositores e músicos
que transformaram o seu contexto, como o intelectual e compositor Benedito Nicolau
dos Santos, por Angela Lorenzonni, e a musicista e organizadora cultural Ingrid Müller
Seraphim, por Elisabeth Seraphim Prosser. Os três trabalhos seguintes abordaram os
aspectos didáticos da obra pianística de Henrique de Curitiba, por Ingrid Barancoski; e
o estudo analítico de obras específicas de José Penalva, Carinhoso e as Sonatas para
piano, por Eduardo Frigatti e Alexandre Gonçalves, respectivamente.
Já a segunda parte do livro contém um breve relato sobre a composição no
Paraná, dentro do contexto do IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense,
além dos textos que compuseram o libreto com sua programação. O Festival/Mostra
5
está intimamente ligado ao Grupo de Pesquisa, que o realiza. Este, por sua vez, se
retroalimenta com a performance da música que estuda, com os debates que ocorrem
e com a apresentação e de várias pesquisas.
Almeja-se, com esta publicação, socializar as investigações realizadas e
documentar o Festival/Mostra, contribuindo para que se conheça cada vez mais a
música e os músicos que constroem nossa história. Tanto o Festival/Mostra quanto
este livro possibilitam um relance para o passado e para o presente, na multiplicidade
de tendências e estilos, revelando diferentes momentos da realidade local e da nossa
sociedade. Trata-se de um relance apenas, porque mostram uma parte ínfima de um
grande mosaico, construído paulatinamente a cada nova pesquisa.
Profa. Dra. Elisabeth Seraphim Prosser Coordenadora Geral dos Festivais Penalva & Mostras de Música Paranaense e
Organizadora da série Música e Músicos no Paraná: sociedade, estéticas e memória
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Curitiba: Ed. ArtEmbap, 2014
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PAISAGEM SONORA DO BOI-DE-MAMÃO PARANAENSE
Dranda. Beatriz Helena Furlanetto1 Universidade Estadual do Paraná
Campus I – Escola de Belas Artes do Paraná [email protected]
Resumo
O texto apresenta as principais tendências sobre as pesquisas geográficas em música e paisagem sonora. Na perspectiva da geografia cultural, a paisagem reflete a dimensão simbólica das construções socioespaciais e pode ser apreendida como um texto cultural. Nesse sentido, a paisagem sonora do Boi-de-mamão expressa os atributos culturais de determinadas comunidades do litoral paranaense, contribui no processo de construção identitária, promove a integração social e consolida os vínculos de pertencimento ao lugar. Palavras-chave: Geografia cultural; Paisagem; Música; Festa brasileira; Boi-de-mamão.
SOUND LANDSCAPE OF PARANÁ’S BOI-DE-MAMÃO, A “PAPAYA-OX” FESTIVAL
Abstract The text presents key trends on geographical research in music and soundscape. From the perspective of cultural geography, the landscape reflects the symbolic dimension of socio-spatial constructions and may be perceived as a cultural text. In this sense, the soundscape of the Papaya-ox expresses the cultural attributes of given communities of Paraná’s coast, contributes to the process of identity construction, promotes social integration and strengthens place belonging bonds. Keywords: Cultural geography; Landscape; Music; Brazilian party; Papaya-ox.
1 Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná (Brasil). Professora da Universidade Estadual do Paraná, Campus Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Bolsista da CAPES (processo 5617138) na Università di Urbino Carlo Bo.
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O BOI-DE-MAMÃO NO LITORAL DO PARANÁ
O boi-de-mamão2 é uma das mais ricas manifestações do folclore brasileiro, na qual o boi
é a principal figura de representação. Surgido no Nordeste do Brasil no século XVIII, ao espalhar-
se pelo país recebeu diferentes denominações, narrativas, formas de apresentação,
indumentárias, personagens3, ritmos e instrumentos musicais. Assim, o folguedo se chama
Bumba-meu-boi nos estados do Maranhão, Rio Grande do Norte, Alagoas e Piauí; Boi-bumbá no
Pará, Rondônia e Amazonas; Boi-de-mamão no Paraná e em Santa Catarina, entre outras
denominações regionais.
O espetáculo é uma espécie de ópera popular que reúne música, dança e teatro,
mesclando elementos das culturas europeia, africana e indígena. Os atores populares ou
brincantes encenam, na maioria das apresentações, o mito da morte e ressurreição do boi,
resgatando elementos da vida cotidiana do Nordeste brasileiro, durante o período colonial.
Àquela época, séculos XVI ao XIX, as relações econômicas e sociais eram marcadas pela
plantation, criação extensiva de gado e pelo trabalho escravo. É este cenário que se projeta na
narrativa tradicional, na qual o boi de estimação de um rico fazendeiro (elemento branco) é
roubado pelo escravo Pai Francisco (elemento negro), que mata o animal para satisfazer a
vontade de sua esposa grávida, Mãe Catirina, desejosa em comer a língua do boi. Pajés e
curandeiros (elemento ameríndio) são convocados para reanimar o animal e, quando o boi
ressuscita, os brincantes cantam e dançam em uma grande festa para comemorar o milagre.
2 O Boi-de-mamão ou Bumba-meu-boi é uma dança dramática, segundo Andrade (1959), ou um folguedo popular, de acordo com Meyer (1993) e Câmara Cascudo (1967). Folguedos são festas populares de espírito lúdico que se realizam anualmente, em datas determinadas, em diversas regiões do Brasil. Bumba pode se referir ao instrumento zabumba ou a uma pancada; bumba-meu-boi significa bate ou chifra meu boi. 3 Os personagens principais são: o Boi, corpo feito de arcabouço de madeira recoberto de pano, dentro do qual um homem faz o animal mover-se; o Dono do boi, também denominado Capitão, Cavalo-marinho, Amo ou Fazendeiro; o Pai Francisco e sua esposa Catirina; o Vaqueiro Mateus; o Pajé, às vezes representado por um Médico, Benzedeiro ou Doutor. Ao lado desses, em cada região aparecem diferentes personagens secundários que, segundo Alvarenga (1982), podem ser classificados em três tipos: humanos (como a Velha, a Rosa, a Sinh’Aninha, o Fiscal, os Galantes e as Damas); animais (entre eles o Urubu, a Ema, a Burrinha, a Cobra Verde); fantásticos (como a Caipora, o Gigante, o Diabo, o Morto-e-vivo, a Bernúncia).
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Quanto à manifestação no litoral do Estado do Paraná, região Sul do Brasil, há quatro
grupos de boi-de-mamão: o Boi do Norte e o Boi Barroso, no município de Antonina; o Boi
Mandicuera, na Ilha dos Valadares, em Paranaguá; o Boi-de-mamão, do Grupo Folclórico de
Guaratuba. Aparentemente, o Boi-de-mamão é uma tradição açoriana cultivada pelos migrantes
do Estado de Santa Catarina que fixaram residência no litoral paranaense e, nesses dois Estados,
é comum acrescentar a Dança da Balainha4 e a Dança do Pau-de-fita5 ao folguedo.
Os grupos paranaenses têm um caráter acentuadamente lúdico, mas apresentam
distintos personagens, narrativas e músicas que dão vida ao boi bailante, elemento recorrente
em todas as modalidades do folguedo, em torno do qual se agregam os brincantes. É
interessante destacar que o grupo Boi do Norte remonta ao início do século XX, revelando quão
forte é sua tradição. Apesar disso, o Boi-de-mamão é um festejar com pouca visibilidade no
Paraná: apenas uma pequena parte da população mantém viva essa manifestação cultural.
Na perspectiva da geografia cultural, a paisagem é entendida como um produto da
transformação do ambiente em cultura e reflete a dimensão simbólica das construções
socioespaciais, revelando a maneira como o homem se relaciona com o seu meio e o sentido a
ele atribuído.
Cosgrove (1998) considera a paisagem como um texto cultural, que apresenta a
possibilidade de muitas leituras diferentes e simultâneas, e defende a ideia de aplicar à
paisagem humana algumas das habilidades interpretativas de que dispomos ao estudar um
romance, um poema ou um quadro, de tratá-la como uma expressão humana intencional
composta de muitas camadas de significados.
Assim, na área da ciência geográfica, é possível investigar a paisagem da festa do Boi-de-
mamão, considerando-a uma criação coletiva capaz de revelar as representações e os valores
sociais que um determinado grupo atribui ao seu espaço. A investigação é orientada pela
4 A Balainha, também denominada Arcos Floridos ou Jardineira, é uma dança introduzida no Brasil pelos portugueses, a qual se desenvolve com os pares de dançantes, cada um deles sustentando um arco florido. 5 A Dança do Pau-de-fita é popular em Portugal e na Espanha, a coreografia se desenvolve em torno de um mastro no qual se prendem várias fitas no topo, cada figurante segura a extremidade de uma das fitas e o grupo evolui, trançando-as.
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abordagem fenomenológica, fundamentada na análise documental, bibliográfica e na pesquisa
de campo.
AS INVESTIGAÇÕES GEOGRÁFICAS EM MÚSICA E A PAISAGEM SONORA
Os geógrafos investigam os sons, os ruídos e a música em sua dimensão espacial há quase
um século, mas apenas no final do século XX percebe-se o crescimento das produções
acadêmicas nesta área. Guiu (2006) e Panitz (2012) apresentam uma síntese das pesquisas em
geografia e música e atestam uma gradual consolidação deste campo investigativo, apontando
os Estados Unidos, a Inglaterra e a França como centros de discussão avançada. A revisão dos
estudos que envolvem geografia e música mostra uma variedade de abordagens e objetos, e
reflete as diferentes orientações da disciplina geográfica contemporânea como um todo.
Segundo Panitz (2012), nos países anglo-saxoes percebem-se dois momentos distintos das
pesquisas geográficas em música: a abordagem difusionista da escola saueriana e a renovaçao
crítica, inspirada nos estudos culturais. Na França predomina um ponto de vista territorial, que
investiga a musica na construçao e na afirmaçao da identidade territorial e a produçao de
políticas territoriais voltadas à musica, entre outros. O autor ressalta a pluralidade de
abordagens e tratamentos metodológicos das pesquisas em geografia e música no Brasil, que
destacam a “diversidade musical do país e suas relaçoes com as identidades regionais e
nacionais, a construçao de territorialidades e de discursos geográficos e as transformaçoes do
espaço urbano” (PANITZ, 2012, p. 7).
Para Guiu (2006), os trabalhos recentes revelam uma orientação privilegiada em direção a
uma análise segundo critérios múltiplos: há uma pluralidade de abordagens, mas de
perspectivas convergentes. Os atores, os agentes de distribuição e os eventos musicais são
objetos geográficos mapeáveis. As práticas e os comportamentos musicais – como os eventos, o
consumo e a produção musical – podem ser medidos e avaliados na perspectiva da
espacialidade, em diferentes escalas, considerando-se o contexto social, cultural e mesmo
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econômico. O fato musical promove a divulgação e a disseminação de ideias e gêneros musicais,
e pode ser considerado um geoindicador dos sentimentos de pertença, mobilidades, valores e
comportamentos sociais. Nos estudos geográficos, a música pode refletir o sentido dos lugares,
das representações territoriais, das identidades regionais, da paisagem cultural ou dos traços
culturais. O elemento musical também é um produtor de territórios e está presente nos
processos que envolvem a definição de identidades.
Ao discutir os trabalhos na interface entre a geografia cultural e a música, Castro (2009)
apresenta as contribuições de George Carney e Lily Kong e as análises que esses geógrafos
realizaram sobre as diferentes linhas de pesquisa na área.
Kong (2009) enumera cinco tendências para os estudos geográficos sobre música: a
distribuição espacial de formas musicais, atividades, artistas e personalidades; os locais de
origem musical e a sua difusão; a delimitação de áreas que partilham certos traços musicais; o
caráter e a identidade dos lugares a partir das letras das canções; a relação da identidade dos
compositores com o seu espaço e a visão de mundo transmitida pela música. A autora aponta,
ainda, novas possibilidades de abordagens, entre elas, a análise dos significados e o papel
simbólico da música na vida social; a música enquanto comunicação cultural; as políticas
culturais e os aspectos econômicos referentes à música; o papel da música na construção e
desconstrução de identidades.
Carney (2007) apresenta algumas taxonomias para as pesquisas geográficas referentes à
música, como a relação da música com o meio ambiente; o lugar de origem e a difusão dos
fenômenos musicais; o efeito da música na paisagem cultural; os gostos musicais das pessoas
em diferentes lugares; os elementos psicológicos e simbólicos da música, relevantes na
modelagem do caráter de um lugar; a evolução de um estilo, gênero ou música específica de um
lugar. Para o autor, os sons musicais podem evocar um sentimento de lugar, ajudando o homem
a criar uma ligação emotiva com o lar, a cidade, o estado, a região ou a nação.
Diante do exposto, percebem-se as inúmeras possibilidades de abordagem para as
pesquisas geográficas em música e a abrangência deste campo investigativo.
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Entre as pesquisas transdisciplinares sobre a paisagem sonora6 e os ruídos, destaca-se, na
década de 1970, o projeto acústico (World Soundscape Project) do compositor canadense
Robert Murray Schafer, uma iniciativa de inventário, de arquivo sonoro com uma abordagem
acústica, ecológica, simbólica, estética e musical. O autor percebe o mundo como uma grande
composição musical que se desdobra à nossa volta, preocupa-se com a crescente poluição
sonora e propõe a preservação e reconstrução dos ambientes acústicos, por meio de uma
reeducação da escuta para o desenvolvimento de um ouvinte que ouve e pensa o seu entorno
sonoro. Considerando os sons como indicadores de época que revelam acontecimentos sociais
e políticos, Schafer (1991, 2001) apresenta as peculiaridades das paisagens sonoras de
diferentes lugares, suas transformações no decorrer da história da sociedade ocidental e como
essas mudanças afetaram o comportamento humano. Para o autor, os sons afetam os
indivíduos de modo diferente e um único som pode estimular uma variedade de reações. Ele
considera que diferentes grupos culturais têm atitudes variadas perante os sons ambientais.
Depreende-se que o objeto sonoro possui um contexto social, cultural e auditivo e que a
paisagem sonora pode ser entendida como o ambiente sonoro da humanidade, um conjunto
sempre presente de sons que estão constantemente em mutação: sons naturais provenientes
da natureza, sons mecânicos produzidos por máquinas, sons agradáveis e desagradáveis, fortes
e fracos, ouvidos ou ignorados, com os quais os homens convivem.
Na área da música, as composições do tipo Paisagem Sonora7, que se caracterizam pelo
uso explícito do som ambiental como material constituinte da composição, têm gerado
discussões em relação ao fazer musical e à atividade compositiva e perceptual.
6 O termo Soundscape (paisagem sonora), em analogia à palavra Landscape (paisagem), foi criado por Schafer (2001, p. 23): “a paisagem sonora é qualquer campo de estudo acustico. Podemos referir-nos a uma composição musical, a um programa de rádio ou mesmo a um ambiente acustico como paisagens sonoras”. A obra teórica e artística desse compositor é ampla e complexa. Importa ressaltar que, para tentar humanizar a paisagem sonora mundial, Schafer propõe um projeto cujo modelo acústico é subjetivo, o ouvinte é o centro do processo, o qual se fundamenta no relacionamento entre ouvinte e paisagem sonora. O modelo acústico tradicional é objetivo, considera o som como o centro do sistema no ato de ouvir. 7 Toffolo (2004), com base na classificação de José Iges, apresenta três tendências em composições do tipo Paisagem Sonora produzidas em meios eletroacústicos: composições baseadas na noção de reeducação da escuta, decorrente dos estudos realizados por R. M. Schafer; composições que utilizam gravações ambientais sem processos de alteração de sinal sonoro, privilegiando a referencialidade auditiva; composições elaboradas com a
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No campo da etnomusicologia, perceber e pensar a produção sonora musical como parte
de uma paisagem sonora mais abrangente é um assunto relativamente novo, conforme Pinto
(2001). O autor distingue a soundscape natural, que envolve as sonoridades dos fenômenos
naturais, da soundscape cultural, que resulta das atividades humanas e marca o potencial
comunicativo, emocional e expressivo do som. A musica faz parte da paisagem sonora e “tem a
propriedade de influenciar e mesmo de caracterizar paisagens sonoras. Uma paisagem sonora é
tão diversificada quanto sao diversos os ambientes que a produzem”, afirma Pinto (2001, p. 24).
Percebe-se que a paisagem sonora tem sido investigada por diferentes áreas do
conhecimento, evidenciando a diversidade e a amplitude das perspectivas de escuta dos sons
produzidos pelo homem e pelo meio ambiente.
A diversidade e a complexidade da paisagem sonora se evidenciam no Boi-de-mamão
paranaense: a música se mostra como o fio condutor das apresentações, mas, apesar da
proximidade geográfica, os grupos brincam embalados por diferentes toadas e cantorias
(composições musicais que apresentam os personagens e cenas do folguedo), instrumentos e
narrativas (texto falado), despertando múltiplas possibilidades de escuta. Na perspectiva da
geografia cultural, a paisagem sonora do Boi-de-mamão contempla a dimensão material e
simbólica das relações espaciais.
A PAISAGEM SONORA DO BOI-DE-MAMÃO
Os sons marcam diferentes tempos e lugares: vozes, sotaques, ruídos e músicas de
determinados lugares fazem parte das sensações ali experimentadas, das percepções ali
adquiridas. Mediante a música e a linguagem a comunicação se estabelece, os valores culturais
são construídos e repassados. Portanto, a paisagem sonora é cultural.
captação de sons ambientais que utilizam processos eletroacústicos para eliminação de qualquer traço de referencialidade à fonte sonora.
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“Todas as paisagens possuem significados simbólicos porque sao o produto da
apropriaçao e transformaçao do meio ambiente pelo homem” (COSGROVE, 1998, p. 108).
O simbólico referencia a cultura do grupo ao qual o indivíduo pertence e cada sociedade
tem uma maneira muito particular de interpretar o espaço geográfico. Portanto, a paisagem
não se restringe ao meio, mas expande-se em significados, fala do homem e manifesta seu ser.
Segundo Berque (1998), a paisagem exprime o sentido que uma sociedade dá à sua
relação com o espaço e com a natureza: a paisagem é, simultaneamente, marca e matriz da
cultura, pois expressa uma civilização e transmite usos e significações de uma geração à outra.
Percebe-se que a paisagem emerge segundo as experiências de cada indivíduo e daqueles
que o precederam. Ao envolver aspectos objetivos e subjetivos do mundo vivido, a paisagem
reflete a identidade dos grupos culturais.
Os grupos paranaenses de Boi-de-mamão revelam identidades singulares e se apresentam
de forma livre e variada em festas carnavalescas e religiosas e em eventos públicos diversos. O
Boi do Norte e o Boi Barroso constituem-se como blocos folclóricos que, no carnaval, desfilam
nas ruas conduzidos por mais de duzentos participantes. Nos demais eventos, os grupos reúnem
cerca de trinta brincantes: o Boi do Norte encena o mito da morte e ressurreição e o Boi Barroso
realiza a Dança da Balainha. Na cidade de Guaratuba, no Paraná, apesar da falta de apoio local e
das dificuldades financeiras, um pequeno grupo familiar mantém viva a tradição do Boi-de-
mamão e a Dança do Pau-de-fita. O Boi Mandicuera é composto por jovens e faz parte da
Associação de Cultura Popular Mandicuera que, com o apoio do Ministério da Cultura, busca a
formação de novos fandangueiros e a preservação da cultura caiçara.
O Boi-de-mamão é uma tradição repassada por meio da oralidade – os artistas populares
aprendem a cantar, dançar e tocar os instrumentos musicais por imitação. Assim, os elementos
míticos e mágicos se mantêm presentes no imaginário popular e revitalizam o fazer poético,
legitimando o folguedo como referência cultural local.
Cada lugar tem uma identidade sonora, afirma Roulier (1999), e há uma variação de sons
entre um lugar e outro, bem como entre os tempos e as culturas. O autor discute as diferentes
possibilidades de estudo da paisagem sonora, como as variações dos ruídos, a poluição sonora,
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as heterotopias sonoras (as diferenças entre os lugares, a partir da análise dos sons) e a topofilia
sonora (sentimento de pertencimento a um lugar com relação à sua sonoridade).
O sentimento de pertencimento que liga uma pessoa a um lugar resulta de uma história,
um vínculo construído a partir das relações que se estabelecem com o agrupamento humano e
com o espaço por ele ocupado. A música é um poderoso instrumento para estabelecer um
sentido de conexão e solidariedade entre as pessoas.
No Boi-de-mamão, a música se destaca como fio condutor do espetáculo: as letras das
toadas e cantorias veiculam os valores e hábitos compartilhados em cada comunidade,
promovendo a integração social e consolidando os vínculos de pertencimento ao lugar.
No Paraná, os grupos apresentam distintas formações instrumentais, desenhos rítmicos e
toadas, entre as quais se ouvem melodias do folclore nacional. Cantores e instrumentistas
acompanham os grupos e, em geral, não participam da encenação. No grupo de Guaratuba, a
cantoria é acompanhada por violão, rabeca e tambor. No Boi Mandicuera, o ritmo musical
parece referenciar o fandango8, com rabeca, violão, pandeiro, alfaia, tambor, caixa e triângulo.
Nas toadas do Boi do Norte ouvem-se vozes, violão, viola, tambor, caixa, surdo, repique,
chocalho e reco-reco. No Boi Barroso, melodias folclóricas embalam a Dança da Balainha.
Para Kong (2009), a música pode veicular as imagens de um lugar e servir como fonte
primária para a compreensão da natureza e da identidade dos lugares. Enquanto uma forma de
comunicação cultural, a música pode ser um meio pelo qual as identidades são
(des)construídas, como aparentemente se verifica em Paranaguá.
Ao revitalizar as manifestações culturais tradicionais – como o Fandango, a Dança do Pau-
de-fita, o Boi-de-mamão, o Terço Cantado e a Romaria do Divino Espírito Santo – nas quais a
música se destaca, o Grupo Mandicuera resgata valores que permanecem na imaginação
coletiva da comunidade, atribuindo significados à cultura popular caiçara. Portanto, a música
parece contribuir no processo de construção identitária.
A representação da identidade ocorre na intersecção que se estabelece na condição de
homem, entre sua posição de ser produtor e ser produzido em uma realidade social. Para Persi
8 Para esclarecimentos sobre o fandango e a paisagem sonora da Ilha dos Valadares, ver Torres (2009).
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(2006), a paisagem e a identidade são conquistas humanas diárias, processos em construção,
desconstrução e reconstrução no tempo e no espaço.
A tradição do Boi-de-mamão é concebida na experiência dos artistas populares e seu
repasse se dá por meio da memória e da história oral. Enquanto manifestação popular, o
folguedo encontra-se entre as forças da preservação e da mudança, refletindo o dinamismo
cultural.
O Boi Mandicuera faz constantes releituras do folguedo, com o objetivo de manter a
tradição viva, próxima dos jovens participantes, os quais recriam continuamente as
apresentações. Seus dirigentes reconhecem que a cultura possui uma dinâmica própria, e que
as transformações fazem parte de todas as manifestações tradicionais.
Já o Boi de Guaratuba e o Boi do Norte apostam na tradição como um valor que legitima o
Boi-de-mamão, efetuando poucas mudanças ao longo dos anos. O Boi do Norte tenta preservar
elementos criados na fundação do grupo, em 1922, como sua narrativa, a bateria formada por
crianças e adolescentes que vestem camisa xadrez e chapéu de palha e a toada principal que
embala os brincantes.
O Boi Barroso constituiu-se recentemente e busca inspiração no folclore nacional para as
suas apresentações, cujo foco principal é o desfile carnavalesco.
Abordando a geopoética das paisagens, Kozel (2012, p. 67) destaca a essência do ser
humano e as relações que estabelece com o mundo por meio de sua cultura, sentimentos e
valores, entendendo a paisagem como “o resultado da contemplaçao, primeiramente no
sentido ótico e em seguida espiritual da natureza, correlacionando os diversos objetos e a
imaginaçao subjetiva dos mesmos”.
Andreotti (2010, 2012) e Persi (2006, 2010) acentuam a perspectiva emocional da
geografia cultural e a complexidade acerca da definição da paisagem, do seu ser, do seu devir e
da sua essência como relação entre o homem e o espaço.
Para Andreotti (2012), a paisagem não pode ser separada do homem, do seu espírito, da
sua imaginação e percepção. A paisagem marca o homem e é por ele marcada, reflete o homem
e a sua história, e cada comunidade inscreve na paisagem sua própria ética e estética. Cada
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cultura se expressa segundo uma ética, um patrimônio dos costumes e valores tradicionais, que
estabelecem códigos de comportamento e padrões de escolha desenvolvidos dentro dessa
mesma cultura. Tais padrões delineiam a fisionomia dos lugares, a sua estética. Portanto, a
invisibilidade, que é a ética da paisagem, gera o seu visível, a sua estética. Assim, de acordo com
a autora, a paisagem cultural é histórica, geográfica, filosófica, religiosa, artística, ética e
estética.
A paisagem é alma, é psique, é uma construção humana que provém de longa data, da
integração de almas para almas, é um diálogo entre o passado e o presente, entre a natureza e
o espírito, a paisagem é “tudo que está dentro de nós: é uma emoçao, um estado de espírito”
(ANDREOTTI, 2010, p. 275).
Persi (2010) destaca a profunda ligação que os homens estabelecem com os lugares e seus
patrimônios culturais, reconhecendo o valor que os lugares e as situações vividas têm sobre as
emoções e os sentimentos que integram a experiência humana do mundo. Segundo o autor, os
lugares estão impregnados de vida e de paixões e sob essa luz devem ser compreendidos,
analisados e planejados: “Il paesaggio è emblema di umanità, della fervida genialità e
apassionata creatività, ma anche della fragilità e contradizione della condizione umana: è
creatura dell’uomo, che dialoga con l’universo e dell’uomo como condiziona l’esistenza” (PERSI,
2006, p. 25).
Depreende-se que a paisagem é emocional porque exprime o homem e ao mesmo tempo
faz o homem, é parte integrante da história cultural de um determinado lugar, dotada de
valores espirituais. A paisagem emocional é criada pelo próprio observador, carregada de
sentido, investida de afetividade e envolve todas as complexidades da alma humana.
As narrativas, os personagens e as músicas de cada grupo de Boi-de-mamão tecem
paisagens emocionais ímpares, que expressam os valores e as histórias de vida dos brincantes.
O Boi de Guaratuba é muito semelhante aos grupos do Estado de Santa Catarina, com os
personagens do Boi, Cavalo-marinho, Barão, Catirina, Onça, Doutor e Bernúncia. O dirigente do
grupo é filho de um migrante catarinense e a brincadeira faz parte da sua infância e das suas
memórias, o que confere originalidade às apresentações do folguedo.
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No município de Paranaguá, não é o Boi mas o Vaqueiro Mateus que morre ao levar uma
chifrada do animal e depois é reavivado pelo Doutor Girão. Além desses personagens, há o
Delegado, a Vaca, o Cavalinho, a Bernúncia e a Mariola (ou Maricota), uma armação de madeira
com uns três metros de altura e fisionomia de mulher. No Boi-de-mamão, as tradições culturais
locais se evidenciam na roupa de tecido colorido, geralmente chitão, na cara preta tisnada de
carvão, na narrativa e nos personagens que mesclam o folguedo aos valores do espaço vivido.
Os grupos de Antonina compartilham o mesmo espaço geográfico, mas são bastante
distintos. Nos desfiles carnavalescos, ambos agregam elementos do imaginário popular às
apresentações, usando adereços diferenciados: no Boi do Norte predominam os materias
recicláveis e no Boi Barroso destacam-se fitas, flores e lantejoulas coloridas.
No folguedo, o Boi do Norte brinca com o Boi Xodó, o Dono do boi, o Médico, a
Enfermeira, a Rainha, o Palhaço, o Fazendeiro, o Toureiro, a Porta-estandarte e o Nanico, uma
espécie de pássaro. Na narrativa, o boi morre (Fig. 1) porque estava comendo a plantação de
um fazendeiro e ressuscita (Fig. 2) pelo poder da música, evidenciando o valor artístico que o
grupo atribui à música. A maioria dos participantes tem poucos recursos financeiros e o boi-de-
mamão estreita os laços afetivos e solidários entre eles.
Fig. 1 - O Boi morto na apresentação do grupo Boi do Norte Fonte: Beatriz H. Furlanetto, 2013
Fig. 2 - O Boi ressurreto na apresentação do grupo Boi do Norte Fonte: Beatriz H. Furlanetto, 2013
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No Boi Barroso, o escravo negro mata o boi para satisfazer o desejo da sua esposa de
comer a língua do animal, que depois ressuscita, e os personagens são: Boi, Toureiro, Cavalinho,
Pai Francisco, Sinhazinha, Catirina, Pajé, Bernúncia, Palhaço, Rei e Rainha.
Os grupos paranaenses têm um caráter acentuadamente lúdico e o riso se mostra como
elemento de coesão social: as peripécias dos personagens despertam muitas risadas,
promovendo uma interação festiva e jocosa entre os atores e o público em geral. Mas o riso é
ambivalente, esconde e revela ao mesmo tempo, e “pode ser associado a uma multidao de
elementos positivos e negativos” (MINOIS, 2003, p. 612). Nesse sentido, o riso se mostra
multifacetado no Boi-de-mamão e, se visivelmente revela a alegria, a beleza e a união entre os
brincantes, pode ocultar a tristeza, a luta, a denúncia, a religiosidade, a possibilidade de
libertação.
No Paraná, a comicidade do Boi-de-mamão parece ocultar os aspectos religiosos do
folguedo, que se mostram diluídos nas apresentações. O tema da morte e ressurreição revela,
por si só, uma dimensão simbólica do sagrado, representa o ciclo da continuidade e cria uma
circularidade na qual vida e morte se encontram no milagre da ressurreição.
As diferentes formas de brincar com o Boi-de-mamão demonstram a diversidade e a
riqueza artística dos grupos paranaenses, expressam os atributos culturais de cada comunidade
e as variações locais dessa manifestação popular.
OS SONS ECOAM NA PAISAGEM
Na perspectiva da geografia cultural, os estudos sobre a paisagem podem contribuir para a
compreensão dos significados que os homens atribuem aos espaços. A paisagem pode ser
entendida, poeticamente, como uma polifonia modulante: entre os tons e os sons da razão e da
emoção, o homem se relaciona com seu mundo, modelando-o e sendo por ele modelado.
A paisagem sonora do Boi-de-mamão revela a identidade singular dos grupos paranaenses,
os valores do espaço vivido e as visões de mundo presentes em cada comunidade, bem como as
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transformações que o tempo e o espaço imprimem às manifestações populares. A transmissão
oral dos ideais e significados do Boi-de-mamão parece revitalizar essa tradição popular,
legitimando-a enquanto elemento de ligação afetiva com o lugar e como referência no processo
de construção identitária.
Os participantes do folguedo trabalham voluntariamente para realizar um espetáculo cheio
de beleza. A confecção das fantasias, o compartilhamento dos sentimentos e dos
conhecimentos comunitários, os ensaios coletivos e as apresentações públicas transformam o
ritmo de vida dos brincantes, reafirmando laços de solidariedade e consolidando os vínculos de
pertencimento ao lugar.
A paisagem sonora do Boi-de-mamão é impregnada de sonhos e esperanças, tecida pelas
histórias de vida de homens e mulheres que agem e interagem no espaço litorâneo paranaense,
modelando-o em conformidade aos seus valores e práticas socioculturais. O mito da morte e
ressurreição, tema original do folguedo, é uma forma simbólica de celebrar a vida. O Boi-de-
mamão é arte, uma festa em determinados contextos sociais e espaciais nos quais a vida se
desenvolve e cujas sonoridades, plenas de múltiplos simbolismos, ecoam na paisagem.
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DAS IMAGENS, DOS SONS E DA MEMÓRIA HISTÓRICA: ASPECTOS DO JAZZ NO PARANÁ
Me. Marilia Giller1 Universidade Estadual do Paraná
Campus II – Faculdade de Artes do Paraná [email protected]
Mdo. Tiago Portella Otto2
Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected]
Resumo O artigo apresenta relatos de um estudo histórico e sociocultural sobre o Jazz no Paraná, nas décadas de 1920 a 1940, com ênfase nas práticas realizadas por grupos de amadores e profissionais da música. A pesquisa consolidou-se a partir de três eixos: a observação de documentos e da memória social com base na historiografia da música paranaense; a música na sociedade como geradora de processos de representação simbólica; e o levantamento de partituras, arranjos e repertórios. Palavras-chave: Memória; Música; Identidade; Jazz no Paraná (Brazil).
IMAGES, SOUNDS AND HISTORICAL MEMORY: ASPECTS OF JAZZ IN PARANÁ (BRAZIL)
Abstract This article presents information about a historical and socio-cultural study on the Jazz in Paraná, in the decades from 1920 to 1940, with emphasis on the practices performed by groups of amateur and professional musicians. The research was consolidated from three approaches: observing documents and social memory based on the Paraná music historiography, music in society as a generator process of symbolic representation, and a survey of scores, arrangements and repertoire.
Keywords: Memory; Music; Identity; Jazz in Paraná (Brazil).
1Mestre em Musicologia Histórica/Etnomusicologia (UFPR, 2013), possui Especialização em Música Popular Brasileira (FAP, 2005), Bacharelado em Música Popular (FAP-2007) e Bacharelado em Belas Artes-Pintura (EMBAP, 1984). É professora do Bacharelado em Música Popular da Faculdade de Artes do Paraná - FAP/ UNESPAR (2009). Tem experiência na área de Artes, com ênfase em música popular, atuando principalmente nos temas: piano popular, música popular, século XX, jazz, performance, história da música do Paraná. 2Mestrando em Musicologia - História e Documentação da Música Brasileira e Ibero-Americana (UFRJ, 2014). Possui experiência na área de Artes, com ênfase em música popular, desenvolvendo pesquisas nas seguintes áreas e temas: musicologia histórica, memória cultural, práticas interpretativas, produção fonográfica, arranjo musical, choro brasileiro e edição de partituras. É pesquisador do Grupo Música, História e Política da Faculdade de Artes do Paraná.
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Este artigo é parte de um estudo histórico e sociocultural sobre o Jazz no Paraná,
estado da Região Sul do Brasil, entre as décadas de 1920 e 19403. O objetivo principal foi
observar o Jazz na cultura paranaense produzida neste período. Os dados históricos e sociais
foram localizados em arquivos e acervos musicais particulares e institucionais, levantados
em acervos encontrados entre 2002 e 2012. Foram enfatizadas a observação e a
interpretação dos dados identificados em práticas realizadas pelos agrupamentos de
amadores e profissionais da música, incluindo a descrição e a análise de suas características.
Durante a pesquisa, procurou-se detectar particularidades culturais locais e os
processos socioculturais por meio de observações realizadas em imagens do passado
sonoro-cultural paranaense. Estes referenciais deram suporte para entender o jazz
produzido e praticado no Paraná durante o século XX.
A pesquisa foi desenvolvida a partir de três perspectivas: a primeira tratou de
questões que adentraram o campo da observação documental e da memória social, tendo
como enfoque a historiografia da música paranaense. O segundo olhar foi para a
representação da música na sociedade em um contexto gerador de representações
simbólicas partilhadas através de processos mediadores4.
Outro aspecto da pesquisa foi o laboratório sonoro, que incluiu a análise de algumas
partituras, compreendendo o estudo de arranjos e repertórios. Esse enfoque estabeleceu
semelhanças e diferenças estruturais entre obras analisadas. Buscou-se com isso legitimar a
sonoridade local e compreender os diálogos ocorridos entre elementos musicais como:
harmonia, melodia, gênero, forma, arranjo, instrumentação e estilo.
Sobretudo a partir da emancipação política do estado do Paraná em 1853,
constataram-se reflexos de processos interculturais no ambiente artístico da capital,
3GILLER, Marilia. O Jazz no Paraná entre 1920 a 1940: um estudo da obra O sabiá, foxtrot shimmy de José da Cruz. (Dissertação, Mestrado em Música) – Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2013, 212 f. 4O termo mediação “designa o lugar de interrogação, apontando como problemática a articulação entre [...] duas maneiras duais de interrogar o mundo social”. Para o autor, a atribuição das causas é o trabalho prático constante dos atores que ele observa, e é preciso fazer dessas atribuições o próprio objeto da pesquisa (HENNION, 1993, p. 224-225). O caso da música é exemplar para um projeto como este, devido tanto à variedade de seus gêneros (músicas populares, orais, cultas, eletrônicas, comerciais etc.) quanto ao desenrolar de suas práticas sobre um contínuo de mediações: instrumentos, partituras, repertórios, intérpretes, palcos, mídias, suportes etc. Apoiando-se sobre a análise dessas mediações, é possível escapar da oposição estéril entre saberes musicais e análises sociais que caracterizou os estudos clássicos sobre a música (HENNION, 2011, p. 253).
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Curitiba. O fluxo migratório passou a definir o ambiente urbano, tornando a cidade um local
ideal para uma grande maioria de instrumentistas e cantores integrantes de bandas
militares, trupes circenses, conjuntos e orquestras de câmara, orquestras para cassinos e
cinemas, conjuntos de choro e jazz bands.
Para entender esse processo, estudamos o conceito de campus e habitus de Pierre
Bourdieu. Este conceito observa a dinâmica intrínseca a um campo, envolvendo questões
relativas à organização social, esquemas individuais e disposições estruturadas socialmente
nas sociedades em formação. Durante esse processo, os sujeitos passam a partilhar
experiências práticas, geralmente em condições sociais específicas de existência e em um
determinado espaço e tempo, ou seja, “um conjunto de esquemas de percepção,
apropriação e ação que é experimentado e posto em prática, tendo em vista que as
conjunturas de um campo o estimulam” (BOURDIEU, 2003, p. 76).
O conceito de tradução de Stuart Hall (2006, p. 88) serviu de apoio na pesquisa e
explicou o movimento ocorrido na formação da sociedade curitibana, marcada
principalmente pela presença de imigrantes europeus. O conceito descreve “as formações
de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais, compostas por pessoas
que foram dispersadas para sempre de sua terra natal”, mas essas pessoas “são obrigadas a
negociar com as novas culturas em que vivem, sem simplesmente serem assimiladas por elas
e sem perder completamente suas identidades”. Para o autor, estes sujeitos carregam os
traços das culturas, das tradições, das linguagens e das histórias particulares pelas quais
foram marcadas, são pessoas pertencentes a culturas híbridas (HALL, 2006, p. 88).
A noção de fluxos culturais observada por Acácio Piedade (2010, p. 112) nos permitiu
entender que a cultura é um fluxo e “seu aspecto estável decorre da necessidade de criação
de tradições e territórios particulares com os quais um grupo se identifica: é a necessidade
humana de pertencimento a um grupo limitado, contrastivo em relação a outros que cria a
cultura”. Estes fluxos culturais, gerados entre os povos distintos, criam possibilidades de
desenvolver identidades partilhadas, e este é um processo inato na música, no qual as
músicas “também são fluxos, tramados ao calor da história. Gêneros, estilos, motivos, frases,
harmonias que se atravessam formando novas combinações” (PIEDADE, 2010, p. 12).
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As fontes primárias utilizadas nesta pesquisa foram recolhidas em arquivos que
apresentaram relações com músicos e grupos musicais, constituídas de fotografias,
partituras, documentos, livros, notícias em periódicos e revistas. Estas fontes formaram um
registro descritivo da vida de músicos e grupos musicais. Foi necessário aplicar um estudo
amplo em materiais de natureza:
a) textual - manuscritos ou impressos;
b) musical - partituras, arranjos e laboratório musical;
d) material - instrumentos musicais e objetos;
c) imagético - fotografias e iconografia contida nos anúncios, programas, jornais,
revistas e nas partituras.
Portanto, optou-se pela preparação de uma metodologia particular, seguindo-se
uma série de procedimentos de observação e descrição como o levantamento de: a) nomes
de compositores e instrumentistas; b) repertório e gêneros musicais; c) composições
paranaenses; d) lojas de música; e) datas; f) locais; g) nomes de copistas e editoras; h) locais
de atuação; i) dedicatórias e personagens; j) instrumentação; k) relações sociais.
Alguns dados foram analisados considerando as transformações ocorridas nos
grupos musicais, o tipo de instrumentação, o figurino e espaços cotidianos em seus
diferentes contextos históricos e socioculturais. Os dados foram levantados identificados em
documentos, fotografias e partituras, localizados em cidades do Paraná, tanto na capital
Curitiba quanto em Ponta Grossa, Paranaguá, Morretes, Castro, Rio Negro e União da
Vitória.
Pela diversidade dos materiais, o tratamento dado às fontes se desenvolveu de
forma não linear. Procurou-se deixar emergirem ao máximo os fragmentos históricos e
musicais daquele tempo. Por exemplo, a análise comparativa das fotografias permitiu
entender os tipos de instrumentação nos diferentes períodos, dados que foram relevantes
para observar características instrumentais dos grupos e as transformações no
comportamento desses conjuntos, assim como o tipo de figurino, os espaços e ambientes de
atuação.
A partir de estudos das partituras e dos documentos, analisaram-se algumas
composições e arranjos, dando procedimento ao levantamento de nomes de músicos,
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grupos, gêneros, repertório e composições paranaenses, ainda em andamento. Até o
momento, coletamos os seguintes dados: a) houve um número considerável de músicos e
compositores, com relação a grupos regionais e jazz bands; b) existem composições
paranaenses em vários estilos: schottisch, polca, valsa, cateretê, fox-trot, one-step, schimmy,
choro, maxixe, samba, entre outros gêneros em voga no período; c) foram encontrados
arranjos para formação jazz band, incluindo instrumentos como a bateria e o banjo.
Os dados encontrados apontaram para uma produção paranaense, não apenas
musical, mas das artes em geral, quando artistas, escultores, literatos, bailarinos e atores
acompanharam as atualidades de seu tempo, inclusive, contribuindo para o movimento
paranista nas artes, cujo principal anseio foi construir uma identidade cultural regional e que
contava com a adesão de intelectuais, artistas, literatos.
DA MEMÓRIA HISTÓRICA AO SOM IMAGINADO
O interesse em pesquisar a música do Paraná deste período, partiu da investigação e
observação de acervos de música contendo objetos, partituras, documentos e fotografias,
identificados a partir de 2002.
Os primeiros itens catalogados foram os da Tupynambá Jazz Band, contendo uma
foto, um violino com arco e estojo, uma estante de partitura, um flautim de ébano, um
trompete, um violão e oito álbuns de partituras manuscritas para violino e trombone5. Na
observação detalhada da imagem fotográfica desta jazz band do ano de 1931, reconheceu-
se primeiramente um dos músicos, o violinista Estefano João Giller (1903-1993).
Ao seu lado, outros músicos com calças brancas, sapatos envernizados, paletós
pretos e gravatas borboleta. Todos posam com seus instrumentos em um ambiente que
destaca a natureza como plano de fundo. Aliás, a opção natural além de ser
economicamente mais viável em relação aos importantes laboratórios fotográficos já
instalados nesse tempo, associa-se à ideia de exaltação ao nativismo, pois, de fato, a busca
5Também faziam parte deste conjunto alguns objetos secundários, como um prendedor de partitura para instrumento de sopro, partituras para violino de vários compositores clássicos, partituras para coral e marchinhas de carnaval correspondentes ao ano de 1953.
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da identidade musical paranaense esteve marcada pela utilização dos elementos sonoros e
simbólicos da cultura tradicional, rural, tribal, campestre ou sertaneja. A formação jazz
band6 está configurada com saxofone, flauta transversal, trombone, trompete, banjo e
bateria. O desenho do indígena em perfil, anunciando o nome do grupo, revela o realce
dado às matrizes culturais dessa região, com o objetivo maior de destacar os elementos
simbólicos locais.
Ilustração 1 - Tupynambá Jazz Band - Ponta Grossa (PR), 1931. Músicos: 1. Estefano João Giller (violino), 2. Pedrinho Arruez (trompete), 3. Índio Jandito (banjo), 4. Francisco Pavelec (trombone), 5. não identificado (flauta), 6. não identificado (saxofone), 7. Jacob Schoemberger (bateria). Fonte: Família Giller
A pesquisa ganhou reforço quando examinamos os arquivos fotográficos e as
informações sobre o grupo Regional dos Irmãos Otto, liderado por Stacho Otto7. Este grupo
apresentava-se periodicamente na rádio PRB-2 nos anos de 1937 e 1938. Constituíam o cast
artístico desta emissora, juntamente com outros músicos e grupos, entre eles, a Orquestra
6Jazz band: conjunto de jazz, surgido nas décadas de 1920, constituído de instrumentos de sopro como saxofones, clarinetas, trombones e trompetes, e de base rítmica, formada basicamente por piano, contrabaixo e bateria. 7 OTTO T. José da Cruz e os Irmãos Otto - a música popular urbana em Curitiba na primeira metade do séc. XX. In: 2º Encontro do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Artes da FAP, 2009, Curitiba. Anais 2º ENCONTRO DO
GRUPO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM ARTES DA FAP. Curitiba: Faculdade de Artes do Paraná, 2009. v. 1. p. 101-
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Jazz Manon, dirigida por Gerdal do Rozário e o pianista Armin Otto Habith, o conhecido
maestro Pirulito, fundador da Orquestra Trianon e da Jazz B2, na década de 1940.
A descrição das formações instrumentais dos grupos de música que foram estudados
serviu para a compreensão de particularidades e análise das suas características tímbricas.
Ilustração 2 - Regional dos Irmãos Otto - 1937 - Curitiba (PR)
Músicos: da esquerda para a direita: 1. João Alberto Otto (cavaquinho), 2. Bronislau Otto (bandolim), 3. Stacho Otto (violão e diretor musical), 4. Nei Lopes (vocal).
Fonte: Família Otto. Nos concentramos na observação das transformações ocorridas na formação
instrumental de diferentes grupos, pois foi necessário observar que no ambiente urbano os
grupos denominados regionais ou conjuntos de chorões não deixaram de existir, mesmo
com a efervescência das jazz bands. Nos programas de rádio, concertos e situações mais
intimistas, estes agrupamentos também colaboraram para o desenvolvimento e a
preservação das sonoridades tradicionais brasileiras. Vinci de Moraes (2000) explica que, a
partir dos anos 1930, os chorões, nome popular dos músicos que tocam choro, se
deslocaram das salas de cinema, teatros, circo para atividades mais profissionais nas
gravadoras e orquestras de rádio.
Foi quando se formaram os grupos que acompanhariam os intérpretes famosos,
conjuntos mais tarde conhecidos como "regionais". Isso produziu músicos “que se
constituíram autênticos intermediários entre o universo da cultura da elite e da popular
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urbana, entre o formal e o informal e entre o espaço público e o privado” (MORAES, 2000, p.
252).
Em 2008, ampliaram-se os estudos com a análise do acervo do professor e maestro
Antônio Melillo, depositado na Biblioteca da Faculdade de Artes do Paraná8. Ali foram
organizados materiais como composições, partituras, fotos e livros pertencentes ao maestro,
seus amigos e alunos. Com esses materiais, foi possível estudar características da Academia
Paranaense de Música, fundada em 1916 por Léo Kessler, assim como os concertos e
apresentações dos alunos da academia, além de localizar clubes e teatros da primeira
metade do século XX.
Paralelamente a esses estudos, encontrou-se em 2008 o acervo do maestro José da
Cruz constituído por cerca de 3.000 manuscritos produzidos de próprio punho entre as
décadas de 1910 e 19409. Após o período de catalogação e digitalização do material, iniciou-
se o levantamento de dados neste conjunto documental e, desde o encontro de sua família
em maio de 2010, vem sendo possível reorganizar o arquivo do compositor que se
encontrava disperso desde seu falecimento no ano de 195210.
Outros materiais foram encontrados em 2010, entre eles o do Maestro Luiz Eulógio
Zilli, que contém manuscritos, arranjos para coral e composições populares para coro e
orquestra. Neste arquivo ainda foram encontradas algumas fotografias: Curytiba Jazz Band
(1923), Regional dos Irmãos Todeschini (1905), Orchestra Elite e Os Piriricas Jazz Band.
8 Desenvolvido no projeto A Música em Curitiba – Fragmentos Musicais no Século XX - Compilação de dados Sobre a Música de Antônio Melillo (1899-1966). TIDE/PESQUISA 2019/2010 – Biblioteca Octacílio Souza Braga (BOSB) da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Curitiba II – UNESPAR/FAP. 9 “A (re)descoberta da obra do músico José da Cruz ocorreu durante o segundo semestre do ano 2008, em uma usina de reciclagem. Antes que grande parte da produção manuscrita pelo compositor pudesse ser triturada pelas máquinas desta indústria, a sensibilidade de um agente salvou cerca de 600 manuscritos produzidos em Curitiba nas décadas de [19]10, 20 30 e 40. Composições, orquestrações, correspondências, cadernos e dedicatórias, livres de mais uma desaparição documental. Este acervo, após cinquenta e nove anos intacto em uma caixa, chegou às minhas mãos no dia 12 de fevereiro de 2009, os manuscritos do músico Paranaense José da Cruz - O sabiá” (OTTO, 2011, p. 8). 10OTTO, Tiago. José da Cruz (1897-1952) - a vida, a obra e o acervo. (Monografia de Especialização) Faculdade de Artes do Paraná (FAP) - orientador: André Egg – Coorientadora: Marília Giller. Curitiba, 2011.
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Ilustração 3 - Salão Orchestra Elite - Curitiba (PR). Músicos em pé: 1. Prof. Appel (piano); 2. Grunewalder (pistão); 3. não identificado (clarinete); Músicos sentados: 4. Luis E. Zilli (violino); 5. Sr. Zawadski; 6. Guilm Tiepelmann; 7. Francisco Kuerbel (flauta); 8. Max Tiepelmann (Banjo). Fonte: Família Zilli.
Em agosto de 2010, as famílias Deslandes e Vesguerau cederam a fotografia da
Oriente Jazz Band, da década de 193011. Em 2011, analisou-se uma fotografia do grupo Os
Velhos Camaradas da cidade de Ponta Grossa, pertencente à família Pavelec.
Ilustração 4 - Velhos Camaradas Jazz Band - 1930 - Ponta Grossa (PR) Músicos: 1. não identificado (clarinete), 2. Pedrinho Arruez (trombone de pisto tenor), 3. Francisco Pavelec (trombone de pisto baixo), 4. Jacob Schoemberger (bateria). 5. não identificado (bombardino), 6. não identificado (trompete), 7. não identificado (clarinete). Fonte: Família Pavelec.
11 Fotografia cedida pelo Professor Sérgio Luiz Deslandes de Souza e Lourival Vesgerau.
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Em março de 2012, o material do músico João Bientinez chegou em mãos, sendo
um violão e duas fotografias. Uma das imagens é de um grupo organizado como uma
pequena orquestra; a outra, uma imagem da Record Jazz Band, que atuava nas salas de
cinema da cidade de Curitiba.
E por último, o material pertencente ao compositor e professor Eugênio do Rozário
(1882) que consiste em 30 composições manuscritas, 8 compilações de tratados e 2
dicionários, todos eles coordenados e manuscritos pelo músico. Este material ainda está em
processo inicial de estudo.
ENTRE O VISUAL E O SOCIAL: O SOM
Durante a pesquisa, foram discutidos fatores contribuintes para o movimento
cultural dos habitantes do Paraná, pois entende-se que o fluxo migratório definiu o
ambiente sociocultural urbano de algumas cidades do estado, tanto na capital Curitiba como
em cidades geograficamente próximas como Ponta Grossa, Castro, Rio Negro, União da
Vitória e região litorânea.
No Paraná dos anos de 1920, as formações Jazz band começam a aparecer com maior
frequência em bailes nos salões das sociedades e clubes, como também nos teatros e
cinemas. Das leituras feitas observando as fotografias, detectou-se que os músicos procuravam
estar vestidos de maneira idêntica, basicamente seguindo o padrão: terno escuro, camisa
branca e gravata borboleta. A presença do saxofone, tanto o soprano, o alto como o tenor, a
bateria e os banjos. Observou-se que esses instrumentos, contracenaram com o pandeiro, o
acordeão, o violão, o cavaquinho e a flauta12, formando em alguns casos, um conjunto
híbrido entre regional e jazz band.
A produção de gêneros estrangeiros, como o fox-trot e seus derivados, aparece
em uma quantidade moderada, demostrando que o fox-trot no Paraná foi assimilado e
12 OTTO, Tiago. GILLER, Marília. VERZONI, Marcelo. Acervo do músico paranaense José da Cruz - identificação das formações instrumentais realizadas entre 1917 e 1950. Congresso e Anais da ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA – ANPPOM – Natal/RN – 2013 - ISSN 1983-5973.
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contracenou com gêneros como a valsa, em maior escala, o tango, o choro, o samba e, entre
outros, o oberek13.
CONCLUSÃO
A complementação informacional entre os diferentes arquivos foram essenciais para
se perceberem as relações ocorridas na música popular no Paraná, assim como as formas de
produção, difusão e circulação da música paranaense. A organização social e os detalhes
históricos da sociedade naquele tempo revelaram o desenvolvimento artístico do período, a
relação com a sociedade, a receptividade dos grupos nacionais ou estrangeiros, o fluxo de
companhias teatrais visitantes, observando-se os espaços de sociabilidades e de interação
social da plateia curitibana e da intelectualidade local. Concorda-se que a cultura é um fluxo,
pois a interculturalidade desenvolvida no Paraná dependeu de diversos fatores que foram
compartilhados por hierarquias sociais de polaridades desiguais.
Dos resultados obtidos até o momento, realizamos cinco versões da exposição Dos
Regionais as Jazz bands: Curitiba e música popular na primeira metade do século XX14, e sete
versões15 do concerto musical com a Regional Jazz Band16, grupo montado para apresentar ao
13O Oberek, uma das cinco danças folclóricas polonesas, foi trazido pelos imigrantes quando chegaram às Américas, principalmente no final do século XIX e meados do século XX. Oberek, Kujawiak, Krakowiak, Mazur e Polonaise eram dançadas em toda a Polônia, originadas em antigas festividades e caracterizam-se, em geral, por formações circulares. Depois da Polca, o Oberek foi a dança mais popular da música polaco-americana. Nota-se que, mesmo tendo sua origem folclórica na Polônia, ao chegar às Américas tanto do Norte como do Sul, e massivamente no sul do Brasil e Argentina, tornou-se uma dança social bailada nos salões das sociedades (ALL DANCE INFOK, 2011, p. 5). 14 Realizada em cinco versões: Curadoria, Marilia Giller e Tiago Portella Otto: 1) Museu Paranaense (Curitiba, PR) entre os dias 6 de novembro de 2010 e 15 de fevereiro de 2011; 2) Casa da Cultura Polônia Brasil (Curitiba, PR) 12 a 30 de setembro de 2011, com apoio do Consulado Geral da República da Polônia em Curitiba, na Sociedade Tadeusz Kociuszko; 3) Hall de exposições da Faculdade de Artes do Paraná (Curitiba, PR) de 3 a 10 de dezembro de 2011; 4) Hall do Canal da Música (Curitiba, PR), entre os dias 21 de abril e 25 de maio de 2012; 5) Hall do SESC Água Verde - Projeto Conexão Musical 2012, (Curitiba, PR), entre 9 de outubro e 11 de dezembro de 2012. 15 Direção de Tiago Portella Otto e Marília Giller: 1) Museu Paranaense (Curitiba, PR), 6 de novembro de 2010; 2) Museu Paranaense (Curitiba, PR), 11 de novembro de 2010; 3) Oficina de Música de Curitiba - SESC (Curitiba, PR), 26 de janeiro de 2011; 4) Casa da Cultura Polônia Brasil (Curitiba, PR), 12 de setembro de 2011 - pocket show; 5) VIII Festival de Choro de Paris - Clube de Choro (Paris, França), 30 de março de 2012. 26/11/2012 “Sabiá Paranaense - A Obra de José da Cruz” - SESC água Verde / Projeto Conexões Musicais, (Curitiba, PR). 16Composta pelos músicos: Marilia Giller (piano e direção artística), Tiago Portella (cavaquinho e direção musical), Clayton Silva (flauta transversal e flautim), Gustavo Bonin (clarinete), Cássio Menin (violão sete
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público, repertório paranaense produzido neste período.
Com as averiguações e análises em andamento, procura-se compreender com maior
riqueza de detalhes as características que legitimam a sonoridade da música popular
paranaense e distinguir e quantificar com maior precisão quem são os músicos e grupos
atuantes durante os séculos XIX e XX, buscando identificar as bases e compreender as
particularidades do jazz produzido no Paraná.
REFERÊNCIAS
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HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
MORAES, José Geraldo Vinci de. Sinfonia na metrópole: história, cultura e música popular em São Paulo (anos 30). São Paulo: Estação Liberdade/FAPESP, 2000.
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cordas), Alex Figueiredo (bateria), Osmário Estevam Júnior (trombone e eufônio), Hely Souza (contrabaixo acústico), Claudio Fernandes (violão), Gui Miudo (Percussão) e com produção de Renata Casimiro (Otto Produções Artísticas).
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2009, Curitiba. Anais 2º ENCONTRO DO GRUPO INTERDISCIPLINAR DE PESQUISA EM ARTES DA FAP. Curitiba: Faculdade de Artes do Paraná, 2009.
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BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956): INTELECTUAL, COMPOSITOR, REGENTE, PROFESSOR
Esp. Angela Cristina Lorenzzoni1
Resumo
Nascido em Curitiba, Paraná, Benedito Nicolau dos Santos foi um intelectual que atuou
principalmente em sua cidade natal e em Paranaguá, no final do século XIX e na primeira
metade do século XX. Compositor, regente, escritor, crítico de arte, teatrólogo, professor e
membro de diversas associações artístico-culturais. Apresentamos o resultado parcial do
trabalho que tem como objetivos agrupar e acrescentar novos dados à sua biografia e
catalogar sua obra. O presente artigo é uma compilação dos dados esparsos existentes em
várias fontes e de depoimentos, buscando sistematizá-los.
Palavras-chave: Benedito Nicolau dos Santos; Compositores do Paraná; Música em Curitiba;
Música em Paranaguá.
BENEDITO NICOLAU DOS SANTOS (1878-1956): INTELECTUAL, COMPOSER, CONDUCTOR, PROFESSOR
Abstract
Born in Curitiba, Paraná, Brazil, Benedito Nicolau dos Santos was an intellectual who worked
mainly in his hometown and in Paranaguá, in the late nineteenth century and the first half of
the twentieth century. He acted as composer, conductor, writer, art critic, playwriter, teacher
and was member of various artistic and cultural associations. We present article is the result
of the partial work that aims to group and add new data to his biography as well as to catalog
his works. It is a systematization of sparse existing dada, found in various bibliographical
sources and interviews.
Keywords: Benedito Nicolau dos Santos; Composers of Paraná; Music in Curitiba; Music in
Paranaguá.
1 Licenciada em Música pela Universidade Estadual do Paraná/Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Unespar/ Embap), integra o Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia, da Unespar/Embap, atuando na linha de pesquisa em Música Paranaense.
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INTRODUÇÃO
Segundo as biografias escritas por Maria Nicolas (1969, p. 174-176) e Marisa Ferraro
Sampaio (1980, p. 141-144), Benedito Nicolau dos Santos nasceu em Curitiba, Paraná, a 10
de setembro de 1878, e faleceu na mesma cidade no dia 9 de julho de 1956. Filho de Manoel
Gonçalves dos Santos e Benedicta da Trindade Ribas, casou-se em 1906 com Maria Luiza
Curial Pelissare, com quem teve dez filhos. Nenhum deles dedicou-se à música, embora entre
eles haja importantes intelectuais2. Era funcionário da Fazenda Federal, ocupação que
exerceu até a aposentadoria e que o levou a residir temporariamente em Foz do Iguaçu, no
Rio de Janeiro e em Paranaguá. Entretanto, foi principalmente em sua cidade natal, Curitiba,
e também em Paranaguá, que atuou como compositor, regente, escritor, crítico de arte,
teatrólogo e professor, ligado a diversas associações artístico-culturais e educacionais.
Fez o curso primário na escola fundada e dirigida pelo Prof. José Cleto da Silva3.
Transferiu-se para o Ginásio Paranaense, mas não concluiu o curso por motivos de saúde4.
Foi também aluno da Escola Normal e da Escola de Artes e Ofícios do Paraná.
De acordo com depoimento de Maria Antônia dos Santos Paula (1995), sobrinha e
afilhada de Benedito Nicolau dos Santos, este começou a interessar-se pela música quando
2 Benedito Nicolau dos Santos Filho (Curitiba, 1914-1987) formou-se em Direito na Universidade do Paraná. Lecionou em vários educandários e, como professor universitário, a cadeira de português do Curso de Jornalismo nas Faculdades de Filosofia da Universidade Federal e da Universidade Católica. Membro do Centro de Letras do Paraná, foi seu presidente no biênio 1972-1974 e vice-presidente nos dois anos seguintes. Foi Secretário-geral do Conselho Diretor do Círculo de Estudos Bandeirantes e sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Pesquisador do folclore paranaense, é autor de vários livros sobre o tema. Também contista, foi farta sua colaboração em jornais e revistas paranaenses. Tomou posse na Academia Paranaense de Letras em 1975, como 3º ocupante da Cadeira nº 16 (Dados Disponíveis na Página Eletrônica da Academia Paranaense de Letras <http://www.academiapr.org.br/>; verbete intitulado José Nicolau dos Santos, Professor Emérito e Reitor da Universidade Federal do Paraná. Acesso em: jul. 2014). 3O Professor José Cleto da Silva (Paranaguá, 24 out. 1843-25 fev. 1912) desempenhou no estado do Paraná os
cargos de Delegado de Polícia, Administrador Geral dos Correios, Inspetor do Tesouro do Estado, Secretário de Finanças do Estado e Deputado da Assembléia Provincial, além de exercer o magistério por 45 anos. O Grupo Escolar Professor Cleto fundiu-se ao Ginásio Estadual Emiliano Perneta, ambos de 1º. Grau, originado o Colégio Estadual Professor Cleto, situado na região central de Curitiba, que funciona ininterruptamente desde 1912 até os dias atuais. (Dados disponíveis na página eletrônica do Colégio Estadual Professor Cleto – Histórico, em <http://www.ctacleto.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=30>. Acesso em: jul. 2014). 4 Esta informação é fornecida por Marisa F. Sampaio (1980, p. 142), que não especifica qual o problema de saúde que impediu Benedito Nicolau dos Santos a concluir o curso em questão.
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acompanhava as aulas de piano da única irmã, Carolina. O professor, cujo nome ainda não foi
possível saber, ia até a casa da família para as aulas e, conforme o costume da época, a moça
não podia ficar a sós com o mestre. Era então Benedito quem permanecia na sala durante
todo o tempo da aula. Assim que Carolina deixava o piano, ele praticava com afinco os
ensinamentos do professor.
Sua formação musical formal deu-se em caráter particular com o Prof. Joaquim
Fernandes da Silva, com quem teve aulas de piano, violino e solfejo. Estudou violoncelo com
o maestro italiano Adolfo Corradi5 e harmonia e composição com Francisco Rodrigues
Maiquez6, maestro espanhol, ambos estabelecidos em Curitiba. Na orquestra do maestro
Francisco Rodrigues Maiquez, tocou violoncelo. Durante sua estada na cidade do Rio de
Janeiro, Benedito Nicolau dos Santos frequentou o Conservatório Livre do maestro Cavalier
Darbilly7. Retornando a Curitiba, aprimorou-se por meio de estudos e pesquisas sobre
música (SAMPAIO, 1980, p. 142).
Neste trabalho, em desenvolvimento junto ao Grupo de Pesquisa em Estudos em
Musicologia, linha de pesquisa em Música Paranaense da Unespar/Embap, ao CNPq, sob a
orientação da Profa. Dra. Elisabeth Seraphim Prosser, pretende-se sistematizar e enriquecer a
biografia de Bendito Nicolau dos Santos, bem como catalogar sua obra, visando também
editá-la. O texto aqui apresentado consiste no resultado parcial dessa pesquisa e está dividido
em pequenas seções com o intuito de organizar a multiplicidade de atuação do biografado.
5 Segundo Marisa F. Sampaio (1980, p. 159 e 167), “o maestro Adolfo Corradi, italiano de nascimento, chegou em Curitiba lá pelos fins do século XIX. Músico completo, dedicou-se ao ensino e à regência. Seu instrumento era o violoncelo.” Foi um dos principais professores da Escola de Belas Artes e Indústria do Paraná, criada em 1886 por iniciativa de Antônio Mariano de Lima. 6 O espanhol Francisco Rodrigues Maiquez era “compositor e regente da orquestra da Companhia de Zarzuelas ‘Maria Alonso’. Radicou-se em Curitiba lecionando piano e teoria, e partiturando músicas para duas bandas militares” (SAMPAIO, 1980, p. 142). 7 O músico brasileiro Carlos S. Cavalier Darbilly (Rio de Janeiro, 1846 - São Paulo, 1918), estudou na França com patrocínio do Imperador D. Pedro II. Retornou ao Rio de Janeiro em 1871, passando a atuar como professor de piano no Conservatório, depois Instituto Nacional de Música. Ministrou, também, aulas de matérias teóricas e composição no Liceu de Artes e Ofícios. Fundou o Conservatório Livre de Música em 1890. Como compositor, criou obras para canto, “operetas e música para o teatro de revista na sua fase inicial. (...) O nome de Cavalier, como compositor e regente, surge juntamente com outros nomes da história da música ligeira e popular da época, entre eles o de Chiquinha Gonzaga (1847-1935)” (BISPO, 2009).
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COMPOSITOR
A produção composicional de Benedito Nicolau dos Santos contabiliza cerca de
duzentas obras: hinos, canções, valsas, polcas, tangos, schottisch, peças de cunho religioso e
quatro operetas, entre outras. Datam de 1906-1907 suas primeiras composições, quando
frequentava o Conservatório Livre Darbilly, no Rio de Janeiro e, posteriormente, em
Paranaguá. Nessa cidade, manteve uma pequena orquestra e escrevia seu repertório, que
era executado no cinema mudo e nas funções religiosas (SAMPAIO, 1980, 141-144).
Localizamos parte do acervo musical de Benedito Nicolau dos Santos no Museu da
Imagem e do Som (MIS) em Curitiba, onde há um álbum com cerca de cento e vinte
partituras manuscritas assinadas pelo compositor. Em grande parte das músicas consta a
indicação ‘Repertório Cine Paranaguá – 1908’. Algumas partituras deste mesmo álbum estão
inacabadas ou trazem o nome de outros compositores. No MIS encontramos também os
originais orquestrados da opereta Marumby, de Benedito Nicolau dos Santos, e sua redução
para piano. Acreditamos que este acervo não contempla a totalidade da sua obra, pois
coincide apenas parcialmente com a relação de composições listadas por seu filho, Benedito
Nicolau dos Santos Filho (Rumo Paranaense, s.d., p. 17-18), e pela pesquisadora Marisa
Ferraro Sampaio (1980, p. 141-142). Entretanto, pretendemos futuramente localizar,
catalogar e, principalmente, editar todo o material referente ao compositor.
A temática das operetas, as letras das composições populares e a própria música de
Benedito Nicolau dos Santos estão repletas de referências paranistas8. É possível observar a
8 “Desencadeado, inicialmente, na literatura, por Romário Martins, na virada para o século XX, o Paranismo consistia na valorização do genuinamente paranaense, especialmente do índio, do pinheiro e do pinhão. Por parte de alguns, como Romário Martins, tratava-se de um movimento ‘visceral’, constituindo o ‘único caminho possível’. Por parte de outros artistas, traduzia-se na utilização de temas locais como motivo e/ou inspiração em suas obras. A concluir por escritos dos intelectuais da época, era fruto, também, de uma espécie de reação contra a cultura estrangeira vigente, bem como contra os “estrangeirismos” dos diversos grupos de imigrantes e seus descendentes. Nas artes plásticas, seus maiores representantes foram Ghelfi, João Turin e Lange de Morretes. Além deles, músicos como Benedito Nicolau dos Santos, Bento Mossurunga e Antonio Melillo, e empresários como João Groff, da revista Illustração Paranaense, lutaram por essa ideologia e por esse “estilo”. Ressalte-se a presença, no movimento, de imigrantes e de descendentes de imigrantes já residentes na região havia algum tempo. Enquanto Romário Martins valorizava as lendas indígenas paranaenses, como o mito do
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existência de especificidades regionais, como citações de canções folclóricas, contextos
sociais locais, imigranteS italianos, alemães e poloneses, neve em Curitiba, as araucárias, o
pico do Marumby, além de danças como a quadrilha e o fandango. Tiago Portella (2012, p.
17-18) destaca que o “interesse dos artistas pelas características da cultura dita popular”
intensificou-se a partir da emancipação do estado do Paraná, em 1853. Refere-se a Benedito
e a outros compositores que “produziram expressivas obras da música popular na capital
paranaense”. Ressalta a importância do recente mercado editorial da época, que
proporcionou a divulgação de muitos desses compositores. Novamente menciona o
compositor, afirmando que “A primeira partitura tipografada no Paraná, em 1898, foi a polca
Novo mundo, do flautista, violonista e já citado compositor Benedito Nicolau dos Santos,
considerado gênio em seu tempo por sua significativa contribuição para as artes”.
Benedito Nicolau dos Santos desempenhou importante papel na história do gênero
musical Choro no Paraná. Como o choro era um dos gêneros mais frequentes no repertório
de pianistas e orquestras que tocavam em salas de cinema no Brasil, várias obras compostas
por ele para o repertório de sua orquestra, que tocava no Cine Paranaguá, pertencem a esse
gênero.
Quanto às suas operetas, A Vovozinha, com libreto de Emiliano Perneta9, foi estreada
Guairacá, a pinha, o pinhão e o pinheiro tornaram-se símbolos, aparecendo, a partir de então, nas calçadas da cidade, nos quadros, nas molduras, em móveis, em adornos arquitetônicos e em paredes. Inserindo elementos singulares na arquitetura e nas artes, legitimava-as como paranaenses. Motivos musicais baseados em canções tradicionais ou em gêneros populares, textos exaltando fatos, impressões e situações locais eram utilizados na composição. [...] Esse movimento coincide temporalmente com o movimento modernista e com o período de impacto da Semana de Arte Moderna. Sob este aspecto, pode ser encarado, ainda, de um lado, como uma reação local a um modernismo essencialmente paulistano pelo qual não queria deixar-se engolfar. De outro, inspira-se nas teorias e nos ideais de regionalidade presentes nele” (PROSSER, 2004, p. 153-155). 9Emiliano David Pernetta (Pinhais, 1866 - Curitiba, 1921) FOI um dos fundadores da Academia Paranaense de Letras (19/12/1912) e Patrono da sua cadeira de nº 30. Depois de formado na Faculdade de Direito de São Paulo, foi para o Rio de Janeiro, lançando-se no jornalismo ao lado de Bilac, Pardal Mallet, Murat e outros. Mas foi o encontro com Cruz de Sousa que alterou profundamente o rumo de sua poesia. Em Minas Gerais teve curta carreira na Magistratura. Seriamente doente, retornou ao Paraná em 1896 e conquistou a cadeira de Português do Ginásio Paranaense. Recebeu a consagração popular com a publicação de Ilusão. Em 20 de agosto de 1911, no Passeio Público, foi coroado Príncipe dos Poetas Paranaenses (Dados disponíveis na página eletrônica da Academia Paranaense de Letras <http://www.academiapr.org.br/>. Acesso em: jul. 2014. Verbete Emiliano David Pernetta)
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no dia 13 de maio de 1913 no Clube Literário de Paranaguá. Posteriormente, em 1921, foi
apresentada em Curitiba e Ponta Grossa. Em 1928 estreou, no Teatro Guaíra em Curitiba,
Marumby, opereta em três atos cujo enredo versa sobre costumes paranaenses, tendo sua
letra sido escrita pelo próprio compositor. Há poucas referências sobre as outras duas
operetas: Pequena cantora, em três atos, sobre texto de Leôncio Correia10, e Rosa vermelha,
em apenas um ato, com letra do poeta simbolista José Gelbck (SAMPAIO, 1980, p. 142).
Acerca das dificuldades de se escrever e montar uma opereta na Curitiba do início do
século XX, são reveladoras as palavras do próprio Benedito Nicolau dos Santos, que
transcrevemos a seguir. Pela temática e pela citação de alguns personagens, acredita-se
tratar-se de Marumby:
Contento-me, porém, a crêr eu só no que digo. Dizendo o mais, também se vai ao menos. Agora êste “menos” para dizer em música, na terra onde se é preciso, antes de tudo, consultar o chefe de partido, o delegado de policia e a boa disposição dos colegas, preferivel é passa-lo de menos a mínimo. […] Outra vez, instigado, arrisquei-me a fazer aquele mínimo por encomenda. Digo por encomenda porque já me contava incapaz de produzir algo por conta própria. Saiu uma como operêta regional de cousas e costumes da terra. Resultado: - A policia depois de lêr e autorisar a representação visitou-me quatro vezes, à casa. Denuncias haviam surgido. Os consules reclamavam contra a inclusão de súditos, na peça. E para evitar conflitos e complicações internacionais, cortou a policia um alemão, um polaco e um italiano que haviam sido, à ultima hora, cunhados a conta dos que faziam de personagens. Houve antes disso muito bate-boca, brigas, expulsão da troupe que andou de Herodes para Pilatos, sem casa ou teatro para os ensaios, além de exigências de pagamento adiantado disto e daquilo. A peça, porém, foi empurrada e obteve brilhante sucesso de estreia na aldeia (SANTOS, 1936, v. 4, Prefácio).
10 Leôncio Correia (Paranaguá, 1865 - Rio de Janeiro, 1950), considerado poeta pela crítica, foi também expressivo cronista, legando à posteridade fontes importantíssimas de memória. O livro Meu Paraná é um retrato notável de locais e situações. Abolicionista e republicano, começou a atuar em Paranaguá. Envolveu-se na Revolução Federalista ao lado dos legalistas, coincidindo a época com o mandato de deputado estadual que exercia. Sempre ligado ao Paraná, especialmente a Curitiba e a Paranaguá, morou durante cinquenta anos no Rio de Janeiro, onde exerceu funções de alta projeção: diretor do Ginásio Nacional (Colégio de D. Pedro II), diretor da Instrução Pública do Rio de Janeiro e diretor da Imprensa Nacional e do Diário Oficial. Além da Academia Paranaense de Letras, na qual foi fundador da Cadeira nº 9, pertenceu à Academia Carioca de Letras. (Dados disponíveis na página eletrônica da Academia Paranaense de Letras <http://www.academiapr.org.br/>. Acesso em: jul. 2014. Verbete, Leôncio Correia).
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Em 1966 a Universidade Federal do Paraná promoveu a apresentação da opereta A
Vovozinha, em homenagem ao centenário de nascimento do poeta Emiliano Perneta. As
récitas aconteceram nos dias 7 e 9 de outubro no Auditório da Reitoria, com a participação
da Orquestra Juvenil da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal do Paraná sob a
regência do maestro Gedeão Martins, do Coral Martinus sob a regência da maestrina
Hildegard Soboll Martins e do Ballet do Clube Concórdia, coreografado pela Professora Mary
Alice B. Schlogel. Estas informações constam no programa da apresentação encontrado no
acervo da Biblioteca Pública do Paraná, editado pela Imprensa da Universidade Federal do
Paraná (PERNETA; SANTOS, 1966).
Recentemente uma nova montagem, bem mais simples, desta mesma opereta foi
realizada na Capela Santa Maria Espaço Cultural, entre os dias 21 e 23 de setembro de 2012.
Com direção musical da cantora Denise Sartori e a regência do compositor e maestro Jaime
Zenamon, contou com a presença de solistas, coro e, ao piano, Ben Hur Cionek. A Vovozinha
é considerada uma opereta infantil, aspecto controverso que ainda merece um estudo
detalhado.
Também no ano de 2012 temos a publicação do Songbook do Choro curitibano que
inclui quatro peças de Benedito Nicolau dos Santos: as polcas Luizinha e Não venhas, a
habanera composta em parceria com Corrêa Junior Mimosa morena e a valsa Vision d’amour.
MAESTRO
Benedito Nicolau dos Santos residiu em Paranaguá durante alguns anos11, a partir de
1907, trabalhando como Primeiro Escriturário da Alfândega. Todavia manteve suas atividades
relacionadas à música: “Naquela cidade portuária dirigiu uma pequena orquestra,
escrevendo para ela músicas próprias para o cinema mudo e para as funções religiosas.
11 Até o momento, não há como precisar o tempo que Benedito Nicolau dos Santos permaneceu em Paranaguá. Entretanto nesta cidade estreiou sua opereta A Vovozinha, em 1913.
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Nessa pequena orquestra tocou Villa-Lobos, que por lá se encontrava” (SAMPAIO, 1980, p.
142).
As operetas compostas por Benedito Nicolau dos Santos eram apresentadas sob sua
regência. “Precisamente no dia 19 de dezembro de 1928, data comemorativa à Emancipação
Política do Paraná, aconteceu no Teatro Guaíra a estreia da opereta Marumby [...], sob o
patrocínio da Sociedade Teatral Renascença”. Desta mesma Sociedade originava-se o elenco,
formado por artistas amadores. “A orquestra, com vinte e oito integrantes, todos professores,
foi dirigida pelo próprio autor, secundado por Ludovico Seyer e Wenceslau Schwansee”. Há
registros nos jornais da época sobre as oito consecutivas apresentações da opereta.
(SAMPAIO, 1980, p. 141).
PROFESSOR
O nome de Benedito Nicolau dos Santos é mencionado no primeiro livro de Atas das
reuniões da Congregação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), que abrange
o período de 1948 a 1988, como seu fundador e como docente da disciplina de Noções de
Ciências Físicas e Biológicas Aplicadas (PROSSER, 2004, p. 262-264). No já citado acervo do
MIS, encontramos quatro pequenas cadernetas com listas de chamada de alunos e outras
anotações pertinentes à disciplina que ministrava na Embap. Nas etiquetas há claras
referências à Escola e constam as datas de 1950, 1951, 1951 segundo semestre e 1952.
Além da Embap, segundo Sampaio (1980, p. 143), lecionou Português e outras
disciplinas, no Colégio Paroquial de Paranaguá, matérias do Curso Básico e relacionadas às
Finanças na Academia Paranaense de Comércio e na Faculdade de Ciências Econômicas.
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INTELECTUAL
Benedito Nicolau dos Santos escreveu também, obras de musicologia: Tertúlias
musicais (quatro fascículos, 1953); Sonometria e Música (quatro volumes, entre 1931 e
1935); A pauta sinfônica e A pauta sintética (inéditas), além de Cantigas da infância (livro
didático com letra do poeta Francisco Leite, 1921) (SAMPAIO, 1980, p. 142). Verificou-se, no
acervo do MIS, a existência de aproximadamente trinta cadernos com rascunhos de textos
que contém seus trabalhos teóricos, preparação de aulas e anotações sobre temas diversos.
Por Sonometria e Música, obteve grande reconhecimento, como ressalta Ivan Aguilar
Fernandes (2000, p. 19): “Benedito Nicolau dos Santos, autor de Sonometria e música, [foi]
apontado por Francisco Curt Lange12 como um dos maiores nomes em musicologia latino-
americana”.
Leôncio Correia, convidado para prefaciar a obra, resume o conteúdo dos quatro
volumes:
Sonometria e Música – foi o título escolhido pelo autor do presente livro. O título condiz com o assumpto geral da obra, porque, de facto, é do “som”, considerado como individualidade physica, geometrica e numericamente determinado, que parte o autor para o campo de suas investigações á ordem scientifica da musica. [...] A parte histórica, que nos conta ter a musica evoluido penosamente do canto monodico dos Gregos e do antiphonario ecclesiastico, tacteando pelo “discantus”, pelo “falso-bordão”, do '”punctum contra punctum” dos primeiros divisadores da polyphonia moderna, possui um alto interesse nas investigações do autor aos equivocos e deslocamentos, que affirma permanecer em o actual systema de temperamento. […] A parte esthetica, que se poderia denominar ontologica, contêm grande cópia de dados scientificos concernentes a essa nova parte da philosofia e da critica de arte, além de muitas idéas originaes sobre os grandes problemas que afligem o pensamento antigo e contemporaneo (CORREIA. In: SANTOS, 1933, v. 1, p. I-II).
Dentre as muitas críticas elogiosas a esta obra (Rumo Paranaense, s.d., p. 12-16),
12 Francisco Curt Lange (1903-1997), musicólogo alemão radicado no Uruguai, desenvolveu as primeiras pesquisas sobre a música colonial hispano-americana e brasileira. Em 1935 iniciou a publicação do Boletín Latino-Americano de Música e, em 1938, fundou o Instituto Interamericano de Musicologia, em Montevideo (SADIE, 2001, p. 239). Suas iniciativas pioneiras tiveram ampla influência sobre as pesquisas musicológicas no continente.
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Silveira Neto (Morretes, 1872 - Rio de Janeiro, 1942) importante poeta simbolista, afirmou
ao jornal Diário da Tarde, do Rio de Janeiro, em 30 de novembro de1935:
O autor de Sonometria e Música e de tantas laudas musicais, do acervo artístico do Paraná, realiza, com talento e admirável extensão de conhecimentos, dentro e fora do assunto de sua especialidade, este vitorioso conjunto da inteligência. A sua obra, de renovamento da Ciência Musical, põe-no em plano arrojado e culminante entre os teoristas da grande Arte, no presente brasileiro. (In: Rumo Paranaense, s.d., p. 15).
Oswaldo Piloto, destacado intelectual da época, transcreveu em nota à Gazeta do
Povo de 10 de novembro de 1933 a carta de Mário de Andrade a Benedito Nicolau dos
Santos sobre Sonometria e Música:
Só depois desse trabalho, tão penoso quanto a doença, é que de volta a São Paulo, pude entregar-me à leitura do seu livro e fazer inteira justiça ao seu esforço admirável de enriquecer a musicologia nacional, com um trabalho de valor. O seu trabalho, na sua concepção arrojada, na sinceridade do artista que o produziu, na erudição de que esse artista procura cercar-se, causa-me a admiração mais sincera. Pode ter a certeza que hoje, cerco o seu nome do mais profundo respeito e que passei a contá-lo entre os raros homens, da nossa terra, para os quais a Música vai além duma simplória execução instrumental (In: Rumo Paranaense, s.d., p. 12-13).
Newton Sampaio (Tomazina, 1913 – Lapa, 1938), um dos mais importantes contistas
paranaenses, escrevendo para o jornal curitibano O Dia, em 4 de setembro de1939, faz sua
crítica sobre Sonometria e Música: “Nicolau dos Santos está realizando, sobre música, uma
obra de tal vulto, que poucas pessoas, no Brasil, o podem suficientemente, compreender”
(Rumo Paranaense, s.d., p. 13).
Benedito Nicolau dos Santos foi considerado uma das “personalidades significantes que
ministraram palestras em Curitiba entre os anos de 1945 a 1959” (CARLINI, 2005, p. 143),
promovidas pela SCABI - Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê. Conforme Maria Nicolas
(1969, p. 175), também realizou conferências no Instituto Nacional de Música acerca da
simplificação do sistema gráfico musical, tema este contemplado em suas obras teóricas.
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Como “poeta, prosador, ensaísta, teatrólogo”, assim definido por Maria Nicolas (1969,
p. 175), Benedito Nicolau dos Santos foi ativo colaborador das revistas simbolistas O Sapo e
Azul, no início do século XX. Colaborava também com as revistas O Itararé, Prata da Casa,
Véritas, Correio dos Ferroviários e Marinha, esta última de Paranaguá, e com o Boletim Latino
Americano de Música, criado pelo já citado musicólogo uruguaio Francisco Curt Lange. Foi
fundador dos periódicos de orientação católica O Vigilante, em Paranaguá, e O Cruzeiro, em
Curitiba. Nos jornais curitibanos O Dia, Gazeta do Povo e Diário da Tarde, escrevia sobre
assuntos diversos e atuava como crítico musical, sob o pseudônimo de Jack Lino (SAMPAIO,
1980, p. 143).
Sobre suas peças para teatro existem poucas informações disponíveis, mas podem-se
citar as comédias Erros do coração, O homem de saias e Lição de amor (NICOLAS, 1969, p.
175). Publicou também Normas e fatos, em dois volumes, que datam de 1948 e 1949. Em nota
preliminar o autor comenta: “Os conceitos e normas aqui coletados ilustram fatos ocorridos
durante os anos da guerra e foram, em maioria, comentados em aulas na Faculdade de
Ciências Econômicas da Academia Paranaense de Comércio” (SANTOS, 1948, p. 3).
Membro de diversas associações artístico-culturais, “pertenceu ao Círculo de Estudos
Bandeirantes, na qualidade de fundador” (NICOLAS, 1969, p. 175). Foi também um dos
fundadores da Sociedade de Socorro aos Necessitados. Participava da Academia Paranaense
de Letras (cadeira nº 16), do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Paraná, do Centro
de Letras do Paraná, do Instituto de Musicologia de Montevidéu e da Academia José de
Alencar (SAMPAIO, 1980, p. 143). “Recebeu título de Doutor Honoris causa de Universidades
estrangeiras” (NICOLAS, 1969, p. 175). Fundador da cadeira de nº 19 da Academia Brasileira
de Música, cujo patrono é Brasílio Itiberê.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do exposto pode-se inferir que Benedito Nicolau dos Santos foi um homem
extremamente ativo e respeitado tanto como compositor e regente, quanto como professor
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e intelectual, conforme os depoimentos de importantes personalidades da sua época. Sua
produção musical, teatral, literária, jornalística e científica merece não apenas uma
compilação, mas um estudo aprofundado, especialmente o livro Sonometria e Música (em
quatro volumes), não apenas como obras em si, mas também como reveladoras do
pensamento e do contexto social e cultural da sua época. Com grande repercussão,
referendada pelos inúmeros comentários publicados na imprensa de Curitiba, Rio de Janeiro,
São Paulo, Recife, Belo Horizonte e Montevidéu, considerada inovadora e relevante,
Sonometria e Música instiga a curiosidade, tanto pelas inúmeras críticas positivas que
recebeu quanto pelo seu conteúdo.
Investigando a pluralidade de atividades Benedito Nicolau dos Santos, acreditamos
colaborar para a preservação da cultura paranaense e brasileira e para a instigação do
interesse por pesquisas sobre deste intelectual nas diversas áreas em que atuou.
REFERÊNCIAS
ACADEMIA Paranaense de Letras. Emiliano David Pernetta. Disponível em: <http://www.academiapr.org.br/>. Acesso em: jul. 2014.
ACADEMIA Paranaense de Letras. José Nicolau dos Santos, Professor Emérito e Reitor da Universidade Federal do Paraná. Disponível em: <http://www.academiapr.org.br/>. Acesso em: jul. 2014.
ACADEMIA Paranaense de Letras. Leôncio Correia. Disponível em: <http://www.academiapr.org.br/>. Acesso em: jul. 2014.
BISPO, Antonio Alexandre. Carlos S. Cavalier Darbilly (1846-1918): Da "Musique musardienne" e Opéra comique ao teatro de revista. Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira: Artistas brasileiros em Paris em fins do Império liberal e à época da Guerra Franco-Prussiana (1870/71), Ed.: A. A. Bispo, v. 121/5, n. 5, 2009. Disponível em: <http://www .revista.brasil-europa.eu/121/Darbilly.html>. Acesso em: 18 jul. 2014.
CARLINI, Álvaro. Sociedade Bach de São Paulo (1935-1977) e Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê (1944-1976): histórico das entidades. In: II FESTIVAL PENALVA (Curitiba, 2004). Música e músicos Paranaenses: memória, linguagens, produção, performance, ensino, crítica. Curitiba: ArtEMBAP, 2005. p. 133-146.
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COLÉGIO Estadual Professor Cleto – Histórico. Professor José Cleto da Silva. Disponível em: <http://www.ctacleto.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=30>. Acesso em: jul. 2014.
CORREIA, Leoncio. Prefácio. In: SANTOS, Benedito Nicolau dos Santos. Sonometria e Musica. v. 1. Curitiba: Livraria Mundial-França, 1933.
FERNANDES, Ivan Aguilar. Apontamentos sobre a Sociedade de Cultura Brasílio Itiberê (SCABI) In: III JORNADA DE INICIAÇÃO À PESQUISA CIENTÍFICA EM ARTE (Curitiba, 1998). Anais. Curitiba: ArtEMBAP, 2000. p. 13-25.
NICOLAS, Maria. Almas das Ruas – Cidade de Curitiba. v. 1. Curitiba: Imprensa Oficial, 1969.
PAULA, Maria Antônia dos Santos. Depoimento a Angela Cristina Lorenzzoni. Curitiba, 1995.
PERNETTA, Emiliano; [SANTOS, Benedito Nicolau dos]. Vovozinha, opereta em três atos. Curitiba: Imprensa da Universidade Federal do Paraná, 1966. (Programa de concerto)
PORTELLA, Tiago (org.). Songbook do Choro Curitibano. v. 1. Curitiba: Otto Produções Artísticas, 2012.
PROSSER, Elisabeth Seraphim. Cem anos de sociedade, arte e educação em Curitiba: 1853 – 1953. Curitiba: Imprensa Oficial, 2004.
PILOTO, Oswaldo. Carta de Mário de Andrade a Benedito Nicolau dos Santos. Gazeta do Povo, 10 nov., 1933. In: Rumo Paranaense, Curitiba, Gráfica Vicentina, ano 1, n. 10, p. 12-13, s.d.
SADIE, Stanley (Ed.). The New Grove: Dictionary of Music and Musicians. Francisco Curt Lange. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. v. 14, p. 239. (Verbete)
SAMPAIO, Marisa Ferraro. Quatro Compositores. Referência em Planejamento: Artes no Paraná II, v. 3, n. 13, p. 139-148, Curitiba, 1980.
SANTOS, Benedito Nicolau dos. Normas e Fatos. v. 1. Curitiba: Gráfica Mundial, 1948.
_____. Sonometria e Musica. v. 1. Curitiba: Livraria Mundial-França, 1933.
_____. Sonometria e Musica. v. 4. Curitiba: Livraria Mundial-França, 1936.
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INGRID HAYDÉE MÜLLER SERAPHIM E A PRÁTICA MUSICAL EM CURITIBA1
Dra. Elisabeth SeraphimProsser2 Universidade Estadual do Paraná /
Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Brasil [email protected]
Resumo Ingrid Haydée Müller Seraphim, no decorrer da sua trajetória, dedicou-se ora ao piano, ora ao cravo e, mais recentemente, ao órgão, além de desempenhar importante papel como organizadora cultural. Professora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), hoje Universidade Estadual do Paraná, lecionou piano, cravo e música barroca, deflagrando o movimento de música antiga no Estado. Atuou intensamente em concertos, gravações e na organização de cursos e festivais reconhecidos nacional e internacionalmente. Entre as suas mais importantes ações estão a criação e a coordenação da Camerata Antiqua (1974-2001), da Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba (1985-2001) e das Oficinas de Música de Curitiba (1983-2001), grupos de ação ininterrupta até a atualidade. Como pianista, especializou-se em Debussy; como cravista e organista, dedica-se especialmente a Rameau, Bach e Händel. Esta investigação baseou-se essencialmente em documentos inéditos e entrevistas. Palavras-chave: Ingrid Müller Seraphim; Camerata Antiqua de Curitiba; Orquestra de Câmara de Curitiba; Oficinas de Música de Curitiba; Hausmusik.
INGRID HAYDÉE MÜLLER SERAPHIM AND MUSICAL PRACTICE IN CURITIBA (BRAZIL)
Abstract Ingrid Haydée Müller Seraphim devoted herself, in the course of her career, first to the piano, than to the harpsichord, and lately to the organ. As a Professor at the School of Music and Fine Arts of Paraná, Brazil (Embap), today State University of Paraná, she taught piano, harpsichord and baroque music, triggering the early music movement in the state. She worked extensively with concerts and recordings, as well as organizing nationally and internationally recognized courses and festivals. Among her most important achievements are the creation and coordination of the Camerata Antiqua (1974-2001), the Chamber Orchestra of de City of Curitiba (1985-2001) and the Oficina de Música de Curitiba (1983-2001), which became nonstop action groups to the present, with great prominence. As a pianist, she specialized in Debussy; and as harpsichordist and organist, she devotes special attention to Rameau, Bach and Händel. This research was based mostly on inedited documents and interviews. Keywords: Ingrid Haydée Müller Seraphim; Camerata Antiqua de Curitiba; Orquestra de Câmara de Curitiba; Oficinas de Música de Curitiba; Hausmusik.
1 Este artigo é a síntese do livro homônimo e ilustrado, em fase de preparação para edição. 2Professora de História da Música daUnespar/Embap. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR), Mestre em Educação (PUCPR), Especialista em História da Música (Embap). É editora, organizadora cultural, curadora e historiadora social da arte paranaense.
50
INTRODUÇÃO
A trajetória de Ingrid Haydée Müller Seraphim (*Curitiba, Brasil, 1930) além de
revelar a sua caminhada pessoal, remete a um conjunto de pessoas e de procedimentos
característicos de tempo e lugar, contribuindo para que se conheçam novos aspectos da
história social da música local e nacional. Musicista, concertista e professora de piano e
cravo, organista, organizadora cultural, dedicou sua vida à música e a abrir caminhos para
profissionais dessa arte mediante grupos e cursos que criou e organizou por várias décadas.
Especialista em música impressionista francesa, ao piano, e em música barroca, ao
cravo e ao órgão, atuou como professora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (1954-
1986), onde, com Henriqueta Garcez Duarte, José Penalva, Henrique de Curitiba e Neyde
Thomas, ajudou a moldar os rumos da música e da cultura local na segunda metade do
século XX. Foi de sua iniciativa a criação, entre outros grupos e eventos, da Camerata
Antiqua de Curitiba (1974), da Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba (1985) e das
Oficinas de Música de Curitiba (1983), dos quais foi a principal coordenadora e diretora
artística até 2001. Tanto esses grupos quanto as Oficinas, ainda hoje, têm grande destaque e
relevância no cenário musical nacional e internacional. Foi, ainda, mentora da criação e
cravista do Grupo Renascentista, cujo primeiro concerto ocorreu em 10 de junho de 1981.
Este conjunto se dedicaria especificamente à música deste período, primeiramente no
âmbito da Camerata e, depois, de modo independente.
Ao discorrer sobre a artista, Álvaro Collaço (2011) afirma: “Foi o dramaturgo alemão
Bertold Brecht quem disse que são imprescindíveis aqueles que lutam por toda a vida. Esta
frase é adequada para se referir à cravista e pianista Ingrid Müller Seraphim. Por toda a sua
vida, ela buscou difundir a música erudita em Curitiba e no Brasil”.
Na trajetória da artista, podem-se observar quatro momentos. O primeiro, de 1930 a
1952, abrange a sua infância – quando iniciou seu aprendizado musical com o Pastor Frank –,
até o período em que, após vencer em Curitiba um concurso para jovens instrumentistas
realizado pela Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê (a SCABI), radicou-se no Rio de
Janeiro, para estudar com Guilherme Fontainha, Villa-Lobos e José Vieira Brandão.
51
O segundo, de 1953 a 1973, começa com o seu retorno a Curitiba, quando passou a
integrar o corpo docente da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. A partir de então,
construiu sua carreira como concertista e professora, convidada de inúmeros cursos de
férias em todo o Brasil, solista de várias orquestras e grupos de câmara nas principais salas
de concerto do país.
O terceiro, entre 1974 e 2001, se inicia quando criou, ao lado do regente e cravista
Roberto de Regina, a Camerata Antiqua de Curitiba e, mais tarde, com o violinista Paulo
Bosísio, a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba e as Oficinas de Música. Com
integrantes da Camerata e convidados, inspirou a criação, também, do Grupo Renascentista,
liderado inicialmente por Eunice Brandão e, depois, por Flávio Stein e Plínio da Silva.
Durante estes quase trinta anos, dedicou-se a estes grupos e a dar oportunidade
profissional aos jovens músicos da cidade, muitos deles, hoje, com trajetória internacional.
E o quarto, de 2001 à atualidade, em que se dedica à Hausmusik3, ao repertório de
obras solísticas do barroco francês e alemão e do impressionismo francês e em que atua
como organista na mesma igreja que o Pastor Frank dirigiu e que frequentava quando da sua
infância e adolescência. Ali continua a incentivar a prática de música de câmara.
FORMAÇÃO: INFÂNCIA E JUVENTUDE (1930-1952)
Ingrid nasceu em Curitiba, em 1930. Sua mãe, a musicista e pintora Elza Weimar
Müller (1907-2000), nasceu na Alemanha e veio aos cinco anos de idade para Curitiba com
seus pais – ele, Reinhold [Reinoldo] Weimar, o primeiro agrimensor contratado pelo governo
do Paraná e autor dos mais antigos mapas do litoral e do interior do Estado. O pai de Ingrid, o
industrial Julio Rodolfo Müller (1893-1952), era filho de Rudolf e Friedericke Müller, vindos de
Arau, Suíça, nas décadas de 1850 e 1860, respectivamente. Fundou a Laminadora Müller, que
3 Hausmusik: prática de música em grupo realizada no âmbito privado. Não oficial, espontânea, reune familiares e amigos pelo prazer de se fazer música em conjunto. É também um momento de convívio social e de aprendizado musical informal. Foi muito cultivada na Renascença e no Barroco, com seu auge em Viena, no início do século XVIII. Continua presente até a atualidade, especialmente na Europa e na América do Norte. No Brasil, foi cultivada especialmente por imigrantes e seus descendentes.
52
tinha, entre seus clientes, a Fábrica de Pianos Essenfelder4, para a qual fornecia lâminas de
madeira para o acabamento de pianos. O casal teve participação ativa na vida social e cultural
de Curitiba na primeira metade do século XX, especialmente entre os imigrantes alemães.
Ingrid (2010b), a segunda dos cinco filhos, lembra da presença da música na casa em
que a família morava, nas mais variadas horas do dia:
A música esteve sempre presente na minha vida. Minha mãe tocava piano, cantava... Lembro que quando eu tinha meus 5, 6 anos, eu acordava com minha mãe cantando Lieder de Schubert, acompanhando a si mesma ao piano. Por isso, até hoje, eu tenho um carinho muito especial por Schubert, por esses Lieder, pois me trazem recordações muito boas.
Também a prática da Hausmusik fazia parte do cotidiano da família:
Quando crianças, nos reuníamos em volta do piano à noite. Minha mãe tocava ao piano músicas do folclore brasileiro, alemão e italiano e nós todos cantávamos. O meu pai adorava. Ele ficava na poltrona lendo o jornal ou a Bíblia. Éramos cinco filhos, quatro irmãs e um irmão, ao redor do piano. Maravilhoso! Isto está tudo no meu ouvido até hoje! (SERAPHIM, 2010a).
A família frequentava a pequena Igreja Evangélica Luterana, da Rua Inácio Lustosa,
em Curitiba, a Christus Kirche. Foi lá que Ingrid foi batizada, foi ao Jardim da Infância e teve
sua formação musical inicial, com o pianista e regente Pastor Karl Frank que, “além de
grande erudito e teólogo era um excelente músico e professor” (SERAPHIM, 2011b).
Desde a sua chegada, em 1910, até finais da década de 1960, o Pastor Frank5 foi um
dos principais regentes e professores de piano e de história da arte da cidade. “Em sua
4 A Fábrica de Pianos Essenfelder funcionou em Curitiba por mais de cem anos (1890-1996). Foi fundada em 1890, pelo alemão Florian Essenfelder, que havia sido técnico da Fábrica de Pianos Bechstein, em Berlim, marca considerada então uma das melhores do mundo. Ele “foi um grande técnico. Migrou para a América do Sul por causa do medo da guerra na Europa”, conta a pianista Henriqueta G. Duarte. Essenfelder se estabeleceu inicialmente em Buenos Aires. Mas as madeiras disponíveis no país para a fabricação de pianos não o agradaram e ele se transferiu para Curitiba (RUPP, 2011). 5 Pastor Karl Frank (Hamburg, 1886 - Curitiba, 1969). Formado na Alemanha em teologia e música (órgão e
piano), foi enviado ao Brasil em 1908 pela Igreja Luterana, radicando-se em Curitiba. Nessa época, os luteranos tradicionais e os liberais romperam, na capital paranaense, em razão da abolição ou não do estudo de religião na Deutsche Schule (Escola Alemã, mais tarde, Escola Progresso). Os dissidentes mais tradicionais (os Müller, Mehl, Ernlund, Graeml, Gaertner, Wendler e outros) passaram a se reunir nas suas casas, até que, em 11 de agosto de 1912, liderados pelo Pastor Frank, iniciaram a construção de um pequeno templo à Rua Inácio Lustosa, n. 309, inaugurado seis meses depois e hoje conhecido como “Igrejinha”. O Pastor Frank permaneceu à frente da comunidade por mais de quarenta e cinco anos (FERNANDES, 2010). Durante esse período, além da sua atividade pastoral, foi o líder intelectual e artístico de grande parte da comunidade germânica da cidade.
53
Igreja, organizou e desenvolveu atividades musicais com membros da comunidade local,
composta principalmente de alemães e seus descendentes” (SERAPHIM, 2003). Além de
atuar como professor de piano, regia o coro da igreja, que cantava durante os cultos e outras
festividades e em concertos que ele próprio organizava. “Foi um amante da música, criou
um círculo musical em Curitiba e abriu a porta do universo da música para muitos músicos,
hoje profissionais” (AUGUSTIN, 1999, p. 85).
Aos doze anos, Ingrid integrava o coro do Pastor Frank com sua mãe, irmãs e amigos.
“Como nessa época eu já ia muito bem no piano, eu acompanhava o coro, que cantava obras
importantes da literatura musical”. Assim, “foi sob a batuta do pastor/músico que Ingrid fez
parte ativa, nos anos 1940, das estreias brasileiras de partes de obras significativas do
repertório musical, como o Réquiem de Brahms, o Réquiem de Mozart, A criação de Haydn,
extratos de obras de Händel e Cantatas, Motetos e Corais de Bach”. Ela afirma: “Essas obras
magistrais marcaram minha vida”. Ainda adolescente, “muitas vezes, deixava de estar com
meus amigos para ler as Sonatas de Beethoven, as obras de Schumann, Schubert, Brahms e
outros” (AUGUSTIN, 1999, p. 85; SERAPHIM, 2010a; 2010b; 2011b).
Era comum, entre os imigrantes alemães e seus descendentes, famílias e amigos
reunirem-se para fazer música, como atividade social de lazer. Ingrid (2011a) conta sobre as
muitas ocasiões das quais participava:
Fazíamos muita Hausmusik na casa da Tia Emma Jucksch, irmã do meu pai. A casa dela era ao lado da Igreja. Nessa época, minhas irmãs e eu frequentávamos regularmente esses encontros, assim como o Rudi [Rudolf] Jucksch (violinista), filho da Tia Emma, o Henrique Hübert (violoncelista) e outros. Com o tempo, também a filha do Pastor Frank, a Ester (pianista) e o Ludwig Seyer (o filho - violinista) passaram a participar conosco.
Ao considerar suas atividades musicais, a artista destaca mais uma vez os anos de
estudos com o pastor/músico, permitindo entrever a sua metodologia de ensino:
Toda essa vivência me orientou para a música. As aulas do Pastor Frank me entusiasmavam, pois ele conhecia todo o repertório, tocava à primeira vista as
Esteve à frente de inúmeras atividades musicais destinadas tanto aos cultos quanto aos concertos que organizava e regia. A partir dos anos 1940, suas filhas Ella Frank [Grube], Ester Frank [Graf] e Ruth Frank o auxiliariam como instrumentistas. Ester assumiria, mais tarde, a regência do coro da igreja e do grupo instrumental que era formado, ocasionalmente, para certos concertos (SERAPHIM, 2014).
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músicas que eu ia estudar. Tocávamos muito piano a quatro mãos. Nos meus treze ou catorze anos eu já tocava as Sonatas de Beethoven. A cada quarta-feira ele pedia um novo movimento de uma Sonata e, assim, eu ia conhecendo todas e desenvolvendo também minha leitura. E uma delas eu estudava bem, para tocar em concertos e audições. Nessa época, eu também tocava algumas Mazurkas e Polonaises de Chopin, obras de Schubert, Bach e Schumann. Tocava também a Sertaneja, de Brasílio Itiberê, e muitas obras de Villa-Lobos. Minha mãe tinha todas essas partituras e eu era muito curiosa, queria conhecer tudo. Assim, todos os dias quando eu voltava do colégio, a primeira coisa que fazia era ler ou estudar esse repertório. Eu também acompanhava o meu primo, Rudi (Rudolf Jucksch), em peças de compositores como Sarazate, Massenet, Kreisler... (SERAPHIM, 2011a).
Assim, como aluna do Pastor Frank, Ingrid teve um aprendizado musical consistente e
de qualidade. Participava como pianista acompanhadora do coro e da orquestra regidos por
ele, nas apresentações que promovia na sua Igreja. Além disso, ainda adolescente, tocava
em vários concertos ao lado de músicos de destaque da época, como o pianista austríaco e
químico radicado em Curitiba, Dr. João Poeck, a regente, pianista, violoncelista e flautista
Ester Frank [Graf], o maestro Ludwig Seyer (pai), que, por sua vez, regia a Orquestra do
Clube Concórdia e a Orquestra da SCABI (da Sociedade Cultural e Artística Brasílio Itiberê).
Em algumas ocasiões, era convidada pelo maestro Seyer (pai) para participar de
noites de Hausmusik, na casa dele. Recorda de uma vez em que estavam lá o Dr. Poeck e sua
esposa (cantora), os violinistas Ludwig Seyer (filho) e Rudi Jucksch, multiinstrumentista Ester
Frank [Graf] e o pianista, compositor e regente Alceo Bocchino. Em outras ocasiões as
reuniões eram na casa dos Jucksch ou na sua.
Ela comenta que tocar com o Dr. Poeck, grande pianista, foi uma experiência
marcante para ela, ainda adolescente:
Ele era um excelente músico. Conhecia todo o repertório, tinha uma leitura à primeira vista perfeita. Quando vinham músicos estrangeiros, era ele que os acompanhava ao piano, de maneira soberba. Com o Dr. Poeck toquei muita música a dois pianos, pois tínhamos dois e até três pianos na casa dos meus pais. Toquei também em concertos com ele. Em alguns concertos organizados pelo Pastor Frank, tocamos várias vezes em dois pianos, principalmente concertos de Bach, em que um de nós fazia a parte do solista e o outro a redução da orquestra. Tocamos em Curitiba e também em Ponta Grossa (SERAPHIM, 2011b).
Ingrid (2011a) continua a relatar sua trajetória: “A partir dos meus quinze anos, por
cerca de um ano, estudei com Renée Devraine Frank, pianista francesa radicada em Curitiba.
Com ela fiz muito mecanismo, escalas e teoria da música”.
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Foi em 1947, aos dezesseis anos, que obteve o primeiro lugar no Concurso de Solistas
para a Orquestra Sinfônica da Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê6, cujo prêmio
era solar com esta orquestra. Na ocasião, tocou o Concerto nº 2, para piano e orquestra, de
Beethoven, sob a regência do maestro Ludwig Seyer (o pai).
Guilherme Fontainha7, um dos mais importantes professores de piano da época,
membro da banca, convidou-a então para estudar com ele, no Rio de Janeiro. Foi assim que,
em 1947, ela recebeu uma bolsa de estudos e radicou-se por cinco anos no Rio de Janeiro,
continuando sua formação com este grande pianista. Em 1951, participou de outro
concurso, desta vez o de Solistas da Orquestra Sinfônica Brasileira do Rio de Janeiro. Obteve
também o primeiro lugar, apresentando-se como solista dessa orquestra, com o Concerto nº
5, para piano e orquestra, de Beethoven, sob a batuta do maestro italiano Lamberto Bardi.
Além dos seus estudos em piano na Escola Nacional de Música, graduou-se no
Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, hoje Conservatório Nacional Villa-Lobos. Lá foi
aluna de Villa-Lobos, José Vieira Brandão, professor de regência, e Iberê Gomes Grosso,
violoncelista que dava aula de rítmica, entre outros. Permaneceu no Rio de Janeiro de início
de 1947 a finais de 1952.
Sobre Villa-Lobos, comenta:
Era uma pessoa muito marcante, um homem de personalidade e que chamava a atenção. Quando ele não estava em tournée pela Europa ou nos EUA, ele dava aula no Conservatório. Fui da classe dele, cantei muitas obras sob sua regência e, assim, conheci um novo repertório. Em um desses concertos, no Teatro Municipal, cantamos o seu O Descobrimento do Brasil, sob sua regência. Lembro que fiquei maravilhada com a composição: uma obra grandiosa, cheia de surpresas. A gente
6 A Sociedade de Cultura Artística Brasílio Itiberê (SCABI) foi fundada em Curitiba em 1944 por Fernando Corrêa de Azevedo e um grupo de intelectuais e músicos da cidade. Mantida pelas mensalidades pagas pelos seus sócios, pretendia incentivar o desenvolvimento da cultura musical em Curitiba e Ponta Grossa (PR), realizando regularmente concertos, concursos e palestras, já que, então, as atividades culturais dependiam da iniciativa privada. A SCABI mantinha, também, uma orquestra e, além de concertos de gala, realizava concertos didáticos para crianças e operários. 7Guilherme Fontainha (1887-1970) estudou piano com Viana da Motta, Ferdinand Motte Lacroix e outros, na Europa, onde deu muitos concertos, com grande sucesso. De volta ao Brasil, assumiu em 1916 a direção artística do Instituto de Belas Artes de Porto Alegre. Participou da criação de escolas de música em várias cidades do Rio Grande do Sul. Em 1931, já no Rio de Janeiro, passou a dirigir o Instituto Nacional de Música, onde lançou em 1934 a Revista Brasileira de Música, a primeira revista de musicologia do país. Reformou o Instituto a fim de integrá-lo à Universidade do Brasil, o que ocorreu em 1937. Ao longo dos anos 1930 a 1950 foi reconhecido como grande pedagogo e pianista. Escreveu o livro O Ensino do Piano, além de vários artigos de musicologia. Dentre seus alunos destacam-se Ingrid Müller Seraphim, Laís de Souza Brasil, Eudóxia de Barros, Ricardo Tacuchian, Luci Salles e Radamés Gnattali.
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sentia o ambiente selvagem e a vegetação exuberante da floresta. E, no meio de tudo isso, os indígenas (SERAPHIM, 2010a; 2011b).
Quando relembra do dia a dia no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, que
nessa época ainda era na Urca, observa, sorrindo: “A gente sempre sabia quando o maestro
estava de volta de uma tournée ou de uma viagem, pois o cheiro dos charutos que ele
fumava se espalhava por todos os cantos. Todos comentavam, pelos corredores,
entusiasmados: ‘O maestro chegou!’”. E continua: “Quando Villa-Lobos dava palestras, ele
era tão genial como nas suas composições. Transmitia alegria intensa, outras vezes ele fazia
a gente quase chorar, assim como na sua música” (SERAPHIM, 2011b).
Já nesse período, mostravam-se a preocupação de Ingrid com a difusão do
conhecimento e o seu talento como organizadora cultural. Ainda estudante, quando vinha
passar férias ou feriados em Curitiba, organizava vindas do Professor Fontainha e reunia um
grupo de jovens músicos da cidade para master-classes, que ocorriam no Solar da família.
Entre os mais assíduos frequentadores estavam Henrique [de Curitiba] Morozowicz, Liane
Essenfelder [Frank], Aristides Athayde, Maria Leonor Mello e Cláudio Alfredo D’Almeida, que
mais tarde viriam a se destacar no cenário cultural da cidade: Henrique, como compositor e
concertista; Liane e Maria Leonor, como pianistas; Aristides, como diretor da Sociedade Pró-
Música de Curitiba; Cláudio, como folclorista; e quase todos, como professores da Escola de
Música e Belas Artes do Paraná.
Após cinco anos de estudos no Rio de Janeiro, a capital política e cultural do país,
retornou a Curitiba, aos 22 anos. Sua estada no Rio lhe proporcionou não apenas os estudos
com músicos de grande projeção, mas uma intensa vivência musical de concertos e a
oportunidade ser aluna de Villa-Lobos e de participar de importantes eventos sob sua regência.
O RETORNO A CURITIBA, A FAMÍLIA E A EMBAP (1952-1973)
O ano de 1952 marcou a volta definitiva de Ingrid a Curitiba. Em 1953, participou de
mais um concurso, desta vez o Concurso da Juventude Musical Brasileira do Paraná, sendo
novamente premiada com o primeiro lugar.
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Graduada como professora pelo Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, foi
aprovada em concurso para o ensino da música em escolas públicas estaduais. Logo, a
convite do Professor Fernando Corrêa de Azevedo, fundador e primeiro diretor da Escola de
Música e Belas Artes do Paraná (Embap)8, passou a integrar o corpo docente desta
instituição, lecionando piano e, mais tarde, também cravo e música barroca, até 1986.
Foi em 1954 que se casou com o Engenheiro Civil e Professor Paulo Seraphim, um
homem de visão e desprendimento, que muito apoiou e incentivou a sua carreira, em uma
época em que isso era incomum9. Nos anos seguintes, nasceram as três filhas: Elisabeth,
Eliane e Astir, que tiveram desde cedo uma vivência musical e de Hausmusik10.
No decorrer dos anos 60 e 70, Ingrid se dividia entre a família, sua intensa atividade
concertística (solo e câmera), a docência na Embap, a Hausmusik com famílias amigas e o
acompanhamento ao órgão dos cultos dominicais nas Igrejas Luterana e Presbiteriana.
Seu espírito agregador a fez formar inúmeros grupos para ocasiões específicas em
todos esses ambientes. Além de participar, ela própria, de grupos de câmara, organizava
concertos de câmara de seus alunos, na Embap e nos cursos de férias; de membros das
igrejas que frequentava, para participação nos seus cultos e eventos sociais/culturais; e de
amigos e familiares, para as horas de convivência musical e social da vida familiar.
Junto à sua atuação docente, desenvolveu intensa atividade em âmbito nacional como
concertista, tanto em apresentações de recitais solo quanto em grupos de câmara. Como
camerista, atuou ao lado de músicos como Carmela Saghy (Israel), Jean Jacques Pagnot
(França), Ludmila Jesova (Polônia), Paulo Bosísio, David Chew, Fátima Alegria, Perez
8 A Escola de Música e Belas Artes do Paraná, Embap, foi fundada em 1948, por um grupo liderado pelo Professor Fernando Corrêa de Azevedo, seu diretor de 1948 a 1950 e de 1953 a 1964 (SAMPAIO, 1989). Hoje, constitui o campus I da Universidade Estadual do Paraná. 9 Formou-se em Engenharia em 1950 e logo passou a trabalhar no Departamento de Estradas e Rodagem (DER). Integrou o corpo docente da Escola de Oficiais Especialistas de Infantaria e de Guarda, da Aeronáutica (EOEIG), do Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná (CEFET – hoje Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi Delegado do CREA em cidades do Norte do Paraná e prestou serviços à Prefeitura, à Caixa Econômica Federal e à Construtora Heinz Zulauf, em São Bento do Sul, SC. No governo Paulo Pimentel, foi Diretor de Planejamento do Desenvolvimento Econômico e Social do Paraná (Pladep). Pelos seus destacados serviços prestados à Aeronáutica Brasileira, recebeu em 1980, a Comenda do Mérito Santos Dumont, do Ministério da Aeronáutica. Em 1988, foi agraciado com o título de Cidadão Honorário da cidade de Ibaití, no Norte do Paraná – fora ele o principal responsável pela criação do Distrito Rodoviário daquele município, além de outras ações relevantes em favor da cidade. Devido à sua paixão pela agropecuária, atividade à qual também se dedicou, ficou conhecido como “professor boiadeiro”. 10 Das três filhas do casal, apenas a primeira abraçaria a carreira artística, como concertista, musicóloga, organizadora cultural e historiadora social da arte no Paraná.
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Dworecki, Maria Alice Brandão, Maria Esther Brandão (Brasil) e tantos outros. Dentre os
maestros com os quais atuou destacam-se Lamberto Baldi, Howard Mitchell (EUA), Lutero
Rodrigues, Isaac Karabchewsky, Roberto Schnorrenberg, Oscar Zander, Roberto de Regina,
José Penalva, Osvaldo Colarusso e outros, à frente de orquestras como a Orquestra Sinfônica
Brasileira, a Orquestra Filarmônica Porto-Alegrense, a Orquestra de Câmara da Cidade de
Curitiba, a Camerata Antiqua de Curitiba e a Orquestra Sinfônica do Paraná.
Ainda nas décadas de 60 e 70, sua atividade docente estendeu-se do âmbito da
Embap para cursos internacionais de férias. Foi professora e artista convidada dos II a IX
Cursos Internacionais de Música e Festivais de Música de Curitiba (1966-1977), dos III e IV
Festivais de Música de Londrina (1981 e 1984) e do V Seminário Catarinense de Música, em
Blumenau (1973), entre outros, ministrando cursos e master-classes para piano e cravo,
especialmente sobre música impressionista francesa e música barroca.
Sobre o seu envolvimento mais específico com o cravo, ela conta:
O Professor Fernando Corrêa de Azevedo, ainda Diretor da SCABI e da Embap na primeira metade dos anos 60, escreveu para o Consulado da Alemanha, pedindo a doação de um cravo para a SCABI. Como o governo alemão não podia doar o instrumento à SCABI, por ela não ser uma entidade pública, conseguiu que a doação fosse feita à Embap. Como sempre gostei muito de música barroca, principalmente de Bach, sempre me interessei pelo órgão e pelo cravo. Isso logo me fez me envolver com o instrumento e chamar os alunos para fazer música barroca comigo (SERAPHIM, 2011a).
Era um pequeno cravo de um teclado, da marca Wittmeyer, em torno do qual Ingrid
organizou grupos de câmera com alunos e outros instrumentistas e cantores da cidade.
Logo depois, em 1965, aconteceram os Cursos/Festivais Internacionais de Música do
Paraná dirigidos pelo Maestro Schnorrenberg. “Vinham grandes professores da França, dos
Estados Unidos, da Inglaterra e de todo o Brasil” (Seraphim, 2009). Assim, mesmo sendo
professora convidada desses festivais, teve aulas de cravo com Marilyn Mason (EUA) e
Roberto de Regina (Brasil) e de música francesa com Jacques Klein (Brasil) e Michel Beroff
(França) e outros.
Sabedor da sua paixão pelos compositores barrocos e do seu envolvimento com o
cravo, o novo Diretor da Embap, Orlando da Silveira, a encarregou do seu ensino. Assim, ao
mesmo tempo que passou a tocar o repertório barroco ao cravo, criou turmas de música de
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câmara barroca, que envolviam canto, flauta doce, violino, violoncelo, cravo e outros
instrumentos, abrindo um novo horizonte aos estudantes da instituição.
Adquirir seu próprio cravo foi um passo natural para a artista e lhe trouxe novas
perspectivas, que culminariam mais tarde, na criação da Camerata Antiqua de Curitiba:
Quando meu marido comprou para mim um cravo, em 1967, a primeira coisa em que pensei foi: ‘vou reunir um grupo para fazer aquele tipo de música que a gente fazia no tempo do Pastor Frank’. Nessa época eu já era professora de Belas Artes havia muito tempo, já tinha alunos, foi fácil envolvê-los na prática da música de câmara do barroco (SERAPHIM, 2010a).
Procurou então jovens músicos de Curitiba para refazer aquelas obras de Bach,
Händel, Haydn e outros, que cantou e tocou quando adolescente, sob a direção do Pastor
Frank. Em torno dela passaram a reunir-se, também, outros amantes do barroco, realizando
inúmeros concertos. Desse modo, incentivando a participação e agregando as pessoas em
torno da performance da música principalmente barroca, Ingrid tornou-se a principal
responsável pelo surgimento do movimento de música antiga em Curitiba. Foi dentro desse
espírito que surgiu, alguns anos depois, a Camerata Antiqua de Curitiba, que fundou e
coordenou por vinte e seis anos (de 1974 a 2001) e que continua ativa.
O crescimento da atividade em torno da música barroca na Embap ocasionou, ainda
em inícios dos anos 70, a pedido seu, a doação pelo governo da Alemanha de outro cravo
para a instituição, desta vez um de dois teclados, da mesma marca.
Na Embap, entre seus muitos alunos, destacam-se Leilah Paiva, Ingrid Barancoski,
Ulrike Graf, Urânia Vallada, Cloris Roehrig, Anna Maria Lacombe Feijó, Helma Haller,
Fernando Melara, Rúbia Lohmann, Edite de Burgo, Maria Augusta Camargo, Elizabeth
Benghi, Cloris Ferreira, Miriam Zacharias, Waltraut Froese, Jorge Hartke, Vânia D’Aquino
Pinho, Renato Brandão, Ingo Hübert, Miguel Sampoul, Luiz Fernando Azevedo e tantos outros.
CAMERATA, ORQUESTRA DE CÂMARA E OFICINAS (1974-2001)
Como mencionado, Ingrid sempre congregava pessoas em torno de si para fazerem
música. Isso também ocorria na Embap, onde reunia vários instrumentistas no âmbito das
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aulas de cravo que ministrava, nas igrejas que frequentava, assim como entre amigos e
familiares. A Hausmusik, tradição na vida musical entre os imigrantes alemães de Curitiba,
era uma atividade intensa entre as famílias Müller Seraphim, Jucksch, Frank, Graf, Seyer,
Poeck, Soboll, Hübert e outras. Ingrid não apenas participava, mas organizava e incentivava
esses grupos.
Foi nesse espírito que, no VII Curso e Festival Internacional de Música de Curitiba
(1974), relata (2010a), “além dos alunos do Festival, convidei alguns músicos talentosos de
Curitiba para fazer dois concertos de música antiga. Queria reunir um pequeno coro e um
conjunto de câmara para o maestro Roberto de Regina reger em dois concertos”. Entre os
convidados estavam Maria Alice e Maria Esther Brandão, Elisabeth Seraphim [Prosser],
Walter Hoerner, Roseli Schünemann e Asta e Ilse Scheidt. Kristina Augustin (1999, p. 85)
comenta que “sem saber, Dona Ingrid, como é carinhosamente chamada, estava criando o
núcleo do que viria a ser a Camerata Antiqua de Curitiba e consolidando o início do
movimento de Música Antiga do Paraná”.
Os dois concertos alcançaram grande sucesso. Integrantes do grupo, entre eles as
irmãs Asta e Ilse Scheidt, procuraram Ingrid, sugerindo trazerem Roberto mais vezes, para
continuarem a ensaiar e para programarem futuras apresentações. Ingrid conta:
E foi assim que eu tive a ideia de criar um grupo estável, cujos ensaios eu poderia dirigir, mas que seria regido nos concertos pelo maestro. Fomos à Fundação Cultural de Curitiba. O diretor era o arquiteto Alfredo Willer, que concordou em dar continuidade ao trabalho. Foi ele, inclusive, que sugeriu o nome de Camerata Antiqua de Curitiba (SERAPHIM, 2010a).
A partir daí, a Fundação Cultural de Curitiba (FCC) arcaria com as despesas de
viagem de Roberto, com a produção e a divulgação dos concertos, a impressão de
programas e fotocópias de partituras. O grupo composto por dezesseis pessoas continuou os
ensaios que, durante o primeiro ano, eram realizados aos sábados, na própria residência de
Ingrid e, vez ou outra, na Embap ou na casa dos Brandão, sempre acompanhados de um
lanche e de momentos de agradável convívio social.
A criação desse conjunto foi voltada, inicialmente, para a execução de música
renascentista e barroca, a exemplo de grupos existentes na Europa e nos Estados Unidos.
Dadas as circunstâncias do mercado de trabalho na época, optou-se pelo uso de
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instrumentos modernos, como muitos ensembles de então. “O grupo, fundado oficialmente
em março de 1974, tornar-se-ia um dos mais fortes e marcantes símbolos da nossa cidade”
(CAMERATA, 1997). O concerto de estreia da Camerata
foi realizado em uma noite chuvosa e fria de junho do ano de 1974 no Teatro do Paiol, reunindo pais, filhos e irmãos, numa faixa que variava dos 14 aos 45 anos: Ingrid e Elisabeth Müller Seraphim [Prosser] e Elsa Müller; Ruth, Thomas e Bettina Jucksch; Carlos e Flávia Dreher; Luiz Felipe e Alexandre Klein; Ilse e Asta Scheidt; Maria Esther, Maria Luiza e Maria Alice Brandão, sob a regência de Roberto de Regina. […] Os sobrenomes, quase todos europeus, ilustram essa tradição germânica da prática da música no ambiente familiar. Isso talvez explique o entrosamento e a coesão tão elogiados pelos críticos da época (AUGUSTIN, 1999, p. 86).
O grupo era regido por Roberto de Regina e a parte organizacional contava com a
liderança persistente de Ingrid Seraphim, que conseguiu, em 1982, junto ao então Diretor
Cultural da FCC, Ernani Buchmann, salas para os ensaios, no Solar do Barão.
Certa vez, Ingrid respondeu a um repórter, que lhe perguntou por que fazer música
antiga: “a Camerata nasceu e se criou à sombra dos mestres antigos. Hoje em dia, a Música
Antiga não é mais um luxo, uma atitude artística. Ao contrário, é gramática, disciplina,
escola, iniciação de plateias e, sobretudo, base sólida sobre a qual se formam culturas. […]
Acho a especialização válida e posso mesmo dizer que se impõe. Cada um na sua
especialidade dará fontes mais perfeitas e o público terá mais o que ver e ouvir” (GAZETA
DO POVO, 1980, p. 27).
Em outra matéria jornalística, Roberto de Regina complementa: “um conjunto que se
especializa num determinado período da música representa uma positiva e fundamental
contribuição para a formação cultural de um povo. E acho mesmo que não haverá boa música
contemporânea sem um perfeito conhecimento da antiga, como não há bom pintor moderno
que não saiba desenho” (FOLHA DE LONDRINA, 1984, cad. 2, p. 17).
Com o passar dos anos e com seu crescimento técnico e musical, o Coro e a
Orquestra, passaram a atuar ora em conjunto, ora de forma independente. Surgiram assim,
ao lado da Camerata Antiqua de Curitiba, o Coro da Camerata, que continuou dedicando-se
à Renascença e ao Barroco; e a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba que optou por
ampliar seu repertório do Barroco ao Contemporâneo, com ênfase em compositores brasileiros.
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Na década de 1980, Roberto permanecia como regente titular e regia os concertos
do Coro e da Camerata em sua forma integral. Já a Orquestra, quando atuava sozinha, era
regida por Paulo Bosísio (1983-1985) e, depois, por Lutero Rodrigues, que a regeu de 1986 a
1998. Essa flexibilidade na formação e na escolha do repertório permitiu a ambos, Coro e
Orquestra, ampliarem sua experiência musical, possibilitando a execução de obras inéditas
de compositores brasileiros e estrangeiros e a atuação sob a regência de outros maestros.
Foi em 1988 ou 1989 (as fontes se contradizem), que a Orquestra de Câmara da Cidade de
Curitiba recebeu esse nome oficialmente (PROGRAMAS DE CONCERTO).
Na década de 1990, a Orquestra dedicou-se à pesquisa e à divulgação da música
brasileira, desde a colonial até a contemporânea. Registrou em CDs várias obras de
compositores brasileiros, como Edino Krieger, Villa Lobos, Brasílio Itiberê, Camargo
Guarnieri, Guerra Peixe, José Penalva e Henrique de Curitiba, entre outros.
O Coro, por sua vez, sob a direção de Roberto de Regina, logo se destacou, como era
consenso da crítica da época, pela originalidade e leveza de interpretação da música
renascentista e barroca. Além disso, cantava obras do repertório brasileiro e dedicava-se
também à interpretação cênica. Uma de suas principais gravações é a versão integral do
Cancionero de Uppsala, indicada para o prêmio Sharp, 1997. Gravou também grandes obras
vocais, com a orquestra, como Oratórios, Paixões, Cantatas e os Motetos, de Bach, obras
como Anthems, Dixit Dominus e Te Deum, de Häendel, e o Te Deum Laudamus do
compositor brasileiro Luís Álvares Pinto.
Ingrid era firme, ao querer oportunizar aprendizado e espaço como solistas aos
próprios integrantes do conjunto. Dizia: “temos que dar oportunidades para os nossos
solarem. Porque chamar sempre solistas de fora? Precisamos formar os nossos, trazer
professores e preparadores vocais, fazer com que eles tenham papéis de maior
responsabilidade para que possam crescer” (SERAPHIM, 2003). Foi assim que cantores como
Ademir Maurício, Fátima Castilho, Sílvia Suss Marq ues, Rosemara Ribeiro, Elizabeth Campos,
Simone Foltran e tantos outros tiveram um impulso inicial em suas carreiras.
Nesse sentido, foi decisiva a atuação de Neyde Thomas, preparadora vocal do grupo
desde a década de 1990, cuja vinda a Curitiba deve-se a um convite de Ingrid e Bosísio para
lecionar em uma das Oficinas de Música e que acabou por trazê-la em definitivo para a
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cidade. Desse modo, em seus hoje mais de trinta anos de existência, a Camerata tornou-se
não somente um importante grupo musical de prestígio nacional, mas uma verdadeira
escola. Muitos dos que a integraram, atualmente desenvolvem carreira solo ou foram
premiados em concursos realizados dentro e fora do país. Entre eles, Walter Silva, Carlos
Harmuch, Eunice Brandão, Gustavo Surgik, Maurício Aguiar e Alex Klein.
A partir da Camerata, surgiram outros grupos. Pouco antes de radicar-se no Canadá,
Elisabeth Seraphim Prosser convidara Eunice Brandão, Rúbia Lohmann, Edite de Burgo,
Maria Tereza Trevisan e Ieda Camargo de Moura para realizarem um concerto de música
renascentista, com flautas doces e percussão. Como afirma Augustin, “mais uma vez, o dedo
mágico de Dona Ingrid apontava a direção”. Com orientação de Roberto de Regina e “sob as
asas” da Camerata, este tornou-se o embrião do que viria a ser o Grupo Renascentista, que
seria liderado inicialmente por Ingrid e Eunice e logo por Flávio Stein e Plínio da Silva. Mais
tarde, esse conjunto adotaria o nome de Studium Musicae. Da Camerata surgiram, ainda, o
Quarteto Angra, o Quarteto de Cordas Araucária, o Duo Seraphim e outros.
De modo geral, nos seus primeiros quase trinta anos de existência, período em que
Ingrid esteve à frente da Camerata Antiqua de Curitiba, do Coro da Camerata e da Orquestra
de Câmara da Cidade de Curitiba, esses grupos realizaram mais de mil concertos no Brasil e
no exterior e gravaram oito elepês e seis CDs, nos quais executam obras desde a música
antiga até a música contemporânea, estrangeira e brasileira.
Além das suas inúmeras apresentações em salas de concertos, teatros, embaixadas e
catedrais, das tournées na Europa (Itália, Dinamarca, Alemanha) e na América Latina
(México, Paraguai) e das realizadas anualmente pelo Brasil, se apresentaram em muitos
concertos didáticos nas escolas, igrejas, universidades, asilos, creches, hospitais,
educandários, indústrias, parques e Ruas da Cidadania11. Apresentaram-se em programas
televisivos e percorreram fábricas da Cidade Industrial de Curitiba, levando mensagens
natalinas ou alusivas ao Dia do Trabalho aos funcionários dessas empresas.
11 “As Ruas da Cidadania funcionam como braço da Prefeitura nos bairros, oferecendo à população dos bairros serviços municipais, além de serviços das esferas estadual e federal e pontos de comércio e lazer, [com auditórios em que são oferecidos concertos, shows e espetáculos]. São sedes das Administrações Regionais, que coordenam a atuação de secretarias e outros órgãos municipais nos bairros, incentivando o desenvolvimento de parcerias entre a comunidade e o poder público” (Ruas da Cidadania. 2014).
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O trabalho de Ingrid e sua atuação como agregadora de pessoas em torno da
música, bem como a sua visão de investimento nos talentos locais, garantiram aos três
grupos uma trajetória de aprimoramento, continuidade e realização. De outro lado, o brilho
inventivo e bem humorado de Roberto de Regina, na sua releitura dos madrigais e das
chansons, bem como a dramaticidade da sua interpretação das obras mais significativas,
como as Paixões Segundo São Mateus e São João, de Bach, e do Dixit Domino e do Messias,
de Händel, cativaram um público fiel.
O trabalho do grupo obteve reconhecimento tanto do público quanto da crítica
desde o seu início, adquirindo cada vez maior projeção nacional e internacional:
São extremamente sérios esses moços descobertos e comandados por este apóstolo da música antiga que é Roberto de Regina. Mais uma semente germinada nos férteis Festivais e Cursos Internacionais de Música do Paraná, a Camerata Antiqua de Curitiba (KRIEGER, 1976). Este trabalho coloca o Brasil pela primeira vez ao nível dos grandes centros (TINHORÃO, 1979). Hoje, a Camerata já se firmou no nosso cenário artístico. […] Vozes e instrumentos passeiam com delicadeza, sob a regência de Roberto de Regina. […] concepção dinâmica e criativa (MIRANDA, 1981). É um trabalho que merece atenção […]. Muita clareza, definição e separação das vozes, acompanhamento instrumental bastante rigoroso e bem fraseado; pairando acima do harmonioso conjunto, senso esplêndido de andamento, vívido com generoso impulso (BAPTISTA FILHO, 1982). De imediato, o que causou forte impressão foi o rapport entre o regente e seus cantores e músicos, evoluindo sem dúvida através de um trabalho conjunto de muitos anos. Tanto os cantores quanto as cordas conseguiram contrastes verdadeiramente admiráveis (MITCHELL, 1990). A Camerata consegue o que há de mais transcendente na representação musical: a predominância do ânimo sonoro não registrado nas partituras, mas do qual depende a mensagem do compositor (GIUDICE, 1996).
Em 2001, depois de vinte e sete anos de atuação, Ingrid deixou a Camerata Antiqua e
a Orquestra de Câmara da Cidade de Curitiba, para que a nova geração pudesse dar
continuidade ao seu trabalho. O ano de 2001 marca, também, o afastamento de Roberto
como maestro titular para tornar-se maestro emérito.
Atualmente, esses três grupos estão entre os principais conjuntos de música erudita
do país. Constituem, ao mesmo tempo, mercado de trabalho e escola para os músicos locais
e ampliação da vivência da arte para o público. O seu amadurecimento técnico e musical é
demonstrado pela qualidade de suas apresentações. Está registrado nas suas gravações e
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pode ser avaliado pelas tournées realizadas no Brasil e no exterior, bem como pelos festivais
de que participaram (PROSSER; SANTOS FILHO, 2004).
O surgimento das Oficinas de Música de Curitiba, em 1983, está, igualmente,
intimamente ligado à Camerata. Sua finalidade imediata era trazer músicos e professores de
renome, para possibilitar, especialmente, aos músicos da Camerata, a oportunidade de
aprimoramento técnico e interpretativo.
Realizadas pela Fundação Cultural de Curitiba, as Oficinas constituíram, desde o
início, uma grande oportunidade de aprendizado e troca de experiências e informações para
os estudantes de música e para o público que lotava os teatros, as ruas e as salas de
concerto. Desde logo, o evento teve excelente repercussão nos maiores centros do país:
A Oficina de Música de Curitiba consagrou-se como o principal encontro de música do Brasil. Não tem nenhuma badalação. Só muito suor na camisa […] O nível dos workshops é altíssimo e vem gente das três Américas para participar. […] O estrago realizado nas últimas décadas [com a falta de investimentos governamentais na música] não pode ser recuperado sem um longo trabalho de educação, cujo exemplo é a Oficina de Música de Curitiba, a melhor do Brasil (TRINDADE, 1993).
Em entrevista a Bahls, Ingrid (2010b) comenta sobre a gênese das Oficinas:
Eu lembrava muito e com saudades daqueles festivais que houve aqui. Eu sugeri para a Lúcia Camargo, quando ela era Diretora Cultural da Fundação, que a gente podia organizar um curso de música para as férias de janeiro, que viesse a atender as necessidades do pessoal da Camerata. E ela disse: “Vamos fazer um Festival de Música, mas nós não vamos chamar de festival, vamos fazer... que tal Oficina de Música?”. E aí nós duas começamos a montar a Oficina... Já era quase novembro, para fazer para janeiro.
Ingrid e Lúcia almejavam um curso que tivesse o caráter não de festival, em que
concertistas renomados ocupam o palco e o centro das atenções, mas de uma oficina, de
caráter marcadamente didático, em que os alunos seriam os concertistas, regentes e
protagonistas de todo o trabalho, sob a orientação dos mais destacados e consagrados
professores. A escolha do nome “Oficina” foi emblemática e pioneira, servindo para traduzir
a concepção que se queria imprimir ao evento. Na época, os cursos de música eram
chamados invariavelmente de festivais.
A I Oficina contou com nove professores, duzentos alunos e nove concertos. O corpo
docente e as disciplinas foram escolhidos de acordo com o interesse dos integrantes da
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Camerata e do Grupo Renascentista. Eunice Brandão e Alexandre Klein, ainda estudantes,
participaram como monitores. Entre os professores estavam Paulo Bosísio, Maria Alice
Brandão, Sebastião Tapajós, Helder Parente, Roberto de Regina e Hans J. Koellreutter
(PROSSER, 2004).
No ano seguinte, Ingrid convidaria Paulo Bosísio para participar das Oficinas como
Diretor Artístico, ficando, ela, como Coordenadora Geral. Formou-se, assim, o núcleo a partir
do qual as Oficinas cresceriam em número de cursos, professores e alunos, aperfeiçoando-se
em qualidade, tornando-se um exemplo de organização e alcançando projeção nacional e
internacional cada vez maior. Ainda na Oficina de Música II, em 1984, Ingrid e Bosísio
inovavam novamente, ao convidarem Lindolpho Gaya, para ministrar os primeiros cursos de
Música Popular Brasileira no evento. Era um fato inusitado no país, pois, apesar de haver
cursos de férias em outras cidades, eles eram restritos à música erudita. Desde então,
todos os anos, durante duas ou três semanas em janeiro, Curitiba é invadida por centenas de estudantes e de músicos, transformando-se num laboratório vivo de instrumentos e vozes. É a Oficina de Música, sempre com as mesmas prioridades: o ensino e o aluno. É uma ocasião de troca de vivências em que procuramos ir ao encontro das necessidades dos participantes, possibilitando aprofundamento e orientando para sua formação artística e experiências mais abrangentes na música inclusive de palco, que é o que os alunos de todo o Brasil e da América Latina vêm buscar (SERAPHIM, 2002).
Desde as primeiras Oficinas, eram realizados concertos não apenas em salas de
concertos e teatros, mas também em espaços públicos. Foi, porém, a partir de 1988 que a
sua realização em ruas, praças e parques se intensificou. O evento tornava-se, assim, mais
próximo do transeunte e do cidadão comum (PAES, 2013).
Os cursos oferecidos, desde o início, apresentavam uma espécie de espinha dorsal:
enfatizava-se o ensino de cordas, de sopros, de canto e de regência, buscando criar
oportunidades para a criação de novas orquestras, bandas e coros. Ao mesmo tempo, era
dada atenção à música antiga e à música contemporânea, popular e erudita.
Progressivamente, as Oficinas de Música se ampliaram. Assim, alguns anos depois,
ofereciam cursos infantis (violino Suzuki, coro infantil) e para o aperfeiçoamento de
instrumentistas (cordas, sopros, percussão), cantores (líricos e de câmara), regentes (de
orquestra, coro, coro infantil e banda) e compositores. Foram criados também os encontros
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de professores (de musicalização infantil, flauta doce e piano), além de cursos de música
antiga, música nova e música popular brasileira. Com o tempo, adquiriram vida própria os
Cursos de Música Erudita, os Encontros de Professores de Piano, os Encontros de Música
Antiga, as Oficinas de MPB, os Simpósios Latino-Americanos de Musicologia e os vários
Núcleos de Ópera, de Estruturação Musical, de Didática e de Regência (PROSSER, 2000).
A partir de meados dos anos 90, foram tantos os cursos, alunos e apresentações,
que, a exemplo do que se fazia no Canadá e nos EUA, foi necessário dividir o evento em duas
fases, pois a cidade já não o comportava. Assim, em uma delas aconteciam os cursos de
instrumentos orquestrais, canto, música nova, didática, e, na outra, os Encontros de Música
Antiga, a Oficina de MPB, o Simpósio Latino-Americano de Musicologia e o Encontro de
Professores de Piano. Muitos alunos participavam das duas fases, tal o interesse pelos cursos.
Em 1993, Bosísio (1993) reafirmaria os princípios norteadores do trabalho realizado
até então e que regeriam o evento ainda por vários anos:
Aqui nos encontramos para dar encerramento a esta XI Oficina de Música, que mais uma vez demonstrou sua garra e determinação. Os mais de 50 eventos realizados, centrando neles o aluno como matéria prima de sua elaboração, foram testemunhas do nosso empenho didático. A participação atuante de todos prova o acerto de suas metas prioritárias, e no desempenho incansável e entusiasta dos professores lavramos verdade incontestável de um corpo docente exemplar e único. Onze anos não se foram sem que se consolidasse um curso com fama de honesto e sem estrelismo, pois nada mais alienado que qualquer elitismo diante da pobre e carente realidade da vida cultural brasileira. Somos oficina, não somos palco de estrelas. Onze anos não se passaram sem que nos dedicássemos a TODOS os alunos, inclusive às crianças e aos professores. Onze anos de trabalho e dedicação de nobres ideais de construção que, sem dúvida, deixam marcas no Paraná e no Brasil e frutos que não se extinguem ao término de cada evento anual, mas que abastecem durante todo o tempo nossos celeiros culturais, sobretudo na área de formação de novos músicos.
O maestro Osvaldo Colarusso, professor de Análise Musical em várias Oficinas, assim
se manifestou sobre as apresentações dos alunos e da Orquestra da XIII Oficina, em 1995:
É justamente nessa parte da programação que podemos ter uma amostra do alto nível dos alunos que frequentam os cursos. Por exemplo, no último dia 14, às 21 horas, no Guairão, a Orquestra da XIII Oficina de Música executou nada mais, nada menos do que a Sinfonia em Ré Menor, de Cesar Franck. É a Sinfonia que, por sua complexa escrita, assusta muito o músico profissional. Aliás, nesses últimos anos, o
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repertório que a Orquestra de estudantes executa tem sido, sem exageros, notável. Se os alunos ficam enriquecidos com essa experiência, o mesmo podemos dizer de toda a comunidade, que acaba presenteada com uma performance de um dos mais importantes regentes brasileiros da atualidade: o maestro Roberto Duarte, à frente de uma orquestra que dura apenas alguns dias, mas cujos frutos são extremamente importantes (COLARUSSO, 1995).
A XIX Oficina, em 2001, foi o ponto culminante de toda a série dirigida por Paulo
Bosísio, Ingrid Seraphim e o grupo que construíram no decorrer deste período. Dela
participaram 104 professores do Brasil, Alemanha, França, Noruega, Inglaterra, Suíça,
Holanda, Argentina, Uruguai, e aproximadamente 1.550 alunos vindos de todos os cantos do
Brasil (de Manaus ao Chuí, do Acre ao Rio Grande do Norte) e de vários países da América do
Sul (Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Colômbia), da Itália, Porto Príncipe, Portugal
e Noruega, totalizando sessenta alunos estrangeiros.
Os sessenta concertos contaram com a participação maciça dos alunos, que
demonstraram alto nível nas apresentações e atividades, além de oito mesas-redondas,
palestras e debates. Foram ofertados perto de noventa cursos de música antiga e nova,
brasileira e internacional, erudita e popular.
De pequena Oficina, com nove professores, duzentos alunos e realizada no Solar do
Barão, transformou-se em grande evento, com projeção internacional, tomando toda a
cidade em seus espaços públicos: os teatros, as escolas, as ruas, os parques, as igrejas.
As Oficinas imprimiram uma característica pioneira em cursos deste gênero no Brasil,
o que bem demonstra a essência do pensamento de sua idealizadora:
A Oficina é, antes de tudo, um espaço para o aluno. O aluno é o centro absoluto de todas as atividades, desde a sala de aula até a sala de concertos. É ele que vai ocupar o palco, tendo a possibilidade de tocar, reger, participar de conjuntos de câmara ou fazer solos. As Oficinas são um laboratório para o próprio aluno (SERAPHIM, 2003).
Ingrid (2010a) defende a continuidade desse evento tão importante: “neste
momento, em que as orquestras estão minguando e lutam pela sua sobrevivência, e em que
os patrocínios são cada vez mais difíceis, é vital que ainda possamos contar com esse curso
pelo qual já passaram inúmeros talentos e que já propiciou a formação de numerosos
grupos, encaminhando muitos para o profissionalismo”.
Luciana Paes (2013), ao escrever sobre as Oficinas, afirma:
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Ao promover o aperfeiçoamento de músicos e contribuir para a formação musical do cidadão por meio de cursos e apresentações públicas com profissionais e alunos de excelência, a Oficina demonstrou o poder que possui de elevar os padrões artísticos de uma cidade, bem como de projetá-la como centro cultural nacional e internacional. [...] Provando a consequência de seus objetivos e a força de seus valores, a Oficina de Música de Curitiba transformou-se em um patrimônio cultural inestimável.
A partir de 2002, as Oficinas passaram a ser dirigidas por outra equipe. Iniciou-se,
assim, uma nova fase na trajetória do já consagrado evento.
ANOS 2000: COMPLETA-SE UM CÍRCULO E CONSOLIDA-SE O TRABALHO
Nos anos 2000, Ingrid Seraphim continuou a sua atuação na organização de eventos
artístico-culturais, participando da Comissão Organizadora dos Festivais de Música de
Câmara de Curitiba, dos Festivais de Música de Cascavel e dos Festivais Penalva – Mostras de
Música Paranaense.
Fraga (2011, p. 29) comenta que a “intensa e quase febril tripla atividade” de Ingrid
“como professora, concertista e produtora de eventos, responsável pela criação e
estabelecimento de políticas culturais voltadas à música em Curitiba, não poderia passar
distraidamente, sem ser observada”. E o continua:
Um dos maiores reconhecimentos de seu trabalho veio com a Insígnia da Ordem do Rio Branco, recebida em 2000, diretamente do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Mas antes desta, ouve outras honrarias, como o Prêmio Cidade de Curitiba, outorgado pela Câmara Municipal de Curitiba, em 1989; o prêmio Pioneira Cultural, da Secretaria de Estado da Cultura, em 1996; a medalha de 25 Anos da Camerata Antiqua de Curitiba – Fundadores, concedida pela Fundação Cultural de Curitiba, em 2000; o Prêmio Prof. João Crisóstomo Arns, outra honraria concedida pela Câmara Municipal de Curitiba, em 2004.
Recebeu, ainda, outros prêmios, como a Homenagem Especial – Oficina de Música,
outorgado pela Fundação Cultural de Curitiba, em 1993; Prêmio Honra ao Mérito, Oficina de
Música de Curitiba, pela Fundação Cultural de Curitiba (2007); o Prêmio Penalva, pela Escola
de Música e Belas Artes do Paraná e pelo Studium Theologicum (2011); o Prêmio Mulher de
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Destaque, pelo Clube Soroptimista Internacional de Curitiba, em 1987 e outros. Em 2013,
recebeu a mais alta condecoração dada pelo Governo do Estado do Paraná: a Ordem do
Pinheiro, com grau de Comendador.
Após tantos anos de dedicação quase que exclusiva aos seus projetos maiores e
direcionados ao coletivo (a Camerata, a Orquestra de Câmara e as Oficinas), retomou seus
projetos pessoais, que envolvem um CD de música francesa para piano e cravo (Rameau,
Couperin, Debussy e Ravel), lançado em 2014, e de outro com obras de Bach e Händel, que
será gravado ao órgão da igrejinha da Rua Inácio Lustosa, em preparação.
Fiel a uma das mais interessantes tradições da cultura alemã, realiza, até a
atualidade, eventos de Hausmusik, em que reúne amigos e familiares para momentos de
música e confraternização, em sua casa, atividade que sempre fez parte do cotidiano da sua
família, desde a sua infância e no decorrer de toda a sua vida. Percebe-se aí, mais uma vez,
sua dedicação ao prazer de fazer música e de como a música, para ela, é um elo de ligação
entre as pessoas.
Quanto à docência, atualmente ministra aulas de cravo e piano apenas a alunos
escolhidos, pela alegria de estar, compartilhar e tocar com eles. Nesses momentos, explora,
entre outros, o repertório para piano a quatro mãos, prática que integrava os
procedimentos pedagógicos do seu primeiro professor, o Pastor Karl Frank, e que tantos
frutos tiveram na sua própria trajetória.
Continua contribuindo musicalmente como organista da mesma Igreja que teve papel
tão importante na sua trajetória (a igrejinha da Rua Inácio Lustosa, a Christus Kirche),
dedicando-se a obras de Bach, Händel e Rameau, entre outros: “Continuo acompanhando ali
os cultos em alemão e português, onde toco órgão. A igreja mantém a mesma arquitetura da
época e as mesmas características de pintura. Ela foi totalmente restaurada recentemente.
Tem uma história comovente” (SERAPHIM, 2010a). Ali, novamente, agrega músicos12e
promove a música de câmera para ocasiões especiais: “uma Cameratinha!”, comemoram
12 Especialmente músicos, na maioria profissionais, cujas famílias fazem parte da história da Christus Kirche ou que a frequentam, como Hans, Joachim e Ulrike Graf; Roberto e Alzira Hübner; Elisabeth Seraphim Prosser; Cora D’Bruns; Bettina e Thomas Jucksch; Dalton Scheidt; Brigitte, Sibila e Anette Rauscher; e Paulo Mestre entre outros.
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alguns. Além disso, atua intensamente como concertista na programação de concertos da
série Música na Igrejinha, que apresenta concertos mensais desde o início de 2013.
PILAR FUNDAMENTAL NA HISTÓRIA RECENTE DA MÚSICA BRASILEIRA
A importância daqueles seus primeiros anos como musicista, na sua infância e
adolescência, pode ser confirmada nos seus depoimentos sobre o caminho que vai das suas
primeiras experiências musicais até a criação da Camerata Antiqua de Curitiba e seus
desdobramentos. Quando lembra das atividades musicais que vivenciou sob a direção do
Pastor Karl Frank, fica nítida essa íntima relação:
Com o Pastor Frank, nós cantamos partes do moteto Jesus bleibet meine Freude, de Bach, e de muitos outros... que depois viemos a cantar na Camerata; A Criação, de Haydn, também partes. E eu acompanhava todos estes corais ao piano, tinha lá meus 12, 13 anos. A gente cantava e executava essas obras em concertos organizados pelo Pastor. Tudo o que aconteceu naquela época foi, para mim, inspiração para a Camerata. Quando depois eu ganhei o cravo que o Paulo, meu marido, comprou, eu disse para mim mesma que era hora de reunir pessoas para fazer música como a que eu vivi naquela época. Então criei a Camerata, pensando nesse repertório, nessas obras maravilhosas de Bach, de Händel, de Haydn... de Brahms (SERAPHIM, 2010b).
De fato, ao avaliar os seus próprios caminhos, Ingrid (2010a) observa:
Hoje, ao olhar para trás, vejo quanto minha infância e minha adolescência influenciaram minha trajetória. São marcas profundas na minha lembrança a música que fazíamos em casa, em família, minha mãe ao piano e ao canto; as reuniões com outras famílias amigas para fazer Hausmusik; o repertório de cujas apresentações participei, sob a regência do Pastor Frank; as master-classes que organizei quando, adolescente e estudando no Rio de Janeiro, vinha a Curitiba e trazia o Prof. Guilherme Fontainha. Ao pensar na Camerata, na Orquestra e nas Oficinas, percebo quanto a semente desses três grandes projetos já estava presente nas primeiras décadas da minha vida.
Os frutos do seu trabalho são visíveis na trajetória de um sem número de músicos e
de organizadores culturais mundo afora. Sobre isso, Ingrid comenta, demonstrando a sua
generosidade, simplicidade e modéstia:
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Ah! Tenho muita satisfação de ter ajudado ou orientado muitos. E também de, por causa do convite que lhes fiz para virem para as Oficinas, ter trazido para Curitiba, definitivamente, a Neyde Thomas, o Harry Crowl e outros. Tanto a Oficina quanto a Camerata e a Orquestra de Câmara foram uma escola que impulsionou muitos para a vida profissional. Diversos músicos excelentes cresceram profissionalmente nesses grupos e na Oficina, e hoje atuam como solistas e professores na Europa e nos Estados Unidos. Vários me agradecem, por situações em que, despretensiosamente, tentei ajudar. Contam com carinho como este ou aquele momento lhes deu direção e perspectivas. Me alegro muito com isso, pois vejo que fiz muitos amigos e que pude, de alguma maneira, ajudar. Convidando-os para ministrarem cursos nas Oficinas ou para participarem da Camerata e da Orquestra eles eram valorizados profissionalmente e tinham oportunidades para crescer. Na própria Camerata, ajudei músicos que às vezes passavam por problemas. Eu conversava e ajudava a mantê-los no trabalho. Eles continuavam e hoje são músicos de destaque (SERAPHIM, 2003; 2009; 2010a).
E continua:
Outra coisa que sempre me alegrou muito foram os muitos depoimentos e críticas elogiosas que recebi no decorrer dos meus vinte e seis anos de trabalho com a Camerata e das dezenove Oficinas de Música que dirigi. O mesmo acontece nas igrejas em que acompanho os cultos ao órgão. Muitos desses depoimentos e críticas estão registrados nos arquivos da Camerata e das Oficinas e no meu acervo pessoal. Outros são falas espontâneas que volta e meia me pegam de surpresa (SERAPHIM, 2010a, 2011).
Sobre a continuidade desses trabalhos que iniciou há mais de trinta anos, ela diz:
Fico feliz que a Fundação continue esses projetos tão importantes para a nossa cidade e para o Paraná. E que agora a Camerata tem um lugar excelente, a Capela Santa Maria, com uma sala boa, boa acústica, salas de ensaio, arquivo... Fantástico é também o piano Steinway que tem lá... Tudo isso é muito bom (SERAPHIM, 2010b).
Os projetos maiores de Ingrid são, até hoje, ícones representativos da cidade e
formadores da sua identidade. A Camerata tornou-se um dos mais importantes grupos do
gênero da América Latina, com vasta discografia e tournées internacionais. A Orquestra de
Câmara da Cidade de Curitiba, de destaque internacional, tem um repertório que vai do
Barroco ao Contemporâneo Internacional e Brasileiro. As Oficinas de Música de Curitiba,
criadas em 1983, reúnem, anualmente, cerca de cem professores e 1.500 alunos de todo o
mundo. Esses seus três projetos e aos quais dedicou grande parte da sua vida, são hoje
marcos da cultura paranaense e brasileira. Pode-se afirmar, portanto, que sua atuação
marcou de forma definitiva o cenário cultural local e nacional. O resultado foi toda uma
geração de cantores, regentes, instrumentistas e organizadores culturais de renome.
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Álvaro Collaço (2011) refere-se a um “estilo Ingrid de fazer cultura”, chamando e
agregando a todos, dando-lhes oportunidades, provendo-lhes formação, tudo isso pelo
prazer de fazer música em grupo e colocando a sua música a serviço dos outros. Para
Collaço, “Ingrid Seraphim é uma artista que, com suas ideias e o seu trabalho deixou uma
importante contribuição à vida e à cultura curitibanas, investindo sempre na arte, na cultura
e na educação como fatores de desenvolvimento humano. Sua história de vida está
intimamente ligada à história da música e da cultura de Curitiba e do Brasil”.
A mesma citação de Brecht lembrada por Collaço no início deste texto, ao referir-se a
Ingrid, é usada também por Orlando Fraga (2011, p. 29), como epígrafe, para descrever a
musicista e organizadora cultural: “Existem pessoas que lutam um dia e são boas. Outras,
lutam um ano e são melhores. Porém, existem aquelas que lutam toda a vida; estas são
imprescindíveis”. Para Fraga, “a história é feita por marcos ou acontecimentos. Quanto mais
desdobramentos um evento proporciona, mais importante e referencial ele se torna. Dona
Ingrid, como nós a conhecemos, provocou tantos eventos importantes ao longo de sua vida a
ponto de se tornar um pilar fundamental na história recente da música brasileira”.
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TRINDADE, M. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1993.
Música e Músicos no Paraná, v. 1
Curitiba: Ed. ArtEmbap, 2014
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PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO DE HENRIQUE MOROZOWICZ
Dra. Ingrid Barancoski 1
UNIRIO [email protected]
Resumo O artigo faz uma apreciação das peças didáticas para piano do compositor paranaense Henrique Morozowicz (1934-2008), com base em características de didatismo do repertório de ensino apontadas por Jacobson, Lancaster e Rabinoff. A presença de tais elementos é demonstrada através de exemplos de diversas peças para piano do compositor, de níveis básico e intermediário de dificuldade. O artigo pretende resgatar este repertório discutindo sua utilidade pedagógica e comprovando sua qualidade musical. Palavras-chave: Pedagogia do piano; Técnica pianística; Música paranaense; Idiomatismo pianístico; Música contemporânea
DIDACTIC PIANO PIECES BY HENRIQUE MOROZOWICZ Abstract The article makes an assessment of didactic piano pieces by the Brazilian composer Henrique Morozowicz (1934-2008), based on characteristics of the didactic teaching repertoire highlighted by Jacobson, Lancaster and Rabinoff. The presence of such elements is demonstrated by examples from several piano pieces by composer, basic and intermediate levels of difficulty. The article intends to redeem this repertoire discussing their pedagogical usefulness and proving their musical quality. Keywords: Piano pedagogy; Piano technique; Music from Paraná (Brazil); Piano idiomatic writing; Contemporary music
1 Professora Associada III da UNIRIO (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Concertista.
Música e Músicos no Paraná, v. 1
Curitiba: Ed. ArtEmbap, 2014
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AS PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO NA PRODUÇÃO DO COMPOSITOR
O compositor paranaense Henrique Morozowicz (1934-2008) faz parte de uma
geração de compositores brasileiros nascidos nas primeiras décadas do século XX, que se
dedicou à composição de peças didáticas para piano. Entre eles também estão: Heitor
Alimonda (1922-2002), Ernst Widmer (1927-1990), Osvaldo Lacerda (1927-2011), Ernst
Mahle (1929) e Sérgio Vasconcelos Correa (1934), entre outros.
Henrique Morozowicz iniciou sua carreira como pianista e, desde criança cultivava a
habilidade de improvisar ao piano. Teve atividade intensa como solista e também como
camerista e acompanhador, além de atuar como organista. Já na adolescência escreveu suas
primeiras obras2. A combinação das atividades de pianista e compositor resultou numa
listagem generosa de obras para piano, de todos os níveis de dificuldade3, caracterizadas por
um marcante domínio do idiomatismo do instrumento.
Na Tabela 1, podemos observar a distribuição cronológica das peças para piano de
nível elementar e intermediário (de acordo com a classificação em GANDELMAN, 1997, p.
181-192). Podemos observar que, embora a maior produção de peças didáticas se concentre
na década de 1970, o gênero foi uma constante em toda a sua carreira.
O intuito pedagógico é evidente nos títulos – com termos como ‘facílima’ e ‘acessível’
–, e também em comentários nos manuscritos – como por exemplo na partitura das 2
Invenções: “para desinibir os pianistas paranaenses”.
2 O próprio compositor, onde ele afirma: “Mas foi só mais tarde, em 1950, depois de ser organista da Catedral, que escrevi minha primeira peça original, o Para dormir, um acalanto para vozes femininas, e A Capella para embalar meu irmãozinho Norton, que tinha então um ano” (MOROZOWICZ: 1995a, p. 92). 3 O catálogo de obras de Henrique Morozowicz inclui as seguintes instrumentações: coral, canto e piano, piano solo, 2 pianos, piano a 4 mãos, órgão, piano e instrumentos de percussão, cravo solo, duos a quinteto de instrumentos de sopro e de cordas com e sem piano, e orquestra de câmera.
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Elementar III Intermediário I Intermediário II
Década de 1950
(2 peças para uma nota só) (1955)4 Suite facílima (1958)
(2 invenções) (1955)5 Suite acessível (1958) 3 Estudos breves (1958) 3 Prelúdios melancólicos (1958)
Década de 1960
Pequena Suite (1960) 4 pequenos estudos (1966)
Década de 1970
Sonatina I (1972) 1º. Caderno de Karina (1973) Suite de Natal (para piano a 4 mãos) (1976)
Pour Martina (1972) Marchas lúdicas (1976)
Década de 1980
Década de 1990
Sentimento Latino (1995)6
Tabela 1: Peças de Henrique Morozowicz de nível elementar e intermediário organizadas por décadas, segundo as datas de composição Fonte: elaborado com base nos dados fornecidos por Gandelman (1997)
A LINGUAGEM MUSICAL DAS OBRAS DE HENRIQUE MOROZOWICZ
O caráter cativante das peças de Morozowicz se deve em grande parte a uma
maneira intuitiva de compor, ou como ele mesmo definia, com “sentido auditivo-intuitivo e
de sensibilidade” (MOROZOWICZ, 1995a, p. 94). A comunicabilidade da música era
preocupação constante para ele, e isto estava acima de quaisquer pretensões vanguardistas:
Podemos, em música, nos exprimir coloquialmente, ou ao nível de obra literária, ou podemos escrever tratados filosóficos, obras de grande conteúdo dramático, poético e até místico, exprimindo-nos em uma linguagem diferenciada, mas ainda no bojo de um código de comunicação acessível a uma porção significativa de pessoas. Não nos cabe inventar uma língua nova (MOROZOWICZ, 1995a, p. 97).
4 Considero 2 peças para uma nota só e 2 Invenções como experimentações, provavelmente influenciadas pelas aulas com Koelreutter na década de 1950, e não como peças com propósito didático, embora sejam de nível de dificuldade não avançada. Essa questão fica mais clara no decorrer do artigo. 5 A peça Sentimento Latino foi composta após a publicação de Gandelman. Inseri aqui no nível Intermediário II, seguindo os mesmos critérios de classificação.
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Esta ideia nos remete ao pensamento do compositor tcheco Karel Husa (1921), seu
professor no Programa de Mestrado em Composição, na Universidade de Cornell (EUA), no
início dos anos 1980, e que ele muito admirava e considerava na sua formação. Nas palavras
de Husa:
Não quero ser um compositor cerebral. Quero ser inventivo, produzir uma partitura que revele algo interessante, instigante e sofisticado para o intérprete ou o maestro, ou outro compositor. Ao mesmo tempo, deve ser musical e terno, e demonstrar que eu me importo com as outras pessoas7 (apud DUFFIE).
Morozowicz (1995a, p. 98) se mostrava deliberadamente contrário a métodos
intelectualizados de composição: “Tenho a impressão de que, por obra do intelecto,
podemos muito mais facilmente perder o pé na realidade e cair em devaneios surrealistas,
do que quando agimos por instinto ou pela intuição. Isso se agrava quando ignoramos a
nossa cultura”.
Paralelamente, sua atitude era contrária a preconceitos e aberta às mais diversas
linguagens, tanto do passado como do presente:
Escrever no sistema tonal é tão gratificante, intelectualmente, como escrever em qualquer sistema atonal. A diferença, porém, é que temos que ter um bom ouvido, familiarizado com as sutilezas da linguagem harmônico-tonal, para poder fazer uma música preferencialmente baseada na consonância e não na dissonância. Ao que parece, este é um privilégio reservado para poucos... E nesse sentido, quem pode ser mais extraordinário que J. S. Bach, cuja obra é tão contemporânea. (...) A presença de Bach é atemporal (apud BONK; JUSTUS, 2002, p. 215).
Morozowicz cultivava o estilo improvisatório na sua escrita, o que vai de acordo com
a prática de improvisar, sempre presente na sua atividade musical.
Eu comecei a inventar música antes de eu começar a compor, assim que eu comecei a aprender a tocar piano, quando eu ainda era um garoto. Era algo muito espontâneo tentar inventar música, me baseando nos modelos das peças que eu estudava. Eu ainda não escrevia as minhas próprias criações, mas eu improvisava e inventava meus próprios ritmos (MOROZOWICZ, 1995a, p. 11-12).
7 I don’t want to be a cerebral composer. I want to be inventive, to have a score that will reveal something interesting and intriguing and sophisticated to the performer or conductor, or to another composer. At the same time, it must be musical and warm, and show that I care about other people.
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Some-se ainda o caráter espirituoso e cheio de bom humor da música de
Morozowicz, próprio de sua personalidade. Um bom exemplo são as Marchas Lúdicas,
quatro peças compostas assumidamente com base no humor musical. As indicações podem
nos dar uma ideia da música, como por exemplo ‘quase tuba’ no Trio da primeira marcha e
‘um pouco teatral e germânico’, na marcha No. 4. Títulos bem-humorados também estão
presentes, como ‘Cuba-libre’, de Sentimento Latino, uma referência ao drink com este nome,
e, segundo o compositor, também à situação política de Cuba (MOROZOWICZ, 1995b:
Prefácio, s/ número de página).
CARACTERÍSTICAS DE PEÇAS DIDÁTICAS PARA PIANO
Segundo o Dicionário Aurélio, o termo pedagógico significa “que facilita o
aprendizado”. Portanto, peças com propósito pedagógico não são apenas peças com nível
acessível, mas também devem cumprir requisitos específicos.
Segundo a pedagoga Jeanine Jacobson, os professores de piano devem selecionar
para repertório de ensino as peças didáticas que satisfaçam a maioria dos seguintes itens:
(1) devem soar cativantes e os alunos devem ter vontade de estudá-las, de aprendê-las e de
tocá-las, mesmo depois de terminado o período de estudo; (2) devem soar de acordo com o
título; (3) devem ser da melhor qualidade musical, sem clichês, com surpresas e variedade
suficientes para manter o interesse do aluno e do professor; alguns elementos desejáveis
para isto são: melodias divididas entre as mãos, melodias na mão esquerda, mudanças
inesperadas de articulações, texturas, notas e/ou harmonias, posições de cinco dedos que
fogem ao padrão maior-menor, uso de todo o teclado, variedade no tamanho das frases,
métricas não usuais, uso do pedal de maneira simples; (4) devem ter nível de dificuldade
uniforme e coerente; (5) devem ter propósitos pedagógicos claros.
Outro conselho de Jacobson é que deve ser considerado, entre outros: (1) se a
partitura é clara de ler; (2) se os dedilhados fornecidos são lógicos e úteis; (3) se as peças
soam mais difíceis do que realmente são; (4) se as peças são confortáveis para tocar (no
sentido motor); (5) se incluem repetições, sequências e imitações, o que facilita o
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aprendizado e a execução; (6) se o professor terá prazer em ensinar a peça (JACOBSON,
2006, p. 189-191).
DIDATISMO NAS PEÇAS PARA PIANO DE HENRIQUE MOROZOWICZ
Nas peças de Morozowicz, podemos observar as várias questões pedagógicas
facilitadoras do aprendizado recomendadas por Jacobson, como listado a seguir:
a) em termos de caráter, as peças são curtas, concisas e cativantes; um ótimo exemplo
disso é a Sonatina I (1972):
Exemplo 1: MOROZOWICZ, H. Sonatina I, I. Amavelmente, cc. 1-17
b) os títulos e as indicações de tempo são claros e sugestivos, o que incentiva a
imaginação sonora do aluno e facilita o entendimento da concepção das peças. No exemplo
2, o título Passeio esclarece sobre as várias questões musicais a serem definidas pelo
intérprete como andamento, dinâmica, fraseado e articulação:
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Exemplo 2: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima, III. Passeio, cc.1-8
Outros exemplos de títulos sugestivos estão na Suite Pour Martina, com os
movimentos: (1) O picapau amarelo, (2) As borboletas em flor, ao vento, e (3) Borboletas
Psicodélicas.
Exemplo 3: MOROZOWICZ, H. Pour Martina, II. As margaridas em flor, ao vento, cc.1-10
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Podemos listar muitas indicações originais e de fácil entendimento musical, como por
exemplo: ‘movido com graça’, na primeira peça da Pequena Suite; ‘balançando quase
caipira’, na quarta peça da Pequena Suite; ‘afetado e pipocante’ em 4 Pequenos estudos, No
4; ‘piccante’ em O Picapau amarelo, primeiro movimento de Pour Martina; ‘amavelmente’
no primeiro movimento de Sonatina I; ‘bem alegre’ em Cai, cai balão, No 2 e em Ti-ri-la-la-la,
No 4 do 1º Caderno de Karina; ‘pulandinho’ em Fuks Du hast, No 8 do 1o Caderno de Karina;
‘com movimento de boneca’ em Mietze, Mietze, Katze, No 10 do 1o Caderno de Karina; ‘bem
brincalhão’ em Wlas kotek na plotek, No 11 do 1o Caderno de Karina; ‘um pouco teatral e
germânico’ em Marchas lúdicas No 4.
c) o trabalho é equilibrado entre as mãos direita e esquerda, com frequentes
ocorrências de contraponto invertido, como na segunda peça da Pequena Suite:
Exemplo 4: MOROZOWICZ, H. Pequena Suite, II. Bem marcado e vivo, cc.1-4
O mesmo equilíbrio é encontrado na escrita para piano a quatro mãos, tanto entre as
partes primo e secondo como entre as mãos de cada pianista:
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Exemplo 5: MOROZOWICZ, H. Suite de Natal, I. Sinos de Belém, cc. 1-8
d) peças com melodias na mão esquerda são frequentes:
Exemplo 6: MOROZOWICZ, H. 1 o Caderno de Karina, 6. Teresinha de Jesus, cc.1-5
e) a escrita traz riqueza de articulações e variedade de texturas, sempre com clareza de
notação e de intenção musical:
Exemplo 7: MOROZOWICZ, H. 1 o Caderno de Karina, 7. Frère Jacques, cc. 1-11
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f) padrões não usuais de cinco dedos também são encontrados:
Exemplo 8: MOROZOWICZ, H. 4 pequenos estudos, No 1, cc. 1-4
g) encontramos várias peças que soam mais difíceis do que realmente são. Um dos
melhores exemplos é a Suite Pour Martina. No Exemplo 9, a facilitação motora é conseguida
pela alternância das mãos em padrões métricos regulares:
Exemplo 9: MOROZOWICZ, H. Pour Martina, III. Borboletas psicodélicas, cc.1-13
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h) o propósito pedagógico é objetivo e o nível de dificuldade sempre uniforme em cada
peça. No Exemplo 10, em Reminiscência, da Suite Facílima, encontramos um excelente
material para os professores ensinarem aos seus alunos o gesto musical anacruse, bastante
claro na escrita de cada uma das mãos e repetitivo do início ao final da peça. Não há outros
elementos desafiadores e, assim, pode-se focar na anacruse.
Exemplo 10: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima, V. Reminiscência, cc.1-9.
i) as peças são estruturadas com repetições, sequências e imitações de motivos
melódicos também concisos:
Exemplo 11: MOROZOWICZ, H. Sentimento Latino, VIII. Xaxado, cc.1-10
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CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DAS PEÇAS DE HENRIQUE MOROZOWICZ
Como mencionado, a escrita de Henrique Morozowicz (não só das peças didáticas) é
sempre confortável para tocar. Um bom exemplo é a primeira peça da Suite acessível
(Exemplo 12), em que o uso das teclas pretas e brancas assim divididas entre as mãos e
combinada ao paralelismo dos acordes faz com que ambas as mãos possam tocar sem
problemas na mesma região do teclado; além disso, os elementos melódicos concisos e
repetitivos facilitam o aprendizado e promovem a velocidade necessária.
Exemplo 12: MOROZOWICZ, H. Suite acessível, I. Tocatinha, cc. 1-5
Outro elemento frequente é a repetição de um mesmo tema em diferentes registros,
o que possibilita a exploração de todo o teclado e incentiva a percepção dos contrastes de
sonoridades entre os vários registros (podemos entender este procedimento como uma
alusão ao órgão, que o compositor também tocava).
Exemplo 13a: MOROZOWICZ, H. Marchas Lúdicas, I. Trio, cc.1-8
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Exemplo 13b: MOROZOWICZ, H. Marchas Lúdicas, I. Trio, cc.17-25
Outra característica marcante de Morozowicz, tanto nas peças didáticas como nas de
pianismo mais adiantado, é a utilização de escolhas dadas ao intérprete. Nas peças de que
tratamos aqui, isto já aparece de diversas formas:
a) na opção de alteração ou não de uma nota:
Exemplo 14: MOROZOWICZ, H. 1º. Caderno de Karina, 6. Teresinha de Jesus, cc. 6-10
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b) na escolha de uso dos registros e tamanho de frase:
Exemplo 15: MOROZOWICZ, H. Pour Martina, III. Borboletas psicodélicas, cc. 14-22 (o compasso 16 pode ser repetido quantas vezes o intérprete quiser, e o compasso 19 pode iniciar uma oitava abaixo e terminar uma oitava acima do que está escrito)
c) no número de repetições de um mesmo elemento:
Exemplo 16: MOROZOWICZ, H. 4 pequenos estudos, No 4, cc. 32-34
d) na opção de transpor ou não um trecho. Por exemplo, em Cuba-libre, de Sentimento
Latino, o compositor coloca a seguinte observação: “pode-se tocar esta peça em teclas
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pretas. Para isto, leia todas as notas com bemóis, e dó sustenido e fá sustenido como
naturais”8.
Essas diferentes escolhas na interpretação das peças despertam o aluno para
possibilidades de improvisação musical. A importância da atividade de improvisar é
confirmada por pedagogos como Sylvia Rabinoff:
A habilidade de improvisar fará do aluno um músico melhor. Não é só uma questão de preencher interlúdios (...) ou adicionar ornamentos; é questão de desenvolver habilidades interpretativas e técnicas. A improvisação desenvolve uma melhor relação táctil com o teclado, a consciência auditiva, poder ficar a vontade em qualquer tonalidade, melhora a memória e a leitura, e é valiosa para o entendimento de análise, segurança ao tocar e presença como intérprete. (...) improvisação é um passo além da aquisição do vocabulário musical, é a utilização criativa deste vocabulário (RABINOFF, 2004, p. 228-229)9.
Henrique parecia já estar ciente destas ideias pedagógicas, bastante avançadas para
o Brasil na época (décadas de 1950 a 1970).
A habilidade de transposição também é utilizada no primeiro movimento da Sonatina
I, na qual a repetição do trecho entre os compassos 2 a 9 deve ser feita “lendo em bemóis”.
Ao lado da improvisação, a transposição é uma das principais habilidades funcionais do
piano, e deve ser desenvolvida desde os níveis iniciais10. São raras as oportunidades onde
estas habilidades são integradas ao repertório, como nos oferece Henrique Morozowicz11.
8 Na partitura, em inglês e italiano: “Si pio suonare questo pezzo sui tasti neri. Per questo leggi tettu Le note come bemolli e Il Do# e Il Fa# come naturali. This piece can be played in black-keys. For that, read all notes as flats and the C# and F# as natural”. 9 The ability to improvise will help make the student a better performer. It is not only a question of filling in missing interludes (…) or of adding ornaments; rather it is a matter of improving both technical and interpretative faculties. Improvising gives a superior tactile relationship to the keyboard, an aural awareness, and a sense of “at homeness” in any key, better memory and sight-reading ability, a gift for compositional analysis, security, and poise. (…) Improvisation is a step beyond acquiring a musical vocabulary: it is applying that vocabulary creatively. 10 Kowalchyk e Lancaster alertam que os métodos de ensino tendem a deixar de lado a habilidade de transposição no nível intermediário, quando o aluno passa a tocar peças do repertório tradicional, mas que este treinamento deve continuar a ser desenvolvido em todos os níveis (KOWALCHYK; LANCASTER, 1995, p. 225). 11 Entre compositores que utilizam habilidades funcionais integradas em peças de ensino podemos citar os húngaros Z. Kodaly (1882-1967), G. Kurtag (1926) e o americano R. L. Finney (1906-1997), além das sugestões deixadas por B. Bartók (1881-1945) no Prefácio dos cadernos do Mikrokosmos.
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Encontramos também uma variedade significativa de procedimentos quanto a
elaborações métricas e rítmicas, como listados a seguir:
e) um deles é o uso de temas que “passeiam livremente” pela métrica (Exemplos 17a e
b). É um procedimento bastante elaborado e complexo, mas que Morozowicz utiliza de uma
maneira de fácil entendimento:
Exemplo 17a: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima (1958), I. Ciranda, cc. 1-5.
Exemplo 17b: MOROZOWICZ, H. Suite Facílima, I. Ciranda, cc. 20-24.
f) métricas assimétricas são bastante presentes, principalmente nos 4 Pequenos
Estudos, cada um deles trabalhando repetitivamente uma métrica assimétrica não usual:
Exemplo 18: MOROZOWICZ, H. 4 Pequenos estudos, 3. Bem ritmado, cc. 1-212
12 O compositor não indica fórmula de compasso em nenhum dos 4 Pequenos estudos, provavelmente acreditando que isto daria uma ideia de maior complexidade à notação musical. Os estudos No 1 e No 3 trabalham com métricas assimétricas, o No 2 com polirritmia e o No 4 com variação no tamanho do compasso mantendo pulsação e unidade de tempo estáveis.
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g) no Prelúdio melancólico No 2 o compositor utiliza no ostinato de acompanhamento
divisões da métrica em valores crescentes em padrão repetitivo; isso pode ser bastante útil
para o desenvolvimento do controle e precisão de divisões variáveis do pulso estável:
Exemplo 19: MOROZOWICZ, H. Prelúdio Melancólico No. 2, cc.1-4
h) já as síncopas, características de repertório brasileiro, também são frequentes, e
estão presentes em todas as peças de Sentimento Latino13:
Exemplo 20: MOROZOWICZ, H. Sentimento Latino, III. Cha-cha-chá, cc.1-3
13 A obra Sentimento Latino foi escrita para uma encomenda de Piotr Lachert, diretor da editora Chiola Music Press, seguindo a ideia de uma série de peças fáceis para treinamento de ritmo de pianistas europeus.
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i) são procedimentos rítmicos ocasionais nas peças de Morozowicz, e também mais
comuns no repertório pianístico de ensino: polirritmia (Exemplo 21); mudança de fórmula de
compasso (Exemplo 22, onde as mudanças de compasso refletem o caráter improvisatório
deste movimento); e polimetria (Exemplo 23, onde se sobrepõem padrões de 3
semicolcheias na mão direita e de 4 semicolcheias na mão esquerda)
Exemplo 21: MOROZOWICZ, H. 4 Pequenos estudos, 2. Balançando, cc. 1-4
Exemplo 22: MOROZOWICZ, H. Suite acessível (1958), II. Sesta e seresta, cc.1-9
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Exemplo 23: MOROZOWICZ, H. Três estudos breves (1958), Estudo No. 1, cc.1-2
CONCLUSÃO
Henrique Morozowicz satisfaz todos os requisitos apontados por Jacobson para
qualificar boas peças didáticas para piano, como citados aqui no item III. Além disso, o
compositor: (1) explora diversas questões métricas e rítmicas com padrões repetitivos e
alusões a ritmos de danças, facilitando o entendimento e, consequentemente, o
aprendizado; (2) oferece oportunidades de escolhas para o intérprete, desde as peças de
nível básico; (3) integra a prática de habilidades funcionais ao repertório com improvisações
e transposições sugeridas nas peças; (4) faz uso de humor musical com acentuada
espirituosidade, o que dá à sua música um caráter leve e prazeroso.
O repertório de peças didáticas de Morozowicz preenche a descrição de Maris,
quando a pedagoga descreve repertório de ensino de qualidade, o que vai além de satisfazer
listagem de características técnicas:
Tal música soa prazerosa de forma que o ouvinte a percebe e a entende harmônica, melódica, rítmica e expressivamente. Além disto, é bom tocar (...) Os padrões se encaixam na configuração da mão (...) e utiliza as características do piano (teclas brancas e pretas, características acústicas, registros). Esta música prepara os alunos para o repertório mais adiantado, mas é também música para apreciar, pelo prazer da música em si14 (MARIS, 1995, p. 184).
14 Such music sounds pleasing in ways that a listener can perceive and analyse harmonically, melodically, rhythmically, and expressively. Further, it feels good (…) to play. The patterns fit the configuration of the hand (…) and utilize the characteristics of the piano (black and white keys, acoustical traits, registers). Such music prepares students for more advanced repertoire, but it is also music to enjoy now, for its own sake.
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As peças didáticas para piano de Henrique Morozowicz constituem, portanto,
repertório de ensino valioso e muito útil tanto para os alunos e professores de piano, assim
como para os professores e alunos de composição, como ótimos exemplos de peças
acessíveis, originais, concisas, musicalmente cativantes e ao mesmo tempo oferecendo
pianismo idiomático e eficiente. É um material utilizado atualmente por docentes atuando
no estado do Paraná, mas que deve ser redescoberto por todos nós, músicos, pianistas e
professores.
REFERÊNCIAS
BARANCOSKI, I. A literatura pianística do século XX para o ensino do piano nos níveis básico e intermediário. Per Musi, n. 9, 2004, p. 89-113.
BONK, M.; JUSTUS, L. Catálogo temático: Henrique de Curitiba (1950-2001). Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba, 2002.
COHEN, S.; GANDELMAN, S. Cartilha Rítmica para piano. Rio de Janeiro: Petrobrás, 2006.
CARNEIRO, G. C. In Vino Veritas: a viagem musical de Henrique de Curitiba. Curitiba, FAP, 2008. p. 231-244.
DUFFIE, B. Karel Husa – the composer in conversation with Bruce Duffie. Disponível em: <http://www.bruceduffie.com/husa.html>. Acesso em: out. 2012.
GANDELMAN, S. 36 Compositores brasileiros – obras para piano (1950/1988). Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997.
JACOBSON, J. M. Professional piano teaching – a comprehensive piano pedagogy textbook for teaching elementary-level students. Van Nuys, EUA: Alfred Publishing, 2006.
KOWALCHYK, G.; LANCASTER, E. L. Functional skills and the intermediate student. In: GORDON, S., MACH, E.; USZLER, M. The well-tempered keyboard teacher. Nova York: Schirmer, 1995. p. 225-234.
LIMA, D. Henrique de Curitiba Morozowicz: a biography and discussion of selected vocal and instrumental works with piano. Tese de Doutorado. Florida State University, 2004.
MARIS, B. E. Repertoire and the intermediate student. In: GORDON, S., MACH, E.; USZLER, M. The well-tempered keyboard teacher. Nova York: Schirmer, 1995. p. 183-212.
MOROZOWICZ, H. Visões do meu passado musical, na perspectiva do presente. Revista da Sociedade Brasileira de Música Contemporânea, 1995a, p. 89-100.
______. 3 Estudos breves. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1969.
______. Marchas Lúdicas. Manuscrito, 1976.
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______. Pequena suíte. São Paulo: Ricordi, 1969.
______. 4 Pequenos estudos. Manuscrito, 1966.
______. Pour Martina. Colonia, Alemanha: Musikverlag Hans Gerig, 1978.
______. Primeiro Caderno de Karina: 12 canções folclóricas de arranjos simples. Campinas: Serviço de Difusão de Partituras / USP, s.d.
______. Sentimento latino. Pescara, Bruxelas, Nova York: Chiola Music Press, 1995b.
______. Sonatina I. São Paulo / Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1978.
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______. Suite de Natal. Manuscrito, 1976.
RABINOFF, S. Improvisation. In: AGAY, D. (ed.). The art of teaching piano. 2. ed. Yorktown: Music Press, 2004. p. 227-243.
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PENALVA, UM PÓS-MODERNISTA NA MÚSICA POPULAR: ANÁLISE DO ARRANJO DA CANÇÃO CARINHOSO
Eduardo Fabrício Frigatti1
Resumo O presente artigo discute os procedimentos composicionais empregados por José Penalva, na elaboração de seu arranjo da canção Carinhoso, de Pixinguinha e Braguinha. Para tanto, faz uso dos conceitos de forma clássica desenvolvidos por Willian Caplin a fim de compreender como elementos tonais livres se associam às características perceptivas das funções formais para garantir inteligibilidade da obra. Palavras-chave: Pixinguinha; José Penalva; Funções formais; Arranjo
PENALVA, A POSTMODERN IN POPULAR MUSIC: ANALYSIS OF THE ARRANGEMENT OF THE SONG CARINHOSO
Abstract This paper studies the procedures used by the Brazilian composer José Penalva for elaboration of his arrangement of the song Carinhoso, by Pixinguinha and Braguinha. He took into account the concepts of classical form developed by Willian Caplin, in order to understand how free tonal elements could be associated with perceptual features of formal functions to ensure the work’s intelligibility. Keywords: Pixinguinha; José Penalva; Formal functions; Arrangement
1 Compositor e violonista, é formado em musicoterapia pela Faculdade de Artes do Paraná (Fap) e licenciado em Música pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap). Atualmente, com orientação do Prof. Dr. Maurício Dottori, cursa o Mestrado em Música do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Paraná.
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A década de oitenta marca uma mudança na escrita do compositor José Penalva em
direção às premissas pós-modernas2, sendo que, neste período, a maior parte de sua
produção foi destinada para coro a cappella3. Dentre estas, algumas são arranjos de músicas
do cancioneiro popular brasileiro, e utilizam procedimentos composicionais da música de
vanguarda orientados pelos ideais estéticos daquele momento. No Catálogo Comentado da
Obra de José Penalva – organizado pela Dra. Elisabeth Seraphim Prosser com auxílio do
próprio compositor –, o arranjo de Carinhoso, de 1983, é descrito como tonalmente livre
sendo composto por uma “melodia tonal com elaboração harmonicamente livre. Acentuada
presença de acordes de sétima, nona, décima-primeira e décima-terceira justapostos e sem
resolução. Cromatismo, acordes com notas agregadas. Tratamento polifônico imitativo”
(PROSSER, 2000. p. 161).
Em um gênero inerentemente tonal como o choro, de que maneira os elementos
acima podem ser utilizados sem prejuízo à inteligibilidade formal ou em favor dela? Sem
dúvida a melodia – dada de antemão – deve ajudar o ouvinte a compreender a peça, mas,
em seu arranjo, Penalva respeita as características perceptivas próprias da fraseologia do
choro?
O choro surgiu em festas promovidas por funcionários públicos que compunham a
classe média carioca no final do século XIX e início do século XX. Tais festas de salão eram
animadas com polcas, schottiches, mazurcas, valsas e quadrilhas (TINHORÃO, 1997). Os
músicos populares tocavam essas danças europeias com sotaque exacerbadamente
sentimental ligado à música portuguesa e à malícia rítmica herdada da cultura africana. A
maneira ‘chorada’ com que os músicos ‘amoleciam’ as danças é uma das prováveis origens
para a ‘choro’ (CAZES, 2005). 2 Em 1972, o compositor José Penalva participou de um evento, na cidade de Roma, que discutia a vanguarda dos anos cinquenta. Segundo ele, nesse encontro, que contava com a presença de compositores como J. Cage, P. Boulez e L. Berio, chegou-se à conclusão de que havia um hermetismo muito grande na música e que essa era a principal causa da sua falta de aceitação e compreensão por parte do público (PENALVA apud PROSSER, 2000). Buscando uma aproximação, muitos compositores começaram a rever sua escrita e abandonaram as técnicas antes empregadas ou reincorporaram elementos da música tonal, modal, popular entre outros procedimentos. Essa nova produção musical – de caráter múltiplo, pluralista e híbrido – passou a ser denominada de pós-moderna (BUCKNIX, 1998; SALLES, 2003). 3 Essas peças podem ser dividas em dois grupos: de caráter puramente estético, em que o compositor é “ele mesmo” e escreve com maior liberdade, usando várias técnicas distintas; e outra de caráter estético e de entretenimento, na qual o compositor aproveita elementos folclóricos ou populares e faz uso moderado de procedimentos legados da fase anterior. Em ambos casos, o fim maior do trabalho composicional é a busca de maior expressividade tentado uma maior comunicação com o ouvinte (PROSSER, 2000).
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A partir do século XVIII, muitas danças de salão das cortes europeias adotaram a
forma rondó. Posteriormente, tal estrutura formal se tornaria uma das características mais
marcantes do choro (ALMADA, 2006, p. 9).
O rondó da polca-choro cristalizou-se numa forma-padrão que consiste, geralmente, em três partes com 16 compassos cada. A primeira (ou parte A) é a principal [...]. É apresentada quatro vezes durante a execução de um choro: as duas primeiras em ritornelo, na abertura, as duas outras intercalando as entradas das partes B e C (que também são apresentadas com as suas respectivas repetições [...]. Temática e motivicamente falando, as três partes, na maioria das vezes, têm grande autonomia, soando como se fossem três choros independentes, sem fortes ligações de parentesco). Na verdade, os principais elementos de coesão entre as partes (além da estrutura formal recorrente) são as relações mútuas entre as tonalidades.
No choro, as estruturas de período e de sentença resumem quase a totalidade de
possibilidades de construção fraseológica, havendo o predomínio da primeira. Muitas de
suas seções, estruturadas tanto como período ou como sentença, apresentam normalmente
quatro frases de quatro compassos cada. Em geral, cada frase tem uma função4 baseada em
sua condução harmônica (ALMADA, 2006).
Da mesma maneira que o choro teve em sua gênese a estrutura periódica da dança,
as primeiras sonatas do estilo pré-clássico herdaram a forma binária e a periodicidade frásica
das danças barrocas, acrescentando a elas a concepção dramática da estrutura formal – tão
cara ao classicismo. Essa simetria estrutural gera um nível de independência das frases,
permitindo às formas5 clássicas uma estruturação baseada na articulação entre as frases
(ROSEN, 1976).
O musicólogo norte-americano William Caplin (1998) afirma haver quatro de tipos de
tema6 comuns no classicismo: sentença, período, pequena ternária e tema híbrido. Cada um
deles apresenta características próprias, sendo primordial para sua clareza o tipo de
condução harmônica empregada.
4 Almada discute que tais funções tendo como parâmetro de construção o período, já que, segundo o autor, trata-se da estrutura mais comum no choro. 5 Rosen (1976) usa o termo estilo clássico no lugar de forma clássica, pois, segundo ele, a teorização formal do classicismo se deu a posteriori. Ainda, assim, o autor do presente artigo preferiu usar a palavra forma para evitar discussões e explicações semânticas dispensáveis no momento. 6 Não se deve confundir motivo temático com tema. Para Caplin o tema é uma unidade estrutural constituída por um conjunto de funções de início, meio e fim.
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Sem se prolongar demasiadamente na questão, é possível traçar algumas analogias
entre o choro e as obras classicistas: origem da forma em ambos, suas estruturas e o
tratamento motívico. Essas similaridades tornam possível a utilização dos conceitos
desenvolvidos por Caplin, originalmente destinados à música erudita do período clássico, no
presente estudo. Em resumo, suas conceituações nos parecem mais apropriadas, pois:
enfatizam o papel das progressões harmônicas locais como determinantes da forma;
distinguem entre função formal7 e estrutura de agrupamento8; reduzem a importância do
conteúdo motívico como critério de definição formal, embora o tratamento desse contribua
para funcionalidade formal; mesmo estritas, suas categorizações formais podem ser
aplicadas de modo flexível; a teoria é descritiva e empírica (CAPLIN, 1998).
CARINHOSO, DE PIXINGUINHA
Carinhoso foi composta por Pixinguinha9 em 1917. Por possuir um esquema formal
atípico para os choros da época, o compositor não a gravou nem a tocou em suas
apresentações. Apenas em 1928, registrou em disco esse choro. Em 1936, a pedido da
cantora e atriz Heloísa Helena10, Braguinha11 criou – às pressas – versos para o choro de
Pixinguinha. No ano seguinte, Orlando Silva12, acompanhado por Pixinguinha e sua
orquestra, gravou a versão com letra. A partir de então, a canção ficou tão famosa que se
tornou um marco da cultura popular brasileira (SEVERINO; MELLO, 1998).
7 “O papel específico desempenhado por uma passagem musical em particular na organização formal do trabalho. Geralmente expressa uma sensação temporal de começo, meio, fim, antes-do-começo, ou depois-do-fim. Mais especificamente, pode expressar uma ampla variedade de características e relações formais” (CAPLIN, 1998, p. 254-255). 8 Caplin (1998, p. 255) entende como uma “organização compartimentada, perceptivelmente significante em um espaço de tempo (grupo, unidade, parte, seção etc.) em qualquer ou todo nível hierárquico em um movimento”. 9 Alfredo da Rocha Vianna Filho, conhecido como Pixinguinha (1897-1973), foi um flautista, saxofonista, compositor e arranjador brasileiro. 10 Heloísa Helena de Almeida Lima (1917-1999) foi uma atriz e cantora brasileira. 11 Carlos Alberto Ferreira Braga (1907-2006), conhecido como Braguinha e também como João de Barro, foi um
compositor brasileiro, famoso pelas suas marchas de carnaval. 12 Orlando Silva (1915-1978).
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Do ponto de vista da análise formal13, dois aspectos chamam atenção na história
dessa canção: a estrutura atípica e a criação a posteriori de seus versos. No que tange à
primeira observação, como será analisado adiante, esse choro possui um esquema formal
ABAB, diferentemente do ABACA que era predominante na época. As suas seções, embora
obedeçam à simetria típica do estilo, são constituídas por uma sentença – menos estrita
devido à expansão de suas funções formais – e que constitui a parte A; um contrasting
middle mais uma sentença de dezesseis compassos que forma a parte B.
O segundo ponto é a razão para o autor deste trabalho evitar deliberadamente a
discussão mais profunda de qualquer relação entre palavra e música no que concerne à
forma. Não que os versos, criados muitos anos mais tarde do que a música, não tenham
influência nas sugestões pictóricas do arranjo em questão, mas suas funções parecem ligar-
se à clarificação ou turvamento da forma e da melodia em alguns trechos, ou como
elemento de contraste em outros. Contudo, a estrutura global não foi determinada pelos
versos, pois existia previamente.
Ao esquema formal original, além de realizar algumas alterações na repetição de A,
Penalva acrescenta no final da repetição do B uma estrutura baseada no material temático
de A. Portanto, podemos descrever a forma final do arranjo como: ABA’B’.
Toda seção A é uma única sentença de dezesseis compassos, assim como na canção
original. O que chama atenção a priori é o fato de Penalva ter escrito o arranjo com um início
tético, enquanto a transcrição o faz anacrústico (Ex. 1.1 e 1.2). A frase de apresentação, que
normalmente duraria quatro compassos, estende-se por oito. Para isso Pixinguinha repete a
mesma ideia básica quatro vezes: duas idênticas e duas transpostas, sendo uma dessas com
uma alteração na última nota.
13 Para auxiliar a discussão, será utilizada a transcrição que Almir Chediak (2004) fez da mesma peça. Essa transcrição foi feita a partir da gravação de Orlando Silva e Pixinguinha, de 1937.
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Exemplo 1.1 – Frase de Apresentação - Arranjo de Penalva de Carinhoso (Pixinguinha)
Exemplo 1.2 - Frase de apresentação - original de Carinhoso (Pixinguinha)
No início da transcrição, é possível constatar o que Caplin chama de prolongação da
tônica14, permanência na mesma função tonal que cria estabilidade e ausência de
14 Quanto à tonalidade, a transcrição de Almir Chediak está em lá maior e o arranjo de Penalva em mib maior.
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movimento harmônico. No arranjo, Penalva mantém a mesma concepção, embora agregue
algumas dissonâncias ao trecho. O compositor campineiro também parece explorar um
pouco mais a tensão gerada pela chegada ao iii, inserindo uma pequena mudança no
acompanhamento do tenor, que prepara o clímax da dinâmica desse agrupamento (Ex. 1.1).
Durante toda a frase de apresentação, o pulso – no arranjo – é levemente ausente.
Talvez por isso Penalva tenha decidido não iniciar a peça com um compasso anacrústico.
Como fez, o arranjador consegue evitar que a melodia ataque o tempo forte a cada
compasso. Além disso, o impulso da melodia se desloca para o terceiro tempo. Tais
alterações rítmicas, aliadas à harmonia estática, ao pedal do baixo e aos movimentos
cromáticos das vozes intermediárias, geram uma leve sensação de flutuação com um tênue
acúmulo de energia até o final da frase de apresentação quando há um crescendo que
conduz a sequência harmônica que prevalecerá na função formal de continuação (Ex. 1.1).
O tratamento sequencial da melodia na frase subsequente também se dá no baixo
(Ex. 3). Este imita parcialmente a estrutura rítmica da melodia. Isso turva um pouco a
percepção da harmonia, mas não a sensação de sequência e aceleração do ritmo harmônico
– características fundamentais para a fragmentação que ocorre na função de continuação
(CAPLIN, 1998) (Ex. 3).
Exemplo 3 – Tratamento sequencial da melodia
Após a perda de energia, a soprano inicia a função continuação-cadencial sozinha,
com base na ideia rítmica inicial, que o baixo também utiliza (Ex. 3). A melodia transpõe esse
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motivo – c – nos compassos seguintes, sugerindo uma sequência (Ex. 3, soprano). A
harmonia, após uma ascensão quase paralela no compasso 14, chega ao acorde de ré bemol
maior com sétima maior e nona maior, que se transforma em nona menor no compasso 16
ao chegar a si bemol (Ex. 4). Embora não haja um acorde de dominante, é possível ter a
sensação de resolução por duas razões: pela chegada muito clara, pela primeira vez, do
acorde de tônica – sem a terça; e pelo salto de quarta ascendente do baixo que precede a
tônica. Esse salto do si bemol ao mi bemol, que o baixo realiza, destaca-se em relação ao
movimento descendente por grau conjunto das outras vozes, além de ocorrer no tempo
fraco e sozinho, privilegiando sua escuta (Ex. 4).
Exemplo 4 – Cadência seção A
A primeira sentença, ou tema principal, embora polifônico, apresenta diversas
passagens em que as vozes se movem juntas, com o mesmo valor rítmico. Logo, pode-se
afirmar que há um predomínio de uma textura coral. Ressalta-se também o modo como
Penalva destaca a melodia em relação às outras vozes durante todo tema principal: ela está
na voz mais aguda; movimenta-se ou sobre pausas ou sobre notas com durações maiores; e,
o mais importante, somente ela tem letra, pois as demais vozes cantam em bocca chiusa.
A seção B pode ser divida em dois grupos estruturantes: um contrasting middle e
uma sentença. Penalva muda a armadura de clave de todo o B e anota “Mais Agitado” para o
primeiro grupo estruturante, o que não ocorre na transcrição nem parece necessário, visto
que as harmonias dos temas seguintes claramente estão em torno do tom principal. O
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trecho pode ser divido em duas frases. A primeira dessas frases se desenvolve sobre a
tonalização da mediante do tom principal; e a segunda prepara uma retransição para o tom
principal (Ex. 5.1).
Exemplo 5.1 - Contrasting middle
No arranjo, a primeira frase do contrasting middle é realizada quase totalmente pelas
vozes femininas, sendo que as masculinas entram apenas no final ligando essa frase à
próxima (Ex. 5.1). É a primeira vez que as demais vozes têm letra. Como a entrada das vozes
é em stretto, a inteligibilidade do texto diminui. Penalva faz um divise do soprano15, sendo
que a mezzo-soprano assume a melodia nos compassos 17 e 18 e a contralto nos compassos
18-19 (Ex. 5.1). Também é possível dizer que a melodia se encontra todo o tempo no
contralto, cabendo ao soprano, uma antecipação no compasso 17 e uma intervenção no
compasso 18 (5.1). Devido à trama polifônica, a condução harmônica dessa primeira frase
não é clara no arranjo, embora seja perceptível uma sugestão de outra região tonal.
A segunda frase (comp. 21-23) apresenta uma condução harmônica mais nítida em
relação à primeira. Na transcrição é possível perceber uma nova tonalização no V do tom
principal. Essa nova tonalização permitirá a peça voltar à região tonal inicial. Nesse trecho do
arranjo é possível abstrair uma condução harmônica sugerida, sobretudo, pelas vozes
masculinas: (V) IV-V2-iii7 (ou mesmo I6) e iº7 (também pode ser entendido como viiº7/iii).
15 Procedimento que repetirá adiante.
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Esse acorde pode ser classificado como ornamental, pois adia a chegada ao I, que ocorrerá
no início da próxima estrutura, mas com alteração da terça.
Essas duas frases terminam no terceiro tempo do compasso 23, havendo uma clara
cisão com o que segue. Como visto, a passagem descrita apresenta grande contraste com o
que lhe precede em termos de dinâmica, conteúdo motívico, textura e estrutura. Segundo as
considerações de Caplin (1998) sobre a forma clássica, poder-se-ia classificar essa passagem
como contrasting middle, estrutura frequente em pequenas formas ternárias ou binárias. No
entanto, não há qualquer tentativa de recapitulação de A, o que caracteriza a pequena
forma binária.
As considerações acima apontam para um fato claro na audição da obra: a
instabilidade do referido trecho. Para Caplin (1998) o contrasting middle não é tão
estruturado quanto a seção anterior, o que lhe confere certa instabilidade. Tal instabilidade
é em grande parte oriunda principalmente da harmonia que pode apresentar progressões
sequências para reforçar a instabilidade harmônica ainda mais. Embora, no arranjo, a
instabilidade esteja apenas sugestionada pela melodia, visto que o tratamento polifônico
distorce a percepção da harmonia, é clara a sensação de instabilidade que se utiliza não só
do tratamento harmônico mais denso, mas também, por exemplo, pelas entradas iniciais
sucessivas que geram grande tensão no limiar do trecho, adensando a textura. Ao fim, há, ao
menos na transcrição, uma cadência perfeita, omitida no arranjo. Após essa cadência, uma
sétima menor é adicionada ao acorde final reintroduzindo o tom inicial. Tal procedimento
pode ocorrer na retransição do tom subordinado para o principal (CAPLIN, 1998).
A segunda parte da seção B é formada por uma introdução e uma sentença (Ex. 6.1).
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Ex. 6.1 – Segunda parte da seção B
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Há uma introdução do primeiro tema que vem após uma pequena cisão no compasso
23, aclarada pelo texto. Também é possível perceber um ganho de energia através da
ascensão melódica e a condução harmônica, que parte de um si bemol menor até chegar ao
viiº do tom principal. Na transcrição, a primeira frase tem oito compassos, mas no arranjo
apenas seis. Isso se deve à já mencionada alteração do compasso inicial e à contração
rítmica da frase: ‘dos braços meus’. Notória é a utilização, no antecedente, da segunda frase
da transição como acompanhamento. Prática comum em Haydn, sobretudo nos quartetos
(ROSEN, 1976). Esse procedimento também remete à função do violão de sete cordas no
conjunto típico de choro, ao realizar contracantos que ‘dialogam’ com a melodia (figura 6).
No arranjo, a função de continuação pode ser identificada na sequência melódica, na
sequência harmônica implícita da melodia e na fragmentação rítmica, mesmo que a
harmonia do acompanhamento não realize uma sequência, pois, do compasso 31 ao 33,
mantém uma estrutura de acorde semelhante que muda no compasso 34 para preparar a
função cadencial. Aliás, esse procedimento de paralelismo total ou parcial – como na
primeira sentença – é uma característica do tratamento harmônico empregado por Penalva
na função de continuação.
Há uma elisão entre a função de continuação e a função cadencial no verso “e só
assim então”. Nessa cadência, Penalva faz uma clara alusão ao acorde de Dominante. Antes
da chegada desse acorde (incompleto, mas perceptível), o arranjador conduz a harmonia a
uma vaga sensação de ii – embora esse se mostre alterado: la natural e, posteriormente, fá
sustenido no contralto, que retorna a fá natural no tenor (comp. 36, figura 6). O acorde de
dominante é introduzido apenas com sua tônica: si bemol, que se entende por três tempos.
De modo inesperado, Penalva passa a resolução melódica para o baixo. O longo tempo à
espera por essa resolução permite ao arranjador a troca de registro sem prejuízo à
inteligibilidade e sem causar estranheza, mas sim surpresa. O acorde de dominante está
invertido e com a quinta alterada um semitom abaixo (fab = mi). A força da resolução
melódica, ampliada pela inesperada troca de registro, junto ao rebaixamento da quinta,
garante a força atrativa do acorde mesmo estando invertido e sem a sétima. Nessa
passagem é nítida a concepção de melodia e acompanhamento, seguida por uma seção
polifônica. Assim, distinguem-se claramente as funções que a compõe.
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A seção B no arranjo não é simétrica na escrita, como se pode esperar em um choro
tradicional e como ocorre na transcrição. Isso se deve às alterações rítmicas empregadas
pelo arranjador. No entanto, a cisão no compasso 23 e a permanência prolongada em uma
única nota ao final da seção, compensam essa assimetria.
O final da seção B elide ao início de A’. A principal diferença desta para A, é o fato de
que nessa seção todas as vozes possuem letra. Tal procedimento aproxima os planos
hierárquicos das vozes, ressaltando a tensão entre elas, assim como sua polifonia (Ex. 7.1).
Exemplo 7.1 – Seção A’
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Também é possível notar a inserção de intervalos que aumentam a tensão harmônica
em determinados trechos (Ex. 7.1). Mas a modificação intervalar mais chamativa ocorre no
início da cadência. Ao descer meio tom, Penalva nega o tom mi bemol maior predominante
na melodia da canção. E, nesse caso, negá-lo – onde ele quase sempre esteve claro – é
reafirmá-lo indiretamente (Ex. 7.2).
Exemplo 7.2 – Mudança da cor tonal por alteração do modo sugerido
Após a repetição ipsis litteris de B até o compasso 36, Penalva acrescenta, ao
fechamento dessa seção, uma extensão cadencial com uma cadência evadida que mantém
em suspenso a resolução. Essa extensão inicia com o baixo, por meio de imitação,
executando o si bemol em oitava com o soprano. Esse, após um decréscimo de energia, não
canta o final do verso que se esperava, mas reintroduz a ideia básica do tema principal
modificado. Em seguida, o baixo se dirige a sol bemol, concretizando a cadência evadida ao
dar início a um novo material que mantém em suspensão o precedente.
Durante os compassos seguintes (Ex. 8.2), há um grande pedal sobre o qual é
repetida a ideia básica modificada. Somente no compasso 46b o pedal é retirado junto com
a interrupção das demais vozes, restando apenas o soprano. Após três tempos de destaque
do soprano, no compasso 47b, o baixo, com indicação de acelerando e forte, introduz o
motivo de fechamento da seção B, com o vocábulo ‘num’. Tal expressão parece remeter às
batidas do coração. A seguir, o arranjador faz um cluster distribuído sobre o baixo de mi
bemol, cujas entradas desencontradas e sempre com notas mais agudas, aliadas ao
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crescendo, aumentam a tensão do acorde final. Com exceção da cadência, todo trecho tem
grande coesão tímbrica devido à bocca chiusa, sendo essa mudança da textura um reforço
da ideia de extensão cadencial.
Exemplo 8.2 – Extensão Cadencial
CONCLUSÕES
Penalva consegue recriar o contexto da canção de modo original e sem que esta
perca sua identidade. Isso parece possível graças ao manejo do material harmônico, textural
e textual, orientando o ouvinte e clarificando a percepção das estruturas formais. Por
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exemplo, dentro do contexto da peça, as funções de continuação são tratadas com
paralelismos total ou parcial do acorde; e as cadências que encerram as seções são mais
claras em relação às demais – tal como uma peça clássica, mas com elementos distintos.
Além disso, os finais estruturais sempre contam com um ou mais elementos cadenciais
ligados à cadência perfeita, o que destaca seu fechamento: em A, o salto de si bemol a mi
bemol; em B, o motivo melódico. Aliás, o motivo melódico que arremata o fechamento
estrutural de B parece conceder mais força em relação à cadência de A. É interessante notar
que Penalva enfraquece a resolução de B com uma elisão; e de B’ com o cluster final.
Outro ponto de destaque é o contraste entre texturas polifônicas distintas para
aclarar os blocos estruturais que a melodia sugere. Tal manejo garante, por exemplo, a
distinção das duas passagens que compõe a primeira sentença, visto que o tratamento
polifônico dilui a clareza harmônica; ou a distinção entre o contrasting middle e a segunda
parte de B. No arranjo, a harmonia parece, em geral, criar ambientações como no início de A
ou no segundo tema de B, e sugestões de movimentações próximas às que a melodia sugere
e que se concretizam na transcrição. Assim, a textura empregada enfatiza ou distingue
melhor as funções formais e os blocos estruturais.
A utilização do texto como procedimento de hierarquização da espacialidade é um
ponto chave para alterar a percepção de A em sua repetição, assim como para aumentar o
grau de suspensão na cadência evadida em B’ ao retirar a letra das vozes. Logo, em muitas
passagens, a combinação entre texto e textura é fundamental para expressar o sentido
formal que, na canção original, é garantido pela harmonia. Ainda que não tenha originado a
forma da canção como mencionado anteriormente, o arranjador usa as características do
texto para manipular a forma da canção: aclarando ou turvando.
Assim, pode-se constatar uma possibilidade de assegurar a inteligibilidade das formas
com elementos tonais livres (ou não tonais), desde que esses expressem ou possam ser
auxiliados por outros elementos a expressar as características perceptivas intrínsecas às
funções formais. Há uma estrutura anterior – baseada na percepção – regendo as
possibilidades das manifestações musicais de qualquer forma; estrutura que Penalva
respeita em seu arranjo, tornando-o inteligível e gerador de expectativas.
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REFERÊNCIAS
ALMADA, C. A estrutura do choro: com aplicações na improvisação e no arranjo. Rio de Janeiro: Da Fonseca, 2006.
BUCKINX, B. O pequeno Pomo: ou a história da música do pós-modernismo. Trad.: Álvaro Guimarães. São Paulo: Giordano, 1998.
CAPLIN, W. E. Classical Form: A theory of Formal Functions for the instrumental music of Haydn, Mozart, and Beethoven. New York: Oxford University Press, 1998.
CAZES, H. O choro. In: Raízes Musicais do Brasil. Rio de Janeiro: SESC Rio, 2005. p. 15-23.
CHEDIAK, A. As 101 melhoras canções do século XX. v. 2. Rio de Janeiro: Lumiar, 2004. p. 62-63.
PROSSER, E. S. Um olhar sobre a música de José Penalva: catálogo comentado. Curitiba: Champagnat, 2000.
ROSEN, C. The Classical Style: Haydn, Mozart, Beethoven. 2. ed. Londres: Faber and Faber, 1976.
SALLES, P. de T. Aberturas e impasses: O pós-modernismo na música e seus reflexos no Brasil – 1970-1980. São Paulo: Editora UNESP, 2003.
SEVERIANO, J.; MELLO, Z. H. de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras. v. 1. São Paulo: Editora 34, 1997. p. 153-155.
TINHORÃO, J. R. Música Popular: um tema em debate. 3. ed. São Paulo: Editora 34, 1997. p. 107-126.
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SONATA N. 2 PARA PIANO DE JOSÉ PENALVA: CONSIDERAÇÕES ANALÍTICO-INTERPRETATIVAS
Me. Alexandre Gonçalves1 [email protected]
Resumo Este trabalho propõe-se a analisar a Sonata n. 2, para piano, de José Penalva (1924-2002), buscando processos analíticos complementares à performance instrumental. É resultado da Dissertação de Mestrado intitulada As três Sonatas para piano de José Penalva: uma abordagem analítico-interpretativa. Apesar de ser a primeira sonata para piano a ser composta por Penalva, a Sonata n. 2 (1960) apresenta influências, segundo o próprio compositor, de Bartók (1881-1945), Gershwin (1898-1937), Webern (1883-1945) e Guarnieri (1907-1993). Foram utilizados como ferramentas analíticas os conceitos de tonicização, prolongamento e níveis estruturais da análise Schenkeriana, além da análise temática e motívica tradicionais. Todo o processo analítico se mostrou convergente, tornando a relação análise-performance complementar e produtiva para a realização instrumental. O resultado dessa união e complementação está presente nas propostas interpretativas sugeridas no corpo do texto, e foram aplicadas diretamente à obra, registrada em CD.
Palavras-chave: José Penalva; Sonatas; Análise e Performance.
PIANO SONATA N. 2 FOR PIANO BY JOSÉ PENALVA: ANALYTICAL AND INTERPRETATIVE CONSIDERATIONS
Abstract This paper proposes an analysis of the Sonata n. 2 for piano by José Penalva (1924-2002), seeking an analytical process complementary to the instrumental performance. It results from the Masters thesis The Three Piano Sonatas of Joseph Penalva: An analytical and interpretive approach. Despite being the first sonata to be composed by Penalva, the Sonata n. 2 shows influences, according to the composer, by Bartók (1881-1945), Gershwin (1898-1937), Webern (1883-1945) and Guarnieri (1907-1993). The concepts of tonicization, extension and structural levels of Schenkerian analysis were used as analytic tools, beyond the traditional motivic and thematic analysis. The entire analytical process proved convergent, making the analysis-performance relation complementary and productive for instrumental performance. The result of this union and complementation is present in the interpretive proposals suggested in the text, and were applied directly to the work, recorded on CD. Keywords: José Penalva; Sonata N. 2; Analysis and Performance.
1 Bacharel e Mestre em Música, Sub-área Práticas Interpretativas - Piano pela Universidade do Estado de Santa Catarina / UDESC.
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INTRODUÇÃO
José de Almeida Penalva (1924-2002) é considerado por diversos pesquisadores um dos
principais compositores brasileiros da segunda metade do século XX. Sua música é singular,
principalmente pela exploração de linguagens (antiga e nova, sacra e secular) e pela densidade
e intensidade expressivas (PROSSER, 2000, p. 4).
Em sua atuação, ampliou as fronteiras da música, destacando-se também como
professor, teólogo, crítico e escritor. Natural de Campinas (SP), viveu desde sua adolescência em
Curitiba, onde desenvolveu atividades como sacerdote e compositor. Além de ampla formação
musical, foi também membro fundador de sociedades culturais, como a Sociedade Brasileira de
Musicologia e a Sociedade Brasileira de Música Contemporânea.
Suas composições incluem obras para piano e órgão, música de câmara, obras corais,
orquestrais e corais-orquestrais, com solistas, atores e declamadores. Sua maior produção
musical era voltada à música vocal sacra. Destacam-se na sua produção secular instrumental
doze obras para piano: as Sonatas n. 1, 2 e 3, as Mini-Suítes n. 1, 2 e 3, Três Versetos, Nova et
Vetera, Marcas I, Diálogo, Ponteio e Toccata.
Dentre as peças para piano solo, destacam-se as três sonatas, compostas em linguagens
musicais distintas. A Sonata n. 2 (São Paulo, 1960) foi composta sobre um tecido modal e em
forma sonata clássica. Escrita em três movimentos, notam-se em algumas passagens – que
serão referenciadas ao longo da análise – as possíveis influências dos compositores dos quais
José Penalva declarou ter se influenciado: Bartók (1881-1945) e Gershwin (1898-1937) no
primeiro movimento; Guarnieri (1907-1993) no segundo; e Webern (1883-1945) no terceiro
movimento.
Ao longo de sua trajetória, José Penalva demonstrou estar atento e aberto a todas as
tendências musicais que o cercavam, tanto nacionalmente, quanto internacionalmente. Em suas
obras, conforme seu próprio depoimento, experimentava todos os artifícios e linguagens
composicionais disponíveis (PENALVA apud PROSSER, 2000, p. 20-21).
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Especificamente em relação às três Sonatas para piano, o estudo detalhado de peças de
grandes dimensões como essas torna possível observar a exploração dos recursos musicais
empregados pelo compositor.
A SONATA N. 2 (1960)
Na década de 1960, José Penalva realizou intensamente “as primeiras pesquisas
musicológicas de Penalva sobre Carlos Gomes (1836-1896)” (PROSSER, 2006, p. 39).
Considerando que essa sonata foi a primeira obra pianística composta nessa década, seria
inevitável, em algum momento, Penalva não retratar nela características musicais de Carlos
Gomes. Veremos que não houve citação direta de temas de Carlos Gomes, mas alusões que
podem nos auxiliar na construção interpretativa da obra.
Primeiro movimento - Moderato
Conforme declaração de José Penalva, essa sonata tem seu primeiro movimento
elaborado segundo princípios composicionais baseados em Bartók e Gershwin. Todavia, o
compositor esclareceu que “nada foi inspirado diretamente das obras e dos temas destes
compositores” (FREGONEZE, 1992, p. 40). De fato, alguns elementos característicos da
linguagem musical de Bartók e Gershwin tornam-se visíveis durante a apresentação dos temas
A e B, respectivamente: ostinatos rítmico-melódicos, passagens harmônicas com sonoridade
jazzística, acordes com sétimas, texturas verticais e, como principal característica, o modo eóleo
como material musical do primeiro movimento.
Em forma sonata clássica, pode-se entender sua estrutura interna como segue (Quadro 1):
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Introdução Caráter de Abertura c. 1 a 4 Grandioso / Centrado em Lá
Exposição
Tema A c. 5 a 10 1º segmento
c. 10 a 17 2º Segmento
Transição c. 18 e 19 Fórmula Cadencial
Tema B
c. 20 a 26
Sobre a região de V grau (Mi)
Ponte c. 27 Fórmula Cadencial (ritornelo)
Desenvolvimento
Abreviado c. 28 a 36 1º segmento
c. 37 a 46 2º segmento
Reexposição Temas A e B c. 66 a 72 1º e 2º segmentos
Coda “Perdendosi” c. 73 a 75 Quadro 1 - Esquema formal do 1º movimento da Sonata n. 2, para piano, de José Penalva. Fonte: elaborado por Gonçalves (2009)
Este movimento inicia com uma introdução (c.2 1 a 4), na qual o compositor define o
material básico para a elaboração de todo o primeiro movimento3, com um tema modal (eóleo).
Com caráter enérgico e eloquente de abertura bem evidente, sua textura é densa, contrapondo
uma melodia em uníssono, na região média, e acordes com marcato escritos em tempos fracos
ou contratempos nas regiões aguda e grave do instrumento. Mediante essa escrita, percebemos
o tratamento orquestral conferido ao tema, que lembra a protofonia da ópera Il Guarani (1870),
de Carlos Gomes. Esses compassos iniciais podem ser entendidos como uma matriz que
sintetiza praticamente todo o material musical do qual o compositor se servirá durante o
primeiro movimento.
O conteúdo intervalar, escalar e harmônico desse trecho apresenta vários elementos
que escapam a uma sonoridade tonal, apesar da inequívoca centralidade da nota Lá.
2 Neste artigo, a palavra compasso será abreviada por c. 3 As imagens que serão apresentadas durante a análise são digitalizações do manuscrito autógrafo do compositor.
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Figura 1 – Introdução com caráter de abertura: c. 1 a 4.
A melodia (na região média) é acompanhada pela seguinte sequência harmônica: Am,
Dm6, Cm6, G e Gm, estes dois últimos em 1ª inversão, criando uma linha cromática
descendente, na qual o Si bemol do último acorde resolve em Am. Se do ponto de vista
harmônico o trecho soa pouco convencional (especialmente o terceiro compasso), do ponto de
vista contrapontístico a linha do baixo A-D-C-B-Bb-A não deixa dúvidas sobre a orientação
cadencial do tema (Figura 1).
Com uma escrita de 5as sobrepostas, escrita muito comum em obras de Bartók, inicia no
c. 4 um ostinato harmônico formado pelas notas do acorde de Am6, que servirá de
acompanhamento ao tema A da seção de exposição.
O tema A se subdivide em dois segmentos. O primeiro (c. 5 a 10) é construído a partir de
acordes com sétima arpejados, cujas notas superiores delineiam uma melodia diatônica
descendente. A textura e a harmonia deste trecho derivam dos acordes do tema de abertura e
seu final conclui com uma sequência melódica em 4as (inversão das 5as do acompanhamento)
sobre o acorde de Eb6, cadenciado para Am6. Essa resolução através do antípoda (grau distante
uma 4ª aumentada do tom principal) substitui a relação V-I do tonalismo convencional.
A sonoridade modal da abertura fica dissolvida pelos cromatismos e acordes com sétima,
além de “alguns veneninhos” (c. 5, 7 e 8), nas palavras de Penalva, caracterizados pelo
acréscimo de notas estranhas ao centro modal (FREGONEZE, 1992, p. 89).
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O segundo segmento do tema A (c. 11 a 17), uma melodia em legato com ritmo
sincopado, estruturada a partir da pentatônica menor de Lá, deriva do tema em uníssono da
abertura. O acompanhamento em acordes de sétima e sexta desenha uma progressão
predominantemente cromática. É possível que tais cromatismos representem a influência de
Gershwin (1898-1937) a que Penalva se referia, uma vez que lembram sonoridades cromáticas
tipicamente jazzísticas.
Figura 2 – Primeiro segmento do tema A: c. 5 a 10.
Melodicamente, o motivo estrutura-se com as notas contidas nas tríades de Am e Em,
harmonizado sobre acordes como F7M, C7M, Eb, Gm7, G7, Eb6.
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Figura 3 - Segundo segmento do tema A: c. 10 a 17.
O tema A finaliza com uma fórmula cadencial que estabelece a transição entre os temas
A e B. Essa fórmula, que apresenta novamente a resolução por meio do antípoda de Lá (Eb),
configura-se como um elemento estrutural essencial no discurso, pois estabelece a separação
de motivos ou seções no decorrer da obra.
Figura 4 - Fórmula cadencial: c. 18 e 19.
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Conforme a figura 5, a seguir, ocorre entre os compassos 20 e 26 o tema B, centrado em
Mi. Ritmicamente, ele apresenta uma nova variação do tema de abertura, no qual a semínima
pontuada e a colcheia da abertura são alteradas para duas semínimas.
Os temas A e B contrastam entre si principalmente pelo fato de a melodia ter passado
para o pentagrama inferior em B, além da intensidade. Com indicação de f para a melodia, os
acordes que realizam o acompanhamento na mão direita estão escritos em p e pp durante todo
o tema. O tema B tem apenas sete compassos, sua dimensão é ampliada por repetição,
sinalizada pelos ritornelli. A característica de ser um tema curto e sem segmentos, se
comparado ao tema A, também fortalece o contraste entre A e B.
Figura 5 - Tema B da seção de exposição: c. 20 a 26.
A seção de desenvolvimento (c. 28 a 45) divide-se em dois segmentos: o primeiro utiliza
elementos temáticos da parte final de B; e o segundo, citações dos temas A e B.
O primeiro segmento do desenvolvimento reproduz o início do motivo melódico de B,
mantendo as mesmas alturas, porém utilizando o ritmo de forma espelhada.
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Figura 6 - Comparação entre início do tema B e sua variação no desenvolvimento.
Quanto à dinâmica, também ocorre um tipo de inversão: em B havia a indicação de f
para o pentagrama inferior, e p para o superior; no desenvolvimento, encontramos ppp para o
pentagrama inferior e f para o superior (Figura 6).
O motivo que inicia o desenvolvimento é utilizado como ostinato, assumindo a mesma
função de acompanhamento que as 5as intercaladas na apresentação do tema A. O ostinato
desenvolve-se basicamente sobre o acorde de Em, apresentando, ao final do segmento, uma
variação cadencial sobre D e C, retornando para Em (Figura 7).
A melodia no pentagrama superior é reforçada por acordes de 5ª e 8ª (c. 29 a 36) e
apresenta fragmentos rítmico-melódicos do 2º segmento do tema A.
Figura 7 - Primeiro segmento do desenvolvimento: cp. 28 a 36.
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No compasso 37 (Figura 8) inicia-se o segundo segmento do desenvolvimento, que se
estende até o compasso 45. Nesse trecho é possível identificar citações dos temas A e B da
seção de exposição: acordes de sétima arpejados, escalas e o ostinato de 5as intercaladas como
acompanhamento. Além disso, surge como elemento temático uma variação da fórmula
cadencial (c. 42 e 43). O desenvolvimento encerra com a reapresentação do ostinato que iniciou
essa seção, alterado cromaticamente para Ebm (c. 44 e 45), conduzindo à fórmula cadencial no
compasso 46 através do antípoda (Eb-A).
Figura 8 - Segundo segmento do desenvolvimento e fórmula cadencial: c. 37 a 46.
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A reexposição estende-se do compasso 47 ao 72, apresentando o tema B transposto
para a região da tônica (Am).
Figura 9 - Reexposição de B sobre a região principal, Lá: c. 66 a 72.
A coda, compreendendo os compassos 73 a 75, tem textura polifônica e verticalizada,
lembrando o tratamento orquestral da abertura (c. 1 a 4). Inicia-se com a repetição do último
compasso da reapresentação do tema B, porém, sem acidentes ocorrentes sobre o acorde de 5ª
e 8ª formado pelas notas Fá - Dó - Fá (c. 73). Essa alteração delimita claramente o início da coda.
A dinâmica, em decrescendo gradual (p a ppp), confere a esse trecho uma sonoridade etérea e
perdendosi.
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Figura 10 - Coda: c. 73 a 75.
Segundo Movimento – Andante Cantabile
Segundo José Penalva, neste movimento procurou inspirar-se em características
composicionais de Camargo Guarnieri. Essa inspiração pode ser observada na rítmica
“desencontrada” e na métrica pouco comum, em 7/8 aplicada em todo o movimento,
semelhante ao tratamento composicional encontrado na parte final do Ponteio n. 18 do
segundo caderno.
Figura 11 - Três últimos compassos do Ponteio n. 18, 2o caderno, de Guarnieri (1907-1993)
Contrastando com a grandiloquência do primeiro movimento, este possui caráter
contemplativo e meditativo. Centrado em Ré, apresenta um ostinato melódico com
acompanhamento, reminiscência do ostinato do primeiro movimento.
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Quadro 2 - Esquema formal do 2º movimento da Sonata n. 2, para piano, de José Penalva. Fonte: elaborado por Gonçalves (2009)
Em forma ternária (A-B-A) e métrica 7/8, tem a parte A subdividida em dois motivos: A1,
construído sobre as notas da primeira tríade de Ré eóleo (c. 3 a 6); e A2, formado por uma
melodia diatônica de contorno sinuoso, que se estende do compasso 7 ao 10.
Sob os dois motivos, o ostinato que os acompanha delineia em suas notas mais graves
uma melodia cromática descendente. Fregoneze (1992, p. 46) reconhece, entre os compassos 6
e 9, a seguinte articulação rítmica no acompanhamento: 2+3+2, 2+3+2, e 3+4.
A indicação dolce, aliada à rítmica lenta do ostinato e melodia, sugere uma sonoridade
expressivamente seresteira.
PARTE A
c. 1 e 2 Introdução / Ostinato Métrica: 7/8
Centrado em Ré c. 3 a 6 Tema A1
c. 7 a 10 Tema A2
c. 13 a 17 Transição
PARTE B
(a – b – a’)
c. 18 a 25 Tema B1
Métrica: 3/4 Pentatônica menor
de Lá
c. 26 a 32 Tema B2
c. 33 a 39 B1’
c. 40 a 47 Transição
PARTE A
c. 1 e 2 Introdução / Ostinato
Métrica: 7/8 Centrado em Ré
c. 3 a 6 A1
c. 7 a 10 A2
CODA c. 11 a 13 Finalização
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Figura 12 - Introdução, Parte A e seus dois motivos (A1 e A2): c 1 a 10.
As indicações dolce e cantabile permitem ao intérprete tornar a melodia expressiva,
além da dinâmica em pp reforçar o caráter introspectivo e singelo do tema.
Uma transição com motivos em semicolcheias e semínimas conduz à parte B. Os grupos
rítmicos, que antes figuravam apenas do acompanhamento em ostinato, articulam-se agora
entre os dois pentagramas, complementando-se. Com extensão de cinco compassos, nota-se
nessa transição o padrão rítmico 3+4 e 4+3 (c. 14 a 18). Os sinais de crescendo e accelerando
impulsionam a melodia em direção à seção seguinte.
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Figura 13 - Transição para a parte B: c. 14 a 18.
A sonoridade resultante desse trecho pode ser entendida como uma perturbação do
“sossego” estabelecido na parte A, devido ao uso de dissonâncias e acordes que fogem dos
encontrados em Ré eóleo, e pelo adensamento textural nos dois últimos compassos dessa
passagem. Após a interrupção da transição pela indicação I tempo, a parte B inicia em mf e seu
acompanhamento em p. Em métrica ternária simples (3/4), é mais extensa do que a parte A e
está subdividida em três partes (a-b-a’). Apresenta dois temas ritmicamente contrastantes, B1 e
B2.
O tema B1 (c. 19 a 26), escrito na região do V grau da escala principal (Ré eóleo), está
estruturado a partir da pentatônica menor de Lá. Nos compassos 21 e 25, acompanhamento e
melodia são alterados cromaticamente, criando um efeito de deslocamento harmônico.
Distanciamentos harmônicos da região principal favorecem uma interpretação com sonoridade
que sugere a sensação de fluidez e levitação.
Não havendo indicações de articulação propostas pelo compositor nessa passagem, o
intérprete tem a opção de aplicar recursos de pedal e articulação para criar um ambiente
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sonoro de caráter etéreo. Como o tema e o acompanhamento estão escritos praticamente na
mesma região do instrumento, a diferenciação nas articulações ajuda a reforçar a distinção
entre os planos sonoros, salientando o tema. Sugere-se a realização dos ostinatos em legato e a
melodia em non legato.
Figura 14 - Primeiro grupo temático da parte B: c. 19 a 26.
O tema B2, variação de B1 que inicia na anacruse do compasso 26, possui contorno mais
elaborado, além de contrastar com o primeiro tema pela dinâmica em f. Contrapondo o legato
implícito na parte A, estão as terças em staccato do acompanhamento. A finalização de B2
ocorre de forma brusca, com a suspensão do discurso através da fermata sobre a barra do
compasso 34.
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Figura 15 - Segundo grupo temático da parte B: c. 26 a 33.
Após a fermata, B1 é reapresentado a partir do compasso 34, até ser interrompido no
compasso 41 por uma nova transição, escrita em f.
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Figura 16 - Re-apresentação de B1: c. 34 a 40.
Essa transição está estruturada sobre intervalos de 4ª (aumentada e justa) no
pentagrama inferior, e harmonias quartais (acordes de 4ª e 7ª, e de 4ª e 8ª) no pentagrama
superior. Os intervalos de 4ª do pentagrama inferior cedem lugar a uma sequência ascendente
de acordes arpejados. Em ritmo de semicolcheias, esses arpejos formam os acordes F7M e
F#7M, em 2ª inversão, que se intercalam a cada pulso.
Os arpejos continuam nos compassos 44 e 45, mas agora agrupados de cinco em cinco
semicolcheias, provocando um deslocamento rítmico em relação à métrica do compasso (3/4).
Neste momento, as 4as do acompanhamento (início da transição) transferem-se para a voz
superior.
Na anacruse para o compasso 46, tem início uma espécie de trinado, que acontece entre
o acorde de Eb7M, em 2ª inversão (pentagrama inferior), e intervalos de 4ª justa formados
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pelas notas Fá# e Si (pentagrama superior). As indicações de crescendo e accelerando nos
compassos 46 e 47 reforçam a ideia do trinado, criando uma massa sonora que conduz à
reapresentação da parte A.
Figura 17 - Transição para reexposição da parte A: c. 41 a 48.
Após a reapresentação de A, o movimento encerra definitivamente com uma coda, sob a
indicação P/ terminar. A coda encerra com um intervalo de 5ª justa, formada pelas notas Ré
(pentagrama inferior) e Lá (pentagrama superior), sonoridade característica de cantos
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gregorianos e obras renascentistas, “com a qual Penalva muito se identificava” (PROSSER, 2006,
p. 23).
Figura 18 - Coda do segundo movimento: c. 11 a 13.
Os desvios harmônicos e uso de dissonâncias, identificados neste movimento,
representam a busca de Penalva por uma nova sonoridade que não mais o modalismo e o
tonalismo tradicionais. Vale relembrar que nessa mesma década, o compositor começara a
utilizar o dodecafonismo em algumas de suas composições, e que passagens “estranhas”
encontradas nessa Sonata já podem refletir uma abertura idiomática.
Terceiro Movimento – Rondó-Allegro
De acordo com o relato de José Penalva, neste movimento manifestam-se características
composicionais de Webern (1883-1945) (FREGONEZE, 1992, p. 40). Conformado ao rondó
clássico, esse movimento contém elementos mais contemporâneos, como bitonalidade e seções
com interrupções bruscas de agregados em clusters. Ocorrem ainda amplos contrastes de
dinâmica, citações de melodias populares e acordes de 4ª sobrepostas4.
Conforma-se de acordo com a seguinte estrutura: A – B – A – C – A – D – A – Coda.
4 Acordes de quartas sobrepostas: acordes construídos por quartas independentes e sem relação entre si, colocadas uma sobre as outras, de bi- ou politonalidade, ou de cluster (PENALVA, J. História da Música. Curitiba: Associação Cultural Avelino Vieira, 1991, p. 51).
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A c. 1 a 3 Motivo 1
c. 4 a 9 Motivo 2
B
c. 10 a 21 B1
c. 22 a 35 B2
c. 36 a 47 B1’
C
c. 58 a 63 Motivo 1
c. 64 a 67 Motivo 2
c. 68 a 72 Motivo 1
c. 73 a 78 Motivo 3
c. 79 a 86 Motivo 1
D
c. 97 a 104 D1
c. 105 a 107 D2
c. 108 a 115 D1
c. 116 a 130 D2 + Transição
CODA c. 141 e 142 Cadência Final Quadro 5 – Estrutura formal do terceiro movimento da Sonata n. 2, de José Penalva Fonte: elaborado por Gonçalves (2009)
Tem caráter de síntese ou recapitulação da obra. Embora não haja citações diretas de
temas dos outros movimentos, há a reutilização de materiais temáticos e recursos
composicionais desenvolvidos anteriormente. Dimensionado em 143 compassos, sua métrica é
binária, e andamento de semínima igual a 144 bpm.
A parte A tem, novamente, a nota Lá como centro tonal e está subdividia em dois
motivos. Embora o retorno ao centro tonal Lá possa parecer uma possível citação do primeiro
movimento, é, na realidade, um elemento de coerência da obra, fixado pela forma Sonata
tradicional.
O primeiro motivo aparece em uníssono, sob a indicação irritado e mf, novamente com
caráter de abertura e em Lá dórico. O segundo motivo (com terças em tons inteiros e Lá eóleo),
formado por acordes em ambos os pentagramas, tem contorno melódico ascendente no
pentagrama superior e descendente no inferior. Sobre os intervalos de terças, em staccato, há
as indicações de p e pp, e sobre as tríades, um crescendo que culmina em ff.
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Figura 19 - Motivo 1 e 2 da parte A: c. 1 a 9.
A parte B estende-se do compasso 10 ao compasso 21 e também se subdivide em dois
temas anacrústicos, B1 e B2.
O tema B1 lembra o segundo segmento do tema A do primeiro movimento, tanto do
ponto de vista rítmico como do melódico. Com acordes quartais e textura coral, compreende os
compassos 10 a 14, repetindo-se entre os compassos 15 e 18. Com intensidade f, a parte final
de sua repetição recebe um sinal de crescendo, que conduz a melodia a um motivo em ff. Esse
motivo estabelece a ponte para o tema B2.
Figura 20 - Tema B1 e sua repetição: c. 10 a 18.
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Essa ponte (c. 19 a 21), de textura cordal e sincopada, é derivada de uma transposição
não literal de B1, elevado uma 5ª justa acima. Tem desenho melódico descendente e finaliza a
exposição desse tema em decrescendo.
Figura 21 - Passagem de B1 para B2: c. 19 a 21.
O tema B2 – bitonal – consiste em um motivo melódico elaborado sobre as notas da escala
pentatônica menor de Si bemol (pentagrama superior), acompanhada por um ostinato em
colcheias (um acorde de quarta formado pelas notas Lá-Ré-Sol) no pentagrama inferior. Tem
caráter de melodia acompanhada e o acompanhamento é um ostinato sobre um acorde de 4as
sobrepostas, tendo como baixo a nota Lá.
A melodia inicia em anacruse no compasso 22 com apenas uma nota (Si bemol) em p,
estendendo-se até o compasso 25. No compasso 23 tem início o acompanhamento em ostinato,
que prepara o tema B2, escrito com semínimas em staccato e em anacruse para o compasso 26.
Essa melodia é atrasada em meio tempo a partir do compasso 29, retomando sua posição
métrica normal na anacruse do compasso 32. Torna-se sincopada nos compassos 34 e 35.
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Figura 22 - Tema B2 sobre a pentatônica menor de Si bemol: c. 22 a 35.
O motivo sincopado prepara o trecho para a retomada de B1’, que acontece no
compasso 36. Sua reapresentação é enfatizada pela dinâmica ff e pelo reforço harmônico em 8as
do contracanto no pentagrama inferior e dos acordes quartais sob cada nota da melodia.
Denominamos este trecho de B1’ porque, em lugar da repetição, como acontece em B1,
ocorre um motivo inicialmente com colcheias em staccato e depois com colcheias apoiadas
ritmicamente em grupos do tipo 3+3+2. De dois em dois compassos esse padrão rítmico se
repete e o motivo é transposto uma 4ª justa acima. A dinâmica aumenta em um crescendo, de
mf a ff, quando o discurso é interrompido bruscamente no compasso 47.
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Figura 23 - B1’ reforçado por notas adicionais e pela dinâmica em ff : c. 36 a 47.
Após uma breve passagem em colcheias com apoios métricos em 3+3+2, a parte A é
reapresentada (c. 48 a 57).
A partir do compasso 58 (figura 24), tem início a parte C. Esta seção apresenta fortes
contrastes de dinâmica e a exploração das regiões extremas do instrumento. As pausas
utilizadas na composição dos motivos criam a sensação de tratar-se de fragmentos temáticos,
mas podem ser entendidos como alusões à prática composicional Weberniana. A melodia
consiste em acordes quartais arpejados, descendentes e ascendentes, no pentagrama superior.
Os clusters em agregados de três notas aparecem sempre no pentagrama inferior, em ritmo
sincopado e acéfalo. Se observados conjuntamente, os clusters escritos entre o compasso 58 e
63 formam a escala de tons inteiros, partindo de Sol bemol.
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Figura 24 - Início da parte C: c. 58 a 63.
O ambiente Weberniano (c. 58 a 63) apresentado anteriormente sofre a interjeição de
um motivo também em colcheias (c. 64 a 67), estruturada em dois acordes, F7M e Db6 (figura
25). Ambos estão em posição aberta, divididos em duas 5as justas.
Figura 25 - Interjeição entre motivos da parte C: c. 64 a 67.
A sonoridade dessa interjeição estabiliza o trecho após a ocorrência dos “fragmentos”
que pontuaram o início da parte C. O motivo Weberniano é retomado em ff nas regiões
extremas do piano. Uma estrutura simétrica é revelada quando os acordes quartais que
ocorrem a partir do compasso 69 são apresentados em ordem inversa ao início de C e
antecipados em meio tempo.
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A figura 26, a seguir, compara a inversão na ordem de apresentação dos acordes
quartais.
Figura 26 - Inversão na ordem dos acordes quartais: c. 60 a 63; 69 a72.
Após o trecho em inversão, ocorre em mf uma passagem somente com acordes quartais,
em ambos os pentagramas (c. 73 a 78), condensando o material temático da parte C. Há as
indicações de crescendo e accelerando, até sofrer novamente, a interjeição em p súbito dos
acordes de F7M e Db6.
Figura 27 - Acordes quartais: c. 73 a 78.
Sob as indicações de I Tempo e p súbito (c. 79), o motivo de interjeição é transposto uma
8ª acima nos compassos 81 e 82. O acorde de F7M é transposto mais uma 8ª acima e sua
repetição se estende do compasso 83 ao 86, finalizando o trecho em um crescendo e
accelerando.
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Figura 28 - Acordes de F7M e Db6: c. 79 a 86.
A parte D inicia após a reapresentação da parte A e traz a indicação melodioso e sonoro.
São apresentados dois temas contrastantes: D1, com melodia diatônica e textura coral (c. 97 a
104); e D2, um tema de interjeição em semicolcheias, baseado no tricorde (Dó-Si-Lá) do início
do tema D1, transposto, invertido e acelerado (c. 105 a 107).
O tema D1 tem seu início em f sem o acompanhamento, que inicia apenas no segundo
tempo do compasso 98. Os motivos estão dispostos de tal maneira, que não se notam
interrupções no discurso por pausas ou suspensões. No compasso 101, ocorre a finalização da
primeira parte de D1 e o início de sua segunda parte, criando uma elisão entre os temas.
Figura 29 - Tema D1 e delimitação de suas partes.
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Notável é a semelhança entre o início de D1 e as alturas do verso “Tinha um coqueiro ao
lado...”, da canção folclórica Casinha Pequenina. Interessante notar que na mesma época da
composição dessa Sonata, Penalva arranjou essa mesma canção para coro a cappella. De
qualquer forma, a imagem seresteira e nostálgica de Casinha Pequenina pode ser aplicada a
esse trecho, auxiliando o intérprete na elaboração de uma sonoridade dolce e de caráter
saudosista.
Contrastando com esse primeiro motivo, D2 inicia no compasso 105, em p e crescendo.
Trata-se de uma passagem rítmica, bitonal (teclas brancas no pentagrama superior contra teclas
pretas no inferior), que se contrapõe ao legato expressivo de D1 e relembra o caráter
Weberniano que figurou durante a parte C. A indicação conciso reforça a necessidade de
precisão na execução do motivo.
Figura 30 - Partes do motivo D2: c. 105 a 107.
O crescendo dessa passagem conduz à nota Dó em f que retoma o tema D1. Após a
reapresentação de D1 e D2, uma transição conduz à última apresentação da parte A. Essa
transição é um ostinato melódico em colcheias, formado pelas notas Si bemol, Lá e Sol,
derivado do mesmo motivo descendente de três notas que predomina nesta seção, cria uma
sonoridade cíclica e hipnótica. O ostinato inicia em pp súbito, mas as indicações crescendo e
accelerando conduzem o trecho até a entrada de um motivo em 4as justas (c. 122). O
decrescendo a partir do compasso 124 conduz a passagem novamente ao pp (c. 128), na qual
ocorre novamente o motivo de 4as justas, agora em acordes de 4as sobrepostas (três sons).
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O ostinato encerra no compasso 130 com as alturas sol e si bemol, em contratempo,
juntamente com os acordes de quartas sobrepostas. As colcheias em contratempo pontuam o
final da parte D, quase em um perdendosi, em função do decrescendo a partir do compasso 129.
É como se o tema desaparecesse repentinamente, tamanha a velocidade impressa pelo
accelerando.
Figura 31 - Reapresentação de D2 e sua interrupção pela seção de transição: c. 116 a 130.
Ocorre a última exposição da parte A (c. 131), acrescida de dois compassos com função
estrutural de coda. Por meio de um crescendo a partir do compasso 137, a coda é resultado do
impulso promovido pelo crescendo iniciado no compasso 137, culminando em fff.
A cadência final (c. 141 e 142) encerra a ideia musical dessa parte (A), concluindo
definitivamente o movimento sobre a nota Lá, em uníssono, nas regiões extremas do
instrumento.
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Figura 32 - Última apresentação da parte A e cadência final: c. 131 a 142.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presença de texturas vocais, numa clara alusão ao gosto do compositor pelas
sonoridades corais, ou a combinação entre linguagens musicais distintas em uma mesma obra,
sinalizam a busca por uma estilística própria através do estudo, da experimentação e da
dedicação.
É nesse espírito de inquietude interior e busca pelo novo que se evidenciam elaborações
temáticas não convencionais. Prova disto é a simplicidade da Sonata n. 2, quando comparada ao
maduro trabalho dodecafônico da Sonata n. 1 e à diversidade temática presente na Sonata n. 3.
A liberdade composicional que se manifestava nesta última, era, na verdade, uma enorme
independência adquirida para combinar elementos e linguagens musicais (GONÇALVES, 2009, p.
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132). Sob essa perspectiva, é possível dizer que a Sonata n. 2 contém certo grau de ingenuidade,
se comparada à disciplina da Sonata n. 1, ou à autonomia composicional da Sonata n. 3, obra
libertadora dos preceitos ou métodos composicionais que fizeram parte da formação de
Penalva.
A introdução com caráter de abertura apresenta sinteticamente o material sonoro
básico sobre o qual os demais temas e motivos serão derivados. É uma espécie de resumo que
serve de guia composicional, mas que, em função da sua qualidade musical, passa a fazer parte
estrutural das seções de exposição, transformando-as em tritemáticas, ao invés de bitemáticas
(A e B), como propõe o esquema tradicional da forma sonata clássica.
A Sonata n. 2 (1960) foi considerada pelo compositor um exercício de composição. É de
fácil compreensão e, para um compositor que buscava romper com a tradição composicional,
escrever uma obra com claras alusões ao modalismo e às funções harmônicas do tonalismo
dentro da forma sonata clássica poderia ser uma atitude considerada por ele próprio como
heresia. No entanto, o afastamento das práticas tradicionais pode ser observado na ampla
utilização de dissonâncias e na presença do antípoda, em substituição à cadência V-I, usual do
tonalismo. Outra característica é a utilização de elementos que geram ambiguidade sonora,
dificultando a definição de uma linguagem musical específica para a obra: tonal ou modal?
Na realidade nem um, nem o outro, mas ambos. A análise evidenciou relações
harmônicas tradicionalmente tonais, sobrepostas a estruturas escalares e harmônicas modais,
somadas às tentativas de desvios desses dois sistemas, com a inserção de passagens bi-tonais,
dissonâncias agregadas e clusters. Esses elementos somados ao longo dessa Sonata parecem
refletir uma expansão idiomática que Penalva aprimorou ao longo de sua carreira composicional
e que poderá ser investigada em estudos sobre obras posteriores a essa Sonata.
REFERÊNCIAS
BOJANOSKI, S.; PROSSER, E. S. José Penalva: Uma vida com a batina e a batuta. Curitiba: Unificado, 2006.
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CADWALLADER, Allen; GAGNÉ, David. Analysis of Tonal Music: A Schenkerian Approach. New York: Oxford University Press, 1998.
COOK, Nicholas. A Guide to Musical Analysis. New York: Oxford University Press, 1987.
FREGONEZE, C. C. A Obra Pianística do Padre José de Almeida Penalva. Dissertação (Mestrado em Música) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 1992.
GONÇALVES, Alexandre. As três sonatas para piano de José Penalva: uma abordagem analítico-interpretativa. 2009. 139 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Programa de Pós-Graduação em Música, Florianópolis, 2009. Disponível em: <http://www.tede.udesc.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=1675>.
GONÇALVES, Alexandre; BARROS, Guilherme S. O Dodecafonismo na Sonata n. 1 de José Penalva. In: Anais do XVIII CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO (ANPPOM), Salvador, 2008.
OWEN, Harold. Modal and Tonal Counterpoint: From Josquin to Stravinsky. Schirmer: Belmont, 1992.
PAZ, Ermelinda A. O Modalismo na Música Brasileira. Brasília, Editora Musimed, 2002.
PENALVA, J. História da Música. Curitiba: Associação Cultural Avelino Vieira, 1991, 90 p.
PROSSER, E. S. Um olhar sobre a música de José Penalva: Catálogo Comentado. Curitiba: Champagnat, 2000.
ROSEN, Charles. Sonata Forms. Ed. rev. New York: W. W. Norton, 1988.
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O IV FESTIVAL PENALVA E A III MOSTRA DE MÚSICA PARANAENSE Curitiba, 23 a 29 de outubro de 2012
Dra. Elisabeth SeraphimProsser1 Universidade Estadual do Paraná/
Escola de Música e Belas Artes do Paraná Coordenadora Geral do evento
Resumo O IV Festival Penalva e a III Mostra de Música Paranaense, ao mesmo tempo que lembraram a memória e o legado do sacerdote e músico José de Almeida Penalva, permitiram conhecer numerosas obras compostas no Estado. Foram apresentadas peças de mais de quarenta compositores, com a participação de orquestras, coros, grupos de câmara e solistas. O resultado foi um panorama que abrangeu música popular e erudita, em estilos que vão do tradicional ao contemporâneo que, juntamente com as obras executadas nos Festivais anteriores, permitem vislumbrar a qualidade e a amplitude dessa música. Palavras-chave: Festival Penalva; Mostra de Música Paranaense
THE IV PENALVA FESTIVAL AND THE III PARANÁ’S MUSIC EXHIBITION Curitiba, October 23 to 29, 2012
Abstract The IV Penalva Festival and the III Paraná’s Music Exhibition recalled the memory and legacy of the priest and musician José de Almeida Penalva, as well as allowed the audience to hear numerous works composed in the state of Paraná (South Brazil). Works of more than fourty composers were presented, with the participation of orchestras, choirs, chamber groups and soloists. The result was an overview of popular or classical music, in styles ranging from traditional to contemporary, which together with the works executed in previous Festivals, gave a glimpse on quality and breadth of music composed in Paraná.
Keywords: Penalva Festival; Paraná’s Music Exhibition
1Musicista, Musicóloga, Historiadora Social da Arte Paranaense, Professora e Pesquisadora da Unespar/Embap,
Organizadora do Acervo da Música Paranaense, Líder do Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia - Linha de pesquisa: Música Paranaense; Coordenadora Geral do IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense.
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Desde 2002, amigos, colegas, ex-alunos do Pe. José de Almeida Penalva, cmf2,
(Campinas/SP, 1924 – Curitiba/PR, 2002)3 e outros músicos e pesquisadores se reúnem em
torno do seu nome, da sua lembrança e da sua obra. Esses eventos transformaram-se nos
Festivais Penalva & Mostras da Música Paranaense, que vêm sendo realizados desde o seu
falecimento e que congregam, a cada edição, importantes compositores e intérpretes.
Um dos mais importantes compositores brasileiros da segunda metade do século XX,
José Penalva, como assinava suas obras, tornou-se figura emblemática da composição no
Estado. Autor de uma obra inovadora e expressiva, escreveu desde música de câmara e
peças solísticas até obras corais, orquestrais e corais-orquestrais.
Nos dez anos do seu falecimento, em 2012, a comunidade musical de Curitiba e do
Brasil rendeu uma homenagem especial a esse mestre que ensinava pelo seu exemplo e que,
de acordo com inúmeros depoimentos de seus colegas e alunos, deixou tanta saudade.
Os Festivais Penalva & Mostras de Música Paranaense, além de celebrarem a
memória e o legado do mestre, abrem-se em uma perspectiva mais ampla ao difundir a
música escrita no Estado, dando a conhecer antigos e novos compositores. São artistas,
compositores, professores, estudantes, pesquisadores e interessados, que se reúnem para,
juntos, compartilharem esse universo tão pouco explorado. No Festival de 2012, foram sete
dias de intensa programação, em diversos espaços de Curitiba, com concertos, mesas-
redondas, palestras, missa in memoriam e a exposição do seu acervo.
A obra de José Penalva é considerada por muitos como monumental, não apenas
pela quantidade de composições, mas principalmente pela sua originalidade e qualidade.
Sua produção, ao mesmo tempo universal e brasileira (refere-se tanto a elementos
característicos da música e da poesia brasileiras e quanto às mais ousadas linguagens da
Vanguarda e da Pós-Vanguarda), temporal e atemporal (estabelece uma síntese entre estilos
e valores do passado e do presente) é densa em significados, extremamente expressiva e,
em outros momentos, cheia de humor inteligente e sincero.
2 cmf, em minúsculas, é uma sigla usada pelos sacerdotes da ordem a que o Pe. Penalva pertencia e significa Cor Maria Filius (Filho do coração de Maria). 3 Sacerdote, compositor, professor, regente, musicólogo e teólogo, Penalva residiu em Curitiba por quase toda a sua vida e teve como principais instituições de atuação, de um lado, o Studium Theologicum e a Igreja Imaculado Coração de Maria e, de outro, a Escola de Música e Belas Artes do Paraná, hoje Campus I da Universidade Estadual do Paraná.
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Como professor Penalva era criterioso, sempre atualizado, de pensamento inovador
e crítico, exigente, mas amigo; como regente, buscava invariavelmente a perfeição, seja na
afinação seja na expressividade e na sonoridade; como escritor – teólogo e musicólogo –
fazia profundas reflexões muitas vezes questionadoras, humanas e ousadas, outras
didáticas... O rigor com que abordava qualquer tema e o estabelecimento de altos
parâmetros em tudo o que fazia tornaram-no exemplo para os seus contemporâneos.
Fizeram dele, também, um ícone da composição e da música no Paraná.
Por esses e tantos outros motivos, foi criado, além do Festival que leva o seu nome, o
Prêmio Penalva, que é outorgado a músicos paranaenses de reconhecida contribuição para a
cultura brasileira. Foram premiados o compositor Alceo Bocchino (2004), a pianista, cravista
e organizadora cultural Ingrid Müller Seraphim (2011) e a pianista e organizadora cultural
Henriqueta Garcez Duarte (2011). Em 2012, recebeu o prêmio o músico, pesquisador e
folclorista Inami Custódio Pinto, por sua atuação na preservação e na divulgação do
fandango caiçara, dança e música do litoral do Estado.
Desse último Festival participaram mais de trezentos músicos divididos em
orquestras, coros, grupos de câmera e solistas, em várias salas de concerto da cidade. Nos
dezoito eventos realizados, houve estreias de obras, algumas escritas especialmente para a
ocasião, o que revela o papel desse evento não apenas de incentivo à difusão e à pesquisa
desse repertório, mas de fomento à criação. Foram tocadas obras de mais de quarenta
compositores, abrangendo um século e meio de música, perpassando idiomas
composicionais dos mais diversos.
Por música paranaense ou de compositores paranaenses entende-se a música feita
no Estado. Trata-se da produção de artistas nascidos ali, ou de muitos originários de
diferentes lugares e que adotaram o Paraná como residência, ou, ainda, de outros que nele
residiram por algum tempo, desempenhando papel relevante para o estudo e a performance
musical, a pesquisa poética em música e a criação, bem como para a formação de novas
gerações de músicos e estudiosos. Outros, ainda, compuseram ali ocasionalmente, mas
construíram carreiras como regentes, intérpretes, pesquisadores ou organizadores culturais.
Como se trata de uma Mostra do que se compôs no Estado, todos têm seu lugar no evento.
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Assim, dentre os compositores que tiveram obras apresentadas no Festival de 2012,
estão os reconhecidos Alceo Bocchino, José Penalva, Henrique de Curitiba, Bento
Mossurunga, Brasílio Itiberê, Jaime Zenamon, Rodolfo Coelho de Souza, Chico Mello e
Mauricio Dottori. Ao lado deles, destacam-se os jovens Felipe Ribeiro, Alexandre Brusamolim
de Magalhães, Rodrigo Henrique de Oliveira, Willian Lentz, Daniel Vargas, Rogério Krieger,
Márcio Steuernagel, James Corrêa e Fernando Deddos, entre outros4, com uma linguagem
composicional própria, expressiva e consistente, e um conjunto de composições que já
figuram entre as mais importantes no Estado. Ao lado deles figura uma geração de novos
compositores, alguns ainda estudantes, que, pelo que se pôde constatar a partir das obras
apresentadas, prometem uma produção de peso. Um quarto grupo é o de compositores que
desempenharam um importante papel no seu tempo e que, injustamente, foram
esquecidos. Uma das funções dos Festivais & Mostras é o resgate da produção e da memória
de artistas como, neste Festival de 2012, Benedito Nicolau dos Santos e Rodrigo Herrmann.
O Quadro 1, a seguir, lista os compositores que tiveram obras apresentadas ou
debatidas no IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense.
Quadro 1 - Compositores paranaenses com obras apresentadas ou estudadas no IV Festival Penalva & III Mostra da Música no Paraná, 2012
Adriano G. Sviech Alan Rafael Medeiros Alceo Bocchino Alexandre Brasolim de Magalhães Ana Carolina de Lima Andras J. Ellendersen Audryn Souza Benedito Nicolau dos Santos Bento Mossurunga Brazílio Itiberê Carlos Assis Carolina Cesconetto Chico Mello Cláudio Menandro Daniel Migliavacca
Daniel Vargas Douglas G. Bertoncello Enzo Fonseca Veiga Ezidemar Siemiatkouski Felipe de Almeida Ribeiro Fernando Deddos Gabriel Jungles Helma Haller Henrique de Curitiba Inami Custódio Pinto Jaime Zenamon James Corrêa José Penalva Juliana Gomes Julião Boêmio
Luiz Cláudio Ribas Ferreira Marcelo Oliveira Márcio Steuernagel Maria Paz Villahoz Maurício Dottori Rodolfo Coelho de Souza Rodrigo Henrique de Oliveira
Rodrigo Herrmann Rogério Krieger
Victor Lazzarini Vinícius Giusti William Hegenberg Willian Lentz Wilson Moreira
Fonte: Elaborada pela autora a partir da programação completa do evento.
4 Outros compositores que fazem parte deste e de outros grupos estão listados no Quadro 1.
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Apesar do grande número de compositores participantes do evento, outros ainda
estão por ter suas obras apresentadas. O Festival espera contar com essas obras nas
próximas edições, tornando o conjunto dos Festivais & Mostras um tempo e lugar não
apenas de um progressivo “conhece-te a ti mesmo”, no que tange à história da música feita
no Paraná, mas um campo profícuo de discussão e criação, ao mesmo tempo que uma
possibilidade de mapeamento dessa música.
Nos anos anteriores, além de alguns dos quarenta e quatro compositores citados
(Quadro 1), foram executadas obras de outros quarenta e quatro autores (curiosa
coincidência), como demonstra o Quadro 2. Somados aos que participaram do último
Festival & Mostra de 2012, são quase cem compositores atuantes no Estado.
Quadro 2 – Outros compositores que tiveram suas obras apresentadas nos Festivais Penalva anteriores Adailton Pupia Alexandre Torres Bernadete Zagonel Bernardo Cardeal Bernardo M. Duarte Brazílio Itiberê II Carmo Bartoloni Daniel Miranda Eduardo Cáceres Eduardo Frigatti Elizabeth Fadel Emanuel Martinez Fabio Gottschild Fabrício Mattos Fernando Garcia
Fernando Nicknich Fernando Riederer Gilberto Stefan Guilherme Campos Gisele Regina Malon Gustavo Alencar Harry Crowl Hélcio Müller Henrique Bérgamo Herculano Sávitri João Egashira João Guilherme Dick João José de Félix Pereira João Ramalho Joaquim Rebollo
Leonardo Gorosito Letícia Lass Lucas Araujo Melo Luis Henrique Sierakowski Luiz Eulógio Zilli Norton Dudeque Octávio de Camargo Osmário Estevam Jr. Osvaldo Ferraz Renée Devraine Frank Ricardo Petracca Rodolfo Richter Sérgio Albach Sólon de Albuquerque Mendes Thiago Portela
Fonte: Elaborada pela autora a partir dos I a III Festivais Penalva & I e II Mostras de Música Paranaense,
realizados em 2003, 2004 e 2011.
Assim, com estilos que vão do Nacionalismo à Vanguarda e à Pós-Vanguarda, da
música de raiz à música popular e erudita, da tonalidade à música atonal, concreta e
eletrônica, com o uso de instrumentos tradicionais e instrumentos acusmáticos e suas
combinações, os Festivais &Mostras revelam concepções diversas e até contrastantes,
permitindo conhecer parte do que se compôs no passado e no presente. Possibilitam, ainda,
distinguir algumas das tendências estilísticas que certamente se farão ouvir nos próximos anos.
Os Festivais Penalva & Mostras de Música Paranaense, inspiraram a criação, a partir
de 2012, do Acervo da Música Paranaense (Unespar/Embap), vinculado à Biblioteca da
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Embap, e do Grupo de Pesquisa em Estudos em Musicologia/Linha de pesquisa: Música
Paranaense (CNPq/Unespar/Embap).
Os três formam, assim, um tripé:
Os Festivais & Mostras oferecem aos compositores, intérpretes, estudiosos e
ao público, a performance da música, sua fruição, sua difusão como
fenômeno sonoro, acessível à academia e aos ouvintes de modo geral;
O Acervo pretende a guarda e a disponibilização das obras e das pesquisas
realizadas, com vistas à coleta de todo tipo de documento relativo à música
no Estado com a preservação do material existente, possibilitando sua
execução, divulgação e pesquisa em arte e em áreas afins (sociologia, história,
antropologia, políticas etc.); e
o Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia, com sua linha de pesquisa
Música Paranaense (CNPq/Unespar/Embap), contribui para a construção de
um corpo teórico, historiográfico e analítico sobre os vários fazeres musicais
no Estado nos seus muitos aspectos.
Os três se retroalimentam, permitindo que se preserve a memória da música, dos
músicos e das instituições envolvidas, que se vislumbre a amplitude dessa música e que se
elabore, paulatinamente, o perfil da atividade composicional no Estado.
Nesse sentido, o IV Festival Penalva e a III Mostra de Música Paranaense foram
especialmente ricos, como se nota pela íntegra da programação do evento, exposta a seguir,
juntamente com os textos de homenagem a José Penalva e Inami Custódio Pinto, que
fizeram parte do libreto distribuído na ocasião.
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DA MINHA ALDEIA...
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer.
Fernando Pessoa
Esse é o princípio do Festival Penalva: partindo da nossa particularidade, do
nosso chão, celebrar o universo.
Sob a aura de um artista que inspirou músicos da região e do resto do país, o
Festival Penalva atinge sua quarta edição e firma-se como referência regional, unindo
jovens talentos a artistas consolidados no meio musical. Festeja a música em todas as
nacionalidades, sem deixar de lado a de raiz paranaense. É a música atravessando
fronteiras e firmando-se como linguagem universal, como parte da carne do universo.
O Festival Penalva é um momento de encontro da diversidade de vozes e cores da
música.
É com imensa satisfação que a Embap promove e realiza o IV Festival
Penalva/III Mostra de Música Paranaense, com uma estreia muito especial: a criação
do grupo de pesquisa Estudos em Musicologia, linha de pesquisa Música Paranaense e
do Acervo da Música Paranaense, liderados pela professora e musicóloga Elisabeth
Seraphim Prosser. Esses núcleos darão um impulso maior a nossos estudiosos da
música e, o mais importante, fomentará novos talentos. Para isso, acredito que o
maior desafio que o grupo tem a enfrentar é dar conta dos três pressupostos
apontados por Wally Salomão sobre o processo criativo: “tomar uma boa talagada de
inconformismo cultural-ético-político-social, evitar a arapuca armada do folclore e
destravar a armadilha preparada pelo esteticismo”.
Desafio posto, celebremos a música!
Profa. Dra. Maria José Justino
Texto de abertura do folder com a programação completa do IV Festival Penalva/ III Mostra de Música no Paraná
Diretora da Escola de Música e Belas Artes do Paraná Campus I da Universidade Estadual do Paraná
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DEZ ANOS SEM JOSÉ DE ALMEIDA PENALVA, cmf (1924-2002)
Pe. Dr. Jaime Sánchez Bosch, cmf Diretor do Studium Theologicum
O Festival Penalva alcança já a quarta edição e marca mais uma vez o ritmo da vida
cultural de Curitiba e do Paraná, fruto de um sentimento compartilhado de gratidão,
amizade e admiração pelo mestre. Parece que o espírito generoso, alegre e dedicado de
Penalva continua a pairar no nosso meio, suscitando sempre novas manifestações de amor à
música e do gosto de “fazer juntos”. O Festival tem muitos protagonistas, todos entusiastas,
e se torna realidade graças a um esforço discreto e persistente de pessoas dispostas a dar
tudo para que todos possamos ter momentos de íntima fruição e lembrança de alguém que
continua presente em todos nós. A todos o nosso mais profundo agradecimento.
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INAMI CUSTÓDIO PINTO, PRÊMIO PENALVA 2012
Dr. Edwin Pitre Vásquez
Etnomusicólogo Universidade Federal do Paraná, DeArtes
A Cultura Popular é a manifestação espontânea dos povos e tem sido objeto de
estudo, já desde o século XX, pela academia – inicialmente por interessados e
posteriormente por pesquisadores que observaram nela valores, sentidos, significados,
práticas, calendários relevantes não só para os diferentes grupos que nela estavam
representados como também para as análises que a cultura requer.
Um desses pesquisadores foi o professor Inami Custódio Pinto. Curitibano, desde
jovem interessou-se pelas expressões artísticas e culturais do Paraná e dedicou-lhes sua
trajetória docente e artística.
Foi professor de várias gerações de paranaenses, brasileiros de outras latitudes e
estrangeiros que por aqui passaram, em instituições como a Faculdade de Educação
Musical do Paraná, o Instituto de Pesquisa do Paraná e o Grupo de Dança Folclórica
Paranaense. Dirigiu o Gabinete de Etnografia do Museu Paranaense e a Divisão de
Folclore e Pesquisas Históricas do Museu da Imagem e Som do Paraná. Foi apresentador
da TV Educativa do Paraná e produtor fonográfico das gravadoras Continental,
Copacabana e Chantecler. Como compositor, tem mais de uma centena de obras
publicadas e gravadas.
O professor Inami está entre o grupo de brasileiros que entendeu ser o estudo
das manifestações populares do país fundamental para definir questões identitárias
brasileiras. Nesse grupo estão Mário de Andrade e Luíz da Câmara Cascudo. Ele
direcionou sua pesquisa ao Estado do Paraná, onde diversas manifestações estavam
presentes.
Este território com características diferenciadas, uma região do povo guarani,
onde também se estabeleceram quilombos, aliados aos processos colonizadores
portugueses e espanhois, além de alemães, poloneses, japoneses, ucranianos e de outras
etnias, constitui aos olhos de um pesquisador atento um desafio enorme.
Suas obras maiores atestam a amplitude e a importância da sua produção.
Publicou, entre outras, Folclore no Paraná, Folclore, Folpar – Curso de Folclore, Curso de
Introdução aos Estudos de Folclore, Fandango do Paraná e Folclore: Aspectos Gerais.
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Participou, ainda, como co-autor em Tocadores, Fandango de Mutirão e A
[Des]Construção da Música Paranaense. Suas obras e entrevistas são referência em
publicações nacionais e internacionais. Recebeu várias homenagens pelo conjunto da sua
produção.
Sua sensibilidade sutil, seu senso agudo como etnógrafo e seu olhar crítico
como cientista fizeram de Inami Custódio Pinto um paranaense ilustre próximo do seu
povo.
CONCERTO DE ABERTURA
Abertura e Ato de Criação do Acervo de Música Paranaense da Embap
Maria José Justino – Diretora da Embap (Unespar, Campus I) Pe. Jaime Sánchez Bosch – Diretor do Studium Theologicum Elisabeth Seraphim Prosser – Coordenadora Geral do evento
Wilson Moreira Crepúsculo Claudio Menadro Chocolate Daniel Migliavacca Choro doce Julião Boêmio Cafezinho na cozinha Luiz Cláudio Ribas Valsa serenata Ferreira Bento Mossurunga Curitiba Grupo de Choro de Curitiba Flauta: Ana Paula Peters. Cavaquinho: Emerson Vieira Violão de sete cordas: Diego Coelho Pandeiro: Joãozinho do Pandeiro
INTERVALO Rodolfo Coelho de Souza Colorless Green Ideas Sleep Furiously para piano e eletroacústica José Penalva Percussão I Narradores: Helen Tormina, Jonathan Lejur Grupo de Percussão da Embap Percussão: Juliana Ignatowics, Juliano Mendes de Freitas, Leonardo Rodrigues da Silva, Paulo Demarchi. Piano: Carmen Célia Fregoneze Direção: Paulo Demarchi
Terça-feira, 23 de outubro, 20h Capela Santa Maria
1
MESA-REDONDA I
Penalva: inovação e desdobramentos Moderador: Dr. Orlando Fraga
Abertura
Dr. Pe. Jaime Sánchez Bosch (Studium Theologicum) Dra. Elisabeth Seraphim Prosser (Unespar/Embap)
A renovação conciliar e a música litúrgica: a contribuição do Pe. Penalva
Dr. Pe. Márcio Luiz Fernandez (Studium Theologicum)
Doxologia (in memoriam Pe. José Penalva) – Memorial descritivo Gabriel Jungles (Unespar/Embap)
Penalva, um 'pomo' na música popular:
análise das técnicas de composição empregadas no arranjo de Carinhoso Mestrando Eduardo Frigatti (UFPR)
Uma revisão da historiografia que tratou de José Penalva
Deise Maria de Lima (Ceuclar)
Quarta-feira, 24 de outubro, 14h Embap
CONCERTO DE MÚSICA DE CÂMARA I
Andras J. Ellendersen Dentro de nossas colmeias, para piano * Piano: Andras J. Ellendersen
Henrique de Curitiba Pequena Suíte Movido com graça Bem marcado e vivo Suave e expressivo Balançado: quase caipira
Sonatina nº 1 Amavelmente Sarapateando
José Penalva Mini Suíte nº 1 Introdução Ciranda Modinha Valsa Piano: Daniela Tsi Gerber
Mini Suite nº 2, para piano a quatro mãos Cana varde Ponteio Sincopado Piano: Ralph Biscouto, André Luiz Feltrin
INTERVALO
Fernando Deddos Rabecando, para trompete solo (original para Eufônio)
Cláudio Menandro Capelinha
Audryn Souza Marumbiando Duonovo Violão: Francisco Luz. Trompete: Audryn Souza
Marcelo Oliveira Brasilidade Rodrigo Henrique de Vara de Marmelo Oliveira Clarineta: Marcelo Oliveira Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira
3
“Passei pela Vanguarda. Vivi e me decidi por ela. Depois, me apaixonei pela Pós-Vanguarda, que significou uma revolução contra o exclusivismo da Vanguarda. Hoje estamos num paraíso: cada um pode compor da maneira que quiser: pode-se escrever um acorde perfeito ao lado de um cluster, empregar melodias folclóricas dentro de um tecido atonal! Durante muito tempo escrevi música não figurativa que nem eu mesmo entendia – uma música hermética. Hoje prefiro uma música que comunique, que atinja. Acho que a música tem que passar emoção. Eu mesmo sou assim: eu preciso da emoção, eu sinto emoção! Sempre usei todos os meios novos não por eles mesmos, mas subjugando-os à ideia, ao texto, à mensagem. As novas técnicas servem para aumentar a palheta, os recursos usados em direção a este objetivo maior que é a ideia.”
José Penalva, 1993
2
Henrique de Curitiba Bolero, para percussão, 2 flautas e piano Transcr. e arr. didático: Denise Silvia Borusch José Penalva Mozartiana, para 2 flautas e piano a quatro mãos Transcr. e arr. didático: Denise Silvia Borusch e Luciana Hilzendeger Percussão: Luciana Hilzendeger Flautas: Ana Salgado, Rachel Siebert Piano: Anne Marques Catarin, Luísa Arias Zendim
Quarta-feira, 24 de outubro, 16h30 Embap * estreia
Willian Lentz Vishuddha * Moderado Lento Agitado
Ezidemar Siemiatkouski A Desesperação do Getsêmani * Desconsolo Súplica Fiat Voluntas Tua
Douglas G. Bertoncello Transfigurações *
William Hegenberg Vida e Morte do Rei Daros * As grandes conquistas Enquanto o povo festeja a vitória, o rei, envenenado, sofre alucinações em seu próprio leito e dá seu último suspiro Acabrunhado Funeral
Orquestra de Cordas da Embap Regência: Roberto Hübner
Quarta-feira, 24 de outubro, 20h Capela Santa Maria * estreia
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MESA-REDONDA II A música paranaense sob o olhar da musicologia histórica e da etnomusicologia
Moderador: Dra.Elisabeth Seraphim Prosser
Possibilidades da crítica na música paranaense Drando. Daniel Binotto (Embap - U. Chile - UTDT)
Inami Custódio Pinto Dr. Edwin Pitre Vásquez (UFPR/DeArtes)
Benedito Nicolau dos Santos: compositor, maestro, professor e intelectual Angela Cristina Lorenzzoni (Unespar/Embap)
Opereta A Vovozinha: pioneirismo e crítica na Curitiba do início do século XX Esp. Gehad Hajar (Facinter)
Quinta-feira, 25 de outubro, 14h
Embap
5
CONCERTO
Alceo Bocchino Variações para fagote e orquestra, sobre o tema A Boneca Italiana Quebrada, da Suíte Miniatura – Ballet, (red. para fagote e piano) Duo Bark Fagote: Jamil Bark. Piano: Josely Bark Carlos Assis Trio para saxofone, violino e piano Violino: Bettina Jucksch. Saxofone: Rodrigo Capistrano Piano: Carmen Célia Fregoneze Willian Lentz Tekowa, para orquestra de violões
José Penalva Três Momentos, para orquestra de cordas Transcr. e adapt. para orquestra de violões: Willian Lentz Ponteio - misterioso Lied - andante expressivo Rondó - agitato
Músico convidado: Contrabaixo: Anton Pohl Orquestra de Violões da Embap Regência: Willian Lentz
INTERVALO
Premiação das obras vencedoras do III Concurso de Composição Renée Devrainne Frank, Embap, 2012
Juliana Gomes Fuga dos piratas *
4
CONCERTO DE MÚSICA DE CÂMARA II
Alceo Bocchino Que Coisa... , para flauta, canto e piano * Texto: Gabriel de Lucena Soprano: Bruna Borges. Flauta e saxofone: Marcelo Oliveira Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira
Seresta Suburbana
Alexandre Brasolim de Magalhães
Contradança
Rogério Krieger Quarteto Tritemático * Allegro quase latino Andante Notívago Refega e trabuzana (ventania e trovoada)
Quarteto Mousiké Violinos: Consuelo Froehner, Christianne K. Duarte Viola: Anadgesda Guerra. Violoncelo: Klaiton Laube
INTERVALO
Ezidemar Siemiatkouski Três Miniaturas Miniatura nº 1 (piano) Miniatura nº 2 (piano) Miniatura nº 3 (flauta e piano) Flauta: Marco Aurélio Koentopp Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira Ezidemar Siemiatkouski A árvore só, para quarteto de saxofones Saxofones alto: Alcides de Jesus, Josiel Nascimento. Saxofone tenor: Elizeu da Silva Saxofone barítono: Kleber Castro dos Anjos
Quinta-feira, 25 de outubro, 16h30
Embap * estreia
6
CONCERTO DA ORQUESTRA FILARMÔNICA DA UFPR José Penalva Abertura: Frevo, Coral e Fuga, para orquestra
Introdução Frevo Coral Fuga
Maurício Dottori Sonâmbulas as flores conservam pelo dia as noites para flauta e pequena orquestra * (Obra comissionada pela Universidade Federal do Paraná, em comemoração aos seus cem anos de fundação) Flauta: Valentina Daldegan Regência: Márcio Steuernagel Carlos Gomes Sonata para cordas "O Burrico de Pau"
Allegro animato Scherzoso Largo Allegro - O Burrico de Pau
Regente convidado: Isaque Lacerda
Orquestra Filarmônica da UFPR Diretor Artístico: Harry Crowl
Regente Titular: Márcio Steuernagel
Quinta-feira, 25 de outubro, 20h
Canal da Música * estreia
7
RECITAL COMENTADO
AGNUS DEI Homenagem a Penalva (sacerdote, músico e mestre)
Johann Sebastian Bach Suite Inglesa nº 3, em Sol m, BWV 808 Prélude Allemande Courante Sarabande Gavotte 1 Gavotte 2 Gigue José Penalva Nova et Vétera Fugheta Mozartiana Diálogos Piano: Salete Chiamulera
Sexta-feira, 26 de outubro, 16h30 Embap
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CONCERTO DOS ALUNOS DO CURSO SUPERIOR DE COMPOSIÇÃO E REGÊNCIA DA EMBAP
Maria Paz Villahoz Destellos de Infancia Piano: Maria Paz Villahoz Gabriel Jungles Três valsas para violão Valsa nº 1 em Mi menor Valsa nº 2 em Si menor Valsa nº 3 em Lá menor
Willian Lentz Wae'rã Violão: Willian Lentz
8
Alan Rafael Medeiros Reflexões nº 2 Flauta: Marco Aurelio Koentopp. Violino: Rafael Semtchuk. Piano: Douglas Bertoncello
Adriano G. Sviech Balaio de gato Saxofone Barítono: Adriano G. Sviech Piano: Márcio Lopes Vieira
INTERVALO
Douglas Bertoncello Gato dentre ratos Contos Imperiais Piano: Douglas Bertoncello
Enzo Fonseca Veiga Nocente Saudade Canto: Ornella de Luca. Piano: Enzo Fonseca Veiga
Rodrigo Henrique Cupcake de Oliveira Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira
Ana Carolina de Lima DiaOstinado Carolina Cescanetto Canto: Ana Carolina de Lima, Carolina Cescanetto Flauta: Olaf Thiessen. Piano: Rodrigo Henrique de Oliveira. Violoncelo: Lucas Guédes Percussão: Jean Felipe Pscheidt Bonfim * Contratenor: Jean Carlos Gorges Piano: Enzo Fonseca Veiga
Carolina Cesconetto O Gato Coral do Curso de Composição e Regência Embap 2012 Regência: Enzo Fonseca Veiga
Coordenação: Prof. Marco Aurélio Koentopp
Sexta-feira, 26 de outubro, 16h30 Embap
* estreia 9
CONCERTO DA
CAMERATA ANTIQUA DE CURITIBA
Henrique de Curitiba Cantigas do Bem Querer, para soprano solo, coro, orquestra de cordas e piano Versos de Cassandra Rios Chove! No mar Se me disseres Interlúdio 1 (orquestra de cordas) Fecha os olhos (piano e coro a cappella) Eu te vi (ária de soprano) Interlúdio 2 (orquestra de cordas) Final: Poeta e Cancioneiro
José Penalva Provérbios, para coro misto Três momentos, para orquestra de cordas Ponteio - misterioso Lied - andante expressivo Rondó - agitato
Jaime Zenamon Curitiba tecida pelos povos, Op. 157 * (Obra comissionada para a Camerata Antiqua de Curitiba) Alemanha - Der Fluss des Lebens (O rio da vida) Texto de Friedrich Nietzsche Itália - Nel mezzo del cammin (No meio do caminho) Texto de Dante Alighieri Polônia - Pobtogostaw te ziemie (Abençoa essas terras) Texto de Maria Konopnicka Ucrânia - Búdu písniu vessélu spiváth (Uma alegre canção vou cantar) Texto de Lessia Ukrainka Curitiba - Deixa-se a vida Texto de Jaime Zenamon
Camerata Antiqua de Curitiba Regência: Norton Morozowicz
Sexta-feira, 26 de outubro, 20h
Capela Santa Maria * estreia
10
CONCERTO
VÓRTEX DE JOVENS COMPOSITORES
Felipe de Almeida Ribeiro Vertigem Quimérica * Violão: Daniel Vargas, Eric Moreira Live-electronics: Felipe de Almeida Ribeiro
Daniel Vargas Qualhacôco * Violão: Daniel Vargas, Eric Moreira
James Corrêa As Cidades de Calvino I: as cidades e a memória Difusão estereofônica: Felipe de Almeida Ribeiro
INTERVALO
Victor Lazzarini Noctilucent Clouds Difusão estereofônica: Felipe de Almeida Ribeiro
Vinícius Giusti Eco di Kolongala Difusão quadrifônica: Felipe de Almeida Ribeiro
Márcio Steuernagel Introducing Elliott Carter Flautas: Fabrício Ribeiro, Sílvio Jackel Neto
Coordenação: Prof. Felipe de Almeida Ribeiro Sábado, 27 de outubro, 16h30
SESC Paço da Liberdade * estreia
11
CONCERTO DA
CAMERATA ANTIQUA DE CURITIBA
Henrique de Curitiba Cantigas do Bem Querer, para soprano solo, coro, orquestra de cordas e piano Versos de Cassandra Rios Chove! No mar Se me disseres Interlúdio 1 (orquestra de cordas) Fecha os olhos (piano e coro a cappella) Eu te vi (ária de soprano) Interlúdio 2 (orquestra de cordas) Final: Poeta e Cancioneiro
José Penalva Provérbios, para coro misto Três momentos, para orquestra de cordas Ponteio - misterioso Lied - andante expressivo Rondó - agitato
Jaime Zenamon Curitiba tecida pelos povos, Op. 157 * (Obra comissionada para a Camerata Antiqua de Curitiba) Alemanha - Der Fluss des Lebens (O rio da vida) Texto de Friedrich Nietzsche Itália - Nel mezzo del cammin (No meio do caminho) Texto de Dante Alighieri Polônia - Pobtogostaw te ziemie (Abençoa essas terras) Texto de Maria Konopnicka Ucrânia - Búdu písniu vessélu spiváth (Uma alegre canção vou cantar) Texto de Lessia Ukrainka Curitiba - Deixa-se a vida Texto de Jaime Zenamon
Camerata Antiqua de Curitiba Regência: Norton Morozowicz
Sábado, 27 de outubro, 18h30
Capela Santa Maria * estreia
12
MISSA EM MEMÓRIA DO PADRE JOSÉ PENALVA, cmf
Presidida pelo Pe. Marcos Aurélio Loro, cmf Nunes Garcia/ Penalva Moteto para a Procissão da Ressurreição (Canto de Entrada)
Henrique de Curitiba Missa Breve, Senhor (Kyrie) Alleluia, Amen (Aclamação)
José Penalva Ofertório (O pão vai converter-se) (Canto de Ofertório)
Helma Haller Pater Noster (Pai Nosso)
Henrique de Curitiba Missa Breve, Cordeiro de Deus (Agnus Dei) Rodrigo Herrmann Tantum Ergo (Canto de Comunhão) Ave Maria (Pós Comunhão) Laudate Dominum (Canto Final) José Penalva Benedicamus Domino (Canto Final) Collegium Cantorum Regência: Helma Haller Madrigal Vocale Regência: Bruno Spadoni Órgão: Alexander de Lara Piano: Ana Cristina Calderón
Domingo, 28 de outubro, 19h Igreja do Imaculado Coração de Maria
__________________________________________________________________________
EXPOSIÇÃO DO ACERVO PE. JOSÉ PENALVA
Coordenação: Pe. Jaime Sánchez Bosch, cmf, Edgar Serrato
Domingo, 28 de outubro, 20h Museu Claretiano de Curitiba
13
MESA-REDONDA III
Aspectos investigativos e didáticos em obras de Penalva e Henrique de Curitiba
Moderador: Dr. Orlando Fraga
Peças didáticas para piano de Henrique de Curitiba [Morozowicz] Dra. Ingrid Barancoski (Unirio)
Aspectos didáticos da obra pianística de José Penalva
Henriqueta Garcez Duarte (Unespar/Embap)
As apostilas de Penalva sobre a música do século XX: sistematização didática em tempo real
Dra. Elisabeth Seraphim Prosser (Unespar/Embap)
Segunda-feira, 29 de outubro, 14h Embap
CONCERTO DE ENCERRAMENTO
HOMENAGEM e ENTREGA DO PRÊMIO PENALVA a Inami Custódio Pinto
Bento Mossurunga Duas canções paranaenses Bom dia Paraná Pintassilgo do Pinheiro
Brasílio Itiberê Contemplação Epigrama Henrique de Curitiba Meus oito anos Soneto de amor
José Penalva As cataratas do Seu Leopoldo Manchuono Ibimus in nemora
Collegium Cantorum Regência: Helma Haller Piano: Ana Cristina Lago Violão: Luiz Cláudio Ribas Ferreira
Pixinguinha e Braguinha
Carinhoso Arr. José Penalva
Edmundo Souto e Paulinho Tapajós
Cantiga por Luciana Arr. José Penalva
Sérgio Bittencourt
Modinha Arr. José Penalva
Flávio Venturini e Murilo Antunes
Nascente Arr. Chico Mello
José Penalva Mini Suíte Arlequim
Madrigal Vocale Regência: Bruno Spadoni
José Penalva Tutu Marambá, para dois coros * Madrigal Vocale, Collegium Cantorum Regência: Helma Haller
INTERVALO
RECITAL DE PIANO SOLO
Alceo Bocchino Sapo Jururu (Acalanto) Boi Barroso Sonatina Doméstica Allegro Lento com simplicidade Allegretto Henrique de Curitiba Três peças consequentes Ponteio-Fantasia Variações Frère Jacques José Penalva Sonata nº 1 (Seresta e Desafio) Sonata nº 3 Allegro Andante Agitato - Rondó Piano: Ingrid Barancoski
Segunda-feira, 29 de outubro, 16h30 Embap
14
Alexandre Brasolim de As Quatro Estações * Magalhães (Obra comissionada pela Orquestra de Câmara da PUCPR, 2010) Primavera (Cordas) Verão (Cordas, bloco de madeira, tom tons médio e grave) Outono (Cordas e piano) Inverno (Piano, prato suspenso e campana)
Orquestra de Câmara da PUCPR
Regência: Paulo Torres
Agradecemos à Copel, à Conta Cultura e ao Governo do Estado do Paraná pelo patrocínio do Collegium Cantorum neste Festival, e à Pontifícia Universidade Católica do Paraná pelo da Orquestra da PUCPR.
Segunda-feira, 29 de outubro, 20h Canal da Música
* estreia _____________________________________________________________________
Agradecimentos
Ao Pe. José de Almeida Penalva, cmf, por ter sido um exemplo maior como mestre, músico e professor para todos os que tivemos o privilégio de conviver com ele; por ter propiciado a união fraterna de forças e objetivos em torno da música paranaense, de todos os que participam deste Festival; e por nos ter deixado uma música que falará para sempre a nós e aos que virão.
Aos professores e pesquisadores convidados, por nos permitirem conhecer melhor a nossa história.
Aos músicos que nos presenteiam com sua performance, pela sua generosidade e o seu desprendimento.
Aos compositores paranaenses, por expressarem em sons aspectos da nossa identidade.
A Fernando Calderari, por criar a imagem que personaliza o evento. À comissão organizadora, por ter tornado possível esta homenagem. Aos patrocinadores, por tornaram viável este esforço conjunto. Às instituições que nos apoiam, por acreditarem na importância de um evento
dessa natureza e o realizarem conosco. TROCAR ORDEM DAS FRASES Ao Grupo de Pesquisa em Música Paranaense (Unespar/Embap/CNPq), pelo seu
apoio irrestrito e trabalho incansável. E a todos os que, de alguma forma, trabalharam para a realização das atividades,
pela sua colaboração. 16
GRUPOS
Madrigal Vocale Regência: Bruno Spadoni
Sopranos: Cristiane Alexandre, Karin Zwar, Mariana Spadoni, Sara Atiyeh Vianna, Virgínia Pimentel. Contraltos: Ana Maria Mello, Camila Lopes, Maria Cristina Figueiredo, Samira Haddad de Oliveira. Tenores: Marco Roberto dos Santos, Nilceu de Nazareno, Wander Nascimento. Baixos: Ahilto Fontoura, Hudson Vianna Pereira, Paulo José da Costa.
Collegium Cantorum Regência e Direção Artística: Helma Haller
Maestrina Adjunta e pianista: Ana Cristina Lago Sopranos: Evelyn Petersen, Karina Ochoa, Liana Fonteles, Maria Herrmann, Mariane Dück, Viviane Kubo. Mezzosopranos: Ana Cristina Lago, Edcea Cristina Godinho, Glaucenira Marta, Nuana Werner. Contraltos: Elizabeth Kozak, Maria Madalena Wagner, Rosanair Franco. Gerente de Projetos: Maria Herrmann Destefani. Preparação Corporal: Camila Jorge.
Orquestra de Cordas da Embap Regência: Roberto Hübner
Violinos I: Juslei Borges da Silva, Gisele Borges da Silva, Maria Salgado, Allan Alencar Zago, Gabriel Cabral e Souza, Lerry Gabriel Klitzke. Violinos II: Renan Wilkerson Corrêa, Liciê Martin, Camila Michelan, Victória C. Pan, Edilson Silverio Júnior, Renata Kely de Jesus. Violas: Orlielto dos Santos, Caio Alexander Mey, Leonardo Caio Langrafe, Gabriel Biss de Alencar. Violoncelos: Alzira Schmitt-Hübner, Pedro Álvares Szulak. Contrabaixos: Hely Souza Carvalho, Rodrigo Martins Ribeiro.
Orquestra de Violões da Embap Regência: Willian Lentz
Coordenação: Luiz Cláudio Ribas Ferreira Naipe I: Dayane Battisti (spalla), Cainã Rocha, Ederaldo Sueiro Junior. Naipe II: Francisco Luz (chefe de naipe), Alison Gelain, Anderson Zabrocki, Alan Fernando Pinto, Jaqueline Schibeloske. Naipe III: Walmor Boza (chefe de naipe), Alderi Habonski, Glaukus Jansson. Naipe IV: Jean Barcelos (chefe de naipe), Lurian Lima, Eric Henrique Moreira Evangelista, Haissam Hammoud Fawaz, Cristo Miguel de La Cruz, Rafaele Maria Andrade, Juliana Cristina Gomes.
17
Camerata Antiqua de Curitiba Maestro Emérito Roberto de Regina
Orquestra Violinos I: José Maurício Aguiar (spalla e diretor musical), Marco Damm (concertino), Atli Ellendersen, Martina Lohmann , Paulo Hübner, Adriano Vargas (convidado). Violinos II: Francisco de Freitas Jr. (chefe de naipe), Moema Cit Meyer, Silvanira Bermudes, Vanessa Savytzky Schiavon, Walter Hoerner . Violas: Flávia Motta (chefe de naipe), Aldo Villani, Helena Alice Carollo Damm, Roberto Hübner. Violoncelos: Faisal Hussein (chefe de naipe), Ivo Meyer, Thomas Jucksch. Contrabaixo: Pablo Guiñez (chefe de naipe), Martinho Lutero Klemann (ensaiador). Piano: Clenice Ortigara.
Coro Sopranos: Darci Almeida, Luísa Fávero, Naura Sant´Ana, Silvia Suss Marques, Luciana Melamed (convidada). Contraltos: Ariadne Oliveira, Cissa Duboc, Daniele Oliveira, Fátima Castilho, Mirta Schmitt. Tenores: Alexandre Mousquer, Ivan Morais, Maico Sant’Anna, Marcos Brito, Sidney Gomes. Baixos: Ademir Maurício, Cláudio de Biaggi, Fernando Klemann, José Brazil, Marcelo Dias. Regente do Coro: Helma Haller. Pianista co-repetidora: Clenice Ortigara. Orientador Vocal: Pedro Goria.
Ficha Técnica da Camerata Antiqua de Curitiba Conselho Artístico: Luis Otávio Santos, Janete Andrade, Ivan Moraes, Francisco Freitas Jr., Nilton Cordoni Junior. Coordenadores: Darci Almeida, Martinho Lutero Klemann. Representantes: Ivan Morais, Francisco de Freitas Jr. Arquivista: Cornelis Kool. Assessoria da Coordenação de Música Erudita: Márcia Squiba. Coordenador Administrativo e de Produção: Agnaldo Oliveira. Assistentes de Produção: Alício Cardoso, Altair de Oliveira, Valdecir Pereira.
Orquestra Filarmônica da UFPR Diretor Artístico: Harry Crowl Regente: Márcio Steuernagel
Violino I: Juslei Borges da Silva, Amanda Cristina dos Santos, Ezequias de Paulo, Kurt Fehlhauer, Flávio Jacinto da Silva. Violino II: Amanda da Silva, Joaz Lopes da Silva, Augusto Tenório dos Santos, Lerry Klitzke, Michelle Felix Trevisan. Viola: Rodrigo Poggian Lopes, Renato Schimith, Denis Castilho. Violoncelo: Monan Bittencourt, Letícia Wolf, Shante Cabral, João Pedro Cordeiro. Contrabaixo: Marsal Nogueira Pinto. Flauta: Luiz Fernando Campelo, Ghabriel Alcântara. Oboé: Matheus Kahakura. Clarinete: Otávio Augusto, Elvis Ferreira Tosta. Fagote: Felipe Reis, Uesley do Prado Lopes. Trompete: Rogério Magalhães. Trompa: Jonatas Rafael da Costa, Jean Pierre de Oliveira Costa. Tímpanos/Percussão: Luís Fernando Diogo, João Guilherme Grando, Sabrina Rocha, Thiago Chelny. Estagiários: Gabriel Machado, Lucas Diaz.
18
Orquestra de Câmara da PUCPR Direção Musical e Regência: Paulo Torres
Coordenação: Marcos De Lazzari Violinos I: Winston Ramalho, Rafael Ferronato, Carolina Ferreira, Simone Savytzky, Juliane Weingartner, Marcos De Lazzari. Violinos II: Atli Ellendersen, Paulo Hübner, Ricardo Molter, Thomas Henning, Thalita Ferronato. Violas: Marcelo Lemos da Silva, Flávia Motta, Leila Tascheck, Aramis Mendes. Violoncelos: Adriane Savytzky, Romildo Weingartner, Péricles V. Gomes. Contrabaixos: Maria Helena Salomão, Pablo Guiñez, Hélio Brandão. Piano: Davi Sartori. Percussão: Luis Fernando Diogo.
Coral do Curso de Composição e Regência Embap 2012 Ana Carolina Batista de Lima, Ananias de Souza Neto, Carolina Cesconetto, Cyro Freire de Lima, Douglas Gustavo Bertoncello, Enzo Fonseca Veiga, Ian Schmoeller, Juliana Cordeiro Gomes, Maria Paz Villahoz, Rafael Ferreira Semtchuk, Rafaele Maria Andrade, Samuel Fidelis, Vanessa Ignatowicz Silva.
19
IV Festival Penalva & III Mostra de Música Paranaense
Governador no Estado do Paraná Beto Richa
Secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Reitor da Universidade Estadual do Paraná
Alípio Santos Leal Neto
Vice-Reitor da Universidade Estadual do Paraná Marco Aurélio Visintin
Diretora da Embap Maria José Justino
Vice-Diretora da Embap Anna Maria Lacombe Feijó
Diretor do Studium Theologicum Pe. Jaime Sánchez Bosch
Coordenação Geral e Artística do evento Elisabeth Seraphim Prosser
Comissão Artística e de Produção Ana Paula Peters, Bruna Borges, Eduardo Frigatti, Felipe Ribeiro, Marcos de Lazzari
Comissão Científica Dra. Elisabeth Seraphim Prosser (Embap); Dr. Orlando Fraga (Embap)
Dr. Pe. Jaime Sánchez Bosch (Studium Theologicum/Ceuclar)
Comissão de Apoio Grupo de Pesquisa Estudos em Musicologia/Linha de Pesquisa Música Paranaense
(CNPq, Unespar/Embap), Ana Maria Negrele Baggio, Angela Lorenzzoni, Daniel Binotto Edgar Serratto, Keidma Caetano, Marco Aurélio Koentopp, Rosamaria Pietrovski
Assessoria de Imprensa Rodrigo Juste Duarte
Registro em áudio e audiovisual Helene Anastasiou, Felipe de Almeida Ribeiro, Alunos de Acústica da Embap
Design gráfico Martin Henschel
Criação e elaboração do Troféu Penalva Eneas Ribeiro Correa
Realização Studium Theologicum
Escola de Música e Belas Artes do Paraná / Universidade Estadual do Paraná Governo do Estado do Paraná
Apoio
Grupo de Pesquisa: Estudos em Musicologia/ Linha de Pesquisa: Música Paranaense
(CNPq/Unespar/Embap) SESC Paço da Liberdade, Museu Claretiano
Ceuclar, PUCPR, UFPR, Canal da Música, E-Paraná Fundação Cultural de Curitiba, Prefeitura Municipal de Curitiba
Endereços dos locais das apresentações
Auditório da Embap: Rua Francisco Torres, 253, Centro Canal da Música: Rua Julio Perneta, 695, Mercês
Capela Santa Maria: R. Conselheiro Laurindo, 273, Centro Igreja Imaculado Coração de Maria / Museu Claretiano:
Av. Getulio Vargas, 1193, Rebouças SESC Paço da Liberdade: Praça Generoso Marques, 189, Centro
IV Festival Penalva IV Festival Penalva IV Festival Penalva IV Festival Penalva &&&& III Mostra de Música ParanaenseIII Mostra de Música ParanaenseIII Mostra de Música ParanaenseIII Mostra de Música Paranaense
Curitiba, 23 a 29 de outubro de 2012
Terça-feira, 23 Quarta-feira, 24 Quinta-feira, 25 Sexta-feira, 26 Sábado, 27 Domingo, 28 Segunda-feira, 29
14
h
Embap Embap Embap Embap Embap
Mesa-redonda I
Penalva: inovação e
desdobramentos
Mesa-redonda II
Musicologia histórica
e etnomusicologia
Recital
Comentado
Salete Chiamulera
Mesa-redonda III
Aspectos investigativos e
didáticos em Penalva e
Henrique de Curitiba
16
h3
0
Concerto de
Música de Câmara
Compositores
paranaenses
Concerto de
Música de Câmara
Compositores
paranaenses
Concerto
Curso de
Composição e
Regência da
Embap
SESC
Paço da Liberdade
19
h
Igreja Imaculado
Coração de Maria
16
h3
0
Recital
Piano Solo
Ingrid Barancoski
Concerto
Vórtex de jovens
compositores
Missa
in memoriam
Madrigal Vocale
Collegium
Cantorum
20
h
Capela
Santa Maria
Capela
Santa Maria
Canal da Música Capela
Santa Maria
18
h3
0
Capela
Santa Maria
20
h
Museu Claretiano
Canal da Música
Concerto
de Abertura
Bola Preta Grupo de
Choro de Curitiba
Grupo de Percussão
da Embap
Concerto
Orquestra de Violões da
Embap
Duo Bark
Trio Jucksch-Capistrano-
Fregoneze
Orquestra de Cordas da
Embap
Concerto
Orquestra
Filarmônica
da UFPR
Concerto
Camerata
Antiqua de
Curitiba
Concerto
Camerata
Antiqua de
Curitiba
Exposição
Acervo Pe. José
Penalva
Concerto de
Encerramento
Homenagem a
Inamí Custódio Pinto
Collegium Cantorum
Madrigal Vocale
Orquestra da PUCPR