diversidade cultural na práxis docente: uma proposta inclusiva

17
RESUMO O desenvolvimento desta pesquisa tem por objetivo observar a relevância com a qual os docentes lidam com a diversidade de seus alunos no dia a dia, considerando suas formações, embasamentos teóricos e práticos, a respeito desta temática. A demanda é de ampliação do olhar pedagógico durante a formação de educadores, para que diante da pluralidade a qual se deparam diariamente, estes, possuam embasamento suficiente para lidar e principalmente ensinar aos seus educandos práticas de respeito às diferenças, cumprindo assim o papel de formar seres críticos e aptos a exercerem a cidadania. A proposta é de inclusão da diversidade cultural nas escolas, seja através da arte, do esporte, da ciência, de forma interdisciplinar e contínua, fazendo assim com que a diferença seja algo normal, rotineiro, enriquecedor e valorizado por todos. Para isto, obviamente nos deparamos com o despreparo, desconhecimento e muita resistência, sendo proposto então, paralelamente, formações específicas sobre esta temática, capacitando o docente não apenas a entender e trabalhar de forma mais ampla e dinâmica o tema, como também o orientando didaticamente a trabalhar a temática de forma interdisciplinar e contínua, e não pontualmente em datas específicas como se faz normalmente. PALAVRAS CHAVE: Educação. Inclusão. Cultura.

Upload: independent

Post on 21-Feb-2023

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

0

RESUMO

O desenvolvimento desta pesquisa tem por objetivo observar a

relevância com a qual os docentes lidam com a diversidade de seus

alunos no dia a dia, considerando suas formações, embasamentos

teóricos e práticos, a respeito desta temática. A demanda é de

ampliação do olhar pedagógico durante a formação de educadores, para

que diante da pluralidade a qual se deparam diariamente, estes,

possuam embasamento suficiente para lidar e principalmente ensinar

aos seus educandos práticas de respeito às diferenças, cumprindo

assim o papel de formar seres críticos e aptos a exercerem a cidadania.

A proposta é de inclusão da diversidade cultural nas escolas, seja

através da arte, do esporte, da ciência, de forma interdisciplinar e

contínua, fazendo assim com que a diferença seja algo normal, rotineiro,

enriquecedor e valorizado por todos. Para isto, obviamente nos

deparamos com o despreparo, desconhecimento e muita resistência,

sendo proposto então, paralelamente, formações específicas sobre esta

temática, capacitando o docente não apenas a entender e trabalhar de

forma mais ampla e dinâmica o tema, como também o orientando

didaticamente a trabalhar a temática de forma interdisciplinar e contínua,

e não pontualmente em datas específicas como se faz normalmente.

PALAVRAS – CHAVE: Educação. Inclusão. Cultura.

1

DIVERSIDADE CULTURAL NA PRÁXIS DOCENTE: UMA PROPOSTA

INCLUSIVA

Aryana da Silva Lima

Faculdade Capixaba da Serra -Multivix , Serra, ES, Brasil.

[email protected]

INTRODUÇÃO

Aceitar as diferenças e enriquecer-se com elas continua a ser um problema que hoje ninguém sabe resolver por que supõe o reconhecimento de alteridade (...).” (VALENTE, 1999)

Este artigo propõe discutir a diversidade cultural como ferramenta de

ensino/aprendizagem, bem como a construção de uma escola mais inclusiva,

que valorize e trabalhe as diferenças de maneira contextualizada.

Durante a graduação, tendo realizado pesquisas na prática docente, partimos

para uma reflexão da importância da utilização de contextos históricos e

práticas culturais locais no exercício do processo de ensino aprendizagem,

bem como o impacto desta contextualização no discente.

Fundamentamos teoricamente a pesquisa sob a perspectiva de autores

especializados no tema como Francois Dubet, que considera a escola principal

disseminadora da exclusão, Henry Giroux que destaca a importância do

domínio cultural para uma educação eficiente, Vera Maria Candau que retrata a

formação social do indivíduo à partir do seu meio, além de outros autores que

tratam a exclusão e o preconceito como provenientes muitas vezes do

desconhecimento do contexto cultural ao qual o aluno se origina.

Partindo do exposto, este artigo objetiva apresentar uma proposta de inclusão

da cultura local como metodologia de ensino e desenvolvimento de atividades

educacionais mais contextualizadas e prazerosas para crianças, propiciando a

efetivação da absorção do conteúdo através da vivência de experiências,

2

baseado na pesquisa que realizamos durante a graduação em Pedagogia, sob

a orientação do Profo. Dro. Oscar Omar Delgado Carrasco e da Profa. Ms.

Silvana Santos, que originou a dissertação intitulada Diversidade cultural na

práxis docente.

Partindo da temática escolhida, determinamos o principal objetivo da pesquisa,

que era identificar se os docentes formados possuíam embasamento suficiente

para o cumprimento da lei 11.645/2008 que torna obrigatório o ensino da

história e cultura afro-brasileira e indígena.

Foram estabelecidos alguns objetivos específicos como: a observação no trato

da diversidade nos diferentes contextos educacionais, o cumprimento de leis

de inclusão cultural nas escolas formais, o trato diário com a diversidade pela

escola e a importância de uma formação docente que envolva aprendizado

prático.

Entendendo as relações entre cultura, educação e inclusão

De acordo com o artigo 1° da LDB 9394/96 define-se como sendo educação:

“[...] os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”

Sendo assim educação e cultura estão diretamente ligadas. Uma depende da

outra, se complementam de forma a compor o cidadão completo, crítico e

pensante, proposto pela LDB.

A abordagem da diversidade cultural no contexto educacional, hoje, faz parte

de vários debates na sociedade. É comum nos depararmos com seminários,

3

rodas de conversas e palestras voltadas para esta temática, e como destaque

é sempre exposta à necessidade de um currículo escolar voltado para este

pluralismo cultural.

Durante a formação docente, precisamos romper paradigmas, desconstruindo

e reconstruindo olhares diferenciados para uma prática multicultural inserida no

dia a dia de ensino. Infelizmente, somo carregados de conceitos pré

concebidos, que nos fazem formar em nossa mente um padrão de

normalidade, nos fazendo excluir voluntária ou involuntariamente tudo que fuja

deste padrão, e isto, remete-se não apenas a práticas culturais, como também

a tudo que nos rodeia, forma física, práticas religiosas, culturais, e até mesmo

tempo de desenvolvimento e aprendizagem. Ora, se não conseguimos romper

estes conceitos, como conseguiremos educar atendendo a especificidade de

cada aluno, como esta prática requer? Como poderemos formar cidadãos se

não conseguimos respeitar ou enxergar “o outro” em sua totalidade? De acordo

com Kant “só educa quem é educado”, portanto, é no processo de formação de

docente, que pode-se educar para a construção de um olhar mais amplo,

multidiverso.

François Dubet afirma que parte da exclusão escolar é originada “da distância

cultural e social que separa os professores e a sua clientela”, o que nos leva a

refletir na afirmação de Levi Vygostky de que "Na ausência do outro, o homem

não se constrói homem" entendendo que não participante ou mesmo

conhecedor da realidade e contexto ao qual o aluno pertence, o docente

dificilmente conseguirá atingir o discente com o reconhecimento de identidade

necessário para o estabelecimento de uma relação dialética e mediadora de

conhecimento.

Como fica claro, educação e cultura estão diretamente ligadas, e não sendo

consideradas, geram exclusão, que cria uma nova demanda de atuação por

parte dos docentes, de descontruir a vitimização e invisibilidade de certas

culturas, proporcionando a inclusão e o direito a cidadania.

4

Metodologia, campo de atuação e os sujeitos observados

Nossa pesquisa foi qualitativa, baseada em observações, conversas e vivência

educacional em diferentes contextos, propiciando a construção de um

comparativo de posturas que impactam de forma diferenciada na formação do

docente e do discente por ele instruído. A escolha dos locais de

acompanhamento se deu à partir do contexto diferenciado que permitia uma

melhor análise da temática proposta e o envolvimento direto com o trato da

diversidade, além de observarmos a postura dos diferentes docentes diante da

diversidade, propondo uma reflexão frente os resultados.

Foram observadas aulas da escola indígena, na Aldeia Três Palmeiras, em

Coqueiral de Aracruz, Aracruz, ES; na ONG CAOCA em Maria Ortiz, Vitória,

ES e em uma escola privada com filiais no município de Serra e Cariacica, ES

e como exemplo de projeto de inclusão cultural, está sendo relatada prática

feita no Galpão das Paneleiras, localizado no bairro em Goiabeiras , Vitória,

ES, em setembro de 2013 com 6 crianças de 3 à 7 anos,.

A Aldeia Indígena

A primeira observação foi feita em uma escola formal, localizada na Aldeia

Indígena Três Palmeiras, em Coqueiral de Aracruz, Aracruz ES. Conversamos

com alguns funcionários, alunos, pessoas da aldeia e o cacique, com o

propósito de nos inteirarmos da realidade e principalmente “descontaminar”

nossos olhares em relação a cultura indígena.

A escola possui 2 salas, que atendem 3 Aldeias (Três Palmeiras, Piraqueaçu e

Boa Esperança). As salas são multi-seriadas, funcionando em um período com

5

a educação infantil e no outro com ensino fundamental. As aulas são dadas em

português, entretanto eles estudam a língua guarani como se fosse segunda

língua. A maioria de docentes são índios(as), que com incentivo da FUNAI,

conseguiram obter formação para lecionarem. Os materiais utilizados, no geral

são produzidos por índios de uma aldeia no Rio de Janeiro, que possuem

contos e textos, contextualizados à realidade indígena. As salas são simples,

decoradas pelos próprios índios, com pinturas de imagens de animais, plantas

e objetos de sua cultura, como cocás e lanças.

Os professores são selecionados através de concurso, não há exigência de

origem ou fluência na língua Guarani, embora seja desejável. Foi explicado,

que como ainda é pequeno o número de índios com formação acadêmica (o

que pode ser entendido à partir da visão cultural dos mais antigos de que ao se

deslocarem da aldeia para este tipo de formação, o índio estaria se

“contaminando” e deixando de lado sua cultura), este critério acabaria por

impedir o funcionamento da escola por falta de número de docentes

condizentes à necessidade.

Durante as aulas, conhecemos uma professora não indígena, que chamaremos

aqui de Maria, para evitarmos constrangimentos, e dela ouvimos um relato que

poderia ter sido feito por qualquer um, bem interessante: “Em meu primeiro dia

em sala de aula na aldeia, me deparei com uma criança indígena saindo

durante a aula para fumar cachimbo, fiquei aterrorizada”. Esta situação ocorreu

à aproximadamente 4 anos, logo que Maria concluiu sua formação em

Pedagogia. Anteriormente a este momento, ela ministrava aula em uma aldeia

Tupinikim que já não possui hábitos tão tradicionais, como a utilização do

cachimbo, cerimônias no Opu ( casa de reza), quanto a Guarani. Quantos de

nós, sabemos que o “fumar cachimbo” na aldeia indígena é um ato de

purificação de si e do entorno, pois se acredita que a fumaça limpa o ambiente,

espantando maus espíritos? Quanto de nós, temos a informação de que a

fumaça não é tragada e que esse hábito é adquirido desde muito cedo com o

objetivo de espiritualização? A professora nos relatou também, que ainda

causa espanto, a quantidade de meninas grávidas ou já mães, na pré-

6

adolescência (fato inclusive que visualizamos nos acompanhamentos, nos

deparando com uma menina de 13 anos amamentando dentro da sala de aula).

Ao conversarmos com os antigos da Aldeia, entendi que a prática do

casamento precoce é tida desde os primórdios para garantir que os índios não

se misturariam com os “não índios”. A professora em questão, hoje é casada

com um índio Tupinikim, e apesar da sua integração no meio indígena, ainda

não vê de forma natural as práticas culturais que eles possuem. Em sua

prática, pudemos perceber tolerância, porém, não respeito, considerando que

em muitos momentos em sala, a mesma tentou combater algumas destas

práticas, nomeando-as como errôneas, valorando a cultura do outro a partir de

sua própria cultura, e em certa medida impondo o que considera ser certo.

Outro relato na aldeia que nos chamou muita atenção, foi o da situação das

merendeiras. Como as contratações da escola são feitas pelo município, as

merendeiras são funcionárias públicas que devem bater ponto e se reportarem

à Prefeitura. Qualquer ausência não justificada é descontada, entretanto, mais

uma vez nos confrontamos com a invasão da formalidade sem a consideração

dos preceitos culturais ali vigentes. O índio acredita que a mulher menstruada

não pode cozinhar, deve ficar de repouso e em muitos casos não pode se quer

ser tocada, pois estaria em um momento de limpeza e purificação. Acreditam e

relataram, inclusive, que em algumas situações em que esta regra não foi

cumprida, índios que comeram alimentos preparados por estas mulheres

ficaram doentes. Mas, a menstruação, não se encaixa na justificativa aceita

pela CLT, e agora, o que fazer? A funcionária deve perder seus dias de

trabalho. Esta foi a única opção oferecida a aldeia, e por conta disto, hoje, as

mulheres da aldeia se revezam na preparação dos alimentos nos dias em que

as merendeiras estão menstruadas, em prol de protegerem as crianças e evitar

descontos nos salários das merendeiras, o que seria uma punição por suas

crenças.

Com todos esses exemplos, fica claro o quanto precisamos evoluir à respeito

de diversidade e inclusão. Respeitar a cultura alheia, é o princípio fundamental

para que iniciemos este trabalho. A LDB no artigo 79, prevê sim a introdução

7

da escola formal em contextos indígenas, entretanto, sugere que sejam feitos

levantamentos e pesquisas, para que sua cultura seja respeitada, que os

currículos sejam adequados as suas necessidades e que os professores que

ali forem atuar, sejam conhecedores da prática cultural local, respeitando suas

práticas. Se a lei preconiza, onde está a falha? Porque não é cumprida? Muitas

são as justificativas dadas, ora falta de mão de obra especializada, ora a falta

de cursos específicos a esta realidade em nosso estado, ora o medo da

população indígena em romper os limites da aldeia para tais formações. Hoje,

no Espírito Santo, não há formação especificamente para índios ou que

condicione não índios à trabalharem suas temáticas. Os índios do Espírito

Santo que querem cursar uma graduação, vão para Santa Catarina, fazendo

uma formação de alternância. Na Universidade Federal do Espírito Santo -

UFES, há um projeto de abertura de curso específico, mas ainda não

aprovado. O fato é que algo precisa ser feito e começar por formar docentes

que conheçam esta realidade, que estejam preparados para respeitar essas

diferenças, sem querer impor a sua, pode ser o primeiro passo para a

mudança.

A Ong CAOCA

Surpreendente foi o acompanhamento feito na ONG CAOCA, localizada no

Bairro Maria Ortiz – Vitória ES. A ONG tem capacidade para atender 200

crianças. De 4 à 15 anos de idade. Hoje, possui 180 crianças e o seu principal

objetivo, é manter a criança fora da rua, diminuindo assim o risco de

envolvimento com as drogas e a criminalidade. Seu quadro é composto por 1

pedagoga, 2 assistentes sociais, 1 psicóloga, algumas funcionárias

administrativas e educadores sociais, que iniciaram o trabalho de forma

voluntária, mas que hoje são remunerados. As salas são divididas por faixa

etária, mas permanecem multi-seriadas. As crianças aceitas na ONG,

obrigatoriamente precisam que estar matriculada na escola. Em geral, são

8

crianças de grande risco social. A escolha do projeto a ser trabalhado,

normalmente é feito à partir da observação e diagnóstico de necessidade. Se

há a percepção, de que há em meio as crianças, alguém fruto de abuso sexual,

por exemplo, a temática é escolhida para ser tratada de forma geral. Além dos

projetos em sala, é feito um trabalho de inclusão digital e cultural, onde são

desenvolvidas oficinas de capoeira, leitura, musicalização, proporcionando às

crianças atividades que misturam ludicidade e cultura, tornando o aprendizado

mais prazeroso. Conversando com o professor de capoeira, que dá aula na

instituição à 8 anos, ele explicou que nestas oficinas, além da prática de

capoeira, ele introduz a história do negro, a história da capoeira e os benefícios

de praticá-la. Relatou, embora sem constatação de dados, que em média, 80%

de seus alunos tiveram uma melhora no rendimento escolar após o início da

prática esportiva/cultural, e que ele assimila esta melhora à disciplina e

proximidade que esta prática proporciona aos alunos. As salas de aula são

cheias de diversidade, crianças portadoras de deficiência física e mental,

crianças que sofrem violência doméstica, crianças que sofrem abuso sexual,

crianças negras, asiáticas, brancas, e de forma impressionante, os professores

que não possuem sequer curso superior, lidam com estas diferenças de forma

magistral. Trabalham a diversidade, a inclusão, o respeito à diferença, se

atualizam. Essa postura chamou atenção, e conversando com alguns dos

educadores, percebemos algumas características que fizeram diferença nesta

atuação. Segundo a pedagoga, 80% dos educadores que atuam ali, tem

origem igual ou similar às crianças da ONG e se disponibilizaram a atuar para

estas crianças, com o objetivo de mostrar que eles tem outros caminhos além

do tráfico, crime, etc, que são oferecidos nas ruas. Naquele momento, nos

demos conta que a formação poderia sim ajuda-los a trabalhar aqueles

contextos de forma mais apropriada, didática, mas o que realmente fazia a

diferença era a contextualização. Conhecer a realidade e querer muda-la,

impulsiona aqueles educadores, fazendo com que mesmo sem recurso, eles

busquem subsídios pedagógicos e embasamento teórico com a ajuda da

pedagoga, possibilitando uma atuação inclusiva e mais próxima de democrática

possível. É o princípio de alteridade sendo vivido sem sequer ser conhecido,

9

onde professores se colocam no lugar do outro porque já foram o outro em

algum momento e por isso os entendem e os atingem em sua prática.

Escola privada de Ensino Fundamental

Por questões burocráticas, nos referimos aqui a escola sem nomeá-la. É uma

escola de padrão bem elevado que atua da educação infantil ao pré vestibular,

entretanto as observações se deram entre alunos do 3° ao 5° ano. As crianças

são em geral de família de classe média E alta. Poucos são os alunos

portadores de deficiência. Nas 4 turmas observadas, apenas 2 crianças

possuíam laudo médico as caracterizando como especiais. Os negros também

são minoria, 6 em um total de 91 alunos, representando 6,6%. Observamos

unidades do município de Serra e Cariacica, e percebemos que no município

de Cariacica, a inclusão e respeito às diferenças é tratada de forma mais

latente. Em serra, é falado sobre a temática dA diversidade e respeito às

diferenças, nas aulas de filosofia, entretanto no dia a dia esta temática não é

introduzida ou contextualizada. A escola oferece aulas extra curriculares de

balé, ginástica e futebol. A temática negra e indígena é trabalhada

pontualmente na semana da consciência negra e no dia do índio. Ao conversar

com as crianças sobre a realidade indígena, um pequeno grupo disse já ter ido

à uma aldeia indígena, e quando questionados o que acharam quando

chegaram lá, unanimemente me responderam: “bem diferente dos livros tia”.

O que nos foi possível concluir durante a observação, é que a escola não

possui um trabalho voltado para a diversidade, reproduz conceitos históricos

pré existentes e não contextualizado, embora de 6 professores que observei, 2

quebrem as regras, relativizando o ensino diário com exemplos da cultura

africana e indígena. Os professores possuem formação de ensino superior e

pós graduação, e embora alguns até tenham afinidade com a temática, não

possuem muita liberdade de atuação nesta área, por não fazer parte da

proposta da escola.

10

Comentando as diferenças

Foi inevitável traçar um comparativo entre os ambientes observados, e apesar

dos ambientes serem bem diferentes, envolviam personagens ( professores e

alunos) que cumpriam ou ao menos deveriam cumprir papeis similares.

Identificamos a importância da contextualização do ensino e a efetiva aplicação

do princípio de alteridade com seus devidos impactos.

Se pudessemos classificar a prática mais bem sucedida, a ONG CAOCA

levaria o troféu, pelo simples fato de conseguir estabelecer com seus alunos

uma relação mediadora, inclusiva e de total proximidade entre educadores e

educandos, fazendo-nos refletir sobre a formação dos professores hoje em dia.

Será que não construímos um muro entre o conhecimento teórico e prático em

nossas formações , nos esquecendo, que na prática desenvolvemos estes

sentimentos de identificação e proximidade social, gerando a contextualização

natural necessária à nossa formação? Experiências efetivam aprendizados e

não podemos continuar com a reprodução baseada na “decoreba”, sem

contextualização que produz educadores limitados e reprodutores deste

sistema educacional que cada vez mais legitima a exclusão dos diferentes.

Hoje, algumas leis existem para que a inclusão seja cumprida, mas nos

estabelecimentos que observamos, a lei obviamente é cumprida, porém em

alguns a inclusão não existe. Percebemos crianças integradas, mas não

incluídas, crianças que são diferentes, seja por uma característica física ou

mesmo cultural, que frequentam o mesmo ambiente, mas que não se sentem

pertencentes a ele, por ainda verem sua classificação exposta no quesito de

“feiúra social” ao qual estamos acostumados. Percebemos que nos educadores

destas instituições, pouca é a preocupação com a diversidade, como se tivesse

se estabelecido uma certa homogeneização e a demanda do trato diário da

diversidade não existisse.

11

Considerações sobre as Leis

Dentre as principais leis , citamos as 10.639/03 e 11.645/08 que garantem a

inclusão das culturas e etnias consideradas não predominantes, mas que,

todavia são populosos e organizados politicamente, o que acaba por promover

a promulgação de leis específicas de respeito e aprendizagem das mesmas,

entretanto, não podemos deixar de citar, que além de negros e indígenas,

existem diversas culturas minoritárias, que precisam ser lembradas, estudadas

e trabalhadas em sala de aula, para que se desenvolva um olhar mais

respeitoso e tolerante com práticas que podem inclusive nos auxiliar no ensino

formal.

As leis hoje existentes, obviamente são um grande passo para uma educação

mais diversa, entretanto, é preciso estabelecer mais rigor em seus

cumprimentos, para que de fato se cumpra o predisposto. Nas locais

observados, percebemos claramente a falta de rigor na fiscalização de

cumprimento das leis de inclusão. No que tange a inclusão cultural, são feitos

projetos pontuais, em dias comemorativos, como no dia do índio, as crianças

são vestidas com tangas, tem o rosto pintado, fazem danças e pronto, é

considerada cumprida a missão de falar sobre a história e cultura indígena na

escola.

Temos que considerar que a falta de fiscalização não é a única culpada. As

leis, de certa forma, são evasivas, superficiais, não estabelecem detalhes sobre

o seu cumprimento, deixando a escolha da carga horária e a forma com que as

disciplinas de inclusão serão trabalhadas a cargo das instituições, que na

maioria das vezes optam pelo que é mais rápido e barato.

É preciso que nos incomodemos com esta realidade. Apenas o incômodo, será

capaz de gerar mudanças eficazes que motivem ao invés de amedrontar.

12

Uma proposta inclusiva

Durante as pesquisas, em busca de efetivarmos o levantamento teórico , nos

propusemos a testar a inclusão cultural na prática. Reunimos um total de 5

crianças, de faixa etária de 5 à 7 anos, e preparamos um trabalho de

motricidade e coordenação motora à parir da confecção de panelas de barro.

As levamos ao Galpão das Paneleiras, localizado em Goiabeiras, Vitória – ES ,

dando início as atividades.

Inicialmente levamos as crianças para a etapa inicial do processo de confecção

de panelas, onde o barro passa por uma limpeza manual. Inicialmente o barro

é amontoado em uma lona, e o responsável pela limpeza começa a pisá-lo com

os pés descalços, separando toda impureza que sente. Para efetivarmos o

aprendizado, junto com as crianças, ficamos descalços e participamos

ativamente da atividade, pisando no barro, separando as impurezas e

trabalhando nosso equilíbrio. Após isto, lavamos os pés e fomos para a etapa

de confecção de panelas. Uma das paneleiras, além de nos ensinar como

fazer, ia contando a história da origem daquela atividade, da ancestralidade e

da importância desta atividade não apenas para o sustento das famílias

envolvidas mas também da importância cultural e regional. Percebemos o quão

difícil era a moldagem das panelas, e conseguimos detectar e trabalhar as

dificuldades de motricidade de algumas das crianças presentes. Após o

término, encaminhamos as panelas confeccionadas para queima, entregando-

as posteriormente para as crianças, como lembrança da “aula diferente” que

tiveram. Passamos aproximadamente 5 horas no galpão com as crianças e

semanas depois procuramos as famílias para saber a repercussão da

.atividade na rotina das crianças e o resultado foi bem surpreendente.

As crianças voltaram empolgadas, contaram todas as histórias contadas no

galpão para os pais e para os colegas da escola, despertando o interesse das

demais crianças em conhecer a atividade. Além de incluir o ensino de

ancestralidade, descendência e etnia, a atividade permitiu uma trabalho prévio

13

de diagnóstico sobre motricidade das crianças, que permitiria um trabalho mais

específico e direcionado, em sala de aula, à partir das observações feitas. As

crianças conseguiram absorver a história, pelo prazer proporcionado pela

prática.

Considerações finais

Sendo a pedagogia uma ciência que tem como objetivo o estudo da educação

e seus processos, e sendo a educação feita em todo meio social, como é

possível limitarmos o estudo de formação do pedagogo a técnicas e ações

voltadas para a prática docente infantil?

Vasto e enorme é o campo que pode ser explorado em termos de atuação

pedagógica e formação de seres humanos críticos e desenvolvidos, tal qual

preconiza a lei, entretanto, se não conseguimos fazer cumprir nem mesmo a

inclusão da diversidade cultural já firmada legalmente, como partir para os

demais? E pior, como é possível não trata-la considerando a gama de

diversidade contida em nossa formação? Nem tudo que parece lógico, de fato

o é. Hoje percebemos que precisamos nos despir de nossa formação e

reconstruí-la considerando tudo que não foi possível em relação à diversidade.

Reconhecermo-nos em parte negros, em parte índios e em parte europeus, faz

com que tentemos identificar a influência de cada parte em nós, e a forma com

que cada uma destas etnias nos enriquece. Somente uma formação

contextualizada, abrangente, crítica e despida de preconceitos, tornará possível

uma formação de fato inclusiva que respeite e valorize as diferenças, sejam

elas culturais ou não.

Além, obviamente deste campo psicoemocional que precisa ser trabalhado, é

preciso cobrar das universidades, públicas e privadas, ações que incentivem e

direcionem esta mudança. O estabelecimento de carga horária fixa de matérias

que tratem esta temática, de atividades práticas que permitam o conhecimento

de realidades culturais diferentes, a inclusão de atividades lúdicas, que

14

envolvam a temática afro-brasileira e indígena, de forma interdisciplinar, são

pequenas ações que podem efetivar o disposto nas leis. A diversidade cultural

deve ser parte integrante de nossa formação superior, para que quando

passemos a atuar como pedagogos ou docentes, possamos reproduzir uma

realidade diferente da que aprendemos na infância, propiciando assim a

formação de cidadão completos no que tange o desenvolvimento humano e

cultural.

A globalização dita as novas regras do mundo, e não podemos ficar para trás

no que se refere a formação de professores. Precisamos contextualizar o

ensino, incluindo práticas que nos façam adquirir novos olhares e assim novas

práticas educacionais.

Não acreditamos em uma ação única, que resolva a problematização

apresentada imediatamente, mas que pequenas ações, como as aqui

sugeridas, podem contribuir para uma prática próxima da desejável.

Em suma, experiências como esta são válidas e inclusivas, por permitirem que

crianças, adolescentes e os envolvidos no processo como um todo, conheçam

outras realidades rompendo desta forma com o ciclo de produção e reprodução

de histórias distantes de suas realidades.

REFERÊNCIAS

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DOS DESPORTOS. Parâmetros Curriculares

Nacionais: pluralidade cultural: orientação sexual. 2 ed. Rio de Janeiro – DP&A,

2000.

CANDAU, Vera Maria (org.). Cultura(s) e educação – Entre o crítico e o pós-

crítico. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

CAVALLEIRO, Eliane (org.). Racismo e anti-racismo na educação:

repensando nossa escola . 3 ed. São Paulo: Selo Negro, 2001

15

DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo: Uma analise dos conceitos de poluição

e tabus. Londres: Routledge, 1996

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática

educativa. 30 Ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. ( Coleção Leitura).

GIROUX, Henry A.; trad. LOPES, Magda França. Cruzando as fronteiras do

discurso educacional – Novas políticas em educação. Porto Alegre: Artes

Médicas Sul, 1999.

HALL, Sturat; Trad. Silva, Tomaz Tadeu; LOURO, Guaracira Lopez. A

identidade cultural na pós modernidade.11 ed. Rio de Janeiro: DP&A,2006.

LIBÂNEO, José carlos. Didática. São Paulo. Cortez. 1994. (Coleção magistério

2° grau. Série formação do professor)

SILVA, Maria José Albuquerque; BRANDIM, Maria Rejane Lima.

Multiculturalismo e educação: em defesa da diversidade cultural. Revista

Diversa. Ano I - N° 1.P. 51-56. 1° sem. 2008.

SILVA, Tomaz Tadeu (org). Identidade e diferença: a perspectivas do

estudos culturais. 9 ed. Petrópolis, RJ. Vozes 2009.

BRASIL. Decreto-lei 5.452 DE 01 de maio de 1943, art. 473. Disponível em:

http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10711223/artigo-473-do-decreto-lei-n-5452-

de-01-de-maio-de-1943 Acesso em 25 de junho de 2014.

BRASIL. Decreto-lei 11.645 de 10 de março de 2008. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm .

Acesso: 23 de junho de 2014.

BRASIL. Decreto-lei 9394 de 20 de dezembro de 1996. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm . Acesso: 23 de junho de

2014.

16

BRASIL. Decreto-lei 10639 de 09 de janeiro de 2003. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm . Acesso: 23 de junho

de 2014.

DUBET, François. A escola e a exclusão. Cad. Pesqui., São Paulo , n. 119,

2003. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-

15742003000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em 11 jul. 2014.

DUBET, François. O que é uma escola justa?. Cad. Pesqui., São Paulo , v. 34,

n. 123, dez. 2004 . Disponível em

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-

15742004000300002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 11 jul. 2014.

DUBET, François. As desigualdades multiplicadas. Rev. Bras. Educ., Rio de

Janeiro, n. 17, ago. 2001 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?

script=sci_arttext&pid=S1413-24782001000200002&lng=pt&nrm=iso>.

Acessos em 11 jul. 2014.

VYGOTSKY, Levi. O teórico do ensino como processo social. Disponível em:

http://revistaescola.abril.com.br/formacao/lev-vygotsky-teorico-

423354.shtml?page=1. Acesso em 05/06/2014.