regularidades discursivas e proficiência no vestibular indígena

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Página 1 04.08.2013 ISSN: 2236-8221 Edição n. 42, Março de 2015 Vitória da Conquista, Bahia. [email protected] http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm O corpo é discurso Nesta edição, O Corpo é discurso apresenta um artigo por Milena Maria Sarti, da Facul- dade de Tecnologia e Ciências, FTC. Além disso, o Corpo traz um artigo por Luana de Sou- za Vitoriano, da Universidade Estadual de Maringá, UEM. O Corpo é Discurso traz também um Pocket Comix por Renato Lima e notícias ligadas ao universo acadêmico e da Análise do Discurso, no Brasil. ISSN: 2236-8221 EXPEDIENTE DE O CORPO Editores George Lima Nilton Milanez Organizador Nilton Milanez George Lima Editoração eletrônica (MARCA DE FANTASIA) Henrique Magalhães CONSELHO EDITORIAL Dr. Elmo José dos Santos (UFBA) Dra. Flávia Zanutto (UEM) Dra. Ivânia Neves (UFPA) Dra. Ivone Tavares Lucena (UFPB) Dra. Mônica da Silva Cruz (UFMA) Dr. Nilton Milanez (UESB) Dra. Simone Hashiguti (UFU)) Jornal de popularização científica Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco

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O Corpo

Página 1

04.08.2013

ISSN: 2236-8221

Edição n. 42, Março de 2015 Vitória da Conquista, Bahia.

[email protected] http://www.marcadefantasia.com/o-corpo-e-discurso.htm

O corpo é discurso

Nesta edição, O Corpo é discurso apresenta um artigo por Milena Maria Sarti, da Facul-

dade de Tecnologia e Ciências, FTC. Além disso, o Corpo traz um artigo por Luana de Sou-

za Vitoriano, da Universidade Estadual de Maringá, UEM. O Corpo é Discurso traz também

um Pocket Comix por Renato Lima e notícias ligadas ao universo acadêmico e da Análise

do Discurso, no Brasil.

ISSN: 2236-8221

EXPEDIENTE DE O CORPO

Editores

George Lima

Nilton Milanez

Organizador

Nilton Milanez

George Lima

Editoração eletrônica

(MARCA DE FANTASIA)

Henrique Magalhães

CONSELHO EDITORIAL

Dr. Elmo José dos Santos

(UFBA)

Dra. Flávia Zanutto (UEM)

Dra. Ivânia Neves

(UFPA)

Dra. Ivone Tavares Lucena

(UFPB)

Dra. Mônica da Silva Cruz (UFMA)

Dr. Nilton Milanez

(UESB)

Dra. Simone Hashiguti

(UFU))

Jornal de popularização científica

Acesse o site do Labedisco: www2.uesb.br/labedisco

Página 2 O Corpo

O “Lampejo do Sentido - Arqueologia e Corpo em Michel

Foucault” é um curso que abordará a trajetória da problematiza-

ção arqueológica reivindicada por Michel Foucault, especialmente

na obra “Arqueologia do Saber” (1969), referência básica para

compreendermos os movimentos e saberes sobre o corpo na histó-

ria hoje.

As inscrições podem ser feitas pessoalmente ou pelo e-mail do

Labedisco ([email protected]). Para isto, escreva para o e-

mail deixando seu nome completo, área de atuação acadêmica

(graduação, pós-graduação) e instituição, dizendo a razão pela

qual gostaria de fazer o curso.

O curso é totalmente gratuito!

Organização: Nilton Milanez e Samene Batista P. Santana

Para maiores informações a respeito do curso

acesse o blog do evento:

http://lampejodosentido.blogspot.com.br/

Apresentação

Tendo em vista uma suposta cri-

se da psicanálise frente às demandas de

tratamento na atualidade (BIRMAN, 2005,

2014), este artigo visa iluminar qual língua

fala a Psicanálise clínica através de, pode-

mos assim dizer, dois grandes eixos norte-

adores: os sintomas e o diagnóstico estru-

tural ou diferencial. Mobilizaremos de for-

ma proposital esses dois eixos da prática

clínica, pois acreditamos que tanto os sin-

tomas quanto o diagnóstico representam

pontos estratégicos de (con)fusão da lín-

gua da Psicanálise com a língua da ciência

médica. (Con)fusão esta que parece estar

relacionada com a suposta crise da psica-

nálise na atualidade. A partir da retomada

das diferenças inequívocas entre essas

duas línguas, verticalizada pelo recorte

proposto, objetivamos resgatar a perspec-

tiva de uma prática clínica de crítica social

que a psicanálise reconhece, e deve levar

a efeito em suas dimensões ética e políti-

ca.

A psicanálise no divã

Para Birman (2005) ocorreu uma

vertiginosa queda da demanda para a cura

psicanalítica, cuja causa o psicanalista

reconhece como própria ao trajeto históri-

co pós-freudiano que a Psicanálise assu-

miu. Segundo o autor, a Psicanálise deixou

de ocupar, silenciou seu lugar de crítica

social, ou melhor, seu lugar de uma

“biografia anti-individualista” (DE CERTEAU,

2011), fiel à crítica freudiana da modernida-

de, para se restringir “[...] a mais uma

perspectiva terapêutica na qual a harmo-

nia do sujeito no campo social seria a fina-

lidade maior” (BIRMAN, 2005, p. 205). Vale

dizer que com essa falência da perspectiva

crítica social da psicanálise parecem ter

sido incorporadas em seu campo teórico

uma “perspectiva normativa pela qual a

medicalização do social pode se realizar

sem resistências” (BIRMAN, 2005, p. 205,

grifos do autor).

Conforme De Certeau (2011), o

privilégio que a psicanálise atribui à histó-

ria pessoal visa, não sua redução a uma

terapia individual, mas o reenvio a um tipo

de sociedade. Isso significa afirmar que a

condição de possibilidade de existência da

psicanálise é a existência de um sujeito

cuja biografia individual pode ser narrada.

O direito a self-expression dos indivíduos

faz da psicanálise cúmplice da democra-

cia burguesa, mas de uma forma subver-

siva: a biografia individual que representa

a existência do indivíduo moderno como

epicentro da economia capitalista, da

política democrática e do discurso cientí-

fico só é mobilizada na Psicanálise para

poder ser subvertida (DE CERTEAU, 2011).

Em outras palavras, a modernidade cons-

truiu sua unidade no indivíduo moderno, e

a Psicanálise, enquanto discurso moder-

no, emerge como crítica da modernidade,

logo, como crítica à sua unidade, o indiví-

duo. Com isso, a tradição psicanalítica é

por excelência a de uma teoria crítica da

modernidade, ou seja, uma teoria crítica

de um tipo de sociedade, e que resguarda

um lugar de emancipação ao indivíduo que

coincide com o momento em que a Psica-

nálise “[...] desfaz, a partir do interior,

essa figura histórica e social que é a uni-

dade padrão do sistema em que o freudis-

mo se desenvolve” (DE CERTEAU, 2011, p.

88).

Com efeito, a biografia individual

Página 3 O Corpo

de que se vale a Psicanálise, paradoxal-

mente, não faz uma apologia do indivíduo,

mas sim se apresenta como uma

“biografia anti-individualista”: “[...] a

novidade do freudismo consiste no uso da

biografia para destruir o individualismo

postulado pela psicologia moderna e con-

temporânea” (DE CERTEAU, 2011, p. 100-

101). Ao ser herdeira do postulado da

sociedade liberal e burguesa, a psicanáli-

se desfaz a verossimilhança kantiana do

indivíduo moderno, livremente racional e

autônomo, destruindo a sua “maioridade”

a partir da descoberta do inconsciente,

enquanto o que reenvia todo indivíduo

adulto ao seu sujeito infantil, à

“minoridade” de não ser senhor em sua

própria morada.

Se a tradição da Psicanálise

inscreve-a historicamente em um lugar

estranhamente familiar ou excêntrico em

relação à discusividade que a torna pos-

sível, podemos então voltar a indagar

com Birman (2005): como a psicanálise

pode recuar de crítica social (à moderni-

dade) para ser atualmente uma terapêu-

tica na qual a harmonia do sujeito no

campo social seria a finalidade maior?

Segundo Birman (2005; 2014), por que a

Psicanálise silenciou a crítica freudiana

feita em sua obra de 1930, O mal estar na

civilização, que se refere à existência de

um incurável vão que provém do conflito

entre as exigências da pulsão e as exigên-

cias da civilização, para afirmar com o

Freud de 1908, em sua obra A moral sexual

civilizada e a doença nervosa dos tempos

modernos, que era possível desfazer esse

conflito, anular o vão e produzir uma har-

monia entre as exigências da pulsão e da

civilização. Resumindo, a cura do desam-

paro prevaleceu sobre a gestão do desam-

paro, nos termos de Birman (2005): a psi-

canálise não soube sustentar a peste, e de

selvagem se mostrou bastante massificada

e excessivamente civilizada (BIRMAN,

2014).

As consequências desse silencia-

mento para a clínica, para a população em

geral, e para a própria psicanálise, foram

nefastas, por que, grosso modo, os psica-

nalistas passaram a “vender” algo que é

da ordem do impossível de se cumprir - a

saber, a cura do desamparo, a eliminação

da falta, o que produziu efeitos. Ao fazerem

desse impossível algo da ordem de um

possível ou curável, os psicanalistas nada

mais fizeram do que (re)produzir subjetivi-

dades impotentes ou incapazes, restando

pouco para estas se transformarem em

indivíduos adoecidos/doentes, sob a hege-

monia discursiva dos significantes prove-

nientes do logos da ciência médica.

Esse posicionamento acrítico da

Psicanálise colaborou sobremaneira para

que, de um lado, a via da patologização e

da medicalização do sofrimento psíquico

se hegemonizassem como lugares discur-

sivos para tratar do psiquismo, e por

outro lado, para que a própria psicanálise

enfrentasse uma crise de demanda, por-

que ‘se a solução é possível, eu quero a

via que dá menos trabalho para me sentir

melhor’. Com isso, assistimos atualmente

o campo da palavra, enquanto lugar privi-

legiado que a psicanálise ocupou em rela-

ção ao campo teórico do psiquismo, ser

substituído pelo campo das luminosas

evidências do corpo orgânico, pelos trata-

mentos psicofarmacológicos, pelas tera-

pias de curta duração, pelo cognitivismo e

pela neurociência: se a harmonia do sujei-

to no campo social é possível, a lógica que

opera é a (ilusão) da eficácia disso. Dize-

mos ilusão, pois como o desamparo não

cessa de se produzir e a falta não cessa

de não se escrever, insistem enquanto

Página 4 O Corpo

“[...] a cura do desamparo pre-valeceu sobre a

gestão do de-

samparo [...]”

impossível, a falaciosa indústria da cura

do impossível - transformado em sofri-

mento a ser extirpado - prospera a todo

vapor. Como pontua Birman (2005, p.

221): “Esses saberes, com suas tecnologi-

as específicas, vêm ao mundo para fazer

a mesma promessa e alimentar a mesma

ilusão de harmonia possível, como acre-

ditava o primeiro Freud. [...] tudo seria

possível em nome da razão científica”.

Em função do exposto, ratifica-

mos aqui a intenção de resgatar a língua

da Psicanálise através de uma revisão

dos eixos norteadores de sua prática

clínica, os sintomas e o diagnóstico, bem

como no que estes devem diferir radical-

mente dos homônimos no campo científi-

co da medicina para que seja levada a

efeito na clínica a perspectiva de crítica

social da Psicanálise.

Os sintomas e o diagnóstico diferenci-

al ou estrutural

Não raro presenciamos nos

consultórios particulares e públicos a

chegada de pacientes nomeados por uma

certeza diagnóstica “psi”, sem falicidade

ou objeção e, notadamente, amparada

por manuais como o DSM. Recentemente,

recebi mensagem de uma mulher jovem

pedindo para marcar um atendimento

clínico individual e as palavras foram

estas: “Tenho TOC e depressão e gostaria

de saber se sua abordagem comtempla

tais patologias” (sic). Em outro momento,

também recente, foram ouvidas de um

jovem adolescente encaminhado para

atendimento psicológico as seguintes pala-

vras, quando perguntando o porquê de

estar no consultório: “É porque sou

TDAH” (sic).

Não é preciso ser bom entende-

dor (ou talvez seja) para perceber a forma

pela qual esses dois sujeitos, que desco-

nhecem o que dizem através do que enun-

ciam, estão sendo falados por um Outro, e

da mesma feita, estão convocando para a

ocupação de um determinado lugar, e não

outro, o dever ser de um psicanalista. A

tornada evidente (con)fusão entre sofri-

mento psíquico, patologia a ser tratada e

função performativa dos diagnósticos -

que cria a realidade subjetiva daquilo que o

diagnóstico enuncia - pode fazer com que

muitos psicanalistas respondam a tal con-

vocatória a partir da dimensão do que

Freud ([1913] 1976] denotou como furor

sanandis da eliminação do sintoma. E aí

começam os problemas em relação a (con)

fusão da língua que fala a Psicanálise com

a Língua que fala a ciência médica.

Um dos maiores desafios que a

psicanálise enfrenta hoje por ter abando-

nado ou silenciado seu lugar de crítica

social, seu lugar de subversão do individu-

alismo, pode ser verticalizado em relação

à posição que o psicanalista se autoriza a

assumir diante das queixas dos pacientes

em relação a seus sintomas e, sobretudo,

em suas demandas por solução a estes.

Como sabemos, no campo da ciência mé-

dica, os sintomas são sinais de um mau

funcionamento do corpo orgânico que

indicam a potencial existência de uma

doença. Logo, nesse campo do saber cien-

tífico, o médico dispõe do binômio saúde/

doença para que, a partir do sintoma

apresentado, sejam feitos, segundo uma

lógica de causa e efeito e por meio de

uma “investigação armada” (DOR, 1991),

um diagnóstico etiológico, um prognóstico

e a assunção do tratamento mais apropri-

ado para a cura do sintoma e, consequen-

te, restituição da saúde (DOR, 1991).

Já no campo da psicanálise, os

sintomas sempre guardam a dimensão de

uma aspiração de liberdade (DUNKER,

2015). Isso significa que a psicanálise,

longe de se tratar de uma clínica da elimi-

nação do sintoma, trata-se de uma clínica

de bem dizê-lo. Isso quer dizer que o sin-

toma continua sendo a expressão de um

mau funcionamento, mas, sobretudo, de

um mau funcionamento, caso a caso, da

forma como o sujeito se fez resposta ao

que demanda o Outro, em seus imperati-

vos de gozo (LACAN, [1972/73] 1985). Com

isso queremos dizer que o sintoma para a

psicanálise é habitado por um sujeito do

Página 5 O Corpo

desejo que grita por socorro diante de

sua mortificação pelas formas de gozar

que o próprio sintoma realiza e denuncia.

Desse ponto de vista, o foco

sobre a eliminação do sintoma, ou o se

render ao furor sanandis de que fala

Freud, equivaleria, antes de tudo, a pres-

crever ou agenciar o gozo, ou seja, de

uma certa maneira se aliar a forma como

o sujeito se fez resposta ao Outro, em

detrimento da aspiração de liberdade que

o sintoma representa. Tomando o lugar

daquele que nomeia o que o sujeito tem e

lhe fornece a promessa de um caminho

de cura ou eliminação do sintoma, pela

mediação do logos científico em uma

relação de causa e efeito entre sintoma e

diagnóstico, o psicanalista nada mais

faria do que ajudar o paciente a não criar

um saber sobre como “segurar essa

barra”, naturalizando a cegueira e a des-

implicação do sujeito em relação a sua

estrutura, à sua realidade e causalidade

psíquicas, esgotadas sob a insígnia de um

auto conhecimento sobre si (gozo) como

“deprimido”, “TOC”, “TDAH” etc. Segundo o

dito popular, o psicanalista aí não deixaria

‘nada a desejar’, e estaria fazendo qual-

quer outra coisa, mas não estaria mais

fazendo psicanálise.

É no que o sintoma remete a uma

estrutura psíquica (a saber, neurose, psi-

cose e perversão) que o psicanalista está,

por assim dizer, atrás (DOR, 1991), ou seja,

é no que o sintoma remete a posição assu-

mida pelo sujeito do inconsciente diante da

barra da castração que o psicanalista está

atrás. E isso não é da ordem de um univer-

salizável e, obviamente, enseja um grande

trabalho por vir ao sujeito. Como adverte

Quinet (2003), a psicanálise não dita con-

dutas, modos de agir segundo algum uni-

versal válido para todos. Trata-se de uma

ética relativa a implicação do sujeito, pelo

dizer, no gozo que seu sintoma denuncia –

ética de bem dizer o sintoma. Pois lá onde

há sintoma, está o sujeito. Não atacar o

sintoma, mas abordá-lo como uma mani-

festação subjetiva, significa acolhê-lo para

que possa ser desdobrado, fazendo aí

emergir um sujeito. Tratar o sintoma não

significa necessariamente barrar ao sujei-

to ‘o acesso ao real que o sintoma denota

e dissimula’ (QUINET, 2003).

Podemos conceber a partir daí

a função do diagnóstico na língua da psi-

canálise: o nomear diagnóstico não deve

operar com um lugar discursivo garanti-

dor de reconhecimento ao sujeito do gozo,

devolvendo-o e/ou legitimando a condição

de indivíduo (não dividido), mas sim como

um lugar discursivo que marca, mas que

não dispensa o sujeito de ter que criar um

saber fazer com a falta/desejo, onde an-

tes era sintoma. Restituindo-o assim ao

lugar de sujeito-barrado (dividido), cujos

potenciais desejantes estão para além da

forma como é falado pelo Outro - já que

se tratam de singularidades -, o diagnós-

tico em psicanálise, segundo Dor (1991)

não responde a uma previsibilidade noso-

lógica de causa e efeito entre sintoma e

diagnóstico, mas sim a uma posição diag-

nóstica, sujeita a um devir de confirma-

ção, que permite algum balizamento pela

feitura de um esquema de análise. Confor-

me Nasio (2001), esse esquema é o que

vai presidir a escuta do analista face às

fantasias de resposta ao Outro que a nar-

ração do sintoma do paciente apresenta.

Conforme Nasio (2001), o esque-

ma de análise é uma construção indispen-

sável para levar o psicanalista a ficcionar

o inconsciente do paciente, suas fantasias

dominantes, enquanto o que reenvia aos

traços estruturais (DOR, 1991). Uma vez

feito e elaborado, não mais se pensa so-

Página 6 O Corpo

“Tratar o sinto-ma não significa necessariamente barrar ao sujeito ‘o acesso ao real que o sintoma denota e dissi-

mula’”

bre isso, até que ele se precipite numa

cena imajada na própria narratividade do

paciente (NASIO, 2001). Por isso, dar a

palavra a quem é de direito, e relançar o

sujeito às associações compõem os nor-

tes éticos e políticos da técnica psicanalí-

tica, sendo pela via de suas elaborações

simbólicas que o sujeito irá aceder ao

direito de nomear o objeto de seu desejo,

onde era falado pelo Outro. Também por

isso, a cura em psicanálise não guarda

como referência os critérios de saúde e

doença, mas sim o critério da “produção

de singularidades” (BIRMAN, 2014) via

desmobilização da estrutura psíquica de

negação da castração e de travessia da

fantasia, enquanto ficção/fixão pela qual

o sujeito revive um gozo pleno junto ao

Outro e abre mão da verdadeira liberda-

de que é o desejo/falta-a-ser, exatamen-

te o real que grita através do sintoma.

Considerações finais

Em primeiro lugar cabe desta-

car que para além do diagnóstico dife-

rencial ou estrutural da neurose, psicose

e perversão em Psicanálise, tais estrutu-

ras psíquicas que norteiam a prática

diagnóstica no raciocínio freudiano e

lacaniano estão relacionadas aos diferen-

tes modos de constituição do sujeito na

dialética edipiana. Todas as estruturas

são criterizadas como diferentes modos

do sujeito se posicionar frente à castração

simbólica, i. é., menos como classificação

calcada no binômio saúde/doença (primo

do binômio ideológico normal/patológico)

e mais como uma perspectiva referente a

uma nosografia estrutural, pertinente à

investigação não universalizável do incons-

ciente. Essa visada subjetiva, feita caso a

caso, acerca das estruturas psíquicas

desloca o diagnóstico em Psicanálise de

qualquer afinidade com o diagnóstico pro-

veniente da ciência médica.

Levando a efeito essa posição

diagnóstica não prescritiva estaria marca-

da a não equivocidade da Psicanálise como

teoria do psiquismo que realiza uma crítica

social. Isso porque elaborar um diagnósti-

co clínico não significaria barrar ao sujeito

o direito de elaborar e construir singular-

mente seu lugar no mundo, à medida de

seu desejo, ou ainda, não significaria dis-

pensá-lo do trabalho de ter de encontrar a

sua felicidade/falicidade frente a um incu-

rável desamparo que não é harmonizado

pela razão científica: o direito à procura da

felicidade/falicidade deve passar pela não

garantia de poder encontrá-la de forma

razoável ou prêt-à-porter, o que significa

ao analista ser responsável por ser sufici-

ente, por sustentar junto ao paciente uma

posição de suposto saber, e não de quem

antecipadamente já sabe. Por mais que

para esse dever ser iluminado ele seja

cada vez mais convocado por quem ainda

o procura em sofrimento, a inadequação

ou indeterminação do sujeito desejante

em relação ao campo social e seus dispo-

sitivos de discurso é o que ainda deve

legitimar a psicanálise em suas dimen-

sões ética e política.

REFERÊNCIAS:

BIRMAN, J. O Mal-estar na modernidade e a Psicanálise: a Psicanálise à prova do

Social. Physis: Revista de Saúde Coletiva,

Rio de Janeiro, nº15, pp. 203-224, 2005.

______. Mal-estar na atualidade: a psi-

canálise e as novas formas de subjetiva-

ção. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

2014.

DE CERTEAU, M. História e Psicanálise:

entre ciência e ficção. Belo Horizonte:

Autêntica Editora, 2011.

DOR, J. Estruturas e clínica psicanalíti-

ca. Rio de Janeiro: Taurus, 1991.

DUNKER, C. I. L. Mal-estar, sofrimento e

sintoma: uma psicopatologia do Brasil

entre muros. São Paulo: Boitempo Editori-

al, 2015. (Coleção Estado de Sítio).

FREUD, S. Sobre o início do tratamento

(Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I) (1913). Rio de Janeiro: Ima-

go, 1976. (Obras Psicológicas Completas

de Sigmund Freud, Vol. XII, pp. 161-187).

LACAN, J. O seminário, livro 20: Mais

ainda (1972/73). Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Editor, 1985.

NASIO, J. –D. Os grandes casos de psi-

cose. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,

2001.

QUINET, A. Psicanálise e Psiquiatria: controvérsias e convergências. Rio de

Janeiro: Editora Forense Universitária,

2003.

Página 7 O Corpo

Página 9 O Corpo

Renato Lima é graduado em Pintura pela Escola de Belas Artes - UFRJ. Para saber mais sobre o autor e

suas produções, acesse também o site Pockets - Histórias de Bolso ou a página de Facebook Pocketscomics.

Página 10 O Corpo

IV Simpósio Nacional de Letras e Linguística e III Simpósio Inter-

nacional de Letras e Linguística

O Simpósio Nacional de Letras e Linguística e Simpósio Internacional de Let

ras e Linguística traz em sua quarta edição o tema

"Linguagem, Literatura e Ensino: desafios e possibilidades".

O evento será realizado na Regional Catalão da Universidade Federal

de Goiás, nos dias 25 a 28 de agosto de 2015 e receberá propostas de Gru-

pos de Trabalhos (GT’s) e Mesas-redondas, dentro da temática proposta.

Contaremos, ainda, com várias atividades específicas como, conferências,

minicursos e atividades culturais.

Para saber mais a respeito do IV SINALEL Clique Aqui!

Considerações iniciais

O Vestibular para os Povos Indíge-

nas no Paraná é um processo seletivo

específico para os sujeitos indígenas, que

oportuniza o ingresso desses candidatos

ao Ensino Superior. No vestibular específi-

co a proficiência em Língua Portuguesa,

especialmente em sua modalidade escrita,

é exigida como um requisito fundamental

para a aprovação dos vestibulandos. Sendo

assim, as redações desse processo seleti-

vo tornam-se valioso campo investigativo,

já que é possível, a partir delas, averiguar

as habilidades linguístico-discursivas dos

candidatos, e comprovar (ou não) satisfa-

tório desempenho linguístico na língua

nacionalizada no Brasil.

De tal forma, como corpus para a

prática analítica da presente pesquisa,

selecionamos seis redações escritas, no

ano de 2003, por candidatos do III Vestibu-

lar para os Povos Indígenas no Paraná, a

fim de abranger as utilizações das modali-

dades adverbiais e dos conectivos, presen-

tes nas produções textuais, bem como

constatar o modo como a proficiência em

Língua Portuguesa é atestada (ou não) na

coerência dessas marcas linguísticas, e

contrastar os resultados entre as seis

redações a fim de identificar tanto as re-

gularidades discursivas, quanto as regula-

ridades estabelecidas no processo de

construção dos enunciados conforme os

padrões requeridos na modalidade escrita

da Língua.

Ancoramos-nos na Análise do Dis-

curso, de linha francesa, em especial nas

categorias da função enunciativa proposta

por Michel Foucault (2012), pois o campo

enunciativo de onde o sujeito indígena dis-

cursiviza traça uma linha entre funciona-

mento enunciativo e memória e nos delimi-

ta possibilidades de leitura. E, também, na

Linguística funcional para refletir sobre o

funcionamento linguístico das categorias

gramaticais: conjunção e advérbio, dada a

possibilidade de esses elementos revela-

rem o exercício linguístico-discursivo utili-

zado na redação do vestibular indígena.

Resultados e Discussão

A Língua Portuguesa constitui-se

enquanto a língua nacional do Brasil, nesse

sentido, todas as etnias adjacentes ao país,

mesmo que possuam sua própria língua,

têm a necessidade de certificar a profici-

ência, nessa língua, em sua modalidade

oral, e em sua modalidade escrita, para

que tenham a possibilidade de “entrar”

nas relações de saber-poder que envol-

vem questões políticas, sociais, econômi-

cas e culturais. Sendo assim, as línguas

étnicas, como é o caso das línguas indíge-

nas, perdem seu valor, enquanto instân-

cias de inserção social, pois não são usa-

das fora de seu contexto étnico, isto é,

são empregadas, na maioria das vezes,

nas próprias comunidades de origem com

o intuito de manter a preservação cultu-

ral.

Para compreender o processo

seletivo do vestibular específico para

indígenas, a relação dos candidatos com a

Língua Portuguesa, e a proficiência des-

ses sujeitos na Língua preeminente do

país, recorremos à função enunciativa

(FOUCAULT, 2012), para desvelar nas pro-

duções textuais seus quatro eixos fundan-

tes: Materialidade, Sujeito, Referencial, e

Campo associado.

A partir do movimento analítico

Página 11 O Corpo

averiguamos que cada escolha linguísti-

ca, em especial, as marcas adverbiais e

dos conectivos, constituintes das produ-

ções textuais nos permitem lançar um

gesto de olhar sobre o posicionamento de

sujeito que os candidatos indígenas assu-

mem dentro dessa materialidade. Destar-

te, o modo como os vestibulandos articu-

lam seu discurso, e sobre o quê, especifi-

camente, eles escolhem tratar como

objeto discursivo delimita as possibilida-

des de significações para seus enuncia-

dos, e dialoga, mesmo que superficial-

mente, com o campo associado que res-

palda o vestibular indígena, enquanto

processo multicultural. Todos esses eixos

que compõem a função enunciativa vão

possibilitar uma leitura mais abrangente

sobre as significações e regularidades

das marcas linguísticas adverbiais e dos

conectivos escolhidos pelos candidatos.

Ao considerar que quando “uma

formulação idêntica reaparece – as mes-

mas palavras

são utiliza-

das, basica-

mente os

mesmos no-

mes, em su-

ma, a mesma

frase, mas

não forçosa-

mente o mes-

mo enunciado” (FOUCAULT, 2012, p.108)

damos visibilidade ao fato de que a recor-

rência de advérbios iguais era intensa

tanto dentro de uma redação, quanto em

relação às outras redações. Assim sendo,

em diversos momentos a repetição de

palavras estabelecia sentidos semelhantes

entre uma redação e outra, ou seja, mes-

mo que o enunciado fosse completamente

diferente, as significações evocadas a

partir da utilização de determinado advér-

bio ou conectivo eram as mesmas. Essas

recorrências nos levaram a desnudar as

regularidades estabelecidas entre escolha

linguística e as possibilidades de sentido

produzíveis.

Para pensar nas relações discursi-

vas presentes nas produções textuais, por

meio das marcas linguísticas, organizamos

todas as ocorrências adverbiais e dos

conectivos na tabela ilustrada a seguir:

Tabela 1: Banco de dados.

Por conseguinte quantificamos os

dados a fim de obter o número exato de

ocorrências e refletir sobre como esses

dados também significavam sintática e

discursivamente. Abaixo os gráficos que

estabilizam os resultados encontrados:

Gráfico 1: Quantificação dos

advérbios.

Fonte: Autora.

Gráfico 2: Quantificação dos conecti-

vos.

Fonte: Autora.

Página 12 O Corpo Fonte: Autora.

Diante desses dados depreende-

mos as regularidades as quais essas

escolhas linguísticas são circunscritas:

Esquema 1: Regularidades dis-

cursivas.

O esquema exposto revela em

quais contextos os seis textos analisados

manterão regularidades: nas preferên-

cias adverbiais e dos conectivos, em tipo

(circunstância que essas modalidades

exprimem), e em variedade lexical

(escolhas sintáticas); nas características

enunciativas, isto é, o tipo e variedade

lexical são empregadas para desenvolver

os mesmos estilos argumentativos, e

suscitarem significações similares; e no

posicionamento do sujeito, o gesto de

leitura trará visibilidade ao jogo discursi-

vo dos sentidos produzidos (produzíveis)

marcando um sujeito cindido por duas

posições a de candidato do vestibular, e a

de sujeito indígena alheio ao processo

seletivo. Essas escolhas linguísticas nos

levam a perceber esse sujeito no entrelu-

gar cultural, que ora defende a entrada

na cultura do Outro, ora manifesta seu

desejo em preservar sua cultura materna,

ensinar e aprender apenas sobre as tradi-

ções do seu povo.

Considerações finais

A prática analítica desenvolvida

trouxe visibilidade para a forma como os

vestibulandos estruturam seu texto, em

níveis sintáticos e discursivos, e o modo

como as marcas linguísticas utilizadas nas

produções textuais revelam o entrelugar

cultural ao qual esses sujeitos estão sub-

mersos. Por meio da utilização das modali-

dades adverbiais os candidatos estabele-

cem valor de verdade à prática discursiva

do vestibular, enquanto detentora dos sa-

beres legitimados na sociedade, e, conjun-

tamente, sustenta essa verdade com as

ligações/relações que constrói entre os

enunciados por meio dos conectivos.

Apesar das redações investigadas

apresentarem alguns equívocos em rela-

ção aos usos padrões da gramática nor-

mativa, e em determinados momentos

essas inadequações prejudicarem a coe-

rência, e a coesão do texto, as redações,

em geral, certificam aos candidatos a pro-

ficiência em Língua Portuguesa. Uma vez

que, eles se subjetivam à língua oficial do

país, nas práticas sociais não indígenas, e

demonstram, de modo satisfatório, o co-

nhecimento sobre o funcionamento linguís-

tico e discursivo da língua nacional.

REFERÊNCIAS

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática

portuguesa. 37ª Edição, RJ: Nova Frontei-

ro, 2009.

DALL'AGLIO-HATTNHER, Marize Mattos.

Uma análise funcional da modalidade

epistêmica. ALFA: Revista de Linguística

40, 1996.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do sa-

ber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves.

8ª Edição, RJ: Forense universitária, 2012.

__________. A ordem do discurso. Tra-

dução de Laura Fraga de Almeida Sam-

paio. 22ª Edição,SP: Edições Loyola, 2012.

GONÇALVES, Raquel Fregadolli Cerqueira

Reis. Cidadania, inclusão e biopolítica: a

identidade linguística em contradição no

processo seletivo vestibular dos povos

indígenas do Paraná, 2012. Dissertação

(Mestrado)- Programa de Pós-graduação

em Letras na Universidade Estadual de

Maringá, Maringá, 2012.

TASSO, I; JUNG, N; GONÇALVES, R.F; Práti-

cas discursivas e acontecimento: Letra-

mento e proficiência em língua portugue-

sa no vestibular para os Povos Indígenas

no Paraná. In: TASSO, I; SILVA, É. Língua

(gens) em discurso: A formação dos

objetos. SP: Pontes Editores, 2014, p. 21-46

Página 13 O Corpo

Página 14 O Corpo

Leitura dos E-book “A Análise do Discurso na Literatura - rios turvos de margens indefinidas”, organizado por

Cleudemar Alves Fernandes, Marisa Martins Gama-Khalil e José Antônio Alves Júnior

Leitura do Anais “Imagem e(m) discurso: a formação das modalidades enunciativas”,

organizado por Ismara Tasso e Jefferson Campos

Dica de O Corpo

Como analisar a categoria narrativa do espaço? Esta

obra resulta de pesquisas desenvolvidas por integrantes

do GPAD/UFU/CNPq voltados para o estudo de obras

literárias à luz da Análise do Discurso. Os trabalhos que

a integram cumprem a finalidade precípua de colocar

em debate percursos e propostas das pesquisas atual-

mente desenvolvidas em Análise do Discurso e contribu-

em para uma problematização e revisão das bases fun-

dadoras da AD face aos objetos literários tomados para

análise; expressam também reflexões acerca dos deslo-

camentos próprios à constituição desse campo discipli-

nar, uma vez que o objeto também pede a teoria, trazem

suas contribuições para os estudos da linguagem de

uma forma geral, e revelam, em especial, um panorama

das tendências atuais das análises de produções literá-

rias sob o foco da AD francesa.

Esta coletânea coloca-nos diante de uma primeira indagação:

é possível a relação entre imagem e discurso? Certamente,

os autores convidados por Ismara Tasso e Jefferson Cam-

pos empenharam-se em responder, com propriedade, a esta

questão. O que significa problematizar o modo como lemos e

nos relacionamos, na condição de leitores e de espectado-

res, por meia dessa modalidade de expressão da experiência

humana. A imagem é acontecimento, portanto, discurso. Eis o

mote do livro: não tomar a imagem e discurso como fenôme-

nos distintos. Nesse sentido, seu título é bastante feliz, na

medida em que convida o leitor a entrar em um universo de

pesquisas no interior do qual uma das formas materiais dos

enunciados efetivamente ditos pelos homens é a imagem, e,

como tal, isto é, como enunciado, ela tem valor de aconteci-

mento.

Pedro Navarro

O Corpo é Discurso

é o primeiro jornal

eletrônico de

popularização

científica da Bahia.

Colaboradores

Popularização da Ciência

A pesquisa científica gera conhecimentos, tecnologias e inovações que benefi-

ciam toda a sociedade. No entanto, muitas pessoas não conseguem compreender a

linguagem utilizada pelos pesquisadores. Neste contexto, a grande mídia e as novas

tecnologias de comunicação cumprem o papel de facilitadores do acesso ao conhe-

cimento científico. Para contribuir com esse processo, em sintonia com o espírito

que anima o Comitê de Assessoramento de Divulgação Científica do CNPq, criamos

esta seção no portal do CNPq. Seja bem-vindo ao nosso espaço de popularização da

ciência e aproveite para conhecer as pesquisas dos cientistas brasileiros e os bene-

fícios provenientes do desenvolvimento científico-tecnológico.