operação tridente - a acção da força aérea sobre o arquipélago do como na guiné

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MAISALTO|00 Fez há pouco tempo 50 anos que a Força Aé- rea Portuguesa (FAP) participou numa das ope- rações militares conjuntas mais longas que as tropas portuguesas fizeram em África. Conhe- cida como Operação Tridente teve lugar en- tre 14 de Janeiro e 24 de Março de 1964, no arquipélago do Como, na Guiné, e visava so- bretudo desalojar a guerrilha do PAIGC da- quela zona, conhecida na altura como Re- pública Independente do Como. Apesar dos meios envolvidos nesta operação, no seu su- cesso foi limitado no tempo, pois a guerrilha nunca abandonou completamente o Como. A presente investigação assinala os 50 anos desta operação em que a Força Aérea teve uma participação importante. E m finais de 1963, o Comando Militar em Bis- sau, por influência do Comando da Defesa Ma- rítima da Guiné (CDMG), começou a delinear uma grande operação militar contra o arquipélago do Como, no extremo sudoeste da Guiné. Formado pelas ilhas de Como, Caiar e Catungo, o arquipélago era usa- do pela guerrilha para atacar a navegação que circu- lava de Bissau para Catió. Além disso, os guerrilheiros tinham fundado, no Como, a chamada República In- dependente do Como, num claro desafio às autorida- des portuguesas. Sendo assim, a ação militar portu- guesa visava sobretudo desalojar a guerrilha das três ilhas de forma a garantir de novo a soberania portu- guesa. 1 Nesse sentido, foi preparada a primeira gran- de operação conjunta de toda a guerra, que ficaria conhecida como a Operação Tridente. A operação de- correu nos primeiros três meses de 1964, envolvendo a Marinha e a Força Aérea, além do Batalhão de Ca- valaria 490, sob o comando do Tenente-Coronel Fer- nando Cavaleiro, que seria também o comandante das forças desembarcadas. 2 O Batalhão 490 seria a prin- cipal força de intervenção, sendo constituído por três companhias de cavalaria, com cerca de 400 homens, 3 sendo, ainda, nesta operação, apoiado por três desta- camentos de fuzileiros, uma companhia de caçado- res, um pelotão de caçadores, outro de pára-quedis- tas, um grupo de comandos e ainda um pelotão de obuses, tudo organizado em cinco agrupamentos de intervenção. 4 OPERAÇÃO TRIDENTE MAISALTO|00 1 Testemunho do Coronel Fernando Cavaleiro in A Guerra de Joaquim Furtado, episódio 9, RTP, 2007. 2 Calvão, Alpoim, De Conakry ao M.D.L.P, Editorial In- tervenção, Lisboa, 1976, p.27. 3 Batalhão de Cavalaria 490 – História da Unidade, Colecção Particular de Armor Pires Mota. 4 Ordem de Operações n.º 1/64 – Operação Tridente, Bissau, 6 de Janeiro de 1964, Arquivo da Defesa Nacional/ Fundo Geral Cx. 6896.5. F-86F Sabre estacionados no Aeródromo-Base nº 2, em Bissalanca Texto José Matos Fotos Arquivo Histórico da Força Aérea A AÇÃO DA FORÇA AÉREA SOBRE O ARQUIPÉLAGO DO COMO NA GUINÉ

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MAISALTO|00

Fez há pouco tempo 50 anos que a Força Aé-rea Portuguesa (FAP) participou numa das ope-rações militares conjuntas mais longas que astropas portuguesas fizeram em África. Conhe-cida como Operação Tridente teve lugar en-tre 14 de Janeiro e 24 de Março de 1964, noarquipélago do Como, na Guiné, e visava so-bretudo desalojar a guerrilha do PAIGC da-quela zona, conhecida na altura como Re-pública Independente do Como. Apesar dosmeios envolvidos nesta operação, no seu su-cesso foi limitado no tempo, pois a guerrilhanunca abandonou completamente o Como.A presente investigação assinala os 50 anosdesta operação em que a Força Aérea teveuma participação importante. Em finais de 1963, o Comando Militar em Bis-

sau, por influência do Comando da Defesa Ma-rítima da Guiné (CDMG), começou a delinear

uma grande operação militar contra o arquipélago doComo, no extremo sudoeste da Guiné. Formado pelasilhas de Como, Caiar e Catungo, o arquipélago era usa-

do pela guerrilha para atacar a navegação que circu-lava de Bissau para Catió. Além disso, os guerrilheirostinham fundado, no Como, a chamada República In-dependente do Como, num claro desafio às autorida-des portuguesas. Sendo assim, a ação militar portu-guesa visava sobretudo desalojar a guerrilha das trêsilhas de forma a garantir de novo a soberania portu-guesa.1 Nesse sentido, foi preparada a primeira gran-de operação conjunta de toda a guerra, que ficariaconhecida como a Operação Tridente. A operação de-correu nos primeiros três meses de 1964, envolvendoa Marinha e a Força Aérea, além do Batalhão de Ca-valaria 490, sob o comando do Tenente-Coronel Fer-nando Cavaleiro, que seria também o comandante dasforças desembarcadas.2 O Batalhão 490 seria a prin-cipal força de intervenção, sendo constituído por trêscompanhias de cavalaria, com cerca de 400 homens,3sendo, ainda, nesta operação, apoiado por três desta-camentos de fuzileiros, uma companhia de caçado-res, um pelotão de caçadores, outro de pára-quedis-tas, um grupo de comandos e ainda um pelotão deobuses, tudo organizado em cinco agrupamentos deintervenção.4

OPERAÇÃO TRIDENTE

MAISALTO|00

1 Testemunho do CoronelFernando Cavaleiro in

A Guerra de Joaquim Furtado,episódio 9, RTP, 2007.

2 Calvão, Alpoim, De Conakryao M.D.L.P, Editorial In-

tervenção, Lisboa, 1976, p.27. 3 Batalhão de Cavalaria 490 –

História da Unidade,Colecção Particular de Armor

Pires Mota. 4 Ordem de Operações

n.º 1/64 – Operação Tridente,Bissau, 6 de Janeiro de 1964,Arquivo da Defesa Nacional/

Fundo Geral Cx. 6896.5.

F-86F Sabre estacionados no Aeródromo-Base nº 2, em Bissalanca

Texto José Matos Fotos Arquivo Histórico da Força Aérea

A AÇÃO DA FORÇA AÉREASOBRE O ARQUIPÉLAGO DO COMO NA GUINÉ

00|MAISALTO

Na directiva militar de enquadramento da operaçãoemitida pelo Comandante-Chefe das Forças Armadasda Guiné, Brigadeiro Fernando Louro de Sousa, o ini-migo era caracterizado como “bem enquadrado e comum grau de instrução razoável”, dispondo de “arma-mento ligeiro, incluindo armas automáticas, em quan-tidade apreciável”. No entanto, o nível moral não eraelevado segundo a avaliação do Comandante-Che-fe.5 Louro de Sousa considerava também que os guer-

rilheiros não seriam capazes de confrontar com êxitoo desembarque das forças portuguesas, nem a suaprogressão no terreno, embora reconhecesse não terinformação suficiente para avaliar a capacidade de-fensiva da guerrilha.6 A mesma opinião tinha a ForçaAérea que considerava que a guerrilha não seria ca-paz de oferecer uma oposição eficaz à ação da FAP.7

A ordem de operações da Tridente chegou à ForçaAérea, no dia 10 de janeiro, emitida pelo Comandan-

te da Zona Aérea de Cabo Verde e da Guiné (ZACVG),Coronel Francisco Delgado. A ordem de operaçõesdefinia o tipo de missões que a FAP devia desenvolverem apoio às forças terrestres e navais e que passavampelo apoio próximo às forças empenhadas, durante eapós o desembarque, ações de reconhecimento, eva-cuação sanitária e abastecimentos, estabelecimentode um Posto de Comando Avançado (PCA) e even-tuais ações de flagelação na zona de operações. Eraainda incumbência da Força Aérea dar início à ope-ração no dia 14 de janeiro com o lançamento de pan-fletos para avisar a população, de forma a evitar um

5 Ordem de Operaçõesn.º 1/64 – Operação Tridente,Bissau, 6 de Janeiro de 1964,

ADN/FG Cx. 6896.5. 6 Diretiva nº 8 do

Comadante-Chefe das ForçasArmadas da Guiné, Bissau,23 de dezembro de 1963,

ADN/FG Cx. 6896.57 Ordem de Operações

nº 1/64 do Comando da ZonaAérea de Cabo Verde e Guiné,

Bissau, 10 janeiro de 1964,Arquivo Histórico Militar –

AHM/DIV/2/4/312/1.

P-2V5 e F-86Fem trânsito para

Bissalancano Aérodromo de

Trânsito nº 1,na Ilha do Sal

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Em baixo, à esq., aplataforma improvi-

sada na popa dafragata Nuno

Tristão, surta na fozdo rio Tombali. Aocentro, Alouette II

sobre a plataforma,pronto para eva-

cuação de feridos eà dir., o Ministro da

Defesa, GeneralGomes de Araújo.

Em baixo, a fragataNuno Tristão em

deslocação para ailha do Como, a 14de janeiro de 1964

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grande número de baixas civis, o que anularia, contu-do, a surpresa da operação. Para o desempenho des-tas missões, a Força Aérea mobilizou vários meios aé-reos que tinha estacionados em Bissalanca e na ilhado Sal em Cabo Verde. Para as missões ofensivas fo-ram usados caças F-86F Sabre, aviões T-6 e um aviãoP-2V5 Neptune, vindo da ilha do Sal e estacionado noAeródromo-Base nº 2, em Bissalanca. Para as restantesmissões foram empenhados aviões Dornier Do-27,Auster C-5/160 e C-47 Dakota. Foram também usa-dos os três helicópteros Alouette II disponíveis na Gui-né. Um deles (9206) transportou o Ministro da Defesa,General Gomes de Araújo, ao posto de comando daoperação, na fragata Nuno Tristão, onde tinha sido im-provisada uma plataforma de aterragem para operarhelicópteros. A visita do Ministro atestava a importân-

cia da operação e o apoio do Governo àcontinuação da luta de contra-subversãona Guiné, embora a operação fosse de ca-rácter convencional.

Uns meses antes, Louro de Sousa tinhamanifestado ao Subsecretário de Estadoda Administração Ultramarina, Silva Cu-nha, a opinião de que a guerra na Guinéestava perdida, o que tinha causado umapéssima impressão junto de alguns mem-

bros do Governo.8 Neste contexto, a Tridente servia tam-bém como uma demonstração de iniciativa militar porparte do Comandante-Chefe.

A OFENSIVA AÉREAComo já foi dito, a operação começou, para a For-

ça Aérea, no dia 14 de janeiro, com a largada de pan-fletos por um Auster nas ilhas do Como e de Caiar. Oavião foi atacado várias vezes a partir da tabanca deCatabão II, na ilha do Como. Ainda nesse dia, os T-6atacaram com foguetes de 37 mm, algumas canoasem Curco e na tabanca junto a Poilão de Cinza. OP-2V5 também entrou em ação nesse dia, lançandoduas bombas de 50 kg sobre canoas e mais quatrobombas na tabanca de Catabão II, sendo destruídasalgumas casas. No dia seguinte, aconteceu o desem-

8 Cunha, Silva, O Ultramar,a Nação e o 25 de Abril,Atlântida Editora, Coimbra,1977, pp. 111-113.

Mapa da Guinée zona de operações

T-6G Texan no AB2.Durante a OperaçãoTridente foi abatido,na Guiné, um aviãoidêntico

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© Paulo AlegriaAlouette II

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barque das forças terrestres e os T-6 apoiaram o avan-ço das tropas no terreno, sendo alvejados em Caiar,mas sem consequências.9 No entanto, no dia seguin-te, um T-6 que dava apoio de fogo na orla da flores-ta junto a Cauane, na ilha do Como, foi atingido nu-ma das asas, mas sem gravidade.10 Nos primeirosdias da Tridente, a FAP utilizou o campo de aviação deCatió para estacionar os aviões para evacuação e liga-ção (Auster e Do-27), por ser o mais próximo da zonade operações, e a fragata Nuno Tristão para estacio-namento do helicóptero. No entanto, a partir do dia18 de janeiro, os aviões ligeiros (Do-27) começaram ausar uma pista natural da praia onde estava instaladaa base logística.11

Foi também no dia 18 de janeiro que surgiram pelaprimeira vez os caças F-86, metralhando e bombarde-ando com bombas de 50 kg, a mata e a tabanca de

Cachil.12 No dia 20 de janeiro, um T-6 foi atingido naasa direita, sofrendo uma fuga de combustível, mas oavião conseguiu regressar à Base.13 A 25 de janeiro,o P-2V5 fez o seu primeiro bombardeamento noturnona mata do Cachil, usando também para o efeitobombas de 50 kg.14 A 29 de janeiro, os F-86 usarampela primeira vez napalm num ataque à tabanca deSão Nicolau, na ilha do Como e, ainda nesse dia, vol-taram a usar napalm na mata de Cassaca. No entan-to, poucos dias depois, o uso de napalm seria aban-donado, quando se constatou que não tinha o efeitopretendido na mata.15 A 1 de fevereiro, um C-47 Da-kota fez um ataque com duas cargas de profundida-de de 350 kg sobre a ilha do Como. Nesse mesmodia, um T-6 voltou a ser atingido, mas sem gravida-de.16 Depois desta primeira experiência, o C-47 vol-tou a ser usado, a 21 de fevereiro, em Curco (ilha do

9 Relatório semanal das ativi-dades operacionais da ForçaAérea – Comando da Zona

Aérea de Cabo Verde e Guiné,período de 12/1/64 a 18/1/64,

p. 2, Arquivo da Defesa Na-cional/Fundo Geral Cx. 5675.4.

10 Ibidem, p. 3.11 Operação Tridente,

Relatório das Atividades da FAdo Comando da Zona Aérea

de Cabo Verde e Guiné,Bissau, 6 de abril de 1964,

AHM/DIV/2/4/312/1.12 Relatório semanal das acti-vidades operacionais da Força

Aérea – Comando da ZonaAérea de Cabo Verde e Guiné,período de 12/1/64 a 18/1/64,

p. 4, ADN/FG Cx. 5675.4. 13 Ibidem, período de 19/1/64

a 25/1/64, pp.1-2.14 Ibidem, p. 5.

15 Ibidem, período de 26/1/64a 1/2/64, pp. 2-3. 15 Ibidem,período de 26/1/64 a 1/2/64,

pp. 2-3.16 Ibidem, p. 4.

F-86F Sabreem Bissalanca

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Embarquedas tropas para

o Como

Como) e nas matas adjacentes, largando dez cargasde profundidade, só que desta vez foi atingido numaasa pelo fogo da guerrilha, embora sem consequên-cias.17 A utilização deste armamento foi para aprovei-tar o “fim de vida” das cargas de profundidade, quetinham de ser retiradas das reservas. O lançamentodas cargas era efetuado a 3000 pés de altitude deforma a permitir a segurança suficiente para que acarga só rebentasse no solo ou muito próximo. Para

armar a espoleta utilizava-se um cordel que retirava asegurança da carga de profundidade já suficiente-mente afastada do avião porque, como se compreen-de, não era seguro fazer esse trabalho a bordo.18

A 28 de fevereiro, o P-2V5 voltou a bombardear denoite a mata de Cassaca e a povoação de CatabãoII, com bombas de 50 kg, numa zona onde tinhamsido detetadas algumas fogueiras.19 O avião voltouao Como, a 29 de fevereiro, desta vez numa opera-ção diurna.20 Durante o mês de março registou-se jápouca atividade da guerrilha, que evitava o contactocom as forças portuguesas, e as operações aéreastambém diminuiram até ao fim da Tridente, a 24 demarço.

A OFENSIVA TERRESTREDepois da intervenção inicial da Força Aérea no Co-

mo, as forças portuguesas desembarcaram sem gran-de resistência em cinco locais do arquipélago entre osdias 15 e 17 de janeiro.21 Os dois primeiros agrupa-mentos de intervenção desembarcaram logo no dia15. O agrupamento A comandado pelo Major Antó-nio Romeiras e formado pela Companhia de Cava-

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Militares do Batalhãode Cavalaria 490durante a OperaçãoTridente, no Como

17 Ibidem, período de 16/2/64a 22/2/64, p. 5. 18 Informação prestada aoautor pelo Capitão FernandoMoutinho em 30/12/2103. 19 Ibidem, período de 23/2/64a 29/2/64, p. 4.20 Ibidem, p.21 Testemunho do AlmiranteRibeiro Pacheco in A Guerrade Joaquim Furtado, episódio9, RTP, 2007.

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Desembarquede fuzileiros nailha do Como

laria 487, comandada pelo Capitão Cidrais e pelo Des-tacamento de Fuzileiros Especiais 7, comandado peloPrimeiro-Tenente Ribeiro Pacheco, desembarcou emCaiar, no sul da ilha, e avançou para a tabanca como mesmo nome. Chegaram à tabanca no dia seguin-te, depois de uma penosa marcha, mas encontrarama povoação abandonada. O agrupamento B coman-dado pelo Capitão Ferreira e formado pela Compa-nhia de Cavalaria 488, comandada pelo Capitão Ar-rabaça e pelo Destacamento de Fuzileiros Especiais 8,comandado pelo Primeiro-Tenente Alpoim Calvão, de-sembarcou na parte sul da ilha do Como, e avançoupara Cauane, onde encontrou resistência. Depois dosprimeiros combates, os guerrilheiros refugiaram-se namata, mas foram desalojados pelos fuzileiros de Al-poim Calvão. Nos dois dias seguintes desembarcaramos outros três agrupamentos de intervenção, sem en-

contrar resistência, completando o cerco à guerrilha.22Os combates, no entanto, intensificaram-se na zonade Cauane e as condições no terreno foram-se tor-nando cada vez mais adversas para as forças portu-guesas. De facto, o Como apresentava várias áreasflorestais quase impenetráveis, rodeadas por terrenospantanosos com acessos fáceis de controlar pela guer-rilha. Desta forma, a aproximação às matas era feitade forma muito exposta, controlando a guerrilha osacessos, o que dificultava imenso a penetração da tro-pa portuguesa na mata.23

Além dos guerrilheiros, os soldados portugueses en-frentam também outros problemas que a logística nãoacautelou devidamente. Devido à falta de água potá-vel na ilha, as tropas portuguesas foram obrigadas aescavar poços, conseguindo apenas obter uma águasalobra e de má qualidade e a este primeiro tormen-

00|MAISALTO

© Paulo AlegriaP-2V5 Neptune

T-6 Texan

22 Catarino, Manuel, AsGrandes Operações da GuerraColonial – Operação Tridente,

Cofina media books, Lisboa,2010, pp. 45-52.

23 Felgas, Hélio, Guerra naGuiné, Serviço de Publicaçõesdo Estado-Maior do Exército,

SPEME, Lisboa, 1967, p.88

© Paulo Alegria

F-86F Sabre© Paulo Alegria

to associaram-se outras contrariedades como a má ali-mentação e o calor. Porém, à medida que as tropasdesembarcadas avançavam, os guerrilheiros iam re-cuando e concentravam-se na ilha do Como, maispropriamente na mata de Cassaca, rodeada por ter-renos de arroz e de acesso verdadeiramente difícil,sendo que aí as forças portuguesas foram surpreendi-das pela grande mobilidade e poder de fogo da guer-rilha, penetrando com grande dificuldade na mata.24Mesmo assim, as tropas portuguesas conseguiram eli-minar os principais comandantes da guerrilha, restan-do apenas Agostinho de Sá. A situação chegou mes-

mo a ser dramática para os guerrilheiros do PAIGC.Já depois do fim da operação, as forças portuguesasinterceptaram um mensageiro com uma carta do co-mandante da frente sul, Nino Vieira, que não estavano Como, para outros chefes da guerrilha, queixan-do-se que não conseguia retirar do Como, como tinhaordenado Amílcar Cabral, e que estava numa situa-ção muito difícil, pedindo, por isso, que lhe enviassemreforços.25 De facto, temendo baixas entre os civis,Cabral tinha ordenado a retirada da população, sóque a própria população insistiu em ficar juntamentecom a guerrilha comandada por Agostinho de Sá.26Seriam precisos três longos meses, para o Tenente--Coronel Fernando Cavaleiro, dar por terminadas asoperações militares e, no dia 24 de Março, embarcarde regresso a Bissau.

Para marcar presença na zona, o Exército decidiudeixar uma companhia na mata do Cachil, a norte dailha do Como, com a missão de patrulhar a ilha econtrolar as margens do rio Cobade, muito importanteno abastecimento a Catió.27 Não seria preciso es-perar muitos dias para ver esta companhia ser ataca-da pelos guerrilheiros, provando assim que estes nun-ca tinham abandonado efectivamente a ilha.28

A AÇÃO GLOBAL DA FORÇA AÉREANA OPERAÇÃOQuanto à ação da Força Aérea, podemos ter uma

ideia do que se passou pelo relatório do comandanteda ZACVG, o Coronel Delgado, que espelha bem aatividade da FAP durante as 10 semanas da opera-ção.29 O relatório dá conta que durante a Tridente aForça Aérea efetuou um total de 781 saídas: 73 pelosF-86, os T-6 fizeram 141, os Do-27 efetuaram 180, osAuster mais 46, os helicópteros Alouette II somaram323, os P2V-5 contabilizaram 16 e os C-47 realiza-ram apenas duas, totalizando assim 1.108 horas e 45

minutos de voo. No total foram transportados 1477homens e evacuados 134. Foram utilizadas 356 bom-bas, 719 foguetes, 40.944 balas, 16 bombas de na-palm, além das cargas de profundidade, já referidasanteriormente. Além disso, é de registar que um aviãofoi abatido e outros seis atingidos (cinco T-6 e umC-47). O avião em causa era um T-6 pilotado pelo Al-feres João Santos Pité, tendo sido abatido em finaisde janeiro, na zona de Cauane, quando participavanuma operação com outro T-6 pilotado pelo CapitãoGomes do Amaral. Tudo indica que Pité foi atingido di-retamente por disparos de terra tendo perdido rapida-mente o controle do avião.30

Pode ler-se também no relatório que “mais de 85%das missões foram feitas nas primeiras sete semanas deoperação” e que “os helicópteros sofreram um desgas-te extraordinário, não só devido à areia e salinidade,mas também devido ao grande número de saídas queexecutaram, nem sempre convenientemente justificá-veis”. O Comandante da ZACVG deixava assim no arum certo descontentamento pela forma como os meiosaéreos tinham sido usados na operação. Uma críticareforçada pelo comentário que fez aos bombardeamen-tos realizados “contra objectivos imprecisos, mal defi-

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24 Testemunho do CoronelFernando Cavaleiro in AGuerra de Joaquim Furtado,episódio 9, RTP, 2007. 25 Batalhão de Cavalaria 490– História da Unidade, p. 37. 26 Testemunho de Agostinhode Sá in A Guerra de JoaquimFurtado, episódio 9, RTP, 2007. 27 Felgas, op. cit., p. 88.28 Testemunho do AlferesRogério Leitão in A Guerra deJoaquim Furtado, episódio 9,RTP, 2007.29 Operação Tridente,

Relatório das Atividades da FAdo Comando da Zona Aéreade Cabo Verde e Guiné,Bissau, 6 de abril de 1964,AHM/DIV/2/4/312/1.30Informação prestadaao autor pelo Coronel Gomesdo Amaral em 31/1/2014.

Tropas portuguesasna Ilha do Como

nidos e, por vezes, indiscriminadamente.” Delgadoconsiderou também que o armamento utilizado nãotinha sido o mais adequado. As bombas de 50 kg ex-plodiam na copa das árvores, um facto confirmadonum testemunho recente de Agostinho de Sá.31 Quan-to ao napalm não teve o resultado desejado, circuns-crevendo-se o fogo apenas à parte atingida pelo líqui-do e a largada de cargas de profundidade pelo C-47foi considerada arriscada para a tripulação e comefeitos muito reduzidos.

AS CONSEQUÊNCIAS DA OPERAÇÃOEm suma, apesar do planeamento e esforço desen-

volvido, a verdade é que as forças portuguesas nãoconseguiram erradicar completamente a guerrilha noComo, embora tenham limitado de forma significati-va a sua ação na zona. O PAIGC encarou o desfechoda operação como uma vitória. Apesar das enormesdificuldades que enfrentaram no confronto com asforças portuguesas, os guerrilheiros conseguiram re-sistir, não abandonando a ilha e o mesmo se pode di-zer da população. Pouco tempo depois do fim das ope-rações, a ilha foi visitada por uma delegação da dire-ção do partido chefiada por Luís Cabral, que percorreua ilha para saber como tinha corrido a batalha e quenecessidades tinham os habitantes e os guerrilheiros.32

Como é óbvio, o resultado alcançadoseria usado abundantemente pelo PAIGC,na sua propaganda interna e externa. Pode-mos ver isso, numa entrevista que AmílcarCabral deu, em 1969, à revista Tricontinen-tal, em Conakry, onde comentou a batalhacomo uma grande vitória para o seu mo-vimento. De forma exagerada, Cabral refe-riu que as tropas portuguesas rondariam ostrês mil homens e que tinham perdido 900militares e muito material, sendo obrigadas aretirar e que o Como continuava a ser umaárea libertada dominada pelo PAIGC.33Na verdade, as forças portuguesas sofre-ram nove mortos e 47 feridos e foram eva-cuados para o hospital de Bissau 193 mili-tares por motivos de doença.34

No entanto, a principal consequência desta opera-ção seria a mudança das chefias políticas e militaresdo território, com a destituição de Louro de Sousa ede Vasco Rodrigues, Comandante-Chefe e Governadorrespetivamente, concentrando novamente os dois car-gos numa única pessoa, como já tinha acontecido notempo de Peixoto Correia que, entre 1961 e 62, tinhaexercido as duas funções. Arnaldo Schultz seria o mili-tar escolhido para estas novas funções, tendo chega-do a Bissau a 20 de maio de 1964, cerca de dois me-ses após o final da Operação Tridente.

Quanto à Força Aérea voltaria ao Como, em 1966,com uma nova operação, Samurai, contra os guerri-lheiros na ilha, só que desta vez de curta duração ecom menos meios militares envolvidos. Além de váriosmeios aéreos, esta operação envolveria uma compa-nhia de tropas paraquedistas, que seria helitranspor-tada para o local da ação, mostrando que o Comonão era um santuário inviolável do PAIGC.AGRADECIMENTOSO autor agradece ao Arquivo da Defesa Nacional, ao ArquivoHistórico-Militar e ao Arquivo Histórico da Marinha o apoio da-do a esta investigação. Ao Coronel PILAV Gomes do Amaral, aoCapitão PIL Fernando Moutinho a leitura e informações presta-das e ao escritor Armor Pires da Mota a leitura e fotos da épo-ca. Finalmente ao Paulo Alegria as ilustrações realizadas paraeste trabalho.

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31 Testemunho de Agostinhode Sá in A Guerra de Joaquim

Furtado, episódio 9, RTP,2007.32 Cabral, op. cit., pp.

209-216.33 Cabral, Amílcar, Guiné--Bissau – Nação Africana

Forjada na Luta, Textosde Amílcar Cabral nº1,

Publicações Nova Aurora,Lisboa, 1974, p. 65.

34 Catarino, op. cit., p. 54. © Paulo Alegria

Do-27

Do-27 em voo