dinÂmica do mercado habitacional: o formal e o informal
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DINÂMICA DO MERCADO HABITACIONAL: O FORMAL E O INFORMAL RESUMO: Este trabalho visa compreender a dinâmica operada no mercado habitacional de uma área urbana após esta receber investimentos públicos. Nesta pesquisa, o entendimento deste mercado ocorre a partir do estudo de caso da Região da Bacia do Anhumas- Campinas, SP. Essa região com loteamentos de alto e médio padrão próximos ao centro sofreu na década de 1970 ocupações e instalação de assentamentos informais, alguns regularizados. Em 2007 a Prefeitura iniciou o Projeto Parque Anhumas com verbas do PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, para realização da obra de urbanização e recuperação ambiental. O trabalho está focado na sustentabilidade de políticas públicas de habitação social e ambiental e na dinâmica do mercado, uma vez que tais obras geram valorização da região ao intercalar a ação integrada e conjunta de aspectos sociais e ambientais. Observa-se, portanto, no Projeto Anhumas a intenção de solucionar problemas justapostos, numa situação em que coexistiam riscos ambientais, condições socioeconômicas e sanitárias inadequadas. A relevância desta pesquisa é a contribuição oferecida à compreensão de como obras públicas interferem na lógica das cidades brasileiras. Ao associar este aspecto a dinâmica do mercado habitacional, procura investigar se as famílias carentes, beneficiadas com a política pública, permanecem ou não nas áreas após a sua incorporação à cidade formal, e como é interpretada uma possível valorização do espaço. A estratégia utilizada foi analisar o mercado habitacional a partir de faixas de proximidade com o Ribeirão Anhumas, pois é notória a relação entre áreas dotadas de alto índice de exclusão social e riscos ambientais.
Palavras-chave: mercado habitacional informal, sustentabilidade em política habitacional e ambiental, gestão urbana. ABSTRACT: This work aims to understand the dynamic operations in the housing market from a region which received investments from public policies. In this research, the understanding of this market takes place from the case study of the Region of the Basin of the Anhumas-Campinas, Sao Paulo , Brasil. An area that, in the 70's, suffered occupations and installation of informal settlements. In 2007 the City hall began a Project called “Parque Anhumas” with allowances from the P.A.C. (Growth Acceleration Program), for the realization of urbanization and environmental restoration. The work focuses on sustainability in public housing policies and social environmental and the dynamics of the market, once that this work, produced increased value of this region while inserting the integrated joint action of social and environmental aspects, Looking into the “Anhumas Project” we can see the intention of solving problems, in a situation where coexists environmental risks, socioeconomic conditions and inadequate hygiene. The relevance of this research is the contribution made to understanding how the works of public policies interfere with the logic of cities. Linking this aspect with the housing market dynamics it tries to investigate if the very low income families, which receive benefit from public policies, remain or not in the areas after they are incorporated into the legalized city, and how it is interpreted and the possible enhancement of the area. The strategy used was to analyze the housing market belts in close proximity to the Anhumas stream, because its apparent relation between these areas contain a high degree of social exclusion and environmental risks. Keywords: informal housing market, sustainability in housing and environmental policies, urban management. Sessão Temática: Ambiente construído gestão do território. Eixo temático: Urbanismo e Fundamentação e Crítica.
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DINÂMICA DO MERCADO HABITACIONAL: O FORMAL E O INFORMAL
Caroline Krobath Luz Pera1
Laura Machado de Mello Bueno 2
1 Bolsista de Iniciação Científica FAPIC-CNPq, cursando Graduação em Arquitetura e Urbanismo (CEATEC) na Pontifícia Universidade Católica de Campinas. [email protected]. 2 Graduação em Faculdade de Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1976), mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1994) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professora titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas no Programa de Pós Graduação em Urbanismo Grupo de Pesquisa: Água no Meio Urbano e na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (CEATEC) [email protected]
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Introdução
Este trabalho visa compreender a dinâmica operada no mercado habitacional de uma região após
esta receber investimentos públicos. O Foco do estudo é o Projeto do Parque Linear Ribeirão
Anhumas, iniciado em 2007. Essas benfeitorias estão sendo realizadas pela Prefeitura Municipal
de Campinas- SP, através de incentivos do governo federal, que recebeu R$ 37,3 milhões do PAC
– Programa de Aceleração do Crescimento – para minimizar problemas urbanos e sociais através
de obras de urbanização, política habitacional e recuperação ambiental na cidade de Campinas.
Além disso, o projeto tem também como objetivo a implantação do Parque Linear do Ribeirão
Anhumas, que caso seja totalmente implementado será o mais importante parque da cidade, com
2,5km de extensão.
No mercado habitacional, distinguem-se dois tipos de lógica que operam dentro deste tipo de
mercado (ABRAMO, 2009) e que estão presentes na área pesquisada por este trabalho.
Detectou-se a existência de um mercado habitacional formal, regulado e normativo, e outro
informal, que está à margem do sistema legal, sendo aquele em que o morador não possui
quaisquer títulos do terreno e ou da habitação que seja passível de registro imobiliário.
No Brasil um dos maiores problemas para a gestão das cidades é que este sub-mercado informal
vem se alastrando cada vez mais, pois está intimamente associado a lógica excludente gerada
pelo capitalismo nos países periféricos, que intensificou o processo de urbanização e transformou
bens como a terra e a habitação em produtos extremamente lucrativos e estratégicos
economicamente.
Devido ao abismo social existente em países de economia periférica, um grande contingente
populacional encontra-se impossibilitado do acesso à cidade e à habitação digna e formal, uma
vez que algo tão simples, como o direito de poder morar, se torna cada vez mais oneroso.
Somente na cidade de Campinas, segundo a Companhia de Habitação Popular de Campinas
(Cohab-Campinas), existem 234 áreas informais, entre ocupações irregulares, clandestinas,
núcleos e favelas. Diante deste quadro, parte da população é impelida a optar pelo sub-mercado
informal da habitação, já que nem a produção privada nem a pública conseguem absorver toda a
demanda existente por habitações populares em nosso território.
Segundo os dados de 2007 do CEM (Centro de Estudos da Metrópole), a Região Metropolitana de
Campinas possui um déficit habitacional próximo a 200 mil moradias, tanto quantitativo, quanto
qualitativo. Porém, o que surpreende é descobrir que perante a Cohab-Campinas o déficit está
registrado em apenas 37.418 habitações no Município.
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Campinas é a nona cidade mais populosa do Brasil, com 1.080.999 habitantes segundo o Censo
2010 e conta com 388.275 domicílios. Sua densidade demográfica é de 1.358,6 hab/km2 e
98,28% da sua população é urbana.
O déficit habitacional associado a problemas ocasionados por anos de políticas habitacionais
ineficientes desde os anos 1960 no município (Cohab-Campinas até 2011 só entregou 23.501
unidades habitacionais e urbanizou 8.706 lotes), acabou gerando uma proliferação de
assentamentos e ocupações irregulares, problemas urbanísticos e ambientais que são ainda hoje
um grande desafio às gestões municipais, pois, como se sabe, se um processo de urbanização
regular já acarreta danos ao meio ambiente, um processo irregular atinge de uma forma ainda
mais incisiva o ambiente natural, além de acarretar problemas de ordem social à cidade.
O Projeto do Parque Linear do Anhumas foi escolhido pela relevância econômica e ambiental que
dará a Campinas. A área escolhida pertence à Macrozona 4 de Campinas, uma zona de
Urbanização Prioritária que é intensamente povoada e onde se faz necessária a otimização e
racionalização da infraestrutura já existente. A Macrozona 4 corresponde a 19,97% da área total
do município e a 61,89% da população do município, sendo que ali habita 43,7% do total da
população favelada do município (IBGE, 2000 apud. CAMPINAS, 2006).
O trecho de estudo contempla áreas da cidade formal e informal contidas nos bairros ao longo da
margem esquerda do Ribeirão Anhumas, onde estão também inseridos: o Núcleo Residencial Vila
Nogueira, o Núcleo Residencial São Quirino, o Núcleo Residencial Dom Bosco e o Núcleo
Residencial Gênesis, áreas fruto de processos de ocupação irregular, mas que estão sendo
incorporados à cidade legal devido as obras públicas de habitação e recuperação ambiental já
citadas.
FIGURA 1 – Foto Aérea da área pesquisada. Fonte: Google Earth (2011).
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A partir da década de 1960 a população carente apropriou-se das áreas públicas localizadas na
margem esquerda do Ribeirão Anhumas de forma irregular e predatória. Nesta época estas áreas
estavam vazias por se tratarem de áreas destinadas, durante o processo de parcelamento legal
do bairro, a reserva da prefeitura para a construção de praças públicas e áreas institucionais.
Assim, a população ocupou irregularmente áreas que se colocavam aparentemente como áreas
ociosas da cidade e incorporou também aos assentamentos áreas de proteção ambiental, o que
acabou gerando impactos negativos ao meio ambiente, pois tais ocupações, que ocorreram de
maneira informal e desordenada, ocuparam áreas que segundo estabelecido pelo o Código
Florestal Brasileiro são Áreas de Preservação Permanente (APPs). (OLIVEIRA, 2008).
Vale ressaltar que a existência de assentamentos precários em Campinas em APPs e fundos de
vale é bastante expressiva e sem as APPs o ciclo da água fica comprometido, assim como
aumenta a ocorrência de enchentes em pontos críticos da cidade nas épocas de maior índice
pluviométrico. Estes pontos de alagamento ocorrem desde a nascente do Ribeirão, localizada no
centro de Campinas, passando pela Rua Moscou e pela Rua Dona Luísa de Gusmão (marginais
ao Ribeirão Anhumas) até atingir a Rodovia Dom Pedro I-SP 65. Estas áreas são críticas devido à
intensa impermeabilização da sub-bacia e à ocupação das margens pelos assentamentos.
(OLIVEIRA, 2008).
Além disso, os assentamentos informais e precários ao longo da margem do Anhumas possuem
problemas de habitabilidade e estão desconectados da malha urbana, contribuindo para a
degradação ambiental da região, pois por se tratarem de núcleos irregulares estas áreas ficaram
carentes de rede de esgoto, coleta de lixo, água encanada e sistema de drenagem eficiente. Isto
contribui muito no comprometimento da proteção natural do córrego, ou seja, sua mata ciliar, e na
contaminação das margens, encostas e das águas do rio, causando alterações no solo, nas
águas e no microclima local.
Portanto, instaurou-se na área um problema tanto social, no que diz respeito à qualidade de vida
dessa população, quanto um problema urbanístico e ambiental que atinge toda a cidade uma vez
que ao degradar ambientalmente uma bacia hidrográfica toda sua extensão fica vulnerável. São
necessárias, portanto, ações de requalificação urbana e ambiental para proporcionar
conjuntamente uma melhora na qualidade ambiental e social para os habitantes da região e de
toda a cidade.
Desta forma, observa-se que ao estudarmos a sustentabilidade nas políticas públicas de
habitação e meio ambiente, focando nos impactos ocorridos na dinâmica do mercado
habitacional, visamos analisar também se a ideia de sustentabilidade vem sendo aplicada nos
projetos públicos tanto no sentido social do termo. Ou seja, verifica-se a busca pelo
equacionamento dos problemas decorrentes das desigualdades socioeconômicas da população,
quanto no sentido ambiental e de gestão política. O caráter sustentável de um projeto está
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relacionado à capacidade deste em atingir conjuntamente os ideais de justiça social e ambiental
através de uma política pública. Pois sua sustentabilidade está relacionada ao poder do projeto
em conseguir gerar a conservação e a constante sustentação dos ideias urbanísticos propostos,
orientando os benefícios para os grupos sociais mais necessitados de políticas sociais. (BUENO,
2008).
Métodos
Revisão bibliográfica e levantamento de dados secundários em pesquisas já realizadas sobre
assentamentos informais sobre a bacia do Ribeirão Anhumas. A partir da definição da área de
estudo dentro da Bacia Hidrográfica escolhida foram delimitados assentamentos que receberam
obras de urbanização, bem como um trecho do bairro contíguo, para servir como objeto de
estudo.
Através de pesquisas de campo foram observados dados referentes à infra-estrutura, padrões
arquitetônicos, tipologia, gabarito e tipos de uso para traçar o perfil dos assentamentos e dos
bairros contíguos com características quantitativas e qualitativas destas habitações.
Além disso, para a análise da lógica habitacional achamos pertinente o estudo da área através da
Planta Genérica de Valores, para comparar, o valor venal com o valor de mercado levantado em
campo. através de imobiliárias ou dos proprietários que colocaram as propriedades à venda. Para
cada residência ou lote encontrado para locação ou venda foi realizada uma ficha de dados, com:
referência, imagem, localização, características do imóvel, como: metragem, número de
banheiros, dormitórios, unidades habitacionais e garagem dentro do lote, valor venal e de
mercado do imóvel, forma de pagamento, presença ou não de imobiliária na transação do imóvel,
forma de repasse dos títulos do imóvel proposto, tipo de pavimentação da rua, gabarito e padrão
arquitetônico.
Para a análise dos aspectos ambientais, especialmente da água, a estratégia utilizada foi analisar
o mercado habitacional a partir de faixas de proximidade com o Ribeirão Anhumas. Esse recurso
metodológico acima descrito foi baseado em pesquisa de Haroldo Torres1, que relacionou as
condições ambientais e socioeconômicas com relação à proximidade ao córrego no município de
São Paulo. Torres verificou em sua pesquisa que o número de domicílios pobres localizados a
menos de 100 metros de cursos d’água é muito superior aos de classe média e classe alta.
Assim, como resultado, o autor coloca que quanto mais próximos aos rios estão as habitações,
piores são os níveis de acesso a serviços de infra-estrutura e serviços urbanos, mais pobres são
as populações e com piores níveis de renda e educação. Ou seja, quanto mais perto os
1Esta metodologia de pesquisa foi incorporada a esta pesquisa após a leitura de “Indicadores de desigualdade ambiental” de Haroldo Torres, contido no livro “O que é justiça ambiental” (ACSELRAD et al. 2009).
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habitantes residem de cursos de água são estes: mais pobres, menos escolarizados, com menos
acesso a serviços públicos e bens duráveis, habitam os domicílios mais precários do ponto de
vista construtivo e mais expostos estão aos vetores de doenças transmissíveis, assim como têm
mais frequentemente seus domicílios localizados em favelas.
Resultados
Quanto ao estudo sobre a permanência das famílias nas áreas após as este foi realizado através
da execução de um mapeamento da quantidade de lotes e unidades à venda ou para locação.
Comparamos o número total de lotes pesquisados com a quantidade de lotes com unidades para
venda ou locação, como consta na tabela abaixo.
FIGURA 2: Tabela síntese da pesquisa de campo quanto a quantidade de lotes e ou unidades à venda ou locação.
Através da Tabela 1 verifica-se que o número de unidade em algum tipo de comercialização é
bastante baixo. Foi na Área 1, que engloba quadras de 4 ruas da cidade formal (Rua Dona Luísa
de Gusmão, Rua Emílio Lang Jr, Rua Cândido Portinari e Rua Felipe Verginelli) e mais 66
habitações de interesse popular que formam o atual Núcleo Residencial Vila Nogueira (já
reconstruído e entregue à população), que houve maior percentual de casas à venda. Vale
destacar porém, que todas estas casas à venda estão localizadas nas quadras da cidade formal,
ou seja, não foram encontradas casas para locação ou à venda nas ruas do Núcleo Residencial
Vila Nogueira. O que pode demonstrar que sua população está se mantendo fiel à proposta de
permanência na área até o presente momento, uma vez que não estão optando por vender sua
habitação após esta passar pelo processo de qualificação urbana, que valoriza as residências.
Nota-se também que todos os imóveis à venda e ou para locação no Bairro Vila Nogueira formal
estão sendo negociados através de imobiliárias. Coloco, ainda, que a maior parte dos imóveis à
Local Total de lotes
pesquisados
Lotes com unidades
à venda ou locação
Percentual de lotes com
unidades à venda ou
locação
Área 1: Vila Nogueira 194 5 2,57%
Área 2: Parque São
Quirino
131 1 0,76%
Área 3: Parque das
Anhumas e Dom Bosco
84 2 2,38%
Área 4: Núcleo
Residencial Gênesis
355 6 1,69%
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venda são terrenos vazios, localizados na Rua Luísa de Gusmão, avenida marginal ao Ribeirão
Anhumas.
Esta evidência, de um número considerável de lotes vazios, no que diz respeito à lógica
imobiliária, pode refletir que muitos dos proprietários estavam esperando a valorização do local
para depois investirem na venda ou na construção de algum imóvel no local. Ou seja, a existência
da favela como fator de desvalorização teve como resultado a manutenção de lotes ociosos nas
suas proximidades. Outro aspecto importante levantado na pesquisa de campo desta Área 1
aponta que existe um número considerável de imóveis em construção no entorno e que as
residências com maiores gabaritos e melhor padrão arquitetônico são aquelas que foram
construídas mais recentemente, o que demostra que o investimento em residências maiores e de
melhor padrão arquitetônico passou a ocorrer há pouco tempo no bairro. Esta análise quanto à
idade de construção da residência foi obtida através da análise da planta de loteamento do bairro,
onde notamos que as casas mais valorizadas devido seu gabarito e padrão estão localizadas nos
terrenos que pela base cartográfica usada, que data de 2003, ainda encontravam-se vazios.
Na Área 2, da qual fazem parte quadras de ruas formais (Rua José Ramon Aboim Gomes, Rua
Rubens Trifiglio, Rua Edgard Segaglio e Rua Hermenio Oliveira Penteado) e mais toda a área do
Parque São Quirino, que teve suas casas demolidas para reconstrução de novas unidades de
acordo com o Projeto Parque Anhumas, não conseguimos analisar a permanência das famílias
nas habitações de interesse social porque as mesmas ainda estão em obras. Os moradores
encontram-se em um abrigo provisório próximo.
A Área 3 contempla o Núcleo Residencial Dom Bosco e o Parque das Anhumas, áreas que foram
urbanizadas nos anos 1980 mas que ainda fazem parte da cidade informal devido à não
regularização fundiária dos terrenos. Como mencionado por um dos moradores do bairro,
entrevistado por esta pesquisa pelo fato de estar vendendo sua residência através do mercado
informal, como ele não possui a posse legal do terreno. Vale colocar, porém, que nesta área
encontramos poucas residências para locação ou venda (apenas 2 em 84 unidades), o que
demonstra que ou a população original já foi repelida logo após o processo de requalificação
urbana, ou que o moradores optaram permanecer na área. De qualquer modo, as obras atuais
não aqueceram o mercado informal desta área.
Foi na Área 4, composta pelo Núcleo Residencial Gênesis, bairro já urbanizado mas oriundo de
assentamento informal, que encontramos o maior número de residências à venda. Esse Núcleo foi
reparcelado com apoio da Prefeitura há alguns anos, mas somente dentro do Projeto Anhumas
recebeu infraestrutura e está tendo suas ruas asfaltadas. Verificou-se através de entrevistas que a
comercialização de todas as residências pesquisadas se dava diretamente com o proprietário e
mediante pagamento à vista, não existindo imobiliária como intermediária. Assim, pode-se dizer
que este mercado é autoreferenciado, ou seja, isso significa que este mercado não entra em
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relação com a sua área de entorno, e nem muito menos com as demais áreas pobres.
(LACERDA, 2010).
A divulgação das unidades à venda ou para locação é regida de forma própria, não contando com
anúncios e imobiliárias, sendo portanto um anuncio local uma vez que este mercado é tido
perante a sociedade como informal. Os próprios proprietários destacam a transferência do título
do atual para o futuro morador teria que ser resolvida com a CoHab-Campinas, pois eles não
tinham a posse formal do terreno.
Destaco ainda a respeito desta Área 4, que este maior número de unidades à venda não pode ser
encarado como fruto de um processo de gentrificação da área, pois a quantidade de unidades à
venda encontrada é praticamente irrisória se comparada com o espaço amostral.
Porém, a preocupação, no que se refere à sustentabilidade, a respeito deste Núcleo Residencial é
justamente o contrário do processo de gentrificação. O maior risco à cidade, aos moradores e ao
meio-ambiente seria a ocorrência de um processo de adensamento da área caso o número de
unidades para locação passe a aumentar consideravelmente.
Como já mencionado o caráter sustentável de um projeto está associado a sua capacidade de
gestão e controle. Portanto, ressalta-se que a sustentabilidade do Projeto Parque Anhumas deve
assegurar que este Núcleo Residencial com o passar do tempo não volte a se transformar em
uma área novamente produtora de outras formas de informalidade urbana. A literatura acerca da
temática detectou locais em que ocorre a “informalização do formal” (ABRAMO-2010), ou seja
casos em que após o assentamento passar pelo processo de incorporação à cidade formal este
volte a registrar a existência de um mercado informal, através, por exemplo da sub-locação
informal da unidade ou da verticalização das unidades através da comercialização das lajes das
residências, o que acarretaria no aumento da densidade demográfica na área. E isto
consequentemente traria à cidade riscos sociais, urbanos e ambientais.
Quanto aos valores imobiliários, os resultados foram obtidos através da análise de aspectos dos
valores tanto reais, obtidos através de imobiliárias e contato com proprietários, quanto venais dos
imóveis, obtidos através da Planta Genérica de Valores. Porém, o valor real, obtido através do
contato com imobiliárias sobre os valores de venda e locação do imóveis, é regido através da
lógica de mercado baseada na lei da oferta e da procura, que muitas vezes acaba gerando áreas
onde a especulação imobiliária é nítida, e onde o direito de acesso igualitário à cidade e à moradia
fica comprometido, pois somente aqueles que possuem grande capital podem atingi-la.
Sabe-se que a valorização de um imóvel está associada à acessibilidade e localização do bairro,
considerando-se a quantidade e qualidade da infra-estrutura que este possui. Ou seja, um bairro
melhor articulado à malha urbana, mais próximo de áreas centrais e ou nobres e abastecido com
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maior e melhor quantidade de redes de infra-estrutura e transporte terá um valor mais elevado.
(ROLNIK, 2004).
Outros resultados quanto a dinâmica habitacional podem ser encontrados através da leitura do
Mapa gerado a partir de faixas de proximidade com o Ribeirão Anhumas associado aos valores
venais dos imóveis, que reflete o valor venal dos lotes na área pesquisada, relacionando-os, como
previsto na metodologia citada, com as faixas de proximidade com relação ao córrego do Ribeirão
Anhumas.
Dividimos a área de estudo em faixas de 50 m, 100 m, 150 m e 200 m a partir do rio e
percebemos que quanto mais próximo do Ribeirão menores são os valores. Assim, pode-se
concluir como resultado que nas áreas mais próximas ao Ribeirão, onde existe portanto maior
risco ambiental (mais sujeito a inundações, a mal cheiro decorrente da presença de esgotos
domésticos nas águas, lançamentos clandestinos de resíduos sólidos nas margens e presença de
vetores de doenças), o valor da terra também é menor. E é habitado por família mais carentes e
mais sujeito a inundações, mal cheiro, lançamento de resíduos e presença de vetores de doença.
FIGURA 3: Mapa gerado a partir de faixas de proximidade com o Ribeirão Anhumas associado aos valores venais dos imóveis.
Ainda como resultado, a Tabela 2 sintetiza informações, obtidas através de pesquisa de campo,
acerca dos valores reais de mercado e dos valores venais definido pela prefeitura, que se
encontram normalmente abaixo do preço real de mercado. Deve-se ressaltar que a última
atualização feita na Planta Genérica de Valores de Campinas foi realizada em 2005, bem antes
das obras do Projeto Parque Anhumas. Portanto ela ainda não foi revista levando-se em
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consideração as melhorias das obras públicas realizadas, sendo que o único reajuste calculado
desde 2005 foi através do valor UFIC (Unidade Fiscal Campinas) de 2011. Nota-se também que
na PGV de Campinas as áreas dos Núcleos Residenciais nem sempre foram reconhecidas, pois
dentre os assentamentos informais pesquisados somente o Núcleo Residencial Gênesis tem suas
ruas contidas na Planta de Valores de Campinas.
Lote Localização Mercado imobiliário
Tipo de uso Padrão Valor venal do m2
Valor real do
m2
Lote
22.
Área 1 - Vila
Nogueira: Rua
Dona Luísa de
Gusmão.
Formal Terreno vazio R$ 87,46 R$
420,00
Lotes
12 e
13.
Área 1 - Vila
Nogueira: Rua
Dona Luísa de
Gusmão.
Formal Terreno vazio R$ 87,46 R$
285,00
Lotes 5
e 6.
Área 1 - Vila
Nogueira: Rua
Dona Luísa de
Gusmão.
Formal Terreno vazio R$ 87,46 R$
406,00
Área 1 - Vila
Nogueira: Rua
Dona Luísa de
Gusmão.
Formal Terreno vazio R$ 87,46 R$
190,00
Área 2 –
Parque São
Quirino: Rua
Edgar
Segaglio
Formal Residencial Padrão
Médio
R$ 78,78 R$
666,00
Área 4 –
Núcleo
Residencial
Gênesis: Rua
Ipê da Várzea
Informal Uso Misto:
Casa, Bar e
casa de
fundos.
Padrão
Simples
R$ 64,11 R$
63,49
Área 4 –
Núcleo
Residencial
Informal Residencial Padrão
Rústica
R$ 64,11 R$
76,00
12
Gênesis: Rua
Ipê Verde
Área 4 –
Núcleo
Residencial
Gênesis: Rua
Ipê Verde
Informal Residencial Padrão
Rústica
R$ 64,11 R$
64,00
Figura 4 – Informações sobre os lotes pesquisados que estavam à venda. Os tipos de padrão adotados foram: Rústica (alvenaria sem revestimento, com um ou mais pavimentos), Simples (Alvenaria com
revestimento e um pavimento), Médio Padrão (Alvenaria com revestimento e sobrado) e Alto Padrão (Alvenaria com revestimento e mais de 2 pavimentos).
Ao observamos comparativamente os valores venais e reais encontrados, percebe-se que na
parte formal dos bairros aqui estudados a diferença entre o preço de venda e o valor venal é muito
superior à diferença encontrada nos lotes à venda nas quadras de interesse social, onde os
valores de venda e o venal são quase os mesmos.
Outros resultados obtidos com a pesquisa de campo foram a respeito do tipo de Uso e Ocupação
do solo. Antes de irmos à campo havíamos previsto a existência dos seguintes tipos de uso:
residencial, misto, comercial/serviços e lotes vazios, porém, logo que iniciamos o mapeamento do
uso de solo notamos que no Bairro Vila Nogueira, mais precisamente na Avenida Dona Luísa de
Gusmão, encontramos vários galpões de uso exclusive comercial, como depósitos. O que chamou
nossa atenção foi principalmente o fato delas serem construções recentes ou estarem ainda em
construção.
Esta característica de Uso e Ocupação nos despertou interesse pelo fato destas pequenas
industrias estarem localizadas justamente na avenida marginal ao Ribeirão Anhumas, e em meio
a uma região de uso residencial. Logo, surge preocupação acerca da introdução deste tipo de uso
se coloca devido a dois motivos: primeiro pelo fato da atividade de armazenagem e comércio por
atacado poder ser geradora de uma ação que poderá repelir parte da população que lá habita ou
virá a habitar após a entrega total das habitações de interesse social programadas para o Projeto
Parque Anhumas.
Segundo porque sabe-se que todos os empreendimentos, de uma forma ou de outra, geram
impactos bastante significativos no meio em que são instalados, uma vez que alteram a forma
natural existente, impactantes com a presença de caminhões de carga, gerando ruídos, poluição
do ar, podendo também ser um risco para os pedestres, especialmente idosos e crianças. Assim
fica a dúvida sobre o caráter sustentável da existência de pequenas industrias implantadas as
margens de uma Área de Preservação Permanente.
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É importante destacar também que ao observamos o Projeto do Pac-Anhumas para as
Habitações de Interesse Popular construídas na área do Núcleo Residencial São Quirino, neste
não está previsto uma mistura de tipologias de usos. Ou seja, o Projeto prevê apenas o uso
residencial, não mesclando essa tipologia com o uso comercial ou de serviços, o que poderá ser
prejudicial para a vida do Bairro, uma vez que a vivacidade de um bairro está em sua capacidade
de atender sua população em diversos usos.
Ao andarmos pelo Núcleo observamos que em algumas unidades habitacionais já encontramos
placas com anúncios de venda de produtos alimentícios, serviços de beleza e outros, o que revela
que em alguns locais o uso começa a se tornar misto, mesmo que de forma informal.
Sobre o tipo de uso e ocupação nas demais áreas de pesquisa, notamos que o é uso residencial o
mais recorrente. Principalmente do Núcleo Residencial Gênesis há uma quantidade mais
significativa de usos Mistos, onde residência e comercio/serviços coexistem.
Para complementar nossa análise achamos pertinente entrarmos em contato com a Lei de Uso e
Ocupação de Solo da Cidade de Campinas, Lei N 6.031 de 29 de Dezembro de 1988, para
contrapor os dados tabulados com a Lei. Segundo o Zoneamento do Município na planta de 1999
(disponível para trabalhos acadêmicos no Centro de Apoio Didático –CAD – da FAU, ou seja
muito anterior às Obras do Pac-Anhumas) a região por este trabalho estudado possui Zonas do
Tipo 3 (HMV-5, CSE e CSE-6, todos com restrições), com alguns pontos pertencentes à Zona 18
e áreas que constam como favelas.
Sendo assim, na área estudada pela lei pode existir: Zona 18: destinada à proteção de áreas e/ou
espaços de interesse ambiental e à preservação de edificações de interesse sociocultural. E Zona
3: estritamente residencial, destinada aos usos habitacionais unifamiliares e multifamiliares; o
comércio, os serviços e as instituições de âmbito local serão permitidos com restrições quanto à
localização.
Já na planta de zoneamento mais recente (acessada através do material de pesquisa para o
Plano de Habitação de Campinas, em elaboração) está contemplada a Z3 (HMV-5, CSE e CSE-6,
todos com restrições, a Z11 ( HMH-3, HCSE/CSE sem restrições e HMV-1 e CSE-6 com
restrições) e a Z18, além de estarem ainda marcadas algumas quadras como favelas .
Considerações Finais
A relevância desta pesquisa é a contribuição oferecida a compreensão de como políticas públicas
interferem na lógica das cidades brasileiras, tanto no sentido da sustentabilidade desses projetos,
incluindo-se a dimensão política e econômica, através da verificação da valorização imobiliária
que benfeitorias trazem às áreas atingidas e da permanência ou não dos moradores no local. Ao
associar este aspecto à dinâmica do mercado habitacional, verificamos que as famílias residentes
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nas áreas diretamente atingidas (de perfil socioeconômico indicando vulnerabilidades diversas) e
no seu entorno foram beneficiadas com as políticas públicas, como mostram as novas
construções em terrenos legais antes vazios e a altíssima permanência da área mesmo após sua
inserção no padrão de infraestrutura e serviços urbanos. Entretanto, através das poucas unidades
em negociação, verificou-se que o local ainda não teve a sua incorporação completa à cidade
legal. Por outro lado, Poderia este tipo de mercado ser considerado informal a partir do momento
que ele cumpre uma função social. Ou seja, ele é socialmente necessário, e com forte presença
na vida de grande parte da população, embora considerado informal e ilegal. (LACERDA, 2010).
Além disso, como pode ser considerado informal se possui normas de funcionamento? A autora
questiona se de fato se pode ou se deve continuar a adjetivar esses mercados desta forma, pois
não é porque os processos de ocupação desses assentamentos foram inicialmente informais e ou
ilegais, que o mercado gerado a partir deste também coloca-se da mesma forma. Pois, devido ao
real desconhecimento acerca das regras desse mercado imobiliário não podemos, a priori,
qualifica-lo como informal e ilegal.
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LACERDA, Norma; LEAL, Suely. “Mercado imobiliário de aluguel em áreas pobres: normas de funcionamento e sentidos da formalidade”. In Novos padrões de Acumulação Urbana na produção do Habitat: olhares cruzados Brasil-França. Editora Universidade UFPE. 2010.
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