resenha o poder simbólico pierre #bourdieu

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O Poder Simbólico Pierre Bourdieu Bertrand, Rio de Janeiro, 1998. Capítulo 1-Sobre o Poder Simbólico Num estado de estudos em que se vê o poder por toda parte, o poder simbólico é invisível e só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a ele. A tradição neo-kantiniana trata os universos simbólicos (arte, religião, língua, ciência, etc.) como instrumentos de conhecimento e construção do mundo. Durkheim avança e considera essas formas simbólicas como arbitrárias e socialmente determinadas. Neste sentido, a análise estrutural é instrumento que permite apreender a lógica específica de cada lógica. Segundo Bourdieu, os sistemas simbólicos exercem um poder estruturante (conhecer o mundo), na medida em que são também estruturados. E a estruturação decorre da função que os sistemas simbólicos possuem de integração social para um determinado consenso. O consenso aqui apresentado é o da hegemonia, ou seja, de dominação. Assim, as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre, relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material e simbólico acumulados pelos agentes (BOURDIEU, 1998:11). O que ocorre é uma relação de luta, principalmente, simbólica que as diferentes classes estão envolvidas para imporem a definição do mundo social conforme seus interesses. Os sistemas simbólicos diferenciam-se segundo sua instância de produção e de recepção. E a autonomia de determinado campo constitui-se na medida em que um corpo especializado de produtores de discursos se desenvolve. O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer (...) só se exerce se for reconhecido (BOURDIEU, 1998: 14). E

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O Poder SimbólicoPierre Bourdieu

Bertrand, Rio de Janeiro, 1998.

Capítulo 1-Sobre o Poder Simbólico

Num estado de estudos em que se vê o poder por todaparte, o poder simbólico é invisível e só pode ser exercidocom a cumplicidade daqueles que estão sujeitos a ele. Atradição neo-kantiniana trata os universos simbólicos(arte, religião, língua, ciência, etc.) como instrumentosde conhecimento e construção do mundo. Durkheim avança econsidera essas formas simbólicas como arbitrárias esocialmente determinadas. Neste sentido, a análiseestrutural é instrumento que permite apreender a lógicaespecífica de cada lógica.

Segundo Bourdieu, os sistemas simbólicos exercem umpoder estruturante (conhecer o mundo), na medida em que sãotambém estruturados. E a estruturação decorre da função queos sistemas simbólicos possuem de integração social para umdeterminado consenso. O consenso aqui apresentado é o dahegemonia, ou seja, de dominação.

Assim, as relações de comunicação são, de modo inseparável, sempre,relações de poder que dependem, na forma e no conteúdo, do poder material esimbólico acumulados pelos agentes (BOURDIEU, 1998:11). O queocorre é uma relação de luta, principalmente, simbólica queas diferentes classes estão envolvidas para imporem adefinição do mundo social conforme seus interesses.

Os sistemas simbólicos diferenciam-se segundo suainstância de produção e de recepção. E a autonomia dedeterminado campo constitui-se na medida em que um corpoespecializado de produtores de discursos se desenvolve. Opoder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer vere fazer crer (...) só se exerce se for reconhecido (BOURDIEU, 1998: 14). E

deste modo, o poder simbólico é uma forma transformada elegitimada de outras formas de poder.

Capítulo 2- Introdução a uma Sociologia Reflexiva

Neste capítulo Bourdieu aponta o circuito de umapesquisa, estratégias, características. O modo de produçãocientífica supõe um modo de percepção e a maneira paraadquirir esta visão é de operar praticamente ou de observaro modo como este conjunto de percepções é aplicado.

O habitus científico é um modus operandi como uma espéciede sentido de jogo que faz com que se faça o que é precisofazer no momento próprio. Dentro do campo científico há umaoposição epistemológica que representa uma oposiçãoconstitutiva da divisão de trabalho científico o parteoria/metodologia, pois somente em função de conjunto depressupostos teóricos que um dado empírico pode funcionarcomo índice. E também a filiação de um determinado métodoque vai definir a ligação a uma determinada escola.

Bourdieu também nega a confusão entre os termosrigidez (contrário da inteligência) e rigor (medida dedisciplina), é na segunda que a pesquisa deve se apoiar. Eque a construção do objeto de pesquisa não se realiza de ummomento para outro, mas é um exercício que necessita umateorização prévia e de uma observação prolongada.

Portanto, a construção de um objeto de pesquisa devefuncionar como um sinal que lembra o que fazer e saber paraguiar a pesquisa. Além disso, os objetos de pesquisa sãorealidades que atraem a atenção do investigador por seremrealidades notadas.

Bourdieu também considera que há problemas ao sedesenvolver as estratégias das pesquisas, uma estratégiapensando extensivamente o conjunto de elementos outraestratégia é estudar intensivamente um fragmento limitado.

O autor verifica que os limites de um determinadocampo podem ser vistos nos seus efeitos, isto é, um sujeitopertence a um determinado campo na medida em que sofre

efeitos ou nele os produz. O proveito que retira dedelimitar o campo de investigação científica é delineargrandes linhas de força do espaço cuja pressão se exercesobre o ponto considerado. E construir um objeto científicoé romper com o senso comum, ou seja, de desligar-se dasrepresentações comuns e das noções pré-construídas.

Segundo Bourdieu, as ciências sociais, em geral,estão expostas a receber uma série de problemas legitimadospela sociedade, e dignos de serem discutidos e estudados,mas muitas vezes o pesquisador torna-se objeto do objetopesquisado na medida em que fica preso a uma estrutura depensamento, (...) fica condenado a ser apenas instrumento daquilo queele quer pensar (BOURDIEU, 1998: 36).

E para reconhecer os problemas públicos e oficiais, énecessário antes fazer uma história social da emergênciadestes problemas, isto é, a constituição progressiva desteproblema para se tornar um problema a ser pensado e fazerse reconhecer.

Além disso, todo sociólogo deve ter atenção para nãoincorrer ao perigo do double mind, ou seja, de substituir adoxa do senso comum pelo pela doxa do senso comum daciência, que atribui em nome da ciência uma transcrição dodiscurso do senso comum. Bourdieu acredita que este tipo deatitude favorece a um tipo de conservadorismo estrutural que levaa reproduzir a doxa científica. Entretanto, o senso comumou o pré-construído tem sua força na medida em que ele seapresenta como uma aparência da evidência, mas sem dúvida,a conversão do olhar, é pôr em suspenso as noções e construçõesaplicadas na construção e romper com este modo depensamento.

O que resulta que a pedagogia da pesquisa sercomplexa, pois ela exige instrumentos de construção darealidade, conceitos, métodos e uma atitude crítica comtendência a trabalhar com estes instrumentos. E estapedagogia tem probabilidades desiguais de ser bem-sucedida,e varia conforme as atitudes socialmente construídas dosdestinatários.

Segundo Bourdieu, o sociólogo deve apresentar umapostura de objetivação participante, é um exercício de ruptura

das adesões que constituem o interesse sobre o objetoestudado. Com o trabalho de objetivação há algumasdeterminantes importantes a serem levadas em conta, osinteresses específicos ligados ao campo, as categoriasconstruídas por tal campo.

Neste sentido, a pesquisa deve apresentar um corte, poisfreqüentemente há interpretações concorrentes para um mesmoobjeto. Assim, através de uma análise do discurso poderepresentar o palco e as estratégias que os agentes empregam paralevarem a melhor na luta simbólica pelo monopólio da imposição do veredicto,pela capacidade reconhecida de dizer a verdade a respeito do que está em jogono debate (BOURDIEU, 1998: 54-55).

Conforme Bourdieu, o espaço de interação funciona comouma situação de mercado lingüístico que tem comoprincípios, a composição social está previamenteantecipada. Deste modo, para compreender o que pode ou nãoser dito no palco é preciso saber quem é excluído. A censuramais radical é a ausência (BOURDIEU, 1998:55). Para empreender umaanálise é preciso considerar as taxas de representação (nosentido estatístico e social) das diferentes categorias(idade, sexo, estudo, etc.), logo as probabilidades deacesso à palavra.

Outra característica ainda: o jornalistaexerce uma forma de dominação (conjunturalnão estrutural) sobre um espaço de jogo queele construiu, e no qual ele se achacolocado em situação de árbitro, impondonormas de ‘objetividade’ e de‘neutralidade’. (BOURDIEU, 1998: 55).

Assim, o espaço de interação é o lugar de atualizaçãoda intersecção entre os diferentes campos. E os agentes naluta para imporem sua visão dispõem de força (capital) quedependem de seu pertencimento aos campos e da sua posiçãono campo. As estratégias discursivas dos diferentes atores (...)dependerão das relações de força simbólicas entre os campos e dos trunfos(BOURDIEU, 1998:56).

Capítulo 3 - A gênese dos conceitos de habitus e decampo

Bourdieu considera que a teoria científica apresenta-se apenas como um programa de percepção só revelado notrabalho empírico em que se realiza. A teoria trata-se comoum roteiro que orienta e organiza a prática científica.

Assim Bourdieu ao construir a definição de habitus teveque romper com uma tradição estruturalista sem cair numafilosofia do sujeito ou da consciência e da economiaclássica. Neste sentido, o conceito de habitus indica umacapacidade criativa, inventiva, mas diferentemente deChomsky e sua gramática generativa, não pode ser atribuídaa uma natureza ou razão humana, e sim uma disposiçãoincorporada, uma espécie de sentido do jogo que não temnecessidade de raciocinar para se orientar e se situar noespaço. E o uso do termo habitus foi também uma decisão deretomar uma tradição sem temer a acusação de ecletismo.

E o emprego do conceito de campo também serviu paraorientação de uma pesquisa na medida em que correntes depesquisa ignoravam o campo de produção como espaço socialde relações objetivas, o que dava uma autonomia relativa emde relação aos demais espaços de produção social. E assimao investigar o campo intelectual como universo autônomo derelações específicas que teve acesso ao capítulo Wirtschaftund Gesellschaft da sociologia religiosa e pode elaborar asvariantes estruturais e funcionais entre todos os campos.

A teoria geral dos campos pouco a pouco se foielaborando devido a uma interpretação relacional da análisede Weber, muito mais do que a transferência do modo depensamento econômico.

Capítulo 4 – As relações entre a história reificada ea história incorporada

A filosofia da história que está inscrita no uso maiscorrente da linguagem corrente que designam instituições ouentidades coletivas (Estado, burguesia, Igreja, família,

Justiça, escola, etc.). Ela satisfaz uma exigência deelevação teórica que estimula o sobrevoar dos fatos e ageneralização vazia e apressada, com a pretensão deprocurar a essência por detrás da aparência, a estruturaalém da história. Entretanto, reduzir os agentes ao papelde executantes, vítimas ou cúmplices, de uma políticainscrita na essência dos aparelhos é fugir a observação daspráticas, e leva a um determinismo que simplifica a visão.

Além disso, Bourdieu aponta que a relação que opesquisador mantém com seu objeto de análise vai determinarsua visão do objeto. Também a lógica própria do campoesconde tomadas de posição que tendem a apresentarproblemas e objetos de forma errônea que vai dar origem adebates intermináveis. E para escapar as alternativas nasquais se encerrou a história e a sociologia, basta observarque toda ação histórica põem em presença dois estados dahistória, a história no seu estado objetivado, isto é, ahistória que se acumulou ao longo do tempo nos objetos e ahistória no seu estado incorporado que se tornou habitus.

Bourdieu também verifica que ao atribuirmos como faz ofuncionalismo aos efeitos da dominação a uma vontade únicae central, ficamos impossibilitados de apreender acontribuição dos agentes para o exercício da dominação pelarelação que se estabelece entre as atitudes que são ligadasàs condições sociais de produção.

Conforme Bourdieu, a história institucionalizada só setorna atuada e atuante, isto é, instrumento e livro quandoencontra alguém que nele se reconheça quanto baste para seresponsabilizar por ele e assumir. E isto se realizaatravés de ações (cerimônias) por meio dos quais os agentesdesempenham papéis que são inculcados pelo habitus.Entretanto, é impossível distinguir o que ocorre naspráticas decorre do efeito de posição e o que decorre doefeito das atitudes introduzidas pelos agentes.

E neste sentido, o que podemos considerar porposições, já que elas são mal-definidas dentro do espaço delutas. A definição dos postos mal definidos reside nagarantia que seus ocupantes delimitem e estabeleçamfronteiras, ou seja, desenvolvam a necessidade constitutivado habitus. E assim, estes postos serão aquilo que seus

ocupantes são, ou ao menos, aqueles que na luta interna daprofissão com profissões afins e concorrentes, consigamimpor a definição da profissão.

É verdade que a autonomia dos campos burocráticosreside na capacidade de constituir que seus ocupantesproduzam práticas inscritas na definição do posto atravésde regulamentos, e por intermédio de mecanismos de vocação-cooptação que contribui para ajustar os agentes aos seuspostos. E quanto mais afastado um campo estiver dofuncionamento de um campo de luta (ideal nunca atingido) ecom o desaparecimento (...) da resistência à dominação, o campo setorna rígido, reduzindo-se a uma instituição totalitária (...) a um aparelho,que está à altura de tudo exigir sem condições nem concessões (BOURDIEU,1998: 95).

Assim, quanto mais uma instituição tende a consagraragentes que tudo dão à instituição, é que se chama deapparatchick, isto é, o aparelho feito homem e podem-se- lhe confiar asmais altas responsabilidades, pois ele nada pode fazer em prol de seusinteresses (BOURDIEU, 1998: 95). Deste modo, as condições detrabalho mais alienantes, mais próximas do trabalho forçadosão ainda apreendidas e suportadas por um trabalhador queas percebe e as aprecia e acomoda-as em função de suahistória e descendência.

O que podemos concluir que o ser social é aquilo queuma vez foi e que ficou inscrito não só na história, nascoisas e nos corpos. Portanto, a imagem de um futuro depossibilidades infinitas, dissimula que cada uma de nossasopções contribui para restringir o universo de opções. Àmedida que a história avança, estas possibilidades tornam-se cada vez mais improváveis, mais difíceis de realizar,porque sua passagem à existência suporia a destruição, aneutralização ou a reconversão de uma parte do capital.

E assim, toda ação que tenha em vista opor o possívelao provável tem que contar com o peso da históriaincorporada, o que acontece aos movimentos revolucionáriosque dão a história incorporada a possibilidade dereintroduzir as estruturas objetivas de que são produto.Logo, a história reificada aproveita-se da falsacumplicidade que une à história incorporada para seapropriar do portador desta história.

Capítulo 5 - A identidade e a representação. Elementospara uma reflexão crítica sobre a idéia de região.

A região é um objeto de luta entre os cientistas, nãosó geógrafos, mas também historiadores, etnólogos,sobretudo movimentos regionalistas, economistas esociólogos. E que esta luta pelo monopólio da autoridadecientifica é menos autônoma, já que a concorrência entre asdisciplinas tornam-se resultado de uma políticagovernamental.

O que desenvolve a confusão dos debates sobre a noçãode região, em especial, de etnia ou de etnicidade, e quepor sua vez, estes conceitos são objeto de representaçõesmentais (percepção e apreciação) e representações objetais(emblemas e insígnias. O que desenvolve o jogo pelo poderde impor uma visão de mundo através do princípio de divisãoque ao se impor cria o efeito de consenso e unidade de umgrupo.

A região e suas fronteiras não passam de um vestígioapagado de um ato de autoridade que consiste circunscrevera região em impor a definição legítima, em resumo, oprincípio de divisão do mundo. Este ato de direito consisteem afirmar com autoridade uma verdade que tem força de leie no reconhecimento produz a existência daquilo queenuncia.

Não se pode hoje sustentar que existem critérioscapazes de fundamentar classificações ‘naturais’ em regiões‘naturais’. E que a ciência ao pretender propor critériossobre a região, estará apenas registrando um estado de lutadas classificações.

Bourdieu aponta que o discurso regionalista é umdiscurso performativo que tem o objetivo impor comolegítima uma nova definição de fronteiras e de dar aconhecer e fazer reconhecer a região assim delimitada. Aeficácia do discurso performativo localiza-se é depretender sobrevir o que ele enuncia no próprio ato deenunciar. E é proporcional de quem enuncia. O poder sobre o

grupo quando se trata de dar existência ao próprio gruporeside na capacidade de impor sobre o grupo uma visão edivisão comuns, uma visão idêntica de sua unidade.

O ato de enunciar tem poder de objetivar e oficializaro fato que enuncia num espaço público, e a objetivaçãoconcretiza-se na realização da manifestação.

Toda a tomada de posição que aspire à‘objetividade’ acerca da existência atualou potencial (...) de uma região, de umaetnia (...) acerca da pretensão à instituição quese afirma nas representações (...) contribuipara determinar as probabilidades objetivas(...) de ter acesso à existência (BOURDIEU,1998: 119).

O regionalismo é apenas um caso particular das lutaspropriamente simbólicas em que os agentes estão envolvidosseja individualmente seja coletivamente que está em jogo aconservação ou a transformação das relações de forçassimbólicas e das vantagens econômicas e simbólicas. Equando os dominados entram isolados nas relações de forçassimbólicas, no caso de interações cotidianas, não tem outraescolha que não a aceitação (resignada, provocante,submissa ou revoltada) da definição dominante de suaidentidade ou a busca da assimilação, isto é, desaparecendoos sinais ligados ao estigma (estilo de vida, pronúncia,vestuário).

Além destas estratégias que demonstram oreconhecimento das forças simbólicas dominantes, o que estáem jogo e de se apropriar das vantagens simbólicasassociadas à posse de uma identidade legítima, ou seja, serpublicamente e oficialmente afirmada e reconhecida.

O estigma produz revolta contra o estigma que sempreinicia com o reconhecimento público do estigma, tambémpelos efeitos econômicos e sociais da estigmatização. Areivindicação regionalista é também resposta àestigmatização que produz o território de que ela éproduto. E se a região não existisse como espaçoestigmatizado, como província definida pela privação de

capital econômico e simbólico em relação à capital, nãoteria que reivindicar a existência.

O que devemos dar atenção é que a nova divisãointernacional do trabalho não só não condena os pequenosEstados isolados, como também se acomoda muito bem a essasunidades oficialmente autônomas e incapazes de imporconstrangimentos aos capitais estrangeiros. E com aredistribuição dos investimentos no espaço, em função dalógica das taxas diferenciais de lucro, e a deslocalizaçãodo poder tendem estimular uma revolta contra o Estado.

Capítulo 6 – Espaço social e gênese das classes

Pode-se descrever o campo social como espaçomultidimensional de posições que qualquer posição pode serdefinida em função de um sistema multidimensional decoordenadas. E que os agentes distribuem-se no camposegundo o volume global de capital e segundo a composiçãodo seu capital.

E com base no conhecimento do espaço de posiçõespodemos recortar o termo classes, conjuntos de agentes queocupam posições semelhantes e sujeitos a condicionamentossemelhantes, têm, com toda a probabilidade, atitudes einteresses semelhantes. Existe um espaço de relações noqual as mudanças de lugar se pagam em trabalho, emesforços, e, sobretudo em tempo. Falar de espaço social édizer que não se pode juntar duas pessoas sem cuidar asdiferenças fundamentais, sobretudo econômicas e culturais.

A teoria objetivista tende a integrar não só asrepresentações que os agentes têm do mundo social, mas acontribuição que eles dão para a construção desse mundo pormeio do trabalho de representação. E a percepção do mundosocial é produto de uma dupla estruturação social, de umlado objetivo (instituições e autoridades) e de ladosubjetivo que estão sedimentados na linguagem. Ascategorias de percepção do mundo social são produto daincorporação das estruturas objetivas do espaço social.

Conseqüentemente, levam os agentes a tomarem o mundo socialtal como ele é, e aceitarem como natural.

Se as relações de força objetivas tendem a reproduzira visões de mundo que contribuem para a permanência dessasrelações, é porque os princípios estruturantes da visão domundo radicam nas estruturas objetivas do mundo social.

Compreende-se que uma das formas elementares do poderpolítico tenha consistido no poder de nomear e de fazerexistir pelo poder da nomeação. E na luta simbólica pelopoder da nomeação legítima como imposição oficial, osagentes investem o capital simbólico que adquiriram naslutas anteriores e, sobretudo de títulos.

Assim todas as estratégias simbólicas que os agentestentam impor suas visões de mundo podem se situar entre: oinsulto, isto é, um simples particular tenta impor o seuponto de vista correndo o risco a reciprocidade; e anomeação oficial, ato que tem a seu favor a força docoletivo, do consenso, do senso comum.

Mas a lógica da nomeação oficial é reconhecida bem nocaso de títulos (nobiliário, escolar, profissional) capitalsimbólico, social garantido. É a raridade simbólica dotítulo no espaço dos nomes de profissão que tende acomandar a retribuição da profissão. Dado que o título é em simesmo uma instituição (...) mais duradoura que as característicasintrínsecas do trabalho (BOURDIEU, 1998:149).

É no campo político que os profissionais darepresentação se opõem a respeito de outro campo de lutassimbólicas. E os discursos políticos apresentam uma espéciede duplicidade estrutural: na aparência diretamentedestinados aos mandantes eles são, na realidade, dirigidosaos concorrentes no campo.

As tomadas de posição políticas num dado tempo sãoproduto de um encontro entre a oferta política de opiniõespolíticas objetivadas (comentários, programas, plataformasde partido, etc.) que está ligada à história anterior docampo de produção.

Toda história do campo social está presente, em cada momento, emforma materializada- em instituições (...) e em forma incorporada- nas atitudes

dos agentes que fazem funcionar estas instituições (BOURDIEU, 1998:156). E para estabelecer como se forma o poder deinstituição e constituição que o agente político detém épreciso analisar a lógica de delegação de poder que grupoatribui ao agente. E o que desenvolve a idéia de que ogrupo ou partido foi feito homem.

Segundo Bourdieu, a política é lugar, por excelência,da eficácia simbólica, ação que se exerce por sinaiscapazes de produzir coisas sociais. E neste sentido, aclasse só existe na medida em que os mandatários plenos depoder podem sentir-se autorizados a falar em nome dela efazê-la existir assim como uma força real no seio do campopolítico.

Deste modo, a existência daquilo que chamamos de classeé paradoxal, pois se trata de uma existência em pensamentoe é reconhecida pela representação de aparelhos políticos esindicais que estão interessados em fazer crer que existetanto para os grupos pertencentes como àqueles que arejeitam. E a classe é incessantemente recriada pelosesforços e dedicações sem número que são necessários paraproduzir e reproduzir a crença e a instituição que garantea reprodução da crença, e os mandatários que lhe dãopalavra e uma presença visíveis.

Capítulo 7 – A representação política. Elementos parauma teoria do campo político

O campo político entendido como um campo de força ecomo campo de luta que pretende transformar a relação deforças que confere a este campo a sua estrutura em dadomomento. O que faz com que a vida política possa serdescrita na lógica da oferta e da procura é a desigualdistribuição de elementos de produção de uma representaçãodo mundo social explicitamente formulada.

E dado que o campo político oferece são instrumentosde percepção e de expressão do mundo social. E adistribuição das opiniões depende do estado dosinstrumentos de percepção e de expressão disponíveis e doacesso que os diferentes grupos têm a esses instrumentos. Eque a produção de formas de percepção e de expressão é

monopólio dos profissionais e esta sujeita aconstrangimentos referentes ao campo político.

Os constrangimentos do mercado pesam primeiro sobre osmembros das classes dominadas que não têm outra escolha ademissão ou a entrega de si ao partido que é responsávelpor permanentemente produzir a representação dacontinuidade da classe. Os que dominam o partido e têminteresses ligados a sua existência e dos ganhosespecíficos que ela assegura encontram na liberdade, que omonopólio da produção e da imposição dos interessespolíticos a possibilidade de imporem os seus interesses demandatários como sendo os interesses dos seus mandantes.

Segundo Bourdieu, em matéria de política como emmatéria de arte, o desapossamento dos que são em maiornúmero é consecutivo da concentração dos meios de produçãopropriamente políticos nas mãos de profissionais, que sócom uma competência específica podem entrar com sucesso nojogo político.

O habitus político supõe uma aprendizagem específica(teorias, problemáticas, conceitos, tradições, etc.)produzida e acumulada pelo trabalho político e o domínio deuma certa linguagem e de uma certa retórica de tribuno,indispensável nas relações com os profanos, e de debatedor,necessária nas relações entre profissionais.

E a automização do campo de produção ideológica éacompanhada por uma elevação do direito de entrada, isto é,um reforço das exigências em material de competência gerale específica. E nada é mais exigido de modo mais absolutopelo jogo político do que o próprio jogo.

O investimento no jogo que produto do próprio jogo e écondição do funcionamento do jogo. E todos que têm oprivilégio de investir no jogo e para não correrem o risco dese verem fora do jogo e dos ganhos que nele se adquirem,aceitam o contrato tácito que está implicado no fato departicipar do jogo, de reconhecerem como valendo a pena serjogado.

Os agentes deste jogo são os partidos, organizaçõesque conduzem de forma sublimada de guerra civil, mobilizando demaneira duradoura, o maior número possível de cidadãos.

Assim, a lógica de produção de idéias acerca do mundosocial é subordinada a lógica de conquista de poder, ouseja, a mobilização do maior número de pessoas.

Conforme Bourdieu, o fato do campo político organizar-se em dois pólos registram-se as distâncias de modoimediato, apresenta-se a relação de força, as propriedadese os comandantes dos partidos políticos. Esta estruturadiádica ou triádica, quando apresenta a posição central ouintermediária tende a se reproduzir no interior do própriopartido.

E a tendência da automização e da divisão emminúsculas seitas antagonistas é uma potencialidade,principalmente, na constituição de corpos dotados deinteresses específicos e colocados em concorrência no campopolítico. Entretanto, a tendência a fissão encontra umlimite na dependência da força mobilizadora que ele exercee mobilizar um grupo numeroso e poderoso que se reconhecenele e nele exprime seus interesses.

O campo político é pois o lugar de uma concorrência pelopoder que se faz por intermédio de uma concorrênciapelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito defalar e de agir em nome de uma parte ou totalidade dosprofanos (BOURDIEU, 1998:185).

E as força das idéias que eles propõem mede-se nãopelo valor de verdade que nele se encontram, mas pela forçamobilizadora, ou seja, pela força que um grupo sereconhece, nem que seja pelo silêncio e pode manifestarrecolhendo suas vozes ou reunindo-as no espaço.

Segundo Bourdieu, a verdade da promessa depende daveracidade e também da autoridade daquele que as pronuncia,isto é, da sua capacidade de fazer crer na sua veracidade ena sua autoridade.

E o capital político é uma força de capital simbólico,crédito firmado na crença e no reconhecimento nas inúmerasopções de crédito pelos quais os agentes conferem a umapessoa. O poder simbólico é um poder que aquele que lhe está sujeito dáàquele que o exerce (BOURDIEU, 1998: 188). O homem político

retira o seu poder sobre o grupo de fé e na representaçãoque ele dá ao grupo.

E como este homem tem seu valor específico depositadoem uma crença ele se torna vulnerável às suspeitas, àscalúnias, aos escândalos e tudo que ameace a confiança. Eassim, os políticos devem dar atenção ao que contribui pararepresentar sua sinceridade e desinteresse. E o capitalpessoal de notoriedade de reconhecimento e de possuir umcerto número de qualificações é freqüentemente produto deuma reconversão de um capital de notoriedade acumulado emoutros domínios. Como é o caso do advogado que por tem umcerto capital cultural e um domínio profissional sobre aeloqüência acabam por converter-se em político.

Há também uma outra forma de capital que se desenvolvena transferência de uma autoridade política, isto é, umcapital delegado que detido e controlado pela instituição.E a aquisição deste capital delegado obedece a uma lógicaparticular: a investidura, ato por meio do qual a instituiçãoconsagra oficialmente um candidato e marca a transmissão deum capital político.

E a delegação do capital político pressupõe aobjetivação deste capital em instituições permanentes, namaterialização de postos e instrumentos de mobilização ereprodução através de estratégias. E quanto mais avançado éa institucionalização do capital político tanto mais tendeo sujeito a subordinar-se a conquista de postos e cresce oaparelho de mobilização.

E Bourdieu detalha que a situação de luta no seio doaparelho reforça a posição dos dominantes. Além disso, háuma estratégia importante a ser destacada militarização queconsiste em basear a autoridade numa hipotética situação de‘guerra’, a fim de produzir o medo de ser contra, desta maneiraqualquer oposição está condenada a aparecer como conluiocom o inimigo. O que reforça a unanimidade no interior doaparelho. É uma lógica do aparelho que anula qualquerpossibilidade prática de ser contra.

Capítulo 8 – A força do direito. Elementos para umasociologia do direito

A ciência jurídica é concebida por seus integrantescomo a história do desenvolvimento interno dos seusconceitos e dos seus métodos, assim considera-se o direitocomo um sistema fechado e autônomo, cuja dinâmica só podeentendida segundo esta lógica. E esta reivindicação daautonomia absoluta do pensamento e da ação jurídicosafirmam-se na constituição de uma teoria totalmente libertado peso social.

Entretanto, cai-se muitas vezes numa situação oposta,isto é, de desconsiderar o direito como um sistemasimbólico e detentor de um discurso específico, o que acabapor abster-se da contribuição específica que o direito podedar ao cumprimento de suas presumidas funções.

O campo jurídico torna-se espaço de concorrência pelomonopólio do direito de dizer o direito, ou seja, deinterpretar textos que consagram a visão legítima do mundosocial. E assim, a disputa pelo monopólio aos meiosjurídicos herdados do passado contribui para fundamentar acisão entre os profanos e profissionais favorecendo umtrabalho contínuo de racionalização de modo a aparecer queimpõem as normas jurídicas, totalmente independentes, dasrelações de força que ele sanciona e consagra.

E as decisões jurídicas distinguem-se apenas de atosde força política na medida em que apresentam comoresultado necessário de interpretação de textosunanimemente reconhecidos. E segundo Bourdieu, é um campoque em período de equilíbrio tende a funcionar como

aparelho na medida em que a coesão dos habitus (...) orquestradospelos intérpretes é aumentada pela disciplina de um corpo hierarquizado oqual põe procedimentos codificados de resolução de conflitos (BOURDIEU,1998: 214).

Conforme Bourdieu, a maior parte dos processoslingüísticos característicos da linguagem concorre paraproduzir dois efeitos maiores. O efeito de neutralização,obtido através das construções frasais passivas e dasfrases impessoais, própria para marcar a impessoalidade eobjetividade. E o outro efeito de universalização conseguidopor processos convergentes, como a retórica de atestaçãooficial, dos verbos atestativos na terceira pessoa dosingular no presente ou no passado composto (confessa,declarou, aceita), uso de indefinidos (todo o condenado), areferência de valores que pressupõe que haja um consensoético (como bom pai de família), o recurso de fórmulaslapidares deixando pouco espaço às variações individuais.Esta retórica de neutralidade e da universalização é própriaexpressão de todo o funcionamento do campo jurídico, em especial, dotrabalho de racionalização (BOURDIEU, 1998: 216).

Desta forma, os produtores de lei e das regras devemcontar sempre com as reações e por vezes com a resistênciada corporação jurídica, especialmente, do peritos judiciaisos quais podem por suas competência jurídica ao serviço dointeresse de algumas categorias de sua clientela e tecerestratégias que podem anular os efeitos da lei.

Entretanto, o antagonismo entre estes detentores dediferentes espécies de capital jurídico, que investeminteresses e visões do mundo muito diferentes no seutrabalho de interpretação, mas não exclui acomplementaridade das funções e serve de base a uma formasutil de divisão do trabalho de dominação simbólica.

Segundo Bourdieu, o cânone jurídico serve reservatóriode autoridade que garante, à maneira de um banco central, aautoridade dos atos jurídicos singulares. Assim, oexercício do habitus jurídico encontra-se na interpretaçãodos textos, isto é, de um lector que descobre possibilidadesinéditas, deixando de lado o que está ultrapassado. E não édiferente que o direito como instrumento adaptável,polimorfo, flexível seja chamado para contribuir na

racionalização de decisões que não teve qualquerparticipação.

Este trabalho de racionalização ao permitir aoestatuto jurídico uma decisão judicial que deve muito maisa atitudes éticas dos agentes do que as formas puras dodireito, garantindo uma eficácia simbólica exercida por toda a açãoquando, ignorada no que tem de arbitrário, é reconhecida como legítima(BOURDIEU, 1998: 225).

O espaço judicial implica a imposição de uma fronteiraentre os que estão preparados para entrar no jogo e os que,quando nele se acham lançados, permanecem de fato excluídospor não poderem operar uma conversão de um espaço mental(lingüístico, em particular). E a constituição de um sabercientífico leva a desqualificação do sentido de equidadedos não-especialistas.

Conforme Bourdieu, o que o espaço jurídico desejafuncionar como um lugar neutro que no distanciamento implicana transformação da disputa direta dos interessados emdiálogo entre mediadores que atuam por procuração e têm emcomum conhecer as regras do jogo jurídico. Portanto, aentrada no universo jurídico implica a aceitação tácita dalei fundamental do campo jurídico, a tautologia constitutiva, ouseja, os conflitos só podem nele ser resolvidosjuridicamente. Além disso, entrar neste jogo e renunciar àviolência física e às formas elementares da violênciasimbólica.

A autoridade do campo jurídico se reconhece através daproclamação pública de um veredicto acompanhado de coerçõesfísicas, tais como retirar a vida, a liberdade, ou apropriedade. Assim, o veredicto pertence à classe dos atosde nomeação. Ele representa da palavra autorizada, palavrapública, oficial, enunciada em nome de todos e perantetodos. Estes enunciados performativos são capazes por suaprópria força, de produzir efeitos.

A prática jurídica também se define pela lógica daoferta e da procura, na medida em que a oferta se manifestana concorrência entre os profissionais e a procura dosprofanos que em parte é determinado pelo efeito da oferta.De acordo com Bourdieu, o trabalho jurídico exerce efeitos

múltiplos, ao fixar uma decisão exemplar, ela própria servede modelo a decisões seguintes, o que favorece a lógica doprecedente. O campo jurídico liga continuamente o presenteao passado, deste modo o futuro será a imagem do passado ede que as transformações e adaptações inevitáveis serão nalinguagem do passado.

Assim, o trabalho jurídico constitui um dosfundamentos da manutenção da ordem simbólica. Na medida emque sistematiza e racionaliza as regras e as decisõesinvocadas, o campo confere o selo da universalidade, fator deexcelência da eficácia simbólica. O campo jurídico do papeldeterminante que desempenha na reprodução social, dispõe deuma autonomia menor do que certos campos quer dizer que asmudanças externas nela se retraduzem mais diretamente e queos conflitos internos são mais diretamente resolvidos pelasforças externas. Então, compreende-se que os dominados sópodem encontrar no exterior do seu campo, no campocientifico e político, os princípios de uma argumentaçãocrítica.

Capítulo 9 – A institucionalização da anomia.

Neste artigo Bourdieu vai analisar o desabamento dasestruturas sociais e mentais que favoreceram o surgimentode uma revolução simbólica operada por Manet e pelosimpressionistas. O favoreceu a emergência de um meioartístico e literário fortemente diferenciado e preparadopara estimular o trabalho de conflito ético e estético queManet teve que manejar.

A construção social de um campo de produção autônomo,de um universo social capaz de definir e impor osprincípios específicos de percepção e de apreciação domundo natural e social caminha junto da construçãopropriamente estético que situa o princípio de criaçãoartística na representação e não no objeto.

E a arte precedente a impressionista é, rigidamenteacadêmica, em que as Escolas cumprem um papel importante dedetentora de monopólio de produção dos pintores e daavaliação dos seus produtos. A arte acadêmica é uma arteconvencional, uma arte de professores. E assim, os pintores

acadêmicos estão convencidos que arte nasce da obediênciaaos cânones, às regras que definem os objetos legítimos eas maneiras legítimas de tratar.

O culto da técnica como um fim em si mesmo estáinscrito no exercício escolar como resolução de um problemade institucionalização. Mas a técnica, mesmo pensada comoproeza, permanece subordinada a intenção expressiva e aoefeito obtido. Neste processo de valorização da técnica, oefeito de historização contribui, decisivamente, para aconsolidação de um formalismo técnico, pois põe a distânciaà realidade produz o efeito de idealização e deespiritualização deste modelo. Esta busca pela virtuosidadetécnica acaba por desenvolver uma estética do acabado, istoé, que preenche todas as exigências e expectativas éticasinscritas pela Escola.

Assim para a tradição acadêmica as obras de Manet nãopassariam de esboços mal delineados, ainda não acabados. E,portanto, como esboço estaria na mesma categoria deimpressão, ou seja, a primeira fase do trabalho artístico.Deste modo, a exposição pública de uma impressão, umesboço, um momento privado do artista, até íntimo aparececomo uma transgressão ética, uma falta à discrição e umaforma fácil de conceber uma obra. O rompimento com o estiloacadêmico implica na ruptura como o estilo de vida que elesupõe.

A arte acadêmica associa-se a um sentido moralmentehierárquico. Assim através da Academia que o Estado impõe oprincípio de divisão e de visão em matéria de representaçãodo mundo, e rege a produção de imagens legítimas, o quecontribui para o monopólio de nomeação do Estado. Com oavanço de produtores de obras de arte afastados daAcademia, acaba por deixar de funcionar como aparelhocontrolado pelo Estado, institui alguns elementos do campo.

Capítulo 10 - Gênese histórica de uma estética pura

Há um paradoxo que se efetua no debate filosóficoquando o assunto se refere à especificidade das obras dearte e dos elementos que a distinguem dos demais objetos.Segundo Danto, o princípio da diferença da obra de artereside na instituição, isto é, no universo social que lheconfere o estatuto de candidato à apreciação estética.Segundo Bourdieu, o que é comum as respostas sobre aespecificidade da obra de arte é ambição de localizá-la nummovimento não histórico e insistirem na ausência de função,no desapego, na gratuidade.

E qualquer experiência estética guiada por uma normanão histórica é uma instituição. Esta instituição não passade um produto de invenção histórica cuja lógica só pode serapreendida mediante uma análise, propriamente, históricacapaz de explicar a sua natureza e sua aparência deuniversalidade que ela oferece.

A experiência estética da obra dotada desentido e de valor é um efeito de concordânciaentre duas faces da mesma instituiçãohistórica, o habitus culto e o campo artístico,que se fundem mutuamente: dado a obra de artesó existe enquanto tal (...) se for apreendidapor espectadores dotados de atitude ecompetência estéticas tacitamente exigidas(BOURDIEU, 1998: 286).

Bourdieu investiga que antes de buscar uma respostaontológica ao problema, deve-se descrever a emergência dascondições sociais que permitem o desenvolvimento do artistae conseqüentemente da autonomia do campo. E dos elementosque acompanham o surgimento de um campo de produção é a

elaboração de uma linguagem específica que dê conta dotrabalho de nomear as especificidades da área.

Segundo Wittgenstein, o campo artístico écaracterizado por uma extrema indeterminação quer se tratede gêneros, de formas, de períodos e estilos. E compreende-se também a confusão entre os conceitos utilizados paracaracterizar a arte. Desta forma, as categorias utilizadaspara perceber ou apreciar a obra de arte estão duplamenteligadas ao contexto histórico: a um universo social situadoe datado, elas são objetos de uso marcados pela posição dosseus utilizadores. Assim, a maior parte das categorias queos artistas empregam se definirem e seus adversários sãoarmas e objetivos de luta.

E se há uma verdade é que a verdade está em jogo nas lutas (...) e aciência nada mais pode fazer senão tentar estabelecer a verdade dessas lutaspela verdade (BOURDIEU, 1998: 293-294).

A invenção do olhar puro no movimento do campo para aautonomia. E a evolução dos diferentes campos de produçãocultural para uma maior autonomia é acompanhada por umaespécie de retorno reflexivo e crítico dos produtores parasua própria produção, o que ela a retirar dela o princípiopróprio e pressupostos específicos. O segundo motivo desteretorno reflexivo e crítico da arte sobre si mesma está quena medida em que há uma série de conhecimentos específicosregistrados e conservados que serão as condições de acessoao campo de proteção.