relatório de caso clínico - ufrgs

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias Disciplina de Seminários em Patologia Clínica (VET 00252) http://www.ufrgs.br/lacvet Relatório de Caso Clínico IDENTIFICAÇÃO Caso Clínico n o 2016/2/05 Espécie: canino Ano/semestre: 2016/2 Raça: Yorkshire Terrier | Idade: 10 ano(s) | Sexo: fêmea | Peso: 3,45 kg Alunos(as): Guilherme Luiz Carvalho de Carvalho Médico(a) Veterinário(a) responsável: Guilherme Luiz Carvalho de Carvalho ANAMNESE Foi atendido no serviço de Endocrinologia e Metabologia de Cães e Gatos do Hospital de Clínicas Veterinárias da UFRGS (HCV/UFRGS) um cão fêmea, da raça Yorkshire Terrier de 10 anos de idade com queixa de polifagia, abaulamento abdominal, dermopatia e dispneia em repouso. Os exames e evolução clínica estão apresentados de maneira prospectiva e datam do primeiro dia. EXAME CLÍNICO Ao exame físico, foram obtidos os seguintes parâmetros: estado mental alerta, normohidratação, mucosas normocoradas, FC 140 bpm, TR 38,7ºC, FR 60 mpm, pulso forte e síncrone, PAS 200 mmHg (VR. 110-150 mmHg), glicemia periférica em jejum de 12h: 87 mg/dL (VR. 60-118 mg/dL), exame neurológico sem alteração, escore de condição corporal (ECC) 7 (VR. 1-9), índice de massa muscular (IMM) 1 (VR. 0- 3), abaulamento abdominal acentuado, hepatomegalia à palpação, atrofia cutânea moderada, astenia cutânea moderada, telangiectasia moderada, evidências de piodermite superficial ao longo de dorso e flanco (Figura 1). EXAMES COMPLEMENTARES Ultrassonografia abdominal evidenciou hepatomegalia moderada, com contornos regulares e parênquima apresentando padrão normoecogênico e homogêneo, além de adrenais de contornos regulares, simétricas e com espessura do polo caudal de 0,47 cm (direita) e 0,49 cm (esquerda) (VR. 0-4 a 0,55 cm em cães até 10 kg de peso: De Chalus et al., 2013; Soulsby et al, 2015). Teste de supressão com baixa dose de dexametasona: cortisol basal: 23 (VR. 20-60 ng/mL): cortisol 8 h pós-dexametasona: 8 ng/mL (VR. <10 ng/mL: suspeito: >10 <14 ng/mL; diagnóstico de hiperadrenocorticismo: >14 ng/mL) Teste de estímulo por ACTH: cortisol pós-ACTH: 219,3 ng/mL (VR. 60-170 ng/mL; suspeito: >17 <220 ng/mL; dianóstico de hiperadrenocorticismo: > 220 ng/mL.

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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Faculdade de Veterinária Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias

Disciplina de Seminários em Patologia Clínica (VET 00252) http://www.ufrgs.br/lacvet

Relatório de Caso Clínico

IDENTIFICAÇÃO

Caso Clínico no 2016/2/05 Espécie: canino Ano/semestre: 2016/2

Raça: Yorkshire Terrier | Idade: 10 ano(s) | Sexo: fêmea | Peso: 3,45 kg

Alunos(as): Guilherme Luiz Carvalho de Carvalho Médico(a) Veterinário(a) responsável: Guilherme Luiz Carvalho de Carvalho

ANAMNESE

Foi atendido no serviço de Endocrinologia e Metabologia de Cães e Gatos do Hospital de Clínicas Veterinárias da UFRGS (HCV/UFRGS) um cão fêmea, da raça Yorkshire Terrier de 10 anos de idade com queixa de polifagia, abaulamento abdominal, dermopatia e dispneia em repouso. Os exames e evolução clínica estão apresentados de maneira prospectiva e datam do primeiro dia.

EXAME CLÍNICO

Ao exame físico, foram obtidos os seguintes parâmetros: estado mental alerta, normohidratação, mucosas normocoradas, FC 140 bpm, TR 38,7ºC, FR 60 mpm, pulso forte e síncrone, PAS 200 mmHg (VR. 110-150 mmHg), glicemia periférica em jejum de 12h: 87 mg/dL (VR. 60-118 mg/dL), exame neurológico sem alteração, escore de condição corporal (ECC) 7 (VR. 1-9), índice de massa muscular (IMM) 1 (VR. 0-3), abaulamento abdominal acentuado, hepatomegalia à palpação, atrofia cutânea moderada, astenia cutânea moderada, telangiectasia moderada, evidências de piodermite superficial ao longo de dorso e flanco (Figura 1).

EXAMES COMPLEMENTARES

Ultrassonografia abdominal evidenciou hepatomegalia moderada, com contornos regulares e parênquima apresentando padrão normoecogênico e homogêneo, além de adrenais de contornos regulares, simétricas e com espessura do polo caudal de 0,47 cm (direita) e 0,49 cm (esquerda) (VR. 0-4 a 0,55 cm em cães até 10 kg de peso: De Chalus et al., 2013; Soulsby et al, 2015).

Teste de supressão com baixa dose de dexametasona: cortisol basal: 23 (VR. 20-60 ng/mL): cortisol 8 h pós-dexametasona: 8 ng/mL (VR. <10 ng/mL: suspeito: >10 <14 ng/mL; diagnóstico de hiperadrenocorticismo: >14 ng/mL)

Teste de estímulo por ACTH: cortisol pós-ACTH: 219,3 ng/mL (VR. 60-170 ng/mL; suspeito: >17 <220 ng/mL; dianóstico de hiperadrenocorticismo: > 220 ng/mL.

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URINÁLISE

Método de coleta: cistocentese Obs.: RPC: 0,5 Data: 14/10/2016 (Dia zero)

Sedimento urinário*

Células epiteliais: escamosas (0-2)

Cilindros:

Hemácias: <5

Leucócitos:

Bacteriúria: leve

Outros: gotículas de gordura

Exame químico

pH: 6,0 (5,5-7,5)

Corpos cetônicos: negativo

Glicose: negativo

Bilirrubina: negativo

Urobilinogênio: n.d. ( )

Proteína: + [≈30 mg/dL]

Sangue: negativo

Exame físico

Densidade específica: 1,056 (1.020-1.040)

Cor: amarelo

Consistência: fluido

Aspecto: límpido *número médio de elementos por campo de 400 x; n.d.: não determinado

BIOQUÍMICA SANGUÍNEA

Amostra: soro | Anticoagulante: | Hemólise: selecionar Data: 14/10/2016 (Dia zero)

Proteínas totais*: 82 g/L (60-80) ↑

Proteínas totais**: 80 g/L (60-80)

Albumina: 37 g/L (26-33) ↑

Globulinas: g/L ( )

Bilirrubina total: mg/dL ( )

Bilirrubina livre: mg/dL ( )

Bilirrubina conjugada: mg/dL ( )

Glicose: 110 mg/dL (60-118)

Colesterol total: 167 mg/dL (135-270)

Ureia: 37 mg/dL (21-60)

Creatinina: 0,52 mg/dL (0,5-1,5)

Cálcio: 9,5 mg/dL (9-11,3)

Fósforo: 2,8 mg/dL (2,6-6,2)

Fosfatase alcalina: 41 U/L (<156)

AST: U/L ( )

ALT: 32 U/L (<102)

CK: U/L ( )

Triglicerídeos: 223 mg/dL (20-112) ↑

Fructosamina: 181 umol/L (170-338)

: ( )

: ( )

: ( )

Observações: *Proteínas totais determinadas por refratometria; **Proteínas totais determinadas por espectrofotometria.

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HEMOGRAMA

Data: 14/10/2016 (Dia zero)

Leucograma Eritrograma

Quantidade: 9.500/µL (6.000-17.000) Quantidade: 7,87 milhões/µL (5,5-8,5)

Tipos: Quantidade/µL % Hematócrito: 52 % (37-55) Mielócitos ( ) ( ) Hemoglobina: 18,6 g/dL (12-18) ↑ Metamielócitos ( ) ( ) VCM: 68,6 fL (60-77) Neutrófilos bast. (0-300) (0-3) CHCM: 34,4 % (32-36) Neutrófilos seg. 7.790 (3.000-11.500) 81 (60-77) ↑ RDW: % (14-17) Basófilos ( ) ( ) Reticulócitos: % ( ) Eosinófilos 95 (100-1.250) ↓ 1 (2-10) ↓ Observações: Monócitos 570 (150-1.350) 6 (3-10) Linfócitos 1.045 (1.000-4.800) 1 (12-30) ↓

Plasmócitos ( ) ( ) Observações:

Plaquetas

Quantidade: 300.000/µL (200.000-500.000) | Observações: PPT: 82

TRATAMENTO E EVOLUÇÃO

Foi instituído tratamento medicamentoso a base de trilostano (inibidor da 3-βHSD), visando promover redução da esteroidogênese em nível adrenal. O paciente teve revisões clínicas e laboratoriais programadas após 30 e 90 dias de tratamento, onde foram avaliados todos os aspectos comportamentais, físicos, parâmetros vitais e realização de exames de controle (imagem, perfil hemato-bioquímico-eletrolítico e hormonal (Tabela 1). Não foram apresentados quaisquer sinais clínicos relacionados à intolerância ao trilostano durante todo o período analisado. A cada revisão, após a análise conjunta dos aspectos citados aliada aos resultados de avaliação funcional das adrenais (cortisol pós-ACTH), foram instituídos ajustes na dose da medicação, visando redução da cortisolemia e, consequentemente, os efeitos relacionados ao seu descontrole. Foi observada melhora satisfatória em todos parâmetros clínicos relatados inicialmente e a evolução positiva de parâmetros físicos acompanha essa linha de tendência. Frente à constatação de hipertrigliceridemia acentuada (1.423 mg/dL) foi associada a utilização de bezafibrato (hipolipemiante) visando a prevenção da pancreatite aguda e do estado de resistência insulínica associados à hipertrigliceridemia (De Marco et al., 2017). Este tratamento mostrou-se eficaz na redução dos níveis de triglicerídeos em jejum após 60 dias de uso e, frente a valores na faixa referencial, foi descontinuado. Atualmente o paciente encontra-se apresentando sinais brandos da doença, porém é sabido que o uso contínuo e prolongado do trilostano pode requerer aumentos graduais na dose terapêutica absoluta e relativa ao longo do tempo devido a seu mecanismo de ação. A raça Yorkshire Terrier é reconhecida por endocrinologistas veterinários como refratária a doses eficazes em outros cães, sendo o controle da função adrenal em cães dessa raça particularmente desafiador.

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Tabela 1.

Parâmetro avaliado (val. referência) 14/10/16

Dia 0 15/11/16

Dia 30 15/01/17

Dia 90 Bioquímica sanguínea Albumina (26-33 g/L) 37↑ 30 40↑ ALT (<102 UI/L) 32 28 67 Cálcio total (9-11,3 mg/dL) 9,5 9,33 9,0 Creatinina (0,5-1,5 mg/dL) 0,52 0,56 0,44↓ Colesterol (135-270 g/dL) 167 219 196 FA (<156 UI/L) 41 51 52 Fósforo (2,6-6,2 mg/dL) 2,8 11,2↑ 3,6 Fructosamina (170-338 µmol/L) 181 258 238 Glicose (60-118 mg/dL) 110 148↑ 133↑ Triglicerídeos (32-138 mg/dL) 223↑ 1.423↑ 106 Ureia (21-60 mg/dL) 37 31 57 Hemograma Eritrócitos (5,5-8,5 milhões/µL) 7,87 6,45 7,63 Hematócrito (30-50%) 54↑ 50 55↑ Hemoglobina (12-18 g/dL) 18,6↑ 18 18,4↑ VCM (60-77 fL) 70 68 72 CHCM (32-36%) 34 33 35 Leucócitos totais (6.000-17.000) 9.500 10.200 9.000 Neutrófilos segmentados (3.000-11.500/µL); (35-75%)

7.790 (82%) 7.140 (70%) 6.030 (67%)

Eosinófilos (100-1.250/µL); (2-12%) 95 (1%) 71 (0%) 630 (7%) Monócitos (150-1.350/µL); (1-4%) 570 (6%) 306 (3%) 630 (7%) Linfócitos (1.000-8.000/µL); (20-55%) 1.045 (11%) 2.754 (27%) 1.710 (19%) PPT (60-80 g/L) 82↑ 72 80 Contagem de Plaquetas (200.000-500.000)

300.00 360.000 346.000

Exames hormonais Cortisol pós-ACTH (20-60 ng/mL) 219,3↑ 128,3↑ 148,8↑ ACTHe (10-45 pg/mL) 47↑ 43,6 79,6↑ Outros Escore de Condição Corporal (1-9) 7↑ 7↑ 6↑ Índice de Massa Muscular (0-3) 1↓ 2 2

NECROPSIA E HISTOPATOLOGIA

DISCUSSÃO

O hiperadrenocorticismo (HAC) espontâneo canino é atualmente uma endocrinopatia com incidência em ascensão, em parte devido aos grandes avanços em seu reconhecimento pela equipe veterinária, à precisão diagnóstica e ao aumento da expectativa de vida da população em estudo (Pöppl et al., 2016). É uma síndrome clínica associada aos efeitos da exposição crônica aos glicocorticoides, e suas principais formas são pituitária (HPD) ou adrenocortical-dependente (HAD). A grande maioria dos pacientes (80-85%) desenvolve o HPD como principal fonte do quadro, enquanto 15-20% se devem à hipersecreção autônoma de cortisol por um tumor adrenocortical funcional (TAF), levando ao HAD (Behrend, 2015;

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Behrend & Melian, 2013; Galac et al., 2010; Herrtage & Ramsey, 2012). Os sinais clínicos mais frequentemente associados ao HAC são poliúria, polidipsia, polifagia e abaulamento abdominal, podendo ainda ser relatado dispneia, apatia, fraqueza muscular e alterações dermatológicas. A paciente tinha como principais queixas polifagia, abaulamento adominal, dispneia e dermopatias, não sendo constatadas em nenhum momento ao longo do tempo evidências clínicas ou laboratoriais de poliúria/polidipsia associadas. Geralmente o abaulamento abdominal decorre de uma soma de fatores como hepatomegalia, fraqueza muscular abdominal e distensão vesical permanente. Além disso, há aumento na deposição de gordura intra-abdominal. Aliam-se a esses fatores, a compressão torácica realizada pelo diafragma, a redução da capacidade muscular respiratória e os comuns infiltrados gordurosos em vias aéreas como brônquios e bronquíolos na origem da dispneia em uma grande parcela dos cães acometidos. A dispneia tende a ser mais intensa em cães com predisposição genética a colapso traqueal, como o próprio Yorskhire e outros cães toy. Ao exame físico, muitas alterações na conformação corporal e silhueta do paciente tornam o diagnóstico de HAC bastante sugestivo, podendo destacar a hepatomegalia, elevação do escore corporal, dispneia, depleção muscular, alterações cutâneas como atrofia, astenia e telangiectasia ou comedos. É comum a presença de hipertensão e tendência à hiperglicemia nesses cães. Ambos os parâmetros, no entanto, devem ser interpretados à luz da situação clínica e do contexto (ambiente hospitalar). O paciente apresentava boa parte das alterações acima citadas, corroborando a importância da inspeção detalhada como uma ferramenta de grande valia frente a um quadro suspeito de HAC. Sabe-se que boa parte dos cães com HAC tendem a ter como principal queixa (e às vezes única) o aumento no consumo voluntário de água e no volume urinário. No entanto, no presente relato em nenhum momento foi documentado excesso em ambos os parâmetros, o que fica também evidente na análise do exame qualitativo de urina. A densidade específica encontra-se apropriada, bem como estão presentes elementos esperados em cães positivos como bacteriúria, proteinúria e tendência a elevação na relação proteína:creatinina urinária. A bacteriúria tem origem da imunossupressão sabidamente promovida pelos glicocorticoides, e em grande parte dos casos não há indícios clínicos de infecção de trato urinário como disúria ou hematúria. Isso potencialmente esteja associado aos efeitos antiinflamatórios dos glicocorticoides. A proteinúria e elevação da relação proteína:creatinina urinária têm sido objeto de estudo e de especial atenção em cães com HAC. A glomerulopatia associada, bem como os efeitos deletérios do hipercortisolismo ao ventrículo esquerdo são motivo de preocupação em todo cão em acompanhamento do quadro. As alterações bioquímicas mais frequentemente relacionadas ao HAC são aumento na fosfatase alcalina sérica (FA), seguida de aumento discreto a moderado da ALT e de hiperlipidemia por triglicerídeos e/ou colesterol (Ruckstuhl et al., 2012). O presente caso traz um cão positivo às provas hormonais e compatível com informações de anamnese e fenotípicas, no entanto excluindo o perfil lipídico não houve alterações em enzimas induzidas por hepatopatias associadas à exposição a altas concentrações de glicocorticoides. Essa informação traz à tona a importância da associação entre todos os parâmetros na hora da triagem inicial de um paciente com uma ou mais alterações compatíveis com o diagnóstico suspeito de HAC. A hipertrigliceridemia é um achado bioquímico comum em cães com HAC, podendo estar ou não associada a uma elevação dos níveis de colesterol sérico. Isso deve-se a uma maior taxa de glicogenólise, lipólise e gliconeogênese induzidas pelos glicocorticoides, mobilizando ácidos graxos livres a partir dos adipócitos e estimulando a síntese hepática de VLDL. Além disso, há redução da oxidação muscular da glicose pela via glicolítica e potencialização da secreção de insulina estimulada pela glicose. A lipotoxicidade dos ácidos graxos sobre as células-beta pancreáticas também diminui a afinidade da insulina pelo seu receptor a nível periférico, inibe etapas de sua sinalização intracelular e desfavorecem a transcrição gênica do receptor de insulina (Catanozi, 2015). Observamos uma nítida tendência à hiperglicemia neste paciente, apesar da fructosaminemia se manter dentro da referência para a espécie e a glicose não ultrapassar o limiar renal de reabsorção. A hipertrigliceridemia verificada no dia 30 apresentou resposta satisfatória ao emprego do bezafibrato. No entanto o pobre controle da causa base pode tornar o uso necessário até a plenitude dos valores normais de cortisol. É válido dar destaque também aos baixos valores de creatinina e fósforo séricos, que refletem um somatório de maior catabolismo muscular e aumento na taxa de filtração glomerular e diurese, ambos esperados em cães

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com HAC descontrolado. Esse é um dado importante, pois pode prejudicar a avaliação precoce da função renal, tornando fundamental a complementação dessa análise com a caracterização ultrassonográfica dos rins, valores de urinálise (principalmente densidade específica e relação proteína:creatinina urinária), além do controle da pressão arterial (Behrend, 2015). São esperadas frequentemente alterações hematológicas compatíveis com o leucograma de stress (neutrofilia, eosinopenia, monocitose e linfopenia), e devem-se aos efeitos dos glicocorticoides na desmarginalização capilar de neutrófilos e monócitos, sequestro medular de eosinófilos e linfólise (Ruckstuhl et al., 2012). O presente relato não apresenta alterações nos valores absolutos, porém vale observar uma linha de tendência nos relativos. Pode-se também interpretar e creditar boa parte dos resultados à dermatopatia associada ao quadro da paciente. Além disso, é esperada eritrocitose branda em grande parte dos cães sem co-morbidades como infecção grave do trato urinário, doença renal crônica, diabetes mellitus, hipotireoidismo associado e à presença de sangue oculto nas fezes. Esta desenvolve-se, em parte, devido a maior demanda tecidual de oxigênio (hipóxia) associada à perda de água na forma de expirado na situação de taquipneia como o observado. É esperada desidratação subclínica como consequência (vide albumina e PPT). O exame hormonal de eleição para dar início à investigação de quase todos os casos de Síndrome de Cushing é o teste de supressão por baixa dose de dexametasona (TSBDD), que é o que apresenta maior sensibilidade. No entanto, é válido considerar co-morbidades como diabetes mellitus, hipotireoidismo ou a utilização de fármacos como fenobarbital e glicocorticoides exógenos em seus resultados. A contraprova hormonal frente à persistência da suspeita é o teste de estímulo por ACTH (TeACTH), que também é útil para o diagnóstico do hiperadrenocorticismo atípico (controverso) e consegue diferenciar o HAC iatrogênico do espontâneo. É consensual que os valores propostos atualmente pelos laboratórios de referência estão defasados e devem ser reajustados, visando assim estabelecer o diagnóstico de maneira mais precoce e assim atenuar os efeitos multissistêmicos e nocivos inerentes ao tempo sem tratamento. A determinação do ACTH endógeno é a melhor determinação hormonal isolada na diferenciação entre o HPD e o HAD. No entanto, o delicado processamento da amostra afasta atualmente sua determinação rotineira em nossa região. O paciente apresentou-se negativo ao TSBDD, no entanto a realização do TeACTH conseguiu firmar diagnóstico quando somada aos demais resultados obtidos até então. O tratamento com o trilostano é hoje o mais utilizado no tratamento de cães que não possuem acesso à técnicas definitivas como a hipofisectomia ou adrenalectomia (quando indicadas). Seu uso mostrou-se associado a uma taxa significativamente menor de efeitos adversos quando comparados ao mitotano e cetoconazol. No entanto, seu mecanismo de ação tem como desvantagem a o efeito feedback positivo à secreção de ACTH pela hipófise, o que geralmente promove aumento nas dimensões adrenais ao longo do tempo e, consequentemente, a demanda de uma dose maior para bloqueio eficaz da produção de cortisol (Burkhardt et al., 2013; Teshima et al., 2009). A raça em questão aparenta uma resistência particular ao seu emprego e estudos prospectivos e bem delineados devem ser realizados para que seja estabelecida uma relação causal baseada em evidência.

CONCLUSÕES

Frente a análise conjunta das informações obtidas na resenha, anamnese, exame físico e alterações de exames complementares foi estabelecido diagnóstico de hiperadrenocorticismo pituitário-dependente. Mesmo com o melhor reconhecimento do HAC e sua vasta repercussão metabólica é importante estar atento aos casos de exceção a marcadores amplamente observados como poliúria/polidipsia ou aumento da FA. O paciente apresentava também imagem normal das adrenais ao exame ultrassonográfico e ao TSBDD. É válido enfatizar que a persistência na investigação pode ser bastante onerosa ao tutor, o que em muitos casos impossibilita a condução da maneira ideal de boa parte da casuística em potencial sendo atendida diariamente em diversos centros de atendimento.

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FIGURAS

Figura 1. Aspecto do abdômen ao exame físico. Observam-se atrofia cutânea, telangiectasia e abaulamento abdominal à inspeção visual remota. (© 2016 Carolina Castilhos)

Figura 2. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

Figura 3. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

Figura 4. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

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Figura 5. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

Figura 6. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

Figura 7. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

Figura 8. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

Figura 9. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

Figura 10. Título da figura. Legenda da figura contendo texto descritivo. (© 2099 Autor)

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NÃO IMPRIMIR A PARTIR DESTA PÁGINA (INCLUSIVE) Indicar o nome popular e, entre parênteses, o nome científico da espécie animal.

Digitar os valores de referência entre os parênteses, na coluna do meio;

Para cada valor de referência, indicar uma ou mais referências bibliográficas na coluna da direita. Usar índices numéricos, separados por vírgula e iniciando em 1. A referência bibliográfica completa (formato ABNT) deve ser detalhada em listagem na página seguinte;

Um determinado valor de referência pode ter mais que uma referência bibliográfica; da mesma forma, uma referência bibliográfica pode corresponder a mais de um valor de referência.

Valor de referência Referências bibliográficas

Espécie canino Densidade específica (1.020-1.040) LACVet pH (5,5-7,5) LACVet Urobilinogênio (mg/dL) ( ) Proteínas Totais - refratometria (g/L) (60-80) LACVet Proteínas Totais (g/L) (60-80) LACVet Albumina (g/L) (26-33) LACVet Globulinas (g/L) ( ) Bilirrubina Total (mg/dL) ( ) Bilirrubina Livre (mg/dL) ( ) Bilirrubina Conjugada (mg/dL) ( ) Glicose (mg/dL) (60-118) LACVet Colesterol total (mg/dL) (135-270) LACVet Ureia (mg/dL) (21-60) LACVet Creatinina (mg/dL) (0,5-1,5) LACVet Cálcio (mg/dL) (9-11,3) LACVet Fósforo (mg/dL) (2,6-6,2) LACVet Fosfatase alcalina - FA (U/L) (<156) LACVet Aspartato-aminotransferase - AST (U/L) ( ) Alanina-aminotransferase - ALT (U/L) (<102) LACVet Arginase (U/L) ( ) Amilase (U/L) ( ) Colinesterase (U/L) ( ) Creatina-quinase - CK (U/L) ( ) Lactato desidrogenase - LDH (U/L) ( ) Sorbitol desidrogenase - SDH (U/L) ( ) Gama-Glutamil-Transferase - GGT (U/L) ( ) Fibrinogênio (g/L) ( ) Ácidos Graxos Livres - AGL (µmol/L) ( ) Triglicerídeos (mg/dL) (32-138) LACVet Beta-Hidroxibutirato - BHB (mg/dL) ( ) Frutosamina (µmol/L) (170-338) LACVet Lactato (mg/dL) ( ) Cobre (µg/dL) ( ) Ferro (µg/dL) ( ) Magnésio (mg/dL) ( ) Potássio (mmol/L) ( ) Sódio (mmol/L) ( ) Cloro (mmol/L) ( ) Leucócitos. totais (/µL) (6.000-17.000) LACVet Mielócitos (/µL) ( ) Mielócitos (%) ( ) Metamielócitos (/µL) ( ) Metamielócitos (%) ( ) Bastonetes (/µL) (0-300) LACVet Bastonetes (%) (0-3) LACVet Segmentados (/µL) (3.000-11.500) LACVet Segmentados (%) (60-77) LACVet Basófilos (/µL) ( ) Basófilos (%) ( ) Eosinófilos (/µL) (100-1.250) LACVet Eosinófilos (%) (2-10) LACVet Monócitos (/µL) (150-1.350) LACVet Monócitos (%) (3-10) LACVet Linfócitos (/µL) (1.000-4.800) LACVet Linfócitos (%) (12-30) LACVet Plasmócitos (/µL) ( ) Plasmócitos (%) ( ) Eritrócitos (milhões/µL) (5,5-8,5) LACVet Hematócrito (%) (37-55) LACVet Hemoglobina (g/dL) (12-18) LACVet VCM (fL) (60-77) LACVet CHCM (%) (32-36) LACVet RDW (%) (14-17) LACVet Reticulócitos (%) ( )

Página 11 UFRGS | Faculdade de Veterinária | Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias — Caso Clínico 2016/2/05

Plaquetas (/µL) (200.000-500.000) LACVet Listagem de referências bibliográficas para os parâmetros urinários, bioquímicos e hematológicos. LACVet