literatura infantil

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1 Disciplina LITERATURA INFANTIL UNIVERSAL Coordenadora da Disciplina PROFESSORA DOUTORA EDILENE RIBEIRO BATISTA Edição 2013.1 Licenciatura em LETRAS - PORTUGUÊS Universidade Federal do Ceará - UFC

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1

Disciplina

LITERATURA INFANTIL UNIVERSAL

Coordenadora da Disciplina

PROFESSORA DOUTORA EDILENE RIBEIRO BATISTA

Edição 2013.1

Licenciatura em

LETRAS - PORTUGUÊS

Universidade Federal do Ceará - UFC

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SUMÁRIO

AULA 01: LITERATURA INFANTIL E GÊNEROS LITERÁRIOS 04 TÓPICO 01: LITERATURA INFANTIL 05

TÓPICO 02: GÊNEROS LITERÁRIOS 18

TÓPICO 03: CONTOS DE FADA: ERA UMAVEZ... 26

AULA 02: CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E LEITURA DA IMAGEM 31 TÓPICO 01: RECURSOS TÉCNICOS DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS 32

TÓPICO 02: ROTEIRO PARA A SELEÇÃO DE LIVROS DE FICÇÃO 314

TÓPICO 03: LEITURA DA IMAGEM 36

AULA 03: RELAÇÃO DA LITERATURA INFANTIL COM A LUDICIDADE E A INTERDISCIPLINARIDADE 40 TÓPICO 01: LITERATURA INFANTIL E OS ESTÁGIOS PSICOLÓGICOS DA CRIANÇA 41

TÓPICO 02: O TRABALHO INTERDISCIPLINAR 43

TÓPICO 03: LITERATURA E LUDICIDADE 54

AULA 04: LITERATURA INFANTIL: PROSA E POESIA 59 TÓPICO 01: O ENCONTRO COM OS CLÁSSICOS 60

TÓPICO 02: A POESIA NA LITERATURA INFANTIL 65

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Prezados/as alunos/as,

Sejam bem-vindos/as aos estudos vinculados à Literatura Infantil Universal!

Eu sou a Professora Doutora Edilene Ribeiro, conteudista dessa disciplina.

Nela, nós analisaremos a importância da literatura infanto-juvenil, os gêneros

discursivos que ela abrange, técnicas de contação de histórias, ludicidade,

interdisciplinaridade..., entre tantos outros assuntos interessantes e de fundamental

importância na formação de alunos/as leitores/as críticos/as.

Nosso objetivo é que, por meio do contato com os estudos literários (em

nosso caso, voltado para um público específico - o infantil), vocês possam ter

fundamentos teóricos e instrumentos didático-pedagógicos que os/as auxiliem em suas

atividades metodológicas em sala de aula no que se refere ao incentivo à leitura.

Pensando nisso, elaboramos o presente material que, acreditamos, será de grande

utilidade, não só durante este semestre, mas, também, em sua prática docente futura.

A literatura infanto-juvenil é mágica e, por isso mesmo, contagiante. Sendo

assim, esperamos que vocês se sintam envolvidos/as, no decorrer de nossos estudos, por

esse universo maravilhoso, repleto de fantasias, que vocês, a partir de agora, começaram

a adentrar.

Venham! Aprendam! Divirtam-se e compartilhem o gosto pela leitura com

todos/as aqueles/as que estiverem à sua volta.

Bons estudos!!!

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AULA 01:

LITERATURA INFANTIL E GÊNEROS LITERÁRIOS

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TÓPICO 01: LITERATURA INFANTIL

Edilene Ribeiro Batista

Etimologicamente falando, literatura deriva da palavra “literatura”, que foi

retirada do substantivo grego “Itteratura”, derivada do radical “littera” (letra), e que

significa saber relativo à arte de escrever e ler, gramática, instrução, erudição. O

“litteratus” era o homem conhecedor da gramática, aquele que sabia decifrar e codificar

as letras e que, por isso mesmo, tinha privilégios sociais e culturais.

Hoje, vê-se a literatura como fenômeno estético, como uma arte – a arte da

palavra. Seu valor está no aspecto estético que ela possui e na finalidade de despertar no

leitor um tipo especial de prazer, que é o sentimento estético. Podemos ainda dizer que

literatura é uma forma de comunicação do homem transmissor (escritor) com o receptor

(leitor). Comunica-se um conteúdo imaterial: uma ideia (mensagem) que, para se tornar

perceptível, precisa de materializar-se, o que ocorre com o signo (que é o sinal, o código

estabelecido. No caso da literatura, o código seria a palavra escrita). Finalmente, a obra

é um objeto social. Para que ela exista, é preciso que alguém a escreva e que outro

alguém a leia.

O mundo da literatura é o mundo do possível. A ficção, mesmo quando

recebe sugestões do real, não tem por obrigação copiá-las, reproduzi-las fielmente. Não

duvida que a ficção tem raízes na experiência humana. Mas o que distingue das outras

formas é que ela é uma transfiguração da realidade. Por meio das palavras, o escritor –

baseado no mundo real – cria um mundo ficcional, que nada mais é que uma criação,

um fingimento da realidade:

A literatura é uma forma artística de comunicação e não visa

apenas transmitir o fato, ela tece o acontecido, transforma-o,

dando-lhe o traje mágico e emocional, tornando-o sadio e

atraente para o engajamento da criança nele (PAULINO, 1997:

118).

Assim, o texto literário passa a ser visto pelo prisma de que ele reflete não

apenas o imaginário, pois ele se consolida na relação indireta com a realidade, o que

corresponde, na prática, à teoria aristotélica da mímeses. O texto é uma transmutação da

realidade. Desta feita, ele deve ser capaz de informar ao leitor mas, sobretudo, deve

levá-lo a obter um prazer estético que advém do seu poder de catarse. É nessa

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perspectiva que Ezequiel Theodoro da Silva afirmará que “a literatura é uma forma de

encontro entre o homem e a realidade sócio-cultural; o livro [...] é sempre uma emersão

do homem no processo histórico, é sempre a encarnação de uma intencionalidade, por

isso mesmo ‘sempre reflete o humano’”.

Dentre as várias vertentes abarcadas pela literatura, tem-se os textos

destinados ás crianças, a chamada literatura infantil.

Hoje em dia, segundo afirma Rogério Drago, “o lúdico, o imaginário está

sendo esquecido, mutilado e trocado por objetos eletrônicos individualistas, por excesso

de gestos agressivos, etc. Falta diálogo, falta conversa”.

A televisão, o vídeo game e tantas outras formas de diversão têm substituído

o prazer que a criança sente quando entra em contato com o texto literário. Mais do que

nunca se sente a necessidade de resgatar o que está sendo perdido – o gosto pela leitura,

pela expressão oral e corporal, pela manifestação dos sentidos e dos sentimentos.

Em artigo publicado pela Revista AMAE/out.94, encontramos:

Não está só na escola a responsabilidade de formar o leitor.

Todo esse fabuloso processo deve ter início no lar, quando a

criança ainda é pequena. Mais tarde, ao se alfabetizar, já será um

leitor em potencial. A grande dificuldade encontrada pelos pais

e educadores é que a criança não quer saber de nada disso: o que

ela quer é brincar, ter prazer, ser feliz... Criança quer distância

de obrigações. Tudo bem! O livro também serve para isso, basta

transformá-lo numa brincadeira divertida.

Em citação a Fanny Abramovich, Rogério Drago afirma: “é ouvindo

histórias que se pode sentir [também] emoções importantes como tristeza, a raiva, a

irritação, a tranquilidade, e tantas outras mais, e viver profundamente tudo o que as

narrativas provocam em quem as ouve”.

Além de proporcionar um aprendizado emocional, a literatura propicia

também uma série de situações favoráveis a novas descobertas: “contato com a

musicalização, com locais, com fatos históricos e geográficos, datas: trabalha-se com

melodia, ritmo, expressão, oralidade e tantas outras formas de interdisciplinares de

socialização e aprendizado” (DRAGO, 1998: 10). Quando a criança entra em contato

com o universo literário, ela coloca em desenvolvimento outras funções afetivas,

cognitivas e emocionais; portanto, cabe ao professor se concentrar na importância desse

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ato pedagógico que envolve “descoberta, experimentação, prazer, fruição, introspecção,

discussão e crítica” (FLÔRES, 1996:25).

De acordo com Olga Reverbel, os benefícios das histórias infantis são:

Despertar para a leitura, para a interpretação, para a expressão.

Permitir que o aluno se auto-expresse, explorando todas as formas de

comunicação humana.

Desenvolve o intelecto da criança.

Auxilia, a criança, a atuar nas mais diversas questões referentes a seu

meio, tais como ganhar, perder morte, vida etc.

Outros aspectos podem ser acrescentados a esta listagem, tais como:

Palavras novas são aprendidas, músicas são ouvidas e cantadas,

culturas são conhecidas, etc.

Estimula a criatividade e proporciona prazer estético.

Desenvolve habilidades intelectuais e espirituais.

Desde os tempos mais remotos, as histórias têm sido narradas, de geração

para geração, pela oralidade. Em Quer ouvir uma história?, Heloísa Prieto estabelece

que “quando o professor se senta no meio de um círculo de alunos e narra uma história,

na verdade cumpre um desígnio ancestral. Nesse momento, ocupa o lugar do xamã, do

bardo celta, do cigano, do mestre oriental, daquele que detém a sabedoria e o encanto,

do porta-voz da ancestralidade e da sabedoria. Nesse momento ele exerce a arte da

memória” (PRIETO, 1999:41) e rememora os tempos em que cantadores de histórias

saíam de vilarejo em vilarejo encantando as pessoas com suas narrativas maravilhosas.

Ainda hoje, adultos e crianças sentem-se transportados, ao som de textos de

encantamento, a mundos fantásticos, repletos de reis e rainhas, fadas e bruxas e toda

sorte de seres mágicos que povoam o nosso imaginário:

Vindas do espaço sideral, o Outro Mundo, como diziam os

celtas, do tempo dos sonhos, como acreditavam os aborígenes,

do inconsciente coletivo, como afirma a teoria junguiana, as

histórias nos cercam, formando um tecido diáfano, transparente,

imperceptível ao olhar desatento, mas extremamente poderoso,

um fio condutor no labirinto das nossas vidas (PRIETO, 1999:

45).

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Não é, pois, de duvidar que ouvir histórias simboliza, antes de tudo, viver

um momento mágico de prazer e divertimento; reportar a situações que provoquem

emoções, saudades, lembranças ressurgidas; aguçar o senso crítico e despertar a

criatividade. Para isso, como afirma Fanny Abramovich, é importante que o cantador

saiba utilizar, e bem, seu maior instrumento – a voz:

Para contar uma história – seja qual for – é bom saber como se

faz. Afinal, nela se descobrem palavras novas, se entra em

contato com a música e com a sonoridade das frases e nomes...

Se capta o ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma

canção... Ou se brinca com melodia dos versos, com acerto das

rimas, com jogo das palavras... Contar histórias é uma arte... e

tão linda!!! É ela que equilibra o que é ouvido com o que é

sentido, e por isso não é nem remotamente declamação ou

teatro... Ela é o uso simples e harmônico da voz

(ABRAMOVICH, 1997:18).

No Brasil, em semelhança ao que ocorreu na Europa do século XVIII, a

literatura infantil passou por um período de ascensão entre final do século XIX e início

do século XX; entretanto, esse mesmo texto servia aos interesses educacionais. A escola

passava a ser o paradigma a ser seguido, assim, a literatura acompanhava seus padrões,

suas regras. Objetivava-se adaptar a criança aos moldes escolares; o pensamento crítico

era ignorado, bem como o discurso estético. Sobressaia-se as funções utilitária e

didática do texto literário, visando o ensinamento de regras de comportamento,

valorizando a intenção moralizante do texto. A consequência de tal atitude foi a atrofia

do gosto de ler.

Ainda no Brasil, na década de 80, ocorre o boom da literatura infantil. O

livro passa a ser considerado elemento imprescindível ao crescimento intelectual e

cultural. Começam a surgir programas de promoção da leitura. Estudos, seminários e

publicações na área de literatura infantil começam a ser realizados:

São tentativas de democratização do livro num país em que as

restrições econômicas da população só permitem esse tipo de

investimento para uma faixa escassa. Portanto, são iniciativas

que só se dimensionam em países não desenvolvidos

(CADEMARTORI, 1995:17).

Inúmeros livros destinados a crianças passam a ser publicados; mas,

infelizmente, obras de pouca qualidade, o que propicia a seguinte afirmativa de Antonio

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Candido: “Talvez o mais difícil de todos os gêneros literários seja a história para

criança. Gênero ambíguo, em que o escritor é forçado a ter duas idades e pensar em dois

planos: que precisa ser bem escrito e simples, mas ao mesmo tempo bastante poético

para satisfazer um público mergulhado em visões intuitivas e simplificadoras”.

Tal pressuposto reafirma a posição de diversos estudiosos da área: literatura

infantil não é literatura menor, ela enfrenta os mesmos problemas de um mau romance,

uma má crônica e assim por diante.

Horácio, na antiga Roma, propunha que a arte fosse “doce e útil”. Ora, em

se tratando de literatura infantil, o texto deve cumprir dupla função: encantamento

(correspondente à função estética da literatura) e utilidade pelo atendimento às questões

históricas, sociais, etc. Assim, ao texto cumpre divertir – vez que é instrumento de

ludicidade - e instruir ao mesmo tempo.

Ler... Que magia! Ler é “suscitar o imaginário, é ter a curiosidade

respondida em relação a tantas perguntas, é encontrar outras ideias para solucionar

questões [...]. É uma possibilidade de descobrir o mundo dos conflitos, dos impasses,

das soluções que todos vivemos e atravessamos...” (ABRAMOVICH, 1997:17). É por

essas e outras questões que Richard Bamberg, entre outros, salienta a importância do

hábito de ler. Afinal, o texto só alcança sua manifestação plena na literatura e só atinge

o leitor se esse for capaz de interpretá-lo. Interpretar é o caminho da descoberta e ao já

interpretado cabe a reinterpretação; sim, porque a cada releitura o texto revela um poder

de imantação antes desapercebido.

“Fruir o texto significa descobrir a vida enredada em suas malhas. Significa

perceber a realidade de forma mais palpável através da impalpável trama da linguagem”

(VARGAS, 2000: 07). É na tessitura do texto que se tece o tecido da imaginação. E,

nesse universo ficcional, as crianças se projetam, até a forma inconsciente, tentando

sublimar ou mesmo encontrar respostas para seus problemas existenciais. Não é à toa,

pois, que Maria Helena Martins, em O que é literatura, p. 48, afirma que o ato de ler, e

aqui poder-se-ia acrescentar o ato de ouvir histórias, “nos faz ficar alegres ou

deprimidos, desperta a curiosidade, estimula a fantasia, provoca descobertas,

lembranças...”, propicia um crescimento pessoal, auxilia na compreensão do mundo e na

transformação individual. A imaginação é aguçada e a crítica pessoal passa a ser

desenvolvida. Assim, o leitor/ouvinte de histórias infantis começa a vislumbrar “como a

realidade poderia ser diferente” (SILVA, 1986:26). Com isso, o espírito de cidadania, o

desejo de transformação do mundo e de si mesmo começam a ser despertados, pois que

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ele passa a acreditar no fato de que “falo, ouço; escrevo, leio; volto-me ao outro,

comunico-me. Situo-me com os outros; busco a união através das coisas do mundo. Esta

busca é medida por um determinado tipo de linguagem – sem ela inexistiria a

possibilidade de expandir as minhas experiências e de participar da transformação da

cultura. Ganho minha existência, passo a existir à medida em que me situo dentro do

mundo sígnico que me envolve, dentro das linguagens captadas pela minha percepção e

levadas até a minha consciência” (SILVA, 1991: 65,66). Assim, em uma educação

voltada para o século XXI, é de fundamental importância o hábito de leitura, do ouvir e

do contar histórias. Isso porque, dentre outros aspectos, a leitura/literatura propicia o

desenvolvimento linguístico – fator fundamental quando se trata da língua/linguagem

enquanto instrumento de poder ou quando se aborda a ideia da produção, interpretação,

reflexão crítica e imaginativa do texto literário como facilitador do acesso do educando

aos bens culturais e ao exercício da cidadania.

Poder-se-ia, aqui, abrir alguns parênteses para algumas poucas reflexões

acerca deste tema.

Mais do que nunca a linguagem vem ganhando papel primordial no cenário

atual e mundial. Seu poder é inquestionável. Ela é capaz de mover multidões,

desencadear guerras ou estabelecer a paz; transformar indivíduos e possibilitá-los a

romper barreiras sociais. Ela encobre mentiras na mesma proporção em que pode fazê-

las se revelar; encoraja o indivíduo ou o abate... Sua força é realmente incontestável. É

nesse sentido que se torna imperativo capacitar o indivíduo a uma defesa social por

meio da linguagem, ajudando-o também a crescer na modalidade escrita, “cujos

produtos podem circular e produz mais criatividade e maior confiança dos indivíduos na

expressão dos seus próprios pensamentos” (GNERRE, 1987:47).

A capacitação do indivíduo quanto à descoberta e difusão de seu potencial

linguístico deve ser abarcada por uma visão democrática social. Afinal, como estabelece

Gonçalves Filho:

A língua é um grande projeto de formação da cidadania, por

meio da qual o homem toma conhecimento dos direitos que lhe

garantem e protegem a vida, nas condições de produção de sua

vida social e individual [...]. O domínio da língua significa o

ingresso no universo de homens livres, gera resistência à

opressão. Ao homem que é negado o direito de falar e escrever,

tudo lhe é negado (FILHO, 1991:15).

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De fato, a competência linguística auxilia no aprimoramento cultural e na

capacitação do indivíduo para o ingresso na chamada sociedade letrada, bem como

funciona como instrumento necessário na luta contra a desigual distribuição de

privilégios sociais, econômicos e culturais. “O domínio da norma culta contemporânea,

consequentemente, é a “ferramenta” mais importante para a superação das

desigualdades sociais”.

Uma das grandes formas de incorporação da língua-padrão e do

posicionamento crítico frente às injustiças sociais é o hábito de ler, ouvir e contar

histórias. E para que esse hábito se efetive, importante é formá-lo, desde a mais tenra

idade, como o convívio da criança com livros sem texto, com histórias narradas pela

imagem – a chamada leitura de imagem. Mais uma vez, descortina-se a importância da

literatura infantil. Assim, deter-se ao universo do livro; decifrar seu código; sentir seu

cheiro – eis a magia que deve ser perpassada constantemente. Por isso, leia...

Leia livro, leia folheto

Leia revista, leia jornal

Leia bula de remédio, panfletos e notícias

Mas leia!

Leia pesquisa, encartes e poesias

Mas leia!

Leia crônicas, contos, fábulas e mitos

Mas leia!

Depois conte...

Conte uma história,

Um caso, uma piada

Um fato banal

Mas conte!

E então transforme...

Transforme os que te cercam:

Os que te ajudam,

Os que escutam,

Os que estudam,

Os que ouvem

Atendem, meditam

Mas transforme!

Afinal, já dizia Guimarães Rosa: “O que eu vi sempre, é que toda ação

principia mesmo é por toda palavra pensada.

Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumos”.

Rompa os rumos. Leia, escute e conte uma história!

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Referências:

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:

Scipionse, 1997.

BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura. São Paulo: Ática, 1986.

BECHARA, Evanildo. Ensino da gramática: opressão? liberdade? São Paulo: Ática,

1986.

BORDIN, Maria da Glória. Literatura na escola de 1º e º graus: por um ensino não

alienante. A literatura infantil no Rio Grande do Sul. Relatório de pesquisa. Porto

Alegre – Centro de Pesquisas Literárias: PUC/RS, 1980.

CADEMARTORI, Ligia. O que é literatura infantil. São Paulo: Brasiliense, 1994.

FILHO, Antenor A. Gonçalves. Língua portuguesa e literatura brasileira. São Paulo:

Cortez, 1990.

GNERRE, Maurizzio. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura. São Paulo: Brasiliense, 1993.

PAULINO, Graça (org.) O jogo do livro infantil: textos selecionados para a formação

de professores. Belo Horizonte: Dimensão, 1997.

PRIETO, Heloísa. Quer ouvir uma história? Lendas e mitos do mundo da criança. São

Paulo: Angra, 1999.

REZENDE, Stela Maris. Graciliano Ramos e a literatura infantil. Brasília, 1988 (Tese

de Mestrado).

SILVA, Ezequiel Theodoro da. Elementos de pedagogia da leitura. São Paulo: Martins

Fontes, 1988.

_______________________. Leitura na escola e na biblioteca. São Paulo: Papirus,

1986.

_______________________. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova

pedagogia da leitura. São Paulo: Cortez, 1991.

SILVA, Ezequiel Theodoro da & ZILBERMAN, Regina. Leitura: perspectivas

interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1991.

VARGAS, Suzana. Leitura: uma aprendizagem de prazer. Rio de Janeiro: José

Olympio, 2000.

FÓRUM:

Vamos estender nossa discussão sobre literatura infantil, fazendo a leitura dos seguintes

textos complementares:

1. “Literatura infantil: arte literária ou pedagógica?” (Nelly Novaes Coelho).

2. “Por uma arte de contar histórias” (Fanny Abramovich).

Após a realização da leitura dos textos acima propostos, reflita e discuta, com seus/suas

colegas e com o/a tutor/a de sua turma, as questões abaixo elencadas:

- Qual a importância da literatura infantil na formação leitora da criança?

- O que caracteriza o texto literário voltado para o público infanto-juvenil?

- A literatura infantil pertence à arte literária ou à arte pedagógica? Ela deve instruir

e/ou divertir?

- Como a criança pode ser beneficiada por meio da audição e leitura de histórias?

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- Por que é importante ler e contar histórias para as crianças?

- O que deve ser observado na contação de histórias?

Lembre-se que outras questões podem ser suscitadas pela turma e discutidas nesse

fórum.

14

LEITURA COMPLEMENTAR 1:

LITERATURA INFANTIL: ARTE LITERÁRIA OU PEDAGÓGICA?

Nelly Novaes Coelho

Evidentemente, a localização das origens da literatura infantil em remotas

expressões da literatura adulta por si só não explica as diferentes formas que ela vem

assumindo desde que, no século XVII, começou a ser escrita especialmente como tal:

literatura para criança.

O que se pode deduzir, diante das tendências que ela vem seguindo nestes

três séculos de produção, é que um dos primeiros problemas a suscitar polêmica, quanto

à sua forma ideal, teria sido o de sua natureza específica: A literatura infantil

pertenceria à arte literária ou à arte pedagógica? Controvérsia que vem de longe: tem

raízes na Antiguidade Clássica, desde quando se discute a natureza da própria literatura

(utile ou dulce? Isto é, didática ou lúdica?) e, na mesma linha, se põe em questão a

finalidade da literatura destinada aos pequenos. Instruir ou divertir? Eis o problema que

está longe de ser resolvido. As opiniões divergem e em certas épocas se radicalizam.

Entretanto, se analisarmos as grandes obras que através dos tempos se

impuseram como “literatura infantil”, veremos que pertencem simultaneamente a essas

duas áreas distintas (embora limítrofes e, as mais das vezes, interdependentes): a da arte

e a da pedagogia. Sob esse aspecto, podemos dizer que, como objeto que provoca

emoções, dá prazer ou diverte e, acima de tudo, modifica a consciência de mundo do

seu leitor, a literatura infantil é arte. Sob outro aspecto, como instrumento manipulado

por uma intenção educativa, ela se inscreve na área da pedagogia.

Entre os dois extremos há uma variedade enorme de tipos de literatura, em

que dias intenções (divertir e ensinar) estão sempre presentes, embora em doses

diferentes. O rótulo “literatura infantil” abarca, assim, modalidades bem distintas de

textos: desde os contos de fada, fábula, contos maravilhosos, lendas, histórias do

cotidiano... até biografias romanceadas, romances históricos, literatura documental ou

informativa.

Por via de regra, a eventual opção do escritor em relação a uma dessas

atitudes básicas não depende exclusivamente de sua decisão pessoal, mas de tendências

predominante em sua época. Essa aparente dicotomia se coloca como problema para

15

aqueles que têm a seu cargo a educação das crianças, ou para os que escrevem para elas,

exatamente em épocas em que a sociedade e a literatura estão em crise de mudança.

Sabe-se que nesses momentos de transformações, quando o sistema de vida

ou de valores está sendo substituído por outro, o aspecto arte predomina na literatura: o

ludismo (ou o descompromisso em relação ao pragmatismo ético-social) é o que

alimenta o literário e procura transformar a literatura na aventura espiritual que toda

verdadeira criação literária deve ser.

Assim, os que são impelidos mais fortemente pelas forças da renovação

exigem que a literatura seja apenas entretenimento, jogo descompromissado (pois é

justamente a atividade lúdica que tem por função desarticular estruturas estáticas, já

cristalizadas no tempo). Os que acreditam que a criança precisa ser preservada da crise e

ajudada em sua necessária integração social elegem como ideal a literatura informativa

(dessa maneira oferecendo-lhe fatos cientificamente comprováveis ou situações reais,

acontecidas e irrefutáveis, transmitem-lhes, ao mesmo tempo, valores consagrados pelo

passado e inquestionáveis... e com isso escapam ao difícil confronto com os valores de

um presente em plena mutação e ainda um enigma a ser desvendado).

Já em épocas de consolidação, quando determinado sistema se impõe, a

intencionalidade pedagógica domina praticamente sem controvérsia, pois o importante

para a criação no momento é transmitir valores para serem incorporados como verdades

pelas novas gerações. Como exemplos bem próximos de nós, temos a literatura

romântica que, ainda em plena crise do Classicismo, nasceu como entretenimento ou

jogo, abrindo caminho para os valores novos que se impunham. Na luta pela

consolidação do sistema literário-burguês-patriarcal-cristão (resultante daqueles valores

e padrões), afirma-se uma grande literatura (para adultos e para crianças). Com a

instauração total do sistema, o ideário romântico acaba impondo a todos uma “literatura

exemplar” (feita de fórmulas) que entra pelo nosso século adentro, ignorando as

mudanças que já se faziam necessárias devido à vitória do próprio sistema (que em si

mesmo se supera, ao engendrar um novo homem).

A evolução é um fenômeno insistente...

Compreende-se, pois, que essas duas atitudes polares (literária e

pedagógica) não são gratuitas. Resultam da indissolubilidade que existe entre a intenção

artística e a intenção educativa incorporadas nas próprias raízes da literatura infantil.

Atualmente, a confusão é grande. Em geral, uma das atitudes tem

predominado sobre a outra. Dai os excessos e os equívocos que proliferam em certa

16

produção infantil mais recente. Não só os livros publicados, mas também as centenas de

originais enviados a concurso ou entregues às editoras, revelam que, na maioria,

predomina a gratuidade (livros que, em lugar de serem divertidos, como se pretendem,

são apenas tolos e cacetes, ou, então, fragmentados e sem sentido). Ou então são obras

sobrecarregadas de informações corretíssimas, mas que, despidas de fantasia e

imaginação, em lugar de atrair o jovem leitor o afugenta. Não podemos esquecer que,

sem estarmos motivados para a descoberta, nenhuma informação, por mais completa e

importante que seja, conseguirá nos interessar ou será retida em nossa memória. Ora, se

isso acontece conosco, adultos conscientes do valor das informações, como não

acontecerá com as crianças?

De qualquer forma, essa circunstância não afeta em nada a alta categoria da

nossa produção literária para crianças e jovens, reconhecida internacionalmente.

Produções que com rara felicidade conseguiu equacionar os dois termos do problema:

literatura para divertir, dar prazer, emocionar... e que, ao mesmo tempo, ensina modos

novos de ver o mundo, de viver, pensar, reagir, criar... E principalmente se mostra

consciente de que é pela invenção da linguagem que essa intencionalidade básica é

atingida...

A literatura contemporânea, expressão das mudanças em curso e que, longe

de pretender a exemplaridade ou a transmissão de valores já definidos ou

sistematizados, busca estimular a criatividade, a descoberta ou a conquista dos novos

valores em gestação. E aqui entra o trabalho didático dos profissionais, fazendo o papel

dos médicos nos partos...

Enfim, entre esses dois polos, está oscilando a produção atual da literatura

(para adultos ou para crianças) – polos que não se excluem (a não ser quando se

radicalizam...). Resta aos escritores tornarem-se conscientes das forças atuantes em seu

tempo e conquistarem a fusão ideal...

Não há dúvida de que essa dialética, natural do fenômeno literário, é a

responsável básica pelas mutações de estilo e de temas que a literatura infantil vem

apresentando desde as origens e também pela permanência de certos fatores que a

singularizam como fenômeno específico que é, embora de difícil definição. Tais

mutações dependem essencialmente da consciência de mundo patente ou latente na

matéria literária de cada obra.

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Referência:

COELHO, Nelly Novaes. “Literatura infantil: arte literária ou pedagógica?” In:

Literatura infantil: teoria, análise, didática. SP: Moderna, 2000. p.46-49

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LEITURA COMPLEMENTAR 2:

POR UMA ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS

Fanny Abramovich

Ah! Como é importante na formação de qualquer criança ouvir muitas

histórias... Escutar histórias é o início da aprendizagem para ser um leitor e ser leitor é

ter todo um caminho de descoberta e de compreensão do mundo, absolutamente

infinito...

O primeiro contato da criança com um texto, é feito, em geral, oralmente. É

pela voz da mãe e do pai, contando contos de fada, trechos da Bíblia, histórias

inventadas tendo a gente como personagem, narrativas de quando eles eram crianças e

tanta, tanta coisa mais... Contadas durante o dia, numa tarde de chuva ou à noite, antes

de dormir, preparando para o sono gostoso e reparador e para um sonho rico embalado

por uma voz amada... É poder rir, sorrir, gargalhar com as situações vividas pelos

personagens, com a ideia do conto ou com jeito de escrever de um ator e, então, poder

ser um pouco cúmplice desse momento de humor, de gozação.

Ler histórias para crianças, sempre, sempre... É suscitar o imaginário a ter a

curiosidade respondida em relação a tantas perguntas, e encontrar outras ideias para

solucionar questões – como os personagens fizeram... – é estimular para desenhar, para

musicar, para teatralizar, para brincar... Afinal, tudo pode nascer de um texto.

O significado de escutar histórias é tão amplo... É uma possibilidade de

descobrir o mundo imenso dos conflitos, das dificuldades, dos impasses, das soluções,

que todos atravessamos e vivemos, de um jeito ou de outro, através dos problemas que

vão sendo defrontados, enfrentados (ou não), resolvidos (ou não) pelos personagens de

cada história (cada um a seu modo...). E assim esclarecer melhor os nossos ou encontrar

um caminho possível para a resolução deles... É ouvindo histórias que se pode sentir

(também) emoções importantes como a tristeza, a raiva, a irritação, o medo, a alegria, o

pavor, a impotência, a insegurança e tantas outras mais, e viver profundamente isso tudo

que as narrativas provocam e suscitam em quem as ouve ou as lê, com toda a amplitude,

significância e verdade que cada uma delas fez (ou não) brotar...

É através de uma história que se pode descobrir outros lugares, outros

tempos, outros jeitos de agir e de ser, outras regras, outra ética, outra ótica... É ficar

sabendo história, geografia, filosofia, direito, política, sociologia, antropologia, etc...

sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula...

19

Porque, se tiver, deixa de ser literatura, deixa de ser prazer, e passa a ser didática, que é

um outro departamento (não tão preocupado em abrir todas as comportas da

compreensão do mundo)... Ouvir e ler história é também desenvolver todo o potencial

crítico da criança. É poder pensar, duvidar, se perguntar, questionar... É se sentir

inquieto, cutucado, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se pode mudar de

ideia. É ter vontade de reler ou deixar de lado de uma vez...

É ficar fissurado querendo ouvir de novo mil vezes ou saber que detestou e

não quer mais nenhuma aproximação com aquela história tão chata ou tão boba ou tão

sem graça... É formar a opinião, é ir formulando os próprios critérios, é começar a amar

um autor, um gênero, uma ideia e daí ir seguindo por essa trilha e ir encontrando outros

novos valores (que talvez façam redobrar o amor pelo autor ou viver uma decepção...

Mas isso tudo faz parte da vida).

Ouvir histórias é ficar conhecendo escritores – e daí ser importantíssimo

dizer a criança o título do que está escutando e seu autor (se for material recolhido da

cultura popular, se for autor desconhecido, que se diga também...). Faz parte da

formação saber quem nos disse coisas bonitas ou encantadas ou maravilhosas ou chatas,

para que a referência fique e o caminho esteja aberto para continuar mergulhando nos

textos de quem se admira, para dar uma colher de chá a quem não nos envolveu tanto

num primeiro contato ou para desistir (ou odiar para um outro momento da vida...) a

proximidade com um escrevinhador que nos desagradou ou decepcionou...

Para contar uma história é preciso saber como se faz... Afinal, nela se

descobrem palavras novas, se depara com a música e com a sonoridade das frases, dos

nomes... se capta o ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma canção... E para isso,

quem conta tem que criar o clima de envolvimento, de encanto... Saber dar as pausas, o

tempo para a imaginação de cada criança construir seu cenário, visualizar os seus

monstros, criar os seus dragões, adentrar pela sua floresta, vestir a princesa com a roupa

que está inventando, pensar na cara do rei... e tantas coisas mais...

E se forem as ilustrações do livro, feitas por um desenhista, dar o tempo

para que todos vejam (ou os que preferem caminhar na sua própria e pessoal ilustração,

que feche os olhos...). E quando a criança for manusear sozinha o livro, que folhei bem

folheado, que olhe tanto que queira, que brinque com o seu formato, que se delicie em

retirá-lo da estante (reconhecendo-o sozinha... seja em casa ou na escola), que vire

página por página, ou que pule algumas para reencontrar aquele momento especial que

estava buscando... Se a criança não lê é porque não lhe estão contando a história ou não

20

lhe estão apontando caminhos para o desfrute de bons e belos textos... Que existem

(tantos...) e são fáceis de achar... Literatura é arte, literatura é prazer... Que a escola

encampe esse lado e deixe as cobranças didáticas para os departamentos devidos... E

nesse sentido, ela faz parte do leque da educação artística e não da língua portuguesa...

Uma das atividades mais fundamentais, mais significativas, mais abrangentes e mais

suscitadoras de tantas outras é a que decorre do ouvir e do ler uma boa história...

Referência:

ABRAMOVICH, Fanny. “Por uma arte de contar histórias” In: Literatura infantil:

gostosuras e bobices. SP: Scipione, 1997.

TÓPICO 02: GÊNEROS LITERÁRIOS

Edilene Ribeiro Batista

21

I – Conceito:

Segundo Victor Manuel de Aguiar e Silva em Teoria da Literatura, os

gêneros literários podem ser considerados “categorias que regulam particulares classes

de textos”. A formação dessas categorias se dá por meio da relação de dois tópicos

importantes: a forma de expressão e a forma de conteúdo. Forma de expressão seria a

manifestação estrutural do texto, ou seja, a escrita em versos ou em prosa da obra

literária; a forma de conteúdo, por sua vez, abordaria a mensagem na qual o texto está

pautado, a saber, o sentimento, a narração ou a representação. Assim sendo, atualmente,

os gêneros literários se mantêm classificados da seguinte forma:

1. Gênero Lírico

O gênero lírico trabalha com as emoções por meio de manifestação poética.

Antigamente, os textos eram feitos para serem cantados, acompanhados por um

instrumento musical chamado de lira, daí o nome gênero lírico. Essa estrutura foi

utilizada até o séc. XV. A partir desse período, a instrumentalização foi abandonada e os

recursos estilísticos (rima, métrica, figuras de linguagem) passaram a ser utilizados para

que a musicalidade do texto continuasse ocorrendo mesmo depois do abandono da lira.

Talvez, um dos tipos de poesias mais utilizados seja o soneto, entretanto outros tipos de

textos poéticos também são usados com frequência.

2. Gênero Dramático

O gênero dramático se fundamenta na representação (manifestação teatral),

sendo subdividido em diversas categorias: tragédia, comédia, tragicomédia, drama, etc.

3. Gênero Narrativo

Caracterizado pela narração, o gênero narrativo elabora um fingimento de

realidade no texto ficcional. Ele abarca, dependendo da tendência trabalhada, o mundo

do possível, o faz de conta. Hoje, o gênero narrativo é subdividido em duas

manifestações literárias:

3.1 Epopeia.

3.2 Ficção e seus desdobramentos: romance, conto, novela, fábula, mito, lenda, crônica,

conto maravilhoso, etc.

22

Vejamos a análise de algumas categorias pertencentes à ficção:

Conto Popular:

O conto popular é considerado a forma mais universal de transmissão da

cultura de um povo. Ele documenta usos, costumes, fórmulas jurídicas, folclore, etc.,

podendo se manifestar por meio de histórias populares.

As caracterizações essenciais do conto popular podem ser listadas da

seguinte maneira:

Uso da transmissão oral caracterizada pelo tom de espontaneidade.

Anonimato do autor, pois que sua criação é coletiva.

Distância no tempo.

Abarca uma moral natural, trabalhando relações entre forte e fraco, rico e pobre, bem

e mal, etc.

Normalmente, apresenta suspense que acaba provocando riso.

No Brasil, os contos populares têm raízes rurais e remontam aos famosos

“causos”. De forma geral, outras manifestações do conto popular seriam: os contos de

fada, as fábulas.

Fábula:

A fábula é considerada uma narrativa curta, possuidora de uma estrutura

mínima de enredo e de uma moral implícita ou explícita.

Massaud Moisés a caracteriza afirmando que, “no geral, [ela] é

protagonizada por animais irracionais, cujo comportamento, preservando as

características próprias, deixa transparecer uma alusão, via de regra satírica ou

pedagógica, aos seres humanos” (MOISÉS, 1999: 226).

Na Antiguidade Clássica, a fábula foi cultivada por Esopo e Fedro; na Idade

Média era um gênero extremamente apreciado, mas foi na Modernidade, com La

Fontaine (entre 1668-1694) que as fábulas entraram na moda.

Até o século XVIII, as fábulas foram escritas em verso; logo depois, a prosa

passou a ser o veículo de expressão adotado por esse tipo de gênero. Sempre envolvida

por um universo metafórico (Ex: formiga = trabalho, leão = força, raposa = astúcia,

lobo = poder despótico, etc.), a fábula representava, para Aristóteles, a “imitação de

ações”, “a composição dos atos”, consequentemente, a propagação de uma ideologia.

23

Lenda:

Etimologicamente, lenda vem do latim “legenda”, que significa “o que se

deve ler”.

Inicialmente, na Idade Média, a lenda era utilizada para relatar a vida dos

santos e mártires da Igreja Católica. A primeira coletânea publicada nesse sentido

denominava-se Legenda sanctorum. Assim, a utilização primeira do gênero já

pressupunha, desde o início, uma imitação – as hagiografias deviam ser lidas para que

as virtudes dos heróis religiosos fossem imitadas.

A lenda pode ser encarada também como um fato historicamente não

comprovado, como as histórias do Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda, ou

ainda Carlos Magno e os Dozes Pares de França. Nesses casos, “a verdade [dos fatos] se

perde no correr do tempo, de molde a substituir apenas a versão folclórica dos

acontecimentos” (MOISÉS, 1999: 305).

Outra conotação assumida por esse tipo de narrativa é a de “história que

apresenta uma explicação, um exemplo” – é o caso das lendas indígenas.

De uma forma geral, as lendas procuram transmitir a sabedoria de uma

comunidade na interpretação de determinados fenômenos, daí sua aproximação com os

mitos.

Mito:

O mito pode ser conceituado como narrativa simbólica referente aos deuses.

Assim sendo, nele está inserida uma concepção religiosa que tenta explicar a origem das

coisas, tal como acontece na explicação da formação da humanidade por meio do mito

de Pandora.

De origem popular e aceitação coletiva, os mitos representam metáforas que

servem como paradigmas para o comportamento humano. Assim, em Eros e Psique

tem-se a busca do amor; em Dionísio, a busca da libertação; em Narciso, a análise do

amor próprio; em Ártemis, a simbologia da força e da determinação; em Palas Atena, a

representação da inteligência, etc.

As características básicas do mito podem ser listadas da seguinte maneira:

Autor não identificado.

Tempo indeterminado (tudo acontece a muito tempo atrás).

Materializa-se, principalmente, sob a forma literária.

24

É dinâmico, desenvolve-se e atualiza-se.

Seus personagens não envelhecem, representam valores eternos.

Crônica:

Etimologicamente, crônica vem do grego “kronos”, que significa tempo.

Assim, ela implica no conceito de “registro de acontecimento num tempo e num espaço

determinados” (MOISÉS, 1999: 123).

Para Massaud Moisés, “a crônica é reproduzida por poetas e ficcionistas

que, embora possam apoiar-se em fatos acontecidos, transformam a realidade do

dia-a-dia pela força criadora da fantasia” (MOISÉS, 1999: 123).

Dentre os autores/as que cultivam esse gênero tem-se: Carlos Drummond de

Andrade, Machado de Assis, Rubem Braga, Fernando Sabino, entre tantos outros/as.

Narrativa curta, a crônica prima pela recriação da realidade.

No início da era cristã, a crônica era tida como uma listagem de

acontecimentos arrumados conforme a sequência linear do tempo (registro de eventos).

Depois, na Idade Média, Fernão Lopes começou a executá-la como forma de relatar

fatos históricos.

No Renascimento, o termo crônica começou a ser substituído por “história”.

É só no século XIX que o caráter literário passa a ser incorporado nesse gênero literário.

Nessa época, as crônicas eram publicadas nos folhetins (jornais).

Hoje, enquanto ficção moderna, a crônica é “publicada em jornais ou revista

e muitas vezes reunida em volume, concentra-se num acontecimento diário que tenha

chamado a atenção do escritor” (MOISÉS, 1999:133).

Referências:

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1980.

CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Associação Palas Athenas, 1990.

ELIADE, Mircea. Mitos, sonhos e mistérios. Lisboa: Edições 70, s/d.

JABOUILE, Victor. Do mythos ao mito: uma introdução à problemática da mitologia.

Lisboa: Edição Cosmos, 1993.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999.

PERRAULT, Charles. Contos de Perrault. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989.

PROPP, Vladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. São Paulo: Martins

Fontes, 1997.

_______________. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense

Universitária, 1984.

SILVA, Victor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. Coimbra: Livraria Almedina,

25

1988.

TAVARES, Jorge Campos. Deuses, mitos e lendas. Porto: Lello & Irmão Editores,

1992.

WARNER, Marina. Da fera à loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São

Paulo: Companhia das Letras, 1999.

EXERCITANDO:

Analise os gêneros discursivos ficcionais estudados neste tópico (conto popular, fábula,

lenda, mito, crônica) para a realização desta atividade. Agora, procure uma obra

infanto-juvenil que represente uma das tipologias textuais acima elencadas,

estabelecendo características que justifiquem sua inserção nessa classificação.

TÓPICO 03: CONTOS DE FADA: ERA UMA VEZ...

Edilene Ribeiro Batista

26

Os contos de fada se caracterizam pela manifestação do maravilhoso.

Etimologicamente, maravilhoso vem do latim mirabilia, que significa “tudo

que desencadeia a admiração pela surpresa” (MOISÉS, 1999: 318). O maravilhoso está

associado ao mundo sobrenatural: universo dos deuses, magia, bruxedos, cavalos

alados, serpentes de fogo, etc., e é assim que os contos de fada estão caracterizados.

Para Vladimir Propp, em As raízes históricas do conto maravilhoso, p. 04,

há que se observar a estrutura desse tipo de narrativa: “partida do herói, encontro com o

doador que lhe dá um recurso mágico ou um auxiliar mágico munido do qual poderá

encontrar o objeto procurado. Seguem-se: o duelo como adversário (cuja forma mais

importante é o combate com o dragão), o retorno e a perseguição. [...] o herói [...] passa

por uma provação cumprindo tarefas difíceis, torna-se rei e casa, em seu reino ou no do

sogro”. Ora, esse esquema pode ser verificado em histórias como “A Bela

Adormecida”, “Branca de Neve e os Sete Anões”, “Cinderela” e tantos outros contos de

fada.

Acredita-se que a origem dos contos de fadas remonte a fontes orientais e

célticas que, a partir da Idade Média, foram assimiladas por textos de origens europeias.

Entre os celtas, os contos surgem como “poemas que revelam amores

estranhos, fatais, eternos... Poemas que são apontados como células independentes, mais

tarde integradas no ciclo novelesco arturiano, essencialmente idealistas e preocupado

com os valores eternos do ser humano: os de seu espírito (COELHO, 1998:14).

Inicialmente narrados de forma oral, eles foram sendo repassados de

geração para geração, pois cumpriam uma necessidade cultural – ensinavam sobre os

problemas interiores dos seres humanos, abrindo possibilidades de solucionar

dificuldades. Com o passar do tempo, modificações estruturais e temáticas foram sendo

efetuadas dada a dificuldade de cada cultura. Nesse universo, coube a Charles Perrault,

no século XVII, a compilação dessas histórias que, há anos, estavam sendo contadas.

Em um primeiro momento, Perrault as nomeou de Contos da mamãe gansa; depois,

modificou o nome para Contos de tradição arábica, acrescentando nesses contos a

famosa “moral da história”.

Atualmente, muito se tem falado sobre a psicanálise dos contos de fadas,

dando-lhes, sobretudo, um enfoque freudiano e/ou jounguiano. Interpretações

psicológicas têm sido realizadas de forma contundente, pois o material ideológico dos

contos continua sendo atual. Mais que histórias para crianças, eles representam,

metaforicamente, a busca da individualização e seus conteúdos conservam mensagens

27

de advertência, de crescimento, etc. que, principalmente os adultos, deveriam entender e

incorporar. Nesse contexto, poder-se-ia dizer que “A Bela Adormecida” é caracterizada

por um processo de individualização; em “Cinderela” a rivalidade fraterna, a relação

edípica e o complexo de Cinderela são abordados; a história de “Os Três Porquinhos”

abarca uma mensagem de coragem que inspira confiança e fortalece a autoestima do

leitor; “Chapeuzinho Vermelho” previne contra o descuido e ensina a determinação e

independência; “João e Maria” demonstram que os fraquinhos podem conseguir grandes

feitos, que não se deve desanimar mesmo nas piores situações porque a união faz a

força.

Apesar de cada cultura estabelecer a sua versão dos contos de fadas, eles

mantêm, entre si, uma efabulação básica: há “provas que precisam ser vencidas, como

um verdadeiro ritual iniciático, para que o herói alcance sua auto-realização existencial,

seja pelo encontro com o seu verdadeiro eu, seja pelo encontro da princesa, que encarna

o ideal a ser aclamado” (COELHO, 1998:13).

Em O conto na psicopedagogia, Jean-Marie Gillig afirmaria a esse respeito:

“O conto reproduz num outro plano esse argumento de iniciação em que a luta contra o

monstro (o mal), os obstáculos a serem vencidos e os enigmas a serem resolvidos são o

equivalente, do ponto de vista dos motivos, à descida ao inferno e à subida ao céu”.

Sendo assim, os contos sugerem como os conflitos poder ser solucionados e quais os

próximos passos a serem dados na direção de uma humanidade mais elevada.

Os contos de fadas utilizam ou reinterpretam questões universais, tais como

os conflitos do poder e a formação dos valores, por meio da mistura do real e da

fantasia. Utilizando-se do maravilhoso, os contos representam traços do fantasma na

vida cotidiana de cada um, não perdendo, com isso, seu valor estético. Antes de tudo, “o

contista é [...] o encantador que leva as crianças consigo para o mundo da magia e do

encantamento mas, é claro, com o consentimento delas” (GILLIG, 1999:70).

O encantamento se mistura a questões inconscientes do universo infantil

(decepções narcisistas, dependências infantis, sentimento de individualidade e de

autovalorização, etc.) e a criança, por um processo de identificação como as

personagens dos contos de fadas, encontra um espaço para a elaboração de suas

angústias cotidianas. Para Márcia Feldman, “enquanto a literatura crítica e realista

oferece à criança um acervo que a capacita na direção da cidadania, num sentido

político e ideológico, a literatura fantástica oferece outro tipo de material de trabalho e

espaço de elaboração para o seu leitor: o espaço simbólico, arquetípico, que remexe as

28

profundezas ancestrais de nosso ser num sentido existencial, psicológico, afetivo; enfim,

num sentido de discussão política, por si só, não alcança até por não se propor a isso”.

Os benefícios dos contos de fadas são inúmeros. Além de servirem de alívio

à alma, funciona, como excelente adjuvante pedagógico. Cada elemento do conto tem

um papel significativo. Suprimir-lhe uma parte, ou acentuá-la é impedir que a criança

compreenda sua verdadeira essência – “os símbolos organizam-se na história formando

uma composição, cujos elementos são podem ser dissociados, sob pena de prejudicar a

sua significação global”.

Os leitores de contos de fadas devem ter em mente que o encantamento

destes se dá pelo prazer da redescoberta que eles propiciam: “criar e contribuir para a

cultura existente não é apenas uma questão de ser um gênio criador individual ou de

produzir uma obra-prima excepcional. Nós, o público, você, o leitor, também fazemos

parte do futuro do conto – seus traços emergem sob a pressão das suas mãos, de nossos

dedos” (WARNER, 1999:451).

Os contos oferecem uma metamorfose mágica para aqueles que dele se

aproximam; possibilitam e incentivam a imaginação, mesmo porque “nenhuma história

é igual a sua fonte ou modelo, pois a química entre narrador e público a transforma”

(WARNER, 1999:458). A utopia é um dos portais por eles abertos: Quem não gostaria

de transformar o planeta? Tornar-se rei ou rainha de um reino harmônico? Os contos

despertam a criatividade e transportam-nos para o mundo do faz-de-conta, o mundo do

possível – “os contos de fadas sondam as regras: a porta proibida abre para uma terra

nova onde regras diferentes podem vigorar” (WARNER, 1999: 455). É por meio deles

que intuímos aspirações e preconceitos, medos e desejos, alegrias e tristezas, lágrimas e

risos mas, acima de tudo, prazer.

Esse prazer pode ser originado tanto pelo conto como pelo seu reconto.

Hoje, muito se tem realizado na linha do reconto. O que dizer da história de “Os Três

Porquinhos” sob a voz do lobo mau? Ou da atualização de “Cinderela”, agora com um

par de tênis? É nessa perspectiva que textos como A verdadeira história dos três

porquinhos, de Jon Scieszka, O par de tênis, de Pedro Bandeira, Chapeuzinho amarelo,

de Chico Buarque, vêm sendo produzidos. O mesmo ocorre com filmes tais como: “A

floresta negra”, “Inteligência artificial” e “Sherek”. Nessas produções, procura-se

desvendar algo que talvez não tenha sido elucidado na história original: uma voz que se

calou; um final que não agradou... enfim, uma palavra não dita, ou dita sob um único

enfoque. Seja pelo conto, ou seu reconto, o importante é que o texto, por intermédio do

29

maravilhoso, conduz o leitor a um universo de magia. Não é pois, de estranhar, o dito

por Ângela Kleiman: “Ler é identificar-se com o apaixonado ou com o místico. É ser

um pouco clandestino, é abolir o mundo exterior, deportar-se para uma ficção, abrir o

parêntese do imaginário. Ler é muitas vezes trancar-se (no sentido próprio e figurado).

É manter uma ligação através do tato, do olhar, até mesmo do ouvir (as palavras

ressoam). As pessoas leem com seus corpos. Ler é também sair transformado de uma

experiência de vida, é esperar alguma coisa. É um sinal de vida...”

Quando esse sinal de vida se manifesta, as produções começam a brotar de

forma encantadora e outras tantas histórias começam a surgir como retrato, já

modificado, do mundo de magia já vislumbrado pelo universo infantil.

Referências:

ABRAMOVICH, Fanny. A literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo:

Scipione, 1997.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1980.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas. São Paulo: Ática, 1998.

GILLIG, Jean-Marie. O conto na psicopedagogia. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

KHEDE, Sônia Salomão. Personagens da literatura infanto-juvenil. São Paulo: Ática,

1986.

MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999.

PERRAULT, Charles. Contos de Perrault. Belo Horizonte: Itatiaia, 1989.

PROPP, Vladimir. As raízes históricas do conto maravilhoso. São Paulo: Martins

Fontes, 1997.

_______________. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense-

Universitária, 1984.

SILVA, Victor Manuel de Aguiar e. Teoria da literatura. Coimbra: Livraria Almedina,

1988.

WARNER, Marina. Da fera à loira: sobre contos de fadas e seus narradores. São Paulo:

Companhia das Letras, 1999.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO:

Assista ao filme SHREK 1, dirigido por Andrew Adamson e Vicky Jenson, e

estabeleça, a partir da análise dessa película, uma contraposição entre os contos de fada

tradicionais e os recontos desse gênero discursivo na atualidade. Procure observar:

30

enredo, caracterização dos personagens, a intencionalidade do texto, entre outras

questões.

31

AULA 02:

CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS E LEITURA DA IMAGEM

TÓPICO 01: RECURSOS TÉCNICOS DE CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS

Texto elaborado por alunos/as que cursaram a disciplina Literatura Infantil Universal - UFC

32

Antes de iniciar a contação de histórias, é necessário que a criança saiba o

título do livro, o nome do autor e a editora da história narrada. É importante, também,

que o contador de história faça uso de todos os recursos que ele dispõe.

Vejamos alguns exemplos de recursos pedagógicos que podem ser

utilizados na narração de uma história:

Desenhos: à medida que a história vai sendo contada, o desenho vai

surgindo aos poucos, traço por traço. Ao final da narrativa, o desenho estará completo.

Dedoches: são pequenos fantoches utilizados nos dedos. Também podem

ser feitos e apresentados pelas próprias crianças.

Dramatização: pode-se dramatizar a história toda ou alguns trechos.

Fantoches: nesse recurso, podem ser utilizados mais de um narrador.

Outra vantagem é que se pode ter o roteiro escrito, o que facilita a tarefa. Os fantoches

também podem ser usados de forma interativa com as crianças, ou seja, elas mesmas

podem manuseá-los, ou mesmo fazer os bonecos de cartolina com roupas de papel

crepom.

Figuras sobre o cenário: o cenário é um quadro básico, e as figuras vão

compondo as cenas conforme o desenrolar da história.

Gravuras: faça uma sequência de imagens e a exponha à medida em que

a narração evolui.

Interação com a narração: é feita uma canção para ser usada em

momentos-chaves: em um perigo, para determinado personagem, por exemplo.

Interferência: a interferência será feita em um momento oportuno,

escolhido pelo narrador, onde os ouvintes devem proferir, em coro, uma palavra, várias

palavras, uma frase, parte de uma frase, uma pequena melodia, um aplauso, etc.

Marionetes: são bonecos comandados por fios presos na cabeça, nas

mãos e nos pés. A cena desenrola-se no chão e os operadores ficam colocados atrás de

um pequeno cenário.

O avental: o avental é composto por bolsos nos quais as imagens deverão

estar guardadas e, no decorrer da narração, vai se anexando cada imagem referente a

cenário, personagens..., no avental.

O canto: o narrador deve contar a história cantando.

O próprio livro: use um livro com boas e fartas ilustrações e, enquanto

narra a história, apresente as imagens correspondentes.

33

Teatro de sombra: uma luz projeta figuras em uma superfície opaca. A

sombra de bichinhos é feita com as mãos ou com figuras recortadas. A apresentação

pode conter músicas e efeitos especiais.

Teatro de varas: faça as personagens em tamanho grande, com papel

cartão grosso e prenda-os em varetas de madeira.

FÓRUM:

Os recursos técnicos de contação de histórias são valiosos instrumentos para suscitar a

curiosidade das crianças e lhes prender a atenção no momento da roda de leitura, por

exemplo.

Embora tenhamos, neste tópico, dado várias sugestões de recursos que podem ser

utilizados, em sala de aula, na contação de histórias, procure, em livros didáticos e

teóricos (ou até mesmo na internet), outros materiais que possam ser utilizados,

pedagogicamente, nessa atividade com as crianças.

O objetivo deste fórum é, pois, estabelecer uma troca de informação e de sugestões

metodológicas, entre os/as colegas da turma e o/a tutor/a, sobre materiais que estimulem

a criatividade do público infantil na audição de textos infanto-juvenis.

TÓPICO 02: ROTEIRO PARA A SELEÇÃO DE LIVROS DE FICÇÃO

1. Recomendáveis: Livros que proporcionem prazer e despertem o interesse do leitor;

que reúnam qualidades literárias e gráficas, valorizando o livro como um objeto integral

onde a edição, o texto e a imagem estejam efetivamente articulados.

2. Com relação à qualidade literária, o/a professor/a deve estar atento à(s)/ao(s):

34

Singularidade, riqueza e força expressiva da linguagem.

Uso adequado da linguagem vernácula.

Regionalismos, que deverão ser entendidos no contexto.

3. Em poesia, considerar:

Obras capazes de tocar a sensibilidade do leitor, seja pela expressão da

sensibilidade, pela riqueza da imagem ou pelo caráter lúdico.

Poemas com uma linguagem sugestiva, em que a combinação ou o jogo das

palavras criem associações novas, reveladoras de novas percepções.

As que possuem ritmos, sonoridade e musicalidade na linguagem.

Aquelas com bom manejo da rima e da versificação (no caso da poesia rimada).

As que explorem, com originalidade, figuras literárias: imagens, metáforas,

comparações, entre outras.

OBSERVAÇÃO: Uma verdadeira poesia será lida com igual prazer tanto por criança

como por adultos, pois o/a autor/a não “infantiliza” a linguagem.

4. Em prosa, considerar:

Histórias ou narrativas emocionantes e divertidas.

As origens no tratamento do tema.

Aquelas com uma criação adequada de personagens que evoluam através do

desenvolvimento da obra, sejam eles humanos, animais, objetos ou seres

fantásticos.

Aquelas com a visão coerente do mundo em que se movem as personagens reais ou

fantásticos.

Histórias com um manejo hábil das sequências temporais e de diversos elementos

de ação, surpresa e humor que mantenham a tensão do narrado.

Histórias que surpreendam o leitor, mesmo em se tratando de temas já conhecidos e

explorados.

5. Em caso de tradução, observar:

As que são realizadas, diretamente, de obras originais.

As que possuem adequação ao vocabulário e à sintaxe do português.

35

As que apresentam uma linguagem fluida, permitindo uma compreensão global do

que se lê.

As que permitem perceber a diversidade cultural dos povos.

6. Em caso de adaptações, verificar:

Somente as que conservam o sentido da obra original.

Aquelas em cuja capa ou folha de rosto anuncie se tratar de uma adaptação, com

inclusão de um prólogo em que o adaptador explique os princípios e métodos de

seu trabalho.

Obras de tradição oral ou clássica de outras culturas cujo acesso para nossas

crianças e jovens nem sempre seja facilitado.

7. Em caso de livros sem texto, observar:

Não condicionar a seleção a ilustrações coloridas.

Aqueles que reúnem originalidade na ilustração, quer na técnica, quer no

acabamento.

Os que dispensam qualquer explicação, sendo a imagem suficiente para expressar a

história.

8. Em caso de quadrinhos, considerar:

Aqueles com ilustração e roteiros originais.

Aqueles em que haja harmonia entre texto e imagem.

Obras que valorizem aspectos particulares da linguagem visual.

9. Quanto à qualidade gráfica, exigir:

Boa diagramação, que não superponha texto e imagem e ocupe, harmoniosamente,

o espaço da folha.

Livros bem conhecidos do ponto de vista de produção técnica: com indicação

bibliográfica, páginas numeradas, etc.

Aqueles com capa atrativa (seja rústica ou elaborada, em branco e preto ou em

cores), mas que remeta ao conteúdo do livro.

Aqueles com formato adequado, com uma diagramação que facilite a leitura.

Aqueles com bom tamanho de letra.

36

Livro bem encadernado, preferivelmente costurados ou grampeados, que possam

ser manuseados sem soltar as folhas.

Livros com boa qualidade de papel e que permita a apreciação das ilustrações

(sobretudo no caso de livros com ilustrações coloridas).

10. Quanto à ilustração, dar preferência:

Àquelas que forem expressivas, originais, atrativas e lúdicas.

Às que se enlacem com elementos do texto e transmitam o clima e o sentido da

obra sem retratar mecanicamente o texto.

Àquelas que expressam a destreza e o domínio que o ilustrador possui,

independentemente da técnica utilizada (aquarela, lápis, colagem, grafite, gauche,

etc.) ou do estilo (realista, fantástico ou caricaturesco).

Àquelas em branco/preto ou a cores, mas realizadas com o sentido estético apurado.

Às que tenham personagens expressivas, de características particulares e

diferenciadoras, descartando preconceitos.

Às que mantenham a coerência de cada personagem nas diferentes ocasiões ou

episódios em que eles se encontrem.

Às que deleitem os leitores e lhes permitam ampliar e enriquecer sua imaginação.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO:

Neste tópico, foram analisados critérios para escolha de 06 (seis) tipos de textos: poesia,

prosa, tradução, adaptação, livros sem texto (leitura da imagem) e quadrinhos.

Escolha uma obra infanto-juvenil (que se enquadre em um dos tipos de textos acima

enumerados) para analisá-la sob o prisma qualitativo e responda, de forma

argumentativa, à seguinte pergunta: A leitura do livro escolhido é recomendável para o

público infantil ou não? Por quê?

TÓPICO 03: LEITURA DA IMAGEM

Edilene Ribeiro Batista

“Não é de hoje que editoras inglesas, japonesas, americanas,

alemãs e outras colocam nas estantes de livrarias de todo o mundo

belíssimas publicações totalmente sem textos... Ou melhor, com

37

narrativa apenas visual, onde toda a história é contada através de

desenhos ou fotos, sem nenhuma palavra...

Aqui no Brasil, algumas décadas atrás, algumas editoras

enveredaram por algumas dessas possibilidades gráficas... Depois

pararam. Só recentemente recomeçaram a aparecer livros onde

toda a história é contada através de imagens” (Fanny

Abramovich).

1. Conceito de ilustração:

A lustração é uma forma de comunicação estética; é uma linguagem

internacional, podendo ser compreendida por qualquer povo.

2. Tipos de texto:

2.1. Texto verbal: Sua leitura está vinculada à palavra que, de certa forma, o aprisiona

(sentidos fixados).

2.2. Texto não-verbal: Sua leitura possui uma liberdade maior pois que ela está

contida na leitura do mundo, que antecede a leitura da palavra (leitura dos sons, dos

gestos, dos olhares, etc.). A leitura não-verbal é mais dinâmica, pois o leitor precisa

resumir o que está disperso, agindo com rapidez para não perder o ritmo.

3. Como ler um texto não-verbal?

Na leitura de um texto não-verbal, dois elementos devem ser

considerados: OBSERVAÇÃO e COMPARAÇÃO. Nele, o receptor observa,

compara, combina imagens, faz relação com seu contexto (tempo e espaço) e realiza a

sua leitura.

4. O que é imagem?

Imagem é a representação de um objeto pelo desenho, pela pintura, entre

outros. A imagem pode refletir uma época (as imagens de um determinado momento

histórico podem oferecer os modos de perceber e/ou sentir os gostos de uma dada

época).

5. O que é leitura da imagem?

Leitura da imagem significa ler pelo desenho, pela pintura. Portanto, ela

envolve uma narrativa apenas visual, onde toda a história é contada por meio de

desenhos, fotos, sem nenhuma palavra.

38

6. Ilustrações e seus gêneros:

Ilustração informativa:

Ex: Ilustrações sobre medicina, botânica, etc.

Ilustração persuasiva:

Ex: Ilustrações publicitárias.

Ilustração narrativa:

Está associada a um tipo de texto: literário, musical, etc.

7. Características e funções da ilustração:

7.1. Reconstitui os fatos narrados. Ela está atrelada à narrativa e, por isso, é óbvia.

7.2. Segunda linguagem não verbal, que corre paralela ao texto, ora se interpenetrando

nele, estimulando a imaginação, suscitando novas narrativas, inserindo o receptor dentro

da história.

7.3. Acentua a função lúdica do livro como objeto de magia e descoberta.

8. Função da literatura e do livro:

Promover o diálogo entre diferentes linguagens. Com isso, o

coautor/receptor é beneficiado.

9. A presença de imagem nos livros:

É importante a apresentação de livros de imagens simples, de leitura visual

fácil, para que a criança pequenina consiga nomear os objetos do conhecimento

cotidiano. Na consolidação da linguagem, a criança já cria uma interpretação para as

imagens representadas e estabelece relação entre elas. Em uma atitude ativa, a criança

compara, discrimina, enumera, descreve, recria e interpreta, segundo suas experiências

prévias. Em outras palavras, a criança descobre a imagem graças à sua experiência do

mundo. No momento em que a leitura se consolida, a imagem cede, pouco a pouco,

terreno para o texto. O essencial passa a ser contado pelo texto.

OBSERVAÇÃO: A divisão estabelecida abaixo tem, apenas, um caráter didático,

pois esses gêneros agem, muitas vezes, ao mesmo tempo.

39

10. É importante, na seleção de livros voltados para a leitura de imagem:

● Não condicionar a seleção a ilustrações coloridas.

● Privilegiar obras que dispensam qualquer explicação, sendo a imagem suficiente para

expressar a história.

● Observar a originalidade (técnica, acabamento) da ilustração.

● Considerar a atividade, a ludicidade e a expressividade do livro.

● Preferir obras que tenham personagens expressivos, de características particulares e

diferenciadas, descartando preconceitos e imagens estereotipadas que induzam o leitor a

qualquer preconceito ou que subestime qualquer cultura ou grupo social, racial ou

religioso.

● Preferir livros cujas imagens apresentem uma sequência coerente.

● Privilegiar obras que deleitem os leitores e lhes permitam ampliar e enriquecer sua

imaginação.

11. Alguns/as ilustradores/as brasileiros/as:

Ângela Lago, Ziraldo, Guido Heleno, Jô Oliveira, entre outros/as.

EXERCITANDO:

Analise a composição da obra História de amor, de Regina Coeli Rennó. Observe que

se trata de um livro sem texto; portanto, voltado para a leitura da imagem.

Fique atento à sequência das gravuras dessa obra e, em seguida, escreva uma história

que corresponda à proposta textual contada, por meio de desenhos, pela Autora.

Observação: Para ter acesso à obra acima citada, basta acessar o seguinte link:

http://www.youtube.com/watch?v=VVCb9zMm39w

40

AULA 03:

RELAÇÃO DA LITERATURA INFANTIL COM A LUDICIDADE E

A INTERDISCIPLINARIDADE

TÓPICO 01: LITERATURA INFANTIL E OS

ESTÁGIOS PSICOLÓGICOS DA CRIANÇA

Texto elaborado por alunos/as que cursaram a disciplina Literatura Infantil Universal - UFC

41

Literatura infantil é arte; é a reinvenção da realidade de forma nova e

criativa; é a utilização da palavra com emoção e beleza. Ela abre caminhos, permitindo

que o leitor entre na história e desvende as entrelinhas do texto.

Contar histórias propicia o conhecimento e a reflexão sobre as diversas

formas de se trabalhar com a palavra, bem como propicia a vivência de processo de

criação e expressão de quem conta e de quem ouve. A contação de história é um grande

instrumento para despertar o senso crítico, o hábito da leitura e da escrita e contribui

para o desenvolvimento da personalidade infantil de maneira significativa.

É por meio da contação de histórias que as crianças passam a ter o contato

com a literatura e, assim, despertam o gosto pela leitura, alimentando o imaginário,

desvendando os mistérios do mundo e desenvolvendo autoconhecimento.

As histórias podem ser reais ou imaginárias:

● As histórias reais são aquelas que têm por objetivo apresentar

acontecimentos históricos, bibliográficos, memoriais, verídicos.

● As histórias imaginárias são aquelas inventadas ou que, embora baseadas

em um fato real, tratam-no com certa liberdade de imaginação. São exemplo dessa

tipologia: as fábulas, os apólogos, etc.

A história só atinge seu objetivo quando é apropriada à idade do ouvinte ou

do leitor ao qual se direciona. Assim, o indivíduo se identifica com ela. Portanto, na fase

de desenvolvimento mental, é necessário que as histórias sejam escolhidas de acordo

com os estágios psicológicos da criança. Esses estágios correspondem às seguintes

etapas:

Pré-leitor (dos 2 aos 5 anos): Momento em que a criança tem a sua

atenção voltada para o que é familiar (como, por exemplo, a família, os animais

domésticos, etc.) e seu pensamento não acompanha grandes enredos. Portanto, as

histórias devem ser curtas e com poucas personagens.

Leitor iniciante (a partir dos 6 anos): Período de aprendizagem da leitura;

os signos escritos ganham espaço. Nessa fase, as histórias devem ser lineares; o texto

deve apresentar frases curtas e as personagens devem possuir traços nítidos.

Leitor em processo (a partir dos 8 anos): Fase em que a criança já tem

facilidade para dominar a leitura e expor seu interesse pelo conhecimento e por desafios.

Os textos devem apresentar uma narrativa linear, em torno de uma situação central, com

frases simples, em ordem direta.

42

Leitor fluente (a partir dos 10 anos): Fase da pré-adolescência, período de

amadurecimento do domínio da leitura. A criança tem grande capacidade de

concentração e de reflexão, permitindo a percepção de mundo. Os livros devem ser

diversificados e o texto deve apresentar uma linguagem mais elaborada.

Leitor crítico (a partir dos 12 anos): A criança possui o total domínio da

leitura, a capacidade de concentração e de reflexão é bem maior. Fase de

desenvolvimento do pensamento crítico.

FÓRUM:

Os estágios psicológicos da criança correspondem às diversas etapas do

desenvolvimento infantil/juvenil.

Neste fórum, pretendemos que a discussão realizada entre os/as colegas de turma e o/a

tutor/a abarque sugestões e análise de obras infanto-juvenis que possam ser utilizadas

em cada um dos níveis de amadurecimento biopsíquico-afetivo-intelectual do/a leitor/a,

considerando, para isso, seu grau ou nível de conhecimento/domínio do mecanismo da

leitura, dentro de uma evolução considerada “normal”.

TÓPICO 02: O TRABALHO INTERDISCIPLINAR

Texto elaborado por alunos/as que cursaram a disciplina Literatura Infantil Universal - UFC

43

Para a criança, há todo um mundo desconhecido e confuso, em certos

momentos, para ser conhecido. É preciso, pois, dentro desse aprendizado, que haja um

saudável desenvolvimento das habilidades infantis.

É nessa importante fase da vida (a infância) que o indivíduo começa a se

desenvolver e formar relações, pensamentos que, de muitas formas, levará pelo resto da

vida. Para Erick Erickson, é nessa fase, também, que a parte essencial da identidade é

formada. Se sentirá orgulho ou vergonha de si mesma, se será curiosa e indagadora ou

medrosa e retraída são exemplos de questões de identidade que se formam nesse

período, segundo o Autor.

Em seu primeiro contato com a literatura, faz-se necessário que haja um

estímulo para aguçar a curiosidade infantil a fim de que a criança construa seu universo

imaginário. Nesse sentido, tomemos por referência a teoria das inteligências múltiplas,

de Gardner, onde o Autor desenvolve domínios interligados para compreensão dos

saberes.

A contação de história, aqui sugerida, pode proporcionar a aproximação

ideal entre criança e leitura, funcionando como “espinha dorsal” para a possibilidade de

articulação dos diversos saberes.

A inteligência linguística é a primeira a ser despertada no ato da contação de

história, pois é a partir da linguagem que o texto será contado e é, também, a partir da

interpretação do ouvinte que a narrativa será compreendida. Desperta-se, então, na

criança, o interesse pela leitura, pela literatura e por toda gama de conhecimentos por

elas transmitidos. É a partir daí, dessa sedução que a linguagem literária gera, que a

criança terá interesse e disposição para adentrar em um mundo novo.

As inteligências intrapessoal e interpessoal são despertadas a partir da

interpretação, da interação com a história, com seus personagens e com as reflexões por

eles causadas. A criança, pois, pode compreender o outro e a si mesma dentro das

situações trabalhadas e analisadas no texto.

A contação de história pode se dar a outros tantos objetivos. Nesse aspecto,

a abordagem do contador e a natureza da história podem levar ao desenvolvimento de

diversas inteligências. Vejamos:

Inteligência naturalista: quando trabalha a consciência ambiental, a

relação com a natureza, ou quando incita, de forma direta ou indireta, a interação com o

meio-ambiente.

44

Inteligência corporal-cinestésica: quando há incentivo para o movimento

e para a atenção aos sentidos, podendo trabalhar, entre outros aspectos, a parte

física/motora (quando o contador pede que os ouvintes usem o corpo de alguma forma,

sendo correndo ou andando, por exemplo), a parte sensorial (por meio do sentido do

tato ou do olfato, por exemplo).

Inteligência espacial/pictórica: quando o contador pede ou incita os

ouvintes a reproduzirem, por meio de desenhos ou esculturas, a história contada.

Inteligência musical: quando há presença de música ou de apreciação

musical durante a história. É interessante, também, que haja interação, por parte dos

ouvintes, nessas narrativas, seja batendo palmas, tocando algum instrumento, cantando

ou até mesmo compondo.

Inteligência lógico-matemática: quando a história inicia o pensamento

lógico de solução de problemas cotidianos apresentados nas narrativas. É interessante

conversar com o ouvinte para lhe estimular o raciocínio por meio de perguntas.

Notemos, pois, que em todas as situações acima elencadas, é imprescindível

a interatividade. Faz-se mister que o ouvinte participe da história para que nele se

desenvolvam as várias formas de inteligência apontadas por Gardner.

A fim de se construir um futuro leitor crítico é preciso que, por meio de uma

forma inteligente e intrigante, a ele seja apresentada a literatura. Sugerimos, então, a

contação de história como forma construtiva e funcional para desenvolver, nesse futuro

leitor crítico, um primeiro contato agradável, lúdico e informativo para que,

posteriormente, ele possa relacionar o ato de ler e de aprender a prazeres que teve

durante esse primeiro contato com a leitura.

ATIVIDADE DE PORTFÓLIO:

Para a realização dessa atividade, você deverá, primeiramente, realizar a leitura

complementar correspondente ao conto de fada “João e o pé de feijão”, compilado pelos

irmãos Grimm.

Você deverá escrever um texto dissertativo que contemple o seguinte aspecto: A relação

da história “João e o pé de feijão” com outras áreas do conhecimento (Português,

Matemática, Ciências, etc.) e com as inteligências múltiplas que esse conto de fadas

pode ajudar a desenvolver na criança. Fundamente, teoricamente e com exemplos, sua

resposta.

45

LEITURA COMPLEMENTAR:

JOÃO E O PÉ DE FEIJÃO

Irmãos Grimm

Há muitos e muitos anos existiu uma viúva que tinha um filho chamado João.

46

João e a mãe eram muito pobres e, para se manterem, contavam apenas com uma

vaca, cujo leite vendiam na cidade.

Um dia, porém, a vaca parou subitamente de dar leite, e a pobre mulher, tendo

perdido assim a fonte de seu sustento, ficou preocupada e sem saber o que fazer.

João, de sua parte, começou a procurar um emprego, com o qual pudesse ajudar a

mãe. Mas os dias foram passando sem que ele arranjasse coisa alguma para fazer.

Assim, a única solução que encontraram foi vender a vaca, pois o dinheiro daria pelo

menos para viverem por algum tempo.

João logo se ofereceu para ir vender o animal na cidade, mas a mãe, achando que

ele não saberia negociar, a princípio não consentiu. Entretanto, porque ela própria não

poderia sair de casa naquele dia, não teve outro remédio senão concordar com a ideia.

Amarrou então uma corda no pescoço da vaca, para que João não a perdesse e, depois

de dar muitos conselhos ao filho, deixou-o partir.

E lá se foi João, com destino à cidade.

Quando estava no meio do caminho, encontrou um vendedor ambulante que o

cumprimentou muito simpático e perguntou-lhe aonde estava indo com a vaca.

Assim que João contou que estava indo vendê-la na cidade, o homem tirou do

bolso um punhado de feijões, muito bonitos e de cores e formatos variados, e

mostrou-os ao menino, dizendo que eles eram encantados.

João ficou deslumbrado com a beleza dos grãos e, ao ouvir as palavras do

vendedor, seus olhos brilharam de alegria. Morrendo de vontade de possuir os feijões

encantados, perguntou ao homem se ele não gostaria de trocá-los pela vaca.

O vendedor concordou prontamente com a troca. E, horas depois, João chegava

em casa muito satisfeito, achando que havia feito um excelente negócio.

A mãe o recebeu muito contente, mas, quando o menino lhe mostrou o que havia

conseguido em troca do animal, ficou furiosa e disse:

— Como, meu filho?! Você teve coragem

de trocar a única coisa que possuíamos por

uma porcaria duns grãos de feijão?

E, quanto mais pensava na situação difícil em que ela e o filho estavam agora,

mais nervosa ficava. Até que, num acesso de raiva, jogou os feijões pela janela,

gritando:

— Veja, seu tolo! Veja para o que

servem seus grãos encantados: para jogar fora!

47

O pobre menino, desconsolado, ficou olhando para a mãe sem nada conseguir

dizer. E, como castigo, naquela noite foi mandado para a cama sem jantar.

Na manhã seguinte, ao acordar, João ainda estava muito triste e não conseguia

esquecer o acontecimento do dia anterior. Estava deitado, tentando encontrar um jeito

de remediar o que havia feito, quando notou que havia alguma coisa impedindo o sol de

entrar pela janela. Levantou-se para espiar o que era e, espantado, descobriu que os

grãos de feijão não só haviam brotado durante a noite, como também haviam crescido

assustadoramente, transformando-se numa planta enorme, que subia até o céu.

Admirado e feliz, o menino correu até o quintal e, sem pensar duas vezes,

começou a subir pelo pé de feijão. Subiu, subiu e subiu; atravessou muitas camadas de

nuvens macias como flocos de algodão e, por fim, descobriu que a planta terminava

num estranho país, onde tudo parecia deserto.

Como queria saber onde estava, João resolveu andar para ver se encontrava

alguém por ali. Mas o lugar parecia completamente desabitado, pois, mesmo andando

horas em seguida, não viu ninguém pelo caminho. Porém, quando já estava escurecendo

e o seu estômago até doía de fome, João avistou um enorme castelo para onde se

dirigiu. Encontrou na porta uma mulher que pareceu muito assustada em vê-lo ali.

— O que você está fazendo aqui, menino? — disse ela. — Não sabe que esse

castelo pertence ao meu marido, um gigante muito mau, devorador de carne humana?

Ao ouvir isso, João sentiu as pernas bambearem de medo. Mas, como a mulher lhe

dissesse que o gigante estava fora, caçando, e também como a fome e o cansaço não o

deixassem andar mais, pediu a ela que o abrigasse e o escondesse até o dia seguinte.

Embora fosse casada com um homem tão mau, a esposa do gigante era uma pessoa

muito bondosa. Assim, ficou com muita pena do menino e o levou para dentro do

castelo, onde lhe serviu uma mesa coberta de coisas deliciosas. João, que estava morto

de fome, comeu tudo com tanto apetite e gosto que logo se esqueceu do perigo que

estava correndo. De repente, porém, ouviu-se um grande barulho na porta, seguido de

passos tão pesados que o castelo inteiro estremeceu.

— Oh, meu Deus! — disse a mulher, tremendo como vara verde. — É o gigante,

menino ! Ele não pode encontrar você aqui senão vai devorar você e a mim também!

Ao vê-la tão assustada, João ficou paralisado de medo. Mas a mulher o puxou

rapidamente pela mão, e mal teve tempo de escondê-lo dentro do forno, antes que o

gigante entrasse na cozinha, gritando com sua voz de trovão:

48

— Mulher! Mulher, estou sentindo cheiro de carne humana! Um, dois e três.

Diga-me de uma vez! Onde está esse abelhudo? Vou comê-lo com ossos e tudo!

Mais que depressa, a mulher explicou que o cheiro de carne era dos franguinhos

que ela havia matado para o jantar.

João, que estava espiando por uma frestinha do forno, ficou apavorado só de

pensar no que aconteceria se o gigante o encontrasse. Mas a bondosa mulher, que sabia

que o marido era muito comilão, apressou-se em servir a comida, antes que ele

começasse a procurar por todos os cantos da casa até encontrar o pobre menino.

O gigante sentou-se então à mesa e, para começar a refeição, engoliu uma dúzia de

frangos assados, com ossos e tudo. Com os olhos arregalados, João assistiu à mulher

trazendo para a mesa pratos e mais pratos, que o gigante engolia rapidamente, sem

nunca ficar satisfeito.

Quando acabou finalmente sua refeição, o comilão gritou para a mulher:

— Traga-me o dinheiro!

— Está bem! — respondeu ela, saindo da cozinha.

E, logo em seguida, voltava com dois sacos cheios de moedas de ouro. Depois

de ordenar que a mulher fosse dormir, o gigante colocou os sacos de moedas sobre a

mesa e começou a contá-las, enquanto esperava o sono chegar.

Quando se cansou desse divertimento, guardou as moedas de novo nos sacos e

depois colocou-os no chão, perto de si. Só que, por precaução, amarrou ao pé da mesa

um cão de guarda, e depois recostou-se na cadeira e pôs-se a dormir.

João, que a tudo assistia de seu esconderijo, esperou que o gigante estivesse

dormindo profundamente e, quando viu que ele estava roncando como um trovão, saiu

de mansinho do forno para roubar o dinheiro. Entretanto, assim que pôs as mãos sobre

os sacos de moedas, o cão de guarda começou a latir feito louco e o pobre menino,

apavorado, julgou-se completamente perdido.

Acontece que o gigante tinha um sono pesado demais e os latidos fizeram apenas

com que ele se mexesse na cadeira, sem conseguir acordá-lo.

Mais sossegado, o menino subiu na mesa da cozinha e, depois de pegar um

pedação de carne, jogou-o ao cão, que abanou o rabo e ficou em silêncio, deliciando-se

com o petisco.

João pode assim pegar o dinheiro e fugir dali. Correu sem parar até alcançar o pé

de feijão, descendo habilmente até chegar ao quintal de casa.

49

Em seguida, chamou pela mãe e, depois de contar-lhe toda a aventura,

entregou-lhe os dois sacos de moedas.

Com o dinheiro roubado do gigante, João e a mãe passaram a levar uma vida de

rei. Nada mais faltava na casa e eles não precisavam mais temer a fome e a necessidade.

Mas o tempo foi passando e os sacos de moedas começaram a ficar vazios. E João

pensou, então, em voltar ao castelo do gigante, para se apoderar de mais riquezas.

Contou sua vontade à mãe e ela, com medo de que alguma coisa pudesse

acontecer-lhe, proibiu-o de ir.

— Já pensou se o gigante agarrar você? — disse ela. — E a mulher dele? Ela

certamente o reconhecerá e poderá entregá-lo ao marido!

Percebendo que a mãe não ia mesmo permitir, João fingiu aceitar o que ela dizia.

Mas, na primeira chance que teve, saiu escondido e subiu novamente pelo pé de feijão,

desta vez muito bem disfarçado para que a mulher do gigante não o reconhecesse.

Chegou assim mais uma vez ao estranho país e, depois de caminhar até o

anoitecer, avistou o castelo do gigante, na porta do qual encontrou novamente a boa

mulher.

— Menino! — disse ela, sem reconhecer João. — O que você faz aqui? Não sabe

que esse castelo é do meu marido, um gigante muito mau, devorador de carne humana?

João fingiu-se muito assustado, e pediu à mulher que o escondesse até o dia

seguinte, dizendo que não conseguiria encontrar o caminho de casa no escuro.

— Ah, não! — respondeu ela. — De jeito nenhum! Da última vez que fiz isso me

arrependi amargamente! Já dei abrigo a um menino como você e o mal-agradecido

fugiu, levando dois sacos de moedas de ouro do meu marido. Por causa disso, quase fui

devorada no lugar do malandrinho! E o gigante, desde então, tem estado com um humor

terrível, que eu sou obrigada a suportar!

Mas João sabia ser convincente e pediu tantas vezes que a boa mulher acabou

concordando em escondê-lo. Assim, levou-o para dentro do castelo e deu-lhe de comer

e de beber. E, novamente, mal teve tempo de esconder João, desta vez dentro de um

quartinho de despejo, e o gigante já chegava, com seu andar tão pesado que fazia o

castelo estremecer. Dali a pouco, ele já estava na cozinha, gritando com voz de trovão:

— Um, dois e três. Cheiro de gente outra vez! Onde está esse abelhudo? Vou

comê-lo com ossos e tudo!

Enquanto dizia isso, o gigante procurava por todos os cantos da casa.

50

João, que a tudo assistia pela fechadura da porta, ficou morrendo de medo de ser

encontrado. Mas a bondosa mulher mais uma vez convenceu o marido de que não havia

ninguém na casa e, enchendo a mesa de comida, conseguiu distraí-lo.

Novamente o gigante comeu até se fartar e depois disse à mulher:

— Mulher, traga-me a galinha!

Ela, como da outra vez, obedeceu às ordens e saiu da cozinha, para voltar logo de-

pois, trazendo uma galinha viva. O gigante colocou a galinha sobre a mesa e, assim que

a mulher se retirou, ordenou:

— Bote!

E João viu, espantado, a galinha botar um ovo que não era nem branco e nem igual

aos das galinhas comuns, e sim de ouro, ouro puro e maciço!

— Bote outro! — ordenou o gigante.

E a galinha obedeceu. Assim aconteceu sucessivamente, até que a mesa da cozinha

ficou repleta de ovos de ouro, bonitos e reluzentes.

De repente, o gigante se cansou de mandar a galinha botar os ovos e, debruçando-

se sobre a mesa, caiu, logo em seguida, num sono profundo.

Quando ouviu o gigante roncando outra vez como um trovão, João saiu em

silêncio de seu esconderijo. E, como desta vez não havia nem o cão de guarda para

atrapalhar, foi muito fácil agarrar a galinha e fugir correndo do castelo, até chegar ao pé

de feijão.

Logo que entrou em casa, João chamou a mãe e, depois de lhe contar a sua

aventura, entregou-lhe a galinha dos ovos de ouro.

Daquele dia em diante, nada mais lhes faltou, pois, sempre que precisavam de

alguma coisa, bastava ordenar à galinha que botasse um ovo, e ela obedecia

prontamente.

Mesmo sendo agora rico e feliz, João voltou a ter vontade de subir outra vez ao

castelo do gigante. Mas, sempre que falava nisso, a mãe o repreendia tão severamente,

que o menino acabava adiando a viagem, sem entretanto desistir da ideia.

51

Passaram-se assim três anos, no final dos quais João tomou uma decisão: ia subir

de novo, custasse o que custasse, e não contaria nada à mãe.

Assim, esperou pacientemente que chegasse o verão, quando os dias são mais

longos e, depois de se disfarçar muito bem, subiu pelo pé de feijão antes que o sol

nascesse, para que a mãe não o visse.

Novamente chegou ao castelo numa hora em que o gigante não estava, e mais uma

vez não foi reconhecido pela mulher, que voltou a falar-lhe dos perigos que corria

estando ali. Só que, desta vez, foi muito mais difícil convencê-la a recolher um estranho

em seu castelo, pois o gigante, depois do último roubo, estava com um humor

insuportável e cada dia se tornava mais malvado.

João, porém, sabia que a mulher era muito bondosa e continuou insistindo até que

conseguiu convencê-la. Foi então acolhido, e de novo lhe foi servida uma refeição

deliciosa.

Mas nesse dia o gigante chegou tão repentinamente que a mulher só teve tempo de

colocar João dentro de um caldeirão, antes que o marido entrasse na cozinha gritando:

— Mulher! Sinto cheiro de carne humana! Um, dois e três. Diga-me de uma vez!

Onde está o abelhudo? Vou comê-lo com ossos e tudo!

E estava tão furioso e desconfiado, que começou a procurar por todos os cantos,

sem nem ouvir a esposa chamando-o para o jantar.

Procurou, procurou e procurou até que, finalmente, chegou bem perto do caldeirão

onde João estava escondido. Ao ouvir aqueles passos que faziam o chão tremer e aquela

voz de trovão gritando furiosamente, o pobre menino achou que estava mesmo perdido.

Por sorte, entretanto, o gigante sentiu uma fome repentina e ficou com preguiça de

levantar a tampa do caldeirão. Por isso, desistiu de procurar e gritou:

— Mulher! Quero jantar!

Dentro de seu esconderijo, João suspirou aliviado. E ali ficou bem quietinho,

esperando que o comilão fizesse sua interminável refeição.

Quando, afinal, estava satisfeito, o gigante gritou para a mulher:

— Traga-me a harpa de ouro!

E ela, como sempre fazia, obedeceu-lhe prontamente. O gigante esperou que ela se

retirasse para dormir, depois colocou o instrumento sobre a mesa e ordenou:

— Toque!

No mesmo instante, a harpa de ouro começou a tocar sozinha uma melodia doce e

suave, que deixou João maravilhado e que embalou os sonhos do malvado gigante.

52

Assim, o menino esperou até que ele estivesse roncando bem alto, saiu em silêncio do

caldeirão e correu na direção do valioso instrumento.

Acontece que a harpa era encantada e, ao sentir que mãos estranhas a tocavam,

começou a gritar com uma voz fininha:

— Socorro! Socooorro!

E o gigante, ou porque não estivesse dormindo ainda, ou porque gostasse muito da

harpa, acabou acordando. Ao ver que estava sendo roubado, levantou-se da cadeira,

gritando, furioso:

— Ah, seu maldito! Desta vez você me paga! Quando eu o pegar, vou engoli-lo

vivo, com ossos e tudo!

Disse isso e veio direto em cima do pobre João, que, muito assustado, começou a

correr até não poder mais. A harpa de ouro, por sua vez, continuava gritando, com sua

vozinha fina:

— Socorro, meu senhor! Estão me roubando !

E João, ao ouvi-la falar, corria mais ainda, achando que o gigante o estava

alcançando.

De repente, no entanto, João percebeu que havia já alguns minutos não ouvia mais

os urros e o barulho dos passos de seu perseguidor. Intrigado, virou-se para trás e

descobriu uma coisa que o deixou muito feliz: o gigante, embora fosse grande e forte,

já estava velho e não conseguia correr muito.

Mesmo assim, ainda havia um longo caminho para chegar ao pé de feijão, e por isso

o menino agarrou de novo a harpa, que não parava de gritar por socorro, e continuou a

correr.

Horas depois, alcançou de novo seu pé de feijão e começou a descer. Quando

estava já no meio da haste da imensa planta, porém, João olhou para cima e viu que o

gigante, por ser muito pesado, descia numa rapidez incrível. Assim, logo que avistou o

quintal de casa, o menino começou a gritar pela mãe:

— Mamãe, mamãe! Traga-me um machado, depressa!

Quando João pôs os pés no chão, a mãe já se preparava para dar os primeiros

golpes na planta. Mas a viúva, ao olhar para cima e ver o tamanho do gigante, ficou

paralisada de medo.

João estava muito cansado, mas conseguiu reunir todas as suas forças e,

apossando-se do machado, golpeou várias vezes o pé de feijão. Tendo sido cortada a

planta, o gigante despencou lá do alto, caindo ao chão com um grande estrondo. Era tão

53

pesado que |seu corpo, ao cair, fez uma cratera enorme, que demorou muitos anos para

fechar.

Livre do perigo que o ameaçava, João abraçou a mãe alegremente. E, desde

aquele dia, os dois passaram a viver tranqüilos.

Tempos depois, quando se tornou um homem forte e bonito, João se casou com

uma princesa, com quem viveu feliz por muitos e muitos anos.

Quanto ao pé de feijão, depois de cortado, secou completamente e, como não

havia mais sementes, nunca mais nasceu outro igual.

(In: http://www.consciencia.org/joao-e-o-pe-de-feijao-fabula-contos-infantis-dos-

irmaos-grimm. Acessado em 28/11/2012)

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TÓPICO 03: LITERATURA E LUDICIDADE

Texto elaborado por alunos/as que cursaram a disciplina Literatura Infantil Universal (UFC) e

pela Professora Doutora Edilene Ribeiro Batista

A ludicidade está relacionada à liberdade, à criatividade, à imaginação, à

participação, à interação, à autonomia além de outras qualificações que podem ser

atribuídas a uma infinita riqueza de significados que se vincula a esse conceito.

A criança está em constante contato com o mundo lúdico, pois ele está

envolto por fantasia, imaginação, faz-de-conta, jogo e brincadeira. Podemos dizer que o

lúdico é um grande laboratório que merece toda a atenção dos pais e educadores, uma

vez que é, por meio dele, que ocorrem experiências inteligentes e reflexivas praticadas

com emoção, prazer e sinceridade. As brincadeiras propiciam a descoberta de si mesmo

e do outro, auxiliando, assim, na aprendizagem. É no brincar que a criança está livre

para criar. Segundo Platão: “Você aprende mais sobre uma pessoa em uma hora de

brincadeira do que uma vida inteira de conversação”. Pode-se dizer que as brincadeiras

e os jogos são as principais atividades físicas da criança: além de proporcionarem o

desenvolvimento físico e intelectual do público infantil; promovem saúde e maior

compreensão do seu esquema corporal. É jogando que a criança aprende a respeitar

regras, limites, esperar a sua vez e aceitar resultados. O brincar e o jogar, para a criança,

não é apenas um passatempo ou simples diversão, mas um momento sério, pois ela está

aprendendo o que ninguém pode lhe ensinar, descobrindo o mundo e as pessoas que a

cercam. E o que é o faz de conta? É exercitar e promover o raciocínio abstrato. Por

exemplo: uma criança, ao amassar uma folha de papel, formará uma bola que, para ela,

poderá ser a bola de um famoso time de futebol ou de um famoso jogador de tênis...;

enfim, estará fazendo uso das abstrações para construir, por meio da imaginação, o seu

mundo.

Muitos teóricos trouxeram relevantes pesquisas sobre a utilização da

ludicidade no processo de ensino e aprendizagem, concluindo que os/as alunos/as

desenvolvem a responsabilidade, a autoexpressão e a cognição. A partir do uso dessa

prática, a criança sente-se estimulada e, sem perceber, vai desenvolvendo e construindo

seu conhecimento. Segundo Oliveira (2002), a

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brincadeira infantil beneficia-se de suportes externos para sua

realização: rituais interativos, objetos e brinquedos, organizados

ou não em cenários (casa de bonecas, hospital, etc.), que contém

não só temas, mas também regras. Em virtude disso, o professor

pode organizar áreas para desenvolvimento de atividades

diversificadas que possibilitam às crianças estruturar certos

jogos de papéis em atividades específicas (OLIVEIRA, 2002:

231).

A ludicidade pode, também, ser aplicada à aprendizagem, mediante jogos e

situações lúdicas, não impedindo a reflexão sobre conceitos matemáticos, linguísticos

ou científicos, por exemplo. De acordo com Freire:

Compreender a atividade infantil capacita o professor a intervir

para facilitar o desenvolvimento da criança. Isso contribuiria

para reforçar a ideia de que a escola, na primeira infância, deve

considerar as estruturas corporais e intelectuais de que dispõem

as crianças, utilizando o jogo simbólico e as demais atividades

motoras próprias da criança nesse período (FREIRE, 1997: 44).

Outro aspecto importante, no que se refere à ludicidade, é sua inserção, em

muitas propostas pedagógicas, como um instrumento para o ensino de conteúdos.

Entretanto, quando os jogos e as brincadeiras são compreendidos apenas como recursos

pedagógicos, assumem um caráter instrumental porque perdem o sentido da brincadeira,

servindo somente para a sistematização de conhecimentos, uma vez que são usados para

atingir resultados preestabelecidos pelo educador. Quanto a esse aspecto, Borba (2006)

enfatiza que o jogo, visto apenas como recurso didático, não contém os requisitos

básicos que configuram uma atividade como brincadeira: ser livre, espontâneo/a, não ter

hora marcada, nem resultados prévios e determinados.

É importante observar que, no brincar, as crianças tornam-se agentes de sua

experiência social; estabelecem diálogos; organizam com autonomia suas ações e

interações, construindo regras de convivência social e de participação nos jogos e

brincadeiras.

Quando a criança joga, ela opera significado das suas ações, o que a faz

desenvolver sua vontade e, ao mesmo tempo, tornar-se consciente das suas escolhas e

decisões. Por isso, o jogo apresenta-se como elemento básico para a mudança das

necessidades e da consciência.

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É importante também falarmos sobre duas possibilidades de entendimento

do fenômeno lúdico: o instrumental e o essencial. No primeiro, o jogo é compreendido

enquanto recurso motivador, simples instrumento para a realização de objetivos que

podem ser educativos, publicitários ou de inúmeras naturezas. No segundo, o jogo é

visto como uma atitude essencial, como uma categoria que não necessita de uma

justificativa externa, alheia a ela mesma para se validar. No primeiro caso, o jogo está

centralizado na produtividade e tem caráter utilitário; no segundo, a produtividade é o

próprio processo de brincar, uma vez que, nessa concepção, jogar é intrinsecamente

educativo; é essencial enquanto forma de humanização.

Conforme apresentam os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais), os

jogos e as brincadeiras, competitivas ou não, são contextos de socialização significativa

em que o aluno precisa respeitar o outro enquanto parceiro e não adversário. É na

oportunidade de ter diferentes problemas para resolver no coletivo por meio da

comunicação e da cooperação, que aprende a respeitar a diversidade de opiniões

surgidas num momento lúdico.

A ação educativa, em uma abordagem lúdica, pode trabalhar a busca do

êxito em múltiplas tentativas-erro, a persistência e a segurança, entre outros/as. Nessa

perspectiva, é fundamental que o professor crie situações de aprendizagens

significativas, pois estas farão com que o educando associe o aprendizado ao prazer.

1. Exemplo de atividades lúdicas:

1.1. Rodas de leituras com:

1.1.1. Histórias lidas.

1.1.2. Histórias contadas.

1.1.3. Histórias com imagens.

1.1.4. Histórias desenhadas.

1.2. Dramatizações.

1.3. Gravuras em sequência.

1.4. Criação e interpretação coletiva de textos/Produzindo histórias. Exemplo: Com

jogos.

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1.5. Histórias cantadas:

Exemplo: Teresinha de Jesus (resgate das cantigas de roda)

Teresinha de Jesus

De uma queda foi ao chão.

Acudiram três cavalheiros,

Todos três, chapéu na mão.

O primeiro foi seu pai.

O segundo, seu irmão.

O terceiro foi aquele

A quem Teresa deu a mão.

Quanta laranja madura...

Quanto limão pelo chão...

Quanto sangue derramado

Dentro do meu coração...

Da laranja quero um gomo,

Do limão quero um pedaço,

Da menina mais bonita

Quero um beijo e um abraço.

Teresinha levantou-se,

Levantou-se lá do chão

E sorrindo disse ao noivo:

“Eu te dou meu coração”.

1.6. Adivinhações.

1.7. Trava-língua:

Exemplos:

Cada macaco no seu galho

Cada macaco no seu galho,

Cada galho com seu macaco,

Cada caco com seu malho,

Cada casa com sua calha,

Cada malha com seu casaco,

Cada cangalha com seu cavaco.

Lina

Linda Lina, minha prima

Lina, me dá uma lima,

Uma lima e um limão

Uma lima, meia lima,

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Um mamão, meio limão,

Ou um melão alemão.

1.8. Outras ideias:

1.8.1. Epidemia poética:

- Amor rima com...?

- Coração rima com...?

1.8.2. Telefone sem fio

1.8.3. Complementação criativa:

Se você não fosse você mesmo, seria...? Fico muito chateado toda vez que...? Uma

manhã muito feliz para mim seria aquela em que...? Não pode haver coisa mais gostosa

que...?

1.8.4. Observação de figuras, gravuras... e relato das mesmas.

CHAT:

O chat desta aula está voltado para a temática literatura infanto-juvenil e suas relações

com a ludicidade. Seu/a professor/a-tutor/a vai marcar as datas e horários da sessão de

chat, e você deverá preparar-se levando conceitos e atividades lúdicas que podem ser

realizadas, com os/as alunos/as, a partir do texto literário. Lembre-se que a ludicidade é

um importante e rico recurso para atrair crianças e adolescentes para o mundo

encantado da leitura, auxiliando-os a se tornarem leitores críticos e competentes.

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AULA 04:

LITERATURA INFANTIL: PROSA E POESIA

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TÓPICO 01: O ENCONTRO COM OS CLÁSSICOS

Adriana Levino

1. O que se oferecia às crianças, no Brasil, entre os séculos XIX e XX (1861 –

1919)?

Com a Proclamação da Independência, em 1822, no Brasil, tudo estava por

fazer e tudo foi sendo feito em pouco tempo. No setor do ensino, como nos demais

setores, a carência era total. O Brasil enfrentava, ainda, as consequências da supressão

do ensino jesuíta, sem que outro sistema viesse substituí-lo, apesar de algumas

tentativas isoladas, em diferentes pontos do país.

D. João VI havia criado academias, cursos, escolas visando a atender, com

urgência, à formação de profissionais competentes em diversos setores da sociedade.

Porém, os resultados foram lentos, pois estudo e cultura são aquisições que demandam

tempo. Sendo assim, a educação era um dos problemas que mais preocupavam os

mentores de nosso desenvolvimento.

Com a fundação do Império, no Brasil, inicia-se uma fase de debates, de

projetos e de reformas do ensino primário, secundário e superior, tendo por objetivo a

estruturação de uma educação nacional, orientada pelas diretrizes da CARTA

CONSTITUCIONAL, de 11 de dezembro de 1823, que declarava dever do Estado “a

instrução primária a todos os cidadãos e que em colégios e universidades se deveria

ensinar as ciências, as belas-letras e as artes”.

O sistema escolar dessa época incorpora a produção literária para crianças e

jovens: adaptações e traduções.

Simultaneamente ao aumento de traduções e adaptações de livros literários

para o público infanto-juvenil, começa a se firmar, no Brasil, a consciência de que uma

literatura própria, que valorizasse o nacional, se fazia urgente para as crianças e para a

juventude brasileira.

Nessa época, literatura e pedagogia desenvolvem-se unidas e, a partir de

1890, São Paulo passa a ser o centro pioneiro da renovação educacional [...].

[Datam, dessa época, os seguintes exemplos de produções literárias]:

O livro do povo (1861), de Antônio Marques Rodrigues.

Contos infantis (1886), de Júlia Lopes de Almeida

61

Contos da carochinha (1896), de Figueiredo Pimentel.

O livro da infância (1899), de Francisca Júlia.

O Tico-Tico (1905 - histórias em quadrinhos).

Era uma vez (1908), de Viriato Correia.

Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manuel Bonfim.

Saudade (1919), de Tales de Andrade.

A menina do nariz arrebitado (1920), de Monteiro Lobato.

2. O gênio Lobato:

A Monteiro Lobato coube a fortuna de ser o “divisor de águas” na área das

literaturas infantil e juvenil brasileiras. Ele encontrou o caminho criador, rompendo com

as convenções estereotipadas, abrindo portas para novas ideias e formas que nosso

século exigia. Todavia, essa criação não se fez repentinamente. Resultou de um

processo de amadurecimento. Quando A menina do narizinho arrebitado foi publicado,

em 1920, Lobato estava com 38 anos de idade. Desde adolescente, começara a lidar

com as Letras, escrevendo crônicas e artigos para a impressa, no interior e na capital

paulista [...].

Lobato foi um dos que se empenharam na luta pela descoberta e pela

conquista do nacional. A princípio, na área literária, seja para adultos ou para crianças.

Mais tarde, voltou-se para os campos econômico e político.

Por volta de 1916, Lobato já se preocupava com os livros de leitura para a

criançada. Nos anos 20, Monteiro Lobato fundia o real e o maravilhoso.

Sua vasta produção, na área infanto-juvenil, engloba obras originais,

adaptações e traduções. Quem não se recorda de A menina do narizinho arrebitado

(1920), O Marquês de Rabicó (1922), Emília no país da gramática (1933), O Sítio do

Pica-Pau Amarelo (1939), ou ainda, A chave do tamanho (1942)?

Em suas narrativas aventurescas, encaixam-se situações, personagens e

celebridades que nasceram da invenção de Lobato [...]. E aí está a maior originalidade

de desse Autor: redescobrir realidades estáticas, cristalizadas pela memória cultural, e

dar-lhes nova vida, em meio às “reinações” da turma que habita o Sítio do Pica-Pau

Amarelo.

O mérito do referido escritor está na perfeita adequação entre sua matéria

literária e as imposições da época em que ela foi produzida. Lobato substitui o

sentimentalismo, tão em voga em sua época, pela irreverência gaiata, pelo humor e pela

62

ironia. Assim, foi um inovador pelo modo especial com que tratou o estereotipado

vigente em seu tempo.

A função lúdica da literatura, que foi privilegiada por Lobato, tem sido

enriquecida e aprofundada com outras funções igualmente essenciais ao espírito da

criança [...].

[Depois de Monteiro Lobato, outros/as tantos/as autores/as se debruçaram

sobre a escritura de obras voltadas para o público infanto-juvenil. Vejamos alguns

desses exemplos, por uma perspectiva cronológica]:

2.1. Anos 30:

Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Malba Tahan, Orígenes Lessa, Vicente

Guimarães, Viriato Correia, entre outros.

A produção desses autores revela diferentes tipos de narrativas: as de pura

fantasia (na linha dos clássicos contos maravilhosos); as de realidade cotidiana

(exaltando a terra brasileira, episódios nacionais); as da realidade mítica (redescobrindo

figuras ou lendas folclóricas); e as do realismo maravilhoso (mostrando o

“maravilhoso” como elemento integrante do real, tal como fazia Lobato).

2.2. Anos 40:

Camila Cerqueira, Lúcia Machado de Almeida, Maria Lúcia Amaral, Mário

Donato, Odette de Barros Mott e Virgínia Lefévre.

É nessa época que se dá a expansão da literatura quadrinizada, com seus

super-heróis, séries detetivescas e aventuras que resultam da fusão entre o maravilhoso

e a ciência.

2.3. Anos 50:

Gilda Padilha, Isa Silveira, Leonardo Arroyo, Lucilia Junqueira de Almeida,

Lúcio Machado de Almeida, Maria José Dupré e Terezinha Casasanta.

A produção desse período redescobre a fantasia, principalmente através da

fusão do Real com o Imaginário.

63

2.4. Anos 60:

Camila Cerqueira, Clarice Lispector, Francisco Marins, José Mauro de

Vasconcelos, Lucilia A. Prado, Maria José Dupré, Odette de Barros Mott, Stella Carr,

entre outros/as.

Vista em conjunto, a produção, nesse período, aparece como uma

preparação para a década seguinte.

2.5. Anos 70:

Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos Queirós, Elias José, Fernanda

Lopes de Almeida, Ganymedes José, Ignácio de Loyola Brandão, Lygia Bojunga

Nunes, Rachel de Queiroz, Sérgio Caparelli, Viviana de Assis Viana, Wander Piroli,

Ziraldo, entre outros/as.

2.6. Anos 80:

Assis Brasil, Ciça Fittipaldi, Lourenço Diaféria, Luís Camargo, Márcia

Kupstas, Marina Colassanti, Mário Quintana, Mirna Pinsky, Paula Saldanha, Pedro

Bandeira, Ricardo Azevedo, Roseana Murray, Sylvia Orthof e Tatiana Belinky.

Nos anos 70/80, dá-se uma explosão de criatividade na literatura

infanto-juvenil. Surgem dezenas de escritores obedecendo às seguintes palavras de

ordem: experimentalismo com a linguagem, com a estrutura narrativa e com o

visualismo do texto; uma literatura inquieta/questionadora que põe em causa as relações

convencionais existentes entre a criança e o mundo em que ela vive.

Na atualidade, não há um ideal absoluto para a literatura infantil. A

produção atual apresenta três tendências mais evidentes: a realista, a fantástica e a

híbrida [...]. Analisemos cada uma dessas categorias:

A) A literatura realista pretende expressar o Real, tal qual é percebido ou

conhecido pelo senso comum, e visa a um (ou mais) dos objetivos seguintes:

Testemunhar o mundo cotidiano, concreto, familiar e atual que o

jovem leitor pode reconhecer prontamente, pois é nele que vive.

Informar sobre costumes, hábitos ou tradições populares das

diferentes regiões do Brasil.

Apelar para a curiosidade e a argúcia do leitor, explorando enigmas

ou aparentes mistérios de certos acontecimentos que rompem a rotina cotidiana

(como nos romances policiais).

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Preparar, psicologicamente, os pequenos leitores para enfrentarem,

sem ilusões, mais tarde ou mais cedo, as dores e os sofrimentos da vida.

B) A literatura fantástica apresenta o mundo maravilhoso, criado pela

imaginação, e que existe fora do limite do real e do senso comum.

Nesse universo prevalece o lúdico. As soluções estilísticas escolhidas pelos

escritores têm sido as mais diversas: a que opta por personagens – animais; as que se

utilizam das descobertas da ciência para daí criarem seus enredos; as que transcorrem

no âmbito do maravilhoso, do “Era uma vez...”; as que utilizam a imaginação como

símbolo ou intuição do metafísico; etc.

C) A literatura híbrida parte do real e nele introduz o imaginário ou a

fantasia, anulando os limites entre um e outro. Os universos por ela criados se inserem

na linha do realismo mágico, tão em voga na Literatura Contemporânea.

Referências:

“Clarice Lispector”, “Guimarães Rosa”, “Manuel Bandeira”, “Mário Quintana”,

“Monteiro Lobato”, “Vinícius de Moraes” In: Literatura comentada. São Paulo: Nova

Cultural, s/d.

COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil. São Paulo:

Ática, 1991.

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, s/d.

________________. Giroflê, giroflá. São Paulo: Moderna, 1990.

MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 1987.

MORAES, Vinícius de. A arca de Noé. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.

QUINTANA, Mário. Pé de pilão. Porto Alegre: L&PM, s/d.

FÓRUM:

Escolha um/a dos/as autores/as acima citados/as (e uma de suas obras) para analisá-lo/a

sob uma das perspectivas apontadas, acima, no texto em estudo.

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TÓPICO 02: A POESIA NA LITERATURA INFANTIL

Edilene Ribeiro Batista

1. A poesia na literatura infantil:

● Parte significativa da produção literária infantil pode ser abarcada sob a denominação

de poesia. Esse gênero discursivo pode ter uma ligação com o jogo pois, a linguagem

poética, pode apresentar um caráter lúdico.

● Esse movimento lírico da primeira infância do ser humano explica o prazer dos sons,

das cores, das palavras, e do gosto pela repetição.

● A poesia infanto-juvenil brasileira, até a década de 50, caracterizava-se pelo

conservadorismo formal e pelo compromisso com a pedagogia, na exaltação de deveres

cívicos e familiares (o que correspondia a um cunho pedagógico-moralizante repleto de

valores convencionais).

● Marco da mudança são: Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo), Sidônio Muralha

(A televisão da bicharada) e Vinícius de Morais (A arca de Noé).

2. As três modalidades de poesia:

2.1. Poema infantil de tendência lírica: trabalha com a emoção.

2.1.1. Representante canônica:

- Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo) – maior representante do cânone literário

brasileiro da poesia infantil de tendência lírica. Sua poesia tem leveza, rapidez, exatidão,

visibilidade, multiplicidade, imagens sonoras e visuais que se constroem em gestos

simples do cotidiano infantil.

2.1.2. Representantes modernos/as e/ou contemporâneos/as:

- Roseana Murray (Classificados poéticos, Fruta no ponto): escritora premiada.

- Sérgio Caparelli (Boi da cara preta, Resto de arco-íris): procura, nas formas

folclóricas, matéria para compor seus poemas, marcados pela comicidade e pelo jogo.

Brinca, poeticamente, com efeitos sonoros, com provérbios e frases feitas (Ex: trava-

língua). Traz para a poesia a presença da voz infantil.

- Elias José (Caixa mágica de surpresa): trabalha com poemas que ora são

nitidamente lúdicos, provocando risos, ora são intensamente líricos, alcançando a

emoção.

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2.2. Poema narrativo: histórias contadas em versos com rima e ritmo.

2.2.1 Representante canônico:

- Mário Quintana (Pé de pilão): humor e magia.

2.2.2. Representantes modernos/as e/ou contemporâneos/as:

- Ângela Lago (Sangue de barata): busca inspiração nos provérbios, ditados e

formas populares.

- Silvia Orthof (Papos de anjo): explora o ritmo, a musicalidade, o lado cômico

da vida, levando o leitor a dar risadas até quando se trata de temas difíceis como a

velhice e a solidão.

- Tatiana Belinky (Represália de bicho): usa a musicalidade de versos rimados,

criando histórias divertidas.

2.3. Prosa poética: não está presa ao verso, mas busca a musicalidade da linguagem e

se vale de imagens poéticas.

2.3.1 Representantes modernos e/ou contemporâneos:

- Bartolomeu Campos Queirós (Pedro, Minerações): os quatros elementos da

imaginação poética (o ar, a água, a terra e o fogo, de que fala Bachelard) vão percorrer

as obras de Bartolomeu Campos Queirós.

- Ziraldo (O menino maluquinho, Flicts).

É preciso insistir que não se escreve para criança ou para adulto, o autor

produz literatura de acordo com o impulso criativo e celebrante. A capacidade de

articular o discurso pelo leitor é que marca o seu limite. A poesia infanto-juvenil

brasileira abandonou sua obrigação pedagógica e encontrou seu caminho de arte

verdadeira que produz o encanto, criando, para a criança, um espaço de reconhecimento

e de revelação do prazer, da fantasia e da realidade à sua volta.

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ATIVIDADE DE PORTFÓLIO:

Para aprofundarmos nossa discussão sobre a poesia na literatura infantil, leia o seguinte

texto complementar: “A educação do ser poético” (Carlos Drummond de Andrade).

Observe as reflexões de Drummond a respeito da seguinte questão: “Por que motivo as

crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo?”

Agora, escreva um texto dissertativo que responda a indagação acima, proposta pelo

poeta Carlos Drummond de Andrade.

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LEITURA COMPLEMENTAR:

A EDUCAÇÃO DO SER POÉTICO

Carlos Drummond de Andrade

Por que motivo as crianças, de modo geral, são poetas e, com o tempo,

deixam de sê-lo?

Será a poesia um estado de infância relacionada com a necessidade de jogo,

a ausência de conhecimento livresco, a despreocupação com os mandamentos práticos

de viver – estado de pureza da mente, em suma?

Acho que é um pouco de tudo isso, se ela encontra expressão cândida na

meninice, pode expandir-se pelo tempo afora, conciliada com a experiência, o senso

crítico, a consciência estética dos que compõem ou absorvem poesia.

Mas, se o adulto, na maioria dos casos, perde essa comunhão com a poesia,

não estará na escola, mais do que em qualquer outra instituição social, o elemento

corrosivo do instinto poético da infância, que vai fenecendo, à proporção que o estudo

Sistemático se desenvolve, ate desaparecer no homem feito e preparado supostamente

para a vida?

Receio que sim. A escola enche o menino de matemática, de geografia, de

linguagem, sem, via de regra, fazê-lo através da poesia da matemática, da geografia, da

linguagem. A escola não repara em seu ser poético, não o atende em sua capacidade de

viver poeticamente o conhecimento e o mundo.

Sei que se consome poesia nas salas de aula, que se decoram versos e se

estimulam pequenas declamadoras, mas será isso cultivar o núcleo poético da pessoa

humana?

Oh, afastem, por favor, a suspeita de que estou acalentando a intenção

criminosa de formar milhões de poetinhas nos bancos da escola maternal e do curso

primário. Não pretendo nada disto, e acho mesmo que o uso da escrita poética na idade

adulta costuma degenerar em abuso que nada tem a ver com a poesia. Fazem-se

demasiados versos vazios daquela centelha que distingue uma linha de poesia, de uma

linha de prosa, ambas preenchidas com palavras da mesma língua, da mesma época, do

mesmo grupo cultural, mas tão diferentes. Se há inflação de poetas significantes, faltam

amadores de poesia – e amar a poesia é forma de praticá-la, recriando-a.

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O que eu pediria à escola, se não me faltassem luzes pedagógicas, era

considerar a poesia como primeira visão direta das coisas e, depois, como veículo de

informação prática e teórica, preservando em cada aluno o fundo mágico, lúdico,

intuitivo e criativo, que se identifica basicamente com a sensibilidade poética.

Não seria talvez despropositado cuidar de uma extensão poética das

escolinhas de arte, esta ideia maravilhosa que Augusto Rodrigues tirou de sua formação

humana de artista para a realidade brasileira. Longe de ser uma fábrica alarmante de

versejadores infantis, essa extensão, curso ou atividade autônoma, ou que nome lhe

coubesse, daria à criança condições de expressar sua maneira de ver e curtir a relação

poética entre o ser e as coisas. Projeto de educação para a poesia (fala-se hoje em

educação artística no ensino médio, quando o mais razoável seria dizer educação pela

arte). A vocação poética teria aí uma largada franca, as experiências criativas gozariam

de clima favorável sem que tal importasse na obrigação de alcançar resultados concretos

mensuráveis em nível escolar. Sei de casos em que um engenheiro, por exemplo, aos

30, 40 anos, descobre a existência da poesia… Não poderia tê-la descoberto mais cedo,

encontrando-a em si mesmo, quando ela se manifestava em brinquedos, improvisações

aparentemente absurdas, rabiscos, achados verbais, exclamações, gestos gratuitos?

Alguma coisa que se bolasse nesse sentido, no campo da Educação, valeria

como corretivo prévio da aridez com que se costuma transcrever os destinos

profissionais, murados na especialização, na ignorância do prazer estético, na tristeza de

encarar a vida como dever pontilhado de tédio. E a arte, como a educação e tudo o mais,

que fim mais alto pode ter em mira senão este, de contribuir para a educação do ser

humano à vida, o que, numa palavra, se chama felicidade?