a inseparabilidade entre decisão e acção: uma proposta para o treino do comportamento decisional...
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A inseparabilidade entre decisão e acção: uma proposta para o treino do
comportamento decisional no Basquetebol
Pedro Esteves & Duarte Araújo
Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Portugal
Introdução
A realização de tarefas aparentemente simples como atravessar uma
passadeira, ou mais complexas como realizar um ataque no basquetebol, têm
na sua base o processo de tomada de decisão. À medida que as condições do
contexto e do próprio indivíduo se alteram, o atleta bem sucedido decide
continuamente de modo a atingir o objectivo da tarefa com que se depara.
Num jogo de basquetebol, por exemplo, será de todo infrutífero que um
atleta realize um ressalto defensivo, mesmo que atinja uma elevação de 70
cm, se não atender à informação relativa ao deslocamento da bola, e o salto
não lhe permitir agarrar a bola. Isto indica que o comportamento do atleta no
jogo é eminentemente decisional. Foi a partir do relevante contributo de
Mahlo (1969), com a noção de “acto táctico”, que se passou a valorizar o
processo de tomada de decisão no quadro multi-factorial do desempenho
desportivo. Não obstante este progresso substantivo, prevalece ainda uma
separação teórica entre a decisão e a acção, ou se quisermos uma separação
entre percepção, tomada de decisão e acção.
A divisão destes aspectos do comportamento remontam à teoria do
processamento de informação de Claude Shannon e Warren Weaver (1949),
que concebe uma sequência de fases correspondentes à discriminação do
estímulo, programação da resposta e realização motora. Perante este
referencial teórico, entende-se que as decisões do basquetebolista se
processam ao nível do sistema nervoso central, menorizando o papel do
ambiente, e do corpo na selecção de um curso de acção. Realçamos que esta
teoria de Shannon e Weaver foi inicialmente proposta com o intuito de
explicar os aspectos formalmente definidos da comunicação em sistemas de
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controlo (p.ex., envio e recepção de mensagens de telégrafo) e não os aspectos
subjacentes às interacções informacionais entre um indivíduo e o ambiente
onde se insere.
Na prática, o processo de treino no basquetebol tende a reflectir este
constructo teórico, o qual apresenta uma visão limitada das capacidades
humanas. Embora acreditemos que a organização do treino se tem vindo a
alterar, nomeadamente pela proposta de processos de treino baseados em
princípios comportamentais adaptativos (e.g., Wissel, 2006), é frequente
observar a exercitação de um conjunto de soluções rígidas que tendem a
constituir-se como um “programa de acção”. Por norma, prescrevem-se
exercícios, de carácter mais ou menos fechado, orientados para a repetição
sistemática de uma solução que se associa a um determinado juízo perceptivo.
Nesta perspectiva, em situação de jogo, a identificação de estímulos
específicos deverá desencadear a realização das respostas motoras,
previamente trabalhadas no treino, para resolver a tarefa em causa. Os
comportamentos em competição que não correspondem a um modelo
normativo são qualificados como erros por parte do treinador. Neste sentido,
procura-se consolidar os “programas motores” e eliminar os comportamentos
desviantes de forma a criar no atleta um repertório motor, (i.e., programas
motores gravados no Sistema Nervoso Central) cada vez mais vasto (Schmidt
& Wrisberg, 2008).
Acontece que esta perspectiva exibe um conjunto de fragilidades de vária
ordem. Os desportos colectivos com bola, tal como o jogo de basquetebol, são
caracterizados por uma grande dose de variabilidade e instabilidade.
(McGarry, Anderson, Wallace, Hughes, & Franks, 2002). Se observarmos o
desenrolar de uma qualquer partida verificamos uma sucessão de ocorrências
variadas e inesperadas que desencadeiam múltiplos efeitos. Logo, a adopção
de uma abordagem linear de causa-efeito ao jogo revela-se incompatível com
a sua própria natureza, quer seja ao nível do constructo teórico, como ao nível
prático. No limite, poderemos incorrer na contradição de treinar os jogadores
a repetir e a estabilizar soluções, quando afinal o jogo é caracterizado pela
variabilidade, pela colocação de novos problemas e pela incerteza. Ou seja, ao
invés de treinar para a variabilidade (do jogo) mecanizando ou estabilizando,
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deveremos optar por uma abordagem que potencie a capacidade de lidar com
a incerteza e com o imprevisível, descobrindo soluções para o desconhecido
(Araújo, Davids, Bennett, Button, & Chapman, 2004).
Para este efeito, iremos debater ao longo deste capítulo a concepção
dominante na psicologia cognitiva que se encontra directamente associada a
princípios estruturais da metodologia de treino vingente. Em alternativa,
proporemos a abordagem da dinâmica ecológica ao comportamento decisional
(Araújo, Davids, & Hristovski, 2006; Davids, Button, Araújo, Renshaw, &
Hristovski, 2006), acompanhada de uma proposta para o treino da tomada de
decisão no basquetebol.
O fluxo informacional resultante da interacção jogador-jogo
Com a evolução do jogo de basquetebol, tem sido progressivamente
exigido aos jogadores uma capacidade de decidir e agir numa janela temporal
cada vez mais limitada. Como exemplo destacamos a alteração da regra de 8
segundos para efectuar a transição defesa-ataque para lá da linha de meio-
campo ou a redução do tempo de ataque de 30 para 24 segundos. Alguns
estudos (e.g., Fotinakis, Karapidis, & Taxildaris, 2002) têm demonstrado uma
importância crescente desta característica no basquetebol actual. Na prática,
estes dados traduzem uma velocidade de jogo superior com alternâncias mais
frequentes de posse de bola. Dado que as situações de contra-ataque estão
associadas a uma eficácia mais elevada que as situações de ataque organizado,
a equipa que consiga explorar as transições ofensivas poderá ganhar vantagem
no curso da partida (Silva, 1998).
Este quadro evolutivo marcado pela necessidade de identificar
informação relevante para a acção num intervalo de tempo mais curto,
configura uma exigência crescente sobre o processo de tomada de decisão.
Assim sendo, para que o atleta atinja patamares de desempenho de nível
superior terá de desenvolver uma capacidade de adaptação à complexidade e à
dinâmica inerentes ao jogo moderno. Neste enquadramento complexo e
dinâmico do basquetebol, as situações de jogo não definem à partida as fontes
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de informação relevantes, nem pressupõem uma resposta linear do tipo
“lançar após recepção da bola” ou “penetrar para o cesto após bloqueio
indirecto”, características da perspectiva computacional do processamento de
informação.
O argumento para a existência de estruturas cognitivas, à imagem do
computador, fundamenta-se na premissa de que a percepção é indirecta ou
mediada, ou seja a percepção dos estímulos tem de ser interpretada pela
mente/mediador para se tornar compreendida pelo sujeito. Partindo da
premissa que a selecção entre diferentes programas mentais possa ser
informativa sobre o que é o estímulo, o conjunto de opções tem de ser, por
princípio, previamente conhecido, o que não tem manifestamente uma
correspondência com a realidade: a maioria dos estímulos existentes no
mundo nunca foi percepcionado por nenhum de nós. Por sua vez, o
reconhecimento desse estímulo depende de um processo perceptivo
empobrecedor já que o estímulo, segundo a perspectiva computacional, não
tem valor informativo por si só (Gibson, 1966). Contrariamente a esta
perspectiva, Gibson defendeu que para o atleta, os objectos, pessoas ou
eventos do jogo oferecem-lhe possibilidades de acção bem distintas consoante
o contexto. Com isto não queremos desvalorizar a importância da memória de
experiências passadas. O que queremos defender é que o processo de treino
devidamente orientado deverá gerar o potencial de expressar padrões de acção
robustos e flexíveis ao longo do tempo, e não padrões robotizados e
desconectados da informação que os influenciam.
Consideramos que o enfoque deve ser colocado sobre a relação que se
estabelece entre o indivíduo e o ambiente que o rodeia (Araújo & Davids,
2009). A psicologia ecológica Gibsoniana assume a reciprocidade atleta-
ambiente, na qual ambos se combinam para formar um ecossistema. De
acordo com esta perspectiva o indivíduo tem acesso directo ao mundo, logo a
percepção é directa e não mediada (Gibson, 1979). Partindo deste princípio a
informação percepcionada é uma parte integrante da escolha das acções
necessárias para a resolução de uma tarefa específica (Fajen, Riley, & Turvey,
2009). Neste sentido, a percepção é específica das propriedades ambientais
que são percepcionadas, i.e., a informação especifíca as propriedades
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ambientais. Para que a informação seja percepcionada, o indivíduo utiliza os
padrões de energia que o rodeiam, nomeadamente através do potencial de
estimulação sensorial (i.e, visual, táctil, auditiva). Por exemplo, a reflexão da
luz numa bola e consequente captação pela retina informam directamente o
indivíduo que o objecto com que se defronta tem uma forma arredondada, da
mesma forma que o som de uma bola a contactar com o piso do pavilhão,
percepcionado pelo sistema auditivo, especifica o movimento ascendente da
bola. A hipótese da especificidade sugere então que os objectos, as superfícies
e os eventos disponibilizam informação que “indica” o que estes são ou
possibilitam para o indivíduo que os percepciona.
De acordo com Gibson (1979) os seres humanos e os outros animais
percepcionam e agem em substâncias (e.g., borracha da bola de basquetebol),
superfícies (e.g., piso de um pavilhão), lugares, (e.g., pavilhão), objectos (e.g.,
tabela de basquetebol) e acontecimentos (e.g., transição defesa-ataque no jogo
de basquetebol) existentes no ambiente. Neste sentido, a informação
percepcionada é também especificadora da acção possível de ser realizada
pelo indivíduo na relação complementar com o ambiente. Estas
oportunidades, ou possibilidades para a acção, conhecidas como affordances
(Gibson, 1966, 1979) não são nem fenomenológicas, nem subjectivas. São,
isso sim, possibilidades definidas pelas relações complementares entre
propriedades físicas do ambiente e do indivíduo, mediante uma especificação
em padrões de energia ambiental (Fajen et al., 2009). As affordances não
dependem de nenhum processo de construção mental, sendo percepcionadas
directamente pelo indivíduo. Logo, um basquetebolista pode percepcionar o
espaço livre perto do cesto como uma possibilidade de entrada em drible, sem
necessidade de recorrer a estruturas mentais mediadoras, já que o contexto
encerra em si informação verídica e significativa para o objectivo a atingir.
É importante clarificar que as affordances não são propriedades dos
objectos ou do ambiente, mas são propriedades do ambiente definidas em
função das características do indivíduo (Turvey & Shaw, 1999). Isto implica
que as possibilidades de acção dependem das propriedades ambientais
percepcionadas, mas sobretudo das capacidades de acção de um dado
indivíduo. Portanto, o ambiente promove ou inibe certos comportamentos,
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dependendo das capacidades de acção de cada indivíduo. Implícito a esta
proposição encontra-se uma afirmação de individualidade: o que constitui
uma determinada affordance para uma pessoa pode não constituir uma
affordance para uma outra pessoa. Por exemplo, no basquetebol, uma bola de
tamanho 3 sugere a um indivíduo de 5 anos uma pega de bola com duas mãos
enquanto que a um atleta de 20 anos pode proporcionar uma pega com uma
mão. Perante uma mesma situação diferentes indivíduos detectam informação
diferente, de acordo com a suas próprias características morfológicas,
fisiológicas, mentais, entre outras.
Em coerência com a realidade do jogo, as affordances são também elas
dinâmicas. Isto implica que as oportunidades de acção podem surgir e
desaparecer com os movimentos dos jogadores, mesmo sabendo que os
indivíduos, as superficies e os objectos no ambiente se podem manter
(permanentemente ou pontualmente) estáticos. Ao basquetebolista cabe
detectar a existência de janelas temporais de oportunidade para realizar acções
funcionais. Por exemplo, os atacantes numa situação de 2x1 defensor podem
agir de forma a perturbar o sistema defensivo adversário e assim concretizar
um lançamento. Contudo, se os seus deslocamentos forem demasiado
próximos ou se um outro defesa entretanto surgir nesse espaço de acção, a
possibilidade de converter um cesto pode esfumar-se.
As affordances permitem ainda o controlo prospectivo da acção, que
diz respeito ao ajustamento da acção aos constrangimentos do indivíduo e do
ambiente. A percepção de affordances implica a disponibilização de
informação relativa ao futuro estado de relação do indivíduo com o ambiente.
A percepção assume assim uma função de controlo do movimento à medida
que este decorre. Por exemplo, um basquetebolista num deslocamento
rectilíneo para o cesto obtém informação cinemática a partir do foco de
expansão do fluxo óptico que o circunda e que lhe permite coordenar o seu
movimento de forma a fazer coincidir o centro do foco de expansão com o
referencial cesto. Na ausência de controlo prospectivo a acção seria reduzida a
mera reacção, o que seria insuficiente para corresponder ao carácter dinâmico
e proactivo dos jogadores em competição (Montagne, 2005).
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Ao abrigo da perspectiva ecológica o desafio passa por compreender a
capacidade de cada indivíduo para percepcionar a configuração envolvente do
ambiente onde actua, à escala do seu corpo e potencialidades de acção
(Turvey & Shaw, 1995). A relevância da informação no processo de tomada
de decisão e no controlo da acção implica uma progressiva sensibilização do
indivíduo ao ambiente que o rodeia. Na prática, para que um basquetebolista
seja capaz de detectar a informação relevante do jogo é necessário promover
em contexto de treino a afinação do seu sistema perceptivo a variáveis
relevantes do ambiente, que se relacionem com a acção subsequente. No jogo
de basquetebol a colocação dos braços de um defensor num plano superior
pode proporcionar ao atacante a realização de um passe picado enquanto que a
colocação num plano inferior pode proporcionar um passe por cima do
defensor. Contudo, se o atacante não estiver afinado a essa informação o passe
terá uma maior probabilidade de ser interceptado pelo defensor. Defendemos
que a afinação perceptiva é um dos aspectos essenciais do comportamento
decisional do jogador e um predicado indispensável para o desenvolvimento
de atletas eficazes no seu desempenho.
Para além da afinação à informação contextual, é necessário o
escalonamento do sistema de acção do indivíduo a essa mesma informação.
Este processo, denominado de calibração, permite que o acoplamento entre
informação e movimento seja mais ajustado, isto é, que permita ao indivíduo
expressar uma acção adequada à informação, de modo a resolver com sucesso
as situações de jogo com que se depara. Desta forma, após o indivíduo revelar
acuidade na detecção de informação relevante do ambiente, poderá evoluir no
sentido de escalonar o movimento a essa informação. Este processo expressa-
se por uma organização e controlo espácio-temporais do movimento mais
evoluída (Araújo, Davids, & Hristovski, 2006). Recorrendo ao exemplo
anterior, o basquetebolista consegue detectar informação relacionada com a
postura do seu adversário directo mas para além disso executa um passe
perfeitamente calibrado (i.e., um passe ajustado à informação espácio-
temporal) que lhe permite atingir o objectivo da tarefa.
A tomada de decisão no basquetebol: revisão de estudos
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Quando um basquetebolista percepciona um colega livre para receber
uma bola e realiza o passe, essa acção proporciona imediatamente um novo
ciclo de percepção. Neste caso, pode ocorrer que o atacante que recebeu a
bola lance ao cesto e o jogador que acabou de efectuar o passe participe no
ressalto ofensivo. Por sua vez, a direcção do próprio passe pode ser alterada
enquanto o mesmo está a decorrer, a partir da detecção pelo jogador em posse
de bola de um outro colega em melhores condições para a recepção. Logo,
percepções, decisões e acções formam relações circulares de influência mútua
que caracterizam o processo de interacção que o basquetebolista estabelece
com o contexto de jogo.
No que respeita ao processo de tomada de decisão este pode ser
entendido como o processo de agir para seleccionar affordances que, por sua
vez, seleccionam e controlam modos de acção. No cerne desta nossa análise
está, portanto, aquilo que Laguna (2002) define como táctica individual: a
capacidade do jogador para tomar decisões, expressas por acções, durante o
jogo. Podemos assim afirmar que, em última análise, a tomada de decisão só
pode ser avaliada pela própria acção uma vez que é através dela que se
expressa. A análise da literatura existente sobre tomada de decisão permite-
nos distinguir duas tendências distintas. A primeira tendência, que congrega a
maioria dos estudos existentes, enquadra-se numa perspectiva que destaca a
importância do sistema neuronal, enquanto processador de informação, para a
definição do comportamento. Uma segunda tendência, mais recente, procura
utilizar metodologias dinâmicas, à escala ecológica, para a análise de padrões
de coordenação inter-pessoal.
Um exemplo do primeiro caso é o estudo levado a cabo por French e
Thomas (1987). Estes autores examinaram o contributo do conhecimento
específico das habilidades motoras para o desenvolvimento do processo de
tomada de decisão. A avaliação do conhecimento sobre o jogo foi realizado
através de um teste escrito com 50 questões de escolha-múltipla relacionado
com o conhecimento específico da modalidade. Por sua vez, a avaliação da
tomada de decisão foi executada mediante observação quantitativa da
performance do indivíduo em situação de jogo: “0” para decisões qualificadas
como incorrectas e “1” para as correctas. Outro tipo de estudos recorrentes
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neste paradigma cognitivo utilizam imagens vídeo com sequências de acções
de jogo de forma a sugerirem ao atleta a selecção de uma de várias opções
para resolver um problema. Nesta linha, Tavares (1997) analisou a velocidade
e precisão da tomada de decisão mediante a apresentação de imagens num
computador e consequente selecção de uma acção correspondente a uma tecla
do teclado.
No âmbito da dinâmica ecológica identificam-se um conjunto de
estudos que caracterizam uma segunda tendência da literatura de
especialidade. Como exemplo indicamos o trabalho realizado por Araújo e
colegas (Araújo et al., 2004; Davids et al., 2006) que objectivaram a descrição
do sistema atacante-defesa numa situação de um-contra-um. Foi investigada a
variação da distância inter-pessoal da díade associada a períodos de
estabilidade e instabilidade do sistema mediante uma análise dinâmica. Com
recurso a esta metodologia foi possível identificar padrões de coordenação
diferenciados, bem como transições entre padrões, mediante determinados
valores críticos de distância inter-pessoal. Cordovil e colegas (2009)
analisaram a influência da manipulação de constrangimentos organísmicos e
da tarefa sobre a dinâmica relacional numa situação de um-contra-um.
Enquanto no primeiro estudo utilizaram instruções direccionadas para o
comportamento do atacante (risco, neutra e contenção), no segundo
combinaram atletas de diferente estatura. Desta forma foi possível verificar a
influência de constrangimentos como a altura e a instrução sobre o
comportamento decisional. Numa perspectiva de análise da equipa
Bourbousson, Sève e McGarry (2010) investigaram os padrões espácio-
temporais dos jogadores de basquetebol em situação de jogo. O seu foco de
interesse foi o estudo da dinâmica da coordenação intra e inter-equipa, de
forma a identificar propriedades dos sistemas dinâmicos como transições de
fase e emergência. Recorreram a variáveis como o centróide da equipa e o
índice de expansão para estudar a dinâmica colectiva.
A dinâmica ecológica da tomada de decisão no basquetebol
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Como já vimos, cada acção gera nova informação que influencia
futuras decisões. À medida que a informação percepcionada se torna cada vez
mais especificadora sobre as acções a realizar, ocorre um afunilamento das
vias de acção possíveis e disponíveis para o jogador, até que finalmente, no
momento da obtenção do objectivo, a via para o atingir torna-se unicamente
definida (Kugler, Shaw, Vicente, & Kinsella-Shaw, 1990; Shaw, 2001). A
tomada de decisão é vista como um processo funcional e emergente no qual a
selecção é feita entre vias convergentes para o objectivo pretendido. As
escolhas são feitas em pontos de bifurcação onde informação mais específica
se torna disponível, constrangendo o sistema atleta-ambiente a passar para a
via mais funcional. No momento da decisão o atleta usa as suas fontes de
energia interna para influenciar as interacções contextuais conducentes à
obtenção de um objectivo específico. Esta transição no curso de acção ocorre
em resultado do tipo de interacções estabelecidas à escala ecológica, onde um
leque alargado de variáveis pressiona o sistema indivíduo-contexto para um
determinado estado de relação (Araújo, Davids, Chow, & Passos, 2009). A
tomada de decisão não depende assim de um processo de selecção racional de
uma entre diversas pré-disposições, mas da identificação de informação
contextual que contribua directamente para a escolha e regulação do curso de
acção, na relação indivíduo-contexto (Araújo et al., 2006).
O facto do basquetebol implicar a coordenação de um grupo de
indivíduos em interacção acrescenta uma dose de complexidade à análise dos
processos decisionais de cariz individual e colectivo. O sistema jogo é
constituído por dois sub-sistemas equipas, onde um conjunto de atletas
coordena as acções entre si para criar perturbações no sistema adversário e
assim obter vantagem no marcador (Davids, Button, & Benett, 2008; Schmidt,
O’Brien, & Sysko, 1999). Para que isto aconteça é indispensável haver
coordenação intra-equipa e coordenação inter-equipa, embora com propósitos
diferenciados. Isto porque a lógica do jogo pressupõe que uma equipa
coopere, defendendo quando não tem a posse de bola, e atacando quanto tem
a posse de bola.
Perante este quadro, inúmeras decisões individuais (i.e., acções
tácticas individuais) influenciam-se entre si, como também são influenciadas
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por decisões de índole colectiva. Por exemplo, as decisões individuais e
colectivas de uma equipa que repõe a bola pela linha de fundo após ter sofrido
cesto são influenciadas pela implementação súbita de um sistema defensivo da
equipa adversária com pressão imediata sobre a reposição da bola. Segundo
Gréhaigne, Bouthier e David (1997), a evolução de um sistema complexo
(i.e., composto com inúmeras variáveis de comportamento não-linear) como o
jogo de basquetebol processa-se a partir das modificações ocorridas nos
diferentes sub-sistemas. Além de que, dentro de cada sub-sistema equipa,
ocorrem organizações locais a um nível mais micro. É o caso de uma situação
de isolamento ofensivo dos dois basquetebolistas mais competentes da equipa,
numa das metades do meio-campo, enquanto os outros três jogadores se
afastam, para retirar as ajudas defensivas, e abdicam de intervir directamente
na sub-unidade functional que entretanto se criou.
A obtenção de um nível de coordenação colectivo que permita
concretizar o objectivo associado a uma situação de jogo não decorre a partir
de uma pré-definição de acções, dado que a resposta do adversário não é
necessariamente como a equipa pretenderia que fosse. O “veículo” que
possibilita a exibição de padrões comportamentais funcionais assenta numa
dependência informacional entre os diferentes atletas (Schmidt et al., 1999).
A informação disponível no meio circundante, por exemplo relacionada com
o comportamento do colega ou com as indicações do treinador, concorre para
a regulação da acção intencional, dos praticantes, em cada momento e ao
longo do jogo. Neste sentido, a ordem, ou seja os padrões organizacionais
colectivos, emergem espontaneamente a partir da afinação perceptiva que os
diferentes jogadores têm a variáveis informativas relevantes para o objectivo
de cada equipa para o jogo. Podemos assim afirmar que a criação e
manutenção de um dado padrão (p.ex., transição defesa-ataque) depende de
tendências autónomas de emergência e organização, e não de um supra-
organizador que controla os diversos intervenientes.
A auto-organização é o processo que explica o facto das partes se
ajustarem espontaneamente umas às outras, ou seja tenderem para um estado
de organização estável. Contudo, os padrões não são infinitamente estáveis.
Antes pelo contrário, estabilidade e instabilidade são princípios
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complementares que caracterizam a dinâmica de um sistema (Kelso &
Engstrom, 2006) como é o caso do jogo de basquetebol. Ao passo que a auto-
organização mantém os padrões na sua dinâmica, a transição entre padrões
ocorre essencialmente devido a um fenómeno chamado emergência. Este
conceito está relacionado com a dependência que o todo tem das partes, com a
interdependência das partes, e com a especialização das partes. Da emergência
resulta a manifestação de propriedades que estão para além das características
dos elementos do sistema. As transições entre padrões comportamentais e a
coordenação entre jogadores são manifestações de emergência que desafiam a
ideia do jogo estar representado nas cabeças de cada jogador. Constata-se, em
cada jogo, que as soluções da equipa (todo) não derivam da cabeça de cada
um dos atletas (elementos), incluindo os adversários.
A canalização do comportamento pela acção dos constrangimentos
O comportamento intencional do indivíduo no ambiente onde se insere
envolve uma interacção entre um conjunto de variáveis, denominadas de
constrangimentos. Por constrangimentos entendemos as ligações que se
estabelecem entre elementos que influenciam a acção de um indivíduo. No
desporto, o comportamento ocorre sob a influência de diferentes categorias de
constrangimentos que interagem entre si:
a) Tarefa – relacionados com a tarefa em causa, nomeadamente com
os objectivos, regras e materiais utilizados;
b) Indivíduo – relacionados com aspectos estruturais e funcionais do
indivíduo;
c) Ambiente – relacionados com o contexto que o rodeia (Newell,
1986; Araújo et al., 2004).
Sejam eles aspectos tão diversos como a quantidade de adversários
numa determinada área do campo, o seu nível de auto-confiança ou o grau de
luminosidade ambiente, a confluência deste leque de constrangimentos
conduz o sistema indivíduo-contexto a um determinado estado de
organização, mais ou menos estável (Warren, 2006). Tendo como base a
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constatação da variabilidade de acções existentes num jogo de basquetebol,
anteriormente referenciada, percebemos agora que a origem desse leque muito
vasto de possibilidades de resolver uma tarefa deriva da influência de
constrangimentos de natureza diversa. Logo, se a variabilidade se encontra
embutida no comportamento funcional do jogador ela deverá ser potenciada e
não eliminada. Consideramos assim que o treinador, no contexto de treino,
deverá criar condições para a promoção de uma variabilidade funcional. Uma
variabilidade funcional dependente da tarefa que assegure ao indivíduo ser
flexível na resolução eficaz dos problemas emergentes do jogo.
Associado ao conceito de variabilidade está o de graus de liberdade. O
número de graus de liberdade implicados num sistema tem uma relação
inversa com os constrangimentos que influenciam esse sistema. Se
atendermos a um exemplo do basquetebol verificamos que na primeira
tentativa de um atleta realizar um lançamento na passada o padrão exibido é
bastante imperfeito e instável. A sua organização espácio-temporal é
desajustada face ao objectivo de lançar a bola ao cesto. Na sua base encontra-
se a necessidade do indivíduo gerir imensos graus de liberdade, numa situação
onde o sistema de movimento do indivíduo pode fazer muito mais acções que
a de lançar na passada. Dado que o sistema-jogo de basquetebol é
caracterizado por um conjunto de elementos em interacção, os inúmeros graus
de liberdade à escala individual são exponenciados pela infinidade de
combinações que os indivíduos podem estabelecer com os colegas e
adversários. Sendo assim, ao indivíduo é-lhe requerida a capacidade de
ajustamento às condições envolventes, gerindo eficazmente os graus de
liberdade e estabilizando padrões de coordenação funcionais (Newell &
Vaillacourt, 2001). Recordamos que este processo resulta de ciclos contínuos
de percepção de informação contextual, reportada à organização funcional do
sistema de acção.
Previamente à implementação de tarefas de treino é imprescindível que
o treinador realize um diagnostico das debilidades e potencialidades do(s)
atleta(s) que o treinador tem a seu cargo. Neste âmbito, a sua análise deverá
centrar-se nos seguintes pontos:
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a) Quais as características da tarefa (objectivo, regras) em que se pretende
ter um desempenho eficaz?
b) A que fontes de informação dessa tarefa deve o atleta estar afinado?
c) O atleta tem movimento funcional acoplado a essas fontes de
informação?
d) Como se caracteriza o acoplamento informação-acção neste atleta?
e) O atleta pode antecipar mais cedo de modo a tornar as suas acções mais
fluidas?
Importa sublinhar que tanto na fase de diagnóstico como na fase que se
segue – intervenção - deverá ser possível reavaliar e reajustar os processos
tendo em conta a evolução da equipa. Sendo assim, após num primeiro
momento ter recolhido a informação considerada relevante é prioritário que o
treinador identifique os métodos que possam induzir adaptações no
comportamento decisional dos seus atletas.
A implementação de exercícios para a melhoria da capacidade
decisional passa por uma criteriosa gestão dos constrangimentos relativos à
tarefa, ao jogador e ao ambiente. Importa destacar que a sua intervenção no
treino deverá ser caracterizada por uma perspectiva complementar, sem
priveligiar uma das categorias em detrimento de outras. É precisamente pela
confluência de constrangimentos de diferente ordem que se dá a emergência
de padrões de coordenação direccionados para um objectivo. Nesta fase de
intervenção o objectivo do processo de treino deverá passar tanto pelo
reajustamento das acções associadas a insucesso (i.e, afinação) como pela
potenciação de acções que permitem atingir os objectivos a elas implícitos
(i.e., calibração). Sendo o basquetebol um desporto onde um grupo de
indivíduos coordena as suas acções para atingir um objectivo, existe espaço
para o desenvolvimento de aspectos de índole mais individual, mas sobretudo
da aplicação desses aspectos num quadro de coordenação inter-pessoal. Neste
sentido, a intervenção do treinador deverá atender a aspectos mais
relacionados com a dinâmica individual de um determinado atleta (e.g.,
desmarcar-se para o cesto sem mudança de direcção e/ou velocidade) como
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também à dinâmica colectiva (e.g., penetração em drible para o cesto sem que
os atacantes sem bola mais próximos constituam linhas de passe disponíveis).
A opção por uma exercitação em que o atleta mecanize uma acção sem
a sua componente perceptiva, não produz adaptações no tipo de relações
circulares entre percepção e acção que caracterizam o comportamento do
basquetebolista. Por oposição, o atleta deverá ser incentivado a agir no
contexto de forma a identificar informação que guie as suas acções
direccionadas para um objectivo. Logo, o ênfase deverá ser colocado no
objectivo a atingir, de forma a que o processo que o atleta adopta seja
eminentemente auto-organizado, por oposição a um processo prescritivo e
mecanizado.
Ainda no que respeita às tarefas propostas existe um princípio que
assume especial relevância. Na construção de situações proporcionadoras de
perícia, os constrangimentos nelas implicados deverão ser representativos do
contexto para o qual se pretende generalizar, isto é, o jogo (Araújo, Davids, &
Passos, 2007). Ou seja, as tarefas deverão conter em si informação disponível
a ser detectada pelo indivíduo que revele correspondência com o contexto
competitivo. Deste modo, é sugerido ao atleta que demonstre uma progressiva
sensibilidade à informação contextual que lhe reclama uma acção eficaz para
atingir um dado propósito. Isto porque, tal como foi anteriormente
referenciado, as variáveis informacionais possuem uma função canalizadora
para a emergência de modos de comportamento específicos para atingir um
dado objectivo (Turvey & Shaw, 1999). Ao invés de perseguir uma
reprodução fac-simile de um dado contexto de competição importa manter a
funcionalidade do jogo. Para isso, o treinador deverá assegurar que as
condições que possibilitam o funcionamento do jogador em competição
estejam presentes na tarefa proposta. Por outras palavras, o treino deve conter
affordances semelhantes às da competição. Este tipo de abordagem pode
contemplar, em algumas situações, a imposição de regras que não sejam
exactamente aquelas que o basquetebolista encontra no jogo formal. Por
exemplo, a possibilidade de realizar um exercício de 5x5, em meio-campo,
com duas bolas em simultâneo, poderá proporcionar à equipa em fase
defensiva um refinamento do seu potencial em realizar ajudas com rotação
16
defensiva. Embora a competição nunca proporcione a vivência de uma
situação com duas bolas em simultâneo, os benefícios que advêm da tarefa
atrás descrita poderão permitir à equipa resolver com maior proficiência as
perturbações provocadas na sua organização defensiva.
Os constrangimentos da tarefa assumem-se, provavelmente, como a
categoria mais relevante a ser manipulada pelo treinador no processo de
treino. O objectivo da tarefa normalmente é estabelecido numa ou mais
dimensões (espaço, tempo e número), mas a forma de se atingir esse objectivo
está constrangida pelas regras do desporto (e.g., regra de 3 segundos no
basquetebol), pelas regras apresentadas pelo treinador (e.g, a bola tem de
entrar pelo menos uma vez dentro da área restritiva antes da equipa poder
lançar ao cesto) e pelo material utilizado (e.g., aro de um cesto que não tem a
si associado uma mola). No capítulo seguinte iremos propor algumas tarefas
onde a concretização destas dimensões poderá tornar-se mais evidente.
O princípio de criar em treino situações favoráveis à ocorrência de
variabilidade funcional auto-organizada não pode ser confundida com uma
disponibilidade total para o jogador agir aleatoriamente. Isso seria ignorar,
entre vários aspectos, um dos elementos fulcrais do processo de treino: o
treinador. Aliás, a intervenção do treinador mediante instrução prévia à acção,
as informações verbais na acção ou as alterações de natureza organizacional
são considerados como constitutintes da própria dinâmica da tarefa e
indutores de comportamentos adaptativos. Para além destes métodos, o
treinador poderá também utilizar:
1) Amplificação das fontes de informação presentes no contexto. Por
exemplo, alguns treinadores poderão realçar com um colete de cor
diferenciada um ou mais jogadores em particular para que a equipa se torne
sensível ou “afinada” para detectar affordances para o passe.
2) Realização de gestos e acções não verbais. Por exemplo, a
associação entre um apito e a necessidade da equipa finalizar a acção ofensiva
com apenas 5 segundos remanescentes para o tempo de ataque poderá induzir
adaptações significativas no processo ofensivo da equipa.
17
3) Utilização de linguagem verbal. Este é um dos vectores
fundamentais da intervenção do treinador que corresponde ao feedback
aumentado, ou informação de retorno extrínseca verbal, e que pode
contemplar o método interrogativo. Contudo, a informação emitida deverá
centrar-se numa perspectiva de direccionar para o objectivo da tarefa.
A ideia a reter é que as informações suscitadas pela manipulação de
constrangimentos da tarefa não deverão ser passivamente recebidas pelos
jogadores e desencadeadoras de comportamentos estereotipados. Mas antes
deverão tornar-se disponíveis no contexto para o jogador explorar no treino,
tal como este explora a competição. Desta forma treina-se para o jogo, como
também o desempenho em jogo influencia o modo como se treina. Ao
treinador cabe estruturar tarefas de treino que promovam uma detecção
selectiva, por parte do atleta das fontes de informação contextual relevantes.
Mais do que verbalizar para o atleta o comportamento a realizar no momento
futuro, o treinador deverá recorrer à criatividade para construir tarefas de
treino que desenvolvam comportamentos decisionais autónomos (i.e., agir
para compreender).
O treinador poderá ainda intervir directamente no jogador, antes,
durante, ou após este realizar a tarefa representativa. Um exemplo de uma
intervenção fora da tarefa representativa (antes ou depois) é uma conversa no
balneário relativa à forma como o atleta lida com as decisões da arbitragem.
Ainda nesta categoria, o treino dos processos indirectos da tomada de decisão
(meta-decisionais) poderá assumir algum destaque. Este tipo de trabalho
consiste no desenvolvimento da compreensão estratégica do jogo (i.e.,
compreender para agir) com base em indicações que conduzam o jogador a
percepcionar uma fonte de informação mais relevante. Normalmente, utiliza-
se o visionamento de jogos ou a simulação de situações de jogo para
amplificar as fontes críticas de informação (e.g., posicionamento no ressalto
ofensivo tendo em conta a trajectória da bola no lançamento).
Adicionalmente é também possível intervir nos constrangimentos
estruturais do indivíduo. Por exemplo, pode-se colocar em confronto uma
equipa composta por atletas com estatura e robustez inferior e outra composta
18
por atletas de estatura e robustez mais elevada (i.e., ênfase na morfologia).
Trata-se assim de suscitar adaptações na coordenação colectiva que resultam
da necessidade de resolver uma série de problemas que a equipa adversária
lhe poderá colocar pela morfologia diferenciada, tanto nas suas acções
defensivas como ofensivas.
No que respeita à categoria “ambiente” a possibilidade de manipulação
é bastante mais limitada. Ainda que o leque de exploração possa ser diminuto,
com recurso a alguma criatividade é possível manipular constrangimentos
sociais (p.ex., presença de familiares ou de público no treino), factores
relacionados com as condições do recinto (p.ex., a temperatura ou a
luminosidade) ou até a dimensão organizacional da competição (p.ex., jogos
amigáveis, torneios regionais). Mas é importante notar que os
constrangimentos exercem a sua influencia em interação uns com os outros e
não por categorias.
Como promover no basquetebolista a descoberta de soluções que o
próprio treinador desconhece?
Ao longo deste capítulo foi nossa intenção enquadrar os conceitos da
dinâmica ecológica da tomada de decisão com exemplos práticos do
basquetebol. Importa agora centrarmo-nos nos processos de desenvolvimento
do comportamento táctico (i.e., decisional) do basquetebolista que, quanto a
nós, deverá passar pela promoção de uma variabilidade motora funcional que
lhe permita resolver com sucesso as tarefas emergentes do jogo. O treino da
tomada de decisão em contextos marcados por transições súbitas de padrões e
por alternância entre períodos de estabilidade e instabilidade, característicos
do jogo de basquetebol, favorece métodos de treino que promovam a
variabilidade (e não a estabilidade inerente a uma solução “óptima”). Ao
determinar-se previamente o comportamento do atleta num exercicio de
treino, com uma solução pré-determinada, inibe-se a descoberta de soluções
mais ajustadas de acordo com as características do atleta e da situação, obtidas
através da exploração do contexto. O basquetebolista formatado para
reproduzir acções ”pré-fabricadas”, que o treinador tendencialmente procura
19
complexificar com o intuito de se aproximarem ao jogo, não consegue
identificar o essencial do fenómeno, isto é, os factores críticos para que o
sistema defensivo adversário esteja a impedir o sucesso de uma “jogada
estudada” no ataque. Mais do que treinar o aperfeiçoamento de um conjunto
de soluções pré-concebidas importa conduzir a acção dos atletas mediante
uma manipulação criteriosa de constrangimentos diversificados. É da
interacção entre os constrangimentos implicados no sistema indivíduo-
ambiente que são definidas as vias de acção que permitem atingir o objectivo
da tarefa. A tarefa deve asssim proporcionar uma afinação progressiva do
atleta a variáveis perceptivas relevantes, para que as soluções ajustadas às
circunstâncias emirjam. Para que o objectivo seja atingido, a tarefa concebida
pelo treinador deverá respeitar os princípios da representatividade do jogo já
referidos.
Em seguida, apresentamos um conjunto de tarefas que pretendem
ilustrar como a manipulação de constrangimentos poderá criar condições para
a emergência de determinados padrões colectivos de organização, focados na
obtenção de objectivos previamente diagnosticados, sem que o treinador
determine o processo de os atingir. Destacamos que estas propostas não
deverão ser entendidas como uma “receita”, à semelhança dos manuais de
“1001 exercícios”, mas sim como veículos indutores de uma reflexão que
permita aos treinadores construir tarefas de treino onde a manipulação dos
constrangimentos considerados pertinentes concorra para a obtenção de um
determinado objectivo.
A estrutura destas propostas assenta num diagnóstico inicial onde
simulamos uma problemática frequente em equipas de basquetebol, seguindo-
se a definição de objectivos a serem cumpridos pelos jogadores, a descrição
da tarefa proposta e um conjunto de regras adicionais que poderão vir a ser
incluídas à medida que os atletas vão resolvendo a tarefa. Posteriormente,
apresentamos as características dos comportamentos teoricamente esperados
pelos jogadores na realização da tarefa, tendo em conta os objectivos
propostos, e uma descrição funcional que visa clarificar o processo de
adaptação suscitado pela tarefa aos atletas que a executam.
20
Tarefa 1
Diagnóstico
Uma equipa na fase defensiva ganha o ressalto e não consegue realizar
uma transição defesa-ataque que permita tirar vantagem da desorganização
momentânea do opositor e criar situações de superioridade numérica perto do
cesto adversário. Apresenta acções desfazadas das oportunidades oferecidas
pelos adversários e criadas pelos próprios colegas, o que conduz à perda
frequente da posse de bola. Adicionalmente, a aglomeração excessiva dos
jogadores em torno da bola ou atrás da linha da bola diminui,
respectivamente, a ocupação horizontal do campo (movimentos direccionados
para a linha lateral) e a ocupação vertical do campo (movimentos
direccionados para a linha final).
Possíveis causas
Coordenação desajustada da abertura de linhas de passe nos espaços
livres, próximos ou distantes da zona de conquista do ressalto defensivo, com
as acções dos colegas de equipa e dos adversários. Adaptação insuficiente da
velocidade de circulação e de progressão da bola, respectivamente, por
intermédio do passe ou do drible, às acções dos colegas de equipa e dos
adversários. Leitura desajustada das possibilidades decorrentes das acções dos
colegas e dos adversários.
Descrição da tarefa
Situação de 4x2 que tem início com quatro defesas (a azul) dentro da
área restritiva e dois atacantes (a verde), ambos com bola, na zona de lance
livre. Após lançamento ao cesto pelos atacantes a equipa que defende disputa
o ressalto e realiza a subsequente transição para o ataque (no sentido das setas
azuis) com ocupação obrigatória dos 4 corredores de transição (delimitados
pelas linhas a tracejado vermelhas) para converter um cesto. Os jogadores que
lançaram, recuperam defensivamente para o seu meio-campo. O jogador com
21
bola não pode realizar mais de 3 dribles enquanto que o jogador sem bola tem
de se deslocar à frente da linha da bola. Não são permitidos passes para trás da
linha da bola (linha que intersecta a bola perpendicular à linha lateral). Após
terem atingido o final do corredor de transição os atacantes deixam de estar
condicionados pelos corredores na sua movimentação (Figura 1).
Figura 1 – Situação de 4x2, em campo inteiro, característica de uma transição defesa-ataque.
A equipa representada pelos círculos azuis disputa o ressalto defensivo e ataca na direcção
das setas azuis; a equipa representada pelos trapézios verdes defende, após ter lançado ao
cesto; a bola está representada pelo círculo castanho; os corredores de transição estão
representados pelas linhas a tracejado vermelhas.
Pretende-se:
- Sincronizar os padrões de coordenação colectiva de forma a que os
deslocamentos de aproximação ou de afastamento em relação à bola
(i.e., em direcção ao cesto adversário) se realizem de acordo com as
possibilidades decorrentes da movimentação dos colegas e
adversários;
- Percepcionar as possibilidades decorrentes das acções dos colegas de
equipa e dos adversários, para circular a bola de forma oportuna,
evitando a sua perda, e assim criar situações de finalização;
- Percepcionar as possibilidades decorrentes das acções dos colegas de
equipa e dos adversários, para progredir a bola através do drible,
evitando a sua perda, e assim criar situações de finalização.
22
Comportamentos esperados
- Coordenar as acções dos atacantes no espaço e no tempo, evitando a
perda de bola e explorando as situações de finalização;
- Utilizar o drible e o passe de forma oportuna para aproximar
rapidamente a bola do cesto adversário e assim explorar a vantagem
numérica para converter lançamentos;
- Criar linhas de passe nos espaços livres próximos e distantes da bola
para assegurar uma distribuição horizontal do campo (movimentos
direccionados para a linha lateral) e uma distribuição vertical do
campo em termos ofensivos (movimentos direccionados para a linha
final) que permita circular a bola, explorar a vantagem numérica e
converter lançamentos.
Constrangimentos adicionais a manipular na tarefa
- Colocação de mais defensores e/ou atacantes;
- Limitar o tempo máximo para a conclusão da transição (e.g., 9
segundos);
-Variar a posição dos defensores criando duas ou mais linhas
defensivas, por exemplo, uma sobre a linha de meio-campo e outra
sobre a linha de 3 pontos no meio-campo da equipa que defende.
Descrição funcional
Esta tarefa permite que os atacantes realizem a transição defesa-ataque
explorando a vantagem numérica em relação ao defensores. A existência
simultânea de duas bolas obriga a que o jogador em posse detecte e realize as
affordances de passe para um colega, para que possa receber a segunda bola
num momento imediato. Dado que existe um limite de 3 dribles para o
jogador com bola progredir, a continuidade do movimento ofensivo depende
também da detecção de affordances para a recepção, à frente da linha da bola,
23
por parte dos outros elementos. Logo, criam-se condições para a progressão
rápida da bola, mediante a utilização oportuna do drible ou do passe com uma
distribuição horizontal e vertical no campo que permita criar situações de
finalização. Isto porque tanto o portador da bola como os restantes jogadores
são induzidos a explorar as variáveis perceptivas existentes no contexto para
atingir os objectivos a que se propõem. Para que a detecção das affordances
aconteça, os jogadores devem estar afinados à informação relacionada com a
velocidade relativa e com o posicionamento no espaço dos jogadores. Por
último, a existência de corredores que condicionam o deslocamento dos
jogadores favorece a circulação da bola à largura do campo (em direcção à
linha lateral), o que possibilita a criação e o aproveitamento de situações de
finalização.
Tarefa 2
Diagnóstico
Uma equipa ao jogar na fase ofensiva desenvolve um ataque
posicional (i.e., uma situação ofensiva no meio-campo adversário
normalmente em igualdade numérica com o opositor) em que a circulação da
bola é realizada predominantemente em zonas afastadas do cesto, embora
pretenda aproximar-se do cesto, e consequentemente lançar com sucesso.
Dado que a equipa que ataca raramente realiza lançamentos exteriores (perto
da linha de 3 pontos), a defesa não tem necessidade de se expandir para longe
do cesto (o que resultaria na criação de mais espaço livre em zonas próximas
do cesto) de forma a impedir esse tipo de lançamentos. Por sua vez, esta
elevada concentração de defensores em zonas próximas do cesto impede a
ocorrência de penetrações em drible e de lançamentos bem sucedidos.
Possíveis causas
Coordenação desajustada dos deslocamentos dos atacantes nos espaços
livres próximos do cesto. Incapacidade em detectar e agir sobre possibilidades
de execução de passes para zonas próximas do cesto. Incapacidade em
detectar e agir sobre possibilidades de execução de penetrações em drible para
24
zonas próximas do cesto. Insuficiente eficácia de lançamento em zonas
distantes do cesto.
Descrição
Situação de ataque posicional 4x3+1 onde a equipa que ataca tem
quatro jogadores (a azul) e a equipa que defende (a verde) quatro defensores,
embore um deles se encontre momentâneneamente fora do campo no início da
tarefa. A equipa que ataca procura converter um lançamento e a que defende
recuperar a posse de bola, impedindo lançamentos com sucesso. Esta tarefa
decorre em meio-campo em que o espaço correspondente à área restritiva é
alargado (área a vermelho), tendo em conta as medidas oficiais (ver figura 2).
A permanência de defensores nessa área é restringida a um limite temporal de
3 segundos, à semelhança do que as regras prevêem para os atacantes. O 4º
defensor aguarda 4 segundos antes de entrar no campo e participar na tarefa.
Figura 2 – Situação de 4x3+1, em meio-campo, característica de um ataque posicional. A
equipa que ataca está representada pelos círculos azuis; a equipa que defende está
representada pelos trapézios verdes; a bola pelo círculo castanho; a área a vermelho
representa o alargamento da área restritiva (delimita uma zona onde o atacante não pode
permanecer mais do que 3 segundos) para dimensões superiores ao que as regras oficiais
determinam.
Pretende-se:
25
- Percepcionar posssibilidades de acção relativas ao desenvolvimento
de situações de jogo interior à defesa (passes, desmarcações ou
penetrações em drible em zonas próximas do cesto) de forma a criar
situações de lançamento com maior eficácia ofensiva;
- Detectar possibilidades de acção relativas ao desenvolvimento de
situações de jogo exterior à defesa (passes, desmarcações ou
penetrações em drible em zonas afastadas do cesto) de forma a criar
situações de lançamento sem oposição.
Comportamentos esperados
- Realização de passes que aproximam a bola da linha final, em zonas
próximas do cesto, de forma a criar situações de finalização;
- Execução de desmarcações (i.e., afastamento do adversário) em
espaços livres próximos do cesto que permitam a recepção de passes
que conduzam a situações de finalização;
- Procura activa da expansão (aumento da distância inter-pessoal
defensiva) e contracção da defesa (diminuição da distância inter-
pessoal defensiva) em resultado da alternância entre situações de jogo
exterior à defesa e situações de jogo interior à defesa, para assim criar
situações de finalização.
Constragimentos adicionais a manipular na tarefa
- Aumentar o número de atacantes e/ou defensores;
- Premiar com 1 ponto adicional a situação ofensiva em que a bola
tenha circulado em zonas próximas do cesto (área a vermelho
assinalada na figura 2), antes de um lançamento bem sucedido;
- Premiar com 2 pontos adicionais a conversão de um lançamento
realizado em zonas próximas do cesto (área a vermelho assinalada na
figura 2).
26
Descrição funcional
Pelo facto desta tarefa apresentar uma área próxima do cesto
condicionadora da presença de atacantes com dimensões superiores às
formais (ver figura 2), ocorre uma amplificação dos aspectos contextuais
relevantes para a detecção de affordances relacionadas com passes para
atacantes sem bola desmarcados. Paralelamente, a regra que condiciona a
presença dos defensores nessa área por um período superior a 3 segundos
provoca uma diminuição do número de defesas em zonas próximas do
cesto, o que releva a informação necessária para a percepção das
affordances atrás descritas bem como para a penetração em drible do
atacante para o cesto. Assim sendo, criam-se condições para uma maior
frequência de desmarcações, de passes bem sucedidos para jogadores em
zonas próximas do cesto e de penetrações em drible. Adicionalmente, a
inferioridade numérica defensiva, de carácter temporário, cria mais espaços
livres, o que convida a equipa que ataca a explorar o contexto (onde as
possibilidades de acção se encontram mais evidentes) para encontrar as
soluções mais eficazes.
Conclusão
Os atletas decidem o que fazer e onde fazer pela percepção de
variáveis contextuais disponíveis em cada momento. As decisões pré-
fabricadas são úteis nas situações em que o adversário “concorda” em fazer a
coreografia treinada. Mas, provavelmente isso acontece poucas vezes no jogo!
Por outro lado, o modo como se regula o comportamento para detectar e
realizar affordances é dinâmico e adaptativo, o que indica que há múltiplas
formas (muitos comportamentos) de se atingir o mesmo fim.
O processo de treino deverá ter um enfoque no promoção de
comportamentos robustos, suportados na estabilização de padrões acoplados a
informação contextual relevante, e flexíveis, onde a variabilidade auto-
organizada converge para o cumprimento dos objectivos da tarefa.
O progressivo afunilamento das vias de acção disponíveis para atingir
um dado objectivo decorre pela utilização de informação especificadora e pela
27
canalização promovida por constrangimentos de diversa ordem. Neste sentido,
o treinador assume um papel determinante na construção de tarefas de treino
que amplifiquem determinada informação contextual e que, pela influência
dos constrangimentos nela implicados, contribuam directamente para a
regulação do processo decisional dos atletas. Logo, mais do que verbalizar ou
mecanizar uma solução importa criar condições para que os atletas detectem
as affordances disponíveis, como meio de seleccionar modos de acção. Para
que isto aconteça, o atleta deverá desenvolver uma afinação perceptiva à
informação que o rodeia de forma a acoplar soluções motoras que lhe
permitam agir de forma eficaz. Assim sendo, as tarefas de treino devem
proporcionar acoplamentos percepção-acção que sejam representativos
daqueles que os atletas encontram na competição.
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