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Copyright © 2011 Edinaldo Nelson dos Santos-Silva, Veridiana Vizoni Scudeller & Mauro José Cavalcanti Rizoma Editorial

Capa: Nara Vieira da Silva

Projeto gráfico, diagramação e arte final: Igor Cardozo e Suellen Freitas

Comissão Científica:

Barbara Ann RobertsonEdinaldo Nelson dos Santos-SilvaMauro José CavalcantiVeridiana Vizoni Scudeller

_____________________Rizoma EditorialCaixa Postal 46521, CEP 20551-970Rio de Janeiro - RJ - BRASILE-mail: [email protected]. br

BioTupé: meio físico, diversidade biológica e sociocultural vol.3/ organizado por Edinaldo Nelson dos Santos-Silva; Veridiana Vizoni Scudeller & Mauro José Cavalcanti - Manaus: Rizoma Editorial, 2011. 556p.; il.; 14,8x21cm.

ISBN 978-85-62628-40-5 versão impressa ISBN 978-85-62628-42-9 versão eletrônica ISBN 978-85-62628-41-2 versão em CD-ROM

1. Águas pretas 2. Biodiversidade Amazônia 3. Recursos naturais – Amazônia I. Título II. Santos-Silva, Edinaldo Nelson (org.) III. Scudeller, Veridiana Vizoni (org.) V. Cavalcanti, Mauro José (org.).

CDU 504 (811)CDD 573 (811)

B616

Meio físico, diversidade biológica e sociocultural do baixo rio Negro,

Amazônia Central

VOLUME 3

Edinaldo Nelson Santos-SilvaVeridiana Vizoni Scudeller

Mauro José Cavalcanti(Organizadores)

Sumário

Meio Físico

Capítulo 1Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para sistemas flúvio-lacustres às margens do rio Negro, Amazonas, BrasilFábio Marques APRILE, Assad José DARWICH & Antonio Miguel MIGUÉIS

Capítulo 2Considerações sobre o regime nictemeral de temperatura e oxigênio dissolvido em um lago de água preta no baixo rio Negro, AmazonasBarbara Ann ROBERTSON & Assad José DARWICH

Capítulo 3Influência do cultivo de peixes em tanque-rede nos teores de Nitrogênio e Fósforo no lago Tupé, Manaus-AMFernanda Cardoso de FREITAS, Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA & Assad José DARWICH

Capítulo 4Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do Carbono Orgânico dissolvido no lago TupéJoão Henrique Fernandes AMARAL, Sérgio de MELO & Albert Luis SUHETT

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Diversidade Biológica

Capítulo 5Estrutura arbórea de uma floresta de igapó no lago Tupé, Manaus, AMJinny Ohana HAMAGUCHI & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 6Potencial de uso dos recursos florestais não madeireiros no Baixo Rio NegroWellison Rafael de Oliveira BRITO, Diana Nunes de OLIVEIRA & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 7Características físicas, químicas e rendimento do óleo de buriti (Maurita flexuosa L..f. – Arecaceae)Cecília O. de CARVALHO, Veridiana V. SCUDELLER, Ézio SARGENTINI JúNIOR, Ormezinda C. C. FERNANDES & Marcos A. BOLSON

Capítulo 8Fenologia de visgueiro-do-igapó (Parkia discolor Spruce ex Benth. – Mimosoideae, Leguminosae) em floresta inundável na Amazônia CentralSammy Aquino PEREIRA & Sidney Alberto do Nascimento FERREIRA

Capítulo 9Chave analítica de Lecythidaceae Poit. da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, baixo rio Negro, AmazonasLuisa Brasil Viana MATTA & Veridiana V. SCUDELLER

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Diversidade Biológica

Capítulo 10Identificação morfológica dos breus (Protium Burm. f. e Tetragastris Gaertn.) da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Manaus-AMMário Henrique FERNANDEz & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 11Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae)Nelsília Matos de NORONHA & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 12Distribuição espaço-temporal da riqueza e abundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, BrasilLaura Su-Ellen Fróes CALIXTO, André Ricardo GHIDINI, Eduardo Araújo SILVA & Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA

Capítulo 13Ocorrência de cladóceros (Crustacea: Anomopoda) associados à esponjas (Porifera: Demospongiae: Metaniidae) no lago Tupé, AM, BrasilAndré Ricardo GHIDINI & Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA

Capítulo 14Predação de zooplâncton por peixes no lago Tupé, Manaus-AmDaniel PREVIATTELLI & Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA

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Capítulo 15Entomofauna aquática do igapó do cemitério, no lago Tupé, Manaus, AMMaria José do Nascimento FERREIRA & Enide Luciana Lima BELMONT

Capítulo 16Aranhas e opilões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas - Brasil1Ana Lúcia TOURINHO, Regiane SATURNINO, Sidclay Calaça DIAS, Shirley GUIMARãES, Silvia Assimen & Pío Antonio Colmenares

Capítulo 17ECOLOG: um sistema gerenciador de bancos de dados para levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidadeMauro José CAVALCANTI

Diversidade Biológica

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Diversidade Sociocultural

Capítulo 18Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradiasDuarcides Ferreira MARIOSA, Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA, Alfredo Morel dos REIS JúNIOR &

Leandro GASPARINI

Capítulo 19Tradição e sustentabilidade na comunidade Julião: um olhar sobre a dimensão econômica e cultural da conservaçãoAmanda Cristina Costa PRADO & Hildeberto Caldas de SOUSA

Capítulo 20Habitabilidade na RDS Tupé: uma análise da arquitetura como representação culturalLeandro GASPARINI & Alfredo Morel dos REIS JúNIOR

Capítulo 21Migração e áreas protegidas periurbanas: um ensaio tipológico na RDS TupéTerence Keller ANDRADE

Capítulo 22Água e Saúde: popularização do conhecimento científico para comunidades da RDS TupéGabriela Farias ASMUS, Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Fabiane Ferreira de ALMEIDA & Murana Arenillas OLIVEIRA

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Capítulo 23Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto “Água & Saúde” na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do TupéFabiane Ferreira de ALMEIDA, Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Gabriela Faria ASMUS & Murana Arenillas OLIVEIRA

Capítulo 24O lúdico no processo de valorização do saber local sobre plantas medicinais entre crianças da zona rural de Manaus - AmazonasMonique Mota BEzERRA & Veridiana Vizoni SCUDELLER

Capítulo 25Acesso ao serviço de saúde no distrito rural: Comunidade Julião – Manaus - AmazonasNilce Maria de Camargo NATALE & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 26Território rural, relação de poder, conflito e afetividade - Comunidade Julião - Manaus-AMNilce Maria de Camargo NATALE & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 27Geração de trabalho e renda na RDS Tupé: aspectos do desenvolvimento local como base na organização comunitária e o uso sustentável dos recursos naturaisLidiane da SILVA & Kellyn VIEIRA

Diversidade Sociocultural

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Diversidade Sociocultural

Capítulo 28Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AMRamon Nantes DONATTI, Veridiana V. SCUDELLER & Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA

Capítulo 29Unidade familiar de produção de peixes em tanques-rede no lago TupéAna Cristina B. OLIVEIRA, Kedma Cristine YAMAMOTO,

Monaliza Sayuri de Q.TAKAHASHI & Ronãn Alves FREITAS

Capítulo 30Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM*

Célia Cristina Valero SOUzA & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 31Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinhaSão João do Tupé no baixo rio Negro, AmazonasJosephina Barata da VEIGA & Veridiana V. SCUDELLER

Capítulo 32Dimensionamento e avaliação da eficiência de um sistema para captação e tratamento de água da chuva para uso doméstico na zona rural de ManausFernanda Cardoso de FREITAS & Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA

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Meio Físico

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para sistemas flúvio-lacustres às margens do rio Negro, Amazonas, Brasil

1Fábio Marques APRILEe-mail: [email protected]

2Assad José DARWICHe-mail: [email protected]

1Antonio Miguel MIGUÉISe-mail: [email protected]

1Instituto de Ciência da Educação, Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA,2Coordenação de Biodiversidade - CBIO, Instituto Nacional

de Pesquisas da Amazônia – INPA

Resumo: Os sedimentos são constituídos por matéria orgânica em vários estados de decomposição, partículas minerais e uma componente inorgânica de origem biogênica. Formam o substrato não consolidado no leito de rios e lagos e representam um compartimento de fundamental importância quanto à ciclagem de matéria e fluxo de energia nos sistemas hídricos. Refletem a atuação de parâmetros ambientais e constituem um registro da dinâmica local. Esta pesquisa propõe identificar as principais vias de fluxo de nitrogênio e fósforo totais para o Tupé, um lago de difícil circulação às margens do rio Negro, e elaborar um modelo de fluxo nutricional para sistemas flúvio-lacustres de águas pretas, com base nas observações e interpretação de dados históricos das cotas de 2002 a

Capítulo 1 Meio Físico

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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Palavras-chave: modelagem, modelo empírico, sedimento, lago Tupé, Amazônia.

Introdução A modelagem pode ser definida como o processo de representar um sistema real através de equações diferenciais e organogramas, com base em diferentes abordagens, para prever eventos cíclicos e/ou atípicos. Outra definição, usualmente encontrada, faz referência a modelagem como o conjunto de equações que visam quantificar e explicar hipóteses

2011 nesse lago. Foram avaliados os teores de N e P nos compartimentos água, solo + serrapilheira e sedimento e desenvolvido um mapeamento de distribuição desses nutrientes, além da análise de variáveis limnológicas como subsídio na interpretação do questionamento proposto. Foi verificado que nos três compartimentos as maiores concentrações pontuais de N e P ocorrem na região central e mais profunda do lago, sempre maiores nos sedimentos, e que tanto no canal de conexão do lago com o rio quanto no próprio rio esses nutrientes estão em menores concentrações. Assim, somente o rio Negro não poderia suprir os lagos de águas pretas adjacentes com N e P, cabendo aos igarapés de floresta um papel significativo no transporte dos mesmos, especialmente na forma dissolvida, para a coluna de água do lago e com maior representatividade para o P. O pulso de inundação do rio Negro não contribui significativamente para a elevação dos níveis de oxigênio no hipolímnio, e dessa forma não favorece a precipitação de íons P para o sedimento. No entanto, a via de transporte nutricional (N e P) advém tanto dos igarapés de floresta quanto do sistema fluvial adjacente, dependendo do período do ciclo hidrológico. Foi demonstrado que o fluxo desses nutrientes no ecossistema encontra-se estável, no qual cada compartimento atua e interage com os demais, ocorrendo ainda fluxo preferencial entre eles com diferentes índices de correlação. É apresentado um modelo de fluxo de N e P para ecossistemas flúvio-lacustres de águas pretas amazônicas, com padrão de circulação da água do tipo meromítico. No modelo há dependência de variação de cargas de entrada e saída de compartimentos e de variáveis limnológicas no hipolímnio. O modelo particular para o P procura explicar as vias de fluxo e a importância da anoxia no hipolímnio para manter a liberação de fosfato ao ecossistema.

previamente elaboradas, as quais permitem a construção do próprio modelo, e que estão ancoradas nas características do mundo real. Em outras palavras, modelar um sistema é o ato de testar hipóteses. Dessa forma, o modelo deve representar o mais fiel possível um sistema e a forma como ocorrem as variações no mesmo. O modelo passa a ser mais confiável, à

Aprile at al.

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medida que representa e explica o mais detalhadamente possível o sistema para qual foi projetado. Características essencialmente representativas do “mundo real” devem estar contidas no modelo, que muito embora possa ser desenvolvido de modo aparentemente simples, deve ter um comportamento semelhante e tão preciso quanto o sistema modelado. Isso significa dizer que quanto maior for o número de variáveis pertinentes introduzidas no sistema modelar, através de dados confiáveis, mais próximo da condição de representar um ambiente real este se encontrará. Modelagem é uma técnica que vem sendo bastante difundida e utilizada em diversas áreas da ciência, como ferramenta de auxílio para compreender e explicar melhor os fenômenos e/ou sistemas existentes no mundo real. Não há limites para a sua aplicabilidade, podendo a modelagem estar presente na conceitualização da física clássica, na explicação de reações químicas e bioquímicas, no estudo da biofísica e fisiologia dos seres vivos, na ecologia de populações e ecologia teórica, nas diversas subáreas da engenharia, na estatística humana, em especial para previsão de crescimento demográfico. Além disso, a modelagem pode ser utilizada na limnologia e oceanografia para explicar fenômenos cíclicos, na formulação de teorias econômicas, e até mesmo para construção de modelos astronômicos. A modelagem também está presente na vida cotidiana, um

exemplo disso é o estudo modelar do sistema de trânsito. Para permitir o melhor sistema de fluxo de carros em uma grande cidade, são aplicados modelos para definir as melhores vias de acesso e o tempo de duração dos semáforos. À medida que novas ruas são construídas (novas componentes) o modelo tem que ser atualizado e revisto, da mesma maneira quando se altera o trajeto de um sistema viário (nova variável). Dessa forma, pode-se dizer que a modelagem é um processo dinâmico, que busca modelos os mais adequados possíveis e que sirvam de protótipos de alguma entidade. A compreensão de modelagem é apresentada em termos do processo de construção do próprio modelo matemático, transcrito através da linguagem de esquemas explicativos. Os modelos podem ser definidos como uma formulação simplificada dos processos e interações do mundo físico, de tal maneira que situações complexas possam ser compreendidas e até mesmo previstas, como é o caso da elaboração de modelos climáticos com o objetivo de prever eventos de grande impacto para a população e meio ambiente, como: tornados, furacões, erupções vulcânicas entre outros. Modelos para prevenção de acidentes e catástrofes, naturais ou antrópicas, cujo evento é não cíclico (atípico), como um terremoto, tsunami ou vazamento de uma usina nuclear, também podem ser desenvolvidos e melhorados à medida que se conhece melhor o sistema em

Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

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questão, como rotinas ou informações climáticas atualizadas. Existem vários tipos de abordagens para construção de modelos, sendo que estes podem ser representações do tipo conceitual, compartimental, físico, matemático, estatístico, cartográfico, de simulação (Patten, 1971; Maki & Thompson, 1973), de balanço de massa, estocástico, empírico etc. Todos, entretanto, apresentam uma característica comum, o fato de necessitar da observação do comportamento do(s) componente(s) do sistema em função da variável ou variáveis analisadas, seja para elaboração de um conceito seja para definição dos limites da variação repetitiva (ação cíclica). Assim, a utilização de dados históricos passa a ser crucial para aprimorar um modelo, especialmente quando este visa explicar ou compreender fenômenos naturais. A previsão da magnitude da consequência de um fenômeno natural como o El-Niño na Amazônia, por exemplo, cujo efeito é uma grande estiagem, será muito mais precisa e próxima do real à medida que se estuda o evento ocorrido em um intervalo de tempo maior (análise de dados históricos). Dentre os diversos tipos de modelos existentes e aplicados merecem destaque os modelos do tipo conceitual, compartimental e de balanço de massa. Os dois primeiros foram apresentados e descritos com ênfase por Aprile & Siqueira (2009) para o lago Tupé. Já o

modelo de balanço de massa consiste na análise das concentrações das variáveis em cada componente do sistema, que em limnologia é definido como compartimento, aplicando as interferências e interfaces necessárias para explicar o processo. Os dados mensurados passam a ser representados através de equações matemáticas. Caso a resposta a um evento seja obtida pela experimentação repetitiva, através de uma abordagem contendo protocolos e metodologia definida, então ela pode ser representada por um mecanismo e expandida para outros ambientes de similares características. Assim, os modelos passam a ter um grande valor nos estudos dos ecossistemas aquáticos e terrestres, especialmente em ambientes de extensões continentais, como é o caso do bioma amazônico. Os modelos de balanço de massa são considerados ferramentas funcionais, especialmente desenvolvidas para a tomada de decisões, visando solucionar problemas complexos associados à dinâmica de um ecossistema e as várias interações existentes entre o sistema biótico e abiótico. Para que a simulação seja a mais confiável possível, torna-se necessário o conhecimento sobre situações reais, sendo de fundamental importância uma visão holística do sistema. Na limnologia isso é uma prerrogativa. Em estudos referentes ao fluxo de nutrientes em ecossistemas aquáticos, a aplicação de modelos de balanço de massa tem contribuído

Aprile at al.

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bastante para explicar fenômenos físicos, químicos e biológicos, além de permitir compreender melhor a influência dos fatores ambientais como clima, regime de chuvas e o pulso de inundação, especialmente na Amazônia. Na região amazônica, a variação da carga de nutrientes nos sistemas flúvio-lacustres, especialmente de C, N e P, está diretamente associada ao pulso de inundação dos grandes rios que compõem a malha hídrica. O pulso de inundação, definido por Junk et al. (1989), é responsável por transportar nutrientes através dos grandes rios para os paranás, baixios, igarapés e lagos da planície amazônica e, por sua vez, está associado à variação regional do nível da água dos rios. O conceito de pulso de inundação foi reformulado por Neiff (1990), que salientou que ambos os períodos do pulso (enchente e vazante) têm igual importância na estabilidade dos ecossistemas aquáticos. As variações do nível da água e do pulso de inundação provocam uma série de alterações nas características limnológicas de um ecossistema aquático, citando-se: alterações na transparência, turbidez, pH, condutividade elétrica, concentração de gases (O2, CO2 etc.), e nos teores de nutrientes. Assim sendo, pode-se dizer que a carga nutricional que abastece a planície amazônica, oriunda das partes mais altas do bioma, a exemplo das regiões Andina e Pré-Andina, depende da variação do nível da água dos grandes

rios. Nos períodos de enchente e cheia, o material sedimentar é transportado para a várzea, que responde a essa ação desenvolvendo uma alta diversidade biológica inclusa em uma imensa rede trófica. Esse processo é bem visível nos corpos de água branca ou barrenta, a exemplo dos rios Amazonas, Solimões, Madeira, Juruá, Purus etc., onde a carga de material em suspensão é alta, rica em elementos iônicos como Fe2

+, Fe3+, Mn2

+, Ca2+ , Na+ e K+. Já nos

lagos e paranás das bacias de águas pretas, a exemplo do rio Negro, há outra força de grande importância para o ecossistema aquático; trata-se dos igarapés de floresta. Esses sistemas naturais de transporte frequentemente carreiam material orgânico e substâncias húmicas, provenientes da floresta de terra-firme, para os lagos, canais e paranás, dando ao ecossistema aquático em questão uma característica própria de água ácida com coloração variando do ocre ao vinho. Com base nesse complexo sistema de transporte de nutrientes, responsável pela dinâmica biológica nos ecossistemas amazônicos, os objetivos desta pesquisa foram identificar as principais vias de fluxo de nitrogênio e fósforo totais para o lago Tupé, às margens do rio Negro, e elaborar um modelo de fluxo nutricional para os sistemas flúvio-lacustres de águas pretas, com base nas observações e interpretação de dados históricos de nível da água de 2002 a 2011.

Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

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Material e Métodos

Área de Estudo

Uma abordagem bastante abrangente da diversidade física e da especificidade dos ecossistemas terrestres e aquáticos inseridos na Reserva de Desenvolvimento Sustentável – RDS Tupé, onde se encontra o lago Tupé, cenário desta pesquisa, é descrita por Aprile e Darwich (2005), Aprile et al. (2005), Darwich et al. (2005a,b), Scudeller et al. (2005). Estes trabalhos focam a caracterização limnológica desse ambiente, além de aspectos da geomorfologia, morfometria e geoquímica, e considerações sobre a dinâmica sedimentar do ecossistema flúvio-lacustre. No entanto, algumas características pertinentes ao estudo do modelo de fluxo de nutrientes no sistema serão aqui reforçadas. O lago Tupé é um lago de área inundável, localizado na margem esquerda do rio Negro, o maior rio de águas pretas do mundo. Seu formato é dendrítico, com margens íngremes em um vale em forma de “V”, cujo declive principal se desloca para o centro do lago, na denominada área central ou ponto central, ponto de interseção dos dois braços do lago. Na porção proximal do rio Negro, as margens do lago são predominantemente formadas por cordões e bancos arenosos, com baixa concentração de material vegetal (serapilheira). À medida que se afasta do rio Negro em direção à floresta

ombrófila densa de platô, nota-se que as margens do lago vão apresentando maiores concentrações de silte e argila, misturados com serapilheira e matéria orgânica decomposta. O lago encontra-se protegido da ação dos ventos diretos sobre a superfície da água, por suas margens estarem mais elevadas e, em sua maioria, rodeadas pela floresta (Fig.1). Como típico ecossistema de águas pretas, o lago Tupé apresenta estreitas faixas de igapó nas áreas de cabeceiras e nos igarapés e vales no entorno do mesmo. Com características hidrológicas similares a outros lagos de área inundada da Amazônia, o Tupé está sob influência do pulso de inundação decorrente davariação do nível da água local. Assim, neste lago, até a cota mínima de 19 metros a.n.m. suas águas e as águas do rio Negro podem apresentar flutuação de nível semelhante (Darwich et al., 2005b). Abaixo dessa cota, há apenas afluência do lago ao rio, de modo que o lago permanece isolado da influência fluvial recebendo apenas contribuição dos igarapés de floresta e da precipitação pluviométrica.

Procedimentos analíticos Para este trabalho foram resgatados os dados limnológicos, sedimentológicos e pedológicos, composição da serapilheira, além de informações sobre a pluviometria e fluviometria do lago Tupé, obtidos durante campanhas sazonais entre 2002 e 2011, em 12 pontos de amostragens,

Aprile at al.

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

Figura 1: Mapa esquemático contendo os pontos de amostragem e modelo de distribuição dos solos e influências eólica e hídrica no lago Tupé, com base nos estudos desenvolvidos na ultima década.

cujas descrições e coordenadas geográficas podem ser encontradas em Darwich et al. (2005a). Os modelos gerados neste trabalho foram obtidos a partir da análise e interpretação dos resultados amostrados para os períodos de enchente, cheia, vazante e seca. O lago foi compartimentalizado para que se pudesse determinar as direções e sentidos do fluxo nutricional, sendo que foram considerados para análise os

compartimentos água, solo/serapilheira e sedimento. Todas as determinações limnológicas tiveram por base as recomendações do Programa Biológico Internacional para ambientes aquáticos (Golterman et al., 1978), e seguiram ainda protocolos bastante divulgados e reconhecidos, descritos por Mackereth et al. (1978), Wetzel & Likens (2000) e APHA (2005). As amostras de serapilheira + solo e sedimento também

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Aprile at al.

seguiram protocolos referenciados para coleta e conservação (APHA, 2005). As variáveis temperatura (ºC), oxigênio dissolvido (OD mg.l-1) e pH foram determinadas nos perfis horizontal e vertical (a cada 0,5 m) com sonda portátil WTW, para identificar a presença ou não de processos de estratificação física (térmica) e química (OD) no sistema lacustre, bem como a possibilidade de interferência do pH no processo de imobilização dos íons. Tais informações tiveram a devida importância na construção dos modelos, bem como na explicação do fluxo dos nutrientes, especialmente do fósforo. Nos laboratórios de Química da Água do INPA, Biologia Ambiental da UFOPA e de Química Analítica e Ambiental da UFPA foram realizadas as análises dos teores totais de N e P na água, solo + serapilheira e sedimento. O nitrogênio total foi obtido a partir do somatório das frações orgânicas e inorgânicas totais em cada compartimento. O N-orgânico total foi determinado pelo método clássico de Kjeldahl & Kjeldahl adaptado a solos e sedimentos por Aprile & Bianchini Jr. (2003a), cujo processo pode ser resumido em três etapas: digestão ácida por H2SO4, seguida de destilação com NaOH e H3BO3 e titulação. Considerou-se em nível de modelo que todo nitrogênio orgânico, incluindo as frações de proteínas e aminoácidos livres pelo processo de decomposição parcial, foi convertido a NH4

+ e titulado. As formas nitrogenadas NO2

-, NO3- e NH4

+ foram

determinadas segundo procedimentos tradicionais descritos por Carmouze (1994) e APHA (2005). O fósforo total foi determinado pelo método do ácido ascórbico com extração a frio e leitura em espectrofotômetro a 725 nm segundo adequação metodológica de Aprile & Bianchini Jr. (2003b). Os resultados foram analisados estatisticamente aplicando-se análise de correlação linear de Pearson, matriz de correlação, regressão linear múltipla e teste F para: a) verificar a magnitude e sentido da associação entre as variáveis estudadas; b) determinar a (co) dependência de uma variável em relação ao grupo, especialmente dos nutrientes N e P em relação a sua razão; c) testar as hipóteses projetadas.

Construção do Modelo A figura 2 resume esquemati-camente todo o processo de constru-ção do modelo desde a observação até a validação do mesmo. O modelo de-senvolvido teve como base os modelos conceitual, compartimental e de balan-ço de massa. A fase 1 do processo de cons-trução do modelo é a elaboração de questões que devem ser respondidas na validação do mesmo. Dessa forma, e com base no objetivo geral desta pes-quisa foram elaborados os seguintes questionamentos:

1. A sazonalidade tem influência significativa no fluxo dos nutrientes?

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

Figura 2: Fluxograma com as etapas para a construção do modelo de fluxo nutricional.

2. Como se processa o fluxo de N e P sob as condições de variação do nível da água em lagos de águas pretas da Amazônia, especialmente no lago Tupé? 3. Qual a influência do pulso de inundação e de igarapés de floresta no fluxo de nutrientes em sistemas lacustres de águas pretas?4. A condição anaeróbia identificada em lagos rasos amazônicos interfere no fluxo de nitrogênio e fósforo na coluna de água?

Projeção de Hipóteses

A fase 2 do processo de construção do modelo é a elaboração de um conjunto de hipóteses, que neste caso em particular serviu para

tentar explicar o fluxo de nutrientes em lagos de águas pretas amazônicas, especialmente no lago Tupé, que foi a área alvo de teste e observação para aplicação da modelagem. Dois conjuntos de hipóteses foram elaborados:

Conjunto 1:H0: O pulso de inundação do rio Negro durante a enchente e cheia não contribui significativamente para elevação dos níveis de oxigênio no hipolímnio do lago Tupé, visto este estar permanentemente estratificado, e consequentemente não favorece a precipitação de íons P para o sedimento.H1: O pulso de inundação do rio Negro durante a enchente e cheia contribui para elevação dos níveis de oxigênio no hipolímnio do lago Tupé, favorecendo a imobilização dos íons P pelos compostos orgânicos e íons Fe3+, beneficiados pelo pH ácido e baixos teores de Ca2

+.

Conjunto 2:H0: Em um lago de águas pretas o fluxo de nutrientes via água advém tanto dos igarapés de floresta quanto do sistema fluvial adjacente, neste caso o rio Negro, sendo que a magnitude de cada contribuição depende da cota do rio.H1: O rio Negro tem o papel preponderante de fornecer nutrientes (íons dissolvidos) aos lagos e igapós através do pulso de inundação, tendo grande importância sobre o metabolismo dos ecossistemas aquáticos lênticos. Finalmente, foram elaboradas

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Aprile at al.

equações diferenciais, desenvolvidas para contextualizar o fluxo de nutrientes entre os diversos compartimentos presentes no ecossistema flúvio-lacustre, e um modelo de fluxo com base no comportamento do balanço de massa dos macronutrientes N e P.

Resultados e Discussão No período de 2002 a 2011, a temperatura da água teve maior oscilação nas camadas mais superficiais, com intervalo entre 27,9 ºC e 32,4 ºC (∆= 4,5 ºC) e média anual de 30,1±0,6 ºC. As camadas de água mais profundas, entretanto, não apresentaram a mesma intensidade de oscilação, variando entre 27,0 ºC a 27,5 ºC (∆= 0,5 ºC) e média anual de 27,3±0,02 ºC. O oxigênio dissolvido, em percentagem de saturação do gás, teve um comportamento bastante similar ao da temperatura da água, com elevadas concentrações de OD nas camadas mais superficiais, oscilando entre 37,6% e 148,6% (∆= 111,0%), com média anual de 81,0±8,9%, e baixa variação nas camadas mais profundas do lago, ficando entre 0,0% (anoxia total) e 8,0% (∆= 8,0%), com média anual de 1,7±1,8%. Deve-se notar aqui a existência permanente de camadas de água totalmente anóxicas em determinados períodos do ano hidrológico, fato este de grande importância para explicar o comportamento dos íons N e P dentro do sistema modulado. A sazonalidade foi bastante

evidente no lago Tupé, especialmente no que se refere às oscilações da temperatura e OD. Deve-se mencionar que nos pontos ET9 e ET10, localizados na área central e mais profunda do lago, que chega atingir 15 metros na cheia, as maiores concentrações de OD em percentagem de saturação ocorreram sempre nos períodos de seca, quando o OD alcançou seus maiores valores e manteve-se entre 100% e 150%. Foi também durante as secas que nos demais pontos, inclusive no ponto de monitoramento no rio Negro (EN12), a saturação manteve-se alta, entre 80% e 100%. Em oposição, nos períodos de cheia, as concentrações de OD nas camadas superficiais permaneceram sempre próximas de 50%. Essa diferença marcante entre os períodos diametralmente opostos (seca e cheia) dos valores de temperatura e teores de oxigênio, variáveis de grande importância para o metabolismo dos ecossistemas aquáticos, reforça a questão de haver influência da sazonalidade no fluxo dos nutrientes (questionamento nº1 da construção do modelo), visto que tanto a solubilidade do oxigênio quanto o valor da temperatura na água estão diretamente associados a processos de estratificação e oxi-redução. Analisando-se os dados de temperatura e saturação do oxigênio dissolvido na água do lago Tupé, dentro de um perfil vertical (superfície ao fundo) e na distribuição espaço-temporal, nota-se que os resultados confirmaram

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

a tendência de comportamento de curva apresentada por Darwich et al. (2005b), que sugeriram haver estratificação física (térmica) e química (do oxigênio) em todo o lago e durante todo o período anual de variação da cota do rio (Fig. 3). Segundo os autores, as concentrações de OD no hipolímnio do lago foram sempre reduzidas devido à estratificação, entretanto, muito embora o perfil do lago seja estratificado, existe a presença de fluxos laminares no sentido da cabeceira a sua foz, os quais poderiam ter um importante papel na distribuição de nutrientes provenientes do compartimento sedimento para a coluna de água. Uma vez que no lago Tupé suas margens são bem elevadas e o mesmo encontra-se parcialmente circundado por floresta, como já mencionado na descrição da área de estudo, há pouca influência direta dos ventos sobre seu espelho de água. O resultado desse fenômeno é a quase inexistência de “ondas de lago”, o que reduz a possibilidade de mistura total da coluna de água, contribuindo também para a estratificação do lago. Além disso, nesse processo, é de fundamental importância considerar a diferença de densidade da água com a variação da temperatura. Principalmente nessa região onde temperaturas no epilímnio de lagos, especialmente no Tupé, podem atingir 34°C. Dessa forma, na Amazônia pequenas diferenças de temperaturas podem estabelecer estratificações (físicas e químicas) estáveis. Vale

lembrar que a quantidade de trabalho necessária para misturar massas de águas estratificadas entre 32 e 33°C é 40 vezes maior que a necessária para misturar as mesmas massas entre 4 e 5°C. No lago Tupé a coluna de água apresentou amplitude térmica de cerca de 6°C no período de águas baixas (de 27 a 33°C) e quase três graus no período de cheia (de 27 a 30°C) (Darwich et al., 2005a). Nessa faixa de temperatura a coluna de água na seca (cota mais baixa) é cerca de 2 vezes mais estável do que na cheia (maior profundidade). Se esses dados forem comparados com variações de temperaturas de região temperada, verifica-se que a coluna de água do Tupé estaria cerca de 7 vezes mais estável do que a mesma coluna de água entre 4 e 10°C (mesma amplitude térmica). Na cheia, apesar da menor amplitude térmica, a coluna de água estaria mais estável ainda (cerca de 12 vezes) do que em uma faixa equivalente de temperatura em região temperada entre 4 e 7°C (mesma amplitude de temperatura). De fato, foi notado ao longo desses vários anos de estudo haver apenas uma mistura parcial das camadas superiores, como é representado na figura 3. De acordo com Darwich et al. (2003), o lago Tupé é um lago de difícil circulação, com evidências de misturas apenas nas camadas mais superficiais em todos os períodos e variação do nível d´água, o que o caracteriza como um lago meromítico (Fig. 3), diferentemente de muitos lagos polimíticos da

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Aprile at al.

Amazônia. A indicação do lago Tupé ser permanentemente estratificado, contribui para a validação da hipótese de que o pulso de inundação do rio Negro, durante os períodos de enchente e cheia, não contribui significativamente para elevação dos níveis de oxigênio no hipolímnio (Conjunto 1 H0), e dessa forma não favorece a precipitação dos íons P para o sedimento. Os resultados dos teores de N e P nos compartimentos água, solo + serapilheira e sedimento, apresentados na figura 4, foram todos expressos em ppm (partes por milhão). As concentrações de nitrogênio oscilaram de 0,04 a 0,27 ppm na água; 0,82 a 7,64 ppm no solo + serapilheira, e entre 2,62 e 31,65 ppm no sedimento. As maiores concentrações médias pontuais nos três compartimentos sempre foram observadas nos pontos ET9 e ET10, localizados no trecho mais profundo do lago, denominado área central. Muito

Figura 3: Perfil de estratificação física (térmica) e química (OD) na coluna de água do lago Tupé, dados médios para 2002-2011.

embora as maiores concentrações tenham sido observadas no sedimento, as maiores amplitudes pontuais ocorreram na água, demonstrando que nesse compartimento há uma flutuação maior dos teores de N em função do nível da água. Já os compartimentos solo + serrapilheira e sedimento tiveram comportamento preferencialmente conservador do elemento N, especialmente no sedimento. As concentrações de fósforo variaram de 0,01 a 0,04 ppm na água; entre 0,10 e 0,59 no solo + serrapilheira e entre 0,46 e 3,97 ppm no sedimento. Nota-se que no caso do fósforo, os compartimentos água e sedimento apresentaram alta oscilação pontual, sugerindo haver uma correlação entre os dois compartimentos, provavelmente no que se refere a uma relação de deposição e liberação de fósforo.

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

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200

2 –

2011

.

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Aprile at al.

A partir das concentrações pontuais de N e P foi desenvolvido um mapeamento de distribuição pelo método de krigagem, ora apresentado nas figuras 5 e 6. No que se refere a distribuição espaço-temporal de nitrogênio total no lago Tupé (Fig. 5), foi notada uma tendência a maiores concentrações pontuais, para os três compartimentos, no trecho compreendido entre os pontos ET9 e ET10, na denominada área central do lago. Essa concentração se deveu especialmente em decorrência da morfometria do lago, que por apresentar calha em forma de “V” e com declividade voltada para a área central, na confluência entre os braços maior e menor do mesmo, permitiu o acúmulo especialmente de sedimentos ricos em nutrientes nessa região. Os igarapés de floresta, em especial os pontos EI2, EI3 e EI8 tiveram em alguns momentos sua parcela de contribuição de N total para o lago. O comportamento do P total na água, solo com serrapilheira e sedimento (Fig. 6), não foi diferente do observado com o N. De fato, as maiores concentrações pontuais continuaram sendo encontradas no trecho da área central. Os pontos amostrados nos igarapés de floresta tiveram uma maior representatividade para o elemento fósforo, também com destaque para os pontos EI2, EI3 e EI8 além do ponto ET7. Chamou a atenção o fato de que tanto para o N total como para P total, os pontos localizados no canal de conexão entre o lago e o rio Negro (EC11) e o

ponto de monitoramento no próprio rio Negro (EN12), sempre apresentaram para todos os compartimentos baixas concentrações dos elementos analisados. Tais evidências, obtidas através das análises químicas e confirmadas pela análise dos isovalores de N e P (Figs. 5 e 6), somadas ao fato de que o lago permanece quase que permanentemente estratificado, reforçam o fato de que o rio Negro sozinho não poderia suprir os lagos de águas pretas adjacentes com N e P, devendo assim os igarapés de floresta terem um papel significativo no transporte dos mesmos, especialmente na forma dissolvida, para a coluna de água do lago. Dessa maneira, os resultados refutam a hipótese de que o rio Negro tem papel preponderante de fornecer N e P aos lagos e igapós através do pulso de inundação (Conjunto 2 H1), validando a hipótese de que a via de transporte nutricional advém tanto dos igarapés de floresta quanto do sistema fluvial adjacente, dependendo do período de variação do nível da água (Conjunto 2 H0).

Fluxo de N e P

O nitrogênio é um dos elementos mais fundamentais para o metabolismo dos ecossistemas aquáticos, especialmente devido à sua participação na formação de aminoácidos, proteínas, e seu papel como componente básico da biomassa dos seres vivos. Os principais

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

Figura 5: Isovalores de N total a partir da média determinada para os compartimentos água, solo + serapilheira e sedimento na bacia do lago Tupé, Amazônia Central.

Figura 6: Isovalores de P total a partir da média determinada para os compartimentos água, solo + serapilheira e sedimento na bacia do lago Tupé, Amazônia Central.

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Aprile at al.

reservatórios naturais de N para os ecossistemas aquáticos são o material orgânico e inorgânico de origem alóctone, seguido dos processos de fixação de N molecular autóctones. Uma vez na coluna de água, o N pode-se apresentar de várias formas: nitrato, nitrito, amônio, N molecular, N orgânico, óxidos, entre outros. Cada fração com seu diferencial de assimilação, sendo as formas iônicas as mais facilmente absorvidas pelos organismos e adsorvidas pelas partículas carregadas (argila e matéria orgânica). Dentre as várias formas encontradas as formas orgânicas dissolvidas são as que mais carecem de estudos, sendo oriundas em rios e lagos da decomposição total e/ou parcial e da excreção dos organismos aquáticos. O N em altas concentrações pode contribuir para a deterioração da qualidade da água, uma vez que estimula o crescimento de algas e acelera o processo de eutrofização do ecossistema. Também é possível, embora mais difícil de ser notado, que o N possa atuar como fator limitante na produção primária dos ecossistemas aquáticos, caso esteja presente em baixas concentrações. O fluxo de N inicia-se com a atividade dos micro-organismos do solo e da água a degradar a matéria orgânica em ambientes aeróbio e anaeróbio. Os processos básicos que ocorrem no fluxo de N são: amonificação, formação de amônia (NH3) e/ou íon amônio (NH4

+) durante a decomposição da matéria orgânica, processo esse que ocorre

preferencialmente nos solos e nos sedimentos; nitrificação, quando os compostos nitrogenados de maior tamanho são reduzidos a partículas menores através do processo de oxidação biológica, e dessa forma dando origem ao nitrito (NO2

-) e nitrato (NO3

-); e desnitrificação, processo onde ocorre a redução do nitrato a N molecular. Destas formas, o NO3

- é a forma preferencialmente absorvida pelas algas fitoplanctônicas. Os fatores que influenciam as taxas de decomposição nas áreas alagáveis incluem a viabilidade de aceptores de elétrons, composição química dos substratos orgânicos, além dos fatores ambientais citados como sendo temperatura da água, pH e a própria disponibilidade de nutrientes (Reddy & D’Angelo, 1994). Devendo-se incluir nessa lista; a concentração de OD na coluna de água e o fator de oxi-redução, que contribuem para os processos de amonificação e nitrificação da matéria orgânica. Ainda segundo Reddy e D’Angelo (1994), a oxidação da matéria orgânica e redução de aceptores de elétrons podem resultar na liberação de NH4

+ solúvel na coluna de água. Em lagos tropicais estratificados, como é o caso do lago Tupé, no hipolímnio geralmente há predominância do nitrogênio amoniacal sobre o NO3-. Dessa forma, pode-se dizer que há uma maior relação entre a concentração de NH4

+ e a duração do processo de estratificação, do que entre o íon e a

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

produtividade do lago. No lago Tupé foi possível notar ao longo do período anual de variação do nível d´água o predomínio de NO3

- nas camadas de água mais superficiais (epilímnio), onde há circulação incompleta de água (ver Fig. 7), em oposição a um acúmulo de NH4

+ no hipolímnio, onde predominou a baixa concentração de oxigênio dissolvido. Houve também sazonalidade na distribuição vertical do N. A exemplo disso, durante os períodos de cheia notou-se menor concentração de NO3

- no epilímnio. Isso pode ser explicado pelo fato de na cheia haver estratificação mais acentuada, isolando totalmente o epilímnio do fundo do lago, e dessa forma, o único estoque de NO3

- presente nas camadas superficiais passa a ser quase totalmente assimilado pelo fitoplâncton. Nos períodos de seca, quando a saturação do oxigênio manteve-se diversas vezes entre 100% e 150% no epilímnio, apresentando inclusive maior saturação nas camadas de águas intermediárias, os teores de NO3- superam ao longo da coluna de água as concentrações de nitrogênio amoniacal, ao contrário do que normalmente é visto em lagos tropicais, quando nos períodos de seca os teores de NH3/NH4

+ podem atingir valores elevados, mesmo no epilímnio, devido a redução dos níveis de OD. Essa tendência demonstra que em presença de alto potencial redox as formas nitrogenadas seguem preferencialmente a via de nitrificação a amonificação.

O principal reservatório natural de P são as rochas, que através do processo de intemperismo especialmente de minerais de fosfato de cálcio, lança sua forma iônica nos ecossistemas terrestres e aquáticos. Uma vez na coluna de água, o P passa a circular entre as plantas e animais até retornar à rocha matriz, pelo processo conhecido como litificação. Por sua capacidade de formar compostos solúveis em água, o P pode facilmente ser transportado pela ação das chuvas, dos solos e serapilheira para os corpos de água, causando a eutrofização do ambiente. Segundo Sharpley et al. (2002), o aumento de P nos ecossistemas aquáticos pode deteriorar a qualidade da água, visto que em elevadas concentrações este elemento estimula o crescimento de algas e acelera o processo de eutrofização. O desenvolvimento das algas em um espaço de tempo curto, conhecido como “bloom” de algas, seguido por um processo de decomposição das mesmas, causa a diminuição drástica dos níveis de oxigênio dissolvido na coluna de água, especialmente pelo consumo do oxigênio no processo de decomposição. A consequência desse fenômeno é a mortandade de vários organismos aeróbios, especialmente peixes, como ocorre por exemplo nos lagos e lagoas costeiras de centros urbanos. O incremento de algas pode ser seguido do crescimento desordenado de macrófitas aquáticas e ambos contribuem para a redução da

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transparência da água com o aumento concomitante das mesmas. A baixa transparência associada ao aumento de sólidos totais em suspensão dificulta a penetração de luz na coluna de água, reduzindo o processo de fotossíntese, o qual por sua vez causa a mortandade de mais algas, seguida da decomposição e redução ainda maior dos níveis de oxigênio no ecossistema. Esse processo se mantém atuante até que ocorra a redução definitiva dos níveis de nutrientes dissolvidos e o sistema retorne ao equilíbrio. Na maioria das vezes, entretanto, o P pode atuar como fator limitante do sistema, por agir diretamente na regulação do crescimento dos produtores primários da cadeia trófica. Nas águas pretas da Amazônia os teores de nutrientes inorgânicos são sempre muito baixos. Estudos têm sugerido que existe uma sazonalidade associada à distribuição e concentração de P nos ecossistemas aquáticos (Pinheiro, 1996; Darwich et al., 2001). Segundos esses autores, a concentração de P total é aproximadamente 11 vezes maior nas águas do rio Amazonas (águas brancas) do que nas do rio Negro (águas pretas). Isso é explicado pelo fato de nas águas brancas a alta carga de argilominerais, transportados na forma de material em suspensão, muitas vezes está associada ao P solúvel em água. Mas, afinal, como se processa o fluxo de P sob as condições de variação do nível da água no lago Tupé? E qual o papel do pulso de inundação e dos

igarapés de floresta no fluxo do lago? (questionamentos nº2 e 3 da construção do modelo). Para se entender o processo é necessário saber que vários processos físicos, químicos e físico-químicos podem interferir no ciclo do P na coluna de água, especialmente na sua precipitação e mobilização, sendo que para as condições dos lagos de águas pretas da Amazônia se destacaram os seguintes fatores: a concentração de substâncias húmicas e dos íons ferro solúveis, temperatura, pH e teores de OD, além das condições geradas por estes no processo de oxi-redução (potencial redox). As substâncias húmicas, representadas pelos ácidos húmico e fúlvico, formados a partir da decomposição do material vegetal da floresta, controlam os níveis do pH, que no lago Tupé oscilaram ao longo do período anual de variação do nível d´água, em média, entre 4,1 e 4,5, garantindo condições favoráveis de solubilização do íon ferroso (Fe2

+) e de precipitação do íon férrico (Fe3

+), que é solúvel somente em pH menor que 3. A temperatura, por sua vez, interfere diretamente no processo de estratificação física da coluna de água. Já o pH e o oxigênio dissolvido, têm forte influência na atividade iônica, especialmente em águas com características de baixa concentração de material em suspensão, como é o caso dos lagos de águas pretas. Ambos controlam o estado de oxidação dos íons ferro (Fe2

+/Fe3+), que por sua vez, tem

grande ação sobre a dinâmica do fosfato

Aprile at al.

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no ambiente aquático. Como pode-se notar, trata-se de uma reação cíclica do tipo causa e efeito, onde as diversas variáveis envolvidas influenciam e são influenciadas pelos demais fatores. O processo se inicia quando o ferro, assim como o manganês, encontram-se presentes na coluna de água, seja na forma oxidada ou reduzida. O que irá controlar o processo de oxi-redução será justamente a ação das variáveis ambientais supracitadas: pH, OD e compostos orgânicos. Em águas pretas, e especialmente nas condições de meromixia determinadas para o lago Tupé, as condições de pH oscilando dentro da faixa de ligeiramente ácido a pouco ácido (3,5≤ pH lago ≤4,5) e com baixas concentrações de oxigênio e potencial redox, favorecem a redução do Fe3

+ (íon férrico) para o Fe2

+ (íon ferroso), que é solúvel seja na forma iônica seja na forma de Fe(HCO3)2 (bicarbonato). Além disso, o íon ferroso pode também permanecer associado a substâncias húmicas, adsorvendo à molécula outros elementos iônicos. Uma vez não havendo oxidação do ferro [Fe2

+ Fe3

+], que nas condições de pH do lago Tupé precipitaria e/ou permaneceria complexado ao sedimento, e pelo fato das camadas mais profundas do lago permanecerem permanentemente com baixos teores de oxigênio, chegando inclusive a condição de anoxia, não é formada uma camada oxidativa na zona fronteiriça entre os compartimentos água e sedimento. Essa camada tem o

papel de reter o fósforo no sedimento enquanto houver condições oxidativas no hipolímnio. Nas águas continentais tropicais é comum ocorrer o fenômeno de adsorção seguido de deposição total do P, visto nessas águas haver, geralmente, maior concentração de íons Fe3

+ do que P-PO43-. Dessa forma,

o Fe3+ acaba por adsorver para as

partículas de hidróxido de ferro todo o P solúvel, transportando-o para o sedimento, que nestas condições apresenta uma coloração amarronzada, típica da presença de limonita. Nas águas pretas de lagos amazônicos, entretanto, a condição redutora é predominante em relação à condição oxidativa, especialmente nas camadas mais profundas da coluna de água, impedindo a oxidação do Fe2

+, que em associação aos compostos orgânicos dissolvidos mantém parte do P na água. Dessa forma, conclui-se que a precipitação/imobilização do fosfato e, sua consequente retirada dos processos metabólicos que regem a dinâmica dos ecossistemas aquáticos, não ocorre em grande magnitude no lago Tupé (Fig. 7), fenômeno esse que poderia se estender a todos os lagos de águas pretas meromíticos da Amazônia. A despeito da condição anaeróbia presente em lagos rasos amazônicos interferir no fluxo de nutrientes (questionamento nº4 da construção do modelo), passa então a ser respondida. Mas, ainda ficam as seguintes dúvidas: como foi possível encontrar altas concentrações de

Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

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P total no sedimento do lago se o fosfato permanece em grande parte solúvel na coluna de água? De onde vem o aporte de P acumulado no sedimento? Uma das características mais marcante das áreas de várzea e igapó (áreas alagáveis) é o alto teor de matéria orgânica acumulada no solo e sedimento, que respondem pela alta produtividade nesses ecossistemas (Hammer & Bastian, 1989). Uma parte significativa desse material advém dos igarapés de floresta, que contribuem principalmente com nutrientes dissolvidos. Na descrição da área de estudo foi mencionado que grande parte dos solos que compõem as margens do lago é constituída por argila e silte, enriquecida com matéria orgânica proveniente da serapilheira produzida pela floresta. A serapilheira é fonte fundamental de fornecimento de nutrientes aos sistemas hídricos. A produção anual de serapilheira depende do tipo de vegetação e da sua resposta às variações sazonais, sendo que nas florestas Amazônicas e a variação do nível da água tem maior influência na produção do que a sazonalidade. Esse material vegetal é lixiviado e transportado pelas chuvas, bem como pelas águas do lago durante os períodos de cheia, indo compor o sedimento lacustre. Esse fato foi confirmado por Aprile et al. (2005) ao estudar aspectos da geoquímica e dinâmica sedimentar do lago Tupé. Dentre as principais propriedades do sedimento que o caracterizam

como um dos compartimentos mais importantes para as áreas alagáveis, está a sua capacidade de acumular matéria orgânica, de estocar nutrientes, especialmente o P, e atuar como matriz ativa em processos bioquímicos de transformação de substâncias (Stumm & Morgan, 1981; Whitaker et al., 1995; Mitsch & Gosselink, 2000). A condição de sedimento rico em matéria orgânica e argila faz desse compartimento um fornecedor de P para a coluna de água em meio anaeróbio como é esquematizado na figura 7. Além disso, os sedimentos de áreas alagáveis têm grande importância como aceptor e receptor de elétrons, especialmente para as formas nitrogenadas e fosfatadas. Nas tabelas 1 e 2 encontram-se os resultados da análise de matriz de correlação linear para o N e P e suas razões nos compartimentos água, solo com

Figura 7: Dinâmica do P em meio anaeróbio em lagos de águas pretas da Amazônia.

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serrapilheira e sedimento. Na tabela 1 estão os dados dos nutrientes de modo a identificar as correlações entre cada ambiente que compõe o ecossistema flúvio-lacustre (área do lago, igarapés de floresta e canal de conexão + rio Negro) e assim, responder ao seguinte questionamento: a composição de N e P do lago, no nível de compartimentos, apresenta maior correlação com os igarapés de floresta ou com o rio Negro? O resultado confirmou desta vez estatisticamente, a hipótese de que a via de transporte nutricional advém

tanto dos igarapés de floresta quanto do rio Negro (Conjunto 2 H0) e não preferencialmente do rio (Conjunto 2 H1). As correlações entre a área do lago (pontos ET1, ET5, ET7, ET9 e ET10) e os igarapés de floresta (pontos EI2, EI3, EI4, EI6 e EI8) sempre foram fortemente positivas, com r de Pearson acima de 0,84. Já algumas das correlações feitas entre o lago e o rio foram muito baixas, como foi o caso da correlação para N no compartimento solo/serapilheira (r = 0,5681) e no sedimento (r = 0,1950). Isso demonstra não haver uma significativa

Tabela 2: Matriz de correlação linear para N e P nos compartimentos do lago Tupé.

Em negrito valores correlação ≥ 0,80

Água

Solo/sera

Sedimento

Ntot Ptot N:P Ntot Ptot N:P Ntot Ptot N:P

Água Solo/serapilheira Sedimento

Ntot 1,0000Ptot 0,9521 1,0000N:P 0,7441 0,6960 1,0000

Ntot 0,9418 0,9187 0,7637 1,0000 Ptot 0,8798 0,9021 0,7774 0,9708 1,0000 N:P 0,7746 0,8040 0,9304 0,8350 0,8550 1,0000

Ntot 0,9244 0,8984 0,7508 0,9641 0,9359 0,8202 1,0000 Ptot 0,8543 0,8918 0,7041 0,9117 0,9254 0,8272 0,9678 1,0000 N:P 0,7210 0,7374 0,9632 0,7680 0,8100 0,9540 0,7725 0,7611 1,0000

Tabela 1: Análise de correlação de Pearson para o N e P evidenciando as relações entre os ambientes e os compartimentos que compõem o sistema fluvio-lacustre.

Água N 0,8935 0,0001 0,7301 0,0001 0,8296 0,0001 P 0,8943 0,0001 0,7325 0,0001 0,8305 0,0001Solo/sera N 0,8443 0,0001 0,5681 0,0001 0,7537 0,0001 P 0,8915 0,0001 0,7242 0,0001 0,8258 0,0001Sedimento N 0,8889 0,0001 0,1950 0,0001 0,4319 0,0001 P 0,8756 0,0001 0,6607 0,0286 0,7932 0,0001

Ambiente Lago x igarapés Lago x rio Negro Igarapés x rio Negro Compartimento r Pearson p < r Pearson p < r Pearson p <

Solo/sera N 0,8443 0,0001 0,5681 0,0001 0,7537 0,0001Solo/sera N 0,8443 0,0001 0,5681 0,0001 0,7537 0,0001 P 0,8915 0,0001 0,7242 0,0001 0,8258 0,0001 P 0,8915 0,0001 0,7242 0,0001 0,8258 0,0001

Solo/sera Ntot 0,9418 0,9187 0,7637 1,0000 Ptot 0,8798 0,9021 0,7774 0,9708 1,0000 N:P 0,7746 0,8040 0,9304 0,8350 0,8550 1,0000

Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

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contribuição de N por parte do rio para tais compartimentos. De fato, como já foi discutido, a estratificação do hipolímnio e as baixas concentrações de sólidos suspensos no rio Negro inviabilizam qualquer contribuição de nutrientes por parte deste para os sedimentos lacustres. Entre os igarapés e o rio a correlação mais evidente em termos de diferenciação também ficou por conta do compartimento sedimento, visto os sedimentos dos igarapés serem predominantemente lamosos (ricos em argila e matéria orgânica) enquanto os sedimentos do rio são do tipo arenosos, com pouco material orgânico asorvido. A matriz de correlação linear para N e P apresentada na tabela 2 revela índices r de Pearson bastante elevados para o sistema flúvio-lacustre, estando a grande maioria dos valores acima de 0,80. Essa forte correlação positiva entre os elementos N e P e suas respectivas razões, demonstra que o fluxo desses nutrientes no ecossistema encontra-se estável, no qual cada compartimento atua e interage com os demais. Ressalta-se aqui a correlação apresentada para o N total entre os compartimentos água e solo/serapilheira (r = 0,9418) e solo e sedimento (r = 0,9641). Essa alta correlação sugere um fluxo de N preferencial entre o solo/serapilheira e a água seguido de uma sedimentação do elemento no sedimento.

Modelo de Fluxo

Aprile & Siqueira (2009) definiram que o pulso de inundação

contribui para a distribuição dos nutrientes nos lagos de águas pretas amazônicos (equação 1 modificada). Entretanto, a partir dos resultados desta pesquisa, foi possível notar que a contribuição do pulso para o lago Tupé é limitada às camadas superficiais de água, especialmente no que se refere ao oxigênio e ao aporte de N e P, e não para todo o sistema, devido à estratificação permanente do lago. Assim, deve-se entender o escoamento fluvial (Vf), apresentado na equação, como uma força preferencialmente direcionada ao epilímnio, que pode neste caso, trazer frações de N e P durante a enchente e cheia, que serão consumidas pelas comunidades planctônicas do lago. Nesta modelagem foi sugerido que no epilímnio atuam forças preferencialmente não conservativas (VeBe), visto OD e temperatura oscilarem tanto diariamente (24h) quanto sazonalmente; enquanto que no hipolímnio predominariam forças conservativas (VhSh), uma vez que o mesmo encontra-se permanentemente estratificado (perfil clinogrado) e anóxico (ou em baixíssimos níveis de OD), servindo como zona receptora de nutrientes oriundos do compartimento sedimento. Também foi sugerido que o aporte nutricional alóctone do solo, em especial pela contribuição da serapilheira, é não conservativo (VspBsp), visto que as chuvas que causam a lixiviação são sazonais. A interpretação dos modelos de fluxo de nutrientes N e P levou

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Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

onde: Vf= fluxo de escoamento fluvial (1= entrada, 2 = saída); Vin = fluxo de entrada compartimental contínuo do solo e sedimento; Vout = fluxo de saída compartimental contínuo do solo e sedimento; S = carga de nutrientes em fluxo

em consideração: os conceitos de ecossistema e estrutura e dinâmica trófica; a lei da conservação de massa; lei do mínimo de Leibig e os fundamentos das leis da termodinâmica. Assim, tendo por base o modelo desenvolvido por Aprile & Siqueira (2009) para P total, foram redefinidas as forças relacionadas ao fluxo e afluxo de N e P entre os compartimentos associados, a partir da interferência das variáveis ambientais temperatura, pH, OD e

potencial redox. Foram ainda indicados no modelo as vias de assimilação e liberação de nutrientes por parte da biota (VbSb), que uma vez considerando a lei de conservação de massa e lei do mínimo, passará pelo processo de aumento da biomassa (assimilação) seguido da senescência, com liberação dos nutrientes de volta ao sistema. Assim tem-se que a taxa de variação do escoamento fluvial de nutrientes é dado por:

A inclusão das vias conservativas do tipo sedimentar (s), hipolímnio (h) e biológica (b) no modelo resulta em:

Concomitante às forças conservativas, atuam no sistema mecanismos de transporte, assimilação e liberação/decomposição não constantes, como a lixiviação dos solos e serapilheira (VspBsp), que dependem da ação das chuvas; e as variações ocorridas no epilímnio (VeBe) pelas variações da intensidade de luz e chuva, que por sua vez alteram

as concentrações de temperatura e OD nessa camada de água. Na prática, parte dos elementos nutricionais pode ficar estocada por tempo indeterminado nos chamados compartimentos estoques, como é o caso do sedimento, sendo que sua liberação para a coluna de água depende das variáveis ambientais. Assim, têm-se as variações não conservativas (B):

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Inserindo-se as equações 1 e 2 de estado conservativo na equação 3 de estado não conservativos, tem-se:

Considerando-se que: 1) os fluxos de entrada (in) e saída (out), ora definidos como in =1 e out = 2, para o fluxo de escoamento fluvial (Vf) são constantes

e, 2) que a diferença entre a variável de entrada e saída de cada componente resulta na sua variação, definida aqui pelo símbolo (∆), sem sinal, tem-se:

Aprile at al.

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Na equação 4 mostra que o fluxo de N e P nos ecossistemas flúvio-lacustres de águas pretas amazônicas, cujo padrão de circulação da água seja do tipo meromítico, depende da variação das cargas de entrada e saída dos compartimentos sedimento e solo com serapilheira, bem como das condições físicas, químicas e físico-químicas do hipolímnio. A equação demonstra ainda haver uma via não conservativa (VB) para os compartimentos sedimento e solo com serapilheira e, uma via conservativa (VS) para os compartimentos sedimento e hipolímnio. Com base na equação 4 foi elaborado o modelo de fluxo geral

para os elementos N e P (Fig. 8). Foi incluída a componente precipitação ao modelo, devido a sua existência no sistema, no entanto, a mesma não foi computada para se definir o grau de sua contribuição. Considerando especialmente a condição do P em função da variação dos teores de oxigênio, pH, da concentração de íons ferro e da presença de substâncias húmicas no ecossistema flúvio-lacustre, foi elaborado um modelo de fluxo (Fig. 9) especialmente para este, procurando explicar as vias de fluxo e o papel crucial da anoxia no hipolímnio para manter a liberação de fosfato ao ecossistema.

Figura 8: Modelo de fluxo de nutrientes N e P para os compartimentos de um lago de águas pretas amazônico com características de estratificação (modificado de Aprile & Siqueira, 2009).

Modelo de fluxo de Nitrogênio e Fósforo para Sistemas Flúvio-Lacustres às margens do Rio Negro, Amazonas, Brasil.

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Aprile at al.

Figura 9: Modelo de fluxo de P e suas vias e componentes de liberação ao sistema

Agradecimentos Os autores estendem seus agradecimentos ao Coordenador do Projeto Biotupé, Prof. Dr. Edinaldo Nelson dos Santos-Silva do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), bem como a seus alunos e associados, pelo convite a produção deste trabalho em comemoração aos dez anos do Projeto Biotupé, e pelo auxílio prestado nas amostragens e medições de campo no referido lago.

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Capítulo 2 Meio Físico

Considerações sobre o regime nictemeral de temperatura e oxigênio dissolvido em um lago de água preta no baixo rio Negro, Amazonas

1Barbara Ann ROBERTSONe-mail: [email protected]

1Assad José DARWICHe-mail: [email protected]

1Coordenação de Pesquisas em Biodiversidade - CBIO - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, INPA

Resumo: Estudos nictemerais da distribuição vertical de temperatura e oxigênio dissolvido foram realizados em um lago de água preta durante o período da seca (novembro) de 2001 e 2002 e durante no período da cheia (junho) de 2002 e 2003. Os menores valores de temperatura na superfície sempre foram observados às 06:00 horas e os mais altos entre 12:00 e 18:00 horas enquanto que, no fundo, a temperatura permaneceu constante, em torno de 27°C. A maior diferença entre a temperatura da superfície e do fundo foi observada, não na cheia, quando o lago estava com 14,0 metros de profundidade, mas na seca, quando o lago estava com quatro metros de profundidade. A média da concentração de oxigênio na superfície em novembro de 2001 foi de 106% e em novembro de 2002 foi 96,4%. No período de águas altas as concentrações de oxigênio na superfície foram bem mais baixas. Em junho de 2002 a concentração média foi 49,6% e em junho de 2003 foi 67,5%. No fundo o oxigênio dissolvido variou pouco, entre 0,3% e 5,4% de saturação.

Palavras-chave: variação nictemeral, temperatura, oxigênio dissolvido, lago de água preta.

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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Introdução

Lagos tropicais rasos tendem a estratificar e misturar diariamente (Lewis, 1983; MacIntyre & Melack, 1988). Na Amazônia isto ocorre em lagos de várzea quando estes estão com menos de cinco metros de profundidade, ou seja, tendem a estratificar durante o dia e misturar a noite (Schmidt, 1973; MacIntyre & Melack, 1984; Tundisi et al., 1984; MacIntyre & Melack, 1988). Quando o nível de água aumenta, e os lagos ficam mais fundos, a coluna de água mistura com menos frequência. Por exemplo, MacIntyre & Melack (1988) observaram que quando o lago Calado estava com três metros de profundidade a coluna de água misturava cerca de 80% das vezes. Quando o lago estava com cinco metros de profundidade, a mistura da coluna de água ocorria cerca de 50% das vezes, e quando o lago estava com sete metros ou mais de profundidade, a mistura até o fundo era infrequente. Isto provavelmente ocorre na maioria dos lagos de várzea pequenos ou de médio porte especialmente aqueles que estão protegidos da ação do vento por florestas circundantes. Isto é, o regime de estratificação e mistura nestes lagos é em função, principalmente, da diferença na temperatura da água de dia e de noite. Em lagos de várzea grandes onde a ação do vento se faz sentir, o regime de estratificação e mistura

da coluna de água é em função, principalmente, da ação do vento (Furch & Junk, 1997). Um exemplo disto foi observado por nós autores deste capítulo, A. Darwich e B. Robertson, no lago do Rei em 1987. O lago do Rei é um lago de várzea localizado na ilha do Careiro, no rio Amazonas, logo abaixo de Manaus. Na cheia de 1987, o lago atingiu 100 km2 de área e dez quilômetros de comprimento no seu maior eixo. Nesta ocasião, mesmo com nove ou dez metros de profundidade, observamos que o lago estava misturando até o fundo, diariamente. Uma das consequências de estratificação em uma coluna de água é que o oxigênio no hipolimnion tende a ser consumido rapidamente. Schmidt (1973) observou isto no lago Castanho e, mais tarde, Melack & Fisher (1983) sugeriram que isto parece ser uma condição comum em lagos de várzea, principalmente na enchente e cheia. Isto é, quando lagos de várzea estão com mais de cinco metros de profundidade, a estratificação térmica tende a perdurar, a mistura noturna fica limitada às camadas superficiais e o hipolimnion fica anóxico. O pouco que se conhece sobre o regime térmico e a distribuição de oxigênio em lagos de água preta aponta para duas vertentes. Uma, que o regime térmico e a distribuição de oxigênio diurno e sazonal em lagos de água

Robertson & Darwich

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preta são semelhantes aos de lagos de várzea pequenos. Esta é a conclusão de Tundisi et al. (1984) que estudaram o lago Cristalino, um pequeno lago de água preta de dois hectares do baixo rio Negro. A outra vertente é que o regime térmico e a distribuição de oxigênio em lagos de água preta podem ser muito diferentes aos de lagos de várzea. No lago Tupé, por exemplo, Reiss (1977) observou que o lago ficou estratificado durante todo seu período de estudo, que foi de maio de 1971 a maio de 1972. Outros pesquisadores, Drs. H. Rai e G. Hill, que também estudaram o lago Tupé alguns anos depois, de maio de1974 a abril de 1975, sugeriram que o lago Tupé poderia ser classificado como um lago tropical estratificado (Rai & Hill, 1981). No que diz respeito à distribuição de oxigênio dissolvido na coluna de água do lago Tupé, Reiss (1977) e Rai & Hill (1981) encontraram altas concentrações de oxigênio, entre 67,2% e 84,6%, na superfície do lago e baixas concentrações ou anoxia no fundo do lago, durante todo o ano. Os pesquisadores Reiss (1977) e Raí & Hill (1981) estudaram o lago Tupé em anos diferentes, mas, durante um ano inteiro de variação do nível da água. É interessante ressaltar, no entanto, que os parâmetros limnológicos sempre foram medidos de dia. Atualmente se sabe que estudos nictemerais que levam em conta episódios noturnos podem fornecer detalhes sobre possíveis eventos de mistura e estratificação que não são

detectados de dia. Também estes estudos são muito importantes em lagos tropicais onde taxas metabólicas procedem de modo acelerado (Robertson & Darwich, 2008). Nesta oportunidade reportamos sobre quatro estudos nictemerais de temperatura e oxigênio dissolvido em um lago de água preta, o lago Tupé, realizados no período da seca e no período da cheia entre 2001 e 2003.

Material e Métodos

Uma descrição detalhada da área de estudo pode ser encontrada em Reiss (1977), Rai e Hill (1981) e Santos-Silva et al. (2005), mas vale lembrar que o pico do período de águas altas ocorre em junho e o pico do período de águas baixas ocorre em novembro e também que a região mais profunda do lago (03º02´35,4´´S; 60º15´17,5´´W), denominada de estação central, varia entre dez a quinze metros no período de águas altas e quatro a cinco metros no período de águas baixas. As medidas de oxigênio dissolvido e temperatura foram tomadas na estação central a cada meio metro de profundidade em novembro de 2001 e 2002, no período de águas baixas, e em junho de 2002 e 2003 no período de águas altas. As medidas foram tomadas a cada três ou quatro horas com um potenciômetro digital WTW modelo OXI 197 para temperatura e oxigênio dissolvido com sensibilidade de 0,1 unidades.

Considerações sobre o regime nictemeral de temperatura e oxigênio dissolvido em um lago de água preta no baixo rio Negro, Amazonas.

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Figura 1: Perfil de temperatura (A) e oxigênio dissolvido (% de saturação) (B), no lago Tupé no período de seca de 2001.

Resultados Em novembro de 2001 a estação central estava com cinco metros de profundidade. Entre os dias 20 e 21 de novembro a temperatura da superfície da água variou entre 30,8ºC as 06:00 horas e 33,1 ºC as 18:00 horas enquanto a temperatura do fundo variou muito pouco, entre, 27,2ºC e 27,5ºC (Fig. 1A). A diferença de temperatura entre a superfície e o fundo variou de 3,5ºC as 06:00 horas e 5,8ºC às 18:00 horas. O oxigênio dissolvido na superfície variou entre 87,8% as 06:00 horas e 148,6% as 15:00 horas. A três metros de profundidade a concentração de oxigênio já estava a menos de 5% da concentração na superfície e, no fundo, o oxigênio variou entre 0,0% e 1,7% de saturação (Fig. 1B). Em novembro de 2002 a estação central estava com quatro metros e meio de profundidade. Entre os dias 9

e 10 de novembro a temperatura da superfície da água variou entre 28,5ºC as 06:00 horas e 31,8 ºC as 14:00 horas enquanto a temperatura do fundo variou apenas entre 27,3ºC e 27,5ºC (Fig. 2A). A diferença entre a temperatura na superfície e no fundo variou entre 1,2ºC as 06:00 horas e 4,5ºC as 18:00 horas. O oxigênio dissolvido na superfície variou entre 83,4% as 06:00 horas e 124,5% as 14:00 horas (Fig. 2B). A três metros e meio de profundidade a concentração de oxigênio estava a menos de 10% da superfície e, no fundo, o oxigênio variou entre 0,8% e 2,0% de saturação (Fig. 2B). Em junho de 2002 a estação central do lago Tupé estava com 14,5 metros de profundidade. Entre os dias 8 e 9 de junho a temperatura da superfície da água variou entre 27,9ºC as 06:00 horas e 29,7ºC as 12:00 horas enquanto a temperatura do fundo do

Robertson & Darwich

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Figura 2: Perfil de temperatura (A) e oxigênio dissolvido (% de saturação) (B), no lago Tupé no período de seca de 2002.

Considerações sobre o regime nictemeral de temperatura e oxigênio dissolvido em um lago de água preta no baixo rio Negro, Amazonas.

lago ficou em torno de 27,0ºC (Fig. 2A). A diferença entre a temperatura na superfície e no fundo variou entre 0,9ºC as 06:00 horas e 2,7ºC as 12:00 horas. O oxigênio dissolvido na superfície variou entre 44,3% as 06:00 horas e 57,1% as 18:00 horas (Fig. 2B). A seis metros de profundidade a concentração de oxigênio estava a menos de 10% a da superfície e, no fundo, o oxigênio variou entre 0,3% e 5,4% de saturação (Fig. 2B). Em junho de 2003 a estação central estava com 14,0 metros de profundidade. Entre os dias 21 e 22 de junho a temperatura da superfície da água variou entre 29,2ºC as 06:00 horas e 31,6ºC as 14:00 horas enquanto que no fundo do lago a temperatura permaneceu em torno de 27,0ºC (Fig. 3A). A diferença de temperatura entre a superfície e o fundo variou de 2,3ºC as 06:00 horas a 4,7ºC as 14:00 horas. O oxigênio dissolvido na superfície variou entre 59,1% as 06:00 horas e 74,0% as

14:00 horas (Fig. 3B). A quatro metros e meio de profundidade a concentração de oxigênio estava cerca de 11% a da superfície e, no fundo, o oxigênio variou entre 0,7% e 0,9% de saturação (Fig. 2B).

Discussão Nos quatro estudos nictemerais, a menor temperatura da superfície da água sempre foi observada as 06:00 horas e a mais alta entre 12:00 e 18:00 horas. A temperatura no fundo foi constante, permanecendo em torno de 27ºC. É interessante notar que a maior diferença entre a temperatura da superfície e do fundo foi observada, não na cheia, quando o lago estava com 14,0 metros de profundidade, mas na seca, quando o lago estava com quatro metros de profundidade. Desta forma observa-se que, diferente de lagos de várzea de pequeno e de médio

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porte e do lago Cristalino, o lago Tupé está mais fortemente estratificado, e não mistura, quando está raso. Se o lago Tupé misturar, e por ora não há evidência para isso, é mais provável que isto ocorra no período de águas altas. Isto porque, no meio do ano, em junho e julho, quando é inverno no sul do país, é comum a entrada de frentes frias, geralmente acompanhadas de ventos fortes. A consequência é que a água na superfície dos lagos esfria rapidamente, fica mais densa, afunda, e a coluna de água mistura. Uma indicação disto é o que provavelmente ocorreu nos dias 8 e 9 de junho de 2002 quando, apesar do lago estar com 14 metros de profundidade, a diferença entre a temperatura da superfície do lago e do fundo, as 06:00 horas, estava a menos de 1ºC e a coluna estava quase isotérmica (Fig. 2A). Em junho do ano seguinte, a menor diferença de temperatura entre a superfície e o

fundo foi um pouco mais alta, 2,3ºC. Vale lembrar que a relação entre a temperatura da água e densidade não é linear, mas uma curva, bastante acentuada na faixa das temperaturas mais altas. Por isso, apesar da pequena diferença de temperatura entre a superfície e o fundo que pode ser observado no lago Tupé, a diferença na densidade das diferentes camadas inviabiliza a mistura da coluna de água. Como já foi mencionado, durante este estudo, a temperatura no fundo do lago ficou em torno de 27°C. É interessante notar que Dr. F. Reiss que estudou o lago Tupé em 1971 e 1972 também observou apenas uma pequena variação na temperatura do fundo do lago, entre 25,3 e 27,0°C (Reiss, 1977). Assim como temperatura, os menores concentrações de oxigênio dissolvido geralmente foram observadas as 06:00 horas e os maiores entre 14:00 e 18:00 horas. Vale ressaltar,

Figura 3: Perfil de temperatura (A) e oxigênio dissolvido (% de saturação) (B), no lago Tupé no período de cheia de 2002.

Robertson & Darwich

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que na superfície, concentrações supersaturadas, ou saturadas, de oxigênio dissolvido foram observadas apenas no período de águas baixas. Em novembro de 2001 a média da concentração de oxigênio dissolvido na superfície foi 106,2% e em novembro de 2002 a média foi 96,4%. No período de águas altas as concentrações de oxigênio dissolvido na superfície foram bem mais baixas. Em junho de 2002 a média da concentração de oxigênio dissolvido na superfície foi 49,6% e em junho de 2003 a média foi 67,5%. É possível que isto tenha a ver com a entrada de água do rio Negro, que apesar de transparente, ainda é mais turva que a água do lago principalmente na época de águas baixas quando o lago esta isolado do rio. É interessante notar que Raí & Hill (1981) registraram uma maior penetração de luz e valores mais altos de clorofila durante o período de águas baixas.

Neste estudo, as médias da concentração de oxigênio dissolvido no fundo do lago em 24 horas foram de 1,3 e 1,5% nos períodos de águas baixas e 1,0 e 1,5% nos períodos de águas altas. Em seu estudo de 1971 e 1972 Reiss (1977) observou valores de oxigênio dissolvido no fundo do lago Tupé, semelhantes, entre 1,0 e 3,8% de saturação. Comparando os resultados de Reiss (1977) e Rai & Hill (1981) com os nossos podemos observar que não houve mudança significativa no regime térmico ou na distribuição de oxigênio dissolvido no lago Tupé nos últimos 30 anos. Reiss (1977) sugeriu que o lago Tupé poderia ser classificado como um lago “oligo a polimítico o qual, durante seu período de estudo, sofreu uma fase de meromixia termal”. Raí & Hill (1981) sugeriram que o lago Tupé era um lago tropical estratificado e provavelmente oligomítico. Apesar das sugestões cautelosas, não houve, e

Considerações sobre o regime nictemeral de temperatura e oxigênio dissolvido em um lago de água preta no baixo rio Negro, Amazonas.

Figura 4: Perfil de temperatura (A) e oxigênio dissolvido (% de saturação) (B), no lago Tupé no período de cheia de 2003.

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ainda não há, evidencias de que o lago Tupé misture até o fundo. Dado que o lago Tupé parece estar estratificado sempre poderíamos propor classificá-lo como meromítico mesmo que esta classificação para um lago tropical é incomum e normalmente é usada para lagos fundos ou salinos. Porque o lago Tupé é meromítico? Provavelmente é a combinação de vários fatores, alguns já citados por Reiss (1977) e Raí & Hill (1981), como a morfologia da bacia, a posição perpendicular do eixo longitudinal do lago em relação a ventos predominantes e os barrancos de terra firme, íngremes, e ainda cobertos por floresta. Além disto, a entrada da água relativamente fria dos diversos igarapés que deságuam no lago também contribui para manter a temperatura no fundo do lago mais frio que a superfície. Conforme mais lagos de água preta são estudados, e isso é preciso, vai ser interessante saber se a condição de meromixia do lago Tupé é única ou se há outros lagos com regimes térmicos e de distribuição de oxigênio semelhantes, e também, de que forma estes regimes térmicos e de distribuição de oxigênio, diferentes, afetam a fauna e a flora.

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Considerações sobre o regime nictemeral de temperatura e oxigênio dissolvido em um lago de água preta no baixo rio Negro, Amazonas.

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Capítulo 3 Meio Físico

Influência do cultivo de peixes em tanque- rede nos teores de Nitrogênio e Fósforo no lago Tupé, Manaus-AM

1,3Fernanda Cardoso de FREITASe-mail: [email protected]

1Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

2Assad José DARWICHe-mail: [email protected]

1Laboratório de Plâncton, Coordenação de Biodiversidade – CBIO, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA

2Coordenação de Biodiversidade – CBIO, Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA

3Bolsista PIBIC/CNPq/INPA

Resumo: A criação de peixes em tanques-rede está sendo desenvolvida no lago Tupé e tem se mostrado bastante promissora para os comunitários envolvidos. Esta atividade é constituída por grandes densidades de peixes mantidos em taques e com dependência total do fornecimento de ração, que gera resíduos, podendo aumentar os teores de nutrientes no meio. A partir da necessidade de verificar o grau de modificação que esta atividade está causando no lago, este trabalho teve por objetivo detectar qual a influência da piscicultura em tanques-rede na água do lago, mensurando os teores de nitrogênio e fósforo do lago Tupé, em locais com e sem influência dos tanques-rede e medindo in situ algumas características físicas (transparência por disco de Secchi, temperatura, turbidez, Material em Suspensão), físico-químicas (pH, condutividade elétrica) e químicas (concentração

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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Freitas, Silva & Darwich

e saturação de oxigênio dissolvido) nesses locais. Para obtenção das amostras foram estabelecidos seis pontos de coleta. Esses pontos estão distribuídos à montante, entre e à jusante dos tanques-rede, além do local de controle localizado na frente do lago no rio Negro. Foram realizadas seis amostragens no ano de 2009/2010 sendo a primeira no período de vazante, segunda e terceira no período de estiagem, quarta e quinta no período da enchente e a última no período da cheia do ciclo de variação da cota do rio. Alguns dos parâmetros limnológicos analisados, de modo geral, apresentaram maiores amplitudes dependendo do período do ciclo, o que corrobora estudos prévios. Análises de variância para as medidas de nitrogênio não foram significativas, indicando que a quantidade deste nutriente proveniente da criação de peixes em tanques rede no lago Tupé não foi excessiva até o período de análise do trabalho. Para o fósforo, os locais que apresentaram diferenças estatisticamente significativas foram à montante dos tanques-rede e na estação do rio Negro. Locais que não estão sobre influência direta dos nutrientes provenientes da atividade de piscicultura. Os resultados obtidos indicam que no período estudado a atividade parece não estar causando influências detectáveis com os métodos utilizados na região amostrada.

Palavras-chave: piscicultura, nitrogênio, fósforo, tanques-rede.

Introdução

A criação de peixes em tanques-rede é uma atividade cujo sucesso depende, em grande parte, da qualidade da água do ambiente onde a atividade se desenvolve. Esta atividade está sendo desenvolvida no lago Tupé e tem se mostrado bastante promissora, o que tem levado os comunitários envolvidos a pensar em aumentar a escala do cultivo, o que de fato tem ocorrido. Segundo Darwich et al. (2005), a água do lago é de boa qualidade e se essa condição for mantida o sucesso da atividade estará garantido. A piscicultura em tanques-rede é um sistema intensivo, onde grandes densidades de peixes são mantidos nos tanques e tem dependência total do fornecimento de ração que gera

resíduos para o meio. Estes resíduos, formados por excesso de ração e pelo material fecal, aumentam os teores de nutrientes no ambiente aquático, principalmente o nitrogênio e fósforo, enriquecendo-o. Este enriquecimento pode ser benéfico até o ponto em que promove aumento na população de peixes do ambiente natural. Mas, quando estão presentes em quantidades excessivas, tornam-se prejudiciais, uma vez que favorecem a proliferação de algas e o acúmulo de matéria orgânica, o que diminui a disponibilidade de oxigênio no meio (Beveridge, 1984; Schmittou, 1997). Além disso o fósforo é o principal nutriente que determina o processo de eutrofização nas águas

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Influência do cultivo de peixes em tanque rede nos teores de nitrogênio e fósforo no lago Tupé, Manaus-AM

tropicais (Marsden et al., 1995; Krom et al., 1989). Portanto, faz-se necessário verificar o grau de modificação que a atividade está causando no lago. Para isso, este trabalho teve por objetivo detectar qual a influência da piscicultura de peixes em tanques-rede na água do lago, mensurando os teores de nitrogênio e fósforo, em locais com e sem influência dos tanques-rede e medindo in situ algumas características físicas (transparência por disco de Secchi, temperatura, turbidez, MS), físico-químicas (pH, condutividade elétrica) e químicas (concentração e saturação de oxigênio dissolvido) em locais com e sem influência dos tanques-rede.

Material e Métodos

O lago Tupé localiza-se na RDS do Tupé na margem esquerda do rio Negro, a oeste de Manaus distante aproximadamente 25 km em linha reta do centro da cidade (Rai & Hill, 1981). Para obtenção das amostras foram estabelecidos seis pontos de coleta dentro do lago (Fig. 1). Esses pontos estão distribuídos à montante, entre e à jusante dos tanques-rede, além do controle localizado na frente do lago no rio Negro. Foram realizadas seis amostragens no ano de 2009/2010 sendo a primeira no período de vazante, segunda e terceira no período de estiagem, quarta e quinta no período da enchente e a última no período da cheia do ciclo anual de variação da cota do rio Negro.

As amostras de água foram coletadas com garrafa de Ruttner na camada sub-superficial e na profundidade máxima dos pontos de coleta. Foram transferidas para frascos de polietileno e separadas em alíquotas, preservadas e transportadas para a análise. Para determinação da concentração de nitrogênio e fósforo totais, as amostras foram digeridas sob pressão com uma mistura oxidante composta por persulfato de potássio [K2S2O8] e ácido bórico [H3BO3] em hidróxido de sódio [NaOH] (Valderrama, 1981) e posterior análise, respectivamente, como nitrato e fosfato, por métodos convencionais (Golterman et al.,1978). As análises químicas realizadas tiveram por base as recomendações do Programa Biológico Internacional para ambientes aquáticos (Golterman et al., 1978; Wetzel & Likins, 2000). Foram também considerados, entre outros, os fundamentos técnicos descritos por Strickland & Parsons (1972), Rodier (1978), e a revisão de métodos feita por Mackereth et al. (1978) e APHA (1995). Foram ainda consideradas as adaptações analíticas para esses métodos e as curvas de calibração utilizadas por Darwich (1995) e as atualizações contidas em Wetzel & Likens (2000). Para testar a influência da criação de peixes em tanques-rede no lago Tupé foi utilizada ANOVA de um fator para análise estatística do nitrogênio e do fósforo (zar, 1974).

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vazante) a montante dos tanques rede (LTP1). Os percentuais e os teores de oxigênio dissolvido variaram na 1ª amostragem de 30,4% a 82% com teores de 2,3 e 6,2 mg/l. Na 2ª amostragem variou de 42,5% a 123,3% com uma concentração de 3,11 a 9 mg/l. Na 3ª amostragem variou de 64,1% a 122,7% com teores de 4,9 a 9,3 mg/l. Na 4ª amostragem os percentuais de saturação variaram de 1,0% a 114%. Na 5ª amostragem a saturação do oxigênio variou de 0,4% (0,1mg/l) a 86%(8,4mg/l) e na 6ª amostragem a saturação do oxigênio variou de 0,4% a 89,2% e uma variação em concentração de 0,1 a 6,4mg/l. Na 1ª 2ª e 3ª amostragens a estação LTP3

Resultados e Discussão

Na 1ª amostragem, a temperatura média variou de 29,4ºC na estação LTP5 no braço maior do lago a 30,3ºC na estação LTP1 à montante dos tanques-rede. Na 2ª amostragem a temperatura variou de 29,8ºC na estação central (LTP4) a 31,7ºC no canal do lago (LTP6). Na 3ª amostragem variou de 29,2ºC (LTP2) a 30,6ºC (LTP6). Na 4ª amostragem variou de 28,3ºC a 31ºC. Na 5ª amostragem variou de 28,4ºC a 29,7ºC e na 6ª amostragem de 28,2ºC a 28,9ºC. Considerando todas as excursões as maiores temperaturas foram medidas na 2ª amostragem (período de seca) no canal do lago (LTP6) e na 4ª amostragem (período de

Figura1. Mapa do lago Tupé com as estações de amostragem.

Freitas, Silva & Darwich

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Influência do cultivo de peixes em tanque rede nos teores de nitrogênio e fósforo no lago Tupé, Manaus-AM

à jusante dos tanques rede apresentou concentrações de 0,0mg/l a 1,0mg/l na sua profundidade máxima. Para material em suspensão na 1ª amostragem o ponto central LTP4 apresentou maior valor 13,0 mg/l, enquanto que o ponto LTP3 o menor, 4,0 mg/l. Na 2ª amostragem os valores obtidos para material em suspensão variaram de 21,5 a 4,5 mg/l. Na 3ª amostragem variaram de 26,0 a 5,0 mg/l. Na 4ª de 18,0 a 5,2 mg/l. Na 5ª de 40,5 a 1,1 mg/l e na 6ª de 10,6 a 0,7 mg/l. De modo geral o material em suspensão médio apresentou menores concentrações no LTP3 à montante dos tanques rede e maiores concentrações à jusante dos tanques rede (LTP3). Nas seis amostras os valores de pH apresentaram pouca variação. A variação média foi de 5,0 a 5,45 na 1ª amostragem, de 5,94 a 5,05 na 2ª amostragem, 5,94 a 5,05 na 3ª amostragem, 5,1 a 5,7 na 4ª amostragem, 5,0 a 5,1 na 5ª amostragem e 4,8 a 4,9 na 6ª amostragem. A turbidez apresentou maior valor no canal do lago (LTP6) com 27,6 NTU na 4º excursão e menor valor de 4,3 NTU nas estações LTP1 acima dos tanques e entre os

tanques (LTP2). A condutividade elétrica apresentou valores máximos na estação central (LTP4) com 20,5 μS/cm-1 na 1ª amostragem e mínimo na estação do braço maior (LTP5) com 3,4 μS/cm-1. Algumas variações dos parâmetros limnológicos, como características físicas, físico-químicas e químicas analisadas ocorreram dependendo da cota do rio como durante o período de seca que, de modo geral, apresentou maiores amplitudes de variação o que corrobora o encontrado por Darwich & Aprile (2005) onde verificaram que o lago Tupé é alimentado por águas do rio Negro, dos igarapés de floresta, e em menor grau pelas águas da chuva e, suas características limnológicas estão diretamente associadas ao pulso de inundação do rio Negro. Os resulados das análises de variância não foram significativos para nitrogênio na superfície e no fundo do lago e para fósforo no fundo do lago (Tab. 1). Para esse resultado é possível que a quantidade de nutrientes proveniente da criação de peixes em tanques-rede não seja significativamente maior do

Tabela 1: Níveis de significância e teste F do nitrogênio (superfície e fundo) e fósforo (fundo) do

lago Tupé e Rio Negro.

Comparações F P

Nitrogênio superfície 1, 267 n.s >0,05

Nitrogênio fundo 2, 376 n.s >0,05

Fósforo fundo 1, 220 n.s >0,05

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que nos locais onde não existe qualquer influência da criação em tanque-rede. Na análise do fósforo na superfície do lago a comparação da estação LTP1 à montante dos tanques-rede e a do rio Negro foi a única

F 0,05, 34,6= 2.714, p> 0,05LTP1 x Rio negro= significativamente diferente q=4. 893, P< 0,05

Tabela 2: Teores de fósforo na superfície do lago Tupé e rio Negro.

Coletas LTP1 LTP2 LTP3 LTP4 LTP5 LTP6 Rio Negro

1 68,1 40,4 30,3 18,7 31,8 20,7

2 43,9 42,9 24,7 26,7 32,3 23,7 21,7

3 49,6 43,5 28,3 28,8 28,0 19,0 14,7

4 31,7 20,6 24,3 22,2 19,0 33,3 11,6

5 17,7 21,5 9,9 16,6 16,6 16,0 15,5

6 17,0 23,9 22,7 22,0 16,3 23,9 22,0

significantemente diferente (Tab. 2), sendo q=4.893, p<0,05. É possível que esteja ocorrendo a ressuspensão do sedimento à montante dos tanques o que não está associado aos nutrientes oriundos da criação de peixes em tanques-rede.

Conclusão

Para o nitrogênio o resultado das análises de variância não foram significativos, indicando que a quantidade de nutrientes proveniente da criação de peixes em tanques rede no lago Tupé não é excessiva ao ponto de ocorrer um aumento significativo nesses valores na coluna d’água durante o período de análise. Para o fósforo, o único resultado da análise de variância significantemente diferente foi à montante dos tanques-rede e na estação do rio Negro, locais que não estão sobre influência direta dos nutrientes provenientes da atividade de piscicultura. Com os resultados obtidos é possível acompanhar possíveis modificações no ambiente se for um

programa de monitoramento, com amostragens e medições periódicas.

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Capítulo 4 Meio Físico

Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do Carbono Orgânico dissolvido no lago Tupé

1João Henrique Fernandes AMARALemail: [email protected]

2Sérgio de MELOemail: [email protected]

3Albert Luis SUHETTemail: [email protected]

1Laboratório de Plâncton, Curso de Biologia de Água Doce e Pesca Interior – BADP 2Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA

2Universidade Federal do Oeste do Pará3Universidade Federal do Rio de Janeiro

Resumo: A fotodegradação do carbono orgânico dissolvido (COD) produz substratos que interagem com o metabolismo bacteriano aumentando a remoção do COD em ecossistemas aquáticos. Essa relação é mais forte em ecossistemas cujo COD é predominantemente húmico, porém esta relação não foi reportada para águas pretas da bacia do rio Negro. Investigamos sazonalmente a interação entre o processo de fotodegradação e o metabolismo bacteriano sobre a utilização do COD, a fim de clarificar a participação de cada processo sobre sua remoção em águas húmicas pretas amazônicas. Usamos amostras (lago Tupé) expostas à radiação solar natural e controles (isolados desse efeito) em incubações (6h) nos períodos de um ciclo anual de variação do nível d’água, para determinar a fotodegradação do COD e a resposta metabólica do bacterioplâncton às

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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Amaral at al.

alterações pela luz. Nossos resultados apontam interação positiva entre luz e bactérias sob a utilização do COD em todos os períodos amostrados. Vimos que a sazonalidade influencia a fotodegradação e os processos de respiração e produção bacteriana, assim como a participação desses processos sobre a produção de CO2 e remoção total do COD. No período de águas altas, há renovação de substratos e o COD é muito disponível à ação do processo de fotodegradação e ao metabolismo bacteriano. Concluímos que luz solar e bactérias interagem promovendo maior remoção do COD em ecossistemas amazônicos de águas pretas.

Palavras-chave: sazonalidade, carbono orgânico dissolvido (COD), Amazônia, bactéria, fotodegradação.

Introdução

Atualmente está em voga a discussão sobre o papel dos ecossistemas amazônicos como fonte ou sumidouro de carbono à atmosfera. Esse debate direcionou diversas pesquisas em diferentes ecossistemas da bacia amazônica, a fim de clarificar o entendimento sobre a participação de processos ecológicos (e.g. Devol et al., 1984; Engle & Melack 2000) e impactos antrópicos (e.g. Nepstad et al., 1994; Fearnside 1997; Kemenes et al., 2007) sobre o balanço regional de carbono (Houghton et al., 2009). Nesse sentido, os ecossistemas aquáticos e as planícies de inundação foram recentemente incluídos no balanço de carbono para a bacia amazônica. Esses ecossistemas são considerados fontes de carbono à atmosfera, liberando 500 TgC y-1 , cerca de 10 vezes mais que o total de carbono exportado ao oceano (Richey et al., 2002). Essa evasão de CO2 é, principalmente, resultado do processo de respiração da matéria orgânica (OM)

(Richey et al., 1980; Richey et al., 1990; Mayorga et al., 2005). Apesar dessas evidências, o entendimento sobre quais processos contribuem para a produção de CO2 nesses ecossistemas, e como eles variam espaço e temporalmente, ainda é pouco discutido.

Os ecossistemas amazônicos de água doce são supersaturados em CO2 e a respiração da matéria orgânica dissolvida é tida como a principal responsável por essa característica (Mayorga et al., 2005). Somado ao processo de respiração a fotodegradação do carbono orgânico dissolvido (COD) é outro relevante processo envolvido na produção de CO2 em ecossistemas aquáticos (Valentine & zepp 1993; Granéli et al., 1996; Amado et al., 2006). Juntos esses dois processos são os principais agentes mineralizadores do COD, como reportado em um lago húmico temperado, onde 70% do COD foi mineralizado a CO2 por ação desses processos (Johnsson et

63

Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do COD em Ecossistemas de águas pretas amazônicas

al., 2001). Foi demonstrado que para ecossistemas amazônicos de águas claras, a fotodegradação do COD estimula a respiração bacteriana, o que sugere ação complementar desses dois processos na mineralização total do COD nos ambientes investigados. (Amado et al., 2006). É estabelecido que para ambientes húmicos, COD predominantemente alóctone, o processo de fotodegradação estimula o metabolismo bacteriano, enquanto em ambientes onde o COD é de origem algal, há supressão do metabolismo bacteriano (revisado por Tranvick & Bertilsson 2001). Uma relação direta de estímulo ao metabolismo bacteriano em amostras de COD previamente fotodegradadas foi reportada para lagoas costeiras húmicas tropicais (Amado et al., 2007; Farjalla et al., 2009). No entanto, ao analisar um único período do ciclo anual de variação do nível d’água, aos quais os ecossistemas amazônicos estão submetidos, nas ricas águas húmicas do rio Negro, nenhuma interação entre a fotodegradação do COD e o metabolismo bacteriano foi observada (Amon & Benner 1996). Recentemente, nesse mesmo ambiente, durante o período de águas baixas, a fotodegradação do COD e seu efeito sobre o metabolismo bacteriano e evasão de CO2 foram investigados. Resultados não conclusivos foram obtidos e os autores ressaltam a necessidade de estudos sazonais para avaliar o papel do processo de fotodegradação na mineralização do COD (Remington et al., 2011).

A sazonalidade nos ambientes amazônicos de água doce é governada pelo pulso de inundação (Junk et al., 1989) que causa flutuação de nível água. Essa dinâmica afeta a biogeoquímica do carbono, mudando sazonalmente as concentrações de COD, qualidade, e o metabolismo bacteriano (Rai & Hill 1981; Benner et al., 1995 Amado et al., 2006). Diante dessa variação emerge-se uma questão relevante; Como o processo de fotodegradação e o metabolismo bacteriano interagem para a mineralização do COD nesses ecossistemas? Foi documentado para ecossistemas amazônicos de águas claras, variação sazonal na remoção do COD; fotodegradação quando o COD é predominantemente húmico e respiração bacteriana, quando o COD é de origem algal (Amado et al., 2006). A qualidade do COD no rio Negro varia sazonalmente, e há diferenças no total de carbono exportado aos oceanos entre períodos do ciclo anual de variação do nível d’água, além de variação sazonal na intensidade da radiação solar incidente (Moreira-Turq et al., 2003; Huete et al., 2006; Rodríguez-zúñiga et al., 2008). Essas mudanças podem afetar a intensidade dos processos de fotodegradação e sua interação com o metabolismo bacteriano afetando a mineralização total do COD. As águas do rio Negro têm elevado potencial para o processo de fotodegradação, ao menos 15 % do COD é muito foto-reativo (Amon & Benner 1996). Foi visto para ambientes húmicos tropicais, que há variação sazonal nas taxas de fotodegradação em função de mudanças na foto-reatividade

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Amaral at al.

do COD, atreladas ao regime de chuvas (Suhett et al., 2007). Reconhecido o papel desses processos na formação de CO2 em ecossistemas húmicos tropicais (Farjalla et al., 2009), é relevante entender como eles são regulados e variam sazonalmente em ecossistemas da bacia do rio Negro. Nesse sentido, esse trabalho teve como objetivos (i) estimar a produção potencial de carbono inorgânico dissolvido (CID) pelo processo de fotodegradação. (ii) Avaliar a degradação do COD pelas bactérias planctônicas e sua resposta metabólica as alterações do COD pela luz solar. (iii) Avaliar o efeito da sazonalidade sobre a qualidade do COD e as implicações sobre os processos de fotodegradação e ao metabolismo bacteriano no lago Tupé. Material e Métodos

Coletas

As amostragens foram realizadas em: setembro (vazante) e dezembro (seca) de 2008 e abril (cheia) e setembro (vazante) de 2009 (Fig. 1). Amostras de água foram coletadas em um ponto central do lago Tupé a 10 cm de profundidade. Posteriormente foram transportadas, sob refrigeração, a Manaus onde foram realizados experimentos para avaliar a fotodegradação e degradação bacteriana do COD.

Delineamento Amostral

Foram realizados experimentos para avaliar a fotodegradação e a degradação bacteriana no lago Tupé, nos

diferentes períodos da variação do nível da água. Em cada período amostrado, foram utilizados dois jogos de tubos: um jogo para avaliar exclusivamente o processo de fotodegradação e outro para avaliar a degradação bacteriana, seguida (ou não, no caso dos controles) da fotodegradação. O uso de dois jogos de tubos fez-se necessário, pois a amostragem realizada nos tubos após a fotodegradação é destrutiva, i.e. consome boa parte do volume de água do tubo, limitando incubações posteriores com a comunidade bacteriana. Cada jogo de tubos era composto por dois tratamentos contendo cinco réplicas cada um: tubos que seriam expostos à radiação solar e tubos controles (submetidos às mesmas condições, porém envoltos em papel alumínio para isolar o efeito da radiação). Logo, por período, foram incubados 20

Figura 1: Cota (m) do rio Negro por mês. Linha sólida representa a média histórica, medida no porto de Manaus (1903-2007). Linha tracejada representa a média mensal da cota hidrológica em 2008 e a linha pontilhada em 2009. Triângulos pretos representam os períodos amostrados em 2008 (vazante e águas baixas) e triângulos brancos em 2009 (águas altas e vazante).

65

Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do COD em Ecossistemas de águas pretas amazônicas

tubos (ver esquema do delineamento amostral na Fig. 2).

Procedimentos

Em Manaus, as amostras foram filtradas em filtros de fibra de vidro (0,7 μm GF 75 – Advantec) e membranas estéreis (0,2 μm VacuCap®, Gelman Sciences) a fim de se obter apenas carbono orgânico dissolvido para as incubações. As taxas de fotodegradação foram calculadas

pela produção de carbono inorgânico dissolvido (CID), utilizando a diferença média da concentração final de CID entre as réplicas dos tratamentos expostos e controles, sendo estas fixadas com HgCl2 (concentração final 0,01%). Foi assumido que a fotodegradação efetiva ocorreu em um período de 6 horas diariamente (tempo de incubação utilizado no experimento). Vale ressaltar que essas taxas de fotodegradação diárias foram possivelmente subestimadas, uma vez

Figura 2: Esquema do experimento para avaliar a fotodegradação e a degradação bacteriana. A- Tabela descritiva sobre a montagem do experimento. Os tubos representam as réplicas dos tratamentos expostos (amarelo) e controles (pretos) expostos por 6h à luz solar. Após esse período, foram extraídas alíquotas das réplicas para determinar a fotodegradação. B- O restante das amostras de fotodegradação foi separado por tratamento claro e escuro e transferido para garrafas de borosilicato, onde também foram adicionadas as amostras dos tubos de degradação bacteriana. C– Preparação da cultura de bactérias. Adição de inóculo (filtrado 0,7 μm) de bactérias do ambiente e nutrientes (N e P). Foram extraídas, por tratamento, alíquotas iniciais para análises de COD, CID, densidades e biomassa bacteriana. Foram preparados frascos para determinar a respiração bacteriana nos tempos 72 h e 96 h e tubos para avaliar as densidades e biomassa bacterianas nos tempos 48, 72 e 96 h.

Preparação das culturas bacterianas

Inóculo N + P

Exposto Controle

48h 72h 96h

Alíquotas densidade e biomassa

96hRespiração bacteriana

Fotodegradação Degradação bacteriana

6 h

A

B

C

66

Amaral at al.

que as radiações solares incidem com alta energia por mais de 6 horas por dia, na região amazônica. Também foram extraídas alíquotas para análise de COD e cor. As amostras foram mantidas em frascos de vidro escuro, resfriados, para evitar consumo biológico do COD, até as análises (Amado et al., 2006).

A absorvância medida a 430 nm é um indicador da coloração da água (Amado et al., 2007) e foi medida como indicador de mudança na qualidade do COD com uma cubeta de quartzo de caminho óptico de 1 cm em um espectrofotômetro Beckman DU 80. O coeficiente de absorção foi expresso em (m-1) e calculado segundo Hu et al. (2002). As concentrações de COD e CID foram medidas em um aparelho analisador de carbono total (TOC-5000 Shimadzu) com detector de CO2 por infravermelho.

Para avaliar a degradação bacteriana, o restante das amostras do jogo de fotodegradação e as de degradação bacteriana foram agrupadas por tratamento (expostos e controles) em garrafas de borosilicato (Fig. 2 B). Nestas garrafas foram preparadas as culturas de diluição. Para isso, adicionou-se em cada garrafa, inóculo com bactérias do lago Tupé (água filtrada a 0,7 μm) em proporção de 1:10 do volume total, e nutrientes (nitrogênio e fósforo, concentração final de 50 μM de NH4NO3 e 5 μM de KH2PO4). A adição de nutrientes é efetuada para evitar limitação ao crescimento das bactérias e para se ter certeza que as alterações nas culturas ocorreram exclusivamente por alterações no COD (Farjalla et al., 2002).

Amostras iniciais de CID e COD (n = 5) para avaliar a respiração bacteriana foram extraídas das garrafas de borosilicato e acondicionadas conforme descrito acima. Alíquotas para determinação da densidade e biomassa bacteriana iniciais (n = 5) também foram extraídas das garrafas por tratamento e fixadas conforme descrito abaixo. Em seguida foram preparados frascos exclusivos (vials de 24 ml) para determinação da respiração bacteriana (n = 5). Estes foram preenchidos com amostras de cada tratamentos (exposto e controle), e fechados com cuidado para não aprisionarem bolhas de ar. Para determinação da densidade e biomassa bacterianas, também foram preparados frascos de cada tratamento (n = 3) (Fig. 2C). Todos os frascos foram incubados no escuro sob temperatura constante por 96 horas. Foram retiradas alíquotas (n = 5) de 4,5 ml para a determinação da densidade e biomassa bacterianas nos tempos 48, 72, e 96 h. Essas alíquotas foram acondicionadas em frascos de vidro âmbar e fixadas com formol tamponado com Borax (Tetraborato de Sódio, concentração final 3,7%). Nos tempos 72 e 96 horas, os vials para avaliação a respiração microbiana foram abertos e o conteúdo diretamente fixado como descrito anteriormente para análises de COD e CID.

Densidade e biomassa bacterianas

Foi utilizado o método proposto por Hobbie et al. (1977) e Fry (1988). Para as contagens e medições de bactérias,

67

Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do COD em Ecossistemas de águas pretas amazônicas

foram confeccionadas lâminas fixadas com laranja de acridina (concentração final de 0.01%), as quais foram analisadas em um microscópio de epifluorescência (Olympus BX41) equipado com um analisador de imagens no Laboratório de Limnologia do NUPEM, Macaé-RJ. Foram fotografados 10 campos por réplica, definidos aleatoriamente na porção central dos filtros, e todas as bactérias dos 10 campos foram contadas para determinação da densidade bacteriana com auxílio do software Image Pro Plus®. Para as medidas de biovolume, padronizamos um método no qual, inicialmente, foram medidas 100 células bacterianas. Posteriormente, sub-amostragens de cinco células foram realizadas dentro do conjunto de 100 células medidas. Acrescentou-se em cada nova sub-amostragem as medidas de novas cinco células, e o coeficiente de variação foi anotado. Finalmente, plotamos uma curva com os coeficientes de variação em intervalos de cinco células medidas (cinco a 100 células). A partir da análise do nível limite de variação do erro padrão (ponto de estabilização da curva) foi definido o número de células a serem medidas; neste caso, definido em 50 células. De cada amostra foi fixado o quinto campo fotografado para a realização das medidas (software Image Pro Plus®). A partir das medidas realizadas, estimou-se o biovolume conforme Fry (1990). Um fator de conversão de 105 fg C m-3 foi utilizado para estimativas de biomassa, como proposto por Theil-Nielsen & Sondergaard (1998). Os cálculos de parâmetros bacterianos seguiram Farjalla et al. (2006).

Análises dos dados

Todas as análises para avaliação da fotodegradação foram realizadas comparando as amostras expostas e controles a partir de testes t nãopareados. Nas curvas de crescimento bacteriano foi observado o tempo em que a densidade bacteriana atingiu seu máximo no tratamento exposto. Nesse tempo a densidade foi comparada entre o tratamento exposto e controle por teste t não- pareado. Analisamos por meio de uma Anova fatorial tree-way os seguintes fatores: taxas de fotodegradação, produção bacteriana e as taxas de respiração bacteriana. Para cada fator consideramos o período como X, e o ambiente como Y. O período (X) foi considerado como medida repetida e vimos a interação entre X e Y. Todas as análises foram realizadas usando o software R adotando-se o nível de significância de 95% .

Resultados

A concentração de carbono orgânico dissolvido, cor da água (absorbância a 430 nm), absorbância específica do COD, radiação solar, fotoprodução de CID e a precipitação variaram sazonalmente, no lago Tupé (Tab. 1). A precipitação, foi maior na vazante de 2008, e a maior concentração de COD foi registrada no período de águas altas. Cor da água, absorbância especifica do COD, fotoprodução de CID e radiação solar foram maiores na vazante, em 2009.

68

Amaral at al.

A fotoprodução de CID foi maior (p <0,05) nas amostras expostas em relação as controles, em todos os períodos amostrados. As maiores taxas de fotodegradação foram registradas na vazante de 2009 e a menor no período de águas baixas em 2008 (Tab. 1).

Resposta bacteriana a Fotodegradação do COD

A luz solar estimulou o aumento da abundância bacteriana em todos os períodos amostrados (Tab. 2). Observamos aumento de 76% na abundância bacteriana máxima (ABM) nos tratamentos expostos em relação aos controles, no período de águas altas e 50% no período de águas baixas. A PB não foi estimulada em nenhum período, enquanto a RB foi estimulada em todos os períodos de amostragem, exceto para o período de águas altas (Tab. 2). A ECB só foi estimulada pela fotodegradação do COD no período de águas altas, onde observamos 17% de aumento.

A remoção do COD (CODREM) e sua disponibilidade (CODL) foram positivamente favorecidas pelo

processo de fotodegradação em todos os períodos amostrados (Tab. 2). Os maiores incrementos em remoção do COD pelas bactérias em amostras que sofreram ação do processo de fotodegradação ocorreram nos períodos de vazante; 2008 e 2009. Observou-se 44% de aumento na vazante de 2008 e 45% na de 2009 (Tab. 2). A mesma relação foi observada para a disponibilidade do COD (CODL); 48% de aumento nas amostras fotodegradadas na vazante de 2009. É importante ressaltar que o período de águas foi o único em que não foram observadas diferenças na respiração bacteriana entre tratamentos para o lago Tupé.

Remoção do COD: Interação entre o processo de fotodegradação e o metabolismo bacteriano

A fim de se estimar a participação do processo de fotodegradação e do metabolismo bacteriano sobre a remoção do COD, consideramos: 4 dias de fotodegradação (6h por dia) e respiração total em 4 dias (24 h por dia); medidas nas amostras

Lago Tupé

Período

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(μM

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Absorção

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( a430:[COD])

Foto-produção

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Radiação

(W. m- 2)

Precipitação

(mm. mês- 1)

Tabela 1- Carbono orgânico dissolvido (COD), cor da água (a430), absorção específica COD, foto-produção CID, radiação solar e precipitação (mensal) nos períodos amostrados no lago Tupé.

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69

Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do COD em Ecossistemas de águas pretas amazônicas

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Amaral at al.

Figura 3: Produção potencial de CO2 pela fotodegradação (COD)p, respiração bacteriana (RB)e respiração bacteriana estimulada pela fotodegradação (RB)p no lago Tupé nos quatro períodos amostrados (vazante 2008, águas baixas 2008, águas altas 2009, vazante 2009). Todos os valores foram estimados por quatro dias, 24 horas por dia pra respiração bacteriana e 6 horas por dia para a fotodegradação (COD)p. Para esse cálculo apenas consideramos as águas superficiais, onde a fotodegradação não é alterada pela atenuação da luz solar incidente. Valores nos topos das barras indicam a produção total de CO2 (μMC) por período.

expostas e controles. A respiração bacteriana medida no tratamento controle é especificada como BR, a respiração nas amostras fotodegradadas é BRp e a remoção pelo processo de fotodegradação denominamos de DOCp. Portanto, a potencial remoção total de carbono nos sistemas estudados é expressa pelo somatório entre BR+BRP+DOCP, o qual variou sazonalmente no lago Tupé (Fig. 3). A maior produção de CO2 foi registrada em setembro, na vazante de 2009, seguida pela cheia, do mesmo ano.

Para o lago Tupé, a fotodegradação foi responsável por

75% da produção total de CO2 no período de vazante em 2009 e por 67% nas águas baixas em 2008 (Fig. 3). Em contrapartida, a respiração bacteriana total (RB+RBP) teve contribuição similar a DOCp para produção de CO2 nos períodos de águas altas e na vazante de 2008.

Para o calculo da remoção total de carbono para o lago Tupé, consideramos DOCp, e remoção microbiana; respiração bacteriana somada a produção bacteriana no tratamento controle (RB+PB) e o quanto desse total aumentou no tratamento exposto a radiação solar (RB+PB)P (Fig.

71

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Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do COD em Ecossistemas de águas pretas amazônicas

5). Somente na vazante de 2009 DOCP

foi o principal responsável pela remoção do COD no lago Tupé, cerca de 70% de remoção. Os processos microbianos são as principais vias de remoção do COD no lago Tupé, sendo a maior participação desses processos registrada nas águas

altas (62%) (Fig. 5).A fotodegradação estimulou

a remoção bacteriana do COD em todos períodos amostrados. Na vazante de 2008 foi registrada a maior porcentagem de estimulo à remoção bacteriana para o lago Tupé (26%)

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Amaral at al.

(Fig. 5). A proporção de estímulo foi similar entre os períodos de águas baixas e vazante de 2009, 15% e 14% respectivamente. Enquanto no período de águas altas registramos a menor proporção de estimulo (6%) (Fig. 5).

Discussão

A fotodegradação no Lago Tupé

A intensidade da radiação solar e a qualidade do COD apresentaram ampla variação em um ciclo anual de variação da água e sugerimos que foram estas as principais variáveis a explicar as taxas de fotodegradação medidas. O processo de fotodegradação

estimulou, no geral, o metabolismo bacteriano, uma vez que registramos maior abundância bacteriana máxima no tratamento exposto à radiação solar, em todos períodos amostrados.

As maiores taxas ocorreram no período de vazante em 2009 e as menores na seca, em dezembro de 2008 (Tab. 1). No período de vazante, foram também registradas as maiores incidências de radiação solar e os maiores valores de cor do estudo, enquanto os menores valores ocorreram na seca em 2008. Bertilsson & Tranvik (2000) relataram uma forte relação entre as taxas de fotodegradação e a intensidade da radiação incidente. Nesse mesmo estudo, a alta

Figura 5: Remoção total do COD pela fotodegradação (COD)p e degradação bacteriana; respiração bacteriana somada a produção bacteriana nos tratamentos controles (RB+PB) e esses parâmetros estimulados pela fotodegradação (RB+PB)p no lago Tupé nos quatro períodos amostrados (vazante 2008, águas baixas 2008, águas altas 2009, vazante 2009). Todos valores foram estimados por quatro dias, 24 horas por dia pra respiração bacteriana e 6 horas por dia para a fotodegradação (COD)p. Para esse calculo apenas consideramos as águas superficiais, onde a fotodegradação não é alterada pela atenuação da luz solar incidente. Valores nos topos das barras indicam a produção total de COD (μMC) por período.

73

Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do COD em Ecossistemas de águas pretas amazônicas

absorção do COD no espectro UV foi diretamente correlacionada às taxas de fotodegradação, indicando que propriedades inerentes ao COD influenciam diretamente as reações fotoquímicas sobre ele. Foi reportado para ambientes tropicais que a entrada de COD foto-reativo somado a altas incidências de radiação solar, produzem elevadas e atípicas taxas de fotodegradação (Suhett et al., 2007), como observado na vazante em 2009. O possível sinergismo entre a incidência da radiação solar e a absorção especifica do COD, em decorrência de sua qualidade, parece influenciar as variações nas taxas de fotodegradação registradas para o lago Tupé (Fig. 4).

A dinâmica do pulso de inundação governa a maioria dos processos ecológicos em ecossistemas de planícies alagáveis (Junk 1980; Junk et al., 1989), como os da bacia do rio Negro. Foi documentado que o rio Negro é a principal fonte de COD para o lago Tupé e ainda regula sua variação, em concentração, no ciclo anual de variação do nível da água (Rai & Hill 1981). Registramos maiores concentrações de COD para o lago Tupé no período de águas altas, e sua redução é evidente ao longo de um ciclo anual de variação do nível da água até o período de águas baixas, onde registramos as menores concentrações. Observamos ainda, que durante o período de águas altas, a cor da água, as taxas de fotodegradação e a concentração do COD apresentam valores similares entre o rio Negro e

lago Tupé (dados não publicados). Isso demonstra que ambos apresentam características de suas águas similares e, portanto mesmo potencial para o processo de fotodegradação.

As menores taxas de fotodegradação foram registradas no período de águas baixas. Nesse período também foram observadas os menores valores de cor e incidência de radiação solar. O baixo nível d’água do rio Negro desfavorece a conexão com a floresta alagada e consequentemente as trocas de carbono colorido (Fig. 4). No lago Tupé as maiores concentrações de clorofila ocorrem nesse período devido ao aumento na transparência da água (Rai & Hill 1981). A redução na coloração da água (Tab. 1, Fig. 4) corrobora essa dinâmica. Sugerimos que ocorre foto-branqueamento ao longo do ciclo devido ao consumo do COD colorido que entra no período de águas altas. Somada a esse fator, no período de águas baixas o lago sofre maior influencia das águas provenientes dos igarapés de sua bacia de drenagem. Tal variação pode influenciar a dinâmica do plâncton no lago Tupé, uma vez que interfere na transparência da água, o que afeta a dinâmica das comunidades fitoplanctônicas e zooplânctonicas.

Resposta biológica àdegradação do COD

Geralmente, para ambientes húmicos, existe uma relação positiva entre a resposta das bactérias às alterações do COD causadas pelo processo

74

Amaral at al.

de fotodegradação (Tranvik & Bertilson 2000; Farjalla et al., 2009). No presente estudo, essa relação é suportada, devido ao aumento da abundância bacteriana máxima (p>0,05) e da remoção do COD pelas bactérias (CODREM) observado nas amostras expostas à radiação solar. As reações fotoquímicas agem sobre o COD, podendo promover sua mineralização e afetar indiretamente o ciclo do carbono, por mudar os caminhos pelo metabolismo bacteriano; produção ou respiração bacteriana, e consequentemente a eficiência de crescimento bacteriano (ECB) (Anésio et al., 2000; Farjalla et al., 2009). Foi reportado que a exposição do COD húmico à radiação solar causa um aumento, tanto na respiração quanto na produção bacteriana, mas em maior proporção á produção bacteriana, o que resulta em um aumento médio na ECB (Anésio et al., 2005). Somente no período de águas altas observamos aumento na ECB. O período de águas altas, representa a máxima interação entre o lago Tupé, rio Negro e a floresta alagada (Junk et al., 1989; Benner et al., 1995), o que favorece uma grande troca de COD recente e diverso em qualidade. Em experimentos com cultura bacteriana em glicose, um substrato muito bio-disponivel às bactérias, no rio Negro, Amon & Benner (1996) não observaram diferenças entre tratamentos no período de águas altas. Esse resultado demonstra que não há limitação por fonte de carbono ao metabolismo bacteriano, concordando com uma oferta abundante de carbono

lábil ao seu metabolismo. A maior oferta de substrato lábil é corroborada pelos maiores valores de CODL no período de águas altas (Tab. 2). Também foram observados os maiores valores para PB, RB e CODREM, o que demonstra maior disponibilidade de substratos ao metabolismo bacteriano nesse período, favorecendo o fluxo de energia pelo bacterioplâncton representado no aumento da ECB observado.

Registramos redução na ECB em todos os demais períodos investigados. Nesse ambiente a fotodegradação do COD resulta em aumento da respiração bacteriana (p >0,05) em maior proporção que a produção bacteriana.

Nossos resultados são comparáveis aos resultados encontrados por Farjalla et al. (2009), que reportou baixos valores de ECB e altas taxas de respiração para o bacterioplâncton em lagoas humicas costeiras tropicais. Essa dinâmica pode representar uma via principal de mineralização do COD no lago Tupé, o que pode ter implicação sobre a disponibilização de nutrientes ao fitoplâncton do lago. Os períodos de vazante de 2008 e 2009, foram aqueles em que observamos maior incremento nas taxas de RB e PB no tratamento exposto à radiação solar. Esses resultados evidenciam que o COD é intensamente removido nos períodos de vazante (Fig. 4). Esse período representa o verão (estação sem chuvas) na porção central da bacia amazônica, que é caracterizado por

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Variação sazonal da interação luz-bactéria sobre a degradação do COD em Ecossistemas de águas pretas amazônicas

uma alta incidência de radiação solar e por concentrar o material que entra no período de águas altas, uma vez que há diminuição no volume e nível de água. Moreira-Turq et al. (2003) reportaram o maior fluxo de COD no período de vazante no rio Negro e Amado et al. (2006) registraram maior incidência de radiação solar nesse período, corroborando as evidências citadas acima. Por fim, registramos considerável aumento no CODREM e CODL no tratamento exposto para os dois períodos de vazante amostrados, confirmando a importância do período sobre a dinâmica do COD em ecossistemas de águas pretas.

Remoção do COD: Interação entre a Fotodegradação e o Metabolismo bacteriano

Registramos diferenças sazonais na produção total de CO2 pelos processos de fotodegradação e respiração bacteriana. Esses resultados ilustram a importância de considerar a sazonalidade nos estudos que avaliam a produção de gases de efeito estufa e os processos responsáveis por sua produção em ecossistemas aquáticos amazônicos, especialmente para estudos que visam elaborar modelos e predições sobre o papel dos ecossistemas amazônicos, como fonte ou sumidouro de carbono a atmosfera.

O período em que houve produção mais expressiva de CO2

para o lago Tupé foi o de vazante de

2009, seguido pelo de águas altas do mesmo ano. Já nas águas baixas registramos a menor produção de CO2 pelos dois processos investigados, cerca de nove vezes menos, quando comparado à vazante de 2009. Nesse período, o processo de fotodegradação foi responsável por cerca de 75% da produção total de CO2 no lago Tupé. Comparado à vazante de 2008, onde coletamos no mesmo valor de cota do rio Negro (Fig. 1), os valores de cor foram similares e os mais altos do estudo, a produção total de CO2 foi cinco vezes mais alta na vazante de 2009. Possivelmente isso foi decorrência da maior incidência de radiação solar registrada nesse período. Em um estudo climático na porção leste da bacia amazônica, a mudança na cobertura de nuvens foi o principal fator a influenciar a variação na radiação solar incidente observada (Rocha et al., 2004). A maior média de precipitação mensal observada ocorreu na vazante de 2008 em setembro, mês em que foram registradas chuvas acima da média histórica (Boletim-Infoclima, CPTEC-INPE 2008). Apesar dos experimentos terem sido realizados em dias ensolarados, a presença de nuvens durante a incubação, na vazante de 2008, pode ter atenuado a incidência da radiação solar e afetado o processo de fotodegradação. Vale a pena registrar que a partir do segundo semestre de 2008 houve influência do fenômeno La Ninã que causou a grande inundação registrada no

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Amaral at al.

período de águas altas em 2009 (Fig. 1) em decorrência de chuvas acima das médias históricas (Boletim-Infoclima CPTEC-INPE 2009), e no segundo semestre desse ano houve influência de um evento de El Ninõ, que gerou uma forte seca (Síntese climática, CPTEC-INPE 2010), o que pode ter alterado a cobertura de nuvens nos períodos amostrados (Fig. 4).

Nossos resultados apontam o processo de fotodegradação como o principal responsável pela produção de CO2 no lago Tupé (Fig. 3). No entanto, temos que ressaltar que as medidas que realizamos são potenciais, uma vez que não integramos as medidas a toda a coluna d’água, considerando somente águas superficiais. Apesar desse fato, podemos concluir que o COD do lago Tupé é muito foto-reativo.

Foi observado para ecossistemas amazônicos de águas claras que a degradação bacteriana e a fotodegradação do COD apresentam papéis complementares na remoção total do COD (Amado et al., 2006). Expandimos essa relação para ecossistemas amazônicos de águas pretas, uma vez que registramos para o lago Tupé estímulo sobre a remoção bacteriana do COD a partir de sua fotodegradação, como visto pelo aumento na RB e PB em todos períodos amostrados (Fig. 5).

Registramos os processos microbianos (RB+PB) como a principal via de remoção do COD nos períodos de águas altas e na vazante de 2008 (Fig. 5). Essas medidas extrapoladas

para toda a coluna d’água podem representar o principal processo de remoção do COD em ecossistemas amazônicos de águas pretas. A matéria orgânica recente, de cerca de 5 anos, é rapidamente removida e transformada em CO2 e esse componente de ciclagem rápida é responsável pela característica supersaturada das águas dos ecossistemas amazônicos (Richey et al., 2002; Mayorga et al., 2005). A alta incidência de radiação solar atípica registrada em setembro de 2009, em decorrência de um evento de El Ninõ, evidencia a variação climática existente sobre a bacia amazônica e sua influência sobre os processos aqui investigados, o que afeta a participação dos diferentes processos envolvidos na remoção do carbono como observamos na vazante de 2009, em que a fotodegradação foi responsável por 70% da remoção total no Lago Tupé.

Concluímos que há diferenças sazonais na qualidade dos substratos à ação dos processos de fotodegradação e degradação bacteriana. A intensidade do pulso regula a disponibilidade dos substratos labéis aos processos estudados. Há diminuição na oferta de substratos lábeis entre os períodos de cheia e seca. Eventos climáticos extremos influenciam o pulso de inundação que interfere nos processos investigados.

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Amaral at al.

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DiversidadeBiológica

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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1 Jinny Ohana HAMAGUCHIe-mail: [email protected]

2 Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Curso de Botânica, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA2Parte da dissertação de mestrado em Botânica da primeira autora – Departamento de

Biologia – Universidade Federal do Amazonas – UFAM/ICB

Estrutura arbórea de uma floresta de igapó no lago Tupé, Manaus, AM

Resumo: Florestas inundáveis representam de 5 a 10% da Amazônia. O igapó, junto com a várzea são os mais representativos dentre os diferentes tipos de matas inundadas existentes na região amazônica. Estima-se que a bacia Amazônica possua uma área de 15.000 Km2 de igapó. O tipo de água é um importante fator influenciando a composição florística das florestas inundáveis. Sendo assim, neste estudo se propôs inventariar os indivíduos arbóreos (com DAP – diâmetro a altura do peito – maior ou igual a 10cm) numa área de 1,01ha de floresta de igapó. A área de floresta de igapó analisada no lago Tupé apresenta espécies características de ambientes alagados por rios de águas pretas e claras da Amazônia Brasileira. Foram amostradas 53 espécies, pertencentes a 21 famílias. Fabaceae foi a mais importante. Sclerolobium sp. (Fabaceae), Mabea nitida (Euphorbiaceae), Parkia discolor (Fabaceae) e Pouteria elegans (Sapotaceae) apresentaram o maior IVI – índice de valor de importância e IVC – índice de valor de cobertura. Essas mesmas espécies apresentaram também as maiores áreas basais. Essa sequência muda um pouco para os outros principais parâmetros analisados, onde Sclerolobium sp. e Mabea nitida continuam sendo as mais importantes, porém Pouteria

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 5

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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elegans apresenta-se levemente superior a Parkia discolor quanto ao número de indivíduos, densidade relativa, dominância relativa e frequência relativa. O índice de diversidade de Shannon calculado foi de H’=2.295.

Palavras-chave: florística, igapó, área alagável, Amazônia Central.

Introdução

Florestas inundáveis representam de 5 a 10% da Amazônia (Pires, 1974). Os igapós e as várzeas são os mais representativos dentre os diferentes tipos de matas inundadas existentes na região amazônica (Ayres, 1995). Russel Wallace (1853) foi o primeiro a classificar os rios da Amazônia em rios de água preta, clara e branca, estes foram posteriormente bastante estudados por Sioli, quanto às características químicas de suas águas, e tipos de solo e vegetação associados (Sioli & Klinge, 1964). De acordo com Prance (1979), várzeas sazonais são áreas anualmente inundáveis por rios de água branca, e igapós sazonais são florestas anualmente inundadas por rios de água preta ou clara. A várzea está presente em cerca de 3% da Amazônia, com aproximadamente 200.000 km2, constituindo a maior porção de florestas inundáveis. Porém, estima-se que a bacia Amazônica possua uma área de 10.000 Km2 de igapó (Pires, 1974). Segundo Ayres (1995), os rios de água preta originam-se nas terras baixas do terciário da Amazônia, suas águas apresentam baixo nível de sedimentos e alto conteúdo de substâncias húmicas, o qual é responsável por sua coloração

avermelhada ou marrom escura. Os rios de água branca carregam muitos sedimentos, originados dos Andes e encostas pré-Andinas. Já os rios de águas claras têm suas origens nos sedimentos do Cretáceo dos Escudos das Guianas e Brasileiros, suas águas podem ser pobres em sedimentos, mas em algumas áreas podem ser ricos em matéria orgânica dissolvida. A coloração escura dos rios de água preta é o resultado de processos organogênicos, causados por substâncias orgânicas dissolvidas (ácidos fúlvicos e húmicos), derivadas da decomposição da liteira foliar sob condições ácidas e subsequentes processos edáficos que ocorrem em solos amazônicos. Essas substâncias ácidas podem ter um alto peso molecular e são resistentes à decomposição adicional, contribuindo assim para o baixo valor do ph da água (Junk & Furch, 1985). O tipo de água é um importante fator influenciando a composição florística das florestas inundáveis. Há espécies endêmicas de regiões de um tipo de água, enquanto outras ocorrem em vários tipos de florestas inundadas (Prance, 1979). Alguns

Hamaguchi & Scudeller

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autores relataram que as florestas de várzea têm maior número de espécies que as florestas de igapó (Ayres 1995, Prance 1979). Para Worbes (1997), os dados sugerem que a diversidade de espécies na floresta de igapó é superior a das florestas de várzea. Comparando vários inventários florísticos existentes em várzea e igapó, Ferreira (1997) não obteve diferença em relação ao número de espécies e densidade entre os dois tipos de florestas inundadas. Kubitzki (1989) salientou que a floresta de várzea apresenta maior diversidade local, porém o igapó possui maior diferenciação regional, sendo no geral, a flora de igapó mais rica que a de várzea. Não obstante, a floresta de terra-firme apresenta normalmente maior riqueza de espécies arbóreas comparada com as florestas inundáveis de várzea e igapó (Campbel et al., 1986; Gama et al., 2005), um fator que reduz essa diversidade é o stress da inundação sazonal, onde somente espécies adaptadas a alagação podem habitar esse tipo de ambiente. Na várzea, a cessação do crescimento das árvores durante a inundação é compensado pela entrada de nutrientes e sedimentos, o que não ocorre no igapó (Worbes, 1997). Furch (1997) salientou que a alta produtividade da várzea viabiliza sua utilização econômica, devido ao alto conteúdo de nutrientes e sua constante renovação pela deposição de sedimentos durante a inundação, mas que o igapó, devido a sua baixa produtividade, deve ser protegido para

retenção e conservação das baixas reservas de nutrientes. As florestas de várzea são adequadas para a agricultura e exploração seletiva de madeira, porém, as áreas de igapó possuem baixo potencial para essas atividades, sendo seu uso desaconselhável. A amplitude média de inundação na região de Manaus é de cerca de 10 m, sujeitando árvores a uma submersão de até 230 dias por ano (Junk, 1989). Declividades nas margens dos rios causam diferenças na duração da inundação e condições locais ao longo do gradiente topográfico, conduzindo a uma clara zonação da vegetação, devido a diferenças na tolerância das espécies de árvores à inundação (Worbes, 1997; Wittmann et al., 2006). A previsibilidade do pulso de inundação, a mudança regular de uma fase terrestre para um pronunciado habitat aquático favorece o desenvolvimento de adaptações em organismos que colonizam essas áreas (Junk et al., 1989). A tolerância à inundação varia entre espécies, sendo influenciada pela idade da planta e duração do alagamento. Complexas interações de adaptações morfológicas, anatômicas e fisiológicas são necessárias para a sobrevivência dessas plantas ao alagamento (Kozlowski, 1997). A riqueza, diversidade e distribuição de espécies arbóreas na várzea são influenciadas pela altura e duração das inundações anuais, sendo as florestas de várzea baixa menos diversas que as florestas de várzea alta (Wittmann et al., 2006). A zonação de espécies na várzea apresenta

Estrutura Arbórea de uma floresta de igapó no lago Tupé, Manaus, AM

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características peculiares devido a sua dinâmica geomorfológica, durante a inundação ocorre uma alta deposição de sedimentos carregados pela água. A composição florística ao longo do gradiente de inundação representa diferentes estágios de sucessão, com árvores pioneiras habitando os níveis mais baixos do gradiente (Junk, 1989). Segundo Ayres (1995), a vege-tação de igapó, assim como a de vár-zea, também muda com a variação no tempo de inundação, com uma dimi-nuição no número de espécies em re-giões mais baixas, sujeitas a um maior período de inundação. Outros autores também relatam mudanças na compo-sição florística em florestas de igapó devido a variações nos níveis topográ-ficos (Keel & Prance, 1979; Piedade, 1985; Ferreira, 1991; Ferreira, 1997a; Ferreira, 2000). Sugerindo um aumen-to na diversidade de espécies com a diminuição do período de inundação (Keel & Prance, 1979; Ferreira, 1991; Ferreira, 1997a). Embora diferenças na duração da inundação não neces-sariamente conduzam a diferenças na riqueza de espécies, como demonstra-do em levantamentos realizados em florestas de igapó por Ferreira (2000), sugerindo que a riqueza de espécies pode ser influenciada por um conjunto de fatores muito mais complexos. A floresta de igapó do lago Tupé apresenta-se bastante alterada, há residências espalhadas ao longo de toda margem do lago. A área de floresta de igapó escolhida para este estudo é uma das poucas existentes ainda

bem conservadas na beira do lago. Este estudo visa, além da contribuição para um maior entendimento desse ecossistema único, colaborar no planejamento futuro de eventuais planos de recuperação florestal para essa vegetação.

Materiais e Métodos

Área de estudo

O estudo foi realizado em uma área de floresta de igapó às margens do lago Tupé (Fig. 1), localizada dentro da RDS Tupé, no município de Manaus, AM. A vegetação de igapó do lago não é contínua (Fig. 2), há vários pontos de desmatamento, onde se situam as residências. O lago Tupé possui um canal de conexão com o rio Negro, por isso a amplitude média de variação do nível da água do lago é semelhante a do rio. Contudo, abaixo da cota 19 a.n.m (acima do nível do mar), o lago não recebe mais água do rio, havendo um afluxo de água do lago para o rio, devido a influência dos igarapés que deságuam no lago e da precipitação (Aprile & Darwich, 2005). A bacia do lago apresenta margens íngremes, com vale em forma de ´V`, sendo pequena a área inundável da bacia lacustre (Aprile & Darwich, 2005). O clima da região segundo a classificação Köppen é do tipo ´Am`, quente e constantemente úmido em sua quase totalidade. A região da RDS encontra-se entre as isopletas

Hamaguchi & Scudeller

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2.000 e 2.200 mm e apresenta precipitação anual máxima de 2.210 mm (Figueroa & Nobre, 1990). Em Manaus, a pluviosidade é mais intensa nos quatro primeiros meses do ano, e menos frequente nos meses de agosto e setembro, onde normalmente a precipitação não ultrapassa 60 mm. A temperatura média em Manaus é superior a 26º C. A temperatura média anual no período mais quente do ano, de agosto a novembro, atinge 28º C. O período menos quente apresenta temperaturas mínimas em torno de 23º C, tendo mínimas absolutas de 19º C a 20º C. A amplitude térmica é de cerca de 7º C na região onde se situa a RDS Tupé (Scudeller et al., 2005). A área onde se encontra a RDS Tupé está inserida dentro das Formações Solimões e Barreiras com relevos tabuliformes, ondulado e dissecado em cristas e colinas. Os tipos de solo predominantes são Podzólico Vermelho Amarelo, Laterita Hidromórfica e Latossolo Amarelo (Radam Brasil, 1978). Procedimento Amostral

A fisionomia externa (vista do lago) da floresta de igapó escolhida é densa, com árvores de estatura mediana de copas interligadas (Fig.2A). Dentro da floresta observou-se um subbosque aberto (Fig.2B), com poucos indivíduos abaixo de 1 m de altura, apesar de haver grande quantidade de plântulas se regenerando. Foi também

observado no subbosque uma grande variedade de cipós. Dentro dessa floresta foi delimitada uma área de 1,01 ha, subdividida em 101 parcelas contíguas de 10x10m (100m2), cobrindo a maior parte de área inundável possível. A margem e a inclinação do terreno são irregulares, portanto, o bloco de cerca de 1ha apresenta parcelas ao longo de um gradiente topográfico, dispostas em faixas de tamanhos diferenciados (Fig. 3). Nas parcelas foram inventariados todos os indivíduos acima de 10 cm de DAP (diâmetro à altura do peito, ou seja, a 1,30 m do nível do solo) de espécies arbóreas e arbustivas, incluindo palmeiras. Foram mensurados o DAP e a altura todos indivíduos e coletadas amostras da maioria dos espécimes. A identificação das espécies no campo foi realizada com auxílio de um parataxonômo e posteriormente por comparações com a coleção do Herbário INPA e acervo de referência do Biotupé. As amostras botânicas estéreis e férteis foram herborizadas, sendo o material depositado no herbário do INPA. Foi utilizado o sistema de classificação da APG II atualizada por Stevens (2005).

Análise de dados

Para análise estrutural da vegetação de igapó foram utilizados os seguintes parâmetros fitossociológicos: densidade relativa, frequência relativa,

Estrutura Arbórea de uma floresta de igapó no lago Tupé, Manaus, AM

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 A  B

Figura 2: Fisionomia da floresta de igapó estudada. A: vista do lago. B: Vista do interior da floresta, observando-se a presença de cipós no subbosque (Fotos: Hamaguchi, 2008).

Figura 3: Configuração do bloco amostral na área de estudo, este se apresenta subdividido em 101 parcelas contíguas de 10x10m. As cores representam as faixas topográficas (Hamaguchi, 2008).

   Figura 1: Imagem de satélite mostrando o lago

Tupé e parte do rio Negro. O asterisco evidencia a área estudada. Fonte: Google Earth.

*

dominância relativa, índice de valor de importância, índice de valor de cobertura e área basal. Todos esses parâmetros foram calculados usando o programa Fitopac1.6 (Shepherd, 2006). A diversidade florística foi obtida pelo Índice de diversidade e de equitabilidade de Shannon (Magurran, 1988).

Resultados

Na área de estudo foram inven-tariados 855 indivíduos, distribuídos em 53 espécies e 44 gêneros, pertencentes a 21 famílias botânicas (Tab. 1). A curva espécie-área (Fig. 4) demonstra que o esforço amostral foi suficiente para ex-

Hamaguchi & Scudeller

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Figura 4: Curva do coletor produzida no programa FITOPAC 1.6, evidenciando a estabilização do número de espécies a partir da 80º parcela amostrada.

levantamento do Igapó - Espécies com DAP > 10cmCurva de Coletor

número de amostra

pressar a diversidade local, a curva co-meça a se estabilizar entre a octogésima e nonagésima parcela. O índice de diversidade de Shannon (H’) encontrado para as espé-cies foi de 2.295. Sclerolobium sp. (Fa-baceae), Mabea nitida (Euphorbiaceae), Parkia discolor (Fabaceae) e Pouteria elegans (Sapotaceae) apresentaram o maior IVI – índice de valor de importân-cia e IVC – índice de valor de cobertura. Essas mesmas espécies apresentaram também as maiores áreas basais. Essa sequência muda um pouco para os ou-tros principais parâmetros analisados, onde Sclerolobium sp. e Mabea nitida continuam sendo as mais importantes, porém Pouteria elegans apresenta-se levemente superior a Parkia discolor quanto ao número de indivíduos, den-sidade relativa, dominância relativa e frequência relativa.

A média de diâmetro dos indivíduos arbóreos foi de 19,34 cm. A distribuição dos indivíduos pelas classes de diâmetro (Fig.5) foi uma típica curva J invertido, característica de florestas tropicais. Estando a maioria dos indivíduos na menor classe de diâmetro, de 10 a 20 cm. O diâmetro máximo alcançado foi de 86,9 cm por um indivíduo de Sclerolobium sp. Os indivíduos dessa espécie também apresentaram o maior valor de área basal (14,47) de toda floresta. A área basal total obtida para todos os indivíduos foi de 34.1 m2/ha. A média de altura das árvores adultas foi 14,8 m. A estratificação dos indivíduos em classes de altura (Fig. 6) corresponde a forma piramidal J invertido, estando a maioria na classe de 14 a 16,9 m, com poucas árvores acima de 20m de altura. A

Estrutura Arbórea de uma floresta de igapó no lago Tupé, Manaus, AM

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Tabela 1: Número de indivíduos, densidade relativa, dominância relativa, frequência relativa, índice de

valor de importância, índice de valor de cobertura e área basal das espécies arbóreas com DAP≥10cm

inventariadas em 1,01ha de floresta de igapó, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé –

Manaus – AM.

Espécie n° ind. Dens. rel. Dom. rel. Freq. rel. IVI IVC Ar. bas.

Sclerolobium sp. 197 23.04 42.01 14.50 79.56 65.05 144,721

Mabea nitida 139 16.26 9.06 11.83 37.15 25.32 31,201

Parkia discolor 70 8.19 6.32 7.44 21.95 14.51 21,772

Pouteria elegans 74 8.65 5.63 7.63 21.92 14.28 19,391

Macrolobium multijugum 26 3.04 3.62 4.01 10.67 6.66 12,464

Elvasia calophylla 30 3.51 1.60 4.01 9.12 5.11 0.5519

Astrocarium jauari 24 2.81 2.34 3.63 8.78 5.15 0.8069

Endlicheria macrophylla 24 2.81 2.31 3.63 8.74 5.12 0.7960

Swartzia polyphylla 7 0.82 6.29 1.34 8.44 7.10 21,653

Eschweilera albiflora 24 2.81 1.69 2.86 7.36 4.49 0.5812

Abarema sp. 17 1.99 1.42 2.86 6.27 3.41 0.4894

Duroia velutina 17 1.99 0.78 2.86 5.63 2.77 0.2687

Mollia cf speciosa 17 1.99 2.07 1.53 5.59 4.06 0.7146

Couepia paraensis 17 1.99 0.68 2.67 5.34 2.66 0.2327

Acosmium nitens 15 1.75 1.04 2.48 5.27 2.79 0.3578

Maprounea guianensis 15 1.75 0.58 2.10 4.43 2.33 0.1982

Lecythis sp. 13 1.52 0.73 2.10 4.35 2.25 0.2525

Licania heteromorpha 9 1.05 0.91 1.72 3.68 1.96 0.3133

Licania apetala 8 0.94 0.61 1.53 3.07 1.55 0.2108

Cynometra cf. spruceana 8 0.94 0.59 1.53 3.05 1.52 0.2028

Micropholis sp. 5 0.58 1.21 0.95 2.75 1.80 0.4178

Zygia cf. juruana 7 0.82 0.38 1.15 2.34 1.20 0.1308

Burdachia prismatocarpa 8 0.94 0.25 1.15 2.33 1.19 0.0872

Hevea spruceana 6 0.70 0.34 1.15 2.19 1.04 0.1166

Sacoglottis sp. 3 0.35 1.02 0.57 1.94 1.37 0.3505

Buchenavia sp. 6 0.70 0.21 0.95 1.87 0.91 0.0729

Pouteria gomphiifolia 5 0.58 0.29 0.95 1.83 0.88 0.1010

Guatteria cf. alata 5 0.58 0.28 0.95 1.82 0.87 0.0981

Duguetia sp. 5 0.58 0.31 0.76 1.66 0.90 0.1072

Macrolobium acaciaefolium 5 0.58 0.23 0.76 1.58 0.82 0.0793

Pentaclethra macroloba 4 0.47 0.65 0.38 1.50 1.11 0.2225

Peltogyne cf. venosa 3 0.35 0.71 0.38 1.44 1.06 0.2431

Aldina heterophylla 4 0.47 0.38 0.57 1.42 0.85 0.1322

Ormosia sp.2 4 0.47 0.17 0.76 1.40 0.63 0.0569

continua

Mabea nitida 139 16.26 9.06 11.83 37.15 25.32 31,201

Pouteria elegans 74 8.65 5.63 7.63 21.92 14.28 19,391

Duroia velutina 17 1.99 0.78 2.86 5.63 2.77 0.2687

Cynometra cf.Cynometra cf.Cynometra spruceana 8 0.94 0.59 1.53 3.05 1.52 0.2028

Guatteria cf. alata 5 0.58 0.28 0.95 1.82 0.87 0.0981

Elvasia calophylla 30 3.51 1.60 4.01 9.12 5.11 0.5519

Couepia paraensis 17 1.99 0.68 2.67 5.34 2.66 0.2327

Zygia cf. juruana 7 0.82 0.38 1.15 2.34 1.20 0.1308

Macrolobium acaciaefolium 5 0.58 0.23 0.76 1.58 0.82 0.0793

Endlicheria macrophylla 24 2.81 2.31 3.63 8.74 5.12 0.7960

Maprounea guianensis 15 1.75 0.58 2.10 4.43 2.33 0.1982

Hevea spruceana 6 0.70 0.34 1.15 2.19 1.04 0.1166

Peltogyne cf. venosa 3 0.35 0.71 0.38 1.44 1.06 0.2431

Eschweilera albiflora 24 2.81 1.69 2.86 7.36 4.49 0.5812

Licania heteromorpha 9 1.05 0.91 1.72 3.68 1.96 0.3133

Buchenavia sp. 6 0.70 0.21 0.95 1.87 0.91 0.0729

Ormosia sp.2 4 0.47 0.17 0.76 1.40 0.63 0.0569

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Figura 5: Classes de diâmetro dos indivíduos arbóreos (DAP ≥10cm)

 

Ocotea cymbarum 3 0.35 0.44 0.57 1.36 0.79 0.1513

Stachyarrhenia spicata 4 0.47 0.11 0.76 1.34 0.58 0.0386

Calophyllum brasiliense 2 0.23 0.66 0.38 1.28 0.90 0.2288

Ormosia sp.1 2 0.23 0.66 0.38 1.27 0.89 0.2263

Ormosia excelsa 3 0.35 0.30 0.38 1.03 0.65 0.1038

Cybianthus spicatus 3 0.35 0.07 0.57 1.00 0.43 0.0258

Swartzia laevicarpa 2 0.23 0.12 0.38 0.74 0.35 0.0414

indet sp. 2 0.23 0.09 0.38 0.71 0.33 0.0327

Heterostemon mimosoides 2 0.23 0.08 0.38 0.69 0.31 0.0259

Himathanthus attenuata 2 0.23 0.05 0.38 0.67 0.28 0.0174

Panopsis rubescens 1 0.12 0.35 0.19 0.66 0.47 0.1204

Sclerolobium sp.1 1 0.12 0.07 0.19 0.38 0.19 0.0241

Miconia sp. 1 0.12 0.07 0.19 0.38 0.18 0.0232

Vatairia guianensis 1 0.12 0.05 0.19 0.36 0.17 0.0183

Caraipa grandiflora 1 0.12 0.05 0.19 0.35 0.16 0.0161

Malouetia furfuracea 1 0.12 0.03 0.19 0.34 0.15 0.0115

Licania sp.1 1 0.12 0.03 0.19 0.34 0.15 0.0103

Caryocar glabrum 1 0.12 0.03 0.19 0.33 0.14 0.0092

Myrcia sp. 1 0.12 0.02 0.19 0.33 0.14 0.0082

continuação

 Figura 6: Classes de altura dos indivíduos arbóreos (DAP ≥10cm)

altura máxima encontrada foi de 26m, apenas um indivíduo de Sclerolobium sp. alcançou essa altura, essa espécie obteve a maior altura média (17,2 m) de todas as espécies amostradas. Das famílias encontradas, Fabaceae foi a mais importante, com

IVI – índice de valor de importância de 134.29, seguida de Euphorbiaceae (46.68) e Sapotaceae (29.33), essa sequência segue também para todos os outros principais parâmetros fitossociológicos analisados – número de indivíduos, densidade relativa,

Stachyarrhenia spicata 4 0.47 0.11 0.76 1.34 0.58 0.0386

Ormosia sp.1 2 0.23 0.66 0.38 1.27 0.89 0.2263

Sclerolobium sp.1 1 0.12 0.07 0.19 0.38 0.19 0.0241

Cybianthus spicatus 3 0.35 0.07 0.57 1.00 0.43 0.0258

Vatairia guianensis 1 0.12 0.05 0.19 0.36 0.17 0.0183

indet sp.indet sp.indet 2 0.23 0.09 0.38 0.71 0.33 0.0327

Malouetia furfuracea 1 0.12 0.03 0.19 0.34 0.15 0.0115

Himathanthus attenuata 2 0.23 0.05 0.38 0.67 0.28 0.0174

Caryocar glabrum 1 0.12 0.03 0.19 0.33 0.14 0.0092

Estrutura Arbórea de uma floresta de igapó no lago Tupé, Manaus, AM

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dominância relativa, frequência relativa, IVC - índice de valor de cobertura e área basal (Tab.2). Fabaceae é de longe a família mais rica, sendo representada por 20 espécies, Sapotaceae aparece em segundo, com 4 espécies, seguida de Euphorbiaceae com 3 espécies. Doze famílias foram representadas por somente uma espécie. Fabaceae também foi mais importante em vários outros estudos realizados em vegetação de igapó (Piedade, 1985; Campbel et al., 1986; Ayres, 1995; Ferreira 1997; Ferreira & Prance, 1998; Parolin et al., 2003; Parolin et al., 2004). Apesar de Leguminosae ser a mais importante encontrada na floresta de igapó do rio Xingu (Campbel et al., 1986), sua composição florística é bastante diferenciada da área desse estudo. Já no rio Tapajós, muitas das espécies encontradas são comuns a área desse estudo, a citar: Acosmium nitens, Couepia paraensis, Leopoldina pulchra, Licania apetala, Mabea nitida, Macrolobium multijugum, Ormosia excelsa, Panopsis rubescens, Vatairea guiannesis e Zygia inaequalis (Ferreira & Prance, 1998). Em três florestas de igapó localizadas as margens de um rio, lago e igarapé no Parque Nacional do Jaú, Ferreira (1997a) encontrou a menor diversidade, pelo índice de Shannon (H’), no lago (1.6), seguida do rio (2.7) e igarapé (3.1). Fabaceae foi a mais abundante e dominante na margem do rio e igarapé, e Euphorbiaceae e Fabaceae na margem do lago. As

espécies mais abundantes nos três locais foram Amanoa oblongifolia, Pouteria elegans e Sclerolobium sp. Ferreira (1997a) explica que as diferenças encontradas na riqueza e diversidade de espécies nos três habitats podem ser devido a diferenças no período de inundação anual de cada área, sendo que a riqueza e diversidade aumentam com a diminuição do período de inundação. A vegetação de igapó analisada apresenta espécies típicas de igapó, ocorrentes em áreas alagadas por rios de águas pretas e claras da Amazônia Brasileira. Algumas espécies características desse tipo vegetacional e que foram encontradas nesse estudo foram: Acosmium nitens, Aldina latifolia, Astrocaryum jauari, Burdachia prismatocarpa, Couepia paraensis, Elvasia calophylla, Heterostemon mimosoides, Leopoldina pulchra, Licania apetala, Macrolobium multijugum, Ormosia excelsa, Panopsis rubescens, Parkia discolor, Pentaclethra macroloba, Quiina rhytipodus, Stachyarrhena spicata, Swartzia laevicarpa, dentre outras (Prance, 1979; Kubittzki, 1989). Algumas espécies encontradas neste estudo também ocorrem em florestas de várzea, como Gustavia augusta, Hevea spruceana, Heterostemon mimosoides, Mora paraensis, Swartzia polyphylla, Vatairea guianensis e Virola elongata, sendo algumas características desse ambiente (Kubittzki, 1989; Worbes, 1997; Parolin et al., 2003). Heterostemon mimosoides, Vatairea

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Tabela 2. Número de indivíduos (n° ind.), número de espécies (n° spp), densidade relativa (Dens.

Rel), dominância relativa, frequência relativa, índice de valor de importância, índice de valor de

cobertura e área basal das famílias inventariadas no levantamento dos indivíduos ≥10cm DAP na

Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé – Manaus – AM.

guianensis e Virola elongata também ocorrem em área de terra-firme (Worbes, 1997; Parolin et al., 2003).

Pouteria elegans e Sclerolobium sp. foram as espécies mais abundantes nas florestas de igapó do Parque Nacional do Jaú. Muitas outras espécies encontradas por Ferreira (1997) também foram comuns a nossa área de estudo.

A área basal (34,1/ha) foi se-melhante ao encontrado por Ayres (1995), na floresta de igapó do igara-pé do Taboca (33,9/ha) no lago Amanã, e por Ferreira (2007) em um igapó as margens de um igarapé no Parque Na-cional do Jaú (34,2/ha). No rio Tarumã-Mirim, um afluente do rio Negro, o local mais próximo da nossa área de estudo, foram

Família n° ind. n° spp Dens. Rel Dom. Rel Freq. Rel. IVI IVC Ar. Bas.

Leguminosae 380 20 44.44 65.17 24.68 134.29 109.61 224,483

Euphorbiaceae 160 3 18.71 9.97 17.99 46.68 28.69 34,349

Sapotaceae 86 4 10.06 7.19 12.08 29.33 17.24 24,753

Chrysobalanaceae 35 4 4.09 2.23 7.71 14.03 6.32 0.7672

Lecythidaceae 37 2 4.33 2.42 6.68 13.43 6.75 0.8337

Lauraceae 27 2 3.16 2.75 5.40 11.31 5.91 0.9472

Ochnaceae 30 1 3.51 1.60 5.40 10.51 5.11 0.5519

Arecaceae 24 1 2.81 2.34 4.88 10.03 5.15 0.8069

Rubiaceae 21 2 2.46 0.89 4.37 7.72 3.35 0.3073

Tiliaceae 17 1 1.99 2.07 2.06 6.12 4.06 0.7146

Annonaceae 10 2 1.17 0.60 2.31 4.08 1.77 0.2053

Malpighiaceae 8 1 0.94 0.25 1.54 2.73 1.19 0.0872

Combretaceae 6 1 0.70 0.21 1.29 2.20 0.91 0.0729

Humiriaceae 3 1 0.35 1.02 0.77 2.14 1.37 0.3505

Clusiaceae 3 2 0.35 0.71 0.77 1.83 1.06 0.2449

Myrsinaceae 3 1 0.35 0.07 0.77 1.20 0.43 0.0258

Proteaceae 1 1 0.12 0.35 0.26 0.72 0.47 0.1204

Melastomataceae 1 1 0.12 0.07 0.26 0.44 0.18 0.0232

Apocynaceae 1 1 0.12 0.03 0.26 0.41 0.15 0.0115

Caryocaraceae 1 1 0.12 0.03 0.26 0.40 0.14 0.0092

Myrtaceae 1 1 0.12 0.02 0.26 0.40 0.14 0.0082

Euphorbiaceae 160 3 18.71 9.97 17.99 46.68 28.69 34,349

Tiliaceae 17 1 1.99 2.07 2.06 6.12 4.06 0.7146

Chrysobalanaceae 35 4 4.09 2.23 7.71 14.03 6.32 0.7672

Malpighiaceae 8 1 0.94 0.25 1.54 2.73 1.19 0.0872

Lauraceae 27 2 3.16 2.75 5.40 11.31 5.91 0.9472

Humiriaceae 3 1 0.35 1.02 0.77 2.14 1.37 0.3505

Arecaceae 24 1 2.81 2.34 4.88 10.03 5.15 0.8069

Myrsinaceae 3 1 0.35 0.07 0.77 1.20 0.43 0.0258

Melastomataceae 1 1 0.12 0.07 0.26 0.44 0.18 0.0232

Caryocaraceae 1 1 0.12 0.03 0.26 0.40 0.14 0.0092

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realizados três estudos (Worbes 1986, Ferreira 1991, Parolin et al., 2004). O número de espécies variou muito, de 44 a 165 espécies. O maior número de espécies foi encontrado por Ferreira (1991), esta maior diversidade deve ser em parte explicada pelo fato da área amostrada (1.44 ha) ser maior e o limite de inclusão de DAP (1cm). Parolin et al. (2004) encontraram o menor número de espécies local, porém amostraram a menor área (0.1 ha). Muitas das espécies ocorrentes nestes estudos também apareceram na área deste estudo, a citar algumas: Aldina latifolia, Caraipa grandiflora, Licania heteromorpha, Parkia discolor, Pouteria elegans, Swartzia polyphylla, Swartzia laevicarpa e Virola elongata. Piedade (1985), em inventario florístico nas Ilhas Anavilhanas, encontrou em 0.5 ha, 460 indivíduos pertencentes a 64 espécies. Em outro estudo realizado nessa ilhas do rio Negro, Parolin et al. (2003) amostraram todas as árvores, sem definir um limite mínimo para DAP, nesse estudo foram determinadas 51 espécies, além de espécies características de igapó, foi também encontrado um alto número de espécies de várzea e terra-firme nunca antes relatadas para áreas alagáveis por rios de água preta. Parolin et al. (2003) salientam que as espécies de várzea podem ter encontrado um ambiente adequado por causa da influência do rio Branco, rico em sedimentos. Espécies de terra-firme

podem ocorrer nas regiões mais altas, as quais permanecem alagadas por um curto período de tempo.

Agradecimentos Ao INPA/PPG Botânica pela oportunidade, à CAPES pela bolsa de estudos da primeira autora; ao projeto Biotupé e seus integrantes pela colaboração e aos comunitários da vila São João do Tupé, em especial seu Jaumir e família, por todo apoio e acolhimento durante o desenvolvimento do trabalho de campo.

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1Wellison Rafael de Oliveira BRITOe-mail: [email protected]

1Diana Nunes de OLIVEIRAe-mail: [email protected]

2Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Centro Universitário do Norte – UNINORTE, Curso de Ciências Biológicas, Bolsista FAPEAM

2Departamento de Biologia, Instituto de Ciências Biológicas – ICB, Universidade Federal do Amazonas – UFAM,

* Apresentado no I Seminário Internacional de Ciências do Ambiente e Sustentabilidade na Amazônia. 2009

Potencial de uso dos recursos florestais não madeireiros no Baixo Rio Negro*

Resumo: A Amazônia detém abundantes recursos naturais que são utilizados de forma predatória e constante sem haver preocupação com as gerações que virão e com sua conservação, porém, o uso não predatório desses recursos é uma possibilidade de auto-subsistência. Com o objetivo de verificar o potencial de uso dos recursos florestais não madeireiros em um hectare de floresta ombrófila densa na Amazônia Central a partir de dados obtidos de literatura foram determinadas sete categorias de usos e avaliado o potencial de uso das espécies inventariadas. Das 156 espécies encontradas, 63% apresentam potencial de uso. As categorias de uso encontradas foram madeireiras com 82% do total de espécies, seguido por alimentícias (55%), medicinal (50%), artesanal (18%), ornamental (8%), tecnológico (46%) e outros (23%). Dessa forma, as florestas de terra-firme podem

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 6

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

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ser fonte de renda para as comunidades tradicionais desde que manejadas com o objetivo de uso múltiplo, tanto para produtos madeireiros quanto não-madeireiros. O estudo revela que a vegetação existente oferece elevado potencial capaz de ser usado de diferentes maneiras e reforçam a importância que a biodiversidade tem para as comunidades rurais.

Palavras-chave: Potencial de uso, PFNM, Tupé, Amazônia.

Introdução

A Amazônia defronta-se hoje com um “dilema”, que não apareceu agora, mas vem crescendo desde os preparativos para a Conferência Rio 92, que é a conservação da biodiversidade por um lado e, a diminuição da pobreza por outro, principalmente das populações rurais, muitas vezes chamados de povos da floresta, populações tradicionais, etc. No entanto, a Amazônia ainda é detentora de abundantes recursos naturais que são utilizados de forma predatória e constante sem haver preocupação com as gerações que virão, nem com sua conservação dos próprios recursos. Porém, seu uso não predatório pode ser uma das possibilidades para auto-subsistência desta geração e das futuras. Becker (2001), em seu artigo sobre a construção do conceito e conservação da biodiversidade na prática, propõe que definir e proteger a biodiversidade implica em reconhecer sua complexidade. A biodiversidade não é um conceito abstrato, nem puramente físico ou biológico, mas, sim, também social. A autora continua,

afirmando que isso implica também em reconhecer que o homem não pode ser visto apenas como elemento de pressão, mas, sim, como elemento criativo, capaz de estabelecer novos modos de se relacionar entre si e com a natureza. Sendo assim, a autora afirma que é impossível considerar a conservação da biodiversidade e a sustentabilidade puramente como um problema ambiental comportando uma solução puramente técnica. Na Amazônia, o problema ecológico é indissociável dos conflitos gerados pela apropriação e uso do território e das relações de poder que se estabelecem no processo de controle do território e de seus recursos. Walker & Homma (1996) também afirmaram que é impossível considerar a sustentabilidade ecológica fora do contexto da sustentabilidade social, envolvendo necessariamente, soluções positivas entre pessoas e grupos sociais. Ademais, a conservação da biodiversidade amazônica não pode ser separada do esforço para resgatar a diversidade cultural dos povos da floresta e da pretensão de seus direitos

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legítimos, reafirmados na constituição de 1988. Os recursos florestais não madeireiros (RFNM) constituem um meio de auto-subsistência para muitas comunidades, sendo também elementos significativos da economia rural e regional em diversos países (Villalobos & Ocampo, 1997). Estes produtos e serviços que os recursos vegetais podem gerar cumprem um papel crucial na vida diária de populações tradicionais, como fonte de alimentos, remédios, forragem, fertilizantes, energia, fibra, resina, goma, materiais de construção, entre muitos outros. De acordo com Tewari & Campbell (1996), cerca de 500 milhões de pessoas que vivem nas florestas e nas redondezas, dependem destes produtos como componente essencial para seu sustento. Ao nível local, esses produtos da floresta geram oportunidades de empregos e renda às comunidades. Por outro lado, constituem matéria-prima para inumeráveis indústrias que processam ou produzem, por exemplo, óleos essenciais, inseticidas, medicamentos, alimentos e corantes (Vantomme, 2001). Os RFNM compreendem uma gama de produtos existentes nas florestas. No caso das plantas, é muito amplo o leque de produtos que podem ser obtidos de raízes, tronco, casca, folhas, flores, frutos, sementes, etc (Brito, 2002). No entanto, os produtos oriundos da biodiversidade, de um modo geral, são coletados de forma extrativista, possuem produção sazonal, são heterogêneos do

ponto de vista da qualidade, possuem baixo valor agregado, e provêm de comunidades de baixa capacidade de gestão (Barbosa, 2007). Segundo Mukerji (1997), a população rural, especialmente a que habita as florestas e arredores, depende dos RFNM para vários níveis de uso: - Necessidades de subsistência: os RFNM suplementam a produção agrícola por meio de insumos nutritivos essenciais, ervas medicinais, palhas, etc.; - Geração de renda e emprego: a colheita comercial de alguns PFNM, como as plantas medicinais, óleos, resinas, gomas, bambus, etc. têm aberto novas oportunidades. No entanto, as oportunidades são maiores quando se fazem inversões na produção e propagação in situ e ex situ destes produtos a fim de satisfazer as necessidades de mercado; - Comercialização e uso sustentável: alguns produtos alcançam demanda em escala industrial; - Uso cultural/espiritual: a população rural em cada região tem venerado as florestas como uma benfeitora que provê subsistência e satisfaz suas necessidades espirituais e culturais; - Distribuição de benefícios: as orientações legais devem prevenir a super-exploração dos recursos naturais, assim como assegurar a equidade na distribuição de benefícios aos coletores locais e aos processadores primários. Contudo, as cooperativas e pequenas empresas locais representam melhores oportunidades para a população. Para Souza (2005), a extração de RFNM é fundamental para os

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moradores da região provedora de recursos naturais, pois permite valorizar a floresta que é preservada em pé, ou seja, sem a derrubada das matrizes. Contudo, para o autor, algumas organizações defendem que a exploração dos RFNM´s não contribui para a redução dos níveis de pobreza das comunidades florestais. Hoje esses produtos já receberam, pelo CIFOR (2005), a alcunha de “armadilhas da pobreza”, significando que a realidade sobre o sonho de uma vida melhor com o uso econômico desses produtos pode não ser mais do que uma ilusão. Além disso, relatórios de organizações ligadas à temática ambiental, incluindo WWF, CI, CIFOR, UNEP e IUCN, apontam para o aumento da ameaça de extinção de espécies devido ao superuso destas pela comunidade. Modelos alternativos de desenvolvimento, baseados em conhecimentos indígenas e de populações tradicionais, têm sido propostos como saídas ecologicamente válidas e socialmente progressistas para os atuais impasses do desenvolvimento (Posey, 1986). Statz (1997) afirma que o retorno econômico a longo prazo, para o manejo adequado de RFNM que se encontram em um hectare de floresta tropical, sobrepõe os benefícios da produção de madeira ou da conversão agrícola dessa área, dessa forma o manejo sustentável destes recursos podem prover benefícios mútuos para a população e para a floresta.

Desde a chegada dos Portugueses, em 1500, há relatos de usos de plantas para fins medicinais. Estas adquiriram valor econômico e foram coletadas até o risco de extinção. Esta já é a situação da ipecacuanha (Cephaelis ipecacuanha), da canela-sassafrás (Ocotea odorifera), do pau-rosa (Aniba rosaeodora), do jaborandi (Pilocarpus jaborandi) e mais recentemente, com a espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), a pfaffia (Pfaffia paniculata) e muitas outras plantas silvestres comercializadas (Ferreira et al., 1998; Montanari, 2001). A perda da biodiversidade é questão relevante na conservação das florestas tropicais. De acordo com o WWF (World Wide Fund For Nature), a pobreza rural, conjuntamente com outras forças, frequentemente tem papel principal entre as causas básicas da perda da biodiversidade. Os fatores sociais relacionados com o uso da floresta e com a organização de trabalho nas populações tradicionais são questões prioritárias para a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), que busca reforçar as capacidades das comunidades e das famílias rurais para manejar adequadamente e em forma de autogestão de seus recursos naturais renováveis. No entanto, admite-se que não há clareza sobre como conduzir estes processos de maneira que sejam sustentáveis. Assim, torna-se necessário uma análise da pertinência e viabilidade dos critérios,

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métodos, mecanismos e práticas que se empregam para construir um modelo alternativo de desenvolvimento rural orientado a satisfazer as necessidades das comunidades (Varsa, 1996). Segundo Homma (2006), as grandes prioridades de pesquisa diante da incapacidade de nossas florestas de suportar o contínuo crescimento da demanda de madeira ou de outros recursos naturais renováveis, são: aperfeiçoar as práticas de manejo de recursos naturais renováveis; entender a biologia dos recursos naturais renováveis; estabelecer metas concretas de domesticação dos recursos ameaçados de esgotamento e de novos recursos da biodiversidade amazônica; além da substituição do extrativismo por plantios ou criações domesticadas. Para tanto, primeiro é necessário conhecer a floresta a ser manejada. Os inventários são utilizados como o principal mecanismo que avalia o potencial de aproveitamento de recursos vegetais. A densidade e a estrutura diamétrica das árvores da floresta são consideradas peças fundamentais para o estabelecimento de manejo florestal. Os inventários também são ferramentas que permitem o monitoramento do impacto das colheitas nas populações de espécies medicinais (Peters, 1994). De acordo com Reis (1996), o inventário em parcelas permanentes permite caracterizar o número de indivíduos existentes por classe da variável de interesse, bem como as curvas de

incremento, considerando duas ou mais avaliações. Segundo Wickens (1991), é indispensável incrementar a investigação sobre a abundância, distribuição, variabilidade química, ecologia, biologia floral destes recursos; métodos de propagação tradicionais e novos; práticas de cultivo e uso; determinação do valor de mercado formal e informal. Mais premente ainda na Amazônia, onde apenas uma pequena parte de sua vegetação foi efetivamente estudada (Hopkins, 2007). De acordo com Borges & Braz (1998), os maiores problemas encontrados pelas famílias que extraem os RFNM são: 1. Desconhecimento das potencialidades do mercado; 2. Deficiência na organização comunitária; 3. Deficiência no gerenciamento da produção e comercialização; 4. Deficiência no manejo e beneficiamento dos produtos, e 5. Distâncias a serem percorridas entre o local de produção e o de venda. Sendo assim, verificar o potencial de uso dos recursos florestais não madeireiros em um hectare de floresta ombrófila densa de terra-firme na Amazônia Central, é o primeiro passo para aumentar o conhecimento desse tipo de vegetação e para que possa servir de referencia para um futuro manejo consciente desse ambiente, com potencial inclusive de gerar renda às famílias das comunidades próximas.

Potencial de uso dos recursos florestais não madeireiros no Baixo Rio Negro

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Material e Métodos

O inventário fitossociológico realizado em 1 ha. de floresta ombrófila densa (Brito & Scudeller, 2010) foi utilizado como fonte de dados para a análise dos RFNM. A parcela encontra-se na comunidade Julião inserida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé (Lat. 03°03’02,241S Long. 60°17’46,121O), localizada à margem esquerda do rio Negro, a oeste de Manaus distante aproximadamente 25 km em linha reta do centro da cidade. O método no estudo da estrutura dos vegetais foi o de parcelas contíguas de 100x100 m, dividida em sub-parcelas de 10 m². A área foi escolhida aleatoriamente e todos os indivíduos arbóreos e lianescentes vivos com perímetro a altura do peito (PAP, a 1,30 m do nível do solo) ≥ 30 cm foram numerados em ordem crescente usando placas de alumínio (Brito & Scudeller, 2010). As famílias foram apresentadas de acordo com a classificação da APG II (2003). Os nomes das espécies e seus respectivos autores foram confirmados e atualizados por bibliografias recentes e por meio do Site IPNI - The International Plants Names Index. A partir dos dados obtidos pelo levantamento florístico foram identificados e determinados o potencial de uso (madeireiro e não madeireiro) por meio de literaturas específicas, artigos, livros e foram consideradas 7 categorias

de usos para agrupar os dados e calcular seu potencial de uso que são medicinal, alimentar, madeireiro (incluído na análise para fins comparativos), artesanato, ornamental, tecnológico e outros.

Resultados e Discussão

Em 1 ha de floresta ombrófila densa foram encontradas 156 espécies arbóreas distribuídas em 81 gêneros e 39 famílias botânicas, compondo densidade total de 521 ind./ha e área basal total de 28,8 m²/ha. (Brito & Scudeller, 2010). Destas, 63% apresentam potencial de uso. As categorias de uso encontradas foram madeireiras com 82% do total de espécies, seguido por alimentícias com 55% do total de espécies, medicinal com 50%, artesanal com 18%, ornamental 8%, tecnológico 46% e outros 23% (Tab. 1). A categoria madeireira foi utilizada como referência, uma vez que se derrubassem a mata obteriam apenas 612,813 metros cúbicos de madeira, ao invés de diversos outros produtos e, de uma produção anual. Melastomataceae, Elaeocarpaceae e Nyctaginaceae apresentaram baixa densidade e apenas uma espécie foi encontrada para cada família (Mouriri duckeana, Sloanea sp. e Neaea sp. respectivamente) porém nenhum uso foi encontrado para essa espécie na literatura consultada. Neste levantamento outras famílias também apresentaram

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Pere

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apenas uma espécie (Calophyllaceae, Clusiaceae, Dilleniaceae, Goupiaceae, Linaceae, Salicaceae e Ulmaceae). No entanto, essas famílias apresentaram baixa densidade não sendo classificadas como famílias importantes para o aproveitamento. Das 99 espécies reconhecidas na literatura como úteis, Protium heptaphyllum foi o que apresentou mais variedade de usos (9 tipos), seguido de Inga laurina (8), Euterpe precatoria, Symphonia globulifera, Copaifera langsdorffii, Dipteryx odorata, Inga paraensis, Goupia glabra, Eschweilera coriacea (7 cada) e Jacaranda copaia, Protium hebetatum, Calophyllum brasiliense, Brosimum lactescens, Minquartia guianensis, Pouteria durlandi (6 cada). Apesar da variedade de usos apresentado por essas espécies, a densidade é relativamente baixa (menos de 10 indivíduos/ha), exceto P. hebetatum que possui a maior densidade na área amostrada (72 indivíduos). Segundo Marín-Corba et al. (2005), as espécies com maior valor de uso são aquelas em que uma mesma parte da planta pode ser utilizada de diferentes formas. Resultados de Prance et al. (1987) e Shanley & Rosa (2006) sugerem que algumas famílias de espécies vegetais de terra-firme apresentam determinados tipos de uso e devem ser tidos como prioridade quanto a conservação. Por exemplo, das dez espécies de Lecythidaceae, encontradas no levantamento, oito pertencem ao grupo de uso das madeiras de alto valor comercial o que corresponde

a 40% do total de indivíduos que possuem valor madeireiro e das dez espécies de Myristicaceae levantadas, seis espécies possuem valor medicinal. Outras famílias que demonstram aplicabilidade em várias categorias de uso são Arecaceae, Burseraceae, Lauraceae, Moraceae e Sapotaceae. No entanto, Lecythidaceae apresenta poucos indivíduos (6,8%) e baixo volume de madeira (4,40 m³). Fabaceae se destaca das demais famílias por apresentar elevado número de indivíduos (11% do total amostrado), elevado número de espécies (19 espécies) e grande valor econômico, por serem espécies madeireiras de alta qualidade, medicinais e de frutos comestíveis.

Madeireira

O potencial madeireiro, segundo a literatura consultada, das espécies que são reconhecidas como úteis é consideravelmente alto, pois 82% das espécies amostradas foram reconhecidas para este fim. Dentro da categoria “madeireira” foram criadas duas subcategorias: construção e combustível (espécies cuja madeira é geralmente utilizada como lenha). Foram citadas 94% das espécies para a subcategoria construção, demonstrando que elevado número de espécies podem ser utilizadas na construção de casas como: vigas, tábuas para assoalho, tábuas para parede e etc. Destaca-se a importância de certas plantas que ao mesmo tempo fornecem RFNM e também possuem

Potencial de uso dos recursos florestais não madeireiros no Baixo Rio Negro

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grande valor como madeiras de lei. No grupo de espécies que podem ser utilizadas para construção destacaram-se, em termos de abundância, Protium hebetatum (Burseraceae), Micropholis williamii (Sapotaceae), Zygia racemosa (Fabaceae), Virola calophylla (Myristicaceae), Scleronema micranthum (Malvaceae). Algumas espécies encontradas neste estudo, apesar de sua baixa densidade se enquadram como madeiras de alto valor comercial como Eschweilera coriacea, Lecythis zabucajo e Miquartia guianensis. Segundo Miliken et al. (1992) caracterizam-se por serem bastante resistentes a cupins e amplamente utilizadas na construção de casas. Para Fachim & Guarim (1995) a retirada de espécies usadas como madeira, que ocorrem em baixas densidades ou que sejam exclusivas de algum tipo de solo ou formação vegetal, sem que tenham a possibilidade de completarem o seu ciclo reprodutivo, leva ao desaparecimento dessas espécies. Portanto, esses indivíduos devem ser preservados da exploração, para servirem como árvores matrizes, mantendo assim a diversidade, riqueza e perpetuação das espécies na área. Na categoria madeireira apenas 5 espécies foram exclusivas da subcategoria combustível, sendo três de Inga, que mesmo quando somadas, apresentam baixa densidade. As espécies utilizadas como combustíveis constituiram 48% do total das madeireiras. Virola calophylla, Inga pezizifera, Inga paraensis , Bocageopsis

multiflora e Iryanthera ulei foram as mais representativas por terem elevado número de indivíduos.

Alimentar

Nesta categoria foram consideradas árvores com frutos, sementes ou flores. Duas subcategorias foram consideradas: as consumidas por humanos e as consumidas por animais. Esta categoria totalizou 55% das espécies úteis. As espécies que podem ser consumidas por humanos totalizaram 60% desta categoria e, as que se destacaram com maior densidade foram Virola calophylla, Inga pezizifera, Eschweilera wachenheimii, Pouteria hispida, Inga paraensis, Euterpe precatoria e Oenocarpos bacaba. Eschweilera coriacea, Couepia guianensis. e Trymatococcus amazonicus também são consumidas por animais. A subcategoria de espécies consumidas por animais constituiram 96% das alimentícias. Esta elevada demonstra a importância das árvores produtoras de frutos para a fauna local. Shanley & Rosa (2006) afirmaram que estas espécies são consideradas importantes por produzirem frutos que são atrativos para animais facilitando a caça. Para os autores, várias espécies de Protium, Inga, Eschweilera e Dipterix são fontes de alimento para animais selvagens. Euterpe precatoria e O. bacaba, na região norte, tem seus frutos utilizados pela população. Esses

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frutos são despolpados e a partir deles produzido suco (popularmente chamados de vinho). Nessas espécies o meristema apical, chamado de palmito, também é utilizado para alimentação (Alarcón, 2005) Assim como o açaí (E. precatoria) outros frutos como bacaba (O. bacaba), ingá (Inga sp.) e abiu (Pouteria sp.) além de serem consumidos in natura podem também ser utilizados como fonte de renda através da transformação em doces. (Shanley & Rosa, 2006) Theobroma sylvestris também pode ser utilizada como alimentar. A polpa pode ser consumida in natura e as sementes para fazer chocolate (Alarcón, 2005).

Medicinal

A categoria medicinal inclui as espécies que possuem propriedades curativas ou que previnem enfermidades. Cinquenta por cento (50%) das espécies amostradas podem ser usadas para fins medicinais, destacando-se Virola calophylla, com elevado número de indivíduos. Possui efeitos alucinógenos e sua seiva também pode ser diluída em água e administrada via oral para o tratamento de aftas ou usado para gargarejo contra amigdalite (Van Andel, 2000). A resina das espécies de Virola pode ser empregada no tratamento de “boqueira” (Balée, 1994; Shanley & Rosa, 2006), também pode ser utilizada para aliviar dor de dente, anti-séptico

para feridas e também ingeridas para vômito e diarréia (Prance et al., 1987; Plotkin et al., 1991; Miliken et al., 1992; Alarcón, 2005; Shanley & Rosa, 2006). Eschweilera wachenheimii, E. coriacea podem ser usadas para combater dor no estômago e diarréia através de um preparado da casca moída (Balée, 1994; Shanley & Rosa, 2006). Juntamente com Pouteria hispida possui atividade antibacteriana (Rovira et al., 1999). Outra espécie importante é Micropholis guianensis, que a infusão das folhas (oral e banho) utilizad contra febre (Rodrigues et al., 2006). Várias espécies de Copaifera são regularmente usadas na medicina popular, sendo resina, e o óleo usados in natura e a casca na forma de chá. Além disso de partes da planta são produzidos antissépticos, cicatrizantes, expectorantes, diuréticos, laxativos, estimulantes e tônicos (Schwenk & DaSilva, 2000; Shanley & Rosa, 2006).

Artesanato

Esta categoria inclui espécies utilizadas como fibras para cestas, madeiras artísticas, sementes e recipientes. Dentre as espécies amostradas 18% podem ser usadas para este fim, sendo as mais expressivas Euterpe precatoria, Oenocarpos bacaba , Brosimun rubescens e Doliocarpus dentatus. Estas espécies possuem baixa densidade, dessa forma, apesar de bastante citadas na literatura não possuem potencial para serem exploradas na área estudada.

Potencial de uso dos recursos florestais não madeireiros no Baixo Rio Negro

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No caso do açaí (E. precatoria) e da bacaba (O. bacaba) as sementes são matéria-prima para a confecção de biojóias tais como colares, pulseiras, brincos e etc. e suas palhas utilizadas para a confecção de cestas e abanos.

Ornamental

Foram incluídas nesta categoria 8% das espécies que demonstraram potencial para ornamentação e decoração de ambientes. Com exceção de Eschweilera coriacea com 10 indivíduos, Euterpe precatoria, Jacaranda copaia, Calophyllum brasiliense, Copaifera langsdorffii, Goupia glabra, Brosimum parinarioides e Rhabdodendron amazonicum foram encontradas com poucos indivíduos. Essa baixa densidade demonstra que essas espécies apesar de citadas na literatura não possuem, na área estudada, potencial para serem exploradas.

Tecnológico

Nesta categoria foram incluídas espécies utilizadas na confecção de ferramentas, equipamentos de caça, móveis e utensílios domésticos. Do total de espécies reconhecidas na literatura como úteis, 46% foram citadas para usos tecnológicos. Eschweilera coriacea foi a espécie mais importante quanto ao número de citações. Devido sua alta durabilidade essa espécie, conhecida como matamatá, segundo Alarcón (2005), é utilizada pra extrair

ripas, muito usadas para confeccionar instrumentos de pesca chamados de cacuri e rapiches, além de, cabeceira de lanternas, cabos de ferramentas (machado, enxada e boca de lobo) e ainda fornecem embira de boa qualidade que pode ser usada para amarrar diversas coisas, fazer peconhas e alças de paneiros. Outra espécie que possui potencial de exploração é Bocageopsis multiflora, utilizada para confecção de cabos de ferramentas, caniços e como embira para amarrar paneiro e outras coisas (Alarcón, 2005). Protium hebetatum, Zygia racemosa, Virola calophylla, Scleronema micranthum foram apontadas como potencialmente aproveitáveis devido ao grande número de indivíduos.

Outros

Nesta categoria foram incluídas as espécies que podem ser utilizadas como repelente, tinturaria, extração de óleo, aromáticas e apícolas. Essas espécies totalizaram 23% das que possuem usos. As espécies tidas como apícolas e repelentes foram as que menos se destacaram pelo número de citações. Protium foi o único gênero representando as espécies que podem ser utilizadas como repelente. Seu exsudato (chamado breu) com aroma forte e característico pode ser queimado. Várias espécies de Protium fazem parte deste inventário e sua densidade é a maior entre as que mais se destacaram. As espécies produtoras de corantes e oleaginosas também

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apresentaram poucos indivíduos. Dentre elas destaca-se Euterpe precatoria que, segundo Alarcón (2005), de seus frutos pode ser extraído o óleo e ser utilizado para cozinhar.

Considerações finais

As florestas de terra-firme podem ser fonte de renda para as comunidades tradicionais desde que manejadas para usos múltiplos, tanto para produtos madeireiros quanto não madeireiros. A maioria (63%) das espécies encontradas apresentou potencial de uso, porém muitas delas apresentaram baixa densidade e não são espécies com potencial de extração. O estudo revela que a vegetação existente em RDS apresenta elevado e variado potencial de uso. Isto demonstra e reforça a importãncia dos recursos naturais florestais para comunidades rurais. O uso de espécies medicinais é importante e o conhecimento e utilização das espécies frutíferas aumenta a oferta de alimentos ao longo do ano, proporcionando diversificação e melhoria na qualidade da dieta dessas populações. Todavia, as populações tradicionais não têm aproveitado esse recurso, provavelmente pela falta de conhecimento. Dessa forma, os resultados deste trabalho chamaram a atenção para diversas espécies que poderiam ser exploradas ao mesmo tempo que destaca a necessidade

de conservação desses recursos a necessidade da continuidade de estudos que abordam aspectos conservacionista e econômico.

Agradecimentos

À FAPEAM pelo apoio ao projeto PIPT/FAPEAM e à bolsa concedida aos dois primeiros autores.

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Brito et al.

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1 Cecília O. de CARVALHOe-mail: [email protected]

2 Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

3 Ézio SARGENTINI JúNIORe-mail: [email protected]

4 Ormezinda C. C. FERNANDESe-mail: [email protected]

3 Marcos A. BOLSONe-mail: [email protected]

1 Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia e Recursos Naturais - MBT, Universidade do Estado do Amazonas.

2Departamento de Biologia, Instituto de Ciências Biológicas – ICB, Universidade Federal do Amazonas - UFAM.

3 Laboratório de Química Analítica, Departamento de Pesquisa de Produtos Naturais - CPPN, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA.

4 Laboratórios de Micologia e Bacteriologia.Instituto Leônidas e Maria Deane – Fiocruz da Amazônia,

Características físicas, químicas e rendimento do óleo de buriti (Maurita flexuosa L..f. – Arecaceae)

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 7

Resumo: O buriti (Mauritia flexuosa L.f.) é uma palmeira cujo fruto é rico em vitamina A, B, C, cálcio, ferro, proteínas e seu óleo tem quantidades significativas

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

124

Introdução

A valorização econômica de óleos vegetais extraídos de frutos passa pelo melhoramento tecnológico de uma cadeia produtiva que abrange: o cultivo, a extração dos óleos e a caracterização das suas propriedades que interessam as indústrias que trabalham com estes produtos (Remédios et al., 2006). Os maiores produtores de óleo de palmeiras em geral são: a Malásia e a Indonésia, sendo o primeiro responsável por quase 54% da produção mundial. Conforme Nunes (2005), o maior produtor na América Latina é a Colômbia, seguida

por Equador e pelo Brasil. A produção brasileira representa apenas 1% da produção da Malásia, apesar de haver no Brasil uma grande área geográfica com condições climáticas favoráveis ao cultivo destas espécies. Uma alternativa promissora para o aumento da produção de óleo vegetal no Brasil esta no buritizeiro (Mauritia flexuosa L.f.), uma palmeira oleaginosa nativa, que ocorre também em Trinidad e Tobago e Venezuela. No Brasil está distribuída em grande parte da região Amazônica (Durães

Carvalho et al.

de carotenóides e tocoferóis. É bastante promissor para as indústrias de cosméticos e alimentos, no entanto, a produção do óleo é baixa ou insuficiente para atender a demanda do mercado. Sabe-se que para a valorização econômica de alguns óleos vegetais extraídos de frutos faz-se necessário o melhoramento tecnológico de uma cadeia produtiva que abrange: o cultivo, a extração e a caracterização das propriedades que interessam as indústrias que trabalham com estes produtos. Sendo assim, desenvolver um método de extração do óleo da polpa dos frutos de buriti, que apresente bom rendimento e mantenha suas propriedades físicas e químicas dentro dos padrões exigidos pela legislação foram os objetivos deste trabalho. Foram testados três métodos: extração artesanal, prensagem hidráulica e por solvente, utilizando-se para o preparo da polpa de buriti diferentes temperaturas de armazenamento de 2 à 8°C e -20°C e de secagem de 40°C. Dos três métodos de extração, o por solvente foi o que apresentou maior rendimento (23,55 %), seguido pela extração por prensagem hidráulica (21,50%) e método artesanal (4,01%).Todos os métodos mantiveram as propriedades do óleo dentro dos padrões exigidos pela legislação. A prensagem hidráulica provou ser uma excelente alternativa para extração do óleo por ser um procedimento que não utiliza energia elétrica, água e solventes, tornando-se desta forma, o melhor processo a ser implementado em comunidades ribeirinhas, gerando renda e desenvolvimento local.

Palavras-chave: buriti, extração de óleos vegetais, propriedades físico-químicas

125

et al., 2006). Com base em consulta ao acervo do herbário do Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA), foi possível verificar que o buriti floresce de dezembro a abril e a frutificação ocorre de dezembro a julho. O fruto do buriti é rico em vitamina A, B, C, E, proteínas e mine-rais como cálcio e ferro (Silva, 2002). Da polpa do fruto obtêm-se matéria--prima para preparação de sorvetes, sucos concentrados e doces. O óleo extraído da polpa do fruto é rico em carotenóides (precursor da vitamina A) e tocoferóis que protegem a pele dos efeitos nocivos da radiação ultravioleta , potencializando assim o fator de pro-teção solar (FPS) em protetores solares. A polpa ainda contém ácidos graxos que podem auxiliar na regeneração dos lipídeos da camada córnea, reestru-turando a camada lipídica protetora, deixando a pele mais hidratada e com aspecto saudável (Silva, 2002). As propriedades físicas e químicas dos frutos de buriti vêm despertando grande interesse nas indústrias de cosméticos e alimentícios para fabricação de produtos tendo-os como matéria-prima (França et al., 1999). A torta resultante da extração de óleo tem elevado valor comercial, podendo ser destinado à alimentação animal ou como adubo orgânico em culturas perenes (Câmara & Martins, 2001). Um dos desafios enfrentados pelas empresas, no entanto, está na qualidade da matéria-prima fornecida, porque a maioria dos processos de extração do óleo ou da polpa seca de

buriti interfere na qualidade dos mesmos, fazendo-se necessário que estes passem por um processo de tratamento e purificação, gerando gastos e ocasionando perdas de matéria-prima. Segundo Barbosa et al. (2009), uma produção de 57,5 ± 17 Kg/ha-1 é considerada baixa em relação a outras oleaginosas cultivadas no Brasil. Os autores comentam que a produção de frutos de buriti na savana é inferior ao valor de 15‐25 t/ha‐1 apresentado por Furlan Jr. et al. (2006). Desta forma, desenvolver uma metodologia de baixo custo que envolva desde a coleta até o processamento final do óleo de buriti, tendo a preocupação em manter suas propriedades físicas e químicas, dentro do aceitável pela legislação brasileira vigente na melhorar o rendimento, foi o objetivo deste trabalho. Para isso, foi comparado três métodos de extração do óleo de buriti (artesanal, prensagem hidráulica e por solvente) analisando seu rendimento, e armazenando o óleo em diferentes temperaturas (2 à 8ºC e -20ºC), associando a estabilidade de suas propriedades físicas e quimicas.

Materiais e Métodos

Coleta e processo de higienização do material botânico

Os frutos de buriti foram coletados na Comunidade Julião (03° 01’53” S e 60° 20’54”W), localizada na Reserva de Desenvolvimento do Tupé municípios de Manaus, Amazonas. A

Características físicas, químicas e rendimento do óleo de buriti (Mauritia flexuosa L.f.-Arecaceae)

126

colheita ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2010 (Fig. 1). Em cada coleta foi retirado um cacho com maturação parcial, cuja pesagem foi realizada em campo, os mesmos foram transportados até o Laboratório de Química Analítica - CPPN – INPA para a execução da parte experimental do trabalho. O material testemunho encontra-se depositado na coleção de referência do Biotupé, no laboratório de Botânica/UFAM (Fig. 2)

Figura 1: Etapas da coleta do buriti na Comunidade Julião, localizada na RDS do Tupé. 1- A caminho da reserva do Tupé; 2- Escolha da palmeira e retirada do cacho de buriti; 3-Transferência do cacho para o bote; 4- Transporte do cacho para o local de pesagem e embalagem. Fotos: Carvalho, 2010.

 

A higienização dos frutos usados na separação da polpa e extração do óleo foi modificada com base em estudos realizados por Yuyama et. al. (2008). Após a completa maturação dos frutos, os mesmos foram selecionados, pesados e submetidos a um processo de higienização com água e detergente. Em seguida foram colocados em uma solução de água e hipoclorito de sódio a uma concentração de 400 ppm/l por 30 minutos. Em seguida foram lavados e

Carvalho et al.

127

Figura 2: Exsicata de Mauritia flexuosa L.f., proveniente da coleta feita na RDS Tupé, depositada no Laboratório de Botânica/UFAM. a) folha jovem tipo costapalmada; b) flores masculinas; c) inflorescência em plantas masculinas; d) desenho do fruto inteiro do buriti. FONTE: Carvalho, 2010.

 

colocados em baldes com água destilada por aproximadamente 24 horas até o total amolecimento das cascas.

Preparação da polpa para o processo de extração

Após a higienização dos frutos, a polpa foi separada das cascas e sementes com uma faca de aço inoxidável e todas as frações pesadas. As polpas foram acondicionadas, em sacos de polietileno pretos protegidos da luz e oxigênio atmosférico e hermeticamente

fechadas. No armazenamento destas utilizou-se temperaturas diferentes. Uma parte foi armazenada entre 2 a 8°C, e a outra em freezer comercial a uma temperatura de -20°C. Antes de submetidas aos processos de extração, as polpas foram descongeladas e divididas em três partes iguais. Duas foram colocadas em uma estufa de ventilação a 40ºC, e o tempo de secagem determinado após a obtenção do peso constante.

Métodos de extração

Para a comparação do rendimento dos diferentes métodos de extração foi calculado o rendimento médio da polpa seca, da torta e do óleo obtidos a partir da polpa úmida armazenada nas duas temperaturas. Os resultados foram expressos em gramas e porcentagem, os óleos extraídos foram armazenados a -200C em frasco âmbar, protegido da luz e oxigênio atmosférico, para evitar o processo de oxidação.

Método Artesanal

A metodologia de extração do óleo de buriti pelo método artesanal foi modificada a partir do descrito por Vale (2008). Para esse método foi utilizado 1126 g polpa úmida e 1,0 l de água destilada. Levou-se a uma chapa aquecedora em temperaturas que variaram de 50 a 70oC por aproximadamente 24 horas intercaladas. O material foi centrifugado a 16.500 rpm,

Características físicas, químicas e rendimento do óleo de buriti (Mauritia flexuosa L.f.-Arecaceae)

128

a fim de separar o material sólido (torta) do líquido (água e óleo). Com ajuda de uma pipeta volumétrica separou-se a água do óleo (Fig. 3).

Método Prensagem hidráulica

Carvalho et al.

 

 

 

Figura 3: Processo de extração do óleo da polpa úmida do fruto de buriti pelo método artesanal FONTE: Carvalho, 2010.

Para extração do óleo pelo método de prensagem hidráulica descontínua 572g de polpa desidratada foi colocada em um cilindro de aço inox e levado a prensa sob uma pressão de dez toneladas, por aproximadamente duas horas, conforme procedimento descrito por Sartori (2007) para a extração do óleo de mamona (Figs. 1 a 4).

Figura 4: Etapas do processo de extração do óleo da polpa seca do fruto de buriti por prensagem hidráulica. 1- peças do cilindro de inox; 2- polpa colocada no cilindro; 3- extração do óleo de buriti; 4- óleo de buriti extraído; 5- torta resultante da polpa de buriti prensada. FONTE: Carvalho, 2010

 

   

 

1 2

3 4

 

5

Método por solvente

O processo de extração do óleo com solvente seguiu a metodologia de Silveira et al. (2005) modificada, que utilizou solventes com diferentes polaridades. No presente estudo foi feito a extração utilizando apenas solvente de baixa polaridade (Hexano PA). A polpa desidratada foi levada ao extrator Soxhlet por 12 horas intercaladas. O material extraído, coletado no balão, foi levado ao rotaevaporador para a recuperação do solvente a uma temperatura de 70°C. (Fig. 5). Os procedimentos de extração foram realizados nas polpas armazenadas a 2-80C e as congeladas a -200C. Dessa forma as seis amostras de óleo de buriti foram submetidas a análises físico-químicas no Laboratório da Central Analítica do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA).

129

Foram analisados índice de acidez, índice de refração, índice de peróxido e índice de saponificação, seguindo as metodologias da Official Methods of Analysis - A.O.A.C. (2005) e Normas do Instituto Adolfo Lutz (1985). Todos os testes foram realizados em triplicatas.

Resultados e Discussão

Coleta e separação dos frutos de buriti

Os 14328±1g de frutos de buriti resultaram em 54,40±1,25% de sementes (endocarpo, endosperma e fibras), 23,58±23,25% de polpa e

22,03±21 de casca. Com base nestes dados pode-se perceber que não houve grandes variações entre os frutos e suas frações (polpas, sementes e cascas) entre as coletas. Becker et al. (2006) e Barbosa et al. (2010), encontraram respectivamente 21,57 e 22,07% de cascas, 24 e 24,25% de polpa, 45,33 e 32,65% de sementes (endosperma/en-docarpo) em frutos coletados em buri-tizais no estado de Roraima.

Extração e rendimento dos óleos de buriti

A tabela 1 consolida as informações referentes às médias e os desvio padrões dos valores obtidos da polpa seca, torta e rendimento de cada método de extração. Os métodos escolhidos apresentaram diferenças significativas quanto ao rendimento. A extração com solvente foi a que apresentou maior rendimento, seguido pela extração por prensagem hidráulica e o método artesanal. A metodologia de extração por solvente é um dos processos mais utilizados em razão do rendimento,

Tabela 1: Rendimento obtido da extração do óleo do fruto de buriti (Maurita flexuosa) a partir da polpa, utilizando-se três métodos de extração. Os valores representam à média e o desvio padrão encontrado em cada método.

 

 

Figura 5: Processo de extração do óleo de buriti por solvente hexano utilizando o aparelho extrator Soxhlet. FONTE: Carvalho, 2010

Métodos de extração

Polpa seca (g)

Torta (g) Rendimentodo óleo (g)

Rendimento do óleo (%)

Artesanal 572,05±0,05 526,88±0,88 45,13±0,88 4,01

Prensagem 572,00 329,895±4,09 242,05±4,05 21,50

Solvente 572,00 306,805±9,03 265,20±9,03 23,55

Prensagem 572,00 329,895±4,09 242,05±4,05 21,50

Características físicas, químicas e rendimento do óleo de buriti (Mauritia flexuosa L.f.-Arecaceae)

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apesar de deixar resíduos químicos, utilizar energia elétrica e aquecer o óleo e a torta reduzindo as possibilidades de aproveitamento destes resíduos. Este método de extração gera altos custos em razão dos equipamentos, do solvente e da mão de obra especializada, tornando-se desta forma inviável sua utilização em comunidades ribeirinhas. No método artesanal, o produto obtido apresentou-se opaco, com alta quantidade de água associada ao óleo, sendo necessário realizar a centrifugação para separar esses dois líquidos, além de apresentar baixo rendimento. Apesar das desvantagens, este método é o mais utilizado na região Amazônica pelos moradores de comunidades rurais. A transmissão oral dos costumes, as baixas condições de renda e a falta de projetos junto a estas comunidades visando à implementação de técnicas de extração que sejam de fácil execução, impedem ou inviabilizam uma exploração consciente deste recurso, e, principalmente de um óleo de boa qualidade e que tenha baixos custos, principalmente ambientais. O processo por prensagem mostrou-se como a melhor alternati-va a ser empregada em comunidades rurais, pois apresenta um rendimen-to satisfatório quando comparado ao método por solvente. Além de ser de fácil execução, sendo necessário ape-nas uma prensa e um cilindro extrator. É um processo rápido que preserva a qualidade do óleo e é de baixo custo. Adicionado a estas vantagens, produz uma torta que, de acordo com Câmara

& Martins (2001), possui elevado valor comercial, podendo ser destinada à ali-mentação animal, adubo orgânico em culturas perenes, e possível utilização na alimentação humana. Considerando os valores de densidade populacional e produção de frutos obtidos por Barbosa et al. (2009) é possível aumentar a produção de óleo, usando a prensa, em 15% do valor obtido pelo autor. Por exemplo, de 1000 kg de frutos frescos Barbosa et al. (2009) calcularam um rendimento de 16,7 kg de óleo. Usando a prensa hidráulica é possível um rendimento de 25.34 kg de óleo. Considerando os valores de 15.25 t. ha-1 de frutos (Furlan Jr. et al., 2006) em média para a espécie é possível obter 380,22-633,71 kg de óleo.ha-1. Comparando os dados populacionais de Mauritia flexuosa. no Acre analisados por Machado, (2009), tem-se uma população de 97,7 onde, aplicando os valores de 62,2 kg/fruto ind-1 em 6.079 Kg.ha-1 obtêm-se um valor de 154,04 Kg de óleo.ha-1, quase três vezes mais o valor encontrado por Barbosa et al. (2009) no lavrado de Roraima.

Caracterização física e química dos óleos de buriti

O óleo obtido da polpa armazenada a -20°C apresentou todos os parâmetros físicos e químicos dentro dos limites estabelecidos pelas legislações vigentes, independente do método de extração (Tab. 2).

Carvalho et al.

131

Tabela 2: Análises físico-químicas do óleo da polpa do fruto de buriti obtido a partir de três métodos de extração (artesanal, prensagem hidráulica e por solvente), utilizando duas temperaturas de armazenamento (-20 °C e 2 a 8°C). I. Ac.= Índice de acidez, I. Ac. Oléico = Índice de Ácido Oléico, I. R.= Índice de Refração, I. S.= Índice de Saponificação e I. P.= Índice de Peróxido. n.a = índices não analisados*Valores de referência RDC nº 270 e Normas do Codex Alimentarius – FAO/OMS.

De acordo com ANVISA (2005) os parâmetros estipulados pela Resolução RDC nº 270, o índice de acidez (I.AC.) e o índice de peróxido (I.P.) destes óleos não devem ultrapassar o limite máximo de 4,0 mgNaOH/g e15 meq/kg, respectivamente. A resolução ressalta ainda, que a identidade de óleos vegetais, incluindo azeites de oliva, e de gorduras vegetais deve atender também aos requisitos de composição determinados em Normas do Codex Alimentarius - FAO/OMS, que estabelece parâmetros de I.Ac. de 4,0 mgNaOH/g e I.P. de até 10 meq/kg, para óleos prensados a frio e não refinados. O mesmo não pode ser observado, quando a temperatura de armazenamento foi de 2-8°C, para os

índices de acidez e ácido oléico. Estes valores apresentaram-se bem acima do que determina a legislação e em consonância aos encontrados por Albuquerque & Regiane (2006) cujo índice de acidez foi de 7,47 mgKOH/g e de Faria et al. (2009) 7,63% para o índice de ácido oleico. De acordo com relatos de Albuquerque & Regiane (2006), o alto índice de acidez pode ser decorrente da degradação da polpa do buriti, um reflexo do tempo decorrido entre a coleta e o processamento dos frutos. Como o óleo de buriti é rico em carotenóides provavelmente as alterações de temperatura de armazenamento levaram à rancificação e alteração destes pigmentos (Nogueira, 1992).

Armazenamento Métodos I. Ac.(mg NaOH/g)

I. Ác. Oléico

(%)

I. R.

(20°C)

I. R

(mg KOH/g)

I.P.

Meq./Kg

- 20°C

Artesanal 1,29 0,65 1,467 173,9 ausente

Prensagem Hidráulica 1,57 0,79 1,467 128,6 ausente

Solvente 1,41 0,71 1,467 140,8 ausente

2-8°C

Artesanal 5,82 2,92 n.a n.a n.a

Prensagem Hidráulica 10,21 5,13 n.a n.a n.a

Solvente 17,36 8,73 n.a n.a n.a

Referências* 4,0 máx. 2,0 1,465-1467 máx. 250 máx. 15

2-8°C

Artesanal 5,82 2,92 n.a n.a n.a

Prensagem Hidráulica 10,21 5,13 n.a n.a n.a

Solvente 17,36 8,73 n.a n.a n.a

Características físicas, químicas e rendimento do óleo de buriti (Mauritia flexuosa L.f.-Arecaceae)

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As temperaturas de congelamento e refrigeração contribuem para a redução das atividades microbianas e das alterações químicas e enzimáticas de hortaliças e frutas. (Aquino et al., 2009), Dessa forma, a seleção das condições de operação (armazenamento, tipo de secagem e tempo) que minimizam essas alterações é importante para obtenção de produtos de qualidade. Assim, as propriedades físicas e químicas de óleos vegetais têm uma relação importante com o tempo decorrido entre a coleta e o processamento dos frutos, bem como com a temperatura de armazenamento. Quando as condições de armazenagem não são adequadas pode ocorrer o aumento na temperatura, aumentando a acidez do óleo, escurecimento, alterações no sabor e odor e alterações estruturais (Albuquerque & Regiane, 2006; Moretto & Fett, 1998). Quando a temperatura de armazenamento da polpa do presente estudo foi alterada, pôde-se perceber que ocorreram alterações significativas nas propriedades físicas e químicas dos óleos extraídos da polpa dos frutos de buriti (vide Tab. 2).

Conclusões

Dos três métodos de extração de óleo testados, o por solvente foi o que apresentou maior rendimento (23,55 %), seguido pela extração por prensagem hidráulica (21,50%) e método artesanal (4,01%) de óleo

extraído. Independente do método de extração, o óleo obtido manteve as propriedades físicas e químicas dentro dos padrões estabelecidos pela legislação vigente, somente quando a temperatura de armazenamento foi de -20°C. A extração de óleo por meio da prensagem hidráulica mostrou-se uma ótima alternativa por ser um procedimento que não utiliza energia elétrica, água, solventes, não gera aquecimento no óleo e na torta, apresenta baixo custo, sendo de fácil execução. Desta forma, a prensagem hidráulica torna-se o melhor processo a ser implementado em comunidades ribeirinhas do Amazonas, ampliando a quantidade de óleo a ser obtido na extração e com potencial para gerar renda e melhoria da qualidade de vida.

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Carvalho et al.

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1 Sammy Aquino PEREIRAe-mail: [email protected]

2 2 Sidney Alberto do Nascimento FERREIRAe-mail: [email protected]

1 1Instituto de Ciênciass de Florestas Tropicais – CFT2Coordenação de Biodiversidade – CBIO

Fenologia de visgueiro-do-igapó (Parkia discolor Spruce ex Benth. – Mimosoideae, Leguminosae) em floresta inundável na Amazônia Central

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 8

Resumo: Em florestas de igapó é importante o conhecimento sobre os processos que influenciam a adaptação e o desenvolvimento de espécies arbóreas e sua ecologia para a elaboração de programas que melhor utilizem essas áreas. Dessa forma, este estudo descreveu a fenologia do visgueiro-do-igapó (Parkia discolor Spruce ex Benth.) e correlacionou-a ao pulso de inundação e variáveis climáticas: precipitação pluviométrica, insolação, temperatura, umidade relativa e velocidade do vento. O mesmo foi realizado em área de igapó, no Lago Tupé, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Manaus/AM, Brasil. Na área foram selecionadas 19 plantas, que foram numeradas e caracterizadas. Foram realizadas visitas mensais, durante 12 meses, e observadas as fenofases de floração, frutificação e mudança foliar, as quais receberam notas de acordo com a intensidade do evento. Foi avaliada também a sincronia, por meio da presença ou ausência da fenofase, independentemente de sua intensidade. Os dados coletados foram analisados a partir do percentual de intensidade de Fournier, do índice de atividade, ou sincronia, e do cálculo da correlação de Spearman (rs). Os

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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resultados sugerem que o curto período de observação (12 meses) não permitiu indicar um padrão para as fenofases reprodutivas e vegetativas da espécie, mas fornece informações sobre o comportamento da mesma no período estudado. As fenofases da floração apresentaram correlações significativas com a umidade relativa; “frutos desenvolvidos” mostrou correlação significativa com todas as variáveis climáticas; “folhas novas” e “folhas maduras” apresentaram correlações significativas com o pulso de inundação. A espécie pode ser caracterizada como semidecídua. As fenofases reprodutivas ocorrem durante o período de cheia, favorecendo a dispersão por hidrocoria.

Palavras-chave: floração,frutificação, mudança foliar, pulso de inundação

Introdução

A Amazônia ocupa uma área de aproximadamente 5 milhões de km2 do território nacional, equivalente a 64% da Amazônia sul-americana e 40% das florestas tropicais remanescentes, sendo constituída, em sua maior parte, por áreas de terra-firme (Prance, 1980; Salati & Vose, 1984). As áreas alagáveis, associadas aos grandes rios da Amazônia, ocupam um total de 300.000 km2, dos quais 200.000 km2 são de várzea e 100.000 km2 de igapó, representando o maior sistema hidrológico do planeta (Junk, 1993). Prance (1980) definiu sete tipos principais de formações vegetais inundadas na Amazônia, entre elas as mais representativas são as florestas periodicamente inundadas por rios de água branca definidas como florestas de várzeas, e aquelas periodicamente inundadas por rios de águas preta ou clara, denominadas florestas de igapó.

A floresta de igapó tem solo arenoso que sustenta uma vegetação

muito mais pobre do que a de mata de várzea e, muitas vezes, é entremeada por praia arenosa, apresentando menor diversidade de espécies, com vegetação de árvores baixas e tortuosas, sendo algumas espécies endêmicas a este habitat (Prance, 1980).

Do ponto de vista do uso, as florestas inundadas naturalmente são usadas para vários propósitos, tais como, pesca, caça, extração de produtos madeireiros e não madeireiros como, fibras, resinas, gomas, frutos e sementes. Dentre esses usos, uma espécie que se destaca é Parkia discolor Spruce ex Benth (Leguminosae), conhecida como faveira ou visgueiro-do-igapó, que apresenta em seus frutos uma goma, com propriedades semelhantes às da goma arábica, além de outros benefícios ecológicos e econômicos (carpintaria e marcenaria), sendo também utilizada na medicina popular (Hopkins, 1986; Souza & Silva, 2003).

Pereira & Ferreira

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Ainda que já tenham sido realizados alguns trabalhos sobre áreas de florestas de igapó, muito pouco se conhece sobre os mecanismos funcionais e adaptativos das espécies a ambientes alagáveis, considerando que os níveis de água, em termos de número de dias de inundação, são fatores de importância no funcionamento fisiológico e distribuição das espécies ao longo do gradiente, e que estas áreas são importantes meios para uso e preservação de recursos naturais (Revilla, 1981; Ferreira, 1991; Maia,1997; Maia et al., 1998; Oliveira, 1998).

A fenologia é o estudo das causas e manifestações fisionômicas dos fenômenos de mudança foliar, floração e frutificação nas plantas, reunindo informações sobre o estabelecimento de espécies, o período de crescimento, reprodução e disponibilidade de recursos alimentares que podem estar associados às mudanças na qualidade e abundância de recursos (Fournier, 1976; Morellato et al., 1990; Morellato & Leitão Filho, 1990). Vale salientar que não é possível determinar com exatidão qual o período da fenologia das espécies de áreas tropicais e subtropicais, pois cada espécie apresenta uma dinâmica diferente e, em cada uma, ocorrem diferentes adaptações no ambiente em que se encontram (Moraes, 2002).

Alguns autores sugerem que os eventos reprodutivos e vegetativos estão sincronizados com a sazonalidade do clima, associados principalmente à distribuição de chuva

disponível ao longo do ano (Reich & Borchert, 1984; Ferreira, 1991), e que a passagem relativamente brusca de um período seco para um período úmido é um fator importante no controle da intensidade das fenofases de muitas espécies (Alencar, 1979).

As variáveis meteorológicas (precipitação, insolação, evaporação, umidade relativa e temperatura) estão sujeitas a oscilações durante o ano, ou num período, e têm uma ligação estreita com a floresta (Janzen, 1967; Alencar, 1994; Du et al., 2009). A esse respeito, Alencar et al. (1979) mostraram a tendência de ser observado maior número de espécies iniciando a floração e frutificação, quando ocorreram menores valores de precipitação e umidade relativa e maiores valores de insolação.

Desta forma, as informações fenológicas são valiosas do ponto de vista botânico e ecológico, sendo necessárias para apoiarem outros estudos, como os de fisiologia de sementes e até os de revisão taxonômica, possibilitando melhor compreensão da biologia das espécies, indispensável para plantios ou para condução de manejo florestal, definindo metas e ações orientadoras dessas operações (Fournier, 1974; Alencar, 1994).

O objetivo deste trabalho foi avaliar o ritmo, época e duração das fenofases reprodutivas e vegetativas de visgueiro-do-igapó (Parkia discolor Spruce ex Benth.) em ambiente natural, floresta

Fenologia de visgueiro-do-igapó (Parkia discolar Spruce ex Benth. – Mimosoideae, Leguminosae) em floresta inundável na Amazônia Central

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de igapó, e correlacioná-las com o pulso de inundação e variáveis climáticas.

Material e Métodos

Área do estudo

O estudo foi realizado em área localizada na margem esquerda do rio Negro, a oeste de Manaus em floresta inundável na Amazônia Central (AM), situada no Lago Tupé, o qual faz parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RSD Tupé): área de 11.973 ha, localizada na latitude 03º02’51”S e longitude 60º15’21”W .

A morfologia do Lago Tupé é bem definida, sendo que o pulso de inundação é diretamente responsável pelo lago ser receptor de águas e material clástico; na foz do lago há bancos de areia com altitude máxima em torno da cota 30 m a.n.m., bloqueando a bacia do lago, o que provavelmente pressionou a formação de um canal escavado até a cota 19 m a.n.m. na parte lateral do bloqueio, predominando as condições hidroquímicas das águas dos igarapés e da precipitação pluviométrica (Aprile & Darwich, 2005).

A vegetação da área está classificada em dois tipos, sendo Floresta Densa Tropical de terra-firme e áreas de acumulação inundáveis de igapó. A floresta de terra-firme recobre 153.688 km2 e compreende seis subregiões, cada uma posicionada em gradientes litológicos e morfológicos

característicos. As áreas de igapó ocorrem em áreas aluviais com sedimentos do Quaternário, onde a inundação periódica condiciona e seleciona as diferentes formações.

As florestas inundadas apresentam características estruturais e florísticas distintas das matas de terra-firme, resultantes de diferenças geomorfológicas e hidrológicas, como flutuação do nível dos rios, duração do período de inundação, variação do relevo, entre outras (Scudeller et al., 2005).

A RDS Tupé situa-se em áreas das Formações Solimões e Barreiras, com relevo tabuliforme, ondulado e dissecado em cristas e colinas. Os solos predominantes são do tipo podzólico vermelho amarelo, laterita hidromórfica e latossolo amarelo (Scudeller et al., 2005).

O clima de Manaus é classificado como do tipo “Afi”, caracterizado como clima tropical úmido, onde não há propriamente verão nem inverno, já que as oscilações anuais da temperatura média não chegam a 5°C (Ribeiro, 1976).

Seleção de matrizes e acompanhamento fenológico

Foram selecionadas 19 árvores de Parkia discolor como matrizes, com base na média sugerida por Fournier & Charpantier (1975), sendo nove localizadas em diferentes pontos do braço esquerdo e 10 localizadas no braço direito do Lago Tupé, levando-

Pereira & Ferreira

139

se em consideração a abundância e boa visibilidade da copa. Quase todas as matrizes não possuíam fuste reto e apresentavam copa irregular, muito disso devido à competição com outras árvores por luz. Todas as matrizes foram consideradas adultas, uma vez que todos os indivíduos frutificaram durante o período de

estudo. As plantas selecionadas foram identificadas com placas de alumínio, numeradas de 01 a 19 e georeferenciadas (Fig. 1).

Por ocasião das observações, efetuaram-se no período da seca, para cada indivíduo, as seguintes medidas: altura da planta (m) e altura do fuste (m), obtidas com a utilização de uma

Figura 1. Posição geográfica das matrizes de Parkia discolor no lago Tupé, em Manaus (AM).

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escala extensível; diâmetro da copa (m), representado pela média entre o maior e o menor diâmetro, medido com trena; e diâmetro do tronco à altura do peito (DAP), utilizando-se uma fita métrica e diâmetro do colo (cm), utilizando-se fita métrica (Tab. 1).

Cada matriz foi considerada uma unidade amostral, perfazendo 19 unidades. A confirmação da espécie foi feita por meio da comparação de material botânico coletado na área de estudo com material depositado e, ou, registrado no herbário do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

O registro das fenofases reprodutivas e vegetativas foi realizado mensalmente no período entre setembro de 2005 a agosto de 2006, por meio de caminhadas ou com auxílio de canoa, levando em consideração a presença ou ausência das mesmas, seguindo critérios pré-estabelecidos:a) floração (1 – botões florais, 2 - inflorescências em antese e 3 - inflorescências secando); b) frutificação (4 – frutos/vagens em desenvolvimento (verdes), 5 - frutos/ vagens desenvolvidos (vermelhos) e 6- frutos/vagens maduros (marrom escuro); c) mudança foliar (7 – árvore com folhas novas, 8 – árvore com folhas maduras; e 9 – árvore com desfolha).

Na avaliação fenológica foi registrada a intensidade de cada evento, numa escala de zero a quatro, conforme Fournier (1974): 0 = ausência da fenofase; 1 = presença da fenofase

com magnitude entre 1% e 25%; 2 = presença da fenofase com magnitude entre 26% e 50%; 3 = presença da fenofase com magnitude entre 51% e 75%; 4 = presença da fenofase com magnitude entre 76% e 100%.

Foi também considerado a sincronia, ou índice de atividade, que mostra a porcentagem de indivíduos amostrados que apresentam determinado evento fenológico, indicando a presença ou ausência da fenofase, independentemente de sua intensidade (Bencke & Morellato, 2002).

As variáveis ambientais consideradas durante o período de estudo foram: cotas do rio Negro (m), precipitação pluviométrica mensal (mm), insolação (hs), temperatura (°C), umidade relativa (%) e velocidade do vento (mps). Os dados de cotas foram obtidos no Porto de Manaus, pois, segundo Schimidt (1973), as flutuações do rio Negro próximo a Manaus podem ser extrapoladas a até uma distância de 100 km. Os demais dados foram obtidos no Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), em Manaus (AM).

Análise dos Dados

Os dados coletados foram analisados por diferentes métodos: a) percentual de intensidade de Fournier - calculado por meio da expressão “% de Fournier = ∑ Fenofase x 100 / 4 x N” onde, ∑ Fenofase é a somatória das categorias de Fournier dos indivíduos, dividido pelo máximo que pode ser alcançado

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por todos os indivíduos (N) na amostra (Fournier, 1974); b) índice de atividade - baseado na proporção de indivíduos amostrados que estão manifestando determinado evento fenológico, sendo indicado para presença (1) ou ausência (0) da fenofase no indivíduo (< 20% assincrônico; 20- 60% pouco sincrônico; > 60% sincronia alta) (Morellato et al., 1990; Bencke & Morellato, 2002); e c) cálculo da correlação de Spearman (rs) – utilizado para correlacionar os fatores climáticos do período de estudo às diferentes fenofases observadas.

Resultados e Discussão

Floração

A floração tornou-se evidente, em novembro/2005, a partir do inicio do período de enchente (Fig. 2A). Os picos de intensidade e de atividade dos botões florais coincidiram no mês de janeiro/2006, com 26% e 95%, respectivamente, decrescendo a porcentagem de sincronia em fevereiro para 75%. Já para as fenofases de inflorescência em antese e de inflorescência secando os picos de intensidade e de atividade coincidiram no mês de fevereiro/2006 com 30% e 90%, e 22% e 75%, respectivamente, demonstrando, assim, que os indivíduos amostrados apresentaram sincronia alta (> 60%). O período entre o aparecimento dos primeiros botões até a antese das últimas flores durou cerca de 98 dias.

Em área de igapó, Revilla (1981) observou floração máxima para P. discolor em janeiro e floração parcial em fevereiro, o que aparentemente se confirma no presente estudo. Araújo (1970) e Alencar et al. (1979) observaram que em algumas espécies a floração e frutificação repetem-se ano a ano, bianualmente ou em intervalos de alguns anos, obedecendo às variações climáticas. Newstron et al. (1994) propuseram um sistema classificatório baseado nos padrões de florescimento de plantas de florestas tropicais úmidas, apresentando quatro categorias principais: contínua, subanual, supra-anual e anual (quando há um único episódio de florescimento imprevisível durante o ano). Desta forma, supõe-se que a espécie em estudo pode ser caracterizada como anual.

A correlação de Spearman não demonstrou significância entre floração e as variáveis pulso de inundação, precipitação, temperatura e velocidade do vento, mas apontou correlação negativa entre botões florais e inflorescências em antese com a insolação. Assim como, foi observado correlação positiva de todas as fenofases da floração com a umidade relativa (Tab. 2). Pires & Freitas (2007) estudando a fenologia de Pseudopiptadenia contorta observaram que a espécie apresentou correlação negativa entre as fenofases de botão floral e flores em antese com umidade relativa, temperaturas máximas e mínimas e correlação positiva com insolação.

Pereira & Ferreira

143

Ferreira (1991) verificou sincronia alta para Parkia auriculata (= P. discolor) (93%) em área de igapó, no rio Tarumã-mirim, e observou elevada proporção de indivíduos sincrônicos em

relação ao início do período de floração e frutificação, e que o período de inundação não é um fator determinante para indução do início da reprodução, podendo outros fatores estar também

Figura 2: Fenologia de Parkia discolor, no lago Tupé, em Manaus (AM): A) floração; B) frutificação; e C) mudança foliar (barras indicam índice de Fournier e linha sincronia).

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botões florais inflores. em antese inflores. secando

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frutos em desenv. frutos desenvolvidos frutos maduros

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Fenologia de visgueiro-do-igapó (Parkia discolar Spruce ex Benth. – Mimosoideae, Leguminosae) em floresta inundável na Amazônia Central

144

atuando. Alguns autores indicam que a floração pode ser desencadeada pelo aumento do fotoperíodo, temperatura e umidade na transição da estação seca para a úmida (Morellato, 1991; Borchert et al., 2005).

Frutificação

A fenofase “frutos em desenvolvimento” foi observada apenas em janeiro/2006, com intensidade de 2,5% e atividade de 10% (Fig. 2B). Considerando que o período de floração se estendeu por um tempo bem maior, era de se esperar que os “frutos em desenvolvimento” também o fossem, o que não aconteceu. Com isto, sugere-se que esta variável não se mostrou adequada para o estudo fenológico de P. discolor, o que, muito provavelmente, se deve à dificuldade de inferir sobre a mesma no campo.

Para a fenofase “frutos desenvolvidos” o pico de intensidade e atividade coincidiram em março/2006, com 48% e 90%, respectivamente. Já para “frutos maduros” o pico de intensidade ocorreu em abril/2006 (48%) e o pico de atividade em abril/2006 com 75%, caindo para 65% no mês seguinte e voltando a 75% em junho/2006 (Fig. 2B). Revilla (1981) observou em área de igapó para P. discolor frutos imaturos em fevereiro e frutos maduros de março a maio. A sincronização entre os indivíduos amostrados foi elevada, tanto para “frutos desenvolvidos” quanto para “frutos maduros” (Fig. 2B); a maioria

dos indivíduos estava nas cotas entre 21 e 25 m a.n.m. Conforme Ferreira (1991), os indivíduos de área de igapó, provavelmente, respondem de maneira sincrônica ao início da floração em função do nível do rio, permitindo que os frutos possam ser dispersos no início da vazante, com o nível da água ainda elevado. Não foi encontrada correlação das variáveis ambientais com a fenofase “frutos em desenvolvimento”.

Observou-se correlação positiva entre “frutos desenvolvidos” com a precipitação pluviométrica e umidade relativa, e correlação significativa negativa com insolação, temperatura e velocidade do vento. Para a fenofase “frutos maduros” foi encontrada correlação positiva com pulso de inundação e correlação negativa com a temperatura e velocidade do vento (Tab. 2). Ferraz et al. (1999) constataram que a frutificação em espécies de Cordia, Croton e Cedrela está relacionada com a precipitação e que a influência do clima é bastante complexa, uma vez que cada elemento climático parece ter um peso diferente na fenologia das espécies, de acordo com o período analisado.

Como muitas espécies de floresta de igapó dependem do rio como agente de dispersão direta (hidrocória) ou indireta (ictiocoria), o período de frutificação da maioria das espécies coincide com a subida do nível da água, sendo a época de disseminação de frutos e sementes, sincronizada com mecanismos especiais de dormência

Pereira & Ferreira

145

e, ou, com condições especiais para germinação e estabelecimento de plântulas (Revilla, 1981; Ferreira, 1991; Kubitzki & ziburski, 1994; Parolin, 2002a; Schongart et al., 2002; Haugaasen & Peres, 2005).

Mudança foliar

Toda a fase vegetativa (brotamento foliar, folhas maduras e desfolha) foi contínua durante o período de estudo (Fig. 2C). Em área de igapó no rio Negro, Revilla (1981) dividiu as espécies selecionadas para seu estudo quanto ao comportamento foliar e tipo de planta. Desta forma, alocou a espécie P. discolor em dois grupos em relação ao comportamento foliar e dois grupos em relação ao tipo de planta. Quanto ao comportamento foliar, caracteriza-se por apresentar um período com acentuada ou total queda de folhas e outro período com marcada produção das mesmas. Com relação ao tipo de planta, a espécie produz muitas folhas pouco antes da floração e poucas folhas depois da floração. Estas observações coincidem com os dados obtidos no presente estudo com a mesma espécie.

Para “folhas novas” o maior pico para intensidade e atividade ocorreu em julho/2006 com 88% e 95%, seguindo o mesmo valor em agosto/2006 para o índice de atividade. Relacionando a época de emissão de folhas novas com o nível do rio, foi observado que a espécie apresentou

maior frequência de emissão de folhas no período de cheia, até o final da enchente. Para a fenofase “folhas maduras” o pico de intensidade foi em outubro/2005 com 84% de ocorrência e atividade em janeiro e fevereiro/2006 com 95%, embora a atividade também tenha alcançado valores elevados em outros meses (Fig. 2C). Em uma área de floresta de igapó no rio Tarumã-Mirim, Ferreira (1991) observou emissão de folhas novas entre os meses de junho e julho e Revilla (1981), produção de folhas com máxima total em dezembro e queda foliar total de setembro a novembro. Segundo Maia (1997), nas áreas inundáveis o lançamento sazonal máximo de folhas da maioria das espécies, ocorre sempre antes do período reprodutivo, e o ciclo enchente-vazante de um ano determina a periodicidade e intensidade das fenofases do ano seguinte.

Para desfolha, o pico de intensidade ocorreu em junho/2006, com 60%, e o pico de atividade manteve-se alto durante todo o período de estudo (Fig. 2C). Ferreira (1991) afirma que em florestas de igapó (rio Tarumã-mirim), a estratégia de perda total das folhas em determinada época do ano, não é um padrão comum. Adis et al. (1979) observaram que durante a fase de enchente há uma grande perda de nutrientes por lixiviação e, ou, transporte da liteira do solo e que algumas espécies retiram os nutrientes das folhas antes da queda das mesmas, acumulando-os nos ramos.

Fenologia de visgueiro-do-igapó (Parkia discolar Spruce ex Benth. – Mimosoideae, Leguminosae) em floresta inundável na Amazônia Central

146

A sincronia foi alta para folhas maduras e desfolha (>60%), enquanto para folhas novas houve variação entre pouca sincronia (20-60%) e sincronia alta (>60%) (Fig. 2C), caracterizando a espécie como semidecídua. “Folhas novas” mostrou correlação significativa positiva com o pulso de inundação e “folhas maduras” mostrou correlação significativa negativa com o pulso de inundação; a “desfolha” apresentou correlação significativa positiva para precipitação e negativa com a temperatura (Tab. 2). Ferreira (1991), estudando o efeito da inundação em espécies de igapó, observou para P. auriculata (sinonímia de P. discolor) que o processo determinante na troca e emissão de folhas pode ser outro, e não a flutuação cíclica do nível do rio. Wittman & Parolin (1999) observaram que o período de queda e produção foliar, assim como o tempo em que as árvores ficaram caducas, não está relacionada à inundação. Primariamente, segundo Borchert (1980) os padrões de reprodução e crescimento em espécies tropicais são determinados por processos periódicos endógenos e só secundariamente como adaptação às mudanças ambientais.

Conclusões

O presente estudo, desenvolvido no período de 12 meses, não permite mostrar um padrão para as fenofases reprodutivas e vegetativas de Parkia discolor, mas fornece informações

sobre o comportamento dessa espécie no período estudado:1) As fenofases reprodutivas ocorrem durante o período de cheia, favorecendo a dispersão por hidrocoria; 2) A espécie pode ser caracterizada como semidecídua; 3) A floração apresentou melhores correlações com a insolação e a umidade relativa; “frutos desenvolvidos” correlacionou-secom todas as variáveis climáticas estudadas; “folhas novas” e “folhas maduras” correlacionaram-se com pulso de inundação.

Agradecimentos

Agradecemos a Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), pelo apoio financeiro a pesquisa e pela bolsa concedida a primeira autora, e aos coordenadores do Projeto BIOTUPÉ, Dr. Edinaldo Nelson Santos Silva e Dra. Veridiana Vizoni Scudeller, pelas facilidades oferecidas para a realização deste trabalho.

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Pereira & Ferreira

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Chave analítica de Lecythidaceae Poit. da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, baixo rio Negro, Amazonas

Resumo: As Lecythidaceae são a família da castanha-do-Brasil e uma das famílias mais representativas e ecologicamente importantes da Amazônia, incluem cerca de 300 espécies pertencentes a 20 gêneros com distribuição pantropical. No Brasil ocorrem nove gêneros e 122 espécies. É uma família de fácil reconhecimento no campo, porém de difícil delimitação específica, principalmente quando estéril. Sendo assim, elaborar uma chave de identificação para as espécies de Lecythidaceae ocorrentes na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé) a partir de estudo detalhado dos caracteres morfológicos, dando ênfase aos caracteres vegetativos pode contribuir na precisa determinação de suas espécies. Foram encontradas dez espécies pertencente à cinco gêneros, sendo três espécies encontradas nas florestas de igapó e sete nas florestas de terra-firme. Foram utilizados 43 caracteres vegetativos e reprodutivos para gerar o banco de dados que serviu para a elaboração da chave de identificação pelo programa DELTA. Os principais caracteres reprodutivos para a distinção das espécies foram a simetria da flor

1 Luisa Brasil Viana MATTAe-mail: [email protected]

2 Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1 Programa de Pós-Graduação em Botânica. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, Bolsista Cnpq.

2Departamento de Biologia, Instituto de Ciências Biológicas – ICB, Universidade Federal do Amazonas – UFAM/ICB.

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 9

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

152

(radial ou bilateral), a forma do capuz e o tipo de arilo presente na semente. Os caracteres vegetativos mais importantes foram o tipo e a cor da casca externa, a cor da casca interna e algumas características da folha, como forma e tamanho, que são de fácil visualização em campo. A partir deste estudo e das visitas regulares à reserva, o registro de Lecythidaceae aumentou de quatro espécies para dez, além da correção da determinação de duas espécies identificadas incorretamente em coletas anteriores.

Palavras-chave: taxonomia, Lecythidaceae, caracteres vegetativos, DELTA.

Introdução

A castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa Bonpl.), conhecida e apreciada em todo o mundo por suas sementes comestíveis, é um representante de Lecythidaceae. A família é composta principalmente por árvores de pequeno a grande porte, podendo atingir até 50 m de altura (Prance & Mori, 1979) e podem ser encontradas em vários tipos de hábitat, desde áreas montanhosas até regiões de baixio. No entanto, sua maior diversidade e abundância ocorre em florestas primárias de terras baixas, as chamadas florestas de terra-firme (Mori, 2001). É uma das principais famílias tanto em número de espécies quanto de indivíduos na Amazônia e Guianas, que podem ser encontradas até 24 espécies e 149 indivíduos em apenas um hectare (Mori & Lepsch-Cunha, 1995). A maioria dos indivíduos da família são facilmente reconhecidos por suas flores vistosas e seus grandes frutos lenhosos. As flores podem ser de dois tipos, actinomorfas (que possuem simetria radial) ou zigomorfas (com simetria bilateral). As flores actinomorfas são encontradas em

organismos de três gêneros (Gustavia, Grias e Allatoma) que apresentam estames conados formando um tubo estaminal (Mori et al., 2007). As flores zigomorfas são encontradas em indivíduos dos outros sete gêneros da familia (Cariniana, Couroupita, Corythophora, Couratari, Bertholletia, Eschweilera e Lecythis). São únicas na natureza por apresentarem um prolongamento em um dos lados do anel estaminal chamado lígula que possui em sua parte distal uma estrutura denominada capuz (Fig. 1A). O capuz pode apresentar formas variadas e possuir apêndices associados que podem ser de quatro tipos: estames (com anteras férteis), estaminódios (com anteras que produzem pólen somente com função alimentar), estames vestigiais (com anteras rudimentares ou sem anteras) e estames vestigiais produtores de néctar. Acredita-se que as flores zigomórficas tenham esta estrutura em resposta às pressões de seleção exercidas no percurso de sua evolução

Matta & Scudeller

153

por seus diferentes polinizadores (Mori & Prance, 1981). Os frutos podem ser indeiscentes (Grias, Gustavia, Couroupita e algumas espécies de Lecythis) ou deiscentes. Em Lecythidaceae, os frutos deiscentes possuem uma abertura circular (abertura opercular) que é fechada por uma estrutura denominada opérculo. Esse tipo de fruto é exclusivo da família e recebe o nome de pixídio (Prance & Mori, 1979) (Fig. 1B). Outras características morfológicas interessantes para o reconhecimento da família são as fibras presentes na casca (envira), as folhas simples e alternas, inflorescência geralmente terminal, podendo ainda ser axilar ou caulinar, estames numerosos, ovário ínfero e placentação axial (Mori, 1987). Atualmente são reconhecidas três subfamílias para Lecythidaceae: Planchoniodeae, Foetidoideae e Lecythidoideae que juntas totalizam cerca de 300 espécies pertencentes a 20 gêneros. Destes, dez gêneros e mais da metade das espécies (210 spp.) pertencem à Lecythidoideae que é a única subfamília que ocorre nos Neotrópicos e tem uma ampla distribuição, indo desde a Jamaica e Veracruz, no México, até Santa Catarina (Mori et al., 2007). No Brasil ocorrem nove dos dez gêneros neotropicais representados por 122 espécies (Smith et al., 2010). Os principais estudos taxonômicos sobre as Lecythidaceae são os dois volumes de monografias publicadas na Flora Neotropica (Prance

& Mori, 1979; Mori & Prance, 1990), onde foram feitas descrições de todas as espécies da família conhecidas na época. Para a Amazônia brasileira os trabalhos sobre a taxonomia da família são bem escassos, com destaque para o trabalho de Mori & Lepsch-Cunha (1995) na Reserva 1501 do km 41 da rodovia que une Manaus a Boa vista, onde foram registradas 38 espécies de Lecythidaceae em oito gêneros e para a flora da Reserva Ducke (Ribeiro et al., 1999) onde foram encontraram 39 espécies pertencentes aos mesmos oito gêneros. Scudeller et al. (2009) fizeram um levantamento florístico na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé) e registraram apenas duas espécies de Lecythidaceae (Eschweilera apiculata (Miers) A.C. Sm. e Eschweilera bracteosa Poepp. ex O. Berg) Miers) em áreas de terra-firme. Scudeller e Souza (2009) também fizeram um levantamento florístico em algumas áreas de igapó e encontraram outras duas espécies de Lecythidaceae (Eschweilera tenuifolia (O. Berg) Miers e Couratari tenuicarpa A. C. Sm.). Em estudos de fitossociologia realizados na RDS Tupé (Diniz & Scudeller, 2005; Brito & Scudeller, 2010; Rosa & Scudeller, 2010) observou-se que as Lecythidaceae apareceram entre as cinco famílias com maior número de indivíduos dentro do grupo de árvores com circunferência à altura do peito (CAP), ou seja, a 1,3 m do solo, maior ou igual a 30 cm. Diante disto, sabe-se que o número de espécies da família na RDS Tupé deve ser maior do que o registrado até o momento.

Chave analítica de Lecythidaceae Poit. na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, baixo rio Negro, Amazonas.

154

Visando um maior conhecimento das Lecythidaceae que ocorrem na RDS Tupé e na busca de caracteres práticos e de fácil utilização na identificação das espécies o presente trabalho propõe-se a elaborar uma chave de identificação baseada principalmente em caracteres vegetativos.

Material e Métodos

Coletas

As coletas foram realizadas no período de janeiro de 2010 a março de 2011, com idas mensais a campo. As

áreas de coleta foram: uma parcela de 1 ha implementada na comunidade do Julião como parte do projeto “Conservação e uso Sustentável dos Recursos Florestais não Madeireiros na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé Manaus - AM” (Brito et al., 2010), em duas parcelas de 1 ha cada implementadas também na comunidade do Julião (Rosa e Scudeller, 2010; Brito & Scudeller, 2010) e em duas trilhas, uma com cerca de 2 Km que liga a comunidade Julião à comunidade Colônia Central e outra com cerca de 3 Km localizada entre as comunidades Julião e São João do Tupé. Foram ainda utilizadas para esse estudo

Figura 1: Estrutura geral da flor e do fruto de Secythidaceae. A: Flor com simetria radial com anel estaminal, lígula e capuz evidenciados. B: Representação das partes do fruto, com localização de suas linhas de cicatrizes (setas) e zonas; e opérculo com columela.

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espécies que já haviam sido coletas em trabalhos florísticos realizados ao longo de 2005 por projetos desenvolvidos no âmbito do Biotupé (Scudeller et al., 2009; Scudeller & Souza, 2009).O material coletado foi prensado em campo e algumas flores foram conservadas em álcool 70% para estudos posteriores no laboratório. As plantas foram levadas para a Universidade Federal do Amazonas (UFAM) onde foram colocadas em estufa à 60°C para secagem, por aproximadamente 72 horas.

Identificação e análise do material botânico

As identificações foram feitas através da utilização de chaves de identificação (Prance & Mori, 1979; Mori & Prance, 1990; Mori & Lepsch-Cunha, 1995; Ribeiro et al., 1999), consulta ao site http://sweetgum.nybg.org/lp/index.php, comparação com material depositado no herbário INPA e com ajuda do especialista da família Dr. Scott A. Mori. Após análise detalhada dos exemplares sob estereomicroscópio, foram selecionados 43 caracteres morfológicos (Quadro I) para a incorporação no banco de dados do Biotupé sendo 17 vegetativos e 25 reprodutivos. Após a obtenção dos dados referentes à morfologia de cada espécie, os mesmos foram inseridos no programa DELTA (Description Language for Taxonomy) que que tem

um formato flexível para a codificação da informação taxonômica descritiva e um conjunto de programas para o processamento de dados taxonômicos (Dallwitz, M. J. et. al., 1993). Uma vez codificados no formato DELTA, esses mesmos dados podem ser utilizados para produzir descrições e chaves de identificação com propósitos gerais ou específicos. O programa permite ainda a omissão ou ênfase de caracteres, a partir do critério de pesos dado pelo usuário, o que permite a construção de diferentes chaves a partir do mesmo banco de dados. Utilizando esses recursos do programa foi gerada a chave de identificação baseada nos caracteres morfológicos das espécies, onde os caracteres considerados mais importantes receberam maior peso.

Resultados e Discussão

Foram encontradas dez espécies pertencentes a cinco gêneros (Tab. 1). O gênero mais abundante foi Eschweilera com seis espécies, para cada um dos demais gêneros (Allantoma, Bertholletia, Couratari e Lecythis) foram encontradas uma espécie cada. Todas as 10 espécies coletadas apresentam hábito arbóreo, destas três estão presentes em áreas de igapó (A. lineata, C. tenuicarpa e E. tenuifolia) e as demais espécies se distribuem na floresta de terra-firme. Antes deste estudo eram registradas para a RDS Tupé somente

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Quadro I: Lista de Caracteres utilizados na construção da chave de identificação.

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1. Habitat Terra-firme igapó

15. Lâmina foliar <forma>ElípticaOblongaObovadaEstreito elíptica

30. Pétalas <número>CincoSeis

2. Hábito Árvore Arbusto

16. Margem <tipo>InteiraLevemente crenuladaCrenulada

31. Pétalas <forma>OblongasObovadasOvadasEspatuladasOvadas com as margens enroladas

3. Altura12 a 28m

17. Ápice <forma>Longo acuminadoCurto acuminadoAcuminadoCuspidadoAgudo

32. Pétalas <sobreposição>ImbricadasNão imbricadas

4. Tronco <tipo> Cilíndrico Cônico

18. Base <forma>ObtusaArredondadaDecurrenteAguda

33. Pétalas <cor>VerdesBrancasAmarelas claroRosas claroRosasAmarelasCreme

5. Tronco <base> Cilíndrica Com sapopemas

19. Inflorescência <posição>TerminalAxilar

34. Capuz <tipo>PlanoEspesso no ápice com apêndices voltados para dentroFormando duplo espiralDuplo espiral com aba externa desenvolvida de seu ápice

6. Casca externa <cor>MarromMarrom escuroMarrom acinzentadoCinza

20. Inflorescência <tipo>RacemosaRacemosa em zig-zag

35. Estames <número>20 a 25Ca. de 50100 a 120 170 a 280Ca. de 300Mais de 1000

7. Casca externa <tipo>Liso RugosoFissuradoEm placas

21. Raque <pilosidade>Com tricomasGlabra

36. Antera <deiscência>RimosaValvar

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8. Casca externa <presença de lenticelas>

Presentes Ausentes

22. Pedicelo <tamanho>1 a 22 mm

37. Ovário <posição>SúperoÍnfero

9. Casca interna <cor>AmareloAmarelo vivoAmarelo escuroAmarelo avermelhadoVermelha

23. Pedicelo <pilosidade>Com tricomasGlabro

38. Ovário <número de lóculos>BilocularTrilocularTetralocular

10. Pecíolo <pilosidade>Com tricomasGlabro

24. Flores <simetria>Actinomorfazigomorfa

39. <Óvulos> placentaçãoAxialParietal

11. Pecíolo <tamanho>3.3 a 29 mm

25. Sépalas <número de lobos>

DoisCincoSeis

40. Estigma <forma>GeniculadoObcônicoCurtoEstilete não diferenciado da cúpula do ovário

12. Pecíolo <corte transversal>Plano-convexoCanaliculado

26. Sépalas <forma>OblongasOvadasTriangularesLargo-elípticasIndistintas

41. Fruto <forma>GlobosoCampanuladoCilíndricoSubglobosoEm forma de taçaArredondado

13. Lâmina foliar <pilosidade>Com tricomasGlabra

28. Sépalas <sobreposição>ImbricadasNão imbricadasSoldadas

42. Cálice <persitência no fruto>PersistenteNão persistente

14. Lâmina foliar <textura>CoriáceaCartácea

29. Sépalas <cor>VerdesRosa escuroAmarelas com margens avermelhadas

43. Arilo <tipo>Membranoso em torno de toda a sementeCarnoso basalCarnoso lateralTegumento espesso e rugosoSem arilo

8. Casca externa <presença de 8. Casca externa <presença de lenticelas>lenticelas>

Presentes Presentes AusentesAusentes

22.22. Pedicelo <tamanho>Pedicelo <tamanho>1 a 22 mm1 a 22 mm

37. Ovário <posição>37. Ovário <posição>SúperoSúperoÍnferoÍnfero

10. Pecíolo <pilosidade>10. Pecíolo <pilosidade>Com tricomasCom tricomasGlabroGlabro

24. Flores <simetria>24. Flores <simetria>ActinomorfaActinomorfazigomorfazigomorfa

39. <Óvulos> placentação39. <Óvulos> placentaçãoAxialAxialParietal Parietal

12. Pecíolo <corte transversal>12. Pecíolo <corte transversal>Plano-convexoPlano-convexoCanaliculadoCanaliculado

26. Sépalas <forma>26. Sépalas <forma>OblongasOblongasOvadasOvadasTriangularesTriangularesLargo-elípticasLargo-elípticasIndistintasIndistintas

41. Fruto <forma>41. Fruto <forma>GlobosoGlobosoCampanuladoCampanuladoCilíndricoCilíndricoSubglobosoSubglobosoEm forma de taçaEm forma de taçaArredondado Arredondado

14. Lâmina foliar <textura>14. Lâmina foliar <textura>CoriáceaCoriáceaCartáceaCartácea

29. Sépalas <cor>29. Sépalas <cor>VerdesVerdesRosa escuroRosa escuroAmarelas com margens Amarelas com margens avermelhadasavermelhadas

43. Arilo <tipo>43. Arilo <tipo>Membranoso em torno de Membranoso em torno de toda a sementetoda a sementeCarnoso basalCarnoso basalCarnoso lateralCarnoso lateralTegumento espesso e rugosoTegumento espesso e rugosoSem ariloSem arilo

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duas espécies de Lecythidaceae coletadas na terra-firme. Depois de serem analisadas ficou claro que as identificações estavam incorretas e que os indivíduos que foram identificados como E. apiculata eram na verdade E. tessmannii e os indivíduos identificados como E. bracteosa pertenciam a duas espécies distintas E. coriacea e E. truncata. As espécies registradas nas florestas de igapó E. tenuifolia e C. tenuicarpa, estavam corretamente identificadas. A partir do estudo detalhado das espécies que já tinham sido coletadas e com as novas coletas feitas ao longo de um ano foi possível aumentar de quatro para dez o número de espécies

Tabela 2: Lista de espécies registradas para a RDS Tupé.

Espécies Habitat

Allantoma lineata (Mart. ex O. Berg) Miers

igapó

Bertholletia excelsa Bonpl. terra-firme

Couratari tenuicarpa A. C. Sm. igapó

Eschweilera amazonica R. Knuth terra-firme

Eschweilera atropetiolata S. A. Mori

terra-firme

Eschweilera coriacea (DC.) S. A. Mori

terra-firme

Eschweilera tenuifolia (O. Berg) Miers

igapó

Eschweilera tessmannii R. Knuth terra-firme

Eschweilera truncata A. C. Sm. terra-firme

Lecythis poiteaui O. Berg terra-firme

Bertholletia excelsa Bonpl.Bertholletia excelsa Bonpl.Bertholletia excelsa terra-firme

Eschweilera amazonica R. KnuthEschweilera amazonica R. KnuthEschweilera amazonica terra-firme

Eschweilera coriacea (DC.) S. A. Eschweilera coriacea (DC.) S. A. Eschweilera coriaceaMori

terra-firme

Eschweilera tessmannii R. KnuthEschweilera tessmannii R. KnuthEschweilera tessmannii terra-firme

Lecythis poiteaui O. BergLecythis poiteaui O. BergLecythis poiteaui terra-firme

conhecidas na reserva, ficando clara a importância de se fazer coletas continuadas e de estudos taxonômicos detalhados quando se quizer conhecer melhor e de forma adequada as espécies ocorrentes em um local. Além disso, a identificação correta das plantas é a base para qualquer outro tipo de estudos que se queira fazer nas mais diferentes áreas como, por exemplo, ecologia, etnobotânica, recursos madeireiros, entre outros. Com relação aos caracteres vegetativos, os mais úteis na separação de espécies foram a cor e tipo da casca externa, a cor da casca interna e algumas características das folhas como forma, pilosidade e tamanho. Em Allantoma lineata a casca externa se apresentou quase lisa, mas com um pouco de desprendimento e lenticelas orientadas verticalmente, suas folhas são diferentes das outras espécies por ser a única das espécies estudadas que apresentou venação eucamptódroma (Figs. 2A e B), enquanto as demais possuíam venação broquidódroma. As espécies que apresentaram a casca externa mais lisa foram E. tessmanii (Fig. 3C) e E. amazonica (Fig. 3A). Essa característica é geralmente observada nas plantas mais jovens dessas espécies, nas árvores mais velhas a casca torna-se irregular ou rugosa. No entanto, é fácil distingui-las pela cor da casca interna ser bem diferente, com E. tessmannii apresentando a casca interna vermelha e E. amazonica com a casca interna amarelo-avermelhado (Fig. 3A).

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Figura 2: A a E: Allantoma lineata A) Casca externa e interna B) Folha com margem inteira e venação eucamptódroma; C) Fruto cilíndrico; D) Semente com arilo caduco; E) Opérculo com colomela. F a I: Couratari tenuicarpa. F) Casca externa e interna; G) Fruto campanulado e semente com arilos alados circulando-os; H) Flor zigomorfa; I) Capuz com duplo espiral com uma aba externa esponjosa.

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Figura 3: A e B: Eschweilera amazônica. A) Casca externa e interna; B) Fruto campanulado e sementes com arilo basal. C a F: Eschweilera tessmannii C) Casca externa; D) Flores zigomorfas; E) Inflorescência racemosa; F) Fruto campanulado.

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Figura 4: A à C: Lecythis poiteaui. A) Casca externa e interna; B) Folha com venação broquidódroma C) Flor zigomorfa; D) Capuz plano. E a I: Bertholletia excelsa. E) Casca externa e interna; F) Flor zigomorfa G) Capuz com apêndices voltados para dentro; H) Fruto redondo; I) Semente com testa lenhosa.

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Figura 5: A a E: Eschweilera coriacea. A) Casca externa e interna; B) Face adaxial da folha com nervura central plana; C) Inflorecência com pedicelo longo; D) Fruto subgloboso; E) Semente com arilo lateral. F a K: Eschweilera truncata. F) Casca externa e interna; G) Face adaxial da folha saliente; H) Face abaxial da folha saliente; I) Inflorescência com pedicelo curto; J) Fruto subgloboso K) Semente com arilo lateral.

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A casca interna de L. poiteaui apresentou um amarelo bem vivo e suas folhas com a face adaxial brilhante e a margem crenulada (Figs. 4A e B); essas características tornam essa espécie facilmente reconhecível no campo. A principal característica de E. atropetiolata foram placas estreitas e finas presentes na casca externa e sua casca interna bem vermelha (Fig. 6A). Outra espécie facilmente reconhecida foi B. excelsa, por apresentar fissuras profundas em sua casca externa (Fig. 4E) e folhas grandes (até 30 cm). Duas espécies presentes na reserva (E. coriacea e E. truncata) são muito confundidas entre si pela semelhança de seus caracteres vegetativos; os troncos possuem pouco desprendimento e coloração escura e as folhas são bastante similares (Figs 5A e F). No entanto, essas espécies podem ser diferenciadas por E. coriacea apresentar lenticelas verticalmente orientadas no tronco, sapopemas e nervura central plana na face abaxial e saliente e pilosa na abaxial (Figs. 5A e B); enquanto E. truncata não possui lenticelas ou sapopemas no tronco e as folhas apresentam nervura central saliente e glabra nas duas faces (Figs. 5G e H). É importante enfatizar que ao fazer coletas de Lecythidaceae é extremamente útil para sua posterior identificação anotações das características da planta (tipo e cor da casca, tronco) detalhadas e fotografias das várias estruturas da planta, aqui destacada a importância de fotos do capuz em corte mediano e do tronco

evidenciando sua casca externa e interna que são características de extrema importância para a identificação de espécies e que não são preservadas no material herborizado. Dos 43 caracteres inseridos no DELTA, apenas 14 foram utilizados na chave de identificação, onde o hábitat (peso 10), a simetria das flores (peso 10), o tipo de capuz (peso 8), tipo de arilo (peso 7), o tipo e cor da casca externa (peso 6) e a cor da casca externa (peso 6), receberam os maiores pesos. Dentre as espécies estudadas A. lineata é a única que apresenta flores actinomorfas, sendo por isso facilmente separada das demais espécies que são todas zigomórficas. Para as espécies com simetria bilateral a forma do capuz é destacada como uma característica importante para separar os gêneros. As espécies de Eschweilera apresentam capuz com duplo ou triplo espiral (Fig. 6C); já L. poiteaui (Fig. 4C e D) possui capuz plano. Bertholletia excelsa apresenta estames vestigiais, sem anteras, direcionados para o interior do capuz (Figs. 4F e G); C. tenuicarpa possui um capuz com duplo espiral de onde se desenvolve uma aba externa, no caso dessa espécie essa aba é esponjosa (Figs. 2H e I), sendo esse tipo de capuz exclusivo de Couratari. A forma dos frutos e o tipo e posição do arilo na semente também são caracteres muito úteis na identificação das espécies. Apesar de todas as espécies estudadas possuírem frutos deiscentes do tipo pixídio, existem diferenças interessantes em sua forma e tamanho.

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Figura 6: A a D: Eschweilera atropetiolata. A) Casca externa e interna; B)Flor zigomorfa C) Capuz com duplo espiral ; D) Fruto campanulado. E e F: Eschweilera tenuifolia. E) Fruto subgloboso; F) Opérculo sem columela e sementes com arilo recobrindo-os.

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1. Habitat terra-firme................................................................................................................................................................................... 2 Habitat igapó............................................................................................................................................................................................. 6

2. Capuz plano, folha com face adaxial brilhante, margem crenada; casca externa com fissuras verticais superficia......................................................................................................................................................................Lecythis poiteaui Capuz espesso no ápice com apêndices voltados para dentro, folha com face adaxial não brilhante, margem levemente crenulada a lisa; casca externa profundamente fissurada....................................Bertholletia excelsa Capuz com um duplo espiral................................................................................................................................................................. 3

3. Casca interna vermelha; frutos obcônicos; sementes com arilo lateral.....................................................................................4Casca interna amarelo-avermelhado; frutos turbinados; sementes com arilo basal ......................Eschweilera amazonica

4. Sépalas ovadas; pétalas rosas...................................................................................................................................................................Eschweilera tessmannii Com sépalas triangulares; pétalas brancas..........................................................................................................................................Eschweilera atropetiolata Sépalas ovadas; pétalas amarelo-claras..........................................................................................................................................................................................5 5. Estigma ereto, estilete não diferenciado da cúpula do ovário; raque da inflorescência e pedicelo pilosos; casca externa com um pouco de desprendimento, face abaxial da nervura central com tricomas; nervura central não saliente na face adaxial............................................................................................................................Eschweilera coriacea Estigma oblíquo, estilete diferenciado na cúpula do ovário; raque da inflorescência e pedicelo glabros; casca externa quase lisa, com fissuras verticais finas, face abaxial da nervura central glabra; nervura central saliente na face adaxial............................................................................................................................................................Eschweilera truncata

6. Flores zigomorfas; casca interna amarelo-escuro; raque da inflorescência e pedicelo pilosos .........................................8 Flores actinomorfas; casca interna amarelo avermelhado; raque da inflorescência glabra e pedicelo glabros..........................................................................................................................................................................Allantoma lineata

7. Capuz com um duplo espiral; Estigma umbonado, pouco diferenciado da cúpula do ovário; ovário bilocular; arilo carnoso, cobrindo toda a semente.................................................................................Eschweilera tenuifolia Estigma ereto, não diferenciado da cúpula do ovário; ovário trilocular; arilo seco alado, ao redor de toda a

Chave analítica para determinação da Lecythidaceae na RDS Tupé:

As espécies de A. lineata apresentam frutos cilíndricos e seu opérculo possui uma extensão chamada columela (Figs. 2C e E), essa estrutura também aparece em C. tenuicarpa, mas seus frutos são menores e campanulados (Fig. 2G). As espécies de Eschweilera podem ter frutos de turbinados a globosos, com ou sem cálice persistente e com opérculo sem columela (Figs. 3B e E; 5D e J; 6D e E). Os arilos podem ser carnosos ou secos em forma de asas e podem

2. Capuz plano, folha com face adaxial brilhante, margem crenada; casca externa com fissuras verticais superficia......................................................................................................................................................................Lecythis poiteaui Capuz espesso no ápice com apêndices voltados para dentro, folha com face adaxial não brilhante, margem levemente crenulada a lisa; casca externa profundamente fissurada....................................Bertholletia excelsa Capuz com um duplo espiral................................................................................................................................................................. 3

4. Sépalas ovadas; pétalas rosas...................................................................................................................................................................Eschweilera tessmannii Com sépalas triangulares; pétalas brancas..........................................................................................................................................Eschweilera atropetiolata Sépalas ovadas; pétalas amarelo-claras..........................................................................................................................................................................................5

6. Flores zigomorfas; casca interna amarelo-escuro; raque da inflorescência e pedicelo pilosos .........................................8 Flores actinomorfas; casca interna amarelo avermelhado; raque da inflorescência glabra e pedicelo glabros..........................................................................................................................................................................Allantoma lineata

estar localizados na base da semente, em sua lateral ou rodeando toda a semente; as características do arilo estão diretamente relacionadas ao modo de dispersão da planta. As espécies E. atropetiolata, E. tessmannii, E. truncata e E. coriacea apresentam arilo carnoso lateral (Fig. 5E e K), o que é comum nas espécies do gênero. Eschweilera amazonica destoa das demais espécies de Eschweilera por apresentar arilo basal (Fig. 3B), que

semente..................................................................................................................................................................Couratari tenuicarpa

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Agradecimentos

Agradecemos ao projeto Biotupé pela oportunidade de trabalhar na RDS e dar todo o apoio necessário; à comunidade do Julião, em especial à Dona Fátima e Seu Francisco, por nos receberem sempre com muito carinho e alegria. Aos companheiros de campo Alexandre Lisboa, Raydson Cruz, Wellison Rafael Brito e Branco pela grande ajuda e por tornar esse trabalho possível e a Mário Fernandez pela ajuda nas pranchas de fotografias.

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é uma característica encontrada normalmente em espécies do gênero Lecythis, como em de L. poiteaui, em que o arilo que recobre o funículo é nutritivo e por isso atrai animais que dispersam a semente enquanto se alimentam (Mori & Prance, 1981). Eschweilera tenuifolia é uma espécie com sementes e arilo peculiares dentro do gênero por ser a única a apresentar sementes angulares e arilo ao redor de toda a semente (Fig. 6F); essa é uma espécie de Lecythidaceae abundante em florestas de igapó e este tipo de arilo permite que as sementes flutuem na água e sejam levadas pelas correntes dos rios (Mori & Prance, 1990). Em A. lineata a dispersão também ocorre pela água, mas nesse caso as sementes flutuam devido à grande quantidade de óleo que possuem (Ducke, 1948). Em C. tenuicarpa o arilo é membranoso e achatado, formando asas que circunda toda a semente (Fig. 2G), o que é uma característica típica de plantas dispersas pelo vento.

Considerações Finais

A presença de tricomas na raque da inflorescência e no pedicelo, presença e posição do arilo, além de informaçôes do tipo e cor da casca externa e interna do caule, proeminência da nervura central se mostram caracteres muito úteis na identificação das espécies. O hábito também foi utilizado, uma vez que as espécies eram excluídas de cada um dos ambientes.

Matta & Scudeller

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Matta & Scudeller

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1 Mário Henrique FERNANDEze-mail: [email protected]

2 Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Programa de Pós-Graduação em Botânica, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, Bolsista CNPq, Mestrado

2Instituto de Ciências Biológicas – ICB, Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Departamento de Biologia

Identificação morfológica dos breus (Protium Burm. f. e Tetragastris Gaertn.) da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Manaus-AM

Resumo: Burseraceae é um grupo de plantas que desde suas primeiras descrições científicas no séc. XVIII demonstrou um histórico antigo de utilização e, também, de muita confusão, como é o caso da maioria das famílias de ampla distribuição nas regiões tropicais do planeta. O grande número de sinonímias para diversas espécies e as constantes revisões de grupo que propõem diversas mudanças pouco definitivas no enquadramento de cada táxon, contribui apenas para subestimar a importância desta família. Como exemplo, Protium é representado na Amazônia por 73 espécies, a maioria não sendo prontamente identificada em inventários e frequentemente confundida com outros gêneros de Burseraceae. Portanto, neste estudo foi elaborada uma chave de identificação para as Burseraceae, principalmente Protium e Tetragastris na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, utilizando caracteres morfológicos vegetativos, além de selecionar caracteres que melhor dão suporte à determinação, o que poderá contribuir para reduzir a confusão taxonômica do grupo. Para tanto, foram selecionados

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 10

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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alguns indivíduos de Protium e Tetragastris de uma parcela permanente de 0,5 hectare previamente inventariada. Desses indivíduos foram coletadas amostras de ramo estéril para análise das características vegetativas. Foi estabelecida uma sequência de caracteres no programa DELTA para gerar uma matriz de dados sobre as espécies amostradas. O programa realizou a análise do conjunto de dados e formulou chaves de identificação considerando as diferenças entre os caracteres estudados. Os resultados permitiram a elaboração de uma chave de determinação que inclui caracteres como forma do ápice do folíolo, pilosidade do peciólulo, pilosidade do ramo e morfologia da casca. Foram incluídas na análise 11 morfotipos, sendo nove pertencentes a Protium (P. opacum, P. crassipetalum, P. calendulinum, P. divaricatum subsp. divaricatum, P. grandifolium, P. spruceanum, P. guianense, P. paniculatum var. riedelianum e P. pilosissimum) e dois Tetragastris (T. altissima e T. panamensis).

Palavras-chave: breu; Protium; Tetragastris; Morfologia; identificação de planta estéril.

Introdução

O breu ou a almecegueira, pertencente às Burseraceae, apresenta um grande registro histórico de uso em várias civilizações. Há indícios muito antigos do uso da mirra (Commiphora) e o olíbano (Boswellia), empregados nos processos de embalsamar há mais de 3.000 anos A.P. (Langenheim, 2003). Outro exemplo é o copal (Protium sp.), um tipo de breu da América Central, cuja resina foi encontrada na forma de moeda em sítios arqueológicos maias (Case et al., 2003). O odor marcante e a resina abundante que solidifica no tronco das plantas são algumas das características que provavelmente influenciaram a curiosidade humana. Atualmente não existe mais a mesma importância deste produto no mercado como no passado, porém

a utilização das plantas dessa família, para os mais diversos fins ainda é muito significativa. No Brasil o gênero mais representativo em termos de que número de espécies desta família é Protium Burm. f. Sua madeira é usada na construção civil, e a resina é empregada na produção de vernizes ou para calafetar embarcações. Na medicina popular é uma planta empregada para distúrbios gástricos, do sistema nervoso e respiratório (Corrêa 1984; Lorenzi 1998, 2002; Lorenzi & Matos, 2002). Além da importância histórica da família, sua distribuição nos trópicos e a diversidade de espécies, junto as adaptações aos mais variados terrenos e solos, tornam Burseraceae uma das mais conhecidas família de plantas. A maior parte dos

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levantamentos florísticos realizados na Amazônia indica um alto valor de importância para os representantes desta família Burseraceae (Milliken 1998), principalmente em ambientes heterogêneos (Daly, 1987). O histórico geológico complexo da Amazônia, formada em parte por sedimentos férteis dos Andes, e também por sedimentos pobres provenientes dos escudos quartzíticos brasileiro e das Guianas que alimentam o rio Negro, formam um mosaico ambiental que provavelmente favoreceu a especialização edáfica de diversas espécies vegetais. Uma das consequências disso seria a grande diversificação de espécies e uma alta taxa de endemismos (Fine et al., 2005, Ter Steege et al., 2006). Em um estudo florístico realizado na RDS Tupé, no baixo rio Negro perto de Manaus, Burseraceae ficou entre as famílias mais diversas em número de espécies. Segundo Diniz e Scudeller (2005), em meio hectare de terra-firme amostrado, esta família foi a primeira em número de espécies com perímetro à altura do peito (PAP) maior que 30 cm. Embora não existam muitos artigos tratando da utilização de Burseraceae, diversas comunidades ribeirinhas e indígenas utilizam regularmente a resina de suas espécies para calafetar canoas, afastar mosquitos das casas e como tratamento de diversos problemas de saúde (Plowden, 2001), e esse tipo de utilização já foi presenciado nas comunidades da RDS Tupé (obs. pess.).

Entretanto, uma família de distribuição ampla, com um grande histórico de uso, e com muitas espécies adaptadas a cada tipo de ambiente, geralmente se torna um grupo complicado de determinar suas espécies, e diversas delas são frequentemente reclassificadas principalmente porque foram descritas utilizando caracteres não confiáveis – ou diagnósticos, como é o caso das Lauraceae, Lecythidaceae e Rubiaceae. A história taxonômica das Burseraceae é muito confusa, marcada por diversas sinonímias e pelo uso de caracteres taxonômicos pouco relevantes ou estáveis. Desde a primeira descrição de Protium, uma espécie denominada Amyris protium em 1767 por Linnaeus, e que no ano seguinte foi descrita novamente por Burmann como Protium javanicum, o gênero já apresentou diversas denominações, incluindo espécies que, achava-se pertencer a outros gêneros, Em diversos casos, há menos diferenças entre Protium e algumas espécies de outros gêneros de Burseraceae que entre algumas espécies deste mesmo gênero (Daly, 1987). Os estudos de Daly (1987) elucidam de maneira mais consistente as diferenças entre os gêneros e espécies, além de consistir em uma grande revisão nos estudos realizados na família desde 1867. Apesar de grandes mudanças no enquadramento taxonômico da família, e o histórico de utilização, relativamente poucas espécies foram estudadas em maiores

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detalhes, principalmente quanto à composição fitoquímica. P. icicariba, P. strumosum, P. spruceanum, P. nitidifolium, P. paniculatum, P. hebetatum, P. altsonii, P. heptaphyllum, P. lewellyni e P. unifoliolatum foram as únicas espécies do gênero Protium que foram estudadas quanto a composição dos óleos essenciais encontrados na resina e nas folhas (zoghbi et al., 1981; Susunaga, 1996; Maia et al., 2000; Almeida et al., 2002; Bandeira et al., 2002, zoghbi et al., 2002; Case et al., 2003; Lima et al., 2005; Citó et al., 2006). Também é preciso salientar que alguns desses estudos registraram diferenças significativas na concentração dos princípios ativos em diferentes partes das plantas. Além disso, Machado et al. (2003) verificaram uma variação temporal na concentração dos constituintes dos óleos, também em diferentes partes da planta, em P. spruceanum. A maior parte desses estudos também testou a atividade biológica dos componentes da resina, e são relatadas diversas ações das resinas, principalmente atividade anti-inflamatória, cercaricida, antibiótica e cicatrizante. Por outro lado, há um grande problema na ingestão de produtos naturais como se fossem medicamentos. A própria expressão “produto natural” pode ser enganosa, levando a um emprego abusivo ou uma automedicação potencialmente danosa (Silva, 2006). Nem sempre é possível encontrar plantas em estágio

reprodutivo, principalmente porque a maioria das plantas apresenta um ciclo anual ou supra anual de reprodução e, normalmente é de duração curta. Além disso, dificilmente o ciclo reprodutivo coincide com a possibilidade de coleta da planta pelo coletor em sua excursão. Na impossibilidade de coleta de material fértil para determinação específica é necessário recorrer a métodos alternativos de identificação propostos pela Taxonomia. Outros caracteres podem ser analisados, como a arquitetura foliar, anatomia de órgãos ou células vegetais e, recentemente, métodos moleculares têm sido amplamente usados para identificação e filogenia de diversos organismos (Noe, 1934; Tippo, 1946; Hickey, 1973; Dickison, 1975; Rury, 1981; Détienne & Jacquet, 1983; Carlquist, 1992; Segaar & Van Der Ham, 1993; Stern et al., 1993; Fontenelle et al., 1994; Kurzweil et al., 1995; Stern, 1997b, 1997a, Stern & Judd, 1999; Stern & Whitten, 1999; Langenheim, 2003) e tem-se mostrados eficientes no auxílio à taxonomia. Portanto, o objetivo deste estudo foi elaborar uma chave de identificação para as espécies de Burseraceae previamente identificadas como breu (Protium) na RDS Tupé (Diniz & Scudeller, 2005), utilizando caracteres morfológicos vegetativos, bem como selecionar caracteres que melhor dão suporte à determinação específica para discussão de seu valor na taxonomia da família.

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Material e Métodos

Área de estudo, vegetação e espécies amostradas

A vegetação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé vem sendo estudada pela equipe de Botânica do projeto BioTupé no entorno da Comunidade São João do Tupé (SJT) desde 2002, quando foram implantadas 3 parcelas permanentes de meio hectare cada, uma em área de igapó e duas em terra-firme. A área de estudo escolhida foi a parcela instalada na trilha da cachoeira (Diniz e Scudeller 2005), onde foram inventariadas todas as árvores com o diâmetro na altura do peito (DAP) maior que 10 cm, e as amostras coletadas foram armazenadas no Herbário Ghillean Prance do Centro Universitário Luterano de Manaus/Universidade Luterana do Brasil (CEULM/ULBRA). O resultado do estudo realizado por Diniz & Scudeller (2005), aponta para uma grande importância das Burseraceae na estrutura fitossociológica local. Ali se verificou a ocorrência de 49 indivíduos provavelmente e Protium com DAP maior que 10 cm. Nesse estudo os indivíduos foram agrupados em nove morfotipos diferentes, sendo P. apiculatum o único determinado ao nível específico, compondo 42% dos indivíduos observados para o gênero. Foram selecionados três indivíduos de cada morfotipo apresentados na tabela

1. Dessa forma foram escolhidos 12 indivíduos que representariam melhor os morfotipos da parcela, entretanto uma investigação posterior revelou que cada indivíduo selecionado representava uma espécie, resultado que também é apresentado na tabela 1. Cabe salientar que até este momento não haviam sido feitas novas tentativas de determinação específica, e acreditava-se que os morfotipos pertencessem a um único gênero.

Elaboração da Chave

Após a determinação dos especimes, as características diagnósticas de cada espécie foram listadas para a montagem de um banco de dados que guiou a construção da chave de identificação. Também foram consultados alguns guias e descrições publicados sobre essas espécies para complementarem as informações. Segundo Fine (2005), os principais caracteres morfológicos que auxiliam na identificação de espécies em Burseraceae são: 1) cor da resina; 2) odor; 3) margem da folha; 4) tamanho e número de folíolos; e 5) textura da folha. Daly (1987), porém, sugere outra lista dos caracteres mais completa que compreende melhor a variação entre as espécies analisadas. A partir do momento em que os estados dos caracteres foram definidos, foi criada a base de dados no programa DELTA, sigla inglesa de Linguagem Descritiva para Taxonomia (Dallwitz et al., 1999),

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programa que automatizou o processo de descrição e elaboração da chave para identificação de espécies. As exsicatas foram registradas com uma máquina fotográfica digital Fuji 9100. Detalhes da folha, como peciólulo e gema apical foram registrados com uma lupa Leika 4D acoplada à computador via USB. Escalas foram geradas pelo programa de captura de acordo com uma medida padrão calibrada em pixel, unidade de projeção na tela do computador, e convertida em milímetros no próprio programa de captura de imagens. A montagem das pranchas, utilizando as fotografias digitais, foi realizada em programa de gráficos vetoriais, CorelDraw© X3. As legendas e demais marcações foram incluídas nas pranchas através de ferramentas de texto.

Coleta e análise do material botânico

Foi coletado material vegetativo de todos os indivíduos selecionados e herborizados segundo técnicas usuais. Optou-se por aguardar o período fértil do material para realizar a coleta de ramos, pois é necessario a ascensão à copa da árvore, sendo grande parte das plantas maior que 15 m de altura, e, também, pelo grau de dificuldade e risco de coleta em altura. Essas coletas foram realizadas no período de setembro a novembro de 2007. Para a identificação das espécies foi utilizada a literatura disponível (Daly, 1987; Ribeiro et al., 1999; Fine, 2005) e realizada consulta

ao especialista na família, Dr. Douglas Daly, do Jardim Botânico de Nova Iorque (NYBG). Para as descrições os espécimes foram detalhadamente analisados e mensurados, sendo observada sob estereomicroscópio a presença de indumentos, tipos e padrões de nervação, ocorrência de glândulas, formas e dimensões das folhas. Nas descrições utilizou-se uma sequência de caracteres definidos previamente no DELTA. A abreviação dos nomes dos autores de cada espécie seguiu as especificações de Brummitt e Powell (1992). A nomenclatura adotada para indicar as formas e os tipos de indumento das estruturas vegetais analisadas foi baseada em Radford et al. (1974), sendo a organização da folha e a ordem de venação estabelecidas de acordo com Hickey (1973). Os termos foram abordados de acordo com Font Quer (1979). Agrafiados nomes das espécies foram confirmados na página eletrônica do Índice Internacional dos Nomes de Plantas (IPNI, http://www.ipni.org/) e, quando foi possível, resgatada a obra príncipe.

Resultados e Discussão

Como não foi possível, ainda, a coleta de material fértil para completa determinação dos espécimes estudados, o auxílio do especialista Dr. Douglas Daly foi fundamental, sugerindo os prováveis táxons a que pertencem os indivíduos

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estudados. Confrontadas com exsicatas depositadas no herbário INPA, o conjunto de amostras é composto por 11 espécies diferentes pertencentes a dois gêneros, a saber, Protium (nove espécies) e Tetragastris (duas espécies), e somente Protium divaricatum subsp. divaricatum está representado por 2 indivíduos; das outras espécies obteve-se apenas um indivíduo. A determinação das espécies no início deste trabalho foi baseada nos resultados de Diniz & Scudeller (2005), e foi comparada com a determinação atual na tabela 1. Um dos fatores que contribuiu para a incongruência entre as determinações foi, principalmente, a complexidade observada na família e a ausência de especialistas na identificação de Burseraceae no período de realização do trabalho. Um aspecto que pode chamar a atenção imediatamente na tabela 1 é que os indivíduos de número 29 e 215 pertencem ao gênero Tetragastris, e determiná-los como pertencentes a Protium não é um erro difícil de acontecer. Segundo Daly (1987), os caracteres taxonômicos que separariam os gêneros Protium e Tetragastris são, às vezes, mais sutis do que os caracteres que separam muitas espécies de Protium. Em razão dessa proximidade taxonômica, optou-se por manter os dois indivíduos na análise e verificar as diferenças encontradas. Dessa maneira, os caracteres que poderiam

apresentar maior variação entre indivíduos, como tamanho das folhas ou folíolos e presença de galhas, tiveram seu valor de confiabilidade reduzido, enquanto caracteres mais estáveis, como a distribuição de tricomas nos ramos, tiveram o valor de confiabilidade aumentado no momento da elaboração da chave. No programa DELTA, os valores de confiabilidade (Character Reliabilities), podem ser definidos arbitrariamente com valor entre zero e dez, sendo dez o valor mais confiável. Dessa forma, caracteres como a borda do ápice do folíolo (Fig. 1) ou a pilosidade dos peciólulos (Figs. 2 A e B), por serem mais consistentes, receberam um valor de confiabilidade 6; caracteres como a coloração e cristalização da resina (Figs. 2 C e D), por serem dependente de processos de exsudação e sujeitos à variação sazonal e/ou temporal (Langenheim, 2003; Susunaga, 1996) ou, também, o formato do folíolo apical, receberam valor de confiabilidade igual à 4; caracteres mais sutis, como ritidoma na casca do tronco ou a proporção entre ápice e o comprimento total do folíolo receberam valor de confiabilidade igual à 1 devido à grande variação encontrada entre as amostras coletadas de um mesmo indivíduo.

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Tabela 1: Atualização da lista das espécies de Prótium coletadas na parcela permanente de 0,5 hectar em floresta ombrófila densa na trilha da cachoeira na comunidade São João, RDS Tupé, Manaus – AM, no período de setembro a novembro de 2007

A chave de identificação gerada pelo programa DELTA teve como ponto de partida os caracteres com maiores valores de confiabilidade. Neste ponto deve ser destacada a facilidade em criar novos atributos ou caracteres, excluí-los, ou edita-los da maneira que for mais conveniente (Dallwitz et al., 2006), fazendo com que a inclusão de sugestões e correções na chave se desse de maneira simples. O caráter que mais se destacou visualmente foi o formato do ápice do folíolo. A variação desse caráter é muito clara e três estados diferentes puderam ser diferenciados: um com a borda inteira, outro com apículo formado por

um dobramento na porção distal do acúmen, semelhante ao descrito para P. apiculatum conforme Ribeiro et al. (1999), e borda do ápice levemente serrada (Fig. 1). Uma das espécies com a borda do ápice serrada é P. spruceanum, e as outras são P. pilosissimum e P. guianense. Entre elas há uma diferença muito sutil no tamanho dos dentes da borda. As bordas serradas de P. pilosissimum e P. guianense são mais conspícuas que as de P. spruceanum, e estas podem passar despercebidas caso não sejam visualizadas com muita atenção ou o auxílio de uma lupa. A composição da folha foi dividida em quatro estados, baseado no

No. Indiv.Determinação por Diniz e

Scudeller (2005)Determinação por Fernandez (2007)

5 Protium apiculatum Protium opacum Swart

17 Protium apiculatum Protium cf. crassipetalum Cuatrec.

22 Protium sp.8 Protium cf. calendulinum Daly

24 Protium sp.2 Protium divaricatum Engl. subsp. divaricatum

29 Protium sp.1 Tetragastris cf. panamensis (Engl.) Kuntze

31 Protium sp.2 Protium divaricatum Engl. subsp. divaricatum

102 Protium apiculatum Protium cf. grandifolium Engl.

113 Protium sp.7 Protium cf. spruceanum (Benth.) Engl.

162 Protium sp.4 Protium cf. guianense (Aubl.) Marchand

163 Protium sp.2 Protium paniculatum Engl. var. riedelianum (Engl.) Daly

172 Protium sp.4 Protium cf. pilosissimum

215 Protium sp.5 Tetragastris cf. altissima (Aubl.) Swart

17 Protium apiculatum Protium cf. crassipetalum Cuatrec.

24 Protium sp.2 Protium divaricatum Engl. subsp. divaricatum

31 Protium sp.2 Protium divaricatum Engl. subsp. divaricatum

113 Protium sp.7 Protium cf. spruceanum (Benth.) Engl.

163 Protium sp.2 Protium paniculatum Engl. var. riedelianum (Engl.) Daly

215 Protium sp.5 Tetragastris cf. Tetragastris cf. Tetragastris altissima (Aubl.) Swartaltissima (Aubl.) Swartaltissima

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Chave analítica para determinação das espécies de Protium e Tetragastris ocorrentes nas RDS Tupé a partir de caracteres vegetativos.

Ápice do folíolo com borda inteira....................................................................................2

Ápice do folíolo com borda levemente serrada....................................................................5

Ápice do folíolo com borda inteira e apículo.......................................................................6

Folhas compostas ternadas, ou unifolioladas......Protium divaricatum Engl. subsp. divaricatumFolhas compostas com 2-3 pares de folíolos.............................................................................................

........................................................................Protium paniculatum Engl. var. riedelianum (Engl.) Daly

Folhas compostas com 4-5 pares de folíolos..............................................................3

Peciólulo com pilosidade esparsa; ramos robustos; com o ápice acuminado abruptamente;

presença de sapopemas tabulares......................................................................................4

Peciólulo com pilosidade densa; ramos finos; com o ápice acuminado suavemente .....................

........................................................................................................................Protium cf. grandifolium Engl.

Cristalização pulverulenta (vira pó); gema apical coberta por tricomas curtos; de textura

coriácea; base do folíolo apical simétrica.............................................................Protium opacum Swart

Cristalização em glóbulos (gotas); gema apical coberta por tricomas compridos; de textura

cartácea; base do folíolo apical subsimétrica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Protium cf. crassipetalum Cuatrec.

Base do folíolo apical assimétrica, ápice com borda levemente serrada e acuminado suavemente

........................................................................................................................Protium cf. pilosissimum Engl.

Base do folíolo apical subsimétrica, ápice com borda levemente serrada e acuminado

abruptamente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Protium cf. guianense (Aubl.) Marchand

Base do folíolo apical simétrica, ápice de borda mais serrada e acuminada

abruptamente..........................................................Protium cf. spruceanum (Benth.) Engl.

Folhas compostas com 2-3 pares de folíolos; com pilosidade mais densa apenas

na gema apical, e mais esparsa nos pecíolos; peciólulo glabro; pulvínulo apical

conspícuo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Folhas compostas com 6 ou mais pares de folíolos; gema apical com pilosidade densa; peciólulo

com pilosidade densa; pulvínulo apical inconspícuo.. . . . . . . . . . . . . . .Protium cf. calendulinum Daly

Ramos finos; venação eucamptódroma; cristalização da resina de forma pulverulenta (vira

pó); com o ápice acuminado suavemente..................Tetragastris cf. panamensis (Engl.) Kuntze

Ramos robustos; venação broquidódroma; cristalização da resina em glóbulos (gotas); com

o ápice acuminado abruptamente...............................Tetragastris cf. altissima (Aubl.) Swart

1.

2(1).

3(2).

4(3).

5(1).

6(1).

7(6).

número de pares de folíolos presentes, muito embora Daly (1987) tenha criticado a fragilidade desse caráter. Suas críticas, porém, fundamentam-se no fato de utilizar como base

amostras de ramos férteis em herbário e o número de folíolos variarem entre essas amostras; no caso deste estudo, foram utilizadas apenas ramos estéreis, que apresentam menos variações

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Figura 1: Diferentes tipos de ápice dos folíolos. A: Protium divaricatum Engl. subsp. divaricatum. Apresenta o ápice com borda inteira; B: Protium cf. pilosissimum Engl. Com borda levemente serrada. C: Protium cf. spruceanum (Benth.) Engl. Também com bordas levemente serradas, porém menos conspíqua que em Protium cf. pilosissimum. D: Tetragastris cf. panamensis (Engl.) Kuntze. Com ápice de borda inteira e apículo, dobramento da borda sobre a terminação da nervura central.

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Figura 2: A: Protium paniculatum Engl. var. riedelianum (Engl.) Daly. Apresenta pilosidade esparsa nos peiólulos, e os pelos são muito curtos, características indicadas pela seta; B: Protium divaricatum Engl. subsp. divaricatum. Não apresenta pilosidade nos ramos e peciólulos. C: Protium cf. guianense (Aubl.) Marchand. É um tipo de breu que tem a cristalização puvurulenta, quer dizer, em forma de pó. D: Protium cf. calendulinum. Espécie de breu com cristalização de resina em forma de gotas.

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que os ramos férteis. Neste estudo utilizaram-se como categorias: (a) as folhas ternadas a unifolioladas, (b) com dois a três pares de folíolos, (c) quatro a cinco pares, e (d) seis ou mais pares de folíolos. Na chave, porém, o caráter seis ou mais pares de folíolos foi excluído do passo 2(1), e é usado posteriormente, no passo 6(1) para diferenciar P. calendulinum das espécies de Tetragastris que apresentaram apenas dois a três pares de folíolos. A pilosidade do peciólulo, assim como apresentar ramos finos ou robustos (Figs. 2 A e B), sapopemas tabulares e ápice acuminado de maneira abrupta ou suave, formam um conjunto de caracteres eficientes, desde que todos sejam verificados ocorrendo simultaneamente. Dessa maneira, puderam ser diferenciadas as espécies P. grandifolium, com pilosidade densa, ramos finos, ápice acuminado suavemente; P. opacum e P. crassipetalum, cujos ramos apresentam-se robustos, pilosidade esparsa nos peciólulos e apresentam sapopemas tabulares. Fine (2005) utiliza alguns caracteres diferentes destes, principalmente baseado nas relações entre superfície abaxial e adaxial em conjunto com características das nervuras central e secundárias. O autor, porém, não centrou os resultados em uma chave de identificação, e sim num guia ilustrado com grande subjetividade em alguns caracteres, como cheiro “doce” ou cheiro “agudo”, folíolos “grandes e variáveis” ou “pequenos e muitos”.

A conspicuidade do pulvínulo na porção distal do peciólulo não foi definida como um caráter com confiabilidade alta principalmente por causa do baixo número de folíolos apicais entre os indivíduos coletados. Isso se deve, em parte, pela predação das folhas por herbívoros, anterior a coleta, e em parte por seleção de folhas durante o processo de coleta, tendo em vista a dificuldade de prensar material com folhas muito grandes. Mesmo assim, o caráter foi analisado e foi incluído na chave para diferenciar T. altissima de P. calendulinum. Langenheim (2003) descreveu outros métodos recentes para a taxonomia de plantas com resinas, que levam em conta sua composição química, porém não foi possível fazer um tipo de análise tão aprofundada. Por outro lado, após quatro meses da coleta de madeira, foram tomadas fotos das plantas utilizadas nas pranchas para demonstrar a cor e a textura da resina após o processo de cristalização. Mas, por ser um caráter que, com certa frequência, não está presente na planta ou pode variar de acordo com a idade da planta ou estação do ano, teve seu valor de confiabilidade reduzido. Na chave é utilizado para separar as espécies P. opacum (Fig. 2 C), com cristalização pulverulenta, de P. crassipetalum (Fig. 2 D), com cristalização em gotas, do mesmo modo que ocorre entre as duas espécies estudadas de Tetragastris. As galhas poderiam ter sido incluídas na chave, porém durante a realização do estudo, não foram

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coletadas folhas da maneira apropriada para sua inclusão neste estudo. Segundo Ribeiro et al. (1999), o caráter pode representar uma interação espécie-específica em Burseraceae, e a morfologia de cada galha poderia fornecer um carater forte para determinação taxonômica. Outro caso de caracteres não incluídos é o formato do folíolo, em que deveria ser adotado um folíolo padrão para as comparações, e este seria o folíolo apical, que em grande parte das amostragens se apresentou predado por herbívoros, deformado ou foi perdido antes ou durante a coleta. Restando poucos folíolos apicais para serem analisados entre as espécies.

Conclusões

Este estudo permitiu a elucidação da identidade de algumas das espécies estudadas, que podem ser encontradas no entorno da comunidade São João, na RDS Tupé. Apesar disso ,ainda há a necessidade de confirmação das determinações através da coleta de material fértil. Os caracteres mais importantes para a determinação das espécies são: o ápice do folíolo, pilosidade do peciólulo e a textura das folhas. Os resultados obtidos com auxílio do programa DELTA foram satisfatórios e a chave gerada parece funcionar bem e pode ser utilizada para determinação das RDS do Tupé. Seu uso generalizado pode ser feito desde que observada suas limitações, pois o número de espécies

analisadas, 11 distribuídas em dois gêneros até o presente momento, ainda é pequeno frente ao número de espécies encontradas na Amazônia Central.

Agradecimentos

O primeiro autor dedica este artigo à memória de Carlos Ernesto Fernandez, que além de excelente amigo e conselheiro, foi antes de tudo, um pai maravilhoso. Descanse em paz. Os autores agradecem sinceramente às entidades responsáveis pelo financiamento dos custos operacionais e materiais para execução do estudo cedidos pelo projeto BioTupé com recursos do CNPq, e ao mesmo pela bolsa de estudos concedida durante parte do curso de mestrado do primeiro autor. Juntamente a essas entidades, agradecem ao INPA pela oportunidade de realização do curso, participação em atividades produzidas por doutores e colegas e o atendimento de seus servidores. Ao Dr. Douglas Daly por suas sugestões sobre as determinações das exsicatas e pelas separatas de suas publicações. Aos amigos Espiridião, Jaumir e Mario Terra por todo o auxílio em campo nas coletas das amostras e análises, e a todos que colaboraram de maneira construtiva com o estudo. Referências bibligráficas

ALMEIDA, E. X., CONSERVA L. M. & LEMOS, R. P. L. . 2002. Coumarins, coumarinolignoids and terpenes from

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Resumo: A anatomia vegetal tem se mostrado uma importante ferramenta para a taxonomia, principalmente se as espécies estudadas não estiverem em período reprodutivo no ato da coleta. Para Tabebuia (Bignoniaceae), os caracteres anatômicos dos órgãos vegetativos são úteis como dados adicionais às características morfológicas externas, podendo ser usados para resolver problemas de ordem taxonômica. Nesse sentido, estudar uma espécie medicinal arbórea abundante e restrita às áreas alagáveis (igapó e várzea), fortemente influenciada pela sazonalidade do nível das águas na Amazônia e proporcionar sua caracterização externa e interna da folha, de forma a ilustrar os caracteres diagnósticos de Handroanthus barbatus foi o objetivo deste trabalho. Para tanto, foram marcados cinco indivíduos de H. barbatus no furo do Acurau, a leste da RDS Tupé – Amazônia Central, fazendo limite com a Comunidade do Livramento. Fragmentos de pelo menos 5 limbos foliolares foram retirados na região do terço médio (nervura central), do ápice e da base do terceiro folíolo, fixados em FAA70 e analisados sob microscópio óptico. Cortes transversais e paradérmicos foram

Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae)*

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 11

2 Nelsília Matos de NORONHAe-mail: [email protected]

3 Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

*Parte da dissertação de mestrado em Biotecnologia e Recursos Naturais da primeira autora2Professora SEMED

3Departamento de Biologia, Universidade Federal do Amazonas – UFAM/ICB.

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

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feitos à mão livre. A nervura principal de H. barbatus, em secção transversal, apresenta contorno ligeiramente triangular, feixe vascular disposto na forma de meio arco, em ilhotas, preenchido com parênquima na região central da nervura, no qual o tecido parenquimático é circundado por células do colênquima. As células da epiderme formam uma única camada, logo após a cutícula espessa, que apresenta tricomas peltados e tectores simples. Abaixo da epiderme observa-se colênquima em 3-4 camadas, seguido por parênquima com paredes delgadas. Apresenta mesofilo dorsiventral com duas camadas de células na epiderme adaxial e uma camada de células na epiderme abaxial. As células da epiderme adaxial se apresentam maiores e mais arredondadas e as da epiderme abaxial, mais alongadas. Epiderme abaxial com tricoma peltado e com estômatos. O parênquima paliçádico, com duas camadas de células colunares e o lacunoso com células arredondadas dispostas irregularmente, com 4-5 camadas interrompidas por câmaras subestomáticas.

Palavras-chave: anatomia, Bignoniaceae, droga vegetal, floresta alagável

Introdução

A investigação sobre o uso de plantas medicinais é parte da etnobotânica, que tem sido definida como o estudo das inter-relações entre os grupos humanos e as plantas (Bermúdez et al., 2005). Ming et al. (2002) já havia ampliado o conceito, abrangendo todos os aspectos da relação do ser humano com as plantas, seja de ordem concreta (uso material, conservação e uso cultural) ou aberta (símbolos de culto, folclore, tabus e plantas sagradas). Os estudos etnodirigidos buscam, entre outros fins, a preservação da biodiversidade, evidenciando a necessidade de estudar o habitat da espécie medicinal, a fim de acrescentar informações para a bioprospecção e conservação dos biomas que abrigam essas espécies (Albuquerque & Hanazaki, 2006).

Na região compreendida entre o Trópico de Câncer e o Trópico de Capricórnio, as Bignoniáceas estão distribuídas com aproximadamente 645 espécies (77% do total das 837 espécies), ocorrendo nos neotrópicos e apenas poucos representantes distribuídos pelas regiões temperadas. Para a família como um todo, o Brasil é o centro de diversidade, incluindo 55% das espécies neotropicais. São conhecidas por apresentarem diversas espécies utilizadas na medicina popular e por suas belas flores (Gentry, 1992). Tabebuia compreende cerca de 100 espécies de árvores e arbustos popularmente conhecidos como ipês e ocorre do norte do México e Antilhas ao norte da Argentina, estando presente em todos os grandes biomas brasileiros. O especialista dessa família, Gentry, citou

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Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae).

que as propriedades medicinais das Tabebuias são devidas as substâncias químicas naftoquinonas (ß-lapachona), obtidas do extrato da casca do “lapacho”. Segundo Gentry (1992), esta substância é capaz de fortalecer o sistema imunológico, ajudar a combater infecções, melhorar a vitalidade, fortalecer células, ajudar a reduzir e eliminar a dor e inflamação. Estudos moleculares recentes têm demonstrado que Tabebuia é parafilético, necessitando revisão taxonômica (Grose & Olmstead, 2007). Sendo assim, os autores relataram que dois gêneros contêm clados separados de Tabebuia: Roseondendron Miranda e Handroanthus Mattos. Roseondendron consiste de duas espécies com cálices de textura parecida às pétalas de rosa. Handroanthus Mattos inclui espécies de flores amarelas com tricomas cobrindo as folhas e o cálice, sendo também caracterizadas por possuírem madeira extremamente densa com grande quantidade de lapachol. Dessa maneira, as Tabebuia ficam restritas àquelas espécies de flores brancas ao vermelho e raramente de flores amarelas (Grose & Olmstead, 2007). A verificação da autenticidade de uma espécie vegetal para análise fitoquímica ou para a busca de substâncias ativas é dada pelos parâmetros de identificação botânica através de ensaios macro (descrição botânica) e microscópicos (cortes histológicos) bem como pela presença dos constituintes ativos e ou característicos da espécie (Farias, 2007; Mauro et al., 2007).

A anatomia vegetal tem se mostrado uma importante ferramenta para a taxonomia, principalmente se as espécies estudadas não estiverem em período reprodutivo no ato da coleta. Para Tabebuia (Bignoniaceae), os caracteres anatômicos dos órgãos vegetativos são úteis como dados adicionais às características morfológicas externas, podendo ser usados para resolver problemas de ordem taxonômica (Barbosa et al., 2009), uma vez que este gênero possui espécies com caracteres vegetativos muito semelhantes entre si (Gentry, 1992; Grose & Olmstead, 2007). Porém, as descrições dos caracteres morfológicos externos (macroscópicos) e anatômicos (microscópicos) são elaboradas utilizando-se nomenclatura botânica própria, com a qual alguns profissionais que executam o controle de qualidade têm pouca familiaridade. No entanto, quando complementadas com ilustrações do material em questão, o reconhecimento das estruturas vegetais é facilitado sobremaneira (Duarte, 2007).

Sazonalidade do nível das águas na Amazônia

O nível d’água pode variar em até 15m em algumas áreas, exercen-do considerável influência na ativi-dade biológica da região (Sioli, 1984). Segundo o autor, o nível d’água varia como consequência das chuvas, com o mínimo e o máximo diferindo anu-

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al e regionalmente na Amazônia. Esta variação é ditada mais pelo volume de chuvas nas áreas mais altas dos rios do que por fatores locais. Nas regiões de mais baixas altitudes da Bacia Amazô-nica, as diferenças no nível d’água são relativamente pequenas (4 - 7m), ao passo que nas regiões do rio Solimões podem chegar a 15 - 20m, como no baixo Juruá. A determinação do nível máximo de água entre as diferentes seções e afluentes do Amazonas também é importante. Conforme Junk (1983), esta variação está relacionada ao sentido do escoamento do Amazonas, que corre ao longo do Equador, sendo que o rio Amazonas recebe água de afluentes que se estendem tanto a norte quanto a sul da faixa equatorial, o que faz com que passem por diferentes regimes climáticos. Na Amazônia, as florestas alagáveis podem permanecer inundadas até 270 dias em média por ano, dependendo da altura do relevo considerado (Junk, 1983). Essas áreas alagáveis são zonas de transição terrestre-aquática (zTTA), na qual alternam anualmente entre uma fase aquática e uma fase terrestre, sendo ambientes de grande importância na produtividade do ecossistema fluvial (Junk, 1983). As zTTA ocupam uma área de cerca de 300.000 km2 (200.000 km2 de várzeas e 100.000 km2 de igapós). As florestas de várzeas são alagadas por rios de águas brancas, de pH próximo da neutralidade, ricas nutricionalmente por receberem

sedimentos de intemperismo recente, oriundo dos Andes e encostas Pré-Andinas (Furch, 1984). As florestas de igapós são banhadas por rios de águas claras ou pretas (Prance, 1978), com pH ácido, pobres em nutrientes e oriundas dos Escudos das Guianas e do Brasil Central (formações geológicas mais antigas) (Sioli, 1984). Nesse sentido, estudar uma espécie medicinal arbórea abundante e restrita às áreas alagáveis (igapó e várzea), fortemente influenciada pela sazonalidade das chuvas na Amazônia e proporcionar sua caracterização externa e interna da folha, de forma a ilustrar os caracteres diagnósticos de Handroanthus barbatus poderá ser útil para o reconhecimento da autenticidade dessa droga vegetal com forte potencial de exploração medicinal.

Material e Métodos

Área de estudo

Foram marcados cinco indivíduos de Handroanthus barbatus no furo do Acurau, com cerca de 1,42 km de extensão, a leste da RDS Tupé – Amazônia Central, fazendo limite com a Comunidade do Livramento (Fig.1). Na margem esquerda do rio Negro, encontra-se o rio Tarumã-Mirim, que é uma via fluvial, com inúmeros igarapés, paranás, e vários canais entre as ilhas (SEMMA, 2008). O clima da área é classificado genericamente pelo sistema de Köppen

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Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae).

como do tipo “Am”, ou seja, quente e constantemente úmido em sua quase totalidade, muito embora tenha uma estação seca pouco pronunciada no setor leste onde o clima é classificado com o tipo “Aw” (quente e ligeiramente seco). A constância anual da tempe-ratura é marcada por uma amplitude térmica que não ultrapassa os 5oC. O índice pluviométrico encontra-se entre as isopletas 2.000 e 2.200mm e apre-senta precipitação anual máxima de 2.210mm (Radam Brasil, 1978). O furo Acurau faz parte da bacia hidrográfica do rio Negro, originária das terras baixas do Terciário da Amazônia. Suas águas são de uma cor café/coca-cola, por causa do alto conteúdo de húmus dissolvido e do baixo nível de sedimentos e nutrientes (Junk, 1983; Furch, 1984). Conforme os autores citados, o rio Negro e outros rios de água preta não transportam material em suspensão em grandes quantidades, atravessam áreas de relevo suave e pouco movimentado, onde os processos de erosão são pouco intensos e reduzidos ainda pela densa mata pluvial. Consequentemente, a carga de sedimentos é baixa. Por falta de cálcio e magnésio na maioria das formações geológicas, as águas são ácidas. Também se encontram na sua área de captação, enormes florestas inundáveis (igapós) e o material orgânico produzido pela floresta (folhas, galhos). Esse material orgânico decompõe-se formando compostos

solúveis e de coloração marrom ou avermelhada (ácidos húmicos e fúlvicos), provocando a cor escura da água (Junk, 1983; Furch, 1984).

Coleta, conservação, cortes histológicos e coloração

As coletas do material botânico foram realizadas em julho de 2009, quando o rio Negro se encontrava no período de cheia. Nessa época, a espécie apresentava abscisão de folhas e as poucas que foram encontradas eram senescentes, apresentando coloração marrom-amarelada (Fig. 2). Mesmo assim, fragmentos de pelo menos 5 limbos foliolares foram retirados 5 indivíduos de na região do terço médio (nervura central), do ápice e da base do terceiro folíolo, sendo fixados em FAA70 para análise sob microscópio óptico, modelo Leica DFC290DM1000, Aplicativo Leica Versão 2.6.0R1 Copyright© 2003-2007 (Fig. 3). Cortes transversais da nervura central e cortes paradérmicos foram feitos à mão livre. No corte transversal do material vegetal, a amostra foi mantida com firmeza entre um suporte (isopor) secionado longitudinalmente. Por meio de uma lâmina de barbear, cortou-se a superfície superior do material. Os cortes delgados foram transferidos, por meio de um pincel fino, para um vidro de relógio contendo água destilada. Em seguida eram alvejados com água sanitária 10% por aproximadamente 1

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Figura 1: Distribuição de Handroanthus barbatus no furo Acurau, coordenadas 3° 1’50.23”S e 60° 8’38.10”W. População com vinte indivíduos de Handroanthus barbatus (=Tabebuia barbata), 3° 1’45.40”S e 60° 8’54.80”W. Os balões representam os cinco indivíduos amostrados: 1. 3° 1’41.80”S / 60° 9’8.30”W 2. 3° 1’40.89”S / 60° 9’14.98”W 3. 3° 1’38.30”S / 60° 9’18.70”W 4. 3° 1’36.30”S / 60° 9’24.00”W 5. 3° 1’46.90”S / 60° 9’2.60”W.

minuto. Após a clarificação, o corte foi transferido para outro vidro relógio e corado com uma gota de safrablau por cerca de 1 minuto. Após isso foram montadas as lâminas semipermanentes, usando glicerina sobre o material, cobrindo cuidadosamente com lamínula para evitar formação de bolhas de ar. Nos cortes paradérmicos, posicionou-se a face abaxial da folha voltada para frente de seu manipulador,

enrolando-a sobre o dedo indicador, para cortar lascas bem delgadas do material através de uma lâmina de barbear. Novamente, selecionaram-se os cortes mais finos, os quais foram alvejados, corados e depositados em lâminas histológicas, conforme procedimentos anteriores. Visualizou-se no corte trans-versal da nervura central, por meio de microscopia a organização dos tecidos vasculares e dos tecidos de preenchimen-

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Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae).

 

                           Figura 2: Fragmentos do terceiro folíolo da folha espalmada de Handroanthus barbatus para análise anatômica.

Figura 3: Fragmentos do terceiro folíolo da folha espalmada de Handroanthus para análise anatômica.

Figura 2: Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos. a) aspecto geral da planta no período de águas altas; b) a espécie no período das águas baixas; c) flor; d) folhas completamente expandidas; e) fruto.

 

   

   exploração pode levar à escassez desse recurso natural. Sendo assim foi relevante buscar outras utilidades ou possibilidades para esta espécie. O mercado de produtos naturais não madeireiros ainda é pequeno, mas essas alternativas podem ser apontadas por meio de pesquisa, planejamento e orientação perante a comunidade (Scudeller, com. pessoal, 2010).

O capitari ou pau d’arco do igapó

Handroanthus barbatus (=Tabebuia barbata), objeto de estudo deste trabalho, ocorre, em sua maioria, em água preta inundada na floresta ao longo do rio Negro/Amazonas e acima do rio Orinoco e seus afluentes, sendo considerada restrita à área alagável; também ao longo do rio Amazonas e de seus principais afluentes, mas não alcançando a fronteira com o Peru (10 - 150 m de elevação) (Gentry, 1992). O autor relatou denominações populares como apamate, mosquito palo, jaico, palo de mosquito, as quais são usuais na Venezuela. No Brasil, a espécie

to, tricomas e mesofilo foliar. Já para os cortes paradérmicos o objetivo foi visua-lizar a organização dos estômatos e dos tricomas, em ambas as faces. As fotogra-fias foram obtidas pelo Aplicativo Leica Versão 2.6.0R1 Copyright© 2003-2007 e a terminologia adotada foi de acordo com Radford et al. (1974).

Resultados e Discussão

Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé), o uso medicinal do capitarizeiro ou pau-d’arco não é comum entre os comunitários (ribeirinhos). Segundo relatos dos comunitários, devido a dominância natural desta espécie nas imediações da reserva, a madeira de H. barbatus é utilizada pelos moradores na construção de casas e embarcações. Portanto, esse tipo de

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Quadro 1: Levantamento etnobotânico e farmacológico de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (= Tabebuia barbata).

é conhecida por pau-d’arco, pau-d’arco-roxo, pau-d’arco-de-flor roxa, ipê-roxo e capitari (Quadro 1). Silva et al. (1977) descreve para capitari ou pau d’arco-do-igapó flores roxas e sementes que fornecem óleo secativo. Também como uma árvore pequena a mediana, comum nos igapós e nas margens de rios. Conhecida por capitari, H. barbatus é decídua (Fig. 2) (Schöngart et al., 2002), floresce de dezembro a maio e frutifica entre março e junho (Maia, 2001). A espécie pode ser encontrada em florestas alagáveis desde estágios sucessionais iniciais até estágios clímax. Na Amazônia Central, em áreas mais antigas, as espécies dominantes se caracterizam por um ciclo de vida longo, com crescimento lento e elevada densidade da madeira; entre essas espécies está o capitarizeiro (Wittmann et al., 2004) (Fig. 2). Árvore de médio porte (ca. 20m), possuem folhas palmadas (5 -7 folíolos): folíolos 19x9 cm, estreitamente ovais ou lanceolados, base arredondada, com textura cartácea a coriácea (Fig.

2), tricoma tector simples nas nervuras laterais, nervura central mais escura em relação às nervuras secundárias. As flores possuem cálice campanulado com tricomas ferrugíneos; corola infundibuliforme, rosa externamente e coberta por tricomas, interior do tupo amarelo a branco e glabro; leve odor adocicado. Fruto cápsula retangular-linear coberto por tricomas estrelados com áreas glandulares densamente amarelo-estrelado, sementes achatadas dorsi-ventralmente com alas curtas, marrons escuras (Fig. 2) (Gentry, 1992).

Nervura central

A nervura principal de H. barbatus, em secção transversal, apresenta contorno ligeiramente triangular. O feixe vascular é disposto na forma de meio arco, em ilhotas, preenchido com parênquima na região central da nervura, no qual o tecido parenquimático é circundado por células do colênquima. Apresenta um conjunto de traços livres ao redor da

Nomes populares

• Venezuela: Apamate, mosquito palo, jaico, palo de mosquito.

• Brasil: Pau-d´arco, pau-d´arco-do-igapó, pau-d´arco-roxo, Ipê-roxo, capitari

(Gentry, 1992)

“Planícies inundáveis do Rio Orinoco, Rio Negro e do Rio Amazonas”.

(Mapa de distribuição,Gentry, 1992)

Antiinflamatório,antioxidante, antitumoral(Gentry, 1992).

Adstrigente, febrífugo, anti-reumático (Pio Corrêa, 1985; Duke, 1985)

Atividade antitumoralin vitro (NCI/UEA) (Duke, 1985).

Atividade Trypanocida(Pinto, C.N., et al,2000)

Habitat Uso popularEstudosfarmacológicos

Noronha & Scudeller

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Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae).

Figura 4: Cortes transversais e pardérmicos de Handroanthus barbatus. a) nervura central. b) detalhe do floema e das fibras associadas ao feixe vascular. c) detalhe do feixe vascular; d) detalhe do tricoma tector; e) mesofilo com parênquima paliçádico em 2 camadas e lacunoso denso; f) Epiderme adaxial em 2 camadas; g/h)mesofilo; i) detalhe do mesofilo. j) tricoma peltado; k) vista paradermica de um tricoma peltado e l) estômatos e células epidermicas de parede sinuosa.

     

   

 

   

 

     

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abertura principal, formando uma leve triangulação (Fig. 4A). As células da epiderme formam uma única camada, logo após a cutícula espessa, na qual apresenta tricomas peltados e tectores ou cônicos (Fig. 4B-D). Logo abaixo da epiderme, observa-se colênquima com 3-4 camadas, seguido por parênquima com paredes delgadas (Figs. 4B e D). Os feixes vasculares maiores são circundados por células do parênquima. As células parenquimáticas estão envolvidas em atividades como fotossíntese, reserva e secreção (atividades que dependem de protoplasto vivo – Fig. 4C); podendo também atuarem no movimento da água e transporte de substâncias de reserva nas plantas. Em dicotiledôneas, as nervuras centrais são margeadas por células de colênquima e de esclerênquima, que fornecem suporte à folha. Células de colênquima, assim como as células de parênquima são vivas na maturidade; contêm espessamentos irregulares e paredes primárias não lignificadas, oferecendo pouca resistência ao alongamento da região da planta na qual elas se encontram. A característica principal das células esclerenquimáticas são as paredes secundárias espessadas e lignificadas. Ligninas são polímeros associados à celulose na parede celular cuja função é conferir rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques microbiológicos e mecânicos aos tecidos vegetais. Estão presentes nas partes mais endurecidas, sendo elementos importantes de resistência e

de sustentação das plantas (Raven et al., 2001). As células do esclerênquima são geralmente desprovidas de protoplasma (Esau, 1976; Fahn, 1990). Xilema e floema formam um sistema contínuo de tecido vascular que se estende pelo corpo da planta, os quais foram originados a partir do câmbio vascular, um meristema de crescimento secundário. O xilema ocorre no lado superior da nervura e o floema ocorre no lado inferior (Fig. 4C). O sistema fundamental é constituído por tecido parenquimático, tecido colenquimático e tecido esclerenquimático (Fig. 4C). Esses tecidos são de sustentação e preenchimento, elasticidade e de proteção, respectivamente (Esau, 1976; Fahn, 1990). As células epidérmicas se encontram dispostas compactamente e cobertas com cutícula (Fig. 4). A cutícula é composta de cutina, um polímero de lipídeo, que atua como uma substância impermeabilizante, reduzindo a perda de água. Tricomas podem ocorrer em uma ou em ambas as superfícies da folha. Coberturas de tricomas especiais e as resinas secretadas por alguns também podem retardar a perda de água pelas folhas (Esau, 1976; Fahn, 1990; Raven et al., 2001). Espécies de Tabebuia e Handroanthus apresentam variados tipos de tricomas – estrelado, peltado, entre outros (Gentry, 1992). Em H. barbatus, encontramos tricomas epidérmicos do tipo peltado e cônico, conforme classificação de Radford et al. (1974) (Fig. 4D). Os tricomas tectores

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Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae).

ou cônicos são eretos, pluricelulares, exibindo célula apical alongada e de extremidade afilada. Estes estão em maior número sobre a epiderme da nervura de maior calibre. Os tricomas glandulares ou peltados são curtos e achatados sobre a epiderme (Fig. 4B, J). Metcalfe & Chalk (1950) apontaram determinados caracteres com considerável valor taxonômico, merecendo destaque a presença de diferentes tipos de tricomas, dutos secretores e endoderme.

Mesofilo

Mesofilo dorsiventral com duas camadas de células na epiderme adaxial e uma camada de células na epiderme abaxial. As células da epiderme adaxial se apresentam maiores e mais arredondadas e as da epiderme abaxial, mais alongadas. (Fig. 4E). Epiderme abaxial com tricoma peltado glandular (Fig. 4K) e com estômatos (Fig. 4L). Tricoma peltado também situado em depressão na epiderme superior (Fig. 4J). O parênquima paliçádico, com duas camadas de células colunares e o lacunoso com células arredondadas dispostas irregularmente, com 4-5 camadas interrompidas por câmaras subestomáticas (Fig. 4H, I). O mesofilo de H. barbatus é totalmente percorrido por um sistema de numerosos feixes vasculares ou nervuras de menor calibre, as quais se encontram relativamente imersas nesse tecido (Fig. 4G, I). Essas

nervuras menores desempenham papel importante na captação dos fotoassimilados das células do mesofilo. Apresentam-se envolvidas por uma ou mais camadas de células dispostas compactamente, formando a bainha do feixe (Fig. 4I). As bainhas dos feixes prolongam-se até as terminações das nervuras, assegurando que nenhuma parte do tecido vascular fique exposta ao ar dos espaços intercelulares e que todas as substâncias que entrem ou saiam dos tecidos vasculares tenham que passar através da bainha. As extensões da bainha do feixe fazem conexão com ambas as epidermes, fornecendo suporte mecânico à folha e conduzindo água do xilema para a epiderme (Kozlowski & Hillel,1971; Esau, 1976; Fahn, 1990). Segundo Raven et al. (2001) esse padrão é observado nas mesófitas, onde o mesofilo comumente se apresenta diferenciado em parênquima paliçádico e parênquima lacunoso. As células do tecido paliçádico são colunares, com seus eixos mais longos orientados em ângulo retos com a epiderme, e as células do parênquima lacunoso apresentam formato irregular. A maior parte da fotossíntese na folha, aparentemente, ocorre nas células do parênquima paliçádico (Fig. 4E). Somente na epiderme abaxial, em vista frontal, visualizam-se estômatos anomocíticos com células guardas grandes, circundadas por células subsidiáriias com paredes anticlinais sinuosas (Fig. 4L).

198

Handroanthus barbatus ocorre em floresta alagável (Gentry, 1992, Fig. 2), e como tal apresenta características relativas à adaptação a um ambiente úmido e de solo pobre em nutrientes. Foram encontrados caracteres considerados mesófitos, como folha dorsiventral, sendo que os estômatos são restritos apenas à face abaxial da lâmina foliar (comum em plantas xerófitas). Tricomas tectores e/ou glandulares foram encontrados. As espécies xerófitas, geralmente, apresentam um grande número de tricomas tectores, que teriam papel importante na redução da perda d’água pela transpiração e também para isolar o mesofilo do calor e/ou luz excessiva. Comum também foi a presença de esclerênquima desenvolvido (caráter xeromorfo). Entretanto, nem sempre a presença dessas características está relacionada com o fator água; eles também podem ser resultado de um solo deficiente em nutrientes. Segundo Ferri (2007) e Kozlowski & Hillel (1971), a falta de nitrogênio conduz à formação adicional de esclerênquima. Nesse caso, a presença de uma grande quantidade de esclerênquima seria uma consequência da deficiência daquele nutriente no solo e não devido a pouca disponibilidade de água (Ferri, 2007). As folhas de diferentes ambientes apresentam estruturas muito diversas. Em ambiente aéreo, mas muito úmido, a folha terá uma estrutura vigorosa, onde, nas matas pluviais, por exemplo, as folhas de plantas que crescem à

sombra de outras, revelam epiderme que pode apresentar alguns cloroplastos, em virtude da pouca luminosidade ambiente. Nessas folhas não há, geralmente, um parênquima paliçádico nítido, nem abundante tecido mecânico. Segundo Ferri (2007), caracteres xeromorfos são supostamente de adaptação à falta d’água, entre eles: epiderme multiseriada, ou hipoderme e outros tecidos de reserva de água; estômatos situados em depressões da epiderme, ou abrigados; abundância de tricomas, de tecidos mecânicos, entre outros. No entanto, tais caracteres podem ser devidos a outros fatores como a falta de minerais no solo. Nesse caso, o xeromorfismo é um fenômeno de oligotrofismo (solo pobre em nutrientes). No entanto, a espécie é decídua, onde as folhas sofrem abscisão geralmente na estação de cheia do rio Negro e nesse período as poucas folhas encontradas se apresentaram com aspecto mais enrijecido (Fahn, 1990 e Kozlowski & Hillel, 1971). Para diagnose da espécie quando usada como matéria-prima deve-se levar em conta a sazonalidade da região e também os ciclos do vegetal, especialmente a questão foliar. Estudos comparativos da anatomia foliar em ambientes distintos (solo alagado e solo drenado) demonstram diferenças no diâmetro e espessura das estruturas anatômicas de outra espécie de ipê como a Tabebuia cassinoides (Lam.) DC (Bignoniaceae). Em solo drenado, as dimensões das estruturas anatômicas

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199

Morfo-anatomia foliar de Handroanthus barbatus (E. Mey.) Mattos (Bignoniaceae).

foliares são menores (Carrera-Silveira, 2008). De Simone et al. (2002) relataram três diferentes estratégias para tolerar o alagamento, com relação a traços morfológicos e conduta de queda foliar, em espécies de várzea. A primeira é representada pela espécie pioneira sempre verde Salix martiana Leyb., na qual há a formação de aerênquima no córtex da raiz e o desenvolvimento de raízes adventícias. A segunda estratégia ocorre em espécies sempre-verdes não pioneiras, essas espécies desenvolveram suberização na hipoderme da raiz, que previne a entrada de toxinas e ajuda a manter as condições microaeróbicas no córtex da raiz. A estratégia adaptativa mais frequente em espécies de várzea é representada pelas espécies decíduas, estas apresentaram completa defoliação, essas espécies suportam o período de condições desfavoráveis durante a inundação tornando-se dormentes. De acordo com Pigliucci (1998) e Sultan (2000), a capacidade do genótipo de um indivíduo em expressar diferentes fenótipos quando exposto à ambientes distintos é um atributo genotípico denominado plasticidade fenotípica (Fahn, 1990; Kozlowski e Hillel, 1971). Waldhoff (2003), analisando a estrutura foliar de espécies de florestas alagáveis na Amazônia Central, demonstrou variações nas estruturas sobre efeitos da inundação.

Agradecimentos

As autoras agradecem ao CNPQ Ct-Amazonia – 553373/2005-6 e a bolsa concedida da FAPEAM à 1a autora.

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203

Resumo: O presente estudo teve como objetivo avaliar a distribuição espaço-temporal da riqueza e abundância das espécies de microcrustáceos e rotiferos do plâncton do lago Tupé, durante 12 meses. As coletas foram realizadas mensalmente, de março/2003 a fevereiro/2004, em doze estações de amostragem, compreendendo diferentes regiões do lago Tupé e rio Negro. Rotifera apresentou maior riqueza de espécies e densidade populacional, seguido por Cladocera e Copepoda. A riqueza de espécies para cada grupo foi significativamente diferente entre os meses estudados, mas não entre as estações amostradas. As maiores densidades para os três grupos ocorreram no mês de dezembro/2003 e os valores

1,2 Laura Su-Ellen Fróes CALIXTOe-mail: [email protected]

1,2 André Ricardo GHIDINIe-mail: [email protected]

2 Eduardo Araújo SILVA

2 Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

1 Curso de Biologia de Água Doce e Pesca Interior, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, doutorado.

2 Laboratório de Plâncton, Coordenação de Biodiversidade – CBIO, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.

Distribuição espaço-temporal da riqueza e abundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 12

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

204

mais baixos, no mês de julho/2003. Brachionus zahniseri gessneri, Bosminopsis deitersi e Oithona amazonica foram as espécies dominantes em todo o período de estudo. Através do teste de Kruskal-Wallis foi possível concluir que há diferenças significativas nas densidades populacionais (Rotifera, Cladocera e Copepoda) entre os principais períodos de variação do nível da água (enchente, cheia, vazante e seca). Observando os resultados da Análise de Variância (ANOVA One-Way) para Rotifera e Cladocera, constatou-se não haver diferenças significativas nas densidades totais destes organismos entre os diferentes locais de coleta, exceto para os copépodes (p<0,05).

Palavras-chave: distribuição, espaço-temporal, riqueza, abundância, zooplâncton, águas pretas, Amazônia.

Introdução

Em ambientes aquáticos continentais, a comunidade zooplanctônica é a principal responsável pela transferência de energia dos produtores primários, essencialmente o fitoplâncton, para níveis superiores da cadeia trófica (Marneffe et al., 1996). A influência que as modificações ambientais promovem na composição e distribuição destes organismos tem sido enfoque de muitos estudos com esta comunidade (Hardy & Ducan, 1994; Lima et al., 1996; Lima et al., 1998; Sampaio et al., 2002; Sterza et al., 2002; Lânsac-Toha et al., 2004; Serafim-Júnior et al., 2005). Nos ambientes aquáticos continentais, a comunidade de organismos zooplanctônicos é constituída principalmente por protozoários (majoritariamente tecamebas), rotíferos e microcrustáceos. Estes últimos são representados por cladóceros e copépodes, os quais geralmente constituem a maior biomassa total dentro da comunidade (Melão, 1999).

Um dos principais atributos da comunidade organismos zooplanctônicos é ter distribuição horizontal e vertical heterogênea. A distribuição horizontal está relacionada principalmente com a dinâmica de ventos, correntes, disponibilidade de alimento e predação. Com relação à distribuição vertical, a heterogeneidade é determinada por diversos fatores, como disponibilidade de alimento, condutividade, temperatura, concentração de O2 e H2S e fatores biológicos, como por exemplo, a competição e predação (zaret & Suffern, 1976; Lampert, 1989; Pinel-Alloul, 1995; Sekino & Yoshioka, 1995). Frequentemente, as comunidades planctônicas apresentam profundas mudanças na sua composição. Essas modificações podem ser cíclicas ou não e normalmente estão ligadas a variações periódicas no ambiente físico que podem ser nictemerais, estacionais e entre períodos da variação do nível da água (Hardy, 1980).

Calixto at al.

205

Distribuição espaço-temporal de riqueza e agundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

O pulso de inundação é a principal força que influencia na dinâmica das comunidades aquáticas dos lagos e rios de planícies de inundação, sendo que os efeitos causados por esses são principalmente hidrológicos (Junk et al., 1989). A planície aluvial do rio Amazonas cobre uma extensa área sujeita à inundação, que ocorre em eventos periodicos anuais que delimita dois periodos que são eventos bastante distintos: um período de águas altas e outro de águas baixas, e a intersecção entre ambos, a enchente e a vazante (Junk & Howard-Willians, 1984; Bittencourt & Amadio 2007). As mudanças que ocorrem no nível da água assumem grande importância, pois além de influenciar a forma, o tamanho e as características dos lagos (por exemplo, o aporte de substâncias orgânicas e de material particulado), também afetam a composição e distribuição das comunidades aquáticas que residem nesses ambientes (Brandorff & Andrade, 1978; Junk, 1999; Brandorff et al., 1982; Carvalho, 1983). Entre os trabalhos na região amazônica relacionados à composição e distribuição espaço-temporal da riqueza e abundância do zooplâncton, pode-se citar: Brandorff (1978), Brandoff & Andrade (1978), Hardy (1980), Brandorff et al. (1982), Carvalho (1983), Hardy et al. (1984), Robertson & Hardy (1984), Hamilton et al. (1990), Bozelli, (1992), Waichman et al. (2002), Keppeller (2003) e Maia-Barbosa & Bozelli (2006). No entanto, a maioria dos estudos não abrange lagos de água preta, onde

os padrões de abundância e distribuição dos organismos, bem como a sucessão das espécies ao longo do período de 12 meses de variação do nível da água ainda não são bem conhecidos. Isto evidencia a importância de estudos que contemplem todo este período, de maneira a propiciar melhor entendimento dos ambientes sujeitos ao pulso de inundação, além de apresentar subsídios para a conservação, manejo e uso sustentado dos recursos naturais disponíveis nos ambientes de água preta da Amazônia.

Materiais e Métodos

As amostras foram coletadas mensalmente, de março/2003 a fevereiro/2004, em doze estações de coleta, compreendendo diferentes regiões do lago Tupé e rio Negro(Fig.1). As amostras quantitativas foram coletadas na região limnética, através de arrastos verticais na coluna d’água, utilizando-se uma rede de plâncton tipo Hensen (malha de 48 μm e diâmetro da boca com 20 cm). Para as amostras qualitativas foram feitos arrastos verticais e horizontais também na região limnética com uma rede cônica (malha de 55 μm e diâmetro da boca com 30 cm). As amostras foram fixadas com formol, concentração final 6%. A profundidade da estação foi medida com uma corda graduada presa a um peso. Os rotíferos, cladóceros e copépodes foram contados com o auxílio de microscópio estereoscópio e óptico comum. Quando a densidade de

206

organismos (principalmente rotíferos) era alta, foram feitas subamostragens, utilizando-se uma pipeta tipo Stempel. Para a contagem de rotíferos foi utilizada uma câmara de Sedgewick-Rafter. A densidade foi expressa como organismos/m3, utilizando a fórmula proposta por Tonolli (1971) para determinar o volume filtrado no arrasto: Vf = π.r2.hOnde: r = raio da boca da rede (r = 0,1 m), h = altura da coluna d’água O volume de água filtrada foi utilizado, então, para determinar a densidade de indivíduos por m3 pela fórmula dada abaixo:Nº de indivíduos = n/VfOnde: n = número de indivíduos contados, Vf = volume filtrado Para saber a taxa de incremento de espécies novas nas coletas realizadas

no lago Tupé, no período de março/2003 a fevereiro/2004, foi feita uma curva espécie-área, segundo Brower & zar (1984), simulando um incremento cumulativo no número de espécies, em cada mês, considerando que o aumento no número de coletas condiciona o aumento do número de espécies. Para detectar diferenças na riqueza de espécies e na densidade total dos rotíferos, cladóceros e copépodes foram realizadas Análises de Variância Unidirecional (ANOVA One-Way), considerando a variação temporal (entre os meses) e espacial (entre as estações). O teste de Tukey (a posteriori) foi feito quando detectou-se diferença significativa (p<0,05) com o intuito de verificar onde se encontra(m) a(s) diferença(s). Quando não foi possível atender aos pressupostos de homocedasticidade, normalidade e linearidade necessários para a realização da ANOVA, foi realizado o teste equivalente não-paramétrico de Kruskal-Wallis, levando-se em consideração os valores de densidade e riqueza (variável dependente) para cada “rank” do período hidrológico em questão (seca, enchente, cheia e vazante).

Resultados e Discussão

Suficiência amostral

A simulação da curva de espécie-área, realizada segundo o incremento de novas espécies à medida que se aumenta o número de coletas, revelou uma estabilização no registro de novas espécies de copépodes por

Calixto at al.

 Figura 1: Estações de amostragem no lago Tupé. (Fonte: Darwich et al., 2005).

207

volta do sexto mês de coleta ou durante o período de enchente até a seca (Fig. 2). Desta forma, com um ano de coleta foi possível ter uma amostra representativa da espécies do lago Tupé. Para os rotíferos, nota-se uma tendência à estabilização a partir do 11 mês de coleta (Fig. 2) ou a partir dos meses de janeiro e fevereiro (ano seguinte), ficando evidente que para este grupo existe a necessidade de pelo menos um ano de coleta para que se tenha uma amostra representativa das espécies do lago. Com relação aos cladóceros, houve uma estabilização da curva a partir do mês de outubro até o mês de janeiro, ocorrendo o incremento de uma única espécie no último mês (Fig. 2). Este incremento se deveu a Disparalona sp., uma espécie provavelmente não planctônica. Assim, ao que tudo indica, o número de coletas realizadas foi suficiente para se ter uma amostra representativa dos

 

MarçoAbril

MaioJunho

JulhoAgosto

SetembroOutubro

NovembroDezembro

JaneiroFevereiro

0

10

20

30

40

50

60

RotiferaCladoceraCopepoda

cladóceros do lago Tupé com relação aos objetivos propostos. A curva espécie-área, e suas derivantes, como por exemplo, a curva performance, são muito utilizadas para se determinar a suficiência de amostragem (Dumont, 1994; Dumont & Segers, 1996). Segundo Cain (1938), a curva espécie-área é uma importante ferramenta na descrição de comunidades e é usada como um guia na determinação de sua área mínima. Os resultados obtidos neste estudo demonstram que o número de coletas foi suficiente para estimar o número de espécies do lago Tupé, no caso de rotíferos e copépodes. Contudo, com relação aos cladóceros, não se pode dizer o mesmo, uma vez que houve um incremento no último mês de coleta, sendo necessário um tempo mais prolongado para se verificar a estabilização da curva. No entanto, se confirmada, a espécie em questão não

Figura 2: Curva do coletor para Copepoda, Rotifera e Cladocera.

Distribuição espaço-temporal de riqueza e agundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

208

se trata de uma espécie planctônica, ocorrendo de forma acidental nas amostras. Portanto, a curva ficaria estabilizada a partir do mês de outubro e, assim, o esforço de coleta seria suficiente para estimar a diversidade de cladóceros do lago Tupé.

Composição e riqueza de espécies

Rotíferos Foram registrados 49 táxons de rotíferos, sendo que Bdelloidea, por dificuldades taxonômicas, foi identificada até o nível de ordem (Tab. 1, em anexo). Nenhum táxon constitui novo registro para a Bacia Amazônica. Robertson & Hardy (1984) encontraram um máximo de 50 espécies de rotíferos para o rio Negro e Brandorff et al. (1982) registraram 145 táxons de rotíferos no trecho inferior do rio Nhamundá, contemplando uma grande diversidade de ambientes anexos ao rio, o que justificaria a alta riqueza de espécies quando comparada com os táxons identificados neste trabalho. Keppeler (2003) e Lansac-Tôha et al. (2005) ressaltaram em seus estu-dos que a alta riqueza de espécies de rotíferos em diversos tipos de ambien-tes pode estar relacionada ao fato de que estas espécies são oportunistas, e, portanto, possuem facilidade para co-lonizar novas áreas rapidamente. Assim como observado no estudo de Keppeler (2003), Brachionidae teve o maior nú-mero de representantes (11 spp.). Porém, os gêneros com maior número de espé-

cies foram Trichocerca e Lecane com 9 e 8 representantes, respectivamente. A menor riqueza específica para Rotifera foi registrada nos me-ses de abril (enchente), julho (pico da cheia) e novembro/2003 (seca) (16-17 spp.), enquanto os maiores valores fo-ram registrados em junho/2003 (início da cheia) (33 spp.). Houve diferença na riqueza específica entre os diferen-tes meses de estudo (Fig. 3) e, através de uma Análise de Variância One-Way verificou-se que esta diferença foi sig-nificativa (p<0,05; F=10,36). Por meio do teste de Tukey para as médias da ri-queza de Rotifera foi possível observar que: a média do número de espécies registrada nos períodos de enchente (março, abril e maio de 2002) são dife-rentes das médias dos meses de cheia (junho/02) , seca (dezembro/02) e va-zante (julho e agosto de 2002) (Tab. 4, em anexo). É importante observar que a maior riqueza específica deste grupo foi observada subsequentemente aos

 

Figura 3: Riqueza de rotíferos nos meses de março/2003 a fevereiro/2004 no lago Tupé.

Calixto at al.

209

meses com menor número de espécies identificadas, o que pode estar relacio-nado com a rápida capacidade de reco-lonização deste grupo de organismos face à alterações do meio ambiente (Wetzel, 1983; Smith, 2001). Não foi possível detectar diferenças espaciais significativas (p>0,05) na riqueza de espécies de Rotifera no lago Tupé, para isso utilizou-se Anova One-Way . Cladóceros

Foram identificadas 25 espécies de cladóceros, sendo a maioria frequentemente registrada para a região (Tab. 3). Até o momento apenas Alona cf. fasciculata e Pleuroxus cf. denticulatus ainda não possuíam registro na bacia Amazônica. A distribuição de Alona cf. fasciculata e Pleuroxus cf. denticulatus ainda não é totalmente conhecida. Isto porque estas espécies habitam preferencialmente a região litorânea dos lagos e raízes de macrófitas aquáticas, locais não contemplados em estudos de composição da comunidade zooplanctônica (Whiteside et al., 1978; Smirnov, 1992, 1996). Bosminidae e Chydoridae tiveram maior número de representantes. A grande diversidade registrada para Bosminidae é um fato comumente observado nos ecossistemas tropicais (Robertson & Hardy, 1984; Paggi & José de Paggi, 1990; Lansac-Tôha et al., 2004; Serafim-Júnior et al., 2005). Em Chydoridae está incluído o maior

número de espécies dentre os cladóceros, abrangendo mais de 50% de todas as espécies atualmente conhecidas deste grupo (Robertson, 2004). Estudando as regiões limnéticas e de floresta inundada ao longo dos rios Solimões-Amazonas, nos trechos entre as cidades Santo Antônio de Içá e Tefé (trecho “IC”), e Manaus e Parintins (trecho “MA”) Vásquez (2004) encontrou um total de 45 espécies de Cladocera distribuídas em oito famílias. A alta riqueza encontrada por este autor deve-se ao fato do estudo ter abrangido tanto a região pelágica quanto a floresta inundada. Mas, ao analisarmos somente os dados da região limnética, observamos que a riqueza encontrada no trecho “IC” foi de 32 espécies e “MA” foi de 20 espécies. Estudando o lago Cristalino (água preta), também no baixo rio Negro, mas na margem direita, Melo (1998) registrou 25 espécies de cladóceros. Desta forma, os valores de riqueza encontrados por estes autores foram próximos aos encontrados neste estudo, quando considerado apenas a comunidade de cladóceros planctônicos. O maior número de espécies deste grupo foi registrado na enchente (março/2003, 16 spp.) e o menor valor na seca/início da enchente (dezembro/2003 e janeiro/2004, 8 spp.). Houve diferenças sazonal na riqueza de espécies de cladóceros no lago Tupé. Pelo teste de Kruskal-Wallis esta diferença foi significativa (p < 0,05) (Fig. 4).

Distribuição espaço-temporal de riqueza e agundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

210

Não foi observada diferença significativa (p >0,05) na riqueza de cladóceros entre os locais de amostragem. Para testar isso utilizou-se ANOVA. Também não foi observado diferenças sazonais significativas na composição de espécies (Tab. 2, em anexo).

Copépodes

Foram registradas 16 espécies de copépodes, sendo 13 de calanóides e 3 espécies de ciclopóides, todas registradas anteriormente em estudos na região amazônica (Tab. 3). Brandorff (1978) comparou um lago de água branca com outro de água preta na Amazônia e encontrou 5 calanóides e 3 ciclopóides para o lago Castanho (água branca) e 7 calanóides e 1 ciclopóide para o rio Tarumã-Mirim (água preta). Em uma compilação dos estudos realizados nos lagos e rios da Amazônia, Robertson & Hardy (1984) verificaram que a comunidade de co-pépodes é normalmente composta de

1 a 4 calanóides e de 1 a 3 ciclopói-des. Por outro lado, Santos-Silva et al. (1989) estudando copépodes da represa Curuá-Una encontraram 6 espécies de calanóides e 3 de ciclopóides. Santos--Silva (1991) encontrou no lago Calado 6 espécies de copépodes calanóides. No presente estudo 7 espécies e 6 morfotipos de calanóides foram encontrados, o que representa mais do que o encontrado nos estudos citados anteriormente. Por outro lado, a fauna zooplanctônica de águas pretas da região amazônica não é suficientemente conhecida e esses morfotipos podem realmente representar espécies novas. A menor riqueza de espécies foi observada na seca (novembro/2003, 3 spp.), enquanto que em maio/2003 (final da enchente) foram observados os maiores valores. É interessante ressaltar que durante a enchente e cheia, o número de espécies registradas foi similar, assim como registrado para os cladóceros, além da riqueza de espécies não ter variado grandemente entre as estações de coleta. Houve diferença significativa (p<0,05; F=9,13) na riqueza de espécies de copépodes entre os meses estudados, mas não houve diferença (p>0,05) espacial deste atributo no lago Tupé. (Fig. 5). Por meio do teste de Tukey para as médias da riqueza foi possível observar que: a média dos meses de enchente (março, abril e maio de 2002) é significativamente diferente da média dos meses de cheia (junho/02), vazante (julho a setembro

Calixto at al.

Figura 4: Riqueza de cladóceros entre os principais períodos de variação do nível da água no lago Tupé.

 

211

de 2002) e seca (outubro a dezembro de 2002) (Tab. 5) De maneira geral, durante o período de enchente e cheia foram registrados os maiores números de espécies para todos os grupos zooplanctônicos, enquanto a menor riqueza específica de Cladocera e Copepoda foi detectada durante a seca. Vale a pena ressaltar que, não encontrar diferença significativa na riqueza de rotíferos, cladóceros e copépodes entre as estações de coleta não significa que a composição específica seja similar entre todos os locais (ver Tabs. 1, 2 e 3 em anexo). Para citar apenas alguns exemplos, entre os rotíferos, Colloteca sp. foi encontrado somente nas estações EI6 e EC11, Lepadella cristata somente ocorreu na estação EI4 e Lecane curvicornis na ET7 (Tab. 1). No caso dos cladóceros, Alona cf. incredibilis ocorreu somente nas estações ET1 e EI3, Alona cf. fasciculata na ET5 e EN12, enquanto que Disparalona acutirostris esteve

presente nas estações EI8 e EC11 (Tab. 2). Com relação aos copépodes, Rhacodiaptomus besti foi registrado somente na estação EI4, Notodiaptomus inflatus ocorreu apenas na estação EC11, Notodiaptomus sp1 na ET5 e e Notodiaptomus sp2 na EC11 (Tab. 3). Diversos fatores podem ser apontados como razão para esses organismos não ocorrerem nas demais regiões, tais como o hábito alimentar de cada espécie, disponibilidade de alimento, presença de predadores, variação nas características físico-químicas da água, luminosidade, entre outros (Pinel-Alloul, 1995; Pinel-Alloul et al., 1988).

Distribuição espaço-temporal das populações

Rotíferos

Analisando a comunidade zooplanctônica foi possível constatar que Rotifera foi o grupo que registrou maior abundância total, seguido de Cladocera e Copepoda. A menor densidade total de Rotifera foi observada durante a cheia (junho e julho/2003, aprox. 2.500 ind/m3) e o pico populacional na seca (dezembro/2003, aprox. 5.000.000 ind/m3) (Fig. 6). Os resultados obtidos para Rotifera pelo teste não-paramétrico de Kruskal-Wallis, neste estudo, ratificam as observações feitas em estudos anteriores (Brandorff & Andrade, 1978; Hardy, 1980; Carvalho, 1983; Robertson &Hardy, 1984), de que no

 

Figura 5: Riqueza de copépodes nos meses de março/2003 a fevereiro/2004, no lago Tupé.

Distribuição espaço-temporal de riqueza e agundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

212

 

Figura 7: Densidades de rotíferos (ind./m3) entre os períodos, coletados nas diferentes estações de amostragem do lago Tupé.

período de seca ocorre os maiores valores de densidade de organismos. Foi possível observar que houve diferenças significativas (p<0,05) nas densidades entre os períodos de variação do nível da água (enchente, cheia, vazante e seca) (Fig. 7). Através da ANOVA One-Way, constatou-se não haver diferenças significativas na densidade de rotíferos entre os diferentes locais de coleta (p>0,05 e F= 0,939). Brachionidae apresentou a maior contribuição relativa (Fig. 8). O pico populacional registrado

no mês de dezembro/2003 refere-se principalmente a Brachionus zahniseri var. gessneri, quando houve uma dominância desta espécie, que também foi a que apresentou a maior abundância relativa ao longo de todo o estudo (51,87%). A segunda espécie mais abundante foi Keratella americana (20,16%), seguida de Polyarthra vulgaris (7,16%) e Trichocerca similis (6,15%). Robertson & Hardy (1984) também registraram Brachionus zahniseri gessneri, B. zahniseri reductus, Keratella americana e Polyarthra vulgaris como as espécies dominantes entre os rotíferos limnéticos. Segundo este estudo, as espécies de Brachionus são bem representadas nos ecossistemas aquáticos da Amazônia.

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Figura 6: Densidade total de Rotifera (logN,

organismos/m3), no lago Tupé, de março/2003 a fevereiro/2004.

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Figura 8: Abundância relativa por famílias de Rotifera coletados no lago Tupé, de março/2003 a fevereiro/2004, nas diferentes estações de coleta. OBS: Outros (legenda) se refere às famílias com contribuição relativa inferior a 3%.

78%

9%

9%4% Brachionidae

TrichocercidaeSynchaetidaeOutros

 

Da mesma forma, Brandorff et al. (1982) encontraram para o rio Nhamundá as espécies de Brachionidae predominando nas amostras analisadas. A ocorrência destas espécies foi reportada também

213

em diversos estudos, tanto em ambientes naturais como em ambientes impactados, com ampla distribuição em todo o Brasil (Hardy, 1980; Paggi & José de Paggi, 1990; Bozelli, 1992; Bonecker et al., 1994; Lansac-Tôha et al., 2004; Serafim-Júnior et al., 2005). As espécies de Rotifera com maior abundância e frequência de ocorrência distribuíram-se de maneira similar ao padrão geral descrito na figura 6, com exceção de Polyarthra vulgaris, que não foi registrada em novembro/2003, e apresentou um pico populacional no mês subsequente. Entre as espécies menos abundantes, alguma exceções foram detectadas, como Filinia terminalis, cujas densidades aumentaram gradativamente ao longo do período de estudo e Pleosoma sp. que foi registrada apenas entre os meses de junho a agosto/2003, e entre dezembro/2003 e fevereiro/2004. As demais espécies ou não apresentaram variação entre os meses amostrados, ou foram registradas esporadicamente em algumas amostras, sempre apresentando baixas densidades populacionais.

Cladóceros A menor densidade total de Cladocera foi registrada na cheia (junho e julho/2003, aprox. 8.000 ind/m3) e a maior na seca (dezembro/2003, aprox. 2.000.000 ind/m3) (Fig. 9). As densidades entre os meses de abril e agosto/2003 foram bastante constantes. O pico populacional registrado no mês de dezembro/2003 refere-se principalmente a Bosminopsis deitersi (aprox. 1.400.000 ind/m3).

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Figura 9: Densidade total de cladóceros (logN, organismos/m3), no lago Tupé, durante os meses de março/2003 e fevereiro/2004.

Figura 10: Variações nas densidades de

cladóceros (ind./m3) nos principais períodos de coletas nas diferentes estações de amostragem do lago Tupé.

 

Foi possível constatar através do resultado do teste de Kruskal-Wallis que há diferenças significativas (p<0,05) na densidade de cladóceros entre os principais períodos do ciclo hidrológico (enchente, cheia, vazante e seca) (Fig. 10). O resultado da ANOVA One-Way demonstrou não haver diferenças significativas na densidade de cladóceros entre os diferentes locais de coleta, (p>0,05 e F= 0,767). Bosminidae foi responsável pela maior contribuição relativa de cladóceros (Fig. 11), sendo Bosminopsis deitersi a espécie dominante. A

Distribuição espaço-temporal de riqueza e agundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

214

88%

3%8% 1%

BosminidaeDaphiinidaeMoinidaeOutros

 Figura 11: Abundância relativa por famílias de cladóceros coletados no lago Tupé, de março/2003 a fevereiro/2004, nas diferentes estações de coleta. OBS: Outros (legenda) se refere às famílias com contribuição relativa inferior a 3%.

dominância de B. deitersi foi registrada também por Hardy (1980) que constatou abundâncias relativas próximas a 90% para esta espécie nos lagos de água preta, Cristalino e Tarumã-Mirim. A dominância desta espécie também foi reportada por Robertson & Hardy (1984) como bastante comum em ecossistemas amazônicos. A persistência ao longo de todo o estudo e seu máximo populacional durante a seca pode estar relacionada com a estabilidade das características hidrológicas do lago, que neste período não é influenciado pelo Rio Negro. Além disto, observa-se maior quantidade de material em suspensão, o que favorece o desenvolvimento desta espécie, caracterizada por uma alta adaptabilidade a modificações ambientais (Paggi & José de Paggi, 1990; Aprile & Darwich, 2005; Darwich et al., 2005). O padrão representado na figura 7 descreve a distribuição temporal das espécies com maior abundância relativa, como B. deitersi (67,31%), Bosmina sp. (11,31%), Moina minuta (7,78%) e Ceriodaphnia cornuta (3,32%). Diaphanosoma polyspina, no entanto, apresentou padrão diferente, com maiores densidades populacionais nos meses de março (aprox. 6.400 ind/m3) e dezembro/2003 (aprox. 3.400 ind/m3), enquanto nos demais meses, as densidades foram menores (aprox. 200-700 ind/m3). Bosminopsis negrensis apresentou registros apenas nos meses de junho a setembro/2003, assim como Moina rostrata.

Holopedium amazonicum não foi observado nos meses de junho e novembro/2003, e seu registro foi esporádico nos demais meses, com exceção de um pico de indivíduos no mês de janeiro/2004 (aprox. 9.200 ind/m3). A ocorrência de H. amazonicum já foi registrada desde pequenas populações até como dominante de um sistema, especialmente os lagos de água preta, uma vez que estes organismos habitam águas com baixa dureza, pH e condutividade (Robertson & Hardy, 1984; Rowe, 2000). Um fator a ser considerado também é sua distribuição vertical, uma vez que suas maiores populações foram registradas por Previatelli et al. (2005) e Ghidini (2007) dentro da faixa dos 3 metros de profundidade. As demais espécies, como os representantes de Chydoridae, Macrothricidae, Ilyocryptidae

Calixto at al.

215

Figura 13: Densidades de copépodes (ind./m3) nos principais períodos de coleta nas diferentes estações de amostragem do lago Tupé.

Figura 12: Densidade total de copépodes (logN, organismos/m3), no lago Tupé, de março/2003 a fevereiro/2004

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/m3)

 

tiveram apenas registros esporádicos nas amostras, fato associado principalmente pelos representantes destas famílias habitarem, geralmente, a região litorânea, bancos de macrófitas, ou viverem associados ao sedimento (Smirnov, 1992, 1996).

Copépodes

Assim como registrado para os cladóceros, as menores densidades totais de copépodes adultos ocorreram durante a cheia, mais precisamente no mês de julho/2003 (aprox. 1.500 ind/m3), seguido de progressivo aumento até o registro de seus valores mais altos em dezembro/2004 (aprox. 620.000 ind/m3) (Fig. 12). O pico no número de indivíduos registrado neste mês refere-se, principalmente a Oithona amazonica. A dominância desta espécie também foi observada por Robertson & Hardy (1984), Brandorff et al. (1982) e Bozelli (2000). Assim, como encontrado para os demais grupos zooplanctônicos, verificamos pelo teste de Kruskal-Wallis

 

que há diferença significativa (p<0,05) na densidade de copépodes entre os principais períodos de enchente, cheia, vazante e seca (Fig. 13).

A distribuição específica dos copépodes segue o padrão geral descrito na figura 12, especialmente para as espécies mais abundantes do estudo, como Oithona amazonica (96,57%), Aspinus acicularis (2,61%) e Mesocyclops brasilianus (0,17%). As demais espécies foram esporádicas nas amostras ou suas densidades ao longo dos meses foram pequenas. A distribuição de M. brasilianus já foi reportada para a bacia Amazônica, e o mesmo pode ser dito para A. acicularis registrado como dominante em outros estudos realizados na região, além de ser mais frequentemente encontrado em lagos de água preta (Robertson & Hardy, 1984; Guitiérrez-Aguirre et al., 2006). Notodiaptomus sp5 e sp6 foram encontradas apenas entre os meses de abril a setembro/2003.

Distribuição espaço-temporal de riqueza e agundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

216

Os valores de densidade populacional e contribuição relativa dos Cyclopoida foram mais altos que para os representantes da ordem Calanoida (Fig. 14). Oithona amazonica, por exemplo, apresentou valores de densidade até 10 vezes superiores às densidades registradas para os Calanoida, neste estudo principalmente representado por Aspinus acicularis.

calanóides quando comparados aos ciclopóides. De acordo com Lazzaro (1987), os copépodes calanóides apresentam maior poder de escape que os ciclopóides, pelo fato destes últimos apresentarem movimentos saltatórios erráticos, ao passo que o movimento dos calanóides é deslizante. Apesar desta observação ter sido feita em relação à presença de predadores planctívoros, a ideia de que estes organismos evitam tanto predadores bem como os aparatos de coleta, já vem sendo discutida a bastante tempo. Segundo Lowe (1935, apud Fleminger & Clutter,1972), existem evidências morfológicas da presença de um sistema nervoso em Calanus, um calanóide, envolvido no suprimento dos músculos que são usados nos movimentos de escape. Além disto, os copépodes são capazes de perceber estímulos vibracionais no ambiente aquático através da pressão causada pela rede de coleta ao ser introduzida na coluna d’água e, assim, evitar sua captura (Fleminger & Clutter, 1972). Por estas questões não terem sido contempladas neste estudo, acreditamos que em estudos futuros as mesmas poderão ser elucidadas. Com relação a distribuição espacial deste grupo, ao analisarmos os resultados da ANOVA, verificamos diferença significativa na densidade de copépodes entre as estações de coleta (p<0,05 e F= 2,19) (Fig.15). Analisando os dados obtidos pelo teste de Tukey para médias das densidades populacionais de copépodes, foi possível observar que

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Figura 14: Abundância relativa das ordens de copépodes coletados no lago Tupé, de março/2003 a fevereiro/2004, nas diferentes estações de coleta.

3%

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Calanoida

Cyclopoida

 

Várias questões estão envolvidas nas diferenças de proporções de indivíduos ciclopóides e calanóides encontrados nas amostras de plâncton de água doce. Uma delas diz respeito a questões ecológicas destes organismos. De acordo com Matsumura-Tundisi et al. (1987), a dominância de copépodes da ordem Cyclopoida sobre Calanoida pode estar associada a diferenças ecológicas entre os grupos, uma vez que Cyclopoida abrange indivíduos geralmente onívoros, o que confere uma maior adaptabilidade a estes organismos. Outra questão a se considerar diz respeito à capacidade de fuga dos

217

a média da estação EI8 (igarapé Terra Preta) é significativamente diferente das médias das estações ET9 e ET1 e igual à média das demais estações de amostragem (Tab. 6). A heterogeneidade espacial das abundâncias destes organismos ainda não pode ser completamente entendida, porém sabe-se que a comunidade zooplanctônica possui adaptabilidades diferenciadas quanto ao tipo de ambiente em que vivem. De uma forma geral, foi possível observar que todos os grupos registraram um máximo de densidade na seca (dezembro/2003), representado principalmente por uma ou duas espécies que dominaram neste período. Isto denota claramente que as modificações no ambiente durante este período, especialmente o aumento na estabilidade do sistema favoreceram o desenvolvimento de Brachionus zahniseri gessneri, Bosminopsis deitersi e Oithona amazonica, que foram dominantes.

A redução na abundância registrada durante a cheia pode estar relacionada com as modificações na paisagem do lago, proporcionadas pelo aumento no volume de água e na disponibilidade de habitats. Segundo Lansac-Tôha et al. (1997), no período de águas altas os ambientes apresentam características mais próximas as dos rios (potâmicas) e o alagamento das margens promove o aumento do número de habitats, bem como a incorporação de ambientes isolados durante a fase de águas baixas. Carvalho (1983) cita que é esperado que as maiores densidades populacionais da comunidade zooplanctônica em lagos sejam registradas durante a seca, quando é observada uma maior quantidade de material em suspensão e, consequentemente, maior oferta de alimento promovida pelo aumento da contribuição dos igarapés no lago. O registro de maiores densidades populacionais na seca em planícies de inundação também foi observado por Frutos (1993); Espíndola et al. (1996); Serafim-Júnior (1997) e Lansac-Toha et al. (2004). José de Paggi & Paggi (2007) relataram que a conectividade do lago com o rio é um importante fator de influência na flutuação dos atributos da comunidade zooplanctônica. A variação sazonal decorrente da subida e descida do nível das águas nos rios de planícies de inundação favorece periódicas modificações na composição e abundância das comunidades residentes. Assim como

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Figura 15: Densidades de copépodes (ind/m3) nas diferentes estações de coleta no lago Tupé, de março/2003 a fevereiro/2004.

Distribuição espaço-temporal de riqueza e agundância do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

218

observado nos estudos realizados por Robertson & Hardy (1984) e Santos-Silva (1991), nos quais foram identificadas maiores densidades de copépodes no período de seca, aqui também verificamos que os maiores valores de densidade de indivíduos ocorreram nessa época. As menores densidades, por sua vez, foram observadas no período de águas altas. As possíveis explicações para esse fato seria que na época de seca os corpos d’água tornam-se pouco profundos e os ventos fazem com que ocorra a re-suspensão dos nutrientes contidos no sedimento, disponibilizando-os para o fitoplâncton (Rai & Hill, 1981b, 1982; Fisher, 1979). Dessa forma, ocorreria um aumento da produtividade primária e, consequentemente, o enriquecimento de todo o sistema. É importante ressaltar ainda que, em ambientes com águas húmicas (como os lagos de água preta), o zooplâncton pode crescer ou se reproduzir independentemente da produção primária, que geralmente é reduzida (Daniel et al., 2005). Um outro fator seria a diminuição na predação por peixes planctófagos e larvas de Diptera, como por exemplo, larvas de Chaoborus. Apesar de não termos avaliado neste estudo a influência da predação sobre a comunidade de copépodes, Santos-Silva (1991) verificou que no lago Calado as maiores densidades de larvas de Chaoborus sp. coincidiram com as menores abundâncias de calanóides adultos.

Previattelli et al. (2005) realizaram um estudo envolvendo a predação do zooplâncton pelo peixe planctívoro Hypophtalmus sp. (mapará) no lago Tupé e constataram a presença do peixe apenas nos meses de julho, agosto e dezembro/2003. Nos meses de junho e julho/2003, a maior parte do conteúdo estomacal destes organismos era composta por cladóceros, enquanto em dezembro/2003 foi composto por ciclopóides, porém o primeiro grupo parece ser o mais predado (vide Previattelli & Santos-Silva neste volume). Além disto, Darwich et al. (2005) observaram no lago Tupé que na época de seca ocorrem maiores concentrações de oxigênio dissolvido, em oposição aos períodos de cheia, o que pode estar ligado ao sucesso dos rotíferos, copépodes e cladóceros no mês de dezembro/2003 (seca), que apresentaram uma densidade bastante expressiva. Desta forma, nota-se que existe grande relação entre a composição e distribuição espaço-temporal do zooplâncton com o nível da água nos ecossistemas da bacia amazônica (Brandorff & Andrade, 1978; Carvalho, 1983). Se observarmos a profundidade média do lago Tupé e rio Negro ao longo do período estudado descrita por Aprile & Darwich (2005), nota-se que houve um aumento progressivo no nível de água do lago registrado a partir de janeiro/2003 até seu máximo em junho-julho/2003, seguido de uma rápida redução no nível da água entre agosto e outubro/2003 (Fig.15). Pelas razões

Calixto at al.

219

 

acima citadas, acreditamos que isto pode estar relacionado com a variação nas densidades e riqueza específica dos grupos zooplanctônicos estudados. Um fato interessante que demonstra como a flutuação do nível do rio principal interfere na dinâmica da comunidade zooplanctônica de um lago é relatado por Brandorff & Andrade (1978). Estes autores observaram que a entrada de água do rio Amazonas no lago Jacaretinga promoveu a redução e desaparecimento da comunidade zooplanctônica no lago. Tal fato não foi constatado no lago Tupé, onde mesmo ocorrendo um declínio populacional a diferença não foi extrema e houve um aumento na riqueza de espécies. No entanto, é importante considerar que o lago Jacaretinga é um lago de água branca e que existe uma quantidade muito elevada de sedimentos em suspensão na água que entra no lago, o que não acontece no lago Tupé, uma vez que a quantidade de material carreado pelo rio Negro é bastante reduzida.

Figura 15: Nível da água no rio Negro (medido no Porto de Manaus) e do lago Tupé (medido na Estação Central – ET10), entre os meses de outubro/02 e março/04. (Extraído de Aprile & Darwich, 2005).

Referências bibliográficas

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n, 1

898)

< 0,

010,

69X

Tric

hoce

rca

sim

ilis

(Wie

rzej

ski,

1893

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1554

,17

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Tric

hoce

rca

sim

ilis g

rand

is (H

auer

, 196

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5944

,44

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Tric

hoce

rca

capu

cina

(Wie

rzej

ski &

zac

haria

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93)

1,53

56,2

5X

XX

XX

XX

XX

XX

Fam

ília

Tric

hoci

dae

Mac

roch

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s sp

.0,

011,

39X

XX

Ord

em B

dello

idea

NC

20,8

3X

XX

X

X

X

XX

X

Cont

inua

ção

Calixto at al.

Fam

ília

Test

udin

ellid

ae

Test

udin

ella

muc

rona

ta (G

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, 188

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stud

inel

la m

ucro

nata

(Gos

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886)

Test

udin

ella

muc

rona

ta<

0,01

0,69

X

Test

udin

ella

pat

ina

var.

dend

radi

na (B

eauc

ham

p,

Test

udin

ella

pat

ina

var.

dend

radi

na (B

eauc

ham

p,

Test

udin

ella

pat

ina

var.

dend

radi

na19

55)

< 0,

010,

69X

Test

udin

ella

pat

ina

patin

a (H

erm

ann,

178

3)Te

stud

inel

la p

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a pa

tina

(Her

man

n, 1

783)

Test

udin

ella

pat

ina

patin

a<

0,01

1,39

XX

Fam

ília

Tric

hoci

dae

Mac

roch

aetu

s sp

.0,

011,

39X

XX

229

Distribuição espaço-temporal do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

Táxo

nsA.

R.F.

ET1

EI2

EI3

EI4

ET5

EI6

ET7

EI8

ET9

ET10

EC11

EN12

Fam

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Bosm

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3X

XX

XX

XX

XX

XX

X

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ina

hagm

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, 190

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2633

,33

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Bosm

ina

tubi

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Breh

m, 1

953

0,72

45,8

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XX

XX

XX

XX

XX

X

Bosm

ina

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11,3

163

,89

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Bosm

inop

sis b

rand

orff

i Rey

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989

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015,

56X

XX

X

Bosm

inop

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rsi R

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197

,22

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Bosm

inop

sis n

egre

nsis

Bra

ndor

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976

< 0,

014,

86X

X

Fam

ília

Chyd

orid

ae

Alon

ella

dad

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191

0<

0,01

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XX

XX

XX

XX

XX

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a cf

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, 189

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0,01

0,69

XX

Alon

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905

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012,

08X

X

Chyd

orus

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011,

39X

X

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187

9)<

0,01

0,69

XX

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ia la

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< 0,

011,

39X

X

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roxu

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010,

69X

Fam

ília

Daph

iinid

ae

Cerio

daph

nia

corn

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, 188

63,

3277

,78

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Cerio

daph

nia

retic

ulat

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urin

e, 1

820)

< 0,

010,

69X

Cont

inua

Tabe

la 2

: Abu

ndân

cia

rela

tiva,

freq

uênc

ia d

e oc

orrê

ncia

nas

am

ostr

as e

com

posi

ção

entr

e as

est

açõe

s co

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das

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cera

, no

lago

Tup

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ntre

os

mes

es d

e m

arço

/200

3 e

feve

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/200

4.

Fam

ília

Bosm

inid

ae

Bosm

ina

long

irost

ris (O

.F. M

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r, 17

85)

Bosm

ina

long

irost

ris (O

.F. M

ulle

r, 17

85)

Bosm

ina

long

irost

ris8,

1945

,83

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Bosm

ina

hagm

anni

Stin

gelin

, 190

40,

2633

,33

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Bosm

ina

tubi

cen

Breh

m, 1

953

0,72

45,8

3X

XX

XX

XX

XX

XX

X

Bosm

ina

sp.

Bosm

ina

sp.

Bosm

ina

11,3

163

,89

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Bosm

inop

sis b

rand

orff

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Bo

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s bra

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ffi R

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Bosm

inop

sis b

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XX

XX

Bosm

inop

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rd, 1

895

Bosm

inop

sis d

eite

rsi R

icha

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895

Bosm

inop

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rsi

67,3

197

,22

XX

XX

XX

XX

XX

XX

Bosm

inop

sis n

egre

nsis

Bra

ndor

ff, 1

976

Bosm

inop

sis n

egre

nsis

Bra

ndor

ff, 1

976

Bosm

inop

sis n

egre

nsis

< 0,

014,

86X

X

Fam

ília

Daph

iinid

ae

Cerio

daph

nia

corn

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Sars

, 188

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886

Cerio

daph

nia

corn

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XX

XX

XX

XX

XX

X

Cerio

daph

nia

retic

ulat

a (J

urin

e, 1

820)

Cerio

daph

nia

retic

ulat

a (J

urin

e, 1

820)

Cerio

daph

nia

retic

ulat

a<

0,01

0,69

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ntin

ua

230

Fam

ília

Hol

oped

idae

Hol

oped

ium

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Stin

gelin

, 190

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3927

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XX

XX

XX

XX

XX

XX

Fam

ília

Ilyoc

rypt

idae

Ilyoc

rypt

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188

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0,01

4,86

XX

XX

Fam

ília

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ae

Mac

roth

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0,01

0,69

XX

Fam

ília

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n, 1

899

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XX

XX

XX

XX

XX

X

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ticul

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905)

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012,

08X

X

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0331

,94

XX

XX

XX

XX

XX

X

Fam

ília

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981

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012,

78X

X

Diap

hano

som

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Koro

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, 198

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6470

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XX

XX

XX

XX

XX

XX

Diap

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0,01

0,69

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Calixto at al.

Fam

ília

Ilyoc

rypt

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Ilyoc

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2Ily

ocry

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spin

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k, 1

882

Ilyoc

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0,01

4,86

XX

XX

Fam

ília

Moi

nida

e

Moi

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a H

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n, 1

899

Moi

na m

inut

a H

anse

n, 1

899

Moi

na m

inut

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7859

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XX

XX

XX

XX

XX

XX

Moi

na re

ticul

ata

(Dad

ay, 1

905)

Moi

na re

ticul

ata

(Dad

ay, 1

905)

Moi

na re

ticul

ata

< 0,

012,

08X

X

Moi

na ro

stra

ta M

cNai

r, 19

80M

oina

rost

rata

McN

air,

1980

Moi

na ro

stra

ta0,

0331

,94

XX

XX

XX

XX

XX

X

231

Distribuição espaço-temporal do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

Táxo

nsA.

R.F.

ET1

EI2

EI3

EI4

ET5

EI6

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EI8

ET9

ET10

EC11

EN12

Ord

em C

alan

oida

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cicu

laris

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ff, 1

973

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XX

XX

XX

XX

XX

XX

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diap

tom

us c

oron

atus

(Sar

s, 19

01)

0,02

0,01

XX

XX

XX

XX

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ylod

iapt

omus

pea

rsei

(Wrig

ht, 1

927)

0,01

0,01

XX

XX

XX

XX

XX

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odia

ptom

us c

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roid

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, 192

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0,01

< 0,

01X

Not

odia

ptom

us in

flatu

s (K

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r, 19

33)

< 0,

01<

0,01

X

Not

odia

ptom

us s

p1<

0,01

< 0,

01X

Not

odia

ptom

us sp

2<

0,01

< 0,

01X

Not

odia

ptom

us sp

30,

040,

03X

XX

Not

odia

ptom

us s

p4<

0,01

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01X

XX

XX

X

Not

odia

ptom

us s

p50,

010,

01X

XX

XX

X

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odia

ptom

us b

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Sant

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n, 1

993

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01<

0,01

X

Rhac

odia

ptom

us re

trof

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s Br

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1973

0,40

0,28

XX

XX

XX

XX

XX

X

Rhac

odia

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us s

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140,

10X

XX

Ord

em C

yclo

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Mes

ocyc

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bra

silia

nus

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956

0,17

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XX

XX

XX

XX

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ona

amaz

onic

a Fe

rrar

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980

96,5

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XX

XX

XX

XX

XX

XX

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0,01

0,01

X

X

X

XX

XX

X

Tabe

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: Abu

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rela

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no

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ntre

os

mes

es d

e m

arço

/200

3 e

feve

reiro

/200

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232

Com

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ção

Dife

renç

a da

s m

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sEr

ro p

adrã

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0.05

,131

,12

=

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/03

X M

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31,

7828

0,13

287

0,00

0018

(p<0

,05)

JUN

/03

X AB

R/03

1,72

860,

1328

70,

0000

18 (p

<0,0

5)

JUN

/03

X M

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31,

7573

0,13

287

0,00

0018

(p<0

,05)

JUN

/03

X JU

L/03

1,76

370,

1328

70,

0000

18 (p

<0,0

5)

JUN

/03

X AG

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31,

9577

0,13

287

0,00

0022

(p<0

,05)

JUN

/03

X O

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031,

8921

0,13

287

0,00

0018

(p<0

,05)

JUN

/03

X N

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031,

8085

0,13

287

0,00

0018

(p<0

,05)

JUN

/03

X DE

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2,25

340,

1328

70,

0329

07 (p

<0,0

5)

SET/

03 X

MAR

/03

1,78

280,

1328

70,

0295

90 (p

<0,0

5)

SET/

03 X

ABR

/03

1,72

860,

1328

70,

0083

70 (p

<0,0

5)

SET/

03 X

MAI

/03

1,75

730,

1328

70,

0166

84 (p

<0,0

5)

SET/

03 X

JU

L/03

1,76

370,

1328

70,

0193

29 (p

<0,0

5)

DEz/

03 X

ABR

/03

1,72

860,

1328

70,

0215

37 (p

<0,0

5)

DEz/

03 X

MAI

/03

1,75

730,

1328

70,

0407

41 (p

<0,0

5)

DEz/

03 X

JU

L/03

1,76

370,

1328

70,

0466

36 (p

<0,0

5)

JAN

/04

X M

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31,

7828

0,13

287

0,00

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(p<0

,05)

JAN

/04

X AB

R/03

1,72

860,

1328

70,

0009

62 (p

<0,0

5)

JAN

/04

X M

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31,

7573

0,13

287

0,00

2207

(p<0

,05)

JAN

/04

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031,

8085

0,13

287

0,00

2633

(p<0

,05)

FEV/

04 X

MAR

/03

1,78

280,

1328

70,

0020

05 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

ABR

/03

1,72

860,

1328

70,

0004

06 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

MAI

/03

1,75

730,

1328

70,

0009

54 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

JU

L/03

1,76

370,

1328

70,

0011

51 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

OU

T/03

1,89

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1328

70,

0314

14 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

NO

V/03

1,80

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1328

70,

0040

42 (p

<0,0

5)

Tabe

la 4

: Tes

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e ve

rific

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das

var

iânc

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de

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era

(tes

te d

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par

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rent

es m

eses

de

cole

ta.

Tabe

la 5

: Tes

te d

e ve

rific

ação

das

var

iânc

ias

da ri

quez

a es

pecí

fica

de

Cope

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(tes

te d

e Tu

key)

par

a os

dife

rent

es m

eses

de

cole

ta.

Com

para

ção

Dife

renç

a da

s m

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sEr

ro p

adrã

oq

0.05

,132

,12

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/03

X M

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34,

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1,06

120,

0364

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<0,0

5)

JUN

/03

X M

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34,

4167

1,06

120,

0091

45 (p

<0,0

5)

JUL/

03 X

MAR

/03

4,25

001,

0612

0,00

4258

(p<0

,05)

JUL/

03 X

ABR

/03

4,08

331,

0612

0,01

8737

(p<0

,05)

JUL/

03 X

MAI

/03

4,41

671,

0612

0,00

0803

(p<0

,05)

AGO

/03

X M

AR/0

34,

2500

1,06

120,

0091

45 (p

<0,0

5)

AGO

/03

X AB

R/03

4,08

331,

0612

0,03

6425

(p<0

,05)

AGO

/03

X M

AI/0

34,

4167

1,06

120,

0019

03 (p

<0,0

5)

OU

T/03

X M

AR/0

34,

2500

1,06

120,

0091

45 (p

<0,0

5)

OU

T/03

X A

BR/0

34,

0833

1,06

120,

0364

25 (p

<0,0

5)

OU

T/03

X M

AI/0

34,

4167

1,06

120,

0019

03 (p

<0,0

5)

NO

V/03

X M

AR/0

34,

2500

1,06

120,

0000

18 (p

<0,0

5)

NO

V/03

X A

BR/0

34,

0833

1,06

120,

0000

18 (p

<0,0

5)

NO

V/03

X M

AI/0

34,

4167

1,06

120,

0000

18 (p

<0,0

5)

NO

V/03

X J

UN

/03

2,83

331,

0612

0,03

6425

(p<0

,05)

NO

V/03

X S

ET/0

33,

8333

1,06

120,

0000

18 (p

<0,0

5)

NO

V/03

X F

EV/0

42,

8333

1,06

120,

0364

25 (p

<0,0

5)

DEz/

03 X

MAR

/03

4,25

001,

0612

0,00

0803

(p<0

,05)

DEz/

03 X

ABR

/03

4,08

331,

0612

0,00

4258

(p<0

,05)

DEz/

03 X

MAI

/03

4,41

671,

0612

0,00

0137

(p<0

,05)

DEz/

03 X

SET

/03

3,83

331,

0612

0,03

6425

(p<0

,05)

JAN

/04

X M

AR/0

34,

2500

1,06

120,

0042

58 (p

<0,0

5)

JAN

/04

X AB

R/03

4,08

331,

0612

0,01

8737

(p<0

,05)

JAN

/04

X M

AI/0

34,

4167

1,06

120,

0008

03 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

MAR

/03

4,25

001,

0612

0,03

6425

(p<0

,05)

FEV/

04 X

MAI

/03

4,41

671,

0612

0,00

9145

(p<0

,05)

Calixto at al.

JUN

/03

X M

AR/0

31,

7828

0,13

287

0,00

0018

(p<0

,05)

JUN

/03

X M

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34,

2500

1,06

120,

0364

25 (p

<0,0

5)

JUL/

03 X

MAI

/03

4,41

671,

0612

0,00

0803

(p<0

,05)

OU

T/03

X M

AR/0

34,

2500

1,06

120,

0091

45 (p

<0,0

5)

NO

V/03

X A

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34,

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0000

18 (p

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5)

NO

V/03

X F

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0364

25 (p

<0,0

5)

DEz/

03 X

SET

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3,83

331,

0612

0,03

6425

(p<0

,05)

FEV/

04 X

MAR

/03

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0612

0,03

6425

(p<0

,05)

JUL/

03 X

MAR

/03

4,25

001,

0612

0,00

4258

(p<0

,05)

AGO

/03

X AB

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4,08

331,

0612

0,03

6425

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OU

T/03

X M

AI/0

34,

4167

1,06

120,

0019

03 (p

<0,0

5)

NO

V/03

X J

UN

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2,83

331,

0612

0,03

6425

(p<0

,05)

DEz/

03 X

ABR

/03

4,08

331,

0612

0,00

4258

(p<0

,05)

JAN

/04

X AB

R/03

4,08

331,

0612

0,01

8737

(p<0

,05)

JUN

/03

X AG

O/0

31,

9577

0,13

287

0,00

0022

(p<0

,05)

SET/

03 X

MAR

/03

1,78

280,

1328

70,

0295

90 (p

<0,0

5)

DEz/

03 X

ABR

/03

1,72

860,

1328

70,

0215

37 (p

<0,0

5)

JAN

/04

X AB

R/03

1,72

860,

1328

70,

0009

62 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

ABR

/03

1,72

860,

1328

70,

0004

06 (p

<0,0

5)

JUN

/03

X M

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31,

7573

0,13

287

0,00

0018

(p<0

,05)

JUN

/03

X N

OV/

031,

8085

0,13

287

0,00

0018

(p<0

,05)

SET/

03 X

MAI

/03

1,75

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1328

70,

0166

84 (p

<0,0

5)

DEz/

03 X

JU

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1,76

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1328

70,

0466

36 (p

<0,0

5)

JAN

/04

X N

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0,00

2633

(p<0

,05)

FEV/

04 X

JU

L/03

1,76

370,

1328

70,

0011

51 (p

<0,0

5)

FEV/

04 X

NO

V/03

1,80

850,

1328

70,

0040

42 (p

<0,0

5)

233

Distribuição espaço-temporal do zooplâncton no lago Tupé, baixo rio Negro, Amazonas, Brasil

Comparação Diferença das médias Erro padrão q 0.05,144,12 = 4,622

E18 X ET1 3,1704 0,170425 0,004187 (p<0,05)

E18 X ET9 3,3162 0,170425 0,001995 (p<0,05)

Tabela 6: Teste de verificação das variâncias da densidade populacional de Copepoda (teste de Tukey) para as diferentes estações de coleta.

235

1,2 André Ricardo GHIDINIe-mail: [email protected]

2 Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

1 Laboratório de Plãncton, Coordenação de Biodiversidade – CBIO, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.

2Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior (BADPI), INPA.

Ocorrência de cladóceros (Crustacea: Anomopoda) associados à esponjas (Porifera: Demospongiae: Metaniidae) no lago Tupé, AM, Brasil

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 13

Resumo: No lago Tupé já foram encontradas várias espécies de esponjas. As espécies de Drulia estão entre as mais abundantes e neste estudo chamou a atenção por seu exoesqueleto formar habitat propício à ocorrência, em associação, de vários organismos. Para verificar se havia cladóceros vivendo em associação com Drulia, foram coletados indivíduos submersos a cerca de meio metro da superfície, em janeiro/2010, no período de enchente. Os indivíduos coletados foram acondicionados em sacos plásticos cheios de água do local e transportados em caixa de poliestireno expandido para o Laboratório de Plâncton do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e transferidos para um aquário com oxigenação constante. No início deste cultivo e ao completar 30, 60 e 90 dias respectivamente, foi passada por uma peneira de malha de 55 μm pela água. O

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

236

Entre os componentes faunísticos de ambientes aquáticos da Amazônia podemos destacar esponjas dulcícolas que estão agrupadas em assembléias que se diferenciam entre cada tipo de ambiente que colonizam (Volkmer-Ribeiro, 1981). Esponjas já foram observadas não só em ambientes aquáticos permanentes, mas também no igapó e várzea, regiões estas que são afetadas diretamente pelo pulso de inundação. Nestes ambientes, a sobrevivência dos organismos se dá pela produção de gêmulas que ficam depositadas dentro da matriz extracelular silicosa, as quais resistem ao período de águas baixas (dessecação) e ao serem inundadas novamente constituem novas esponjas sobre o mesmo local (Volkmer-Ribeiro & Almeida, 2005). Entre os poucos estudos em ambientes de água preta na bacia Amazônica, foram registradas altas abundâncias Drulia no rio Tarumã-Mirim, localizado nas proximidades

de Manaus (Chauvel et al., 1996). Volkmer-Ribeiro & Almeira (2005) registram 11 espécies de esponjas no lago Tupé (Manaus, AM), associando de Metaniidae a galhos de vegetação maiores e rochas enquanto membros e família Spongillidae colonizaram principalmente a serapilheira submersa. Entre as espécies mais abundantes pode-se citar Drulia browni (Bowerbank, 1867) e D. uruguayensis Bonetto & Ezcurra de Drago, 1968 (Fig. 1). Embora existam diversos níveis de relações ecológicas envolvendo esponjas, as mesmas geralmente apresentam relações simbióticas com diversos crustáceos, os quais habitam sua superfície ou interior como refúgio, além de aproveitarem o fluxo de águas criado pelas células das esponjas para capturar partículas alimentares (Brusca & Brusca, 2007). Observações anteriores não publicadas apontam a presença de cladóceros em associação com estas esponjas no lago Tupé, AM

Ghidini & Silva

material retido na peneira foi examinado sob microscópio estereoscópico. Foram encontrados cinco táxons de cladóceros: Alonella dadayi, Ephemeroporus barroisi, Ilyocryptus spiniger, Bosmina sp. e Alona iheringula. Esta última espécie foi a mais abundante durante todo o cultivo. As demais só ocorreram nos primeiros 60 dias de cultivo. Além das formas ativas dessas espécies, observou-se grande número de ovos de resistência e também machos de A. iheringula, mas fêmeas efipiais não foram encontradas. Este é o primeiro registro de ocorrência de A. iheringula para o estado do Amazonas. Nos ambientes dulcícolas da Amazônia ocorrem várias espécies de esponjas. É possível que muitos outros organismos ocorram em associação com estas esponjas. São necessários estudos mais abrangentes e sistematizados para verificar esta hipótese.

Palavras-chave: esponjas dulcícolas, Drulia, cladóceros, associação, águas pretas

237

Ocorrência de cladóceros (Crustacea: Anomopoda) associados à esponjas (Porifera: Demospongiae: Metaniidae) no lago Tupé...

Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi detectar a presença de cladóceros associados a esponjas Drulia no lago Tupé. Para atender este objetivo, esponjas foram coletadas durante o período de águas altas do lago Tupé, quando as mesmas estavam parcialmente submersas, ou visíveis (em janeiro/2010). A coleta foi realizada manualmente, cortando-se o galho em que as mesmas estavam fixadas, e acondicionando o organismo inteiro em um saco plástico de 5 l de capacidade, junto com água do local. As mesmas foram levadas ao laboratório de Plâncton, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), onde foram colocadas em um aquário fechado com a água do local de coleta, e com oxigenação constante. Utilizando uma peneira de separação de plâncton com abertura de malha de rede de 55μm, amostras de água foram tomadas no início do cultivo e após 30, 60 e 90 dias. Monitoramentos irregulares foram feitos posteriormente a este tempo.

Figura 2: Espécimes de Drulia sp. (A), com detalhes do sistema de canais aquíferos (B).

 

 

Figura 1: Exemplar de Drulia browni coletado no Lago Tupé, AM, Brasil. Imagem extraída de Volkmer-Ribeiro & Almeida, 2005.

Apenas 5 morfotipos de cladóceros foram encontradas nos cultivos realizados, observadas não só na água livre, mas também dentro de pedaços das esponjas, em meio aos poros (fig. 2)

Alonella dadayi, Ephemeroporus barroisi e Ilyocryptus spinifer foram observados esporadicamente nas amostras, sempre na água livre, nos primeiros 60 dias de cultivo. A ocorrência destes organismos se deve ao hábito bentônico dos mesmos, os quais conseguem explorar as esponjas e o sedimento acumulado nas mesmas (Smirnov, 1996; Kotov & Stifter, 2006). Também foram observadas

A

B

238

formas jovens de Bosmina sp., porém apenas no momento inicial do cultivo. Frequentemente foram observados ovos de resistência de cladóceros nas amostras (fig. 3. A e B). Alona iheringula foi a mais observada nos cultivos, tanto na água livre como dentro da matriz extracelular das esponjas (Figs. 3. C e D; Figs 4. A e C). Esta espécie neotropical já foi registrada anteriormente em muitos estados brasileiros (Elmoor Loureiro, 2010), porém seu registro para o Amazonas é inédito. Esta espécie não foi observada em nenhum outro micro-hábitat do lago Tupé (ver Previatelli & Santos-Silva e Calixo et al., neste volume), porém sabe-se que a mesma pertence ao grupo de espécies A. costata, cujos membros possuem adaptações típicas para habitar ambientes ácidos (VanDamme & Dumont, 2010). Se levarmos em consideração que a estrutura corpórea das esponjas constitui um substrato favorável para muitos metazoários (como crustáceos, moluscos, insetos e anelídeos) e também proporciona o desenvolvimento de microalgas simbiônticas (Frost et al., 2001), era esperado encontrar cladóceros vivendo associados a estes animais. No lago Tupé, e em muito outros ambientes da planície de inundação, as esponjas crescem apenas no período de águas altas (cheia e parte da enchente e vazante), desenvolvendo gêmulas que resistem a dessecação e permitem a re-colonização dos organismos quando voltar a crescer (Volkmer-Ribeiro & Almeida, 2005). Esta adaptação compete também à fauna associada, que deve

Figura 3: A) Presença de ovos de resistência de cladóceros, indicados pelas flechas, na água livre do aquário. B) Detalhe dos ovos de resistência. C) Fêmea partenogenética de Alona iheringula e D) Detalhe do pós-abdômen das fêmeas de A. iheringula.

Figura 4: Macho de Alona iheringula (A), com detalhe do pós-abdômen (B) e da modificação da perna 1 (C).

   

 

desenvolver formas de adaptação à perda do hábitat. No presente estudo foi possível

A

C

A

C

B

D

B

Ghidini & Silva

239

observar um grande número de ovos de resistência na água do cultivo, além de terem sido observados machos da espécie A. iheringula, elementos estes envolvidos nos processos de adaptação e resistência a modificações do ambiente, através da reprodução sexuada (Fig. 4). Nas amostras não foram observadas fêmeas efipiais. Embora estudos sobre a ecologia de esponjas dulcícolas do Brasil ainda sejam escassos, aponta-se que a fauna brasileira destes organismos esteja entre as mais diversificadas do mundo (Volkmer-Ribeiro, 1981), o que leva a crer que inúmeras associações ecológicas possam favorecer uma grande diversidade de organismos. Estudos mais aprofundados acerca de organismos inquilinos e simbiontes de esponjas são necessários, para não só determinar a diversidade de espécies nestas associações mas também a fim de determinar adaptações evolutivas mútuas entre estes organismos.

Referências bibliográficas

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FROST, T.M.; RICCIARD, A. & REISWIG, H.M. 2001. Porifera. In: THORP, J.P.; COVICH, A.P. (eds). Ecology and classification of North American freshwater invertebrates, 2nd Edition., Academic Press, San Diego.pp. 97-134.

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VAN DAMME K. & DUMONT, H.J. Cladocera of the Lencóis Maranhenses (NE-Brazil): faunal composition and a reappraisal of Sars’ Method. Braz. J. of Biol. 70 (3): 755-779, Suppl.

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Ocorrência de cladóceros (Crustacea: Anomopoda) associados à esponjas (Porifera: Demospongiae: Metaniidae) no lago Tupé...

240

America, Part 2: Anarthropoda. San Diego State University, San Diego. pp.-86-95

VOLKMER-RIBEIRO, C. & ALMEIDA, F.B. 2005. As esponjas do lago Tupé. In: SANTOS-SILVA, E.N.; APRILE, F.M.; SCUDELLER, V.V.; MELO, S. (eds). Biotupé: meio físico, diversidade biológica e sócio-cultural do baixo Rio Negro, Amazônia Central. INPA, Manaus pp.123-134.

Ghidini & Silva

241

Predação de zooplâncton por peixes no lago Tupé, Manaus-AM

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 14

1 Daniel PREVIATTELLIe-mail: [email protected]

2 Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

1Universidade do Estado de Minas Gerais, Campus de Frutal (UENG)2Laboratório de Plâncton, Coordenação de Biodiversidade, CBIO,

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

Resumo: A predação de organismos zooplanctônicos foi estudada no lago Tupé entre fevereiro de 2003 e fevereiro de 2004. Foram identificadas quatro espécies de peixes consideradas zooplanctófagas: Hypophthalmus edentatus, Hypophthalmus marginatus, Hypophthalmus fimbriatus e Lycengraulis sp. Lycengraulis não foi objeto deste estudo por terem sido capturados apenas 14 indivíduos. Foram capturados 80 indivíduos de Hypophthalmus, nos meses de fevereiro (3), março (1), julho (25), agosto (29) e dezembro (22). Através da análise do conteúdo estomacal dos peixes constatou-se uma dieta constituída por copépodos, cladóceras e rotíferos. A composição e abundância dos ítens encontrados nos estômagos foram diferentes do encontrado no ambiente. Foram encontrados poucos rotíferos nos estômagos, apesar destes estarem presentes no ambiente em altas densidades nos mesmos períodos em que os peixes foram capturados em maior número. Já os cladóceros foram encontrados em maior número nos estômagos, especialmente duas das espécies também abundantes no ambiente: Bosmina longirostris e Bosminopsis deitersi. Estas duas espécies foram encontradas em todos os estômagos dos espécimes de Hypophthalmus que não estavam vazios. Outros

242

Previattelli & Santos-Silva

Introdução

Os organismos planctônicos são de grande importância nos ecossistemas aquáticos, visto que determinam em grande extensão o fluxo de energia através do ecossistema. Esse fluxo é definido pela estrutura trófica, ou seja, que espécies são utilizadas e quais utilizam os diferentes componentes do plâncton como fonte de energia e nutrientes (Wetzel, 1983). Os efeitos da relação predador-presa são considerados determinantes de uma série de características da comunidade planctônica (Lampert & Sommer, 1997). Por exemplo, invertebrados predadores podem desenvolver grandes populações em lagos que não contém vertebrados predadores. Apesar da grande diversidade de peixes na região amazônica, poucas são as espécies exclusivamente zooplanctófagas. Estudos sobre zooplâncton em lagos da Amazônia relatam um total de 250 espécies de rotíferos,

20 cladóceros limnéticos (exceto Macrothricidae e Chydoridae), e cerca de 40 copépodos, a maioria sendo Calanoida (Robertson & Hardy, 1984). A ocorrência da maioria das espécies de organismos zooplanctônicos não está condicionada apenas aos parâmetros químicos da água (Furch & Junk, 1997), com algumas exceções como Bosminopsis negrensis Brandorff, 1976, que aparentemente ocorre somente em águas ácidas, pobres em eletrólitos, as águas pretas. Diferenças na composição dos organismos zooplanctônicos entre lagos de águas pretas e brancas parecem existir no nível das associações entre espécies dominantes (Brandorff, 1978). Segundo Junk & Robertson (1997) representantes de Bosminidae parecem dominar em águas pretas, enquanto que em águas brancas, com pH próximo ao neutro e alto conteúdo de eletrólitos, Daphiniidae é o grupo mais frequente. Com respeito ao “standing stock”, os autores afirmam

cladóceros menos representativos numericamente também foram encontrados nos estômagos, porém com diferenças entre os períodos estudados, provavelmente devido às mudanças de composição e densidade dessas espécies no ambiente. Os copépodos foram encontrados em menor número nos estômagos do que os cladóceros, apesar de estarem em grande número no ambiente. Os peixes predaram mais fortemente os cladóceros, tanto na seca quando na cheia e isto pode estar influenciando a estrutura dessas comunidades, tanto numericamente quanto em relação ao tamanho dos organismos. Estes estudos precisam ser aprofundados e ampliados para verificar se efetivamente está havendo uma predação seletiva e quais os reflexos disso na comunidade desses organismos planctônicos.

Palavras-chave: predação, Hypophthalmus, zooplâncton, águas pretas, Amazônia.

243

Predação de zooplâncton por peizes no lago Tupé, Manaus-Am

que os dados disponíveis não permitem concluir que hajam diferenças entre os diferentes tipos de água. Em lagos de várzea da Amazônia, na região de Manaus, onde a flutuação do nível da água tem uma amplitude média de 10 metros, a densidade dos organismos zooplanctônicos flutua sazonalmente, com picos de abundância na seca (Brandorff & Andrade, 1978; Carvalho, 1983; Santos-Silva, 1991) e na enchente (Carvalho, 1981). Isso pode representar um fator limitante para os peixes zooplanctófagos como Triportheus culter (Almeida, 1984), Colossoma macropomum (Carvalho, 1981) Hypophthalmus edentatus (Carvalho, 1981) e Chaetobranchus flavencens (Ribeiro, 2002), que se alimentam do zooplâncton de forma exclusiva ou facultativa, e em diferentes estágios de seus ciclos de vida. A maioria dos estudos sobre a alimentação de peixes zooplanctófagos na Amazônia se limitam a uma análise dos organismos ingeridos pelos peixes até o nível de ordem (e.g. Marlier, 1968; Honda, 1974; Carvalho, 1981; Goulding & Carvalho, 1982; Almeida, 1984; Carvalho & Goulding, 1985; Ribeiro, 2002). Na busca de informações sobre as interações peixe/ambiente Carvalho (1981), zaret (1984) e Chu-Koo (2000) avaliaram organismos do zooplâncton consumidos pelos peixes em relação à sua composição, distribuição e densidade em lagos de várzea. zaret (1984) e Chu-Koo (2000) estudaram as populações de peixes associadas aos bancos de macrófitas aquáticas.

Agostinho (1980), avaliou a dieta de Hypophtalmus edentatus no reservatório de Itaipu, comparando os dados da dieta do peixe com a densidade de organismos do zooplâncton disponíveis; Carvalho (1985), observou Hypophtalmus fimbriatus e suas interações com o zooplâncton no rio Negro; Carvalho (1980), observou o trato digestivo de Hypophtalmus edentatus com o objetivo de determinar o regime alimentar da espécie; Carvalho et al. (1978), estudaram o regime alimentar de Hypophthalmus perporosus; Lansac-Tôha (1991), examinou estômagos de Hypophtalmus edentatus e caracterizou a espécie como planctívora. Leite (2004), Araújo-Lima (2004), Yamamoto et al. (2004), estudaram a alimentação de diferentes espécies de peixes na região amazônica e obtiveram como resultados da dieta, além de uma variedade de itens alimentares ingeridos pelos peixes, Copepoda, Cladocera e Rotifera do plâncton. No rio Negro a fauna de peixes é rica e diversificada, abrangendo aproximadamente 450 espécies, das quais provavelmente 30% ainda estariam por ser descobertas (Goulding et al., 1988). No entanto, a biomassa produzida neste sistema é baixa, quando comparada com rios de água branca, como a do sistema Solimões/Amazonas, cujas águas são ricas em nutrientes. No rio Negro, o lago Tupé forma um ambiente propício a abrigar uma ictiofauna diversa, ocupando diferentes hábitats como os de área aberta e igapó. As espécies de Engraulidae e

244

Hypophthalmidae, que ocorrem na região de águas abertas, se alimentam de organismos zooplanctônicos (Garcia, 1995), são importantes fontes de proteína para a população humana. Embora existam dados disponíveis sobre o comportamento alimentar de algumas espécies (e.g. Borges, 1986; Ferreira, 1981; Carvalho & Goulding, 1985), informações sobre quanto e quais espécies de organismos do plâncton são ingeridos pelos peixes e qual a influência dessa predação, ainda são limitados. Com relação aos organismos do plâncton, as informações disponíveis referem-se aos aspectos relacionados à taxonomia (e.g. Brandorff, 1973, 1973b; Andrade & Brandorff, 1975). Na maioria das vezes, a realização desses estudos é difícil, tanto pela falta de recursos financeiros, como pela escassez de recursos humanos (taxonomistas) disponíveis para realizar o trabalho. Sendo assim, neste trabalho foi proposto verificar se existem peixes zooplanctófagos ocorrendo no lago Tupé e, em casos positivos averiguar as relações entre eles na região limnética (água aberta) verificar o quanto e quais espécies são ingeridas pelos peixes e o quanto e quais espécies estão presentes durante as fases de variação do nível da água em 12 meses, no lago Tupé.

Material e Métodos

Peixes As coletas dos peixes foram realizadas mensalmente de fevereiro

de 2003 a fevereiro de 2004, na região limnética do lago, com baterias de malhadeiras com malha variando de 20 a 120 mm entre nós. As malhadeiras foram armadas no centro do lago onde permaneceram durante um período de 24 horas, com despescas em intervalos de 6 horas. Quando não foi possível a identificação dos peixes nos locais de coleta, estes foram fixados em solução de formol 10% e transportados para o laboratório. A identificação dos peixes foi efetuada por meio de comparação com exemplares da coleção do INPA e com a colaboração de especialistas. Para cada exemplar foram registrados: comprimento padrão (Cp) e comprimento do intestino (CI) em centímetros (cm); peso total (Pt); peso eviscerado (PE); peso das gônadas (PG); peso do fígado (PF) e o peso do estômago cheio (PEC) em gramas (g); grau de repleção (GR) e o sexo (Sx). Os estômagos foram fixados em formol 8%.

Zooplâncton Foram realizadas amostras qualitativas e quantitativas de zooplâncton no mesmo local do lago em que foram feitas as coletas de peixes. As amostragens foram realizadas utilizando rede de plâncton com malha de 56 μm e 25 cm de diâmetro. As amostras qualitativas foram obtidas com arrastos verticais e horizontais de forma a propiciar a captura do maior número possível de organismos zooplanctônicos. As amostras

Previattelli & Santos-Silva

245

quantitativas foram feitas através de arrasto vertical, puxando-se a rede com velocidade constante do fundo do lago até a superfície. O material filtrado foi recolhido em frascos de polietileno de 100 ml e fixado, no campo, com formol a 6% de concentração final . Para a identificação das espécies foi utilizado um microscópio estereoscópico e cada amostra foi colocada em uma placa de Petri quadriculada; quando necessário, lâminas semipermanentes foram preparadas, segundo a metodologia proposta por Huys & Boxshall (1991). As lâminas foram examinadas e os organismos identificados com o auxílio de um microscópio óptico composto. A identificação foi feita de acordo com a literatura relacionada à cada grupo. No caso dos copépodos, as espécies foram agregadas em grandes grupos (Cyclopoida e Calanoida), porém diferenciando-se machos, fêmeas e copepoditos. O volume de água filtrado (Vf) através da rede, foi calculado pela seguinte fórmula segundo Tonolli (1971):

Vf= h. �. r2.1000 Onde:r = raio da boca da rede ( r= 0,25m); h = altura da coluna d’água e 1000 = fator de conversão para litros. A densidade dos indivíduos foi calculada pela fórmula: n / VfOnde:

n = número total de indivíduos na amostraVf = volume filtrado

A contagem foi feita considerando, além dos táxons identificados, o sexo das larvas (nauplias) e juvenis (copopeditos) de Copepoda e jovens e adultos de Cladocera. Para a interpretação dos dados, foi calculada a densidade, e a frequência de aparecimento de cada táxon considerado por amostra, ou seja, quantas vezes um determinado indivíduo apareceu em cada amostra. Estas frequências também foram consideradas para determinar os grupos mais abundantes no ambiente.

Análise dos conteúdos estomacais

Para a análise dos conteúdos estomacais das espécies de peixes numericamente dominantes foram utilizados dois métodos: frequência de ocorrência (%FO) e o numérico (%N), qualitativo e quantitativo, respectivamente (Hyslop, 1980). A frequência de ocorrência é o número de peixes que contém certo alimento no estômago x 100/número total de alimentos.

(%FO) = np. 100/ (nt)

Onde:np = nº de peixes que contem certo alimento no estômagont = nº total de alimentos

Predação de zooplâncton por peizes no lago Tupé, Manaus-Am

246

O numérico é a percentagem entre o número de indivíduos de uma determinada presa e o número total dos indivíduos de todas as presas.

(%N) = n. 100/ (N)

Onde:n = nº de indivíduos de uma determinada presaN = nº total de indivíduos

A quantificação dos itens alimentares foi efetuada na forma de número de indivíduos encontrados nos estômagos e transformados em abundância relativa (porcentagem da espécie no estômago em relação a outras espécies). A quantificação dos alimentos foi efetuada através de uma contagem total dos organismos zooplanctônicos ingeridos pelos peixes. Estas análises foram efetuadas apenas nos estômagos que não apresentaram alimentos em estado avançado de digestão, pois conforme Hyatt (1979) diferentes ítens alimentares podem ter taxas diferentes de digestão, levando a uma superestimação de alguns destes.

Resultados e Discussão

As análises das amostras coletadas no ambiente nos meses de julho e dezembro de 2003, continham 30 táxons, sendo, 13 para cladóceros, 10 para rotíferos e 7 para copépodos. Os táxons numericamente mais abundantes foram: Brachionus

zahniseri Ahlstrom, 1934; Polyarthra vulgaris; Keratella spp.; Trichocerca spp.; Cyclopoida (fêmea); Cyclopoida (copepodito); Bosminopsis deitersi (Rey & Vasquez, 1986); Cyclopoida (nauplio); Diaphanosoma polyspina Korovchinsky, 1982 ; Calanoida (nauplio); Calanoida (fêmea); B. deitersi (jovem); Moina rostrata McNair, 1980 ; Bosmina spp.; Cyclopoida (macho); Ceriodaphnia cornuta (Sars, 1886); Calanoida (macho); Bosminopsis brandorffi Rey & Vasquez, 1989 e Bosminopsis negrensis Brandorff, 1976. Houveram poucas diferenças na composição do zooplâncton, a maioria dos táxons permaneceu igual em ambos os períodos estudados (julho e dezembro), com exceção de alguns cladóceros e rotíferos que somente apareceram no mês de julho (tab. 01). As maiores contribuições numéricas do zooplâncton no lago, foram de copépodos (Calanoida e Cyclopoida) e cladóceros (B. deitersi e D. polyspina), como mostrado na figura 1. Em relação aos rotíferos, houve maior contribuição de B. zahniseri no mês de dezembro, e P. vulgaris no mês de julho (Tab. 1).

Peixes No lago Tupé, Characidae, Hemiodidae, Auchenipteridae, Curimatidae, Cichlidae, Engraulidae e Hypophthalmidae, representam as famílias com maior número de exemplares, destas duas últimas, quatro espécies são consideradas zooplanctófagas, Hypophthalmus edentatus, Hypophthalmus marginatus, Hypophthalmus fimbriatus e

Previattelli & Santos-Silva

247

  Taxa Jullho DezembroPolyarthra vulgaris 53659 7258Trichocerca spp. 4239 8065Asplanchna sp. 4167 2419Ploesoma sp 3261 0Brachionus zahniseri 2283 537903Keratella spp. 1667 75806Synchaetha sp. 543 6452Cyclopoida (femea) 475 10524Cyclopoida (copepodito) 314 1492Bosminopsis deitersi 306 11887Cyclopoida (nauplio) 306 3532Lecane spp. 290 0Calanoida (nauplio) 194 4637Filinia spp. 181 2419Ascomorpha ovalis 181 0Diaphanosoma polispina 160 363Calanoida (femea) 104 4677B. deitersi jovem 89 3984Moina rostrata 41 0Bosmina spp. 37 3968Cyclopoida (macho) 31 944Ceriodaphnia cornuta 23 726Calanoida (macho) 10 3177Bosminopsis brandorffi 9 0Bosminopsis negrensis 2 0Iliocriptus spinifer 1 0Ceriodaphnia cornuta (jovem) 1 0Alona sp. 1 0Moina minuta 0 2685Holopedium amazonicum 0 169

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Espécies

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variação do lago Tupé (julho e agosto, respectivamente), mostrados na tabela 2. Os conteúdos estomacais analisados evidenciam que as espécies de Hypophthalmus encontradas no lago Tupé exercem predação principalmente

Figura 1: Contribuição numérica de Copepoda e Cladocera nos meses de Julho e Dezembro de 2003 no lago Tupé.

Figura 2: Contribuição numérica de Rotifera nos meses de Julho e Dezembro de 2003 no lago Tupé.

Lycengraulis sp. (Carvalho, 1980; Goulding et. al., 1888; Garcia, 1995). Durante as coletas no lago, foram capturados 82 indivíduos de Hypophthalmus, mas a ocorrência das espécies e número de exemplares variou mensalmente. Os mais abundantes foram H. marginatus e H. edentatus, porém em diferentes fases de

Tabela 1: Composição e abundância (ind. / m3) do zooplâncton encontrado no ambiente nos meses de Julho e Dezembro de 2003 no lago Tupé.

Trichocerca spp. 4239 8065

Ploesoma sp 3261 0

Keratella spp. 1667 75806

Cyclopoida (femea) 475 10524

Bosminopsis deitersi 306 11887

Lecane spp. 290 0

Filinia spp. 181 2419

Diaphanosoma polispina 160 363

B. deitersi jovem 89 3984

Bosmina spp. 37 3968

Ceriodaphnia cornuta 23 726

Bosminopsis brandorffi 9 0

Iliocriptus spinifer 1 0

Alona sp. 1 0

Holopedium amazonicum 0 169

Tabela 2: Ocorrência das espécies de peixes zooplanctófagos no lago Tupé.

2003 2004

Peixes F M A M J J A S O N D J F Total

H. marginatus 25 22 47H. fimbriatus 2 1 3H. edentatus 1 29 1 31Licengraulis sp. 5 1 4 10

Total 8 2 4 25 30 22 88

H. fimbriatus 2 1 3

Licengraulis sp. 5 1 4 10

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julho

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Predação de zooplâncton por peizes no lago Tupé, Manaus-Am

248

Tabela 3: Contribuição numérica (%N) e a frequência de ocorrência (%FO) do zooplâncton identificado nos estômagos das espécies de Hypophthalmus nos meses de julho e dezembro de 2003.

Jul/2003 Dez/2004

Táxons %FO %N %FO %N

Bosmina spp. 100,00 5,92 91,67 7,57

Bosminopsis deitersi 100,00 44,77 16,67 11,57

Cyclopoida (macho) 63,64 2,09 75,00 1,52

Ostracoda 45,45 0,44 16,67 0,06

Cyclopoida (copepodito) 81,82 5,23 54,17 3,38

Bosminopsis deitersi (jovem) 63,64 5,43 0,03 0,31

Ceriodaphnia cornuta 81,82 2,14 8,33 0,05

Cyclopoida (femea) 90,91 24,84 87,50 15,59

Bosminopsis negrensis 9,09 0,02 91,67 52,48

Diaphanossoma polyspina 81,82 1,40 79,17 3,42Moina rostrata 81,82 3,50 41,67 0,48

Calanoida (macho) 27,27 0,16 20,83 0,25

Calanoida (femea) 81,82 2,97 70,83 2,65Moina minuta 27,27 0,12 33,33 0,45

Alona sp. 0,00 0,00 4,17 0,04

Ilyocryptus spinifer 9,09 0,05 4,17 0,01

Chaoborus 63,64 0,92 25,00 0,13

Bosminopsis deitersi 100,00 44,77 16,67 11,57

Ostracoda 45,45 0,44 16,67 0,06

Bosminopsis deitersi (jovem) 63,64 5,43 0,03 0,31

Cyclopoida (femea) 90,91 24,84 87,50 15,59

Diaphanossoma polyspina 81,82 1,40 79,17 3,42

Calanoida (macho) 27,27 0,16 20,83 0,25

Moina minuta 27,27 0,12 33,33 0,45

Ilyocryptus spinifer 9,09 0,05 4,17 0,01

em copépodos Cyclopoida (fêmeas, copepoditos e nauplio) e em Copépodos Calanoida (fêmeas e nauplio) e em cladóceros bosminídeos, principalmente Bosmina spp. e Bosminopsis deitersi. A contribuição numérica (%N) e a frequência de ocorrência (%FO) do zooplâncton identificado nos estômagos das espécies de Hypophthalmus nos meses de julho e dezembro de 2003 é mostrada na tabela 03. A composição dos organismos do zooplâncton encontradas nos estômagos foram diferentes das encontradas no ambiente. Nas análises estomacais do mês de julho, os itens alimentares mais abundantes foram respectivamente: Bosminopsis deitersi; Cyclopoida (fêmea); Bosmina spp.; Bosminopsis deitersi

(jovem); Cyclopoida (copepodito); Moina rostrata; Calanoida (fêmea); Ceriodaphnia cornuta; Cyclopoida (macho); Diaphanosoma polyspina; Calanoida (macho) e Moina minuta. Nas análises estomacais do mês de dezembro, os itens alimentares mais abundantes foram respectivamente, Cyclopoida (fêmea); Ceriodaphnia cornuta; Bosminopsis deitersi; Bosmina spp.; Diaphanossoma polyspina; Cyclopoida (copepodito); Calanoida (fêmea); Cyclopoida (macho); Moina rostrata; Moina minuta; Bosminopsis deitersi (jovem) e Calanoida (macho). As diferenças numéricas entre os estômagos analisados podem estar relacionadas com a disponibilidade de alimento no ambiente. Como as coletas foram em fases diferentes do nível da

Previattelli & Santos-Silva

249

Figura 3: Contribuição numérica de zooplâncton no estômago.

água do lago, o pulso de inundação pode explicar essas diferenças dos organismos tanto no ambiente como nos estômagos analisados. Nos períodos de seca há tendência de maiores densidades das populações, já na cheia, embora a quantidade de hábitats aumenta, a quantidade de alimento diminui e o zooplâncton sofre o efeito de diluição (Brandorff & Andrade, 1978; Carvalho, 1981). O pulso de inundação também influencia nos movimentos migratórios das espécies de peixes no lago Tupé, e também, as espécies estudadas não são residentes no lago, aparecem apenas em determinados meses, como mostrado na tabela 02. Nos gráficos a seguir é mostrado que, quando os peixes estão presentes no ambiente, os mesmos predam o zooplâncton, provavelmente causando uma diminuição nas suas populações. Numericamente, como mostrado na figura 3, os itens alimentares mais representativos foram Bosminopsis deitersi no mês de

julho e Bosminopsis negrensis no mês de dezembro. Bosmina spp.; Cyclopoida (macho e fêmea); Diaphanosoma polyspina; Calanoida (fêmea) e Moina minuta, foram os itens de maior frequência de ocorrência presentes nos estômagos em ambos os meses analisados (Fig. 4).

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Figura 4: Frequência de ocorrência (%FO) do zooplâncton presentes nos estômagos nos meses julho e dezembro 2003.

Predação de zooplâncton por peizes no lago Tupé, Manaus-Am

As comparações entre o zooplâncton disponível no ambiente e no estômago dos peixes, (figs. 5 e 6) mostram uma seleção positiva para Bosminopsis deitersi (adultos e jovens); Cyclopoida (fêmea); Moina rostrata; Bosmina spp. e Cyclopoida (macho). Uma possível explicação para a não predação dos rotíferos, pode estar relacionado ao pequeno tamanho dos indivíduos desse grupo, quando comparado aos outros dois grupos (Copepoda e Cladocera). Talvez, por essa explicação, os peixes não consigam filtrar esses organismos com a mesma eficácia que fazem com os outros indivíduos maiores.

250

A afirmativa de que as espécies de Hypophtalmus possuem hábito alimentar zooplanctófago e exercem uma preferência pelos grupos Copepoda e Cladocera foi estudada por Carvalho, et al. (1978), onde verificou que os crutáceos planctônicos são frequentes e abundantes no conteúdo estomacal dos peixes e os rotíferos não apresentam significação no hábito

Figura 6: Comparação entre a distribuição das espécies do zooplâncton no ambiente e no estômago dos peixes no mês de Dezembro de 2003.

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Espécies

% ambiente

% peixe

Figura 5: Comparação entre a distribuição das espécies do zooplâncton no ambiente e no estômago dos peixes no mês de Julho de 2003.

alimentar dos mesmos; Carvalho (1980) verificou que os tipos de alimentos mais frequentes na dieta dos organismos desta espécie de peixe são os crutáceos Cladocera e Copepoda (copepoditos e adultos); Carvalho & Goulding (1985), afirmaram que 89% de todo alimento consumido pelo peixe são os crutáceos Cladocera e Copepoda; Agostinho & Abujanra (2002) também afirmaram que 63% dos itens ingeridos são cladóceros. Tendo isso em vista pode-se concluir que apesar do número de peixes zooplanctófagos, estes podem impactar a comunidade de organismos zooplanctônicos tanto na sua estrutura quanto sazonalmente. Na estrutura da comunidade por predarem seletivamente algumas espécies de Cladocera e sazonalmente por serem peixes migradores, que ocorrem no lago apenas durante um certo período do ano.

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253

1 Maria José do Nascimento FERREIRAe-mail: [email protected]

1 Enide Luciana Lima BELMONTe-mail: [email protected]

1 Coordenação de Biodiversidade – CBIO – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia,

Entomofauna aquática do igapó do cemitério, no lago Tupé, Manaus, AM

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 15

Resumo: Igapós são florestas inundadas periodicamente por rios de água preta que são consideradas de baixa fertilidade e pouco produtivas. Este fenômeno levou ao aparecimento de diversas adaptações na biota e nas características da comunidade. O objetivo deste estudo foi avaliar a riqueza da fauna de insetos aquáticos do igapó do Cemitério da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Tupé (RDS Tupé). As coletas foram realizadas em três margens de um igapó na RDS Tupé, em cada margem foi estabelecido uma seção transversal de 50m de comprimento e feito uma coleta a cada 10 m perfazendo um total de cinco coletas em cada lugar a cada mês. As coletar foram realizadas no período de maio a dezembro de 2004 e janeiro a março de 2005. Foram identificados 3.393 insetos representantes de sete ordens: Ephemeroptera, Odonata, Coleoptera, Heteroptera, Trichoptera, Diptera, e Hymenoptera. Chironomidae (Diptera) foi a mais representativa estando presente em cerca de 60% das coletas sendo considerada de ocorrência constante nos três ambientes estudados. Organismos de um elevado número de famílias foram observados e, as populações variaram de acordo com o pulso de inundação.

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Veridiana Vizoni SCUDELLER, Mauro José CAVALCANTI, (Organizadores). Manaus, 2011.

254

Palavras-chave: diversidade, insetos aquáticos, mata de igapó, Amazônia.

Introdução

Na bacia Amazônica os grandes rios são acompanhados por enormes áreas de florestas que durante o período da cheia são alagadas. Estas áreas representam 5 a 10% da Amazônia (Junk, 1983). Os lagos adjacentes a grandes rios são típicos para áreas alagáveis (várzeas e igapós) faltam nas áreas não inundáveis (terra-firme), onde igarapés e pequenos rios caracterizam a paisagem (Junk, 1983).

Destas florestas, as inundadas por rios de água preta ou transparente são denominadas de igapó e são consideradas de baixa fertilidade e pouco produtivas (Junk, 1983). São classificados como Floresta Ombrófilas Densas Aluviais (Veloso et al., 1991), correspondendo a uma área de cerca de 1.350.000 km² da Amazônia (Piedade et al., 2001). A inundação periódica proporciona a manutenção da diversidade das espécies, a produtividade e decomposição neste sistema (Wittman & Junk, 2003; Julião et al., 2005).

Nesse ambiente (igapós), as raízes estabilizam os bancos de areia evitando sua queda, as folhas mortas, galhos e troncos submersos criam uma grande diversidade de habitats, a copa das árvores impede o aquecimento excessivo e a queda da vegetação e os invertebrados são as principais fontes de energia para as teias alimentares.

A comunidade de organismos betônico, é composta por diversos grupos de animais, conhecidos como zoobentos, e, vegetais que representam o fitobentos (Esteves, 1998; Corby et al, 2000). Os representantes do zoobentos lacustres mais representativos são os insetos, os anelídeos, crustáceos e moluscos (Corby et al., 2000). A grande maioria desses invertebrados está representada por insetos aquáticos (Ward, 1992; Esteves, 1998).

Dentre os grupos de insetos que têm representantes no bentos continental (principalmente sob a forma larval), destacam-se os dípteros, efemerópteros, plecópteros, odonatas, hemípteros (atualmente são conhecidos como heterópteros, ordem Heteroptera), coleópteros, neurópteros (atualmente conhecidos como ordem Megaloptera), tricópteros e lepidópteros (Esteves, 1998). Atualmente os nomes Hemiptera e Neuroptera são aplicados para os insetos restritamente terrestres.

Os insetos são importantes na dinâmica dos ambientes aquáticos por sua participação na ciclagem de nutrientes e na transferência de energia na cadeia trófica (Bispo et al., 2006; Cummins, 1974; Cummins et al., 1989). Poucos estudos foram realizados em áreas inundáveis (várzeas e igapós) devido à dificuldade em estabelecer amostragens quantitativas. Além disso,

Ferreira & Belmont

255

o grande período de tempo necessário para separar os insetos do substrato e também porque o conhecimento sobre os insetos baseia-se principalmente na fase adulta sendo mais difícil identificar as larvas aquáticas (Junk & Robertson, 1997). Os estudos com a fauna de insetos aquáticos tratam em sua grande maioria da fauna dos igarapés e riachos. Dentre os estudos que tratam da fauna de invertebrados aquáticos de ambientes de igapó destacamos Irmler (1975), Reiss (1977) e Walker (1994; 2003). Neste contexto o presente estudo visa avaliar a riqueza da fauna de insetos aquáticos de um igapó amazônico (igapó do Cemitério) localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Tupé (RDS Tupé), avaliando sua distribuição em três ambientes em função da flutuação do nível da água.

Material e Métodos

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé) tem cerca de 12.000 ha, localiza-se a Oeste de Manaus, na margem esquerda do rio Negro, distante aproximadamente 25 km em linha reta do centro da cidade (Fig. 1). A vegetação predominante na área constitui-se principalmente da floresta de terra-firme e de igapó (Scudeller & Souza, 2009).

As coletas foram realizadas em três margens de um igapó na RDS Tupé, aqui denominado “Igapó do Cemitério” porque os moradores informaram haver um cemitério antigo na floresta de terra-firme que se encontra por trás desta área de igapó. Este igapó se localiza nas proximidades do ponto ET5 (03°02◦17,5” S; 60°15’ 44,0” W), estudado por Darwich et al. (2005).

Figura 1. Área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Ama-zonas (Modificada de www.googlemaps.com).

Entomofauna aquática do igapó do cemitério, lago tupé, Manaus, AM.

256

A primeira margem, aqui denominada Frente, é mais frontal e recebe maior influência das águas do canal do lago Tupé; a segunda margem, aqui denominada Lado 1, recebe maior influência das águas de um pequeno igarapé de cabeceira e está localizada na margem direita para quem chega ao igapó; a terceira margem, ou Lado 2, é mais próxima do ponto ET5 de Darwich et al. (2005), recebendo influência das águas do lago e de um igarapé maior (3ª. Ordem) localizado na margem esquerda para quem chega ao igapó.

Em cada margem foi estabelecido uma seção transversal de 50m de comprimento e feito uma coleta a cada 10m, perfazendo um total de cinco coletas em cada lugar a cada mês. A área percorrida foi de 2m da margem do igapó para o igarapé. As coletas foram realizadas no período de maio a dezembro de 2004 e janeiro a março de 2005.

A coleta da Frente referente a maio de 2004 foi lavada diretamente no campo quando se suspeitou que estivesse ocorrendo perda de organismos. A partir de então todas as amostras eram colocadas em sacos plásticos, adicionado álcool 90°

e transportadas para o laboratório para triagem e identificação.

Resultados e Discussão

Valores de oxigênio dissolvido, condutividade elétrica e temperatura da água no momento das coletas

Os valores de temperatura da água tiveram pouca oscilação na Frente e Lado 1, porém o maior pico na temperatura foi registrado no Lado 2 (35,9 °C) isto em função de que no Lado 2 o igarapé é mais largo e mais exposto aos raios solares, o que a torna mais quente (Tab. 1).

Os valores médios de saturação de oxigênio apresentaram variação mais nítida quando comparada com as demais variáveis analisadas. No Lado 1 os valores de oxigênio dissolvido oscilaram entre 4,2 e 18,5 mg.l-1 e no Lado 2 a oscilação foi entre 3,3 e 12,9 mg.l-1. Estas oscilações foram mais elevadas que as oscilações registradas na frente do igapó (Frente = 11,2 e 17,1 mg.l-1). De acordo com Vieira (2011) o oxigênio dissolvido possui uma variação sazonal relativa

Tabela 1. Valores das variáveis físicas e químicas da água registrados nos três ambientes (Frente, Lado 1 e Lado 2) do igapó do Cemitério, RDS Tupé, entre maio de 2004 e março de 2005.

Oxigênio Dissolvido Condutividade Temperatura da

Locais (mg.L-1) * Elétrica (μ S)* Água (° C)*

FRENTE 14,2 (11,2-17,1) 11,9 (10,9-14,8) 29,7 (28,8-31,3)

LADO 1 9,1 (4,2-18,5) 10,8 (8,2-13,5) 31,3 (29,3-32,8)

LADO 2 6,4 (3,3-12,9) 10,1 (8,6-10,8) 31,8 (28,5-35,9)

* Média (mínimo-máximo)

LADO 1 9,1 (4,2-18,5) 10,8 (8,2-13,5) 31,3 (29,3-32,8)

Ferreira & Belmont

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à temperatura e a atividade biológica, onde concentrações muito baixas podem indicar atividade biológica intensa. O aumento da temperatura da água pode diminuir a densidade e viscosidade da água; reduzir a solubilidade dos gases (CO2); aumentar toxicidade de substâncias dissolvidas na água (Vieira, 2011).

A condutividade elétrica, geralmente, está relacionada com a concentração de Sólidos Dissolvidos Totais, que nestas medidas o maior valor (14,8 μS.cm-1) foi registrado na Frente do igapó, no mês de março de 2005 seguido pelos valores registrados no Lado 1 em maio e junho de 2004 (13,1 e 13,5 μS.cm-1, respectivamente). Estes valores são próximos aos obtidos por Melo et al. (2005) em quatro estações do Lago da RDS Tupé e, Lopes (2005) em dois igarapés da RDS do Tupé. De acordo com Irmler (1975) e Junk (1983) os valores de condutividade do igapó amazônico e em rios de água preta variam entre 6 e 8 μS.cm-1/ 20°C, o que indica água extremamente pobre em sais minerais (água destilada) com algumas impurezas. Os valores de oxigênio dissolvido, condutividade elétrica e temperatura da água registrados no momento da coleta estão apresentados na tabela 1.

Entomofauna do Igapó do Cemitério

Foram identificados 3.393 insetos representando sete ordens:

Ephemeroptera, Odonata, Coleoptera, Heteroptera, Trichoptera, Diptera, e Hymenoptera (Tab. 2). A fauna de insetos aquáticos é constituída por 10 ordens taxonômicas (McCafferty, 1998) destas seis (60%) ocorreram no igapó em estudo. Dos representantes do bentos continental listados por Esteves (1998) só não obtivemos representantes de Plecoptera, Neuroptera e Lepidoptera. Os Plecoptera não foram encontrados porque são organismos que só ocorrem em ambientes com água limpa altamente oxigenada; os Neuroptera habitam uma ampla variedade de ambientes com diferentes tipos de correnteza podendo ocorrer no bentos dos igarapés, rios, tanques lodosos, canais e lagos de fluxo lento ou embaixo de pedras e, Lepidoptera, que embora constitua uma das maiores ordens de insetos apenas a família Pyralidae se adaptou ao ambiente aquático (McCafferty, 1998). As larvas de Lepidoptera são fitófagas e se encontram em zonas de pouca ou nenhuma correnteza (Pujante, 1997).

A ordem Hymenoptera (família Formicidae) não é considerada como inseto aquático. Sua ocorrência foi esporádica e a frequência relativa muito baixa (Tab. 2). Foi encontrado apenas no período de cheia, provavelmente foram carreados pelas águas por ocasião da enchente do rio e consequente alagamento da floresta do igapó.

Entomofauna aquática do igapó do cemitério, lago tupé, Manaus, AM.

258

FRENTE LADO 1 LADO 2

Grupo Taxonômico Const. Freq. (%) Const. Freq. (%) Const. Freq.(%)

Ephemeroptera

Baetidae F 0,6 F 0,5 F 0,6

Caenidae C 6,7 C 7 F 2,7

Leptohyphidae 0 R 0,07 E 0,2

Leptophlebiidae C 11,8 C 7,8 C 8,6

Polymitarcyidae C 3,5 F 6,3 F 2,3

Odonata

Libellulidae C 0,8 F 3,4 F 2,3

Calopterygidae E 0,1 0 0

Coenagrionidae E 0,5 E 0,3 E 0.6

Coleoptera

Dytiscidae F 2,5 F 0,6 F 1,8

Elmidae F 2 E 0,8 R 0,1

Gyrinidae E 0,1 0 0

Hydrophilidae 0 0 R 0,1

Scirticidae E 0,1 E 0,2 E 6,8

Heteroptera

Belostomatidae 0 0 R 0,07

Corixidae 0 E 0,5 R 0,07

Gerridae E 0,1 E 0,4 E 0,8

Naucoridae E 0,1 0 0

Notonectidae F 3,8 E 0,7 E 1,3

Vellidae E 0,1 R 0,2 0

Trichoptera

Calamoceratidae E 0,1 R 0,5 E 0,4

Hydropsychidae E 0,5 E 0,3 R 0,6

Hydroptilidae 0 E 0,2 0

Lepdostomatidae E 0,1 R 0,07 0

Leptoceridae E 0,3 E 0,2 E 0,3

Odontoceridae E 0,1 0 0

Odonata

Libellulidae C 0,8 F 3,4 F 2,3

Calopterygidae E 0,1 0 0

Coenagrionidae E 0,5 E 0,3 E 0.6

Hydrophilidae 0 0 R 0,1

Scirticidae E 0,1 E 0,2 E 6,8

Trichoptera

Calamoceratidae E 0,1 R 0,5 E 0,4

Hydropsychidae E 0,5 E 0,3 R 0,6

Hydroptilidae 0 E 0,2 0

Lepdostomatidae E 0,1 R 0,07 0

Leptoceridae E 0,3 E 0,2 E 0,3

Odontoceridae E 0,1 0 0

Tabela 2. Riqueza, constância (Const.) e frequência (Freq.) das famílias de insetos em três ambientes (Frente, Lado 1 e, Lado 2) do igapó do Cemitério, na RDS Tupé, Amazonas, no período de maio de 2004 a março de 2005. C = Famílias Constantes; F = Frequentes; E = Esporádicas; R = Raras.

Ferreira & Belmont

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Foram reconhecidas 30 famílias de insetos aquáticos sendo sete pertencentes à Trichoptera, seis Heteroptera, cinco de Ephemeroptera, cinco de Coleoptera, quatro de Diptera e três de Odonata (Tab. 2).

Chironomidae (Diptera) foi a mais representativa estando presente em cerca de 60% das coletas sendo considerada de ocorrência constante nos três ambientes estudados (Frente, Lado 1 e Lado 2) (Tab. 2 e Fig. 2). Nossos dados corroboram os estudos de diversos autores como Fittkau (1982), Walker (1987) e

Serpa-Filho (2004) que demonstram que em igarapés e igapós da Amazônia Central os Chironomidae contribuem com grande parte da biomassa, sendo também a pioneira e, portanto, um dos principais canais de energia na estruturação das cadeias alimentares (Walker, 1987; Serpa-Filho, 2004). O grupo também é parte fundamental na cadeia alimentar de peixes (Silva, 1993; Moreira & zuanon, 2002; Beyruth et al., 2004; Fugi et al., 2007). Esta família possui ampla distribuição geográfica e grande diversidade de espécies podendo ser

Entomofauna aquática do igapó do cemitério, lago tupé, Manaus, AM.

Polycentropodidae C 6,1 C 7,2 F 3,6

Diptera

Ceratopogonidae E 0,9 C 2,3 F 2,3

Chironomidae C 58 C 60 C 60,8

Culicidae E 0,3 F 0,4 F 3,5

Simulidae E 0,1 0 R 0,1

Hymenoptera

Formicidae E 0,1 0 E 0,2

Figura 2. Famílias de insetos mais representativas no igapó do Cemitério, na RDS Tupé. Excluído grupos com 10 ou menos indivíduos e Chironomidae (com 1966 indivíduos).

Culicidae E 0,3 F 0,4 F 3,5

Simulidae E 0,1 0 R 0,1

Polycentropodidae C 6,1 C 7,2 F 3,6

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encontrada em áreas montanhosas, águas empoçadas, águas com matéria orgânica em decomposição, riachos, rios, lagos, lagoas, regiões marinhas e fitotelmatas (Reis, 1977; Serpa-Filho, 2004).

Entre as demais famílias Leptophlebiidae (Ephemeroptera) com 278 indivíduos (8% do total coletado) foi a mais representativa, seguido de Polycentropodidae (Trichoptera) com 184 (5.5%) e Caenidae (Ephemeroptera) com 176 indivíduos (5,2%) (Tab. 2 e Fig. 2). Quinze (15) famílias foram menos representativas possuindo menos de 10 indivíduos. As espécies de Ephemeroptera e Trichoptera, com grande frequência servem de alimento para vertebrados e invertebrados aquáticos (Moreira & zuanon, 2002; Beyruth et al., 2004) além de serem indicadores de qualidade da água, por serem consideradas entre sensíveis e tolerantes a certo nível de poluição (Alba-Tercedor & Sanchez, 1988; Junqueira & Campos, 1998; Callisto et al., 2001; Lopes et al., 2008). Estes autores consideram Leptophlebiidae e Polycentropodidae, aqui registradas, como muito sensíveis sendo que sua ocorrência indica baixa degradação no ambiente. Levantamento preliminar realizado por Santiago et al., (2010) (não publicado) no entorno de uma estação de tratamento de efluentes revelou Caenidae como uma das mais abundantes e que esta possui espécies que suportam um certo nível de poluição podendo ser consideradas

tolerantes a mudanças que podem ocorrer no ambiente em que vivem.

Distribuição de insetos aquáticos no Igapó do Cemitério, em função do ciclo anual de variação do rio

Os insetos aquáticos foram encontrados nos três ambientes avaliados sendo 19% obtidos na Frente do igapó, 39% no Lado 1 e 42% no Lado 2.

O maior número de famílias foi obtido no período da cheia (26); no ponto Frente do igapó ocorreram 20 famílias e nos Lados 1 e 2 ocorreram 19 famílias. Isto porque este corresponde ao período em que os animais aquáticos têm condições de vida favoráveis (Junk, 1983), pois com o alagamento da floresta de igapó as folhas caídas no solo e as raízes são cobertas pelas águas aumentando a disponibilidade de nutrientes e a quantidade de substrato a ser colonizado pelos invertebrados. Na Frente do igapó, na cheia, 14 famílias estão representadas por no máximo dois indivíduos e seis famílias tiveram entre 11 e 75 indivíduos; no Lado 1, mesmo período, 7 famílias estão representadas por no máximo dois indivíduos, outras 7 famílias apresentaram entre 3 e 6 indivíduos e 5 famílias apresentaram mais de 30 indivíduos; no Lado 2 quatro famílias estão representadas por no máximo dois indivíduos, 6 famílias apresentaram entre 3 e 7 indivíduos, 5 famílias apresentaram entre 12 e 31 indivíduos e 4 famílias apresentaram mais de 35 indivíduos (Tab. 3).

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Entomofauna aquática do igapó do cemitério, lago tupé, Manaus, AM.

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A maior abundância foi verificada nos meses de maio e junho de 2004 e março de 2005 (Fig. 3). Essa máxima foi, principalmente, devido ao elevado número de Chironomidae (457 indivíduos). Esses meses com maior abundância são relativos ao período de cheia dos rios (Melo et al., 2005), o qual na área de igapó faz com que haja maior quantidade de substratos próximos à margem e consequentemente uma maior quantidade de invertebrados. Diferentemente na época de seca (novembro e dezembro) que o nível de água é bastante reduzido.

O menor número de famílias foi encontrado no período de enchente, com um total de nove famílias. Cinco destas estão representadas por no máximo três indivíduos, duas tiveram entre cinco e seis indivíduos, uma das famílias teve 13 indivíduos e a família Chironomidae 199 indivíduos identificados (Tab. 3).

Na enchente as águas adentram a floresta e os organismos colonizam as áreas que se tornam disponíveis com o avanço da água para a terra

Em todos os meses estudados houve a presença de insetos, porém em novembro a abundância foi menor comparada com os demais meses, visto que esse período corresponde ao início de seca, quando a água do lago está restrita ao canal principal (Fig. 4). Durante a seca, as praias arenosas são pouco colonizadas por vegetação e a baixa oferta de nutrientes também se reflete na baixa concentração de animais no igapó. As larvas de insetos não encontram alimentação suficiente para desenvolverem-se em grandes quantidades (Junk, 1983).

Foi observado, na Frente, nos meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro, que não havia substrato, devido ao fim da vazante e época de

Figura 3. Frequência mensal de insetos do igapó do Cemitério, na RDS Tupé. Todos os lados. Maio a dezembro de 2004 e janeiro a março de 2005.

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Ferreira & Belmont

Figura 4. Frequência mensal de insetos do igapó do Cemitério, na RDS Tupé. Frente. Maio a dezembro de 2004 e janeiro a março de 2005.

seca, e consequentemente não havia insetos nessa área (Fig. 5). No Lado 1, a menor abundância de indivíduos foi observada nos meses de agosto, devido ao difícil acesso ao substrato e, novembro pela presença de capim em decomposição (Fig. 6). No Lado 2, foi possível observar uma baixa abundância de indivíduos nos meses de julho, agosto, setembro, novembro e dezembro de 2004 e fevereiro de 2005 (Fig. 6). Este período é relativo ao final do período de cheia, toda época da vazante e seca.

Nossos dados corroboram Reiss (1977) e Junk & Robertson (1997) que afirmam que a fauna bentônica de lagos de águas pretas mostra pouca variação no número de espécies e biomassa durante o ano. A variação observada foi em função de que em períodos de águas altas estas invadem o igapó alto disponibilizando mais substrato para a fauna.

Conclusão

O igapó do Cemitério abriga elevado número de famílias de insetos aquáticos cuja população varia de acordo com o pulso de inundação, que causa importantes mudanças na fauna aquática.

Agradecimentos

Financiamento: INPA/PPI 1-3580, 1-3540, PRJ 12.13 e CNPq/PNOPG pela Bolsa da Daniele Falcão Bastos, para auxílio nas coletas, triagem e identificação da fauna. Ao revisor anônimo, por sua valiosa contribuição.

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Figura 5. Frequência mensal de insetos do igapó do Cemitério, na RDS Tupé. Lado 1. Maio a dezembro de 2004 e janeiro a março de 2005.

Figura 6. Frequência mensal de insetos do igapó do Cemitério, na RDS Tupé. Lado 2. Maio a dezembro de 2004 e janeiro a março de 2005.

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Resumo: Levantamentos biológicos são imprescindíveis para o entendimento do potencial de uma área para a preservação da fauna e flora, entre outras aplicações. O levantamento aqui apresentado, embora preliminar, reflete o elevado potencial em riqueza de espécies de aranhas e opiliões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé. Dezenove espécies de opiliões e

1 Ana Lúcia TOURINHOe-mail: [email protected]

2 Regiane SATURNINO

1 Sidclay Calaça DIAS

1 Shirley GUIMARãES

1Silvia Assimen

Pío Antonio Colmenares1

1Coordenação de Biodiversidade - CBIO, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 2

Laboratório de Aracnologia, Museu Paraense Emílio Goeldi

Aranhas e opilões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas - Brasil

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 16

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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67 espécies de aranhas foram registradas em um inventário muito rápido com a aplicação de três métodos de coleta: batedor de vegetação, coleta manual noturna e triagem manual de serapilheira. Considerando a proporção de uma espécie de aranha a aproximadamente cada dois indivíduos coletados - o que representa o dobro ou até quatro vezes mais espécies por um dado número de indivíduos coletados em inventários exaustivos - temos idéia do quanto ainda estamos longe de amostrar todas as espécies de aranhas da RDS do Tupé. Opiliões, por sua vez, foram representados por 37% de táxons novos, ou seja, 7 das 19 espécies registradas são novas para a ciência, além de três gêneros novos. Uma dessas espécies representa o primeiro registro para a Amazônia de Ricstygnus Kury, 2009, um gênero monotípico previamente registrado apenas para o Ceará. Neste sentido, ressaltamos a importância da continuidade de levantamentos mais longos e com a aplicação de maior variedade de métodos de coleta na área, para que possamos ampliar o conhecimento da fauna de aracnídeos da região.

Palavras-chave: inventário, aracnídeos, diversidade, RDS Tupé.

Introdução

Mesmo após séculos de inves-tigação, nosso conhecimento sobre a composição e distribuição da maior fração da diversidade animal ainda é amplamente desconhecida. De acordo com algumas estimativas o número de espécies no planeta poderia ser de 30 milhões (Erwin, 1983; Wilson, 1988). Destas, cerca de 1,5 -1,8 milhões de espécies de animais e plantas já foram descritas (Lewinsohn & Prado, 2005), sendo aproximadamente três quartos dessa fração constituída por artrópo-des (Triplehorn & Johnson, 2005). A floresta Amazônica é fre-quentemente destacada como um dos grandes exemplos do exposto acima, por ser a maior e mais diversa flores-ta tropical do mundo (Haffer 1997; Hayes & Sewlal, 2004; Nores, 2000;

Ribeiro et al., 1999; Silva et al. 2005), mas de maneira geral sua diversidade faunística é subestimada fundamen-talmente em virtude desta carência de conhecimento, muitas vezes inter-pretada como uma realidade regional factível por alguns autores quando a comparam com a Mata Atlântica (veja Morellato & Haddad 2000). As extensas áreas florestais amazônicas despertam interesses variados (e.g. científicos, turísticos, medicinais, desenvolvimentistas e econômicos), porém estes nem sempre se coadunam. Essa mesma floresta tem sido palco de altas taxas de desmatamento - 29,1 x 103 km2 de área de florestas amazônicas foram desmatadas apenas no ano de 1995 (Fearnside, 2005). Empreendimentos

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governamentais como a abertura de estradas (Laurance et al., 2004) e a proliferação de hidrelétricas (Fearnside, 2011) representam ameaças potenciais, tanto para a integridade do sistema amazônico, como para a manutenção dessa biodiversidade. O desmatamento é responsável pelo empobrecimento local, e pode ter efeitos a curto, médio e longo prazo sobre a biota, modificando a paisagem original, diminuindo ou mesmo represando a dispersão, o fluxo gênico e aumentando as taxas de extinções (With & King, 1999; Magura et al., 2001). O conhecimento mínimo de quais organismos ocorrem em um local, e quantas espécies podem ocorrer nele, é uma condição primordial para o desenvolvimento de projetos visando a conservação da área. Entretanto, na Amazônia lidamos com um conjunto de limitações relacionadas a sua grande escala; há também problemas relacionados a logística e acesso, também relacionados a um número muito pequeno de pesquisadores atuando na região. Uma forma de incrementar o estado atual do conhecimento de aracnídeos amazônicos é realizar inventários estruturados em áreas próximas da, ou mesmo na, cidade de Manaus, já que até mesmo nessas localidades próximas e de fácil acesso, poucas coletas foram realizadas, o registro de novas espécies é ainda muito alto e poucos levantamentos estruturados adequados foram

realizados. O primeiro inventário estruturado de aranhas e opiliões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé foi realizado nesse sentido, para cobrir uma dessas grandes lacunas aproveitando a proximidade da reserva localizada a oeste de Manaus, a aproximadamente 25 Km do centro da cidade. A Reserva é a maior unidade de proteção do município de Manaus, com cerca de 1.200 ha (Diniz & Scudeller, 2005), e conta com um sólido programa de estudos científicos denominado Projeto Biotupé.

Material e Método

Área de estudo

A RDS do Tupé localiza-se na margem esquerda do rio Negro, a oeste de Manaus e possui três trilhas de acesso: Cachoeira, Copaíba e Central. O presente inventário foi conduzido na trilha da Cachoeira, que possui aproximadamente 3.800 m de extensão; seu inicio está localizado na sede da comunidade São João do Tupé (03º2’50”S e 60º15’21”W), e estende-se por terrenos de platôs e vertentes (Scudeller et al., 2009). A cobertura vegetal da trilha da Cachoeira caracteriza-se por floresta alta, aberta e sub-bosque variando de aberto com palmeiras na porção mais próxima à sede da comunidade a fechado nas demais partes da trilha (Scudeller et al., 2009).

Aranhas e opilões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas - Brasil

274

Amostragem

As coletas foram realizadas em janeiro de 2009 em quatro pontos demarcados ao longo da trilha da Cachoeira. Cada ponto era composto de três seções transversais distantes 10 metros entre si; a distância entre os pontos de amostragem foi de aproximadamente 500 metros. As seções transversais demarcados mediam 30x10 m e estavam dispostas perpendicularmente à trilha. Nas 12 seções amostradas foram empregados três métodos de coleta (ver Coddington et al., 1991; Pinto-da-Rocha & Bonaldo, 2006), amplamente utilizados em estudos com aracnídeos na Amazônia, e que apresentam melhor eficiência em inventários deste grupo (Pinto-da-Rocha & Bonaldo 2006). Foram obtidas 84 amostras, com os métodos abaixo descritos:Guarda-chuva Entomológico: método empregado durante o dia e que consiste na utilização de uma armação de tubos de PVC que sustenta um tecido branco de 1 m2, sobre o qual os aracnídeos caem quando a vegetação é batida com um bastão de madeira. Ao longo dos transectos estabelecidos em cada ponto foram escolhidos arbustos de até 2 m de altura e em cada um deles foram dadas 20 batidas durante 1 hora. Primeiramente, foram amostrados os arbustos que tocaram a linha que demarca o transecto e, posteriormente aqueles que estavam a até 2 m de distância da mesma.

Coleta Manual Noturna: este método também foi utilizado com esforço amostral padronizado em 1 hora e consiste na coleta de todos os indivíduos visualizados no respectivo período ao longo da seção transversal. Estas coletas foram auxiliadas pelo uso de lanterna de cabeça, pinças e potes plásticos contendo álcool 80%. Inspeção Manual de Serapilheira: foram obtidas cinco amostras de serapilheira, com intervalos de 5 m ao longo dos 30 m de cada seção transversal (amostragem em 10, 15, 20, 25 e 30 m). A serapilheira foi coletada manualmente, acondicionada em sacos plásticos e, posteriormente, disposta sobre um pano branco de 1,50 x 1,80 m, onde foi cuidadosamente inspecionada com o auxílio de pinças e pincéis à procura de aracnídeos. Os indivíduos encontrados foram armazenados em um pote plástico contendo álcool a 80%.

Identificação do Material

A triagem do material foi realizada sob estereomicroscópio na Coleção de Invertebrados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Os aracnídeos obtidos foram acondicionados em tubos de ensaio de tamanhos adequados contendo álcool a 80%, devidamente identificados com etiquetas contendo a data, local de coleta, método e coletor. Após a identificação, o material foi tombado em uma base de dados do programa de gerenciamento de coleções Specify Biodiversity Collection Software versão 6.0, disponível em http://www.specifysoftware.org/Specify.

Tourinho at al.

275

Estimativa da riqueza em espécies Dado o aspecto de coleta rápido do presente inventário, apresentamos uma estimativa do número de espécies de aranhas e opiliões presentes na RDS do Tupé. Esta estimativa foi realizada no Species Richness Computations (Burnham & Overton, 1979), software disponível em http://www.mbr-pwrc.usgs.gov/software/specrich.html . Para o cálculo da riqueza estimada foram fornecidos o total de espécies registradas e o número de espécies observadas em cada uma das seguintes classes de frequência: 1, 2, 3, 4 e 5 indivíduos.

Resultados e Discussão Um total de 86 espécies de aranhas e opiliões foram coletadas na RDS do Tupé. Na discussão é feita uma apresentação das características ecológicas e do estado da arte de aranhas e opiliões na região amazônica, em tópicos distintos. Após cada tópico segue a lista de espécies amostradas.

Opiliones

Os opiliões são animais reconhecidos pelos hábitos crípticos e noturnos da maioria de suas espécies (Pinto-da-Rocha, 1999; Kury & Pinto-da-Rocha, 2002; Curtis & Machado, 2007; Bonaldo et al., 2009), pelo endemismo acentuado e alta diversidade nas regiões tropicais. Existem 6491

espécies (Kury, 2011) descritas para o mundo, assim ocupando a posição de terceira ordem mais rica em espécies dentro de Arachnida. Os índices de endemismo no grupo chegam a 97,5% na Mata Atlântica (Pinto-da-Rocha et al., 2005). A grande sensibilidade dos opiliões, o seu elevado grau de endemismo e limitada capacidade de dispersão os torna um grupo com alto potencial de extinção (Pinto-da-Rocha, 1999). Estudos demonstram efeitos negativos (e.g. perda de riqueza e alteração na composição) da fragmentação de florestas, pastagem e queimadas florestais sobre as comunidades de opiliões (Curry et al., 1985; Dennis et al., 2001; Bragagnolo et al., 2007). Por outro lado, opiliões são os melhores candidatos para estudos biogeográficos (Giribet & Kury, 2007), uma vez que sua baixa capacidade de colonização de novos ambientes torna a sua distribuição atual um reflexo de mudanças históricas, que acabaram por modificar o ambiente e isolar faunas, propiciando a especiação. Apesar disso, no Brasil podemos citar poucas publicações (Da Silva & Gnaspinni, 2009; Da Silva & Pinto-da-Rocha, 2010; Pinto-da-Rocha et al., 2005) tratando de análises biogeográficas do grupo envolvendo apenas a Mata Atlântica, onde há conhecimento taxonômico e consequentemente uma amostragem regional relativamente satisfatória, permitindo que tais estudos sejam efetuados. No Brasil estão distribuídas 41% das espécies de opiliões do Novo

Aranhas e opilões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas - Brasil

276

Mundo, totalizando mais de 900 espécies. As áreas melhor amostradas no país são as da Mata Atlântica (Kury & Pinto-da-Rocha, 2002; Kury, 2003; Tourinho & Pérez, 2006). São conhecidas cerca de 180 espécies nominais nas áreas amazônicas do Brasil, Colômbia e Peru, mas se incluídas as espécies de áreas dos demais países amazônicos este número aumenta para cerca de 300 espécies. A estimativa disponível em literatura sugere que a diversidade de opiliões na Amazônia pode ser de três a cinco vezes maior do que a atualmente conhecida (Pinto-da-Rocha & Bonaldo, 2006). Contudo, levantamentos recentes conduzidos na região revelam que esse número é ainda maior (Tourinho, 2007). O percentual de espécies novas coletadas em áreas próximas à cidade de Manaus é de 30-50%, não incluindo aqui os complexos carentes de revisões taxonômicas (potenciais detentores de várias espécies novas, principalmente Cosmetidae e Manaosbiidae). Não seria exagero dizer que pelo menos 70% das espécies depositadas apenas na coleção do INPA são representantes de táxons ainda não descritos. A coleta na RDS Tupé foi rápida, realizada em três dias por duas estudantes de iniciação científica, mas obtivemos um resultado surpreendente com 9 famílias e 19 espécies e morfoespécies diagnosticadas. Dentre elas uma espécie nova de Rickstygnus Kury, 2009, gênero monotípico registrado apenas para o Ceará (Tab. 1). Estes resultados indicam que a diversidade de espécies

e famílias da RDS deve se equiparar a de localidades como a Floresta Nacional de Caixuanã (Bonaldo et al., 2009), e a Fazenda Experimental da Universidade Federal do Amazonas (32 e 26 espécies), onde várias e diferentes metodologias de coleta foram aplicadas por um período de tempo muito maior. Este resultado é compatível com a estimativa de riqueza em espécies conduzida, que revela o número potencial de espécies na área para cerca de 23 (± 2,8). O número de novos táxons foi igualmente alto, três gêneros novos identificados, um para Cosmetidae, dois para Gagrellinae (Tabela 1), sendo que 4 espécies novas de Cosmetidae (1), Gagrellinae (2) e Stygnidae (1) foram diagnosticadas. Entretanto, as espécies morfotipadas referentes às Biantidae, Samoidae e zalmoxidae provavelmente também são novas, mas não se pode incluí-las adequadamente em um gênero em virtude do estado precário de sua taxonomia. Neste sentido, a maioria dessas espécies só poderá ser confirmada como nova após exame do material-tipo, ou da realização de uma extensa revisão dos gêneros com distribuição na Amazônia e demais localidades vizinhas.

Araneae

Aranhas consistem de um grupo megadiverso, amplamente distribuído e muito bem-sucedido nos mais diversos habitats (Foelix, 1996). São encontradas no solo, entre e sob a serapilheira, no sub-bosque e no dossel.

Tourinho at al.

277

Podem apresentar ampla capacidade de dispersão, pelo ar, através da emissão de fios de seda (balonismo), uma vez que são encontradas em ilhas remotas do Pacífico (Gillespie, 2002). Também apresentam diversas estratégias de forrageamento, logo são classificadas em uma série de guildas (modo pelo qual utilizam os recursos), recentemente refinadas por Dias et al. (2010) com o acréscimo de inúmeras informações sobre história natural. Alimentam-se principalmente de insetos, contudo espécies maiores podem consumir, inclusive, vertebrados (ver Menin et al., 2005), enquanto outras consomem néctar (Jackson et al., 2001). O grupo é dividido em duas subordens, Opistothelae e Mesothelae (Platnick & Gertsch, 1976). Mesothelae é encontrada exclusivamente na Ásia (Brescovit et al., 2002), enquanto Opistothelae engloba as infraordens Mygalomorphae (caranguejeiras) e Araneomorphae, globalmente distribuídas. Araneomorphae é a mais diversa, englobando aproximadamente 90% das aranhas viventes (Foelix, 1996). Como exemplo, a taxa de resolução taxonômica é baixa quando comparada a táxons menos diversos, como pode ser observado na Tabela 1, que exemplifica alguns trabalhos conduzidos na região Amazônica. Atualmente são conhecidas mais de 42 mil espécies de aranhas (Platnick, 2011), mas segundo especialistas este número pode representar menos de 50% do número

real de espécies existentes (Brescovit, 1999; Coddington & Levi, 1991; Platnick, 1999). A maior diversidade do grupo ocorre em ambientes tropicais, justamente onde se encontra o maior desafio: coletar, identificar, descrever e buscar padrões de distribuição na proporção da grande diversidade do grupo, das extensas áreas sem amostragem e da crescente taxa de destruição dos ambientes. Nos últimos 10 anos o número de trabalhos envolvendo aranhas na região amazônica tem aumentado substancialmente, o que tem contribuído para ampliar o conhecimento ecológico, biogeográfico e taxonômico (Rego, 2003; Saturnino, 2007; Silva, 2008, Rego et al., 2009). A melhor utilização dos dados ecológicos gerados através de inventários estruturados de aranhas na região Neotropical na tomada de decisões conservacionistas tem sido abordada em uma série de artigos (Baldissera et al. 2004; Azevedo-Ramos et al., 2006; Bonaldo et al., 2007; Peres et al., 2007; Rego et al., 2007; Ricetti & Bonaldo, 2008; Lo-Man-Hung et al. 2008; Coddington et al., 2009). Este capítulo é um passo inicial para a compilação de dados sobre a ecologia de espécies e da comunidade de aranhas na região do Tupé. O inventário aqui apresentado foi focado principalmente na coleta de opiliões, o que explica a baixa riqueza em espécies e abundância de aranhas coletadas em comparação a outros inventários (Tab.

Aranhas e opilões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas - Brasil

278

Taxon N. indivíduos Método de coleta

Batedor Folhiço Noturna

Agoristenidae Leiosteninae

Avima matintaperera (Pinto-da-Rocha, 1996)

3 0 0 3

Cosmetidae

Eucynortula pentapunctata Roewer, 1947

35 0 0 35

Gen. nov.1 sp nov.1 34 0 0 34

Fissiphalliidae

Fissiphallius tucupi Tourinho

& Pérez, 2006

17 16 1 0

Manaosbiidae

Manaosbia sp1 9 0 0 9

Saramacia lucasae ( J im

& Soares, 1991)

14 0 0 14

Sclerosomatidae

Gen. nov. 1 sp nov.1 12 0 0 12

Gen. nov. 2 sp nov.1 1 0 0 1

Gen 3 sp.1 1 0 0 1

Stygnidae

Auranus hoeferscovitorum Pinto-da-Rocha, 1997

1 0 1 0

Protimesius longipalpis (Roewer, 1943)

2 0 0 2

Stygnus armatus Perty, 1833 14 1 0 13

Ricstygnus sp. nov. 1 4 1 3 0

zalmoxidae

zalmoxidae sp.1 2 0 1 1

zalmoxidae sp.2 3 0 3 0

zalmoxidae sp.3 5 0 5 0

zalmoxidae sp.4 1 0 1 0

Tabela 1: Lista de espécies de opiliões coletadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, por método de coleta.

continua

Tourinho at al.

Cosmetidae

Eucynortula pentapunctataRoewer, 1947

35 0 0 35

Gen. nov.1 sp nov.1 34 0 0 34

Manaosbiidae

Manaosbia sp1 9 0 0 9

Saramacia lucasae ( J im

& Soares, 1991)

14 0 0 14

Sclerosomatidae

Gen. nov. 1 sp nov.1 12 0 0 12

Gen. nov. 2 sp nov.1 1 0 0 1

Gen 3 sp.1 1 0 0 1

279

continua

continuação

Taxon Número de indivíduos

Método de coleta

Batedor Folhiço Noturna

Araneidae

Alpaida sp.1 2 2 0 0

Alpaida sp.2 2 0 0 2

Alpaida truncata (Keyserling, 1865)

1 0 0 1

Alpaida urucuca Levi, 1988 1 0 0 1

Araneidae sp.1 3 0 0 3

Tabela 3: Lista de espécies de aranhas coletadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, por método de coleta.

Referência N° deSpp

% deresolução

Local

Bonaldo et al. (2009) 591 26.5% Floresta Nacional de Caxiuanã/PA

Höfer & Brescovit (2001) 506 49% Reserva Ducke/AM

Ricetti & Bonaldo (2008) 427 17.5% Serra do Cachimbo/PA

Venticinque et al. (2008) 394 34.5% Rios Solimões e Amazonas/AM

Saturnino (2007) 333 18% Hidrelétrica de Balbina/AM

Saturnino et al. in prep 232 28% Região da Serra do Aracá/AM

Höfer (1990) 140 38.5% Igapó Tarumã Mirim/AM

*Tabela adaptada de Saturnino et al. in prep

Tabela 2: Porcentagem de resolução taxonômica de alguns trabalhos conduzidos na região amazônica.

Samoidae

Samoidae sp.1 30 30 0 0

Biantidae Stenostygninae

Gen.1 sp.1 2 0 2 0

Total geral 190 48 17 125

Samoidae

Samoidae sp.1 30 30 0 0

Total geral 190 48 17 125

Höfer & Brescovit (2001) 506 49% Reserva Ducke/AM

Venticinque et al. (2008) 394 34.5% Rios Solimões e Amazonas/AM

Saturnino et al. in prep 232 28% Região da Serra do Aracá/AM

Aranhas e opilões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas - Brasil

280

Araneidae sp.2 1 0 0 1

Araneidae sp.3 1 0 0 1

Araneidae sp.4 1 1 0 0

Araneidae sp.5 1 1 0 0

Araneidae sp.6 1 0 0 1

Bertrana elinguis (Keyserling, 1883)

1 0 0 1

Chaetacis aureola (C. L. Koch, 1836)

1 1 0 0

Cyclosa sp.1 1 0 0 1

Hingstepeira folicesens (Hingston, 1932)

5 0 0 5

Mangora bovis Levi, 2007 1 0 0 1

Mangora novempupillata Mello-Leitão, 1940

1 0 0 1

Mangora sp.1 1 1 0 0

Mangora sp.2 1 0 0 1

Manogea porracea (C. L. Koch, 1838)

1 0 0 1

Micrathena clypeata (Walckenaer, 1805)

11 3 0 8

Micrathena schreiberse (Perty, 1833)

1 0 0 1

Micrepeira fowleri Levi, 1995

1 0 0 1

Corinnidae

Corinna sp.1 1 0 0 1

Corinna sp.2 1 0 0 1

Ctenidae

Centroctenus acara Brescovit, 1996

1 0 0 1

Ctenus aff. crulsi 1 0 1 0

Ctenus amphora Mello-Leitão, 1930

7 0 0 7

Enoploctenus sp.1 1 0 0 1

Gephyroctenus sp.1 2 0 0 2

continua

continuação

Tourinho at al.

Corinnidae

Corinna sp.1 1 0 0 1

Corinna sp.2 1 0 0 1

Ctenidae

Centroctenus acaraBrescovit, 1996

1 0 0 1

Ctenus aff. Ctenus aff. Ctenus crulsi 1 0 1 0

Ctenus amphora Mello-Leitão, 1930

7 0 0 7

Enoploctenus sp.1Enoploctenus sp.1Enoploctenus 1 0 0 1

Gephyroctenus sp.1 2 0 0 2

281

Deinopidae

Deinopis sp.1 1 0 0 1

Deinopis sp.2 1 0 0 1

Linyphidae

Linyphidae sp.1 2 2 0 0

Mimetidae

Ero sp.1 3 1 0 2

Ero sp.2 1 0 0 1

Oonopidae

Gamasomorphinae sp.1 2 0 2 0

Oxyopidae

Tapinillus sp.1 1 1 0 0

Pholcidae

Metagonia sp.1 1 1 0 0

Pholcidae sp.1 1 1 0 0

Pholcidae sp.2 1 0 0 1

Pisauridae

Architis sp.1 1 1 0 0

Salticidae

Lyssomanes sp.1 1 1 0 0

Salticidae sp.1 3 3 0 0

Salticidae sp.2 1 1 0 0

Salticidae sp.3 1 0 0 1

Salticidae sp.4 2 1 0 1

Salticidae sp.5 1 1 0 0

Salticidae sp.6 2 2 0 0

Salticidae sp.7 1 1 0 0

Salticidae sp.8 1 1 0 0

Salticidae sp.9 1 1 0 0

Salticidae sp.10 1 1 0 0

Selenopidae

Selenopidae sp.1 1 0 0 1

continua

continuação

Linyphidae

Linyphidae sp.1 2 2 0 0

Oonopidae

Gamasomorphinae sp.1 2 0 2 0

Pholcidae

Metagonia sp.1 1 1 0 0

Pholcidae sp.1 1 1 0 0

Pholcidae sp.2 1 0 0 1

Salticidae

Lyssomanes sp.1Lyssomanes sp.1Lyssomanes 1 1 0 0

Salticidae sp.1 3 3 0 0

Salticidae sp.2 1 1 0 0

Salticidae sp.3 1 0 0 1

Salticidae sp.4 2 1 0 1

Salticidae sp.5 1 1 0 0

Salticidae sp.6 2 2 0 0

Salticidae sp.7 1 1 0 0

Salticidae sp.8 1 1 0 0

Salticidae sp.9 1 1 0 0

Salticidae sp.10 1 1 0 0

Aranhas e opilões da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Amazonas - Brasil

282

Sparassidae

Sparassidae sp.1 1 1 0 0

Theridiosomatidae

Theridiosomatidae sp.1 1 1 0 0

Tetragnathidae

Leucauge sp.1 2 1 0 1

Theridiidae

Chrysso sp.1 1 1 0 0

Chrysso sp.2 1 1 0 0

Episinus sp.1 2 0 0 2

Episinus sp.2 1 0 0 1

Theridiidae sp.1 5 5 0 0

Theridiidae sp.2 1 1 0 0

Theridiidae sp.3 1 1 0 0

Uloboridae

Miagrammopes sp.1 2 2 0 0

Uloboridae sp.1 1 1 0 0

Uloboridae sp.2 2 2 0 0

Uloboridae sp.3 1 1 0 0

Uloboridae sp.4 1 1 0 0

Total geral 108 48 3 57

continuação

1): 108 espécimes pertencentes a 67 espécies e 17 famílias (Infraordem Araneomorphae). Entretanto, a riqueza potencial de espécies da área da RDS do Tupé pode ser considerada alta, uma vez que aproximadamente a cada dois espécimes coletados uma espécie diferente foi registrada. Em inventários extensivos como o de Bonaldo et al. (2009) esta proporção é de aproximadamente 8 para 1, ou seja, uma espécie diferente foi registrada a cada oito indivíduos coletados. A

estimativa da riqueza em espécies indica um total de 182 (± 25) espécies. Como é frequente em outros inventários, Araneidae foi a família mais abundante (40) e mais rica em espécies (22), seguidas por Salticidae e Theridiidae (Tabela 2) (Raizer et al., 2005; Dias et al., 2006; Saturnino, 2007). O maior número de indivíduos foi obtido através de coleta noturna (57), seguido pelo batedor de vegetação (48). A riqueza em espécies foi muito similar em ambos os métodos, sendo 35 para batedor e

Tourinho at al.

Sparassidae

Sparassidae sp.1 1 1 0 0

Tetragnathidae

Leucauge sp.1 2 1 0 1

Uloboridae

Miagrammopes sp.1Miagrammopes sp.1Miagrammopes 2 2 0 0

Uloboridae sp.1 1 1 0 0

Uloboridae sp.2 2 2 0 0

Uloboridae sp.3 1 1 0 0

Uloboridae sp.4 1 1 0 0

283

34 para noturna. Além disso, o número de espécies exclusivas obtidas por cada método foi igual (30 para cada), fato que ressalta a importância de se utilizar métodos complementares. Embora com a inspeção manual de serapilheira tenha sido obtida a menor abundância e riqueza em espécies, a aplicação deste método acrescentou o registro de Oonopidae, táxon muito abundante e rico em espécies que ocupa o estrato inferior da floresta, assim como o dossel (Jocqué & Dippenaar-Schoeman, 2006).

Considerações finais

A fauna de aracnídeos na RDS do Tupé é rica em espécies, algumas das quais até então desconhecidas pela ciência. Embora os resultados sejam preliminares, podemos observar que a proporção de espécies de aranhas obtidas em relação ao número de indivíduos coletados na região é alta, indicando que a riqueza em espécies é bem maior do que a amostrada até então. Uma identificação refinada dos opiliões revelou a existência de três gêneros novos e sete espécies novas, as quais foram coletadas em um inventário rápido e com a aplicação de poucos métodos. Estes fatores denotam a relevância da área para a conservação e aumento do conhecimento sobre aracnídeos do local. Neste sentido, inventários subsequentes deste grupo na área devem ser realizados por períodos de tempo mais longos e com a aplicação de diversos métodos de coleta.

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Resumo: ECOLOG é um sistema gerenciador de bancos de dados multiplataforma, projetado para o manejo de dados sobre locais, espécies, indivíduos e variáveis ambientais obtidos em levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidade. O principal objetivo do ECOLOG é tornar os dados obtidos dos levantamentos de campo prontamente acessíveis, fornecendo listas de espécies coletadas na área do levantamento e também informações sobre preferências de habitat, abundância ou raridade de uma espécie em particular, biometria, morfologia, sequências curtas de DNA, dominância e localização espacial de cada espécime individual coletado em campo, além de outros dados de grande valor potencial para estudos ecológicos. O sistema é proposto para contribuir para o estabelecimento de um padrão mínimo para a coleta e o intercâmbio de dados de levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidade, minimizando a duplicação de esforços em diferentes instituições e projetos de pesquisa e gerenciamento ambiental.

Palavras-chave: bancos de dados, ecoinformática, levantamentos ecológicos, inventários de biodiversidade.

1 Mauro José CAVALCANTIe-mail: [email protected]

1Ecoinformatics Studio-RJ

ECOLOG: um sistema gerenciador de bancos de dados para levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidade

Meio FísicoDiversidade BiológicaCapítulo 17

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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Introdução

A execução de inventários sobre a diversidade de espécies da flora e da fauna de uma região constitui-se num pré-requisito indispensável à conservação e uso sustentável dos recursos naturais por elas representados. Problemas de grande interesse prático, como a delimitação de áreas de reserva para a preservação de espécies e a elaboração de estudos de impacto ambiental, dependem fortemente da aquisição e organização de bases de dados extensas, completas e consistentes, oriundas de levantamentos faunísticos e florísticos de campo (Ellis, 1988; Haila & Margules, 1996; Lawton et al., 1998; Balmford & Gaston, 1999; Sharkey, 2001; Allison, 2003), que proporcionem subsídios para a tomada de decisões críticas para a proteção e uso sustentado dos recursos ambientais. Em particular nos países tropicais, onde os recursos naturais vêm sendo degradados rapidamente e em larga escala como consequência de políticas ambientais inadequadas (Dumont, 1989), os inventários de biodiversidade têm adquirido uma importância cada vez maior. Dada a velocidade com que os ambientes naturais nos trópicos estão sendo degradados ou inteiramente destruídos, é urgente que o maior número possível de áreas tropicais sejam inventariadas quanto a suas espécies de animais e plantas, muitas das quais talvez venham a ser extintas antes mesmos

que possam ser descritas e, sobretudo, que tenham seus usos potenciais analisados (Prance, 1977; Alberch, 1993; Wilson, 1994). Contudo, o volume de dados obtido por tais inventários frequentemente constitui-se em um grande problema, no que se refere ao armazenamento, atualização, verificação, recuperação e análise destes dados (Alberch, 1993; Lawton et al., 1998; Sharkey, 2001; Scudeller & Martins, 2003). A dificuldade de acesso rápido às informações oriundas de levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidade tem sido responsável pela lentidão do processo de análise e, consequentemente, de produção de resultados úteis para apoiar os esforços de conservação e uso sustentável dos recursos naturais. Neste contexto um Sistema de Gerenciamento de Bancos de Dados (SGBD) apresenta-se como um eficiente meio de armazenamento e organização dos dados sobre diversidade de espécies, reduzindo seu tempo de acesso e processamento e garantindo sua integridade e consistência. Sistemas gerenciadores de bancos de dados vêm sendo empregados no manejo de dados de inventários de biodiversidade pelo menos desde a década de 1970 (Erwin 1976; Sweet & Poppleton 1977). Não obstante, até recentemente, poucos sistemas específicos estavam disponíveis, sendo todos invariavelmente desenvolvidos para computadores de grande porte ou minicomputadores (Gall

Cavalcanti

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& Christian, 1984; Edwards, 1985; Fitter & Peat, 1994); a proliferação dos microcomputadores, a partir dos anos 1980, levou ao desenvolvimento de várias novas aplicações, de baixo custo operacional e mais amplamente acessíveis (Pérez-Trejo & Jameson, 1986; Beaman & Regalado, 1989). A ampla disponibilidade dos microcomputadores propicia atual-mente muitas oportunidades para o desenvolvimento de sistemas gerencia-dores de bancos de dados ecológicos. Efetivamente, os microcomputadores atuais, dotados de grande velocidade e capacidade de armazenamento, aliadas ao baixo custo e à disponibilidade de ferramentas para o desenvolvimento rápido de aplicações baseadas em in-terfaces gráficas de usuário, podem fa-cilitar a qualquer organização, projeto ou indivíduo envolvidos em levanta-mentos ecológicos de campo e inven-tários de biodiversidade, o acesso à moderna tecnologia disponível de ban-cos de dados (Stevenson et al., 2003; Scudeller & Martins, 2003). Todavia, sistemas de confiança e compatíveis com as necessidades de gerenciamen-to de dados ecológicos são um ponto crítico para o sucesso de projetos de inventários de biodiversidade (Allkin & Winfield , 1993; Camargo et al., 2004). Projetos de inventários florísticos ou faunísticos, mesmo aqueles de grande prestígio, frequentemente não fazem pleno uso dos dados obtidos em virtu-de da inadequação de seus programas aplicativos. Por exemplo, a inexistência de um sistema eficiente de organiza-

ção, integração e compartilhamento de dados oriundos de levantamentos eco-lógicos de campo, foi considerada por Camargo et al. (2004) um dos princi-pais pontos fracos do Projeto “Janelas para a Biodiversidade” conduzido pela Fundação Vitória Amazônica no Parque Nacional do Jaú. A necessidade de um sistema de gerenciamento de bancos de dados com capacidade relacional, especifica-mente projetado para o manejo de da-dos sobre locais, espécies e indivíduos obtidos em levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversi-dade, no âmbito da comunidade cien-tífica nacional, levou à proposta de desenvolvimento de um sistema ge-renciador de bancos de dados especí-fico para levantamentos ecológicos de campo (ECOLOG), que pudesse ser uti-lizado por projetos e organizações en-volvidos em atividades de prospecção da diversidade biológica e uso susten-tável de recursos naturais (Cavalcanti, 1991; 1993; 1998; 2005). O sistema ECOLOG foi especificamente projetado para o manejo de dados obtidos em levantamentos ecológicos de campo e inventários biológicos em microcomputadores da linha PC e já conta com 20 anos de investimento em seu desenvolvimento. Sua flexibilidade, que pode ser testemunhada pela natureza diversa dos projetos que o utilizam (Sá et al., 1991; Dalcin et al., 1997; Kurtz & Araujo, 2000; Cavalcanti ,2005) e maturidade inspiram confiança em seus usuários.

ECOLOG: Um sistema gerenciador de bancos de dados para levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidade.

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Este sistema apresenta como características básicas: a utilização em equipamentos de baixo custo e fácil acesso (microcomputadores da linha PC); a rapidez e facilidade de operação, dispensando conhecimentos especializados em computação por parte dos usuários; a validação completa dos dados de entrada; a flexibilidade na recuperação de registros para consulta e produção de relatórios (a partir de qualquer atributo ou combinação de atributos); a possibilidade de produzir análises quantitativas de dados ecológicos (índices de diversidade, frequência e dominância, curvas de rarefação, etc.); a geração de listagens de espécies e etiquetas de coleta de campo; e a exportação de dados em vários formatos, para utilização em outros sistemas (inclusive planilhas eletrônicas e pacotes estatísticos).. O Projeto Biotupé é uma proposta de estudo multidisciplinar de longo prazo em execução na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS do Tupé), envolvendo pesquisadores de várias instituições. Um dos principais objetivos deste projeto é inventariar, identificar e quantificar a biodiversidade dessa área. O programa envolve a coleta e organização de dados científicos sobre a biodiversidade da área e sua integração em um ou mais bancos de dados, que possam fornecer apoio às estratégias de conservação e manejo sustentado na RDS. Um requisito básico do Projeto Biotupé é, justamente, a disponibilidade de um sistema gerenciador de bancos de

dados especializado, de fácil utilização e livremente acessível, para integrar os dados sendo coletados e permitir comparações entre estes. Considerando-se a importância científica e econômica dos dados sobre biodiversidade, bem como seu valor estratégico no apoio aos processos decisórios referentes à administração e uso sustentável dos recursos naturais, é de grande interesse a disponibilidade de uma versão atualizada de um sistema flexível e eficiente, de aplicação genérica, como o ECOLOG, que possibilite o gerenciamento rápido e eficiente de dados ecológicos. O desenvolvimento e implementação de tal sistema também proporciona a oportunidade de discutir os processos de coleta, armazenamento, distribuição e análise computacional de dados ecológicos, bem como as questões referentes ao seu controle, disseminação e aplicação a problemas de interesse prático, como a delimitação de áreas protegidas e o suporte a estudos de impacto ambiental.

Histórico

A primeira versão do ECOLOG foi desenvolvida em 1990 com apoio das Linhas de Ação em Botânica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq proc. #402372/89-1//FV), Programa Mata Atlântica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro/IBAMA (CNPq proc. #407809/84.4), Instituto Brasileiro

Cavalcanti

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de Pesquisas e Estudos Ambientais (Pró-Natura), John D. & Catharine T. MacArthur Foundation (proc. #8900-527 Environment) e Shell do Brasil para o Projeto “Banco de Dados da Mata Atlântica”. Esta versão foi utilizada até 1991, quando foi substituída por outra versão, incorporando diversos aperfeiçoamentos em nível de projeto físico do banco de dados e interface de usuário (Cavalcanti, 1991; Cavalcanti, 1993). A versão original do ECOLOG foi desenvolvida com o compilador Clipper versão Summer ‘87 da Nantucket Corporation, para uso em microcomputadores compatíveis com o IBM-PC XT/AT, sob o sistema operacional MS-DOS, utilizando arquivos de dados no padrão xBase. Dirigido por menus e contando com um sistema simples de auxílio ao usuário, o ECOLOG foi concebido para ser de operação bastante fácil, permitindo a inclusão, exclusão e alteração de registros, geração de uma grande variedade de relatórios úteis e funções utilitárias para a manutenção de bancos de dados de levantamentos ecológicos de campo. Contudo, apesar de sua flexibilidade e eficiência no gerenciamento de dados ecológicos, este sistema não oferecia suporte à documentação dos dados (metadados) e ao manejo de dados ambientais, era restrito ao sistema operacional MS-DOS e o compartilhamento de dados só era possível em ambiente de rede local. A partir de 2003, a demanda por uma ferramenta de software

especializada para atender às necessidades de manejo de dados sobre locais, espécies e indivíduos obtidos no inventário de biodiversidade do Lago Tupé, na Amazônia Central, conduzido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Projeto Biotupé), despertou novo interesse pelo desenvolvimento de uma versão atualizada do ECOLOG (Cavalcanti, 2005). Em sua nova versão, liberada em 2009, o ECOLOG foi projetado para operar como uma aplicação nativa de 32-bits, sob os sistemas operacionais GNU/Linux, MS-Windows e Mac OS X, utilizando a linguagem de programação Python (www.python.org). A escolha foi feita levando-se em consideração a flexibilidade da linguagem, a eficiência e confiabilidade do interpretador e a possibilidade de desenvolvimento rápido de aplicações multiplataforma para computação científica (Beazley, 2000; Bassi, 2007; Oliphant, 2007). Esta versão do ECOLOG está capacitada a ler, gerar e manipular tabelas compatíveis com a máquina de banco de dados SQLite (www.sqlite.org), com suporte pleno à linguagem de consulta estruturada (SQL).

Características

A nova versão do ECOLOG tem como características básicas, além daquelas oferecidas pela versão anterior: 1) Interface gráfica de usuário dirigida por menus suspensos, incluindo janelas com planilhas simples para consulta, inclusão e edição dos

ECOLOG: Um sistema gerenciador de bancos de dados para levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidade.

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dados; 2) Definição interativa de filtros para seleção de registros, a partir de qualquer atributo ou combinação de atributos, inclusive campos baseados em texto; 3) Geração de relatórios (pré-definidos ou definidos pelo usuário) em formato HTML, para a produção automática de páginas de apresentação na Web a partir do conteúdo do banco de dados; 4) Manejo de variáveis ambientais e descritores morfológicos e biométricos definidos pelo usuário; 5) Geração de estatísticas do banco de dados e gráficos, cálculo de índices de diversidade e curvas de acumulação de espécies (“curva do coletor”); 6) Importação/exportação flexível de dados em vários formatos diferentes para intercâmbio com outros programas, inclusive planilhas eletrônicas e pacotes estatísticos; 7) Suporte ao gerenciamento de imagens dos espécimes (“exsicatas eletrônicas”) e conteúdo multimídia (como gravações de áudio de vocalizações de aves e anfíbios e vídeos); 8) Suporte ao armazenamento e análise estatística de sequências curtas de genes para utilização em inventários de biodiversidade usando códigos de barras de DNA (Janzen et al. 2009); 9) Suporte à descrição do conteúdo, contexto, qualidade, estrutura e acessibilidade dos conjuntos de dados (metadados). Em futuras versões do ECOLOG, serão adicionadas outras funcionalidades, a saber: 1) Suporte à análise multivariada de dados ecológicos (índices de similaridade, análise de agrupamentos, técnicas

de ordenação: Gauch, 1982; Digby & Kempton, 1987; Ludwig & Reynolds, 1988; Legendre & Legendre, 1998); 2) Operação em ambiente cliente-servidor, compatível com o gerenciador de bancos de dados MySQL, facilitando o intercâmbio e compartilhamento dos dados obtidos por diferentes projetos; 3) Suporte à localização, com versões em Inglês, Francês e Espanhol, dirigidas a outros países da América Latina, Caribe e África; 4) Armazenamento e análise de interações entre animais e plantas (redes mutualísticas), para estudos de frugivoria, dispersão de sementes, polinização, predação e parasitismo (Bascompte & Jordano 2007); 5) Integração com um sistema de inferência baseado em regras (sistema especialista), para apoio à decisão em diagnósticos ambientais (Starfield & Bleloch, 1983; Rykiel, 1989; Pivello, 1997). O gerenciamento de metadados é baseado na Ecological Metadata Language (EML), um padrão de metadados desenvolvido pela Ecological Society of America (Michener et al., 1997; Fegraus et al., 2005). EML é implementada como um conjunto de documentos em formato XML que podem ser utilizados, de forma modular e extensível, para a documentação de dados ecológicos. Cada módulo EML é projetado para descrever uma parte lógica dos metadados que devem ser incluídos com qualquer conjunto de dados ecológicos. Como na versão anterior, o sistema também inclui completa documentação técnica e de usuário (na

Cavalcanti

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forma de um manual, neste caso), que fornece toda a informação necessária para instalar e usar o sistema. O ECOLOG é distribuído gratuitamente como software livre, de código aberto, nos termos da Licença Pública Geral GNU (GNU GPL), versão 2 ou posterior. Pacotes de instalação para GNU/Linux e MS-Windows, além de documentação de usuário e código-fonte, estão disponíveis na página do programa na Internet (ecolog.sourceforge.net).

Modelo de Dados

O ECOLOG utiliza uma estrutura relacional simples e eficiente, baseada em três tabelas de dados (Indivíduos, Espécies e Locais), que se relacionam por campos compartilhados. Estas tabelas armazenam dados sobre as características gerais de cada espécie (como taxonomia e nomenclatura), dados de coleta de cada espécime individual (coletor, data, procedência, biometria, notas) e a localização espacial (coordenadas geográficas, altitude) de cada unidade amostral (Fig.1). Os dicionários de descritores morfológicos e variáveis ambientais são inteiramente definidos pelo usuário, tornando o sistema flexível e aplicável a qualquer metodologia utilizada. Esta estrutura pode ser considerada uma versão muito simplificada do modelo geral de informação para coleções biológicas proposto por Berendsohn et al. (1999) ou, ainda, da mais recente

ontologia formal apresentada por Madin et al. (2007). As tabelas do sistema armazenam dados sobre as características gerais de cada espécie (como taxonomia e nomenclatura), os dados de coleta de cada espécime (coletor, data, procedência, biometria, morfologia, notas) e a localização espacial (coordenadas geográficas, altitude/profundidade) de cada unidade amostral. A partir de cada uma destas tabelas de dados, são criados índices internos que permitem a busca e recuperação de informações através de múltiplas chaves. A utilização de uma estrutura relacional permite reduzir a duplicação e a redundância nos dados e favorece a eficiência no seu armazenamento. Assim, por exemplo, uma vez que cada espécie compreende um registro único na tabela de espécies, é necessário armazenar apenas o número do táxon para os registros daquela espécie, ao invés de repetir o nome completo da espécie para cada coleta no banco de dados. Da mesma forma, qualquer alteração em um registro nas tabelas de espécies ou locais é automaticamente refletida em todos os registros de indivíduos relacionados àquela espécie ou àquele local. Como as tabelas de dados do sistema possuem campos de tamanho fixo, procurou-se otimizar ao máximo o tamanho de cada campo para assegurar o armazenamento adequado dos dados, sem um consumo excessivo de espaço em disco. Esta restrição implica no aumento do espaço de armazenamento

ECOLOG: Um sistema gerenciador de bancos de dados para levantamentos ecológicos de campo e inventários de biodiversidade.

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necessário ao banco de dados, bem como da complexidade da estrutura lógica do mesmo, porém não impõe limites ao tamanho do mesmo.

Casos de Uso

• Programa Mata Atlântica do Jardim Botânico do Rio de Janeiro/IBAMA, que organizou uma base de dados com cerca de 20.000 registros de espécimes e 2.000 registros de espécies de plantas coletadas na Reserva Ecológica de Macaé de Cima, Município de Nova Friburgo, Rio de Janeiro (Dalcin et al., 1997) e outra com cerca de 600 indivíduos e 140 espécies vegetais da Estação Ecológica Estadual do Paraíso,

Município de Cachoeiras de Macacu, Rio de Janeiro (Kurtz & Araujo, 2000).• Projeto Levantamento Biológico Integrado da Reserva Ecológica Estadual de Jacarepiá, Município de Saquarema, Rio de Janeiro, da Fundação Estadual de Engenharia do Meio-Ambiente do Rio de Janeiro (FEEMA), que organizou uma base de dados com cerca de 300 indivíduos e 200 espécies de plantas da área (Sá et al., 1991).• Projeto Biotupé, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA/MCT), Município de Manaus, Amazonas, direcionado ao gerenciamento e análise dos dados sobre a biodiversidade da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Lago Tupé (Cavalcanti, 2005).

Figura 1: Modelo de dados do ECOLOG.

Cavalcanti

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Conclusão

Com a atualização do ECOLOG, um sistema especializado para o gerenciamento de dados oriundos de levantamentos ecológicos de campo, cujo funcionamento é conhecido e que já esteve em uso bem-sucedido em vários projetos similares em outras partes do país (Sá et al., 1991; Dalcin et al., 1997; Kurtz & Araujo, 2000), o Projeto Biotupé irá beneficiar-se dos investimentos prévios efetuados no desenvolvimento deste sistema e evitar sobreposição ou repetição desnecessária de esforços. O ECOLOG fornecerá aos inventários do Projeto Biotupé uma ferramenta genérica e confiável para a criação e manutenção de bancos de dados ecológicos, contribuindo para uma aplicação mais eficiente e efetiva destes dados aos esforços de conservação e uso sustentável da imensa diversidade biológica da Bacia Amazônica.

Agradecimentos

Ao Dr. Gustavo Martinelli (coordenador do Programa Mata Atlântica, Jardim Botânico do Rio de Janeiro), pelo apoio ao desenvolvimento da versão original do ECOLOG. Ao Dr. Edinaldo Nelson dos Santos-Silva (coordenador do Projeto Biotupé, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), pelo apoio ao desenvolvimento da nova versão e atualizações do ECOLOG. A todos os botânicos, nas pessoas dos Drs. Veridiana Vizoni Scudeller

(Universidade Federal do Amazonas), Eduardo Couto Dalcin (Jardim Botânico do Rio de Janeiro) e Cyl Farney Catarino de Sá (Jardim Botânico do Rio de Janeiro), que contribuíram para o aperfeiçoamento do ECOLOG com críticas construtivas e sugestões úteis.

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Cavalcanti

DiversidadeSociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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1Duarcides Ferreira MARIOSAe-mail: [email protected]

2Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

3Alfredo Morel dos REIS JúNIOR e-mail: [email protected]

3Leandro GASPARINI

e-mail: [email protected]

1 Pontificia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP2 Laboratório de Plâncton, Coordenação de Biodiversidade – CBIO,

Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia – INPA3Grupo de Pesquisas Biotupé

Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias

Resumo: Chamou-se de Índice de Qualidade Sócio Ambiental (IQSA) a um número de 0-1 que consolida a multiplicidade de fatores socioambientais que limitam ou condicionam a existência humana em um determinado contexto espacial. O estudo ora apresentado descreve como os dados sócio-econômicos e ambientais da população ribeirinha habitante da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Manaus, Amazonas, foram reunidos com o propósito de consolidar uma

Meio FísicoCapítulo 18 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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metodologia apropriada para atuar em comunidades, de alguma forma e em diferentes níveis consideradas vulneráveis. Como exemplo da aplicabilidade da metodologia proposta usou-se os dados coletados na comunidade Julião.

Palavras-chave: IQSA; RDS do Tupé; Tecnologias Sociais; Ambiente; Comunidades.

Introdução

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé é aqui entendida em seu contexto de território. Ao identificar, considerar e descrever sua população ou as comunidades em que se acham reunidas o eixo norteador das reflexões é a interação diária das pessoas entre si e destas com espaço físico (De Paula, 2009). Ela contém todas as contradições, riquezas e possibilidades que a dinâmica socioambiental é capaz de proporcionar à experiência humana. A população do Estado do Amazonas foi estimada pelo IBGE (2011), no Censo Demográfico de 2010, em 3.483.985 habitantes, distribuidos em 62 municipios. Na capital, Manaus, concentra-se a maior parte, 1.802.014; em seguida vem Parintins com 102.033; Itacoatiara, com 86.839; Manacapuru, com 85.141; Coari, com 75.965; Tefé, com 61.453; Tabatinga, com 52.272; Maués, com 52.236; Manicoré, com 47.017; e, fechando as dez cidades mais populosas do Estado, temos Humaitá, com seus 44.227 habitantes. A densidade demográfica é extremamente baixa, 2,208 hab/m², se comparada ao Distrito Federal, 423,29 hab/m², Rio de Janeiro, 352,90 hab/m², e São Paulo, 160,46 hab/m², as três maiores concentrações populacionais

do Brasil (dados do Censo de 2007), mas se aproxima de paises como a Austrália, 2 hab/m² e Canadá, 4 hab/m². Considerando-se que 50% das pessoas que vivem no Estado do Amazonas estão na Capital e em cidades a ela próximas, percebe-se quão rarefeita é sua ocupação nas regiões interioranas. Desde a criação da zona Franca, em 1967, Manaus distingue-se do resto do Estado pela vitalidade de sua produção industrial, conquistando, em 2007, a sexta posição no ranking das cidades brasileiras com Produto Interno Bruto na faixa de R$ 34.403.671.000,00. Indústria, comércio e turismo são a base da economia manauara e representam cerca de 85% de tudo que se produz no Estado do Amazonas. Os outros restantes 15% são obtidos através da mineração, agricultura, pesca, pecuaria, turismo ecológico, artesanato e da extração de madeira. A região distante 25 km em linha reta do centro urbano de Manaus em direção oeste, no centro geográfico da Amazônia Legal, portanto. Estendendo-se pela margem esquerda do rio Negro, um pouco antes do encontro com o rio Solimões, ocupando um quadrilátero mais ou menos regular entre os igarapés Tatu

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Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

e Tarumã-Mirim com área total de 11.973 hectares, foi transformada em Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé) em 2005, através de decreto municipal assinado em 25 de agosto, sob número 8.044/05. Antes fora declarada Área de Relevante Interesse Ecológico, em 1990, e Unidade Ambiental do Tupé, em 1995 (Santos-Silva et al., 2005;XII). Na RDS do Tupé encontramos condições e variaveis ambientais semelhantes às antes descritas para o Bioma Amazônia como um todo e o Estado do Amazonas em particular (Carvalho, 2009). Quanto à população, diversos agrupamentos populacionais – comunidades – com características bem distintas em certos aspectos e semelhantes em outros, abrigam-se em seu interior, como Tatulandia, São João do Tupé, Central, Julião, Livramento e Agrovila e outras sete comunidades localizam-se em seu entorno: Bela Vista, Costa do Arara, Baixote e Caioé, São Sebastião, Nossa Senhora de Fátima, Ebenezer e Tarumã-Açu. E exatamente por suas características particulares de ocupação do solo, distancia da área urbana de Manaus e da precariedade e mesmo ausência de diversos estabelecimentos de uso e interesse coletivos, a RDS do Tupé é, de acordo com nomenclatura censitária do IBGE (2003), um “aglomerado rural isolado – povoado”. E, ao mesmo tempo, “subnormal”, pois sua composição e características próprias tornam-na objeto de análise diferenciada de dados (Marques, 2007).

Considerando-se que as variáveis ambientais, como clima, solo, vegetação, ciclo das chuvas, temperatura, tipo de flora e fauna mais abundantemente encontrada numa determinada região formam, em seu conjunto, uma tipologia ecológica específica. Considerando-se, também, que é neste meio natural ou ambiente físico que as práticas humanas vão se desenvolver, a primeira pergunta que fizemos é sobre as condições de habitabilidade da população que ocupa a RDS do Tupé. O estudo ora apresentado descreve como os dados sócio-econômicos e ambientais da população ribeirinha habitante da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Manaus, Amazonas, foram reunidos com o propósito de consolidar uma metodologia apropriada para atuar em comunidades, de alguma forma e em diferentes níveis consideradas vulneráveis. Chamou-se de Índice de Qualidade Sócio Ambiental (IQSA) ao resultado deste trabalho, ou seja, ao conjunto das ferramentas e das atividades capazes de mensurar o estado das relações sociais, econômicas, políticas, culturais e ambientais das comunidades pesquisadas. Este artigo trata duma primeira etapa da pesquisa. Da forma como foram definidos os parâmetros da pesquisa e a seleção das variáveis que compõem o Índice de Qualidade Sócio Ambiental das Moradias (IQSA-Moradias) aplicados à população ribeirinha que habita a Reserva de

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Desenvolvimento Sustentável do Tupé, Manaus, Amazonas.

Materiais e Métodos

O IQSA – Moradias teve sua construção e elaboração desenvolvida em três etapas. Primeiro, cuidou-se da construção dos formulários, de identificar quais variáveis seriam coletadas e como representariam da melhor maneira possível a realidade objeto da investigação. Em seguida, foram definidos critérios de seleção das amostras e os procedimentos a serem seguidos na coleta dos dados. No terceiro momento, os dados coligidos foram tabulados e reunidos em categorias analíticas conforme suas propriedades e características explicativas. Durante muito tempo, as dificuldades encontradas pelos pesquisadores do BIOTUPÉ para tratar das questões mais amplas envolvendo a população habitante da RDS do Tupé foram objeto de reflexão e de diferentes tratativas sem que fossem alcançadas a precisão e objetividade pretendidas. As fontes bibliográficas consultadas muito pouco puderam auxiliar. Não foram encontrados estudos ou pesquisas relevantes que conjugasse numa mesma perspectiva de compreensão a multiplicidade de variáveis que determinam as condições de vida e existência das comunidades humanas numa certa conjuntura sócio-espacial. Alguns poucos, porém, puderam oferecer parte substancial

dos elementos de apreciação com que balizar as análises, dando sustentação teórica e metodológica à construção do IQSA. De modo que o resultado alcançado não pode prescindir de citar suas fontes e modelos de inspiração.Notadamente, buscou-se nos estudos do IQVU – Índice de Qualidade da Vida Urbana – elaborado pela Secretaria de Planejamento da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, alguns fatores responsáveis pela qualidade de vida urbana, como abastecimento; assistência social; educação; esportes; cultura; habitação; infraestrutura urbana; meio ambiente; saúde; serviços urbanos; segurança (PBH, 2007) Um outro estudo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elaborado por técnicos e pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU), indicou três dimensões igualmente importantes na elaboração do índice: a renda (PIB per capita corrigido pelo poder de compra da moeda local), a longevidade (expectativa de vida ao nascer) e a educação (analfabetismo e evasão escolar nos diversos níveis) (PNUD, 2007). Outros estudos contribuíram igualmente como parâmetro de observação, como a definição de saúde utilizada pela OMS (Organização Mundial da Saúde), que procura diagnosticar não a ausência de doença ou enfermidade em indivíduos, grupos ou sociedades, mas um estado de “completo bem-

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Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

estar físico, mental e social” desfrutado por esta população (Buss & Pellefrini Filho, 2007). Agregando-se a estes estudos, a consulta feita à bibliografia socio-antropológica sugeriu indicadores e variáveis que seriam as mais significativas nas análises de comunidades. Em fevereiro de 2008, em minicurso de extensão realizado nas dependências do INPA (instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e a partir da experiência de diversos atores, procedeu-se à discussão das variáveis que operam nas comunidades rurais, especificamente na área da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé. Este curso “Levantamento de Dados e Análise Sociológica de Comunidades Rurais” contou com a participação de 50 pessoas, entre estudantes, comunitários, pesquisadores e representantes de entidades voltadas ou com interesse em questões como as apresentadas. Ao final do curso todos foram convidados a participar de uma pesquisa de campo exploratória na Comunidade Agrovila, em que estiveram presentes 35 inscritos. O formulário aplicado neste momento foi construido de forma semi-estruturada, abrangendo os parâmetros considerados os mais apropriados para o tipo de investigação pretendida. As questões foram elaboradas procurando-se identificar as variáveis intervenientes nas dimensões física, cultural e sociocultural das comunidades, reunidas em três grandes

grupos: das moradias (habitabilidade), dos moradores e das características socioambientais das comunidades (apoio comunitário). Com os dados coletados na Agrovila aplicou-se para cada conjunto de índices o “Diagrama de Pareto”, ferramenta de controle de qualidade desenvolvida por Joseph Juran em 1950. Na sua base está o princípio que Vilfredo Pareto observara em relação à concentração da riqueza ao final do século XIX: um pequeno número de nações (geralmente 20%) concentrava a maioria da riqueza mundialmente produzida (80%). A relação 80/20, aplicada às mais diferentes situações empresariais, consagrou-se como fórmula para dimensionar a correspondência verificada empiricamente entre os problemas e suas possíveis causas. Seguindo-se este mesmo principio partiu-se da idéia de que o Índice de Qualidade Socio Ambiental (IQSA) poderia ser representado como dependente de um sem número de fatores, mas estes concentrados em uma relação semelhante àquela preconizada por Pareto. Um segundo referencial técnico permitiu reconhecer as múltiplas variáveis que operam concomitantemente para determinar os níveis de qualidade socioambiental das comunidades investigadas. Trata-se do “Diagrama de Causa e Efeito”, também conhecido como “Diagrama Espinha de Peixe” ou “Diagrama de Ishikawa”, que consiste na representação visual

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da forma como os resultados (efeitos) interligam-se com os fatores (causas) (Filipe, 2011). Na elaboração do IQSA considerou-se que a qualidade socioambiental é, sim, o resultado da influencia de uma multiplicidade de fatores. Estes, no entanto, podem ser selecionados e agrupados em variáveis sintéticas ou macrovariáveis que melhor exprimem sua influencia e característica. No modelo original, os efeitos são produzidos por famílias de causas, cuja nomenclatura foi retirada da prática industrial: materiais, métodos, máquinas e mão de obra. No estudo das comunidades consideramos, similarmente, o conjunto de variáveis que dizem respeito aos moradores, às moradias e às comunidades. A atividade de campo teve o propósito de observar e recolher dados das variáveis que permitissem identificar, descrever e considerar o tipo e a natureza das relações existentes entre os moradores, destes com as demais comunidades, e com o entorno físico e social correspondente, inclusive com os agentes, pesquisadores, estudantes, gestores e representantes de organismos oficiais envolvidos. Considerou-se, assim, que as variantes ambientais, como clima, solo, vegetação, ciclo das chuvas, temperatura, tipo de flora e fauna mais abundantemente encontrada numa determinada região formam, em seu conjunto, uma tipologia ecológica específica. Esta é a que configura o meio natural ou ambiente físico em que as práticas humanas vão se desenvolver. Ao

falar das moradias, portanto, buscou-se saber das condições de habitabilidade da população que ocupa a RDS do Tupé. Ao falar dos moradores, o conjunto de questões diz respeito aos mecanismos de adaptação – sociais, culturais, econômicos e políticos – desta população com seu entorno. O questionamento sobre as práticas comunitárias denota a existência, profundidade e alternativas de apoio intra e intercomunidades, quantidade e qualidade dos bens e serviços públicos disponibilizados e formas de inclusão social.

Resultados e Discussão

O principal componente verificado pelo conjunto das variáveis observáveis nas moradias chamou-se de “Habitabilidade”. Muito mais do que tipos são as construções. A casa onde moramos extrapola a idéia de uma estrutura física que nos abriga das agressões exteriores. Ou o conjunto de espaços hierarquicamente definidos conforme as funções nele desenvolvidas. Nossas construções carregam em suas linhas, em seus contornos, nos adornos e adereços que as completam, equipamentos e espaços que ocupam um universo simbólico carregado pelos sentimentos, vivencias e experiências de seus ocupantes e, muito importante, o texto de um diálogo construído com o entorno. Eis porque o conceito de habitabilidade aqui desenvolvido busca penetrar o sentido que se põe alem da simples descrição das moradias, prédios públicos, comerciais e de uso coletivo

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Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

disponíveis para uso de uma determinada população. Ou, ainda, os itens de conforto, benfeitorias e os materiais e equipamentos de alto valor agregado utilizados em sua construção. Reunidas no conceito de habitabilidade estão tanto as técnicas empregadas na edificação, como as condições socioculturais e ecológicas que permitem a integração harmônica e equilibrada entre o destino dado ao imóvel considerado e os materiais empregados, as trocas ambientais (água, esgoto, lixo e outros resíduos) e energéticas (eletricidade, combustíveis para uso domiciliar e transporte) que ele demanda. Considerando-se as características socioambientais encontradas na RDS do Tupé, “conformidade tipológica” ou as boas condições de habitabilidade foi definida a partir das seguintes propriedades:1) É o tipo de construção que se caracteriza por sua vernaculidade e durabilidade e utiliza como material estruturante da edificação madeira e barro.2) No telhamento faz uso de material cerâmico (barro) e madeira3) Tem acesso a água potável e dispõe de energia elétrica (gerador ou rede).4) Tem boa acessibilidade, por terra ou água, podendo ser alcançado durante o ano inteiro em todas as estações.5) O destino do lixo e de rejeitos é a composteira ou a recolha reciclável.6) Os dejetos e excrementos são depositados em fossa séptica e recebem possível tratamento. 7) Goza de conforto térmico, determinado por sua aproximação a

vegetação alta, casa avarandada e com dispositivos naturais para a circulação de ar.8) Seus moradores mostram cuidado no acabamento e limpeza.9) Dispõem de hortas, jardins e pomares10) Possuem criação de animais domésticos11) Possui acesso ao mesmo padrão de bens e serviços públicos, como aqueles envolvendo saude, educação, transporte e segurança, disponíveis ao conjunto da sociedade. Na construção do IQSA – Moradias, representativo das condições de “habitabilidade” das comunidades, cada variável recebeu uma “nota” ou “peso”, considerando-se sua aproximação ou distanciamento dos padrões de conformidade tipológica adotados. É importante ressaltar que estes pesos não foram definidos ao acaso, mas resultam da ponderação de muitas fontes que inclui: a) referenciais teóricos encontrados na bibliografia pesquisada; b) a experiência acumulada dos pesquisadores do Projeto Biotupé nos cerca de 10 anos de estudos na área da RDS do Tupé; c) o estudo das prováveis relações existentes entre as variáveis pesquisadas; d) a própria expectativa dos comunitários, que são, ao mesmo tempo, atores e sujeitos dos muitos processos aqui descritos, cujas percepções, interesses e prioridades puderam ser captados nas inúmeras reuniões realizadas. Considera-se, assim, que as condições mais adequadas de cada variável teriam peso “10”, as totalmente “inadequadas”

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ou “inexistentes” receberiam peso “0”, e as intermediarias “2”, “4”, “6” ou “8”. A figura 1 abaixo resume, graficamente, as variáveis cuja somatória definem o Índice de Qualidade Sócio Ambiental das moradias. Aqui entendida como sendo definidora das condições de habitabilidade de cada imóvel, comunidade ou da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé como um todo: O IQSA – Moradias é expresso por um número centesimal entre 0 e 1, resultado da seguinte fórmula, que considera o peso relativo de cada conjunto de variáveis:I Q S A - M O R A D I A S = ( 4 x∑ Pa d r ã o Construtivo + 10x∑Saneamento + 6x∑Infraestrutura + 4x∑Sinais de

Pertença + 8x∑Apoio Comunitario)/32Onde Padrão Construtivo refere-se à estrutura física dos imóveis, sua adaptabilidade às condições climáticas e demais fatores ambientais, conforto térmico e espacial, durabilidade e resistência dos materiais empregados. Resulta, portanto, da somatória das seguintes variáveis, cujos pesos atribuídos estão entre parênteses: a)Destino do imóvel. Qual emprego ou função tem a construção: residência (10); comercio (10); uso coletivo (10); estatal (10); outro (10). b)Material estruturante. Tipo de construção segundo o material empregado em sua edificação: madeira (10); mista (10); alvenaria (8); palha ou lona (4); outro (2) c) Tipo de piso. Revestimento empregado

 Figura 1: IQSA Moradias

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Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

na impermeabilização das superfícies internas das construções: cerâmica (10); madeira (9); cimentado (8); chão batido (4); outro (2). d) Conforto térmico. Se existem (10) ou não (0) técnicas ou peças construtivas que facilitam a circulação de ar ou reduzam a temperatura ambiente, como sombrite, shed, elemento vazado e treliça. e) Moradores por cômodo. Proporção entre número de moradores por cômodo existente: < 1 (10); = 1 (8); > 1 (6); > 2 (4); > 3 (2). f) Tipo de cobertura. Material empregado no telhamento das construções: barro (10); palha (8); fibrocimento (6); zinco (4); outro (2). g)Varanda. Existência (10) ou não (0) de área coberta ao redor do imóvel para ventilação e sombreamento. Na comunidade Julião, a partir dos dados coletados de 150 construções, o padrão construtivo apresenta-se conforme quadro 1 abaixo.

Saneamento descreve as variáveis indicativas das condições gerais de tratamento de esgoto e potabilidade da água consumida, compondo-se dos seguintes itens:a) Destino do esgoto.Onde são lançados os dejetos e resíduos sanitários (esgoto) produzidos em cada moradia: fossa séptica (10); fossa negra (5); rio (2); ar livre (0); outro (0). b)Destino do lixo. Tratamento dado aos resíduos domésticos (lixo) acumulados nas habitações: composteira (10); recolhido (8); queimado (6); enterrado (4); outro (0). c)Sanitário. Localização do sanitário: no imóvel (10); mais de um (10); separado (6); não possui (0); outro (0).d)Água potável.Origem do abastecimento de água potável: poço particular (10); poço

Quadro 1: Demonstrativo de cálculo – IQSA Moradias – Padrão construtivo. Comunidade do Julião – RDS Tupé – Manaus -Am

residência comercio uso coletivo estatal outro não informado TOTAL125 4 12 1 5 3

Peso Aplicado 10 10 10 10 10 0Sub - Total 1250 40 120 10 50 0

alvenaria madeira mista palha/lona outro não informado11 105 28 0 0 6

Peso Aplicado 8 10 10 4 2 0Sub - Total 88 1050 280 0 0 0

telha de barro fibrocimento zinco palha outro não informado4 94 42 0 1 9

Peso Aplicado 10 6 4 8 2 0Sub - Total 40 564 168 0 2 0

1 2 3 4 5 ou mais não informado41 31 32 19 9 18

Peso Aplicado 1 2 3 4 5 0Sub - Total 41 62 96 76 45 0

1 2 3 4 5 ou mais não informado12 14 17 6 19 82

Peso Aplicado 1 2 3 4 5 0Sub - Total 12 28 51 24 95 0

Cômodos Moradores Média Coeficiente Peso Aplicado320 210 Moradores p/ 1,2739 6

Imoveis 132 68 Cômodos 1502,424 3,088 1,2739 900

chão batido cimentado cerâmico madeira outro não informado7 16 2 41 0 84

Peso Aplicado 4 8 10 9 2 0Sub - Total 28 128 20 369 0 0

sim não não informado40 27 83

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 400 0 0

sim não não informado4 54 92

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 40 0 0

sim não não informado0 56 94

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 0 0 0

sim não não informado2 54 94

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 20 0 0

sim não não informado2 54 94

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 20 0 0

10 VARIAVEIS150 EDIFICAÇÕES15000 PONTOS POSSIVEIS

Moradores por cômodo

900

Tabela 01 - DEMONSTRATIVO DE CÁLCULO - IQSA MORADIAS - PADRÃO CONSTRUTIVOComunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Destino Imovel

1470

Material estriuturante

1418

Tipo Cobertura

774

Número de Cômodos

Número de Moradores

Tipo de piso

545

Varanda

400

Conforto térmico: Treliças

40

Conforto térmico: Elemento Vazado

0

Conforto térmico: Shed

20

Conforto térmico: Sombrite

20

TOTAL 5587

IQSA MORADIAS - PADRÃO CONSTRUTIV0 -

PONDERAÇÃO 0 A 15587/15000 0,372

 

314

comunitário (8); reservatório (6); rio/nascente (2); outro (0).e) Vaso sanitário.Existência no imóvel de vaso cerâmico (10), de madeira (8) ou não existência (0). Na comunidade Julião, as condições de saneamento das 150 construções investigadas apresentam-se como descrito no quadro 2. Infraestrutura refere-se à possibilidade de acesso ao uso de equipamentos e utensílios elétricos, de comunicação e transporte. Inclui as seguintes variáveis: a) Energia elétrica.O abastecimento de energia elétrica é feito através de concessionária (10); gerador comunitário (8); gerador próprio (6); outro (4); não possui (0)

b) Telefonia.Neste item considera-se a qualidade do sinal das operadoras de telefonia celular: continuo (10); nem todas as operadoras (6); intermitente (4); outro (2); não há sinal (0).c) Acesso ao imóvel.Refere-se às condições de chegada e saída das pessoas às construções durante o ano: ótimo (10); bom (8); regular (6); sazonal (4); péssimo (2).d) Ventilação.Considera se o sistema de ventilação do edifício tem sua fonte de energia: natural (10); artificial (6); ou é inexistente (0). Na comunidade Julião, a infraestrutura das 150 construções investigadas pode ser descrita do seguinte modo, como mostrado no quadro 3.

residência comercio uso coletivo estatal outro não informado TOTAL125 4 12 1 5 3

Peso Aplicado 10 10 10 10 10 0Sub - Total 1250 40 120 10 50 0

alvenaria madeira mista palha/lona outro não informado11 105 28 0 0 6

Peso Aplicado 8 10 10 4 2 0Sub - Total 88 1050 280 0 0 0

telha de barro fibrocimento zinco palha outro não informado4 94 42 0 1 9

Peso Aplicado 10 6 4 8 2 0Sub - Total 40 564 168 0 2 0

1 2 3 4 5 ou mais não informado41 31 32 19 9 18

Peso Aplicado 1 2 3 4 5 0Sub - Total 41 62 96 76 45 0

1 2 3 4 5 ou mais não informado12 14 17 6 19 82

Peso Aplicado 1 2 3 4 5 0Sub - Total 12 28 51 24 95 0

Cômodos Moradores Média Coeficiente Peso Aplicado320 210 Moradores p/ 1,2739 6

Imoveis 132 68 Cômodos 1502,424 3,088 1,2739 900

chão batido cimentado cerâmico madeira outro não informado7 16 2 41 0 84

Peso Aplicado 4 8 10 9 2 0Sub - Total 28 128 20 369 0 0

sim não não informado40 27 83

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 400 0 0

sim não não informado4 54 92

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 40 0 0

sim não não informado0 56 94

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 0 0 0

sim não não informado2 54 94

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 20 0 0

sim não não informado2 54 94

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 20 0 0

10 VARIAVEIS150 EDIFICAÇÕES15000 PONTOS POSSIVEIS

Moradores por cômodo

900

Tabela 01 - DEMONSTRATIVO DE CÁLCULO - IQSA MORADIAS - PADRÃO CONSTRUTIVOComunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Destino Imovel

1470

Material estriuturante

1418

Tipo Cobertura

774

Número de Cômodos

Número de Moradores

Tipo de piso

545

Varanda

400

Conforto térmico: Treliças

40

Conforto térmico: Elemento Vazado

0

Conforto térmico: Shed

20

Conforto térmico: Sombrite

20

TOTAL 5587

IQSA MORADIAS - PADRÃO CONSTRUTIV0 -

PONDERAÇÃO 0 A 15587/15000 0,372

 

Mariosa at al.

315

Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

fossa negra fossa séptica rio ar livre outro não informado TOTAL88 19 0 14 1 28

Peso Aplicado 5 10 2 0 0 0Sub - Total 440 190 0 0 0 0

queimado enterrado composteira recolhido outro não informado79 3 0 9 2 57

Peso Aplicado 6 4 10 8 0 0Sub - Total 474 24 0 72 0 0

poço particular poço comunitario reservatorio rio/nascente outro não informado23 69 5 28 6 19

Peso Aplicado 10 8 6 2 0 0Sub - Total 230 552 30 56 0 0

no imovel separado mais de um não possui não informado28 77 0 22 23

Peso Aplicado 10 6 10 0 0Sub - Total 280 462 0 0 0

sim não cx madeira não informado42 65 1 42

Peso Aplicado 10 0 8 0Sub - Total 420 0 8 0

05 VARIAVEIS150 EDIFICAÇÕES7500 PONTOS POSSIVEIS

IQSA MORADIAS - SANEAMENTO -

PONDERAÇÃO 0 A 13238/7500 0,431

Vaso Sanitario

428

TOTAL 3238

Agua Potavel

868

Sanitario

742

Comunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Destino Esgoto

630

Destino Lixo

570

Tabela 02 - DEMONSTRATIVO DE CÁLCULO - IQSA MORADIAS - SANEAMENTO

 

Quadro 2: Demonstrativo de cálculo – IQSA Moradias – Saneamento. Comunidade do Julião – RDS Tupé – Manaus -Am

Quadro 3: Demonstrativo de cálculo – IQSA Moradias – Infraestrutura. Comunidade do Julião – RDS Tupé – Manaus -Am

concessionaria gerador comunitariogerador próprio outro não possui não informado TOTAL84 7 26 4 12 17

Peso Aplicado 10 8 6 4 0 0Sub - Total 840 56 156 16 0 0

sinal continuo nem todas intermitente outro sem sinal não informado52 4 6 0 38 50

Peso Aplicado 10 6 4 2 0 0Sub - Total 520 24 24 0 0 0

ótimo bom regular sazonal péssimo não informado12 72 43 3 3 17

Peso Aplicado 10 8 6 4 2 0Sub - Total 120 576 258 12 6 0

natural artifical inexistente não informado29 7 25 89

Peso Aplicado 10 6 10 0Sub - Total 290 42 250 0

04 VARIAVEIS150 EDIFICAÇÕES6000 PONTOS POSSIVEIS

TOTAL 3190

IQSA MORADIAS - INFRAESTRUTURA - PONDERAÇÃO 0 A 1

3190/6000 0,531

Ventilação

582

Telefonia

568

Acesso ao Imóvel

972

Tabela 03 - DEMONSTRATIVO DE CÁLCULO - IQSA MORADIAS - INFRAESTRUTURAComunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Energia Elétrica

1068

 

316

Sinais de pertença são detalhes que indicam o cuidado na conservação, embelezamento e atividades que demandam investimento de tempo e dinheiro para dar um aspecto agradável ou funcional ao local em que moram ou convivem. Neste item estão inclusos:a) Horta: Existencia de canteiros, vasos ou espaços cultivados com plantas comestiveis de espécies diversificadas (10); uma única espécie ou monocultura (6); inexistente (0).b) Revestimento: Havendo revestimento cerâmico seu estado é excelente (10); bom (8); médio (6); regular (4); ou inexistente (0).c) Animais:Há (10) ou não (0) a presença de animais domésticos.d) Pintura:O aspecto geral da pintura das paredes é excelente (10); bom (8); médio (6); regular (4); ou inexistente (0).e) Esquadrias:As janelas e portas foram confeccionadas em vidro (10); madeira (8); aluminio (8); ferro (6); pvc (4); inexistente (0).f) Jardim: Presença de flores e plantas ornamentais: canteiros (10); gramado (8); vasos (6); outro (6); inexistente (0). Na comunidade Julião, sinais de pertença das 150 construções investigadas acham-se descritos conforme quadro 4 abaixo. Apoio Comunitário é uma macrovariavel que descreve como as condições políticas, econômicas,

sociais e culturais materializam-se em espaços ou territórios de relações sociais, fornecendo, dessa maneira, uma estrutura socioambiental que requer algumas considerações especiais. Uma das premissas mais importantes deste estudo é considerar os indivíduos não isoladamente, mas, também, como atores e sujeitos de processos coletivos mais abrangentes. Neste aspecto, do apoio comunitário, buscou-se sintetizar as variáveis que indicam sua participação na riqueza coletiva, como a garantia de acesso à saúde, educação, informação, saneamento, trabalho e expressão de sua cultura. Ou ainda os benefícios advindos da própria dinâmica social e que se expressam pelas condições de acesso a espaços de manifestações políticas e culturais, ao comércio de bens e artigos de consumo, locomoção, transportes e a dinâmica demográfica. As estruturas de suporte comunitário são fundamentais para a fixação e permanência das populações nas comunidades. Modulando, portanto, sua qualidade socioambiental. Em relação ao índice que sintetiza as variáveis de Apoio Comunitário, esta resulta da seguinte fórmula:APOIO COMUNITARIO = (ESTRUTURAS DE SUPORTE [[(10x∑Acesso + 10x∑Comunicação + 10x∑Energia + 10x∑Transporte + 10x∑Saude + 10x∑Educação)] / MÁXIMO POSSIVEL DE PONTOS] + DINâMICA DA VIDA SOCIAL [[(20x∑Equipamentos da Vida Coletiva (Comercio/Lazer/Associações Políticas/

Mariosa at al.

317

Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

diversificada monocultura inexistente não informado TOTAL16 13 39 82

Peso Aplicado 10 6 0 0Sub - Total 160 78 0 0

eexcelente bom medio regular inexistente não informado TOTAL0 0 2 3 50 95

Peso Aplicado 10 8 6 4 0 0Sub - Total 0 0 12 12 0 0

presença ausencia não informado TOTAL30 30 90

Peso Aplicado 10 0 0Sub - Total 300 0 0

excelente bom medio regular inexistente não informado TOTAL0 8 21 15 33 73

Peso Aplicado 10 8 6 4 0 0Sub - Total 0 64 126 60 0 0

vidro madeira aluminio ferro pvc inexistente não informado TOTAL4 40 1 2 0 16 87

Peso Aplicado 10 8 8 6 4 0 0Sub - Total 40 320 8 12 0 0 0

canteiros gramado vasos outro inexistente não informado TOTAL17 5 7 3 35 83

Peso Aplicado 10 8 6 6 0 0Sub - Total 170 40 42 18 0 0

06 VARIAVEIS150 EDIFICAÇÕES9000 PONTOS POSSIVEIS

Jardim

270

TOTAL 1462

IQSA MORADIAS - SINAIS DE PERTENÇA -

PONDERAÇÃO 0 A 10,1621462/9000

Pintura

250

Esquadria

380

Revestimentos

24

Animais

300

Tabela 04 - DEMONSTRATIVO DE CÁLCULO - IQSA MORADIAS - SINAIS DE PERTENÇAComunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Horta

238

 

Quadro 4: Demonstrativo de cálculo – IQSA Moradias – Infraestrutura. Comunidade do Julião – RDS Tupé – Manaus -Am

Associações Religiosas)] / MÁXIMO POSSIVEL DE PONTOS] + [[20x∑Perfil de Utilização dos Imóveis [[10xEquipamentos Públicos + 08xResidencias Consolidadas + 06xResidencias em Construção + 04 x Casas de Veraneio + 02 x Casas Abandonadas]/ MÁXIMO POSSIVEL DE PONTOS)) / 100

I. Estruturas de Suporte

Onde Acesso refere-se às condições de entrada e saida das comunidades durante o ano todo e

que pode ser: ótimo (10); bom (8); médio (6); regular (4); péssimo (2); ou inexistente (0) para:a) Indivíduos. Indica qual a dificuldade das pessoas alcançarem a região central das comunidades.b) Transporte coletivo. Se a comunidade é alcançada com facilidade por veículos de transporte coletivo.c) Carga. Grau de dificuldade para a carga ou descarga de grandes volumes. d) Via terrestre. Qualidade do acesso à comunidade por via terrestre.

318

e) Via fluvial. Qualidade do acesso à comunidade por via terrestre. Comunicação diz respeito às possibilidades de acesso da comunidade a informações transmitidas pelos seguintes meios eletrônicos:a) Celular. Diz da possbilidade (10) ou não (0) da comunicação regular via aparelho de telefonia celular. b) Canais de TV aberta. Recebe com regularidade (10) ou não (0) sinais da maioria dos canais de televisão aberta.c) Internet. Tem acesso (10) ou não (0) a comunicação via internet por satélite, rádio ou formas semelhantes.d )Canais de TV paga. Recebe com regularidade (10) ou não (0) o sinal dos canais de televisão fechada ou paga.e) Telefone público. Frequentadores da comunidade tem a disposição (10) ou não (0) aparelhos de telefonia pública. Energia. É a variável que descreve a principal forma de acesso ao fornecimento de energia elétrica na comunidade, e que pode ser através de:a) Concessionária. O fornecimento de energia elétrica é feito (10) ou não (0) por uma concessionária de serviços. b)Comunitária. A fonte da energia oferecida pela comunidade é a própria comunidade (10) através da associação de moradores ou escola ou não (0).c) Individual. O acesso à energia elétrica só é possível individualmente (5) através de geradores particulares, ou nem isso existe na comunidade (0). Transporte. Condições e estrutura dos equipamentos coletivos disponíveis para o trânsito ou locomoção de pessoas nas comunidades:

a) Regularidade. Existem (10) ou não (0) linhas regulares de transporte. b) Custo. O custo pago pelos passageiros é considerado pela população como acessível (10); regular (05) ou caro (0).c) Acesso. As condições de chegada e partida durante todo o ano é considerado pela população como: ótimo (10); bom (8); médio (6); regular (4); péssimo (2); ou inexistente (0).d) Diversidade. Há mais de uma forma (10) ou apenas uma (0) de se chegar à comunidade.

Saude. Descreve os serviços de assistência e de suporte à saude disponíveis à população:a) Posto de saude. Existe (10) ou não (0) na comunidade posto de saude instalado e com continuidade de atendimento. b) Médico regular. Há (10) ou não (0) a presença regular de profissional médico.c) Farmácia. A comunidade dispõe (10) ou não (0) de estabelecimento para aquisição de medicamentos. d) Controle de endemias. O controle sanitário de endemias pelos agentes de saude é continuo (10) ou não (0). Educação. Disponibilidade de escolas para os diferentes niveis de formação na comunidade:a) Educação infantil. Há na comunidade (10) ou não (0) ensino dirigido às crianças em idade pré-escolar. b) Ensino fundamental. Há na comunidade (10) ou não (0) ensino da 1ª à 9ª série.

Mariosa at al.

319

Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

c) Ensino médio. Os comunitários dispõem (10) ou não (0) de ensino médio regular.d) Ensino técnico. Há na comunidade (10) ou não (0) algum sistema de ensino profissionalizante.e) Educação de Jovens e Adultos. Há na comunidade (10) ou não (0) oferecimento de educação de jovens e adultos.f) Cursos de aprimoramento ou extensão. São disponibilizados à comunidade (10) ou não (0) com regularidade cursos de aperfeiçoamento, formação ou em técnicas específicas, de interesse dos comunitários. Na comunidade Julião, as estruturas de suporte à vida coletiva sintetizam-se nos seguintes dados, conforme mostrados no quadro 5.II. Dinâmica da vida socialII.1 Equipamentos da vida coletiva:Diz respeito aos espaços de convivência coletiva, pressupondo interação regular entre os moradores e frequentadores da comunidade. Podem estas relações envolver as seguintes atividades: a) Comércio. Variedade de estabelecimentos destinados ao comércio de bens, serviços e mercadorias.a.Bares. Há na comunidade (10) ou não (0) estabelecimentos que comercializam artigos de consumo, bebidas e comestíveis e servem como ponto de encontro entre seus frequentadores.b. Mercados. Há na comunidade (10) ou não (0) estabelecimentos destinados à comercialização de bens de consumo de primeira necessidade, como artigos de higiene e limpeza, cereais, carnes,

bebidas e semelhantes.c. Serviços. Há na comunidade (10) ou não (0) estabelecimentos destinados à prestação de serviços como, barbeiros, costureiras, eletricistas, pequenos consertos e outros assemelhados.b) Lazer. Espaços destinados a atividades de natureza recreativa, esportivas ou culturais da comunidade.a. Esportes. Há na comunidade (10) ou não (0) espaços reservados à prática de esportes.b. Recreação. Há na comunidade (10) ou não (0) locais próprios para atividades recreativas, como praias, lagos e praças.c. Cultura. Há na comunidade (10) ou não (0) locais reservados para práticas e/ou manifestações culturais, como danças, músicas, teatro, projeção de vídeo. c) Associações políticas. Existem (10) ou não (0) na comunidade associações políticas organizadas, como associações de moradores, partidos políticos, sindicatos e semelhantes.d) Associações religiosas. Na comunidade as igrejas, templos, locais de culto religioso são diversificados (10). Há apenas uma única associação religiosa (5). Ou a comunidade não possui nenhuma dessas formas de associação (0). Na comunidade Julião, a dinâmica social em seu componente “equipamentos da vida coletiva” está conforme mostrado na quadro 6.II.2 Perfil de Utilização dos Imóveis. Nesta macrovariável a dinâmica social é percebida através do tipo, função ou natureza a que estão destinadas as construções nas comunidades estudadas, bem como as expectativas

320

de individuos de transporte coletivo de transportes de carga terrestre fluvial MÁXIMO POSSÍVEL TOTALregular médio regular péssimo regular

Peso Aplicado 4 6 4 2 4 50Sub - Total 4 6 4 2 4

sinal de celular sinal de tv aberta internet sinal tv paga telefone público MÁXIMO POSSÍVELsim não sim sim sim

Peso Aplicado 10 0 10 10 10 50Sub - Total 10 0 10 10 10

concessionária comunitária individual MÁXIMO POSSÍVELsim não não

Peso Aplicado 10 0 0 10Sub - Total 10 0 0

regularidade custo acesso diversidade MÁXIMO POSSÍVELsim regular regular sim

Peso Aplicado 10 5 4 10 40Sub - Total 10 5 4 10

posto de saude médico regular farmácia controle endemias MÁXIMO POSSÍVELnão não não sim

Peso Aplicado 0 0 0 10 40Sub - Total 0 0 0 10

infantil fundamental médio técnico eja extensão MÁXIMO POSSÍVEL TOTALsim sim não não não não

Peso Aplicado 10 10 0 0 0 0 60Sub - Total 10 10 0 0 0 0

06 VARIAVEIS

250 PONTOS POSSIVEIS

TOTAL 129

IQSA MORADIAS - APOIO COMUNITÁRIO - PONDERAÇÃO 0 A 1 129/250 0,516

Educação

20

Principal Fonte de Energia Elétrica

10

Condições do Transporte Coletivo

29

Suporte à Saude

10

Tabela 05 - Apoio Comunitário: Estruturas de Suporte à Vida ColetivaComunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Condições de Acesso

20

Comunicação Eletrônica

40

 

Quadro 5: Apoio Comunitário: Estruturas ã vida coletiva. Comunidade do Julião -RDS Tupé-Manaus-Am

com relação ao futuro dos moradores no espaço comunitário. Foram selecionadas para este propósito, as seguintes variáveis:a) Prédios de uso público. A dinâmica da vida coletiva é percebida através dos prédios de uso comum acessíveis à população:a. Estatais. Existem (10) ou não (0) imóveis construídos pelo poder público federal, estatal ou municipal para uso da comunidade.b. Coletivos. Existem (10) ou não (0) construções destinadas ao uso comum,

encontros e reuniões dos membros da comunidade.c. Comerciais. Existem (10) ou não (0) espaços construídos para fins comerciais.b) Residências consolidadas. O percentual de moradias que utilizam alvenaria em sua fundação ou como material estruturante, por sua solidez e longevidade, é maior (10), igual (8), inferior (5) ou muito inferior (0) à média das comunidades investigadas. c) Construções. O percentual de imóveis em construção, que mostra o interesse de fixação de novos membros, é maior

Mariosa at al.

321

Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

bares mercados serviços MÁXIMO POSSÍVEL TOTALsim sim não

Peso Aplicado 10 10 0 30Sub - Total 10 10

esportes recreação cultura MÁXIMO POSSÍVELsim não sim

Peso Aplicado 10 0 10 30Sub - Total 10 0 10

políticas religiosas MÁXIMO POSSÍVELúnica diversificada

Peso Aplicado 5 10 20Sub - Total 5 10

03 VARIAVEIS

80 PONTOS POSSIVEIS

Associações

15

Tabela 06 - Apoio Comunitário: Dinâmica da Vida Social - Equipamentos da Vida ColetivaComunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Comércio

20

IQSA MORADIAS - APOIO COMUNITÁRIO -

PONDERAÇÃO 0 A 155/80 0,6875

TOTAL 55

Lazer

20

 

Quadro 6: Apoio Comunitário: Estrutura de suporte para a vida coletiva.

estatais coletivos comerciais MÁXIMO POSSÍVEL TOTALsim sim sim

Peso Aplicado 10 10 10 30Sub - Total 10 10 10

média da rds comunidade relação MÁXIMO POSSÍVEL29% 26% 89%

Peso Aplicado inferior 10Sub - Total 5

média da rds comunidade relação MÁXIMO POSSÍVEL7% 2% 30%

Peso Aplicado muito inferior 10Sub - Total 0

média da rds comunidade relação MÁXIMO POSSÍVEL6% 4% 69%

Peso Aplicado inferior 10Sub - Total 5

média da rds comunidade relação MÁXIMO POSSÍVEL17% 21% 123%

Peso Aplicado maior 10Sub - Total 0

05 VARIAVEIS

70 PONTOS POSSIVEIS

TOTAL 40

IQSA MORADIAS - APOIO COMUNITÁRIO -

PONDERAÇÃO 0 A 140/70 0,571

Tabela 07 - Apoio Comunitário: Dinâmica da Vida Social - Perfil de Utilização dos ImóveisComunidade Julião - RDS Tupé - Manaus - Am

Prédios de Uso Público

30

Residencias consolidadas

5

Construções

0

Imóveis Abandonados

Casas de Veraneio

5

0

 

(10), igual (8), inferior (5) ou muito inferior (0) à média das comunidades investigadas. d)Imóveis abandonados. O percentual de imóveis abandonados, que pressupõe a falta de interesse em continuar no local, é maior (0), igual (5), inferior (8) ou muito inferior (10) à

média das comunidades investigadas. e)Casas de veraneio. O percentual de moradias de uso eventual ou de veraneio, por indicar a possível falta de comprometimento e fidelidade territorial, é maior (0), igual (5), inferior (8) ou muito inferior (10) à média das comunidades investigadas.

322

Na comunidade Julião, a dinâmica social em seu componente “perfil de utilização dos imóveis” está conforme mostrado na Tabela 07:O cálculo do INDICE DE QUALIDADE SOCIOAMBIENTAL (IQSA) aplicado, como exemplo, às moradias da comunidade Julião são realizados do seguinte modo:APOIO COMUNITARIO = ESTRUTURAS DE SUPORTE = 60 X [[(10x∑Acesso (20) + 10x∑Comunicação (40) + 10 x ∑Energia (10) + 10 x ∑Transporte (29) + 10 x ∑Saude (10) + 10 x ∑ Educação (20))] /10*MÁXIMO DE PONTOS POSSÍVEIS] = 60 X (200+400+100+290+100+200) /(10*250) = 1290/2500 = 60 X 0,516 = 30,96 + DINâMICA DA VIDA SOCIAL [[(20 x ∑Equipamentos da Vida Coletiva (Comercio/Lazer/Associações Políticas/Associações Religiosas)] / MÁXIMO DE PONTOS POSSÍVEIS]] = 20 X [ comercio (20) + lazer (20) + associações (15)] / 80 = 20 x (55/80) = 20 x 0,6875 = 13,75+ [[20 x ∑ Perfil de Utilização dos Imóveis [[10xPrédios Públicos + 08xResidencias Consolidadas + 06xResidencias em Construção + 04 x Casas de Veraneio + 02 x Casas Abandonadas] / 10 x MÁXIMO DE PONTOS POSSÍVEIS]] = 20 x [[(10 x 30) + (8 x 5) + (6 x 0) + (4 x 0) + (2 x 5)] / 10 x 70] = 20 x [(300 + 40 + 0 + 0 + 10)/700] = 20 x (350/700) = 20 x 0,5 = 10APOIO COMUNITARIO = (ESTRUTURAS DE SUPORTE + DINâMICA DA VIDA SOCIAL (Equipamentos da Vida Coletiva

+ Perfil de Utilização dos Imóveis)/100 = [30,96 + (13,75 + 10)] / 100 = (30,96 + 23,75) 100 = 54,71/100 = 0,547

IQSA-MORADIAS = (4 x ∑Padrão Construtivo + 10 x ∑Saneamento + 6 x ∑Infraestrutura + 4 x ∑Sinais de Pertença + 8 x ∑Apoio Comunitario)/32

IQSA-MORADIAS = (4x (0,372) + 10x (0,431) + 6x (0,531)+ 4x (0,162) + 8x (0,547)/32 = (1,488 + 4,31 + 3,186 + 0,648 + 4,376)/32 = 14,008/32 = 0,437

Podemos adotar como critério qualitativo de avaliação que o parâmetro 0-1 descrito para o IQSA pode ser dividido em quatro faixas, onde na faixa 1 (condições péssimas de habitabilidade) estão os valores compreendidos entre 0,000 a 0,250; na faixa 2 (condições sofríveis de habitabilidade) ficam os valores compreendidos entre 0,251 a 0, 500; na faixa 3 (condições satisfatórias de habitabilidade) destacam-se os valores compreendidos entre 0,501 a 0,750; e, finalmente, na faixa 4 (condições ótimas de habitabilidade) ficam os valores compreendidos entre 0,751 a 1,0. O índice final para o IQSA – Moradias da comunidade Julião é 0,437. Este número, somatória ponderada das variáveis de habitabilidade antes descritas, indica que a qualidade socioambiental desfrutada pelos seus moradores pode ser considerada na faixa superior da condição sofrível. No estudo de seus vários componentes

Mariosa at al.

323

Índice de Qualidade Sócio-Ambiental (IQSA): parâmetros da pesquisa e seleção das variáveis das moradias.

podem ser identificadas as áreas onde podem ser concentrados os esforços para melhorar a qualidade de vida da população, compará-las com as demais comunidades da RDS do Tupé; ou com ela mesma num intervalo de tempo suficiente para que as medidas tomadas surtam efeito. O IQSA revela-se, assim, um instrumento bastante útil para pesquisadores, agentes públicos e organizações da sociedade civil preocupados com a qualidade de vida e os direitos de cidadania das comunidades, mesmo as mais distantes física e socialmente das demais, bem como, para que as comunidades tenham e possam usar esse “retrato”de sua própria realidade. Este estudo se completa, no entanto, com os dados do IQSA – Moradores, onde o impacto do ambiente físico e sociocultural limita ou direciona o desenvolvimento das perspectivas de vida individuais. Esta pesquisa estará disponível em uma próxima publicação.

Agradecimentos

Fica registrado aqui o agradecimento pelo apoio financeiro recebido do CNPq, através do Edital 055/2008; ao INPA, que através do Grupo de Pesquisa Biotupé, disponibilizou equipamentos e pessoal para execução dos trabalhos; à PUC-Campinas que forneceu equipamentos e instalações para treinamento dos voluntários da pesquisa, através da Prática de Formação “Desenvolvimentoe

Sustentabilidade na Amazônia Central” e da edição do vídeo das atividades.

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Mariosa at al.

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1Amanda Cristina Costa PRADOe-mail: [email protected]

2Hildeberto Caldas de SOUSAe-mail: [email protected]

Tradição e sustentabilidade na comunidade Julião: um olhar sobre a dimensão econômica e cultural da conservação

Resumo: O caminho para compatibilizar a saúde ambiental, a vitalidade da economia local e a coesão sócio política e cultural das comunidades humanas inicia-se com a análise das discordâncias entre objetivos sociais e econômicos, tendo o meio ambiente como recurso estratégico. Em comunidades tradicionais residentes em Unidades de Conservação, o estudo desta dinâmica constitui-se como uma ferramenta de conservação ambiental à medida que os resultados apontarão possíveis intervenções a serem priorizadas para a otimização do plano de manejo dessas áreas. Não obstante, o estudo da lógica de organização produtiva envolvida nesse universo é útil para reconhecer os modos de vida das populações tradicionais, a fim de compreender e reorientar o ciclo recíproco da relação sociedade-cultura-natureza com base na quebra dos paradigmas econômicos atuais. Neste artigo, analisamos algumas características sócioeconômicas da comunidade Julião, na Reserva de Desenvolvimento do Tupé (Manaus-AM). Os dados foram coletados por meio da aplicação de

Meio FísicoCapítulo 19 Diversidade Sociocultural

1Mestrado em Ecologia de Biomas Tropicais, Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP2 Departamento de Biologia, Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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questionários semi-estruturados desenvolvidos pela equipe do projeto IQSA- Índice de Qualidade Sócio Ambiental, do qual esta pesquisa faz parte. A análise dos resultados apresenta situações de conflito ou potencialmente delicadas, bem como aponta tópicos a serem priorizados em intervenções direcionadas. Há evidências de que os modos de vida tradicionais, ligados à agricultura e pesca, estão sendo favorecidos pela intensificação dos processos de interação social.

Palavras-chave: plano de manejo, relações sociais, comunidades tradicionais.

Introdução

Desde sua origem a humanidade conceitua e interpreta a natureza de acordo com sua realidade cultural e a utiliza de acordo com suas necessidades de subsistência. Assim, as formas de organização produtiva em sociedades humanas são motivadas pelas aptidões culturais e modeladas para o aproveitamento dos recursos disponíveis, pois, segundo Odum (1987), a economia é o sistema total de recursos e energia de uma cultura. Consequentemente, o status de conservação ambiental de uma determinada área é reflexo do modo de apropriação do meio ambiente pelos cidadãos residentes, somado à eficiência dos processos produtivos adotados pelos mesmos. Vemos, portanto, que dentro do paradigma da qualidade de vida humana, as variáveis meio ambiente, cultura e economia são mutuamente influentes. No contexto da modernidade, o descompasso entre a lógica do capital e a preservação ambiental é menos conspícuo em comunidades que permaneceram em relativo isolamento

durante o processo de desenvolvimento urbano. Tais sistemas humanos preservaram seus menores pedaços de informação cultural, permeados por arranjos e extensas teias de relações de parentesco, compadrio, ajuda mútua, normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intra-grupal (Diegues, 2001; Marques, 2001). Estas são denominadas comunidades tradicionais, e embora haja alguma controvérsia sobre o termo, a Comissão Nacional das Comunidades Tradicionais, os define como:

Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição (Decreto 6.040/07; Art. 3: I)

Prado & Sousa

327

O território dessas populações muitas vezes sobrepõe-se aos últimos remanescentes de mata da atualidade, espaços de importância crescente, por deterem grande parte da biodiversidade mundial, circunscritos em Unidades de Conservação (UC). No Brasil, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) admite que a gestão da biodiversidade constitui-se não somente na conservação da diversidade biológica, mas também na valorização da cultura local e dos saberes populares, bem como nas formas regionais de relação com os diferentes ecossistemas. Com o intuito de contemplar ambos objetivos, a criação das Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) constituem o esforço máximo de aliar conhecimento tradicional e científico. O modelo RDS está fundamentado na permanência e participação das populações locais atuando concomitantemente com instituições de pesquisa, a fim de criar as condições necessárias para a consolidação de normas de manejo, política e socialmente aceitas, baseadas nas premissas de conservação da biodiversidade (Queiroz, 2005). Exaltar as peculiaridades das comunidades tradicionais não significa excluí-los da inserção no progresso da sociedade, mas constitui um esforço para compreender e estimular a proliferação de um desenvolvimento híbrido, formado por cultura e natureza (Creado et al., 2008; Latour, 2000). O estudo e a valorização do conhecimento

tradicional associado à biodiversidade, por exemplo, pode ser a chave de acesso a uma infinidade de conhecimentos valiosos para o futuro da humanidade, dentro de uma perspectiva sustentável. Destacam-se as atividades de bioprospecção e pesquisas relacionadas à etnociências1, que aliam fatores culturais e ambientais para identificar e caracterizar a diversidade biológica, as concepções das comunidades sobre os recursos e a forma de aproveitamento que se faz deles (Marques, 2001). As UC’s têm servido como verdadeiros laboratórios de pesquisa aplicada, de forma que alterações na dinâmica diária da comunidade após a criação da UC são inevitáveis. O SNUC ainda é frágil no que diz respeito à efetividade de suas ferramentas de participação e articulação social, de forma que as dinâmicas social, econômica e demográfica não consideradas podem vir a prejudicar o sucesso das áreas protegidas no longo prazo (D’Antona, 2000). Neste aspecto, é relevante ressaltar que a tradicionalidade de uma cultura não é estática, mas sofre adaptações no decorrer de sua história, que podem ser induzidas ou retraídas conforme as condições para a reprodução e os diversos focos de interpretação da cultura para determinada sociedade (Narezzi & Marques, 2009). Geralmente, as

1 Campo de pesquisa (científica) transdisciplinar que estuda os conhecimentos e comportamentos que intermediam as interações entre as populações humanas que os possuem e os demais elementos dos ecossistemas que as incluem, bem como os impactos daí decorrentes. (Marques, 2001).

Tradição e sustentabilidade na comunidade do Julião: um olhar sobre dimensão econômica e cultural da Conservação.

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normas de uso previstas no plano de manejo das UC’s impõem mudanças para o uso da terra, no dia a dia dos moradores, interferindo de forma fatídica nas relações econômicas e sociais destas comunidades pois, estas foram estabelecidas com base em uma forte dependência do uso de recursos naturais renováveis (Diegues, 2001). Para investigar esta temática, estudos sócioeconômicos e de caracterização demográfica são importantes pois estes parâmetros são indicadores para o monitoramento socioambiental. Os indicadores são informações qualitativas e quantitativas, usadas nos processos decisórios em todos os níveis da sociedade (Andrade, 2007). A análise conjunta destes pressupostos possibilita a identificação de situações de risco que podem ser tomadas como ponto de partida para futuras intervenções direcionadas. Nota-se que variáveis e indicadores, instrumentalizam esses cenários e só podem ser identificados se considerarmos os sujeitos históricos envolvidos no processo e relacioná-los com as variáveis: tempo e espaço e o lugar ocupado (Palmeira, 2009). Neste âmbito, admitindo que as UC’s são uma das principais estratégias para a conservação da biodiversidade na atualidade, e reconhecendo que as comunidades residentes nestes espaços têm o direito, reconhecido constitucionalmente, de se reproduzirem cultural e economicamente, e ainda que os paradoxos existentes nestas

duas esferas sejam dependentes e intercomunicantes, buscamos analisar os conflitos sócioambientais na comunidade Julião na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (Manas-AM). Metodologia

Área de estudo

A comunidade do Julião situa-se às margens dos igarapés do Farias e Julião, este último, afluente da margem direita do Tarumã Mirim (Fig. 1).

A região foi habitada por índios da tribo Barés. Com a chegada dos colonizadores, os índios foram abandonando suas terras e a região foi tornando-se desabitada (Oliveira, 2009). O povoamento recente foi realizado por ribeirinhos, etnias remanejadas, migrantes de vários povos originários do Alto rio Negro e outros recantos do Brasil (Vide, Andrade, neste volume). A comunidade do Julião originou-se da ocupação de uma propriedade particular, onde, em 1963, havia um seringal, na área que englobava o Tarumã-Mirim (Santos-Silva et al., 2005). Mas só foi oficialmente fundada no ano de 1992 (Souza, 2010), e recebeu esse nome por causa do seu primeiro morador “Velho Julião” que juntamente com sua família, foi quem primeiro ocupou as terras onde se situa a comunidade (Nascimento et al., 2007 e Natale & Scudeller, neste volume).

Hoje a comunidade Julião conta com aproximadamente 128

Prado & Sousa

Comunidade do Julião

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Figura 1: Mapa de localização da comunidade Julião, inserida na Reserva de Desenvolvimento Sustent[avel do Tupé, próximo à Manaus-AM.

famílias, sendo que cerca de 46 vivem na vila propriamente dita, 24 estão espalhadas ao longo dos igarapés e os demais moram em Manaus e vem à comunidade somente nos finais de semana, em feriados ou para as reuniões mensais da associação de moradores (Souza, 2010). Nota-se que devido à proximidade de Manaus, o fluxo de migração para a área do Tupé envolve um continuum urbano-rural, de forma que a dinâmica populacional sempre foi marcada pela constante mobilidade moradores (Santo-Silva et al., 2005). Estudos recentes relatam oscilações na densidade demográfica na RDS do Tupé devido à proximidade da zona urbana de Manaus, à falta de fiscalização e aos projetos de geração de renda para reserva (Oliveira, 2009).

Atualmente a comunidade abriga várias famílias de amazônidas e migrantes distribuídas de forma irregular, e que partilham de um modo de vida ligado à agricultura familiar em roças comunitárias, extrativismo de produtos florestais não madeireiros, caça e pesca de subsistência (Santos-Silva et al., 2005). Os produtos resultantes dessas atividades agrícolas destinam-se ao consumo familiar e à venda do excedente, e são baseadas em utilização de insumos locais e tecnologia simples e no sistema de plantação itinerante, com ciclos envolvendo corte, queima, plantio e pousio (Emperaire & Eloy, 2008).

Na comunidade Julião também são produzidas geléias e balas de frutas da época. Em volta das

Tradição e sustentabilidade na comunidade do Julião: um olhar sobre dimensão econômica e cultural da Conservação.

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moradias, nos quintais, são cultivados árvores frutíferas, hortaliças, plantas medicinais e condimentos, além da criação de animais. Estes quintais podem ser classificados como sistemas agroflorestais e são considerados importantes por fornecerem alimentos, sombra, área de descanso e lazer (Souza, 2010; Souza & Scudeller e Veiga & Scudeller, neste volume). Alguns moradores possuem ainda uma casa de farinha para a produção do alimento a partir da mandioca, que é alimento básico (Donatti et al., neste volume). A produtividade do domínio casa-quintal exibe um significado exclusivamente econômico, mas, sobretudo de moral e de honra, relacionados à autonomia e independência inerentes à propriedade de um pedaço de terra própria (Barros et al, 2008). Além disso, as atividades realizadas nestes espaços apresentam função ecológica, pois ocasionam impactos mínimos sobre o ambiente, conservam os recursos vegetais, promovem a reciclagem de elementos naturais e permitem à população manter uma baixa dependência de produtos adquiridos externamente. E também função cultural, à medida que fortalecem os vínculos da comunidade através da utilização do espaço para atividades sociais como rezas, festas e lazer e está fundamentada no saber e cultura dos moradores locais, transmitida de pai para filho (Pasa, 2004; Souza, 2010). A comunidade conta com uma escola de ensino fundamental, a

Escola Municipal Canaã II, três igrejas, sendo uma católica, uma adventista e uma batista, um campo de futebol e três comércios de alimentos, produtos de limpeza e higiene. Assim como em outras comunidades rurais da Amazônia, não há serviço de coleta e tratamento de esgoto, nem sistema de distribuição de água, que é feita por poço artesiano localizado na escola ou a água é coletada diretamente nos igarapés pelos moradores. Também não existe posto de saúde com assistência regular e a energia elétrica foi instalada na comunidade em 2009, sendo que muitas residências ainda não possuem o benefício. O acesso à comunidade é feito exclusivamente por via fluvial. Na RDS do Tupé, diversas instituições de pesquisa como a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), a Ulbra (Universidade Luterana do Brasil), a UEA (Universidade do Estado do Amazonas) e o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) são parceiras e desenvolvem projetos de ensino, pesquisa e extensão. Dentre estes, o Projeto Biotupé atua desde 2004 na comunidade do Julião, onde possui uma casa de apoio, um Horto Comunitário e sanitário compostável (Fig. 2). A construção e manutenção dessa infra-estrutura são feitas comunitariamente, utilizando princípios da agroecologia.

Coleta e tratamento de dados

A coleta dos dados foi realizada entre os dias 28 de janeiro e 01 de

Prado & Sousa

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Figura 2: Horto medicinal comunitário e sanitário compostável (ao fundo), na comuni-dade do Julião, na RDS do Tupé, Manaus, AM. Foto: William de Oliveira Silva.

fevereiro de 2010, em uma expedição de campo no âmbito do projeto “Caracterização sócio-econômica, demográfica e ambiental da população residente na RDS do Tupé (IQSA)”. Foram aplicados questionários semi-estruturados em todas as residências da comunidade, excluindo-se as localizadas muito distantes do povoado, as casas de veraneio e comércios. Para os indivíduos abaixo de sete anos de idade ou ausentes no momento da visita do pesquisador, as informações foram fornecidas pelo pai, mãe ou cônjuge. Os questionários foram aplicados sempre por dois ou mais pesquisadores.

Para a confecção desta pesquisa utilizamos as seguintes variáveis: idade, gênero, instrução, ocupação principal, renda da ocupação principal. Para a análise das três últimas

excluíram-se os indivíduos abaixo de 15 anos. Com o Programa Statistical Package for Social Sciencies, versão 17.0 procedeu-se a análise descritiva dos dados através da distribuição de frequências, e construção de tabelas cruzadas e gráficos.

Resultados e Discussão

Em relação à estrutura etária e de gênero, a população do Julião é formada predominantemente por indivíduos do sexo masculino (56%), jovens, sendo a mediana 25 anos (Fig. 3). Vemos a presença significativa de crianças, sendo que 25% dos moradores possui 11 anos ou menos e 50% da população têm menos de 25 anos.

A predominância das faixas etárias mais jovens é compatível

Tradição e sustentabilidade na comunidade do Julião: um olhar sobre dimensão econômica e cultural da Conservação.

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com a situação predominante na região norte, onde a alta taxa de fecundidade se deve principalmente à baixa escolaridade, falta de acesso à informação e deficiência nas políticas de planejamento familiar (Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, 2003). As razões apontadas referem-se principalmente às famílias que vivem longe dos centros urbanos, como no caso da RDS, que apesar de estar situada proximo à metrópole de Manaus, sofre pela dificuldade de acesso a serviços públicos básicos.

Embora fatores culturais possam ser importantes para justificar o grande número de crianças na região, estando a comunidade inserida em uma UC, o planejamento familiar é de importância vital para evitar um crescimento demográfico que possa vir a sobrepor a capacidade de suporte dos ecossistemas locais. Neste caso, é determinante o acesso da população

à campanhas de educação sexual e métodos de contracepção. Uma vez constatada a abundância de crianças, jovens e adolescentes, é também recomendável atenção prioritária no que diz respeito a programas de saúde pública que deem atenção a estas faixas etárias.

A partir da faixa etária de 21 anos ocorre uma diminuição no número de moradores, o que pode ser devido à migração destes para regiões com melhor infra-estrutura educacional e com mais ofertas de emprego, pois nesta faixa etária é comum a migração de indivíduos em busca de melhores condições para se fixarem em um local. A educação aparece de maneira associada, garantindo melhores oportunidades para os mais instruídos. Segundo Santos-Silva (et al. 2005), a “ausência” de jovens na comunidade deve-se à total falta de perspectiva que a exclusão social, econômica, cultural

Figura 3: Distribuição de gênero e faixa etária na comunidade do Julião, na RDS Tupé, Manaus, AM.

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e política impõe aqueles que vivem e produzem na RDS Tupé.

Nota-se um aumento do número de moradores a partir da faixa etária de 51 anos, de forma que 25% da população têm 51 anos ou mais. Esta situação possivelmente deve-se à migração de indivíduos que, não conseguindo se estabelecer satisfatoriamente na cidade de Manaus, mudam-se para a reserva em busca de melhores condições de vida para a si e para a família. Na reserva, além dos atrativos de beleza cênica, que motivam a especulação imobiliária e atraem pessoas com alto poder aquisitivo, para a população de baixa renda é possível realizar atividades de subsistência, possuir um pedaço de terra e usufruir de certo conforto alimentar e habitacional. A minuta do Plano de Manejo prevê medidas fiscalizadoras visando coibir a entrada de novas famílias dentro da reserva, entretanto, constatou-se que isso acaba acontecendo mesmo sem

autorização, visto que, atualmente, o órgão gestor não possui nenhum método de controle eficaz, pois não há barreiras, fiscalização ou cadastro das famílias (Oliveira, 2009).

A RDS do Tupé não apresenta disparidade em relação à expectativa de vida média da região Norte, que é de 71 anos (IPEA, 2003). Todavia, a população idosa é pequena, sendo que apenas 8% dos moradores têm acima de 65 anos. Se por um lado a deficitária assistência à saúde e a distância de Manaus impõem condições menos amenas de sobrevivência para os indivíduos em idade mais avançada, por outro, na RDS há menos poluição, trânsito e outros fatores de estresse que permitem melhor qualidade de vida.

Em relação à educação dos indivíduos acima de 15 anos (Fig. 4), a comunidade Julião é composta principalmente por indivíduos com nível fundamental de escolaridade.

Figura 4: Nível de escolaridade dos moradores acima de 15 anos da comunidade do Julião, RDS do Tupé, Manaus.

Tradição e sustentabilidade na comunidade do Julião: um olhar sobre dimensão econômica e cultural da Conservação.

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Nota-se também que o número de moradores com pouca instrução, analfabetos e alfabetizados, supera o número de indivíduos com nível médio ou superior. A predominância de moradores com poucos anos de estudo, parece estar intimamente interligada ao fato desses indivíduos, com pouca instrução, terem poucas possibilidades de sucesso no mercado crescentemente especializado de Manaus, encontrando melhores condições de vida na RDS.

A realização de atividades de educação e formação profissional voltados para jovens e adolescentes é altamente recomendável, com vistas a proporcionar melhores condições para a permanência destes indivíduos na comunidade, ou ainda garantir por meio da educação, sua inserção no mercado de trabalho em Manaus. Neste âmbito, as entidades de pesquisa que atuam na reserva vêm contribuindo com a realização de cursos e workshops na comunidade, gerando conhecimentos e oportunidades de formação complementar. Dentre estes, destacamos o trabalho realizado com os estudantes de iniciação científica

júnior (PIBIC-Jr) da comunidade, que desenvolvem seus projetos individuais de pesquisa sendo financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Na ocasião, foi realizado a construção de um minhocário para produção de adubo orgânico que será utilizado no Horto Medicinal Comunitário. No que tange à renda, 83,1% da população acima de 15 anos é economicamente ativa. Dentre estes, a maioria (75,5%), recebem até um salário mínimo proveniente da ocupação principal, enquanto que os restantes recebem de um a dois (Tab. 1). A ocupação principal mais frequente envolve atividades ligadas à terra, como a agricultura e a pesca (38,7%) (Tab. 1). Os trabalhadores autônomos formam o segundo grupo ocupacional e representam 20,4% da população e incluem os doceiros e artesãos. Estas atividades são intimamente interligadas a fatores culturais, uma vez que o conhecimento sobre as espécies e as técnicas utilizadas para a fabricação destes produtos são fruto da bagagem

Prado & Sousa

Tabela 1: Ocupação principal x Renda da ocupação principal dos moradores acima de 15 anos da comunidade do Julião, na RDS do Tupé (Manaus, AM).

Até 1 sm 01 a 02 sm total

agricultor/piscicultor 16 3 19 (38,7%)

autônomo 8 2 10 (20,4%)

empregado 6 2 9 (18,3%)

comerciante 5 3 8 (16,3%)

funcionário público 2 1 3 (6,1%)

total 37 (75,5%) 11 (22,4%)

autônomo 8 2 10 (20,4%)

comerciante 5 3 8 (16,3%)

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sóciocultural acumulada historicamente pelos moradores. A grande proporção de trabalhadores dedicados à atividades de exploração dos recursos naturais reitera a importância de estudos biológicos na região, visando gerar conhecimento sobre os recursos utilizados e que promovam o manejo sustentável das espécies e dos ecossistemas. A renda da população é baixa, logo, é importante o investimento em projetos que promovam a geração de renda na comunidade, sobretudo os que visem a sobrevivência e sustentabilidade das principais atividades já realizadas pela comunidade. É relevante exaltar a potencialidade da agricultura familiar e das práticas pouco impactantes de manejo, cultivo e extrativismo para o incremento da renda dos moradores, com a finalidade de fortalecer a identidade local. A agricultura familiar é um setor estratégico para a manutenção e recuperação do emprego, para a redistribuição da renda, para a garantia da soberania alimentar do país e para a construção do desenvolvimento (Schuch, 2007). O extrativismo e o manejo sustentável dos recursos florestais não madereiros pode prover benefícios para a população enquanto promove, simultaneamente, a conservação dos ecossistemas. No mercado atual, o valor agregado a este tipo de produção sustentável é crescente, e neste aspecto os chamados produtos da sociobiodiversidade abrangem “bens e serviços (produtos finais, matérias primas ou benefícios)

gerados a partir de recursos da biodiversidade por meio da formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares” (PNPSB, 2009). O incentivo à adoção destas técnicas proporciona níveis crescentes de autonomia técnica e coesão sócio política em meio às famílias e comunidades envolvidas, revertendo o quadro de erosão cultural e desagregação das formas tradicionais de sociabilidade presentes no meio rural (Petersen et al., 2007). A prestação de serviços envolve 16,3% da população que trabalha no comércio e 18,3% dos trabalhadores da comunidade que se autodenominam empregados. Estes realizam capina para terceiros, cuidam de casas de veraneio, trabalham na recepção de visitantes ou em atividades de comércio. Apesar de haverem oportunidades de emprego que são criadas pelos próprios moradores, nota-se que este nicho ocupacional é favorecido pela intensificação do turismo ecológico na região, o que pode ser benéfico se ocorrer com planejamento e regulamentação. A proximidade de Manaus, e as inúmeras belezas do local, são fatores que atraem muitos visitantes, principalmente em feriados. A comunidade Julião possui pouca infraestrutura para recebimento de turistas, de forma que não é incomum observar turistas hospedados na casa de moradores ou sendo servidos dos

Tradição e sustentabilidade na comunidade do Julião: um olhar sobre dimensão econômica e cultural da Conservação.

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alimentos cotidianamente consumidos pelas famílias. O aproveitamento e observação de áreas naturais, com baixo impacto no meio ambiente, pode gerar uma contribuição social e econômica para a comunidade. Porém, a exploração turística dificilmente deixará de provocar impactos negativos, pois as transformações advindas deste processo não se limitam ao espaço físico ou ambiental, mas que se fazem sentir, inclusive, no meio cultural (Murta, et al.,2008). A conciliação entre o número de visitantes e a proteção dos recursos naturais deve ser almejada na busca de um turismo responsável e sustentável (Vera et al.,1997). Apenas 6,1% dos trabalhadores são funcionários públicos, sendo a maioria professores e agentes de saúde fixados no local e que já exercem alguma liderança em encontros locais, esclarecendo dúvidas e intermediando as demandas dos moradores. Ambos, agentes de saúde e professores, são importantes multiplicadores de informações na comunidade e devem ser crescentemente capacitados e incentivados em sua atuação. As instituições de pesquisa têm contribuição expressiva para suprir esta demanda. Na comunidade Julião, destacam-se os seguintes projetos desenvolvidos no âmbito do Projeto Biotupé: “Saberes e práticas locais sobre plantas de uso medicinal: promovendo a saúde, boas práticas agrícolas, resgate e valorização

da cultura”, e “Água, saneamento, higiene e saúde: popularização do conhecimento científico e tecnológico”. Tais iniciativas investem em intervenções de longo prazo que visam a capacitação para a autonomia dos moradores, porém o incremento do investimento público tende a trazer um benefício maior a curto para a comunidade. Considerações Finais

À medida que a sociedade e a cultura evoluem com o tempo, as necessidades mudam e, podem, inclusive, mudar a atitude para com o ambiente, até invertê-la. Neste sentido, concordamos com as posições de Mariosa (2009), que enfatiza ser de fundamental importância conceber projetos de desenvolvimento comunitário que compreendam, considerem e reorientem os processos sociais, econômicos e ambientas explícitos nas comunidades em unidades de conservação. Deve-se enfatizar uma aprendizagem que, além de valorizar os saberes tecnocientíficos, respeite, igualmente, os saberes locais, proporcionando experiências que ampliem seus conceitos mudando valores e posturas mediante seus pares e, consequentemente, o ambiente onde vivem. A tônica deste processo é transformar as comunidades em gestoras de seus processos e participantes integrais da sociedade. A composição final do IQSA, será

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uma ferramenta importante para otimizar este processo não somente na Comunidade Julião, na RDS do Tupé, mas em quaisquer áreas ecologicamente sensíveis que sobreponham-se ao território de comunidades tradicionais. Ressaltamos ainda a relevância do planejamento ambiental integrado aos aspectos sócioeconômicos e culturais, por meio da análise sistemática e contínua de indicadores sócioambientais para a criação e gestão de áreas protegidas. Na comunidade Julião, há evidências de que as práticas de experimentação agroecológica desenvolvidas pelas instituições de pesquisa vêm favorecendo os modos de vida tradicionais, ligados a agricultura e pesca, promovendo a intensificação dos processos de interação social em torno desta temática. Os moradores tem em seu trabalho cotidiano não apenas um modo de produzir, mas também um modo de viver, renascendo assim uma forte relação de identidade cultural e de pertencimento. A valorização da cultura e da tradição local parece ser a chave para se preservar este sistema.

Agradecimentos

Ao CNPq por ter financiado o projeto caracterização socioeconômica, demográfica e ambiental da população residente na RDS do Tupé (IQSA). Edital 055/2008. Processo nº 575820/2008-0, no âmbito do qual foi realizado este trabalho.

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1Leandro GASPARINIe-mail: [email protected]

1Alfredo Morel dos REIS JúNIORe-mail: [email protected]

1Arquiteto, pesquisador Biotupé

Habitabilidade na RDS Tupé: uma análise da arquitetura como representação cultural

Resumo: A parcialidade como experiência do nosso cotidiano nos dá a impressão das coisas num mesmo instante, porém cada lugar tem seu aspecto próprio, que rege a construção ambiental e social. Ao projetar-nos para fora dessa visão cotidiana é possível, excepcionalmente, avaliar as peculiaridades desses lugares. Querer pode ser a palavra chave de sonhar com um tempo natural consentido, variações sociais, biológicas e tecnológicas do ambiente, diferentemente de um tempo construído, artificializado. Assim, reconhecer um amálgama entre o lugar e o homem que o habita é o interesse desse trabalho, detectar a forma como isso se constrói dentro do tempo natural desse lugar. Numa terra de características físicas tão especiais como a Amazônia, é impossível sonhar com sistematização de ações, tanto culturais como tecnológicas, sem entender preventivamente o ambiente imposto pela imensidão da região. Esse reconhecimento tanto ambiental, como do homem da várzea ou ribeirinho é tópico essencial que norteia o reconhecimento dos costumes atuais, e mesmo próximo do mundo seduzido pelo tempo construído, no caso a cidade de Manaus, a RDS Tupé pode ser um excelente exemplo para esse trabalho, onde se manifesta atualmente todos os costumes carregados pela vivência do homem amazônida. Neste trabalho consideramos a

Meio FísicoCapítulo 20 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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casa como expressão sintética dos condicionamentos, da memória, gostos, crenças e costumes que integram o homem ao seu ambiente. Para apreender as condições de habitabilidade do amazônida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé buscou-se associar a estrutura construtiva e o estilo arquitetônico utilizados por esse habitante com as propostas de conservação e uso sustentável dos recursos locais. Assim, a forma de ocupação do espaço pode ser harmônica ou inadequada, dependendo do tipo e natureza dos materiais empregados e dos resíduos e dejetos produzidos em cada habitação.

Palavras-chave: Habitabilidade, arquitetura, preservação, cultural, vernacular.

Introdução

As dificuldades de adaptação aos meios sócio-cultural e ecológico exprimem-se por grandezas e por aspectos nem sempre verificáveis ou de imediata mensuração, mas de efeitos evidentes nos indivíduos e no espaço que ocupam. Expressão sintética dos condicionamentos, da memória, gostos, crenças e costumes, a casa é o intermédio privilegiado da integração homem e seu ambiente. Considerada dessa forma, as condições de habitabilidade da população ribeirinha que habita a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, área de preservação ambiental localizada próxima a Manaus, Amazônia, constitui-se no objeto e tema deste estudo simultaneamente arquitetônico e cultural. É imaginável supor que a RDS do Tupé seja esse primeiro passo para o encontro da identidade cultural do homem amazônida. Particularmente por sua característica singular de ser uma reserva ambiental de desenvolvimento sustentável, próxima

à Manaus, que traduz nesse universo o tempo construído em contraste com o tempo natural esboçado na riqueza de detalhes dos migrantes que campeiam essa reserva e adensam o caldo cultural da, talvez, mais nobre região do Brasil: a chamada Amazônia central ou região do baixo Rio Negro. Área abençoada pela união do rio Negro e Solimões, exemplo de doação para a concretização da poesia escrita pela natureza, o grande rio Amazonas e a convivência homem e natureza. O exercício migratório do homem amazônida (Andrade, 2011 neste volume) e, em última instancia, a busca pelo momento exato de analisar e estabelecer-se em um local que exprima para si uma identidade cultural, neste caso, no modo como o ribeirinho, literalmente, se fixa dentro no espaço da RDS do Tupé, emerge, assim, rico de possibilidades. A proposta deste estudo é, assim, desenhar a identidade do caboclo a partir de sua célula de vida, sua casa. Este, talvez, o único local onde se garante e que expressa toda

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Habitabilidade na RDS Tupé: uma análise da arquitetura como representação cultural

sua conquista, graças ao acúmulo, por vezes involuntário, da história cultural desenhada pela corrente migratória universalizada dentro dessas terras. Como o nordestino que veio para a Amazônia e se permitiu tornar-se membro dela, o próprio migrante amazônida e o amazônida vernacular, tornado um imenso reservatório de práticas e saberes que, ao juntar seus detalhes cotidianos a toda cultura externa, estabelece, dessa forma, uma vasta riqueza de hábitos e soluções. Essa excelência de adaptação deu ao amazônida a consciência de sua obrigação em assegurar a permanência cultural nas terras amazônicas. E mais, passou a ensinar aos observadores que sua busca, antes de ser material, tem uma perspectiva flexível, de adaptação às imensas dificuldades ao ambiente em que se expõe. Desigualdades e deterioração das condições de existência certamente decorrem de deficiências no processo de adaptação das comunidades ao seu entorno, afetando e levando muitas vezes a uma possível perda de identidade Meirelles (2006) Mas, se, por um lado, temos essa impressão de que toda história vivida converge para o mesmo instante e, por outro imaginamos que cada lugar tem seu aspecto próprio, e este rege toda construção tanto ambiental, quanto social, isso nos impõe colocar a parcialidade como um modo de experimentar nosso redor. E, então, quebrar o espelho que nos dirige a um único ponto de fuga, nosso cotidiano.

Ao começarmos exercitar a possibilidade de projetar-nos para o outro lado do espelho – o lado que constrói a imagem para dar início a uma nova concepção desse reflexo –, talvez sintamos o porvir de um novo mundo, uma nova força de assimilação. O novo surge ao se admitir que um lugar inusitado se revela, ou melhor, que nós nos deixamos vê-lo, e o aspecto provisório antes observado tende a ser considerado e, de forma excepcional, avaliado como qualidade peculiar desse momento desvendado. E o que podemos buscar dessa qualidade com a qual é possível deparar-se e que valha todo o ânimo de redimir-se pelo equívoco da não compreensão e que deve existir em outros modos de vida, em outros mundos a desvendar? Querer pode ser a palavra chave da aproximação de um cotidiano seguro, compreensível, a um outro qualquer desconhecido. Se isto não for, torna-se impossível sonhar com um tempo natural, onde sejam consentidas variações sociais, biológicas, tecnológicas, do ambiente ou simplesmente existencial. Ao destacarmos esse tempo existencial, que não é o tempo construído, mas, simplesmente natural, maternal até, é crível que exista uma relação com a Terra, nosso lugar, onde se é admitido ser possuído por ele como sendo nosso abrigo, nossa proteção. Nesse sentido, imaginar a permissão de ser apoderado e autorizar um amálgama de vida, doação mútua entre o lugar e o homem que o habita.

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Compreender a relação entre natureza e condição humana, espaço ambiental e ambiente vernacular é o interesse maior desse trabalho. Detectar a forma como ela se constrói especialmente no doar-se para que tudo seja construído dentro do tempo natural do lugar e deste homem que o entende. Se esse reconhecimento ambiental, dado pelo homem da várzea ou pelo ribeirinho dos igapós, é tópico essencial que norteia o igual reconhecimento dos costumes atuais, e mesmo próximo do mundo seduzido pelo tempo construído, no caso a cidade de Manaus, não podemos isolar nem a ação nem a compreensão desses fatos. Tem-se que enfocar, sob a ótica das condições humano-espacial, a população amazônica que tem dificuldades e limitações que a torna vulnerável diante da perspectiva planetária. E a RDS do Tupé, sugestivamente localizada no centro físico, geográfico, social e cultural da Amazônia é um excelente ponto de observação para o trabalho de entender como se manifesta atualmente os costumes carregados pela vivência migratória do homem amazônida. Especialmente para o caso dos habitantes da RDS, a exposição ao tempo construído gera dúvidas e anseios antes inimagináveis. Involuntariamente exposta a questões vitais, como o desmatamento que não arrefece, os conflitos pela terra com povos tradicionais que não encontram solução satisfatória para ambos os lados, a ausência de equipamentos

públicos que garantam as condições mínimas de cidadania ou, simplesmente, pelo desconhecimento da maioria da população brasileira de suas reais condições e interesses. Cremos ser indispensável apreender e registrar o ideário local, não só para a informação dos pesquisadores e admiradores da Amazônia, mas, sobretudo, para o uso desses misteriosos homens que carregam em si a obrigação de manter dignamente sua herança cultural. Dimensionar esse ideário local não depende de um exercício hermenêutico apenas. Aqui, cabe muito mais o exercício de transposição, ou seja, do colocar-se do outro lado do espelho, como citado anteriormente. Primeiro, é crucial esclarecer aspectos essenciais da vida cultural dessa população, sem o que seria improvável compreender sua mensagem cotidiana no espaço ambiental, sua vida. Segundo, deve-se equalizar dados e modos que expressem o passaporte migratório do homem local, já que sua célula habitável é continuamente construída em consonância com os vários outros lugares pelos quais passou. Admite-se, portanto, que mesmo com toda mobilidade e dispersão da população na Amazônia, isto não afetou de forma negativa a manutenção do processo de ocupação do espaço ambiental de forma equilibrada e sutil. Tal sutileza é o foco preponderante da pesquisa que pretende tingir a equivocada visão de que a permanência do homem dentro do universo amazônico, e principalmente no objeto focalizado, a RDS do Tupé, é frágil.

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Habitabilidade na RDS Tupé: uma análise da arquitetura como representação cultural

Sua fragilidade está mais no modo etnocêntrico com o qual o observamos e no não respeitar sua qualidade única de conviver com a grandeza dessas terras, do que propriamente pelas dificuldades impostas pela natureza local. Nesse sentido é relevante, também, concentrar esforços no mapeamento das características intrínsecas que refletem a vida cotidiana na RDS do Tupé. No estudo da arquitetura local vê-se o espelho que destaca os valores seguidos pelos habitantes locais. Razão pela qual é possível corrigir dúvidas que ofusquem a perspectiva dos observadores alheios ao mundo espacial. Cabe salientar que o papel da arquitetura, nesse trabalho, não se calca na derivação de instrumentos tecnológicos, mas, fundamentalmente, o de traduzir conceitos existenciais. O horizonte alcançado pela verificação analítica de detalhes utilizados antes e agora em suas moradias e que fazem o amazônida sentir-se próximo do universo cultural herdado, conjugando as vicissitudes e oportunidades dadas por essa imensa natureza, e eternizado pela conveniência de estabelecer-se dentro de sua célula cultural, sua habitação. Para compreender a preferência ambiental de uma pessoa é preciso examinar não só os arredores físicos dos quais participa, como também verificar sua herança biológica, estilo de vida, enfim, a natureza biossocial a qual está inserida. Pensar em projetos que valorizem mais o investimento em capital, seu imediatismo em resolver questões econômicas e sociais, que

a natureza e todo o ambiente em que se desenvolvem as atividades humanas têm-se mostrado equivocado. Para entender o conceito de tempo construído podemos partir de Ferrara (1999) e Bauman (2008), que nos mostram que a sociedade capitalista ocidental moderna, a todo o momento, cria mais e mais facilidades para substituir um produto por outro, dando um tom de abstração à possibilidade da finitude ambiental, já que o capitalismo tem como uma de suas características marcantes a fragmentação das atividades econômicas movidas pela necessidade de crescente especialização. Como resultado, a habitação vem sendo crescentemente esvaziada das inúmeras funções para a qual foi criada, funções que não são só física, como também social, econômica e cultural, e que tanto condiciona quanto expressa comportamentos decorrentes deste modo de vida. E que, no caso da RDS do Tupé, vem sendo altamente influenciada pela continua correlação entre rural-urbano Candido (2001). Esse modo de vida cria uma perspectiva ambiental calcada no comportamento de relações técnicas Foladori (2001), onde o relacionamento com a natureza é crescentemente objetivado em coisa produzida. E não havendo mais a possibilidade de combater tais influências, principalmente devido à castração de antigos costumes regionais Dias (1999), o homem amazônida vê na adaptação de técnicas e materiais contemporâneos um modo de assegurar sua dignidade.

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Essas contradições dentro do ambiente de estudo mostram que existe uma realidade cultural, ou melhor, uma condição humana marcada pela ambiguidade e pela irreflexão do homem amazônida Gasparini et al (2005). De um lado, por criar na facilidade de adaptação dos novos materiais um imaginário de conforto e satisfação que responde ao desejo legítimo de ter em sua habitação a segurança e bem estar necessários. De outro, por não perceber os danos que a realização desse imaginário pode trazer ao meio ambiente. Diante dessa perspectiva é que se impõe um novo prisma para estabelecer a condição humana diante da natureza. Ou seja, através da tarefa de repensar e de reorientar os destinos de sua cultura, de sua história e de sua memória, em direção a uma ecologia humana, ética e civilizada Oliveira (2002). Para que o comunitário possa se desenvolver de maneira sustentável – aqui entendido como algo que esteja baseado nos costumes locais e que não agrida o meio ambiente –, as relações que nele se estabelecem estão indissoluvelmente ligadas a um mesmo processo: o surgimento da sociabilidade e solidariedade entre homem e natureza Candido (2001), alcançando assim uma condição de habitabilidade equilibrada entre o que é necessário ao homem e ao mesmo tempo com respeito aos ciclos vitais da natureza. Ao considerar esse equilíbrio, surge a necessidade de alimentar

um pensamento holístico que torne compreensível a realidade através de uma nova inserção cultural do povo amazônida e dos instrumentos mentais de sua observação. Para que o equilíbrio entre homem, demais seres vivos e o ambiente não permaneça vulnerável e cegue qualquer visão sistêmica que garanta sua sinergia estrutural, a noção de tempo é fundamental. A sociedade é atual, mas a paisagem, pelas suas formas, é composta de atualidades de hoje e do passado Santos (1997). O uso desse paradigma cria, assim, a possibilidade de uma relação transdisciplinar, por meio de uma teia intelectiva que prende os costumes de ontem e de hoje no mesmo espaço. De outra forma, esses aspectos devem fazer com que o homem amazônida esteja compromissado a repensar sua realidade. Uma vez que ele não é mais que uma parcela no ambiente, o que deve prevalecer é a sociedade e todos os demais aspectos inseridos naquilo que chamamos de natureza, fundindo-se numa totalidade equilibrada como reflexo do tempo natural dessa população, o amálgama ambiental. Por sua vez, não é possível falar em paisagem, criação de um espaço habitável, sem a percepção e a interpretação cultural que interferem na vida cotidiana do homem amazônida, já que é notória a abundância, a diversidade cultural e societária desse povo (Silva, 2004). Conhecer e respeitar as diferenças de cada ser abre a possibilidade de convivência tolerante entre o que o homem precisa e o que a natureza pode

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dar. Pois os seres humanos, organismos biológicos e, ao mesmo tempo, células sociais equipadas com determinadas bagagens culturais, possuem um comportamento e um instrumental para transformar o meio ambiente de forma qualitativamente diferente de outros seres vivos Foladori (2001). Para fazer prevalecer esse equilíbrio ao qual aludimos, cabe a tarefa de resgatar um ideário e dados culturais que instruam o comunitário no sentido de manter iniciativas de utilização do meio ambiente sem acarretar, ou pelo menos minimizar, danos que sejam irreversíveis, tanto para si como para o espaço vital do qual toma parte. Nisso consiste a inserção construtiva com utilização de materiais do local habitado. Observe-se, entretanto, que falamos de grupos sociais humanos e não de indivíduos isoladamente e, muito menos, em seus aspectos fragmentados de gênero, classe, etnia ou origem geográfica, pois a distinção sexual, bem como outras sociais, são construtos culturais e não determinados biologicamente Chaves et al. (2004). O que se busca é a aplicação de esforços coletivos para a manutenção do espaço social. E o contexto que se formata é o de desenvolvimento e conservação, proposta apropriada da releitura da tradição herdada, sobretudo por ter a “Amazônia cultural” elementos explicativos dessa totalidade. Detectada a prevalência do grupo em detrimento do indivíduo, vale concluir que a conscientização vernácula em seu sentido estrito, isto

é, referido ou próprio da região em que está, é o caminho factível para a busca da habitabilidade natural. A padronização das formas de utilização dos materiais da região, bem como a interpretação do cuidado por parte dos habitantes locais para com suas células (sua habitação) em mantê-las com um grau de aprimoramento estético aperfeiçoado, nos levam a verificar que a necessidade psicológica da ligação umbilical com o ambiente, respeitando-o. Este fundo psico-cultural tem o poder de demarcar a conquista do espaço não somente pelas técnicas empregadas, mas, sobretudo, pela equidade construída através de princípios de auto-referência, seja pelo resgate de legados ou pelo próprio aprendizado dentro da RDS do Tupé.

Metodologia Para apreender as condições de habitabilidade do amazônida no baixo rio Negro buscou-se associar a estrutura construtiva e o estilo arquitetônico utilizados na RDS do Tupé com as propostas de conservação e uso sustentável dos recursos locais. Assim, a forma de ocupação do espaço pode ser harmônica ou inadequada, dependendo do tipo e natureza dos materiais empregados em cada habitação. O que leva a considerar tanto o aproveitamento do patrimônio cultural de cada ribeirinho, quanto às normas e procedimentos que levem em consideração o patrimônio ambiental da região. Em detrimento, obviamente,

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de alternativas que se fundamentem exclusivamente em interesses mercadológicos. Com estes objetivos em mente, primeiro, elaborou-se uma planilha onde ficam registrados os dados pertinentes aos materiais utilizados, usos e funções do imóvel, itens de conforto que caracterizam cada construção existente em cada uma das comunidades. Ver quadro 1. Num segundo momento, baseado nos dados coletados, construiu-

se uma tipologia destinada a exprimir as características de habitabilidade, tanto das unidades individuais, quanto as de cada comunidade investigada ou da RDS do Tupé como um todo. Os 3 tipos que nos parecem mais adequados para o entendimento da complexa idiossincrasia reinante entre os habitantes da RDS do Tupé são os que definem os prédios destinados às moradias em: a) de conformidade tipológica; b) de relativa conformidade tipológica; c) de desconformidade tipológica.

 

Quadro 1: Formulário utilizado para levantar informações sobre as casas.

Gasparini & Reis Júnior

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Resultados

No estudo da viabilidade das técnicas construtivas existentes na RDS do Tupé foi considerado o uso de materiais retirados da sua própria reserva natural, como madeira, palha, pedra e terra, se empregados com recursos próprios de sua utilização. Como se nota na figura 1, ao contrário do que se poderia imaginar, nem sempre o uso de materiais como a madeira pode ser o mais adequado ou trazer mais benefícios para a qualidade das habitações, pois não há aqui a valorização do manejo cultural local da madeira. Outro aspecto que deve ser considerado conjuntamente com a qua-lificação da habitabilidade construti-va diz respeito ao valor dado ao modo projetual empírico utilizado na área da RDS do Tupé. Foram catalogadas e do-cumentadas suas formas e seu pensar espacial, ou seja, todo o patrimônio cul-tural rural (a paisagem rural) para que os resultados adquiridos e estudados au-xiliem na complementação das propostas construtivas e sua habitabilidade natural (Fig. 2). No que considera a conformidade ou não-conformidade tipológica das ha-bitações encontradas na área da RDS do Tupé, obteve-se os seguintes resultados ou tipologias básicas:

Conformidade Tipológica

É o tipo de construção que se caracteriza por sua vernaculidade e durabilidade. Utiliza como material estruturante da edificação madeira e barro,

com telhamento em estrutura de madeira e cobertura de barro ou madeira. Para sua construção é escolhido local que facilite o abastecimento de água potável e tenha disponibilidade de energia elétrica. No caso da RDS do Tupé, deve-se ressaltar que a fonte de energia elétrica mais popular, de fácil manutenção e disponibilidade é aquela fornecida por geradores de combustão, ou seja, motores movidos a diesel ou gasolina. Apenas 3 das 7 comunidades são atualmente abastecidas por concessionárias da rede pública. Some-se a essas características a de acessibilidade, ou seja, a facilidade com que se pode chegar, tanto por terra como por água, ao local onde foi construído o imóvel. Como normalmente a via preferencial de acesso é pela água, deve-se considerar a possibilidade de acesso durante o ano todo ou na maior parte deste, já que o regime de chuvas na região interfere drasticamente na vida dos habitantes. Outro elemento de alto valor avaliativo é o destino dado ao lixo produzido: se recolhido, reciclado ou se os dejetos e resíduos orgânicos são usados em compostagens. Por fim, deve-se considerar o fato de gozarem de conforto térmico, determinado por sua aproximação à vegetação alta, casa avarandada e com dispositivos naturais para a circulação de ar. E, ainda, se os moradores mostram cuidado no acabamento e limpeza, dispondo de hortas, jardins e pomares, e possuírem criação de animais domésticos (Fig. 3).

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Relativa Conformidade tipológica

É o tipo de construção que se caracteriza por sua vernaculidade e durabilidade e utiliza como material estruturante da edificação madeira e palha, com telhamento em estrutura de madeira e cobertura de madeira ou palha. Para sua construção é escolhido local de relativa facilidade na obtenção de abastecimento de água potável e energia elétrica, deve-se ressaltar que a energia elétrica, nesse caso, pode ser de rede de abastecimento que utiliza geradores de combustão, ou por lamparinas individualizadas. Apresenta relativa facilidade de acesso, em que se pode chegar ao local onde foi construído o imóvel tanto por terra, como por água, na maior parte do ano. Quanto ao destino do lixo, deve-se sublinhar a pouca utilização de reuso do lixo, bem como invariável pratica de aterrar o lixo produzido sem separação daquilo que poderia ser utilizado novamente, seja para adubação ou para reparos construtivos, como lixos metálicos, latas e fios, e até telhas metálicas substituídas em construções existentes. Nesse tópico deve-se avaliar como sendo de relativa conformidade tipológica o descarte de dejetos e excrementos em fossas negras que estão diretamente ligadas aos lençóis freáticos da região.Habitações deste tipo gozam de conforto térmico mediano. Determina-se este item pela utilização de varandas

na casa, sem a aproximação de áreas de vegetação adulta ou que estejam em áreas de processo inicial de deterioração ambiental e que mostrarem cuidado mediano no acabamento e limpeza. Não dispondo de hortas, jardins e pomares, e possuírem criação de animais domésticos sem cuidados sanitários mínimos, com separação dos animais e área de habitação (Fig. 4).

Desconformidade Tipológica

Neste caso, o tipo de construção se caracteriza por sua vernaculidade e durabilidade ao utilizar como material estruturante da edificação madeira e lona ou alvenaria, com telhamento em estrutura de madeira e cobertura de fibrocimento, metálica ou lona. Ou uso de materiais e técnicas de alto grau de impacto ao meio ambiente. Para sua construção é escolhido local de péssimas condições para obtenção de água potável e energia elétrica. Dificuldade para se chegar ao local onde foi construído o imóvel, tanto por terra como por água. Quanto ao destino do lixo, sempre descartado em aterro direto, queima do total dos lixos sem previa separação para reuso e descarte dos dejetos produzidos direto em lagos ou rios. Baixo índice de conforto térmico, uma vez que as construções não dispõem de áreas vegetativas adultas na proximidade, construções sem avarandados, alem de áreas onde se tem alto índice de degradação vegetativa. Em muitos casos, sua existência e

Gasparini & Reis Júnior

351

Habitabilidade na RDS Tupé: uma análise da arquitetura como representação cultural

Figura 1: Utilização de madeira de modo inapropriado.

Figura 4: Exemplo de relativa conformidade tipológica

Figura 3: Detalhes de organização espaço construtivo Exemplo de qualidade termo construtiva.

Figura 2: Integração de materiais, técnicas construtivas e o entorno, Casa de morador assentado.

Figura 5: Exemplo de inconformidade tipológica

funcionalidade demandam o uso de grande volume de recursos energéticos, aumenta o tráfego de embarcações, o trânsito de pessoas e a possibilidade de contaminação ambiental (Fig. 5).

Conclusões

A criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, antes de ser uma norma, deve ter como papel principal induzir a um planejamento ambiental para a região que se deseja preservar. Alguns pontos tornam-se relevantes para que se consiga converter as Reservas de Desenvolvimento Sustentável de área de preservação biológica em espaços aptos para a vida humana, não só para o presente como para as futuras gerações, desmistificando a impossibilidade de habitabilidade dessas reservas.

352

Nisso reside a decisão de promover a integração natureza-condição humana equilibrada, e proporcionar a transdiciplinaridade e visão de processos no momento da concepção de projetos e construções das edificações com a utilização prioritária de materiais locais. Além das culturas construtivas apropriadas que garantam a participação e autonomia da comunidade em suas expressões construtivas, fortalecendo, de modo definitivo, o trinômio técnica-arqutitetura-natureza. Uma vez destacados os pontos acima como prioridade para o bom planejamento das intervenções construtivas nas RDS, e principalmente na RDS do Tupé, e a partir dos dados levantados, analisados e interpretados a partir do formulário acima indicado pode-se apontar os caminhos de sua efetivação, quais sejam: 1. A necessidade de desenvolvimento de instrumentos para o estudo dos fenômenos de crescimento da demanda por habitações nas comunidades. 2. A reversão do atual processo construtivo negativo, com alto impacto ambiental devido a utilização de materiais trazidos de locais com características diferentes da RDS, no sentido de incentivar um processo sustentável que contribua para o equilíbrio ambiental e também à melhoria das condições de vida das pessoas através de sua independência técnico-construtiva, sem desmistificar seu legado e o imaginário cultural amazônico. 3. Estímulo à consolidação de uma

cultura de trabalho participativo entre todos os comunitários envolvidos nas construções através da conscientização das reais responsabilidades desses agentes na preservação de valores culturais e ecológicos para si e para as futuras gerações. 4. Resgate cultural coletivo, sem distinção de classe ou posição dentro da comunidade com a certificação pelos estudos, tanto sociais como arquitetônicos, e por levantamentos da originalidade de ocorrência de casos representativos dentro das regiões de RDS. 5. Avaliação de pós-ocupação das construções para verificação e consolidação das atitudes transdisciplinares atuantes no planejamento das edificações, bem como para novos direcionamentos corretivos na co-evolução entre os métodos de trabalho empregados. 6. Garantia de que a habitação seja elaborada mediante uso satisfatório dos recursos naturais atinja um mínimo vital compatível com as necessidades do comunitário, ou seja, o grau máximo de habitabilidade dentro dos parâmetros aqui apresentados. O desenvolvimento e consolidação das etapas descritas levam em conta que, para uma intervenção em uma cultura construtiva regional, é impossível ignorar os limites físicos do meio ambiente enfocado, bem como pensar que o homem e meio ambiente não podem caminhar solidários. Nesse sentido, o desenvolvimento e qualificação profissional são necessários para construção de espaços acessíveis e

Gasparini & Reis Júnior

353

salubres, que tenham características de reparabilidade e reutilização dos próprios materiais empregados. A autoconstrução deve ser vista como aglutinador social. E a conscientização sobre a importância do desenvolvimento sustentável implica dizer que as RDS só se manterão equilibradas se toda sua paisagem cultural (natureza e condição humana de sobrevivência) for preservada visto que toda sociedade não pode ser abstraída do seu contexto histórico-ambiental.

Agradecimentos

Esta pesquisa foi financiada com recursos do Projeto “IQSA”, Edital CNPq 055/2008.

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Habitabilidade na RDS Tupé: uma análise da arquitetura como representação cultural

355

1Terence Keller ANDRADEe-mail: [email protected]

1Institut des Hautes Etudes de L´Amérique Latine – IHEA, Paris III – Sorbonne Nouvelle. Doutorado

*Doutorado. Artigo vinculado ao Programa DURAMAz de pesquisa sobre sustentabilidade na Amazônia brasileira.

Migração e áreas protegidas periurbanas: um ensaio tipológico na RDS Tupé*

Resumo: A migração na Amazônia brasileira atrai a atenção de diversos pesquisadores das ciências humanas e sociais por sua enorme mobilidade. Para tentar compreender o contexto que permitiu a formação das comunidades na RDS Tupé, a abordagem que propomos visa concentrar o olhar nos diferentes lugares de vida dos seus moradores. A partir da representação espacial dos percursos ao longo do tempo, apresentaremos uma primeira tipologia migratória visando alimentar o debate à respeito da história de vida das comunidades periurbanas na Amazônia.

Palavras-chave: migração, áreas protegidas, ensaio tipológico, RDS Tupé, Amazônia

Meio Físico

Introdução

A dinâmica migratória na Amazônia atrai a atenção de diversos especialistas das ciências humanas e

sociais. Normalmente caracterizada por uma forte mobilidade ao longo das diferentes gerações de migrantes, certas

Capítulo 21 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

356

hipóteses tem sido utilizadas para tentar compreender as características deste fenômeno (Sartre & Sebille 2008). Segundo alguns pesquisadores, os comportamentos são ligados ao perfil dos imigrantes (De Reynal et al., 1997 ; Walker et al., 2001). Outros acusam o sistema socioeconômico e político brasileiro como o responsável pelos deslocamentos (Velho, 1972; Wanderley, 1998 Fearnside, 2001). Mais recentemente, mesmo o contexto de modernidade seria um objeto de análise, visto que as grandes cidades estão exercendo um efeito gravitacional sobre as novas gerações (Wanderley, 1998; Gama Torrez, 1992; Le Borgne – David, 1997). Estas explicações não se opõem e permitem elaborar algumas pistas para compreender a ocupação dos espaços amazônicos a partir de sua dimensão temporal. Neste contexto a abordagem que propomos visa estudar a representação espacial dos fluxos migratórios na Reserva do Tupé a partir da história de vida dos moradores. Apoiado em um questionário biográfico, reconstruimos uma amostra de 45 diferentes percursos executados por famílias que atualmente residem nas comunidades do Julião, São João do Tupé, Tatu e Agrovila. A prática da mobilidade nos diferentes espaços e tempos amazônicos nos revelaram algumas pistas para compreender as características das fases de ocupação da reserva, assim como uma tipologia baseada na origem geográfica da amostra entrevistada. Percebe-se que atualmente uma forte mobilidade caracteriza o perfil

destes moradores. Existe uma tendência a privilegiar as atividades do setor terciário em relação aos outros setores e a proximidade da cidade de Manaus exerce uma forte influência nos modos de vida dos comunitários.

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé na compreensão da mobilidade migratória

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé está numa posição geográfica interessante para a compreensão dos fluxos migratórios nas áreas protegidas do baixo rio Negro. Os 11.973 hectares que compôem a reserva fazem parte de um contexto de unidades de conservação reconhecidas sob diferentes estatutos e hierarquias, chamado de mosaico do baixo rio Negro. Ela está localizada à 25 km de Manaus, em uma zona periurbana sob forte pressão demográfica por parte da capital do Estado. A história de ocupação desta reserva data de aproximadamente 40 anos. A partir de fluxos migratórios originados da região norte e nordeste do Brasil as comunidades de Agrovila, Julião, Livramento, São João do Tupé, Colônia Central e Tatulândia foram formadas, representando aproximadamente 700 habitantes (Andrade et al., 2004). Estes vivem exclusivamente de atividades ligadas ao comércio e à prestação de serviços, pesca, extrativismo de frutos e mais recentemente com implantação de atividades ligadas ao turismo local (Fig. 1)

Andrade

357

Migração e áreas protegidas periurbanas: Um ensaio tipológico na RDS do Tupé

O crescimento demográfico e a pressão ambiental foram alguns dos elementos que estimularam, no início dos anos 90, a criação de uma área de relevante interesse ecológico. A partir dai a reserva adquiriu diferentes estatutos ao longo do tempo até ser categorizada em 2001 como Reserva

de Desenvolvimento Sustentável. Este fato foi bastante influênciado pelo atual Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Delegado à Secretaria de Meio Ambiente do município de Manaus, a tarefa de desenvolver e implementer um plano de gestão desta reserva foi baseada na idéia de

Figura 1: RDS do Tupé: uma zona protegida próximo à uma metrópole Amazônica

358

preservação ambiental e na valorização e aperfeiçoamento dos conhecimentos das populações locais. Neste contexto, a pesquisa que desenvolvemos visa concentrar na heterogeneidade dos imigrantes na expectativa de compreender as dinâmicas de povoamento nesta área protegida. Mostrando que estas populações tem comportamentos bastante diferentes face aos desafios do meio em que vivem, proporemos algumas pistas de leitura para analisar a mobilidade nas áreas periurbanas das grandes cidades amazônicas.

Material e Métodos

A história de vida como unidade de análise

Uma das inovações de nosso artigo está relacionada aos resultados da aplicação de um questionário demográfico na RDS do Tupé, baseado na história de vida dos seus habitantes (Fig. 2). Ele representa na realidade um mecanismo utilizado pelo Programa DURAMAz, para a compreensão dos determinantes da sustentabilidade na Amazônia brasileira. A grande particularidade deste questionário está na possibilidade de relacionar os diferentes fatos históricos e geográficos na escala da família do indivíduo entrevistado. Apoiado na memória individual dos atores dos fluxos migratórios, ele visa compreender as evoluções passadas

e atuais da dinâmica de ocupação das terras amazônicas. Além disto, nossa pesquisa visa traçar o perfil do entrevistado, baseado nas estratégias e particularidades dos familiares face aos diferentes contextos políticos e ambientais impostos. Na prática este questionário, chamado de EBIMAz, adquire forma a partir de duas dimensões distintas. A primeira representa a história de vida do entrevistado. Através de uma matriz composta por linhas e colunas, é possível associar o tempo, o espaço e os diferentes eventos ocorridos ao longo da vida do sujeito migrante. Ele permite conduzir a pesquisa visando compreender a evolução dos fatos individuais relacionados à questões chaves, tais como, localidades habitadas, motivos da migração, profissões exercidas, uniões e casamentos, crescimento e independência da família. Cada um destes diferentes eventos é armazenados na matriz referente ao ano em que o fato ocorreu. A segunda dimensão representa os antecedentes dos pais. Contrariando ao detalhamento da primeira parte do questionário EBIMAz, ele permite compreender algumas questões relacionadas à origem familiar do indivíduo entrevistado. Deste modo, o ano de nascimento e falecimento dos pais, a localidade em que nasceu e que habita atualmente, as profissões exercidas, a capacidade de ler e escrever, além do número de irmãos e irmãs que o

Andrade

359

Migração e áreas protegidas periurbanas: Um ensaio tipológico na RDS do Tupé

entrevistado possui são as informações colhidas nesta parte da pesquisa. Pa r a aplicar o formulário, foi realizado um trabalho de campo na RDS do Tupé entre agosto e dezembro de 2008. Quatro comunidades foram objeto de nossa análise (São João do Tupé, Tatu, Agrovila e Julião). Uma das primeiras dificuldades que encontramos e que caracteriza esta RDS, foi em contabilizar o universo de moradores existentes. Devido à proximidade de Manaus, a facilidade de acesso e aos limites dos orgãos competentes em

resolver as questões fundiárias, muitos dos atuais moradores não constam nos registros da prefeitura. Utilizando os dados publicados pelos diferentes projetos e estudos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros, foi estimado uma população de 180 famílias nestas quatro comunidades. Sendo assim, entrevistamos uma média de 15 famílias por comunidade, uma amostra representativa para a reserva (vide Mariosa et al neste volume). É importante ressaltar que a unidade de

Figura 2: Questionário biográfico

360

análise da pesquisa constitui a escala familiar do indivíduo entrevistado. Deste modo o critério principal que permite a aplicação do EBIMAz é a identificação do chefe da família que pode ser de ambos os sexos e que irá unica e exclusivamente responder por todo o grupo familiar ao qual o mesmo está inserido.

Resultados e discussão

A representação dos percursos

A representação espacial dos fluxos migratórios foi possível utilizando diferentes softwares. Após todo o trabalho de coleta, as informações foram organizadas em uma planilha do Excel. Ao todo foram necessários pouco mais de 2 mil linhas e 160 colunas, representando aproximadamente 324 mil células para registrar todos os diferentes fatos que ocorreram na vida dos 45 entrevistados do Tupé. Posteriormente, as informações foram exportadas em banco de dados para ser interpretada nos software Stata e Arcgis 9.3. Os pontos de origem e destino referentes aos atos migratórios foram representados por um centróide definido pela função “feature” do “point” e organizadas no “Tracking Analist” do Arcgis. Com a precisão anual dos eventos migratórios, foi possível perceber a evolução da ocupação dos espaços amazônicos ao longo do tempo com base na nossa amostra. Os 45 percursos migratórios ilustram a

diversidade que compõe a reserva do Tupé atualmente. O reagrupamento proposto leva em consideração os lugares de vida, as atividades profissionais e o período migratório. Estimando a maior semelhança das etapas migratórias, propomos destacar suas maiores homogeneidades percebidas, assim como cinco grandes períodos migratórios (1960; 1970; 1980; 1990 e 2000) - (Fig. 3).

Os moradores originários da Juta/Malva

Podem ser constituídos por grupos de moradores descendentes de nordestinos que ocuparam as várzeas do rio Solimões em prováveis áreas de exploração da juta e malva. A partir de 1940 começaram a procurar novos destinos migratórios com uma mobilidade em direção à cidade de Manaus. Alguns deles fixaram residência nos municipios banhados pelo rio Solimões antes de chegarem à capital do Estado. Eles representam o primeiro grupo de moradores a se instalar na RDS e atualmente possuem uma média de idade mais avançada em comparação aos demais grupos. Geralmente os pais desenvolviam atividades ligadas ao setor primário. Os filhos, desde que instalados em Manaus passam a atuar em atividades do setor terciário. Após residirem em Manaus começam a migrar para a atual Reserva do Tupé, a partir da década de 60. Durante os anos 80 novas familias

Andrade

361

Migração e áreas protegidas periurbanas: Um ensaio tipológico na RDS do Tupé

Figura 3: Tipologia dos percursos migratórios na RDS do Tupé.

originárias das regiões produtoras de juta e malva começam a chegar na reserva à procura de emprego. A produção de carvão, ou mesmo o trabalho assalariado junto à Siderama indica uma hipótese a respeito do motivo da migração para este período. A década de 2000 continuou a atrair novos moradores originários desta região em busca de terra e emprego, principalmente no setor terciário.

Os imigrantes rumo ao oeste

São descendentes de nordestinos e nortistas que começaram a migrar em direção à Manaus a partir dos anos 40, chegando na capital do Estado do Amazonas por volta do final dos anos 50. Os entrevistados correspondem a um grupo de moradores originários do nordeste (Ceará, Paraíba, Maranhão e Rio Grande do Norte); e do norte do Brasil,

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com uma forte influência dos municípios localizados na calha do rio Amazonas. É possível perceber também migrações originadas do interior do Estado a partir de indivíduos da cidade de Parintins. Os imigrantes após residirem em Manaus, começam a se instalar na reserva por volta dos anos 70. O que chama bastante atenção neste grupo é que grande parte dos indivíduos entrevistados chegaram na RDS do Tupé a partir de 2000. Normalmente os individuos seguem a profissão do pai, mas existe uma tendência maior a atuar no setor terciário. Praticamente metade destes indivíduos vieram por motivos familiares (casamento ou acompanhando o parceiro). Outra parte deslocou-se à procura de terra para a prática da agricultura ou mesmo para atividades terciárias, como comércio e serviços.

A proximidade: Manaus/Tupé

Representa o grupo de indivíduos que nasceram em Manaus, cujos pais vieram do Norte/Nordeste, das regiões de juta e malva, além dos seringais. Os primeiros indivíduos deste grupo chega na atual reserva por volta dos anos 70 e até o início dos anos 80. Torna-se uma mobilidade caracterizada pela procura de terra para a prática da agricultura ou mesmo para a exploração dos recursos minerais. A partir dos anos 90, a mobilidade Manaus/RDS do Tupé se intensifica e grande parte do deslocamento foi motivado por atividades relacionadas ao setor terciário. Geralmente quando os pais dos entrevistados desenvolviam atividades

relacionadas ao setor primário, os filhos continuam no mesmo setor em Manaus. Porém quando chegam na reserva, grande parte deles migram para atividades relacionadas ao terciário. Se os pais já desenvolviam atividades do terciário, os filhos continuam no setor terciário. Trata-se de uma mobilidade complexa a definir. Porém algumas características permitem ilustrar a tipologia deste grupo. Podem ser considerados os individuos menos móveis de todos os outros entrevistados (geralmente uma migração por indivíduo). Porém os motivos são bastante diversos. Alguns dos entrevistados manifestaram que não conseguem arcar com os gastos na cidade de Manaus (famílias numerosas com baixa renda). Desta forma preferem fixar residência na RDS e exercem atividades econômicas locais ou mesmo na capital. Outros migram em função da violência da cidade. Outros por aposentadoria e percebe-se mesmo uma mobilidade em função de atividades ligadas ao lazer ou a segunda residência, por exemplo, como é o caso da presença de sítios e chácaras na reserva.

A descida do rio: A mobilidade dos ameríndios

Grupo de moradores cuja mobilidade iniciou-se a partir dos anos 70. Partindo do município de São Gabriel da Cachoeira, eles vieram descendo o rio Negro em direção à cidade de Barcelos e Manaus. Uma característica que marca este grupo é a presença de vários membros em

Andrade

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Migração e áreas protegidas periurbanas: Um ensaio tipológico na RDS do Tupé

uma mesma residência (média de 8,4 indivíduos por domicílio). Outro ponto particular está relacionado à uma forte mobilidade, ou seja uma média de 2,75 migrações por indivíduo. Este grupo começa a se fixar na reserva no final dos anos 70. Primeiramente se estabelecem na comunidade Colônia Central, onde desenvolveram atividades do setor primário (agricultura). Em 2003, a grande maioria destes indivídos migra para São João do Tupé, as margens do rio Negro. Presume-se que a criação da reserva limitou a utilização de alguns dos recursos naturais por parte deste grupo. Neste momento começam a trabalhar em atividades ligadas ao setor terciário (turismo). Parte dos indivídos migram diretamente para Manaus, abandonando as atividades de agricultura e adquirindo profissões no setor terciário. Em seguida migram novamente para a reserva e passam a atuar em atividades ligadas ao turismo. Geralmente os filhos seguem as profissoes dos pais (setor primário) e depois de instalados na RDS ou em Manaus passam para o setor terciário. Percebe-se também uma presença de migrações em rede, ou seja, um grupo de indivíduos pertencentes a uma mesma família que migraram e pouco tempo mais tarde, seus irmãos e respectivos filhos passam a morar na reserva. Os seringais

Grupo de indivíduos cuja mobilidade iniciou anos 60, a partir de municipios localizados às margens dos rios Madeira, Purus e Juruá. Os

moradores são primeiramente atraídos para a zona urbana da cidade de Manaus, onde adquirem uma profissão, geralmente no setor terciário. A partir dos anos 80 eles começam à migrar em direção à atual reserva do Tupé. Este grupo representa o menor número de individuos entrevistados na amostra. Percebe-se que a grande maioria deles chegaram na reserva até o início dos anos 90, por motivos familiares (casamento ou acompanhando o cônjugue). Os pais geralmente seguem os filhos durante os diferentes percursos migratórios. Desde que instalados na RDS, existe uma tendência dos filhos exercerem a mesma profissão dos pais, ou exercerem a mesma profissão que desenvolviam na sede do municipio de Manaus (terciário).

As fases de ocupação da RDS do Tupé

Década de 60

Os moradores originários da região de seringais se deslocaram diretamente para Manaus. Abandonaram as atividades relacionadas ao extrativismo e agricultura passando a atuar diretamente no setor terciário da economia. Já os entrevistados da região de juta, malva e para os que vinham do norte e nordeste haviam duas opções. Alguns se instalaram diretamente em Manaus, onde as atividades ligadas ao setor terciário começam a ser privilegiadas. Outros insistiram nas atividades ligadas ao setor primário (agricultura, extração

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da juta e malva), migrando assim para localidades ao longo do rio Solimões e Amazonas . Neste período ocorre a chegada do primeiro imigrante entrevistado no interior da atual reserva do Tupé. Conforme apresentado na figura 4, a mobilidade inicia nas regiões de juta e malva. Motivado por razões familiares ele se instala na atual comunidade do Julião, com a idade de 21 anos. Teoricamente constituiu uma mobilidade mais curta com relação aos pais do imigrante, originários do nordeste, e que se instalaram nas margens do alto Solimões.

Década de 70

A imigração de origem indigena foi iniciada durante a década de 70. As motivações iniciais estavam sempre relacionadas à procura de terra para o desenvolvimento de atividades agrícolas. Alguns entrevistados vindos do norte/nordeste, seringais, juta e malva declararam abandonar as atividades no campo para se instalarem nos centros urbanos, atuando no setor do comércio/serviços ou na zona rural onde ocorre uma presença maior da pluriatividade (primário e terciário). Houve também alguns moradores que se instalaram na reserva na década anterior e que pouco tempo mais tarde imigraram novamente para Manaus a procura de trabalho. Chegada dos primeiros indivíduos de origem indigena, na Colônia Central, norte/nordeste para a comunidade

São João do Tupé e dos moradores de Manaus para a comunidade do Julião. Eles eram constituídos na sua maioria por jovens com idade média de 27 anos. Os motivos geralmente estavam relacionados à questões familiares, como casamento ou acompanhamento do cônjugue (neste caso existe uma predominância de atividades do setor terciário) ou à procura de terras para a prática da agricultura, prevalecendo atividades do setor primário. (Fig. 5)

Década de 80

Durante à década de 80, novos indivídos abandonam o alto rio Negro e se dirigem para a cidade de Barcelos, seguindo o mesmo percurso iniciado pelos seus antecessores. Neste período alguns entrevistados, após residirem em Manaus, declararam retornar à sua cidade natal à procura de emprego. Para os moradores de origem norte/nordeste, estes se instalam em grandes centros urbanos, como é o caso de Belém e Santarém, desenvolvendo pluriatividades (comércio e trabalho rural). (Fig. 6) Percebe-se a chegada dos primeiros indivíduos originários dos seringais e grande parte dos entrevistados declararam abandonar as regiões de juta/malva, mesmo Manaus. Estes se instalaram neste local com uma média de 25 anos de idade à procura de emprego relacionado à produção de carvão, (atividades do setor secundario), à procura de terra para a prática da agricultura (primário)

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e mesmo o comércio. Este período corresponde a época de atuação da carvoaria Siderama, o que influenciou a mobilidade para a reserva.

Década de 90

Alguns moradores abandonam os centros urbanos de Belém e Santarém e se deslocam diretamente para a reserva, por questões familiares (casamento) ou para Manaus à procura de emprego. Para estes que desciam o rio Negro, a cidade de Manaus se torna a preferência inicial para a procura de emprego, mas pouco tempo mais tarde eles se instalam na comunidade Colônia Central. Pouca mobilidade para os indivídos que formam a tipologia juta e malva. (Fig. 7) A RDS do Tupé passa a atrair moradores das mais diversas origens geográficas, motivados por questões familiares e a procura de terra para a fixação de residências. Pouca presença destes que subiam o rio Amazonas, ou que desciam o rio Solimões, assim como dos moradores das regiões de seringais. A média de idade correspondia a 38 anos no momento de instalação na reserva. Percebe-se uma predominância por atividades do setor terciário, como artesanato, dona de casa, doméstica e caseiro. Com o fim da atividade da Siderama, alguns indivídos permaneceram na reserva

atuando em pluriatividades e outros partiram para Manaus à procura de emprego.

Década de 2000

Alguns indivídos abandonaram os centros urbanos, como é o caso da cidade de Belém, Tefé e se instalaram em Manaus à procura de emprego. Durante a mesma década, estes partem para a RDS à procura de emprego ou melhores condições de vida. Os moradores que partiram do alto rio Negro se instalaram primeiramente na comunidade Colônia Central e depois de criada a RDS do Tupé migraram para a comunidade de São João do Tupé à procura de educação para os filhos e trabalho, passando a atuar em atividades ligadas ao turismo. A RDS do Tupé continua a atrair moradores das mais diversas origens geográficas, porém com uma forte predominância do norte e nordeste. As questões familiares, procura de terra e emprego ainda continuam bastante representativas das motivações dos atuais moradores. Porém, surgem novos interesses ligados à aposentadoria, ao fenômeno de segunda residência, fuga da violência e o elevado custo de vida na cidade de Manaus. A média de idade destes moradores no momento de instalação na reserva é de 34 anos.

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Conclusões

Este trabalho permitiu destacar alguns pontos de vista com relação aos perfís dos moradores da Reserva do Tupé. Sem ter a ambição de discutir os indicadores demográficos e nem as diversas teorias existentes, nossa abordagem pragmática previlegiou analisar a distribuição espacial dos moradores ao longo do tempo. Graças a utilização de uma metodologia baseada na história de vida destes moradores foi possível propor uma tipologia a ser aperfeiçoada, assim como interpretar as grandes fases de atração migratória da reserva. Os lugares e tempos percorridos, as motivações, a influência gravitacional das grandes cidades e projetos de colonizações representam os elementos que nortearam nossa análise. Os resultados nos permitiram observar que uma forte mobilidade caracteriza os habitantes da reserva. Mesmo que o desenvolvimento sustentável represente uma visão para conciliar a ocupação demográfica com a manutenção dos recursos naturais, resta saber até quando a estabilidade destas populações será mantida.

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Água e Saúde: popularização do conhecimento científico para comunidades da RDS Tupé*

Resumo: Embora o acesso do cidadão brasileiro ao conhecimento científico seja crescente, apenas uma pequena parcela de nossa sociedade tem acesso aos produtos e informações geradas pela ciência. Enquanto a comunidade científica privilegia a publicação de artigos em revistas ditas de alto impacto tais como a

Meio FísicoDiversidade SocioculturalCapítulo 22

1Gabriela Farias ASMUSe-mail: [email protected]

2Edinaldo Nelson SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

Fabiane Ferreira de ALMEIDAe-mail: [email protected]

Murana Arenillas OLIVEIRAe-mail: [email protected]

1Curso Ambiente & Sociedade: UNICAMP - Campinas, SP, Doutorado. 2Laboratório de Plâncton; Coordenação de Biodiversidade - CBIO, Instituto Nacional de

Pesquisas da Amazônia - INPA, 3Universidade do Estado do Amazonas – UEA - Manaus, AM.

4Universidade Federal do Amazonas – UFAM - Manaus, AM.Graduanda de Geografia. (*) Projeto financiado pelo CNPq, processo 55767/2006-2

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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Nature ou Science, o caboclo que vive na Amazônia não tem acesso a informações que poderiam vir a melhorar sua própria qualidade de vida. Por exemplo, muitas comunidades rurais da Amazônia sofrem de enfermidades que possuem formas bastante simples de serem evitadas ou tratadas, tais como as doenças de veiculação hídrica. A falta de acesso ao conhecimento científico também pode comprometer o ambiente em que estas comunidades estão inseridas, uma vez que a ausência de informações sobre o valor e a fragilidade dos recursos naturais leva à poluição e degradação dos mesmos. Neste contexto, o projeto de extensão “Água e Saúde” atuou por dois anos em quatro comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, apresentando o conhecimento científico existente sobre a importância da conservação dos recursos hídricos, a importância do saneamento ambiental e cuidados básicos para evitar a transmissão de doenças de veiculação hídrica. Neste capítulo é apresentado a metodologia empregada pelo projeto para atingir estes objetivos, que consistiu basicamente em trabalhar por meio de oficinas prático-demonstrativas, de caráter lúdico, oferecidas com frequência mensal em cada uma das comunidades. O projeto foi bem avaliado por seus participantes e considerado exitoso por sua equipe. Dentre os ingredientes de sucesso, e apontado o trabalho multidisciplinar, a criatividade, a interatividade com o corpo de pesquisadores do INPA e a capacitação de monitores voluntários para auxiliar nas atividades.

Palavras-chave: difusão científica, recursos hídricos, saneamento ambiental.

Introdução

Dentre todas as formas de conhecimento concebidas no mundo moderno, o conhecimento científico é uma das mais privilegiadas e reconhecidas pelas sociedades contemporâneas. Junto aos saberes oriundos do senso comum, da religião e da cultura, o conhecimento científico norteia as ações cotidianas e proporciona uma concepção de mundo aos seres humanos. Convivemos com ele ao manipular um eletrodoméstico, ao utilizar a internet, ao tomar precauções para manter a saúde e a

qualidade ambiental (Santos, 2008; Sarmento et al. 2010). Por exemplo, informações científicas contribuem para o conhecimento sobre o meio ambiente que nos cerca e nos auxilia no momento de tomar decisões sobre como protegê-lo. Contribuem para a formação de nosso entendimento sobre o significado de qualidade de vida, assim como a escolha de métodos para promovê-la. Na história da humanidade, o conhecimento científico possibilitou o desenvolvimento tecnológico, a cura de

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Água e saúde: popularização do conhecimento científico para comunidades da RDS do Tupé

doenças, o aumento do nosso conforto e bem-estar. Em uma enquete popular promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) sobre os benefícios trazidos pela ciência e tecnologia ao brasileiro (Brasil, 2010), uma série de fatores foi listada: benefícios no campo da saúde e da proteção de doenças, na melhora da qualidade de vida, na evolução do saber, na melhoria dos meios de comunicação, na melhoria educacional, conforto e comodidade. Entretanto, a mesma eficácia tecnológica que serve à paz e ao bem-estar humano também pode ser posta à serviço da guerra e da exclusão social. Dezenas de milhões de brasileiros não possuem acesso aos bens materiais, educacionais, culturais, e à oportunidade de serem incorporados à parcela da sociedade que pode usufruir destes bens. Neste sentido, a oportunidade de acesso ao conhecimento básico sobre a ciência é um dos fatores que auxiliaria o acesso a tais bens básicos, já que proporciona entendimento do entorno que se vive, amplia oportunidades no mercado de trabalho e de atuar politicamente com conhecimento de causa (Moreira, 2006). No Brasil, o conhecimento científico tem se tornado cada vez mais acessível aos cidadãos. A popularização da física, da medicina, da astronomia - entre outras disciplinas – no ensino escolar tem contribuído para o reconhecimento e compreensão destas ciências pela sociedade (Mansur & Silva, 2011). No governo, os principais órgãos de fomento científico e

tecnológico têm financiado linhas de pesquisa relacionadas à popularização da ciência, além de promover eventos como a “Semana Nacional de Ciência e Tecnologia” (Persechinni & Cavalcanti, 2004) ou “Olimpíadas de Matemática” (Brasil, 2011). Além disso, projetos de popularização da ciência podem ser reconhecidos em várias outras esferas: nos museus, nos jardins botânicos e parques zoológicos, nas bibliotecas, e nas atividades de extensão sediadas em universidades, como palestras, exposições, oficinas e feiras científicas. Os meios mais populares de comunicação - tais como televisão, rádio e internet - também têm abrigado programas/notícias de difusão científica, apesar do espaço ser diminuto em relação à totalidade da informação disponibilizada (Alves, 2002; Leal, 2003; Andrade, 2005). De acordo com Andrade (2005), a televisão é um dos veículos mais democráticos da sociedade brasileira, destacando sua importância na divulgação científica. Embora se reconheça que houveram avanços significativos nos meios de difusão da ciência e tecnologia no Brasil, pode-se afirmar que o acesso ao conhecimento científico não é igualmente distribuído entre a população brasileira (Brasil, 2010). Ele deveria chegar aos letrados e aos iletrados, às crianças e adultos, donas de casa e trabalhadores, cidadãos e tomadores de decisão, às populações urbanas e rurais. Sendo o Brasil um país que abriga grandes desigualdades

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sociais, é de se esperar que muitas pessoas ainda tenham acesso restrito a este conhecimento. Dentre a parcela da população brasileira que é excluída do conhecimento científico, destacam-se as populações caboclas que habitam as margens dos rios e igarapés amazônicos. Geralmente desprovidas de energia elétrica e longe de centros urbanos, o acesso à informação científica se torna bastante limitado. Indiretamente, esta lacuna de informação pode trazer menor qualidade de vida ao caboclo, ao mesmo tempo em que contribui para a degradação do ambiente a que ele está inserido. Por exemplo, o conhecimento da existência de microrganismos patogênicos na água e sua implicação para a saúde humana poderiam influenciar o caboclo na decisão de tratar a água que é destinada ao consumo. Ao mesmo tempo, o reconhecimento de que microrganismos patogênicos estão intimamente ligados aos resíduos humanos poderia levar à decisão de não despejá-los nas proximidades de recursos hídricos, contribuindo para a preservação deste ambiente. Embora estas sejam informações simples e muitas vezes transmitidas através da educação formal, elas dificilmente chegam ao caboclo da Amazônia. O conhecimento científico ligado à higiene, saneamento e saúde pode ser considerado um dos mais importantes para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. Segundo Moisés (2010), a educação no contexto

da saúde e do saneamento é uma prática social que recomenda mudança de hábitos e atitudes, especialmente quando os métodos pedagógicos levam ao processo contínuo de reflexão e questionamento, capacitando pessoas a tomarem decisões que favoreçam a manutenção de seu bem estar. Neste sentido, a divulgação da produção científica pode colaborar para o conhecimento, avaliação e autonomia para o enfrentamento de problemas que dizem respeito à melhora da qualidade de vida. A constatação de que a produção científica no campo do saneamento, da saúde e da conservação de recursos hídricos não estava alcançando as populações caboclas da Amazônia, motivou a organização do projeto de extensão “Água, saneamento, higiene e saúde: popularização do conhecimento científico e tecnológico para as comunidades da RDS do Tupé, Manaus, AM” (Processo CNPq no. 553767/2006-2), nascido em 2008 a partir de um edital CNPq de difusão da ciência e tecnologia. Os objetivos gerais do projeto eram decodificar as informações científicas para crianças, adolescentes e adultos, proporcionando um espaço para atividades prático-demonstrativas e reflexão crítica sobre as necessidades/ possibilidades de mudanças para a melhoria da saúde tanto da população local como do ambiente. Batizado como “Água e Saúde”, o projeto atuou durante os anos 2008-2009 nas comunidades Julião,

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São João do Tupé, Agrovila e Caioé – esta última, adjacente à Reserva.

Material e Métodos

RDS do Tupé: algumas considerações

A Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé abrange uma área de aproximadamente 12.000 ha nas proximidades da cidade de Manaus, protegendo um rico sistema fluvial de águas pretas, igapós e florestas ombrófilas (Scudeller et al. 2005). O acesso exclusivo por via fluvial (rio Negro e seu afluente Tarumã-Mirim) isolam, durante o período de nível baixo das águas dos rios, as seis comunidades inseridas na Reserva, cujas principais atividades econômicas são a agricultura familiar, extração de produtos florestais, caça e pesca (Souza 2010). Residir dentro de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável traz uma série de responsabilidades para seus habitantes. Espera-se que eles auxiliem na gestão desta área protegida e convivam de maneira harmônica com seus recursos naturais. A água, em especial, é um dos recursos mais valiosos da RDS do Tupé: além de seu valor num contexto ecológico, ela subsidia o alimento e possibilita o transporte de cargas e passageiros por seus igarapés de águas pretas. Por sua situação geográfica, as comunidades possuem carências associadas ao atendimento por energia elétrica, coleta de lixo e esgoto, distribuição de água tratada, serviços de saúde, educação formal, dentre outros

serviços públicos sabidamente deficientes nas comunidades rurais da Amazônia. Um diagnóstico preliminar constatou, ainda, deficiência em práticas bastante simples de higiene pessoal, tratamento da água e destinação de rejeitos, favorecendo ainda mais a transmissão de doenças de veiculação hídrica entre os comunitários.

Etapas Metodológicas

Não existem fórmulas e métodos pré-definidos para popularização da ciência, sobretudo para comunidades ribeirinhas. Neste sentido, no projeto buscou-se desenvolver uma metodologia original para trabalhar nestas comunidades, considerando os recursos disponíveis, as especificidades do local e as características do público participante. Em linhas gerais, o projeto trabalhou sob a forma de oficinas prático-demonstrativas de frequência mensal em cada uma das comunidades, utilizando arte, fotografia, jogos e outras atividades interativas. A equipe de criação e execução das oficinas contava com um coordenador e três bolsistas fixos auxiliados por um grande time de monitores voluntários. Cinco etapas metodológicas podem ser distinguidas neste projeto: (i) Diagnóstico de campo; (ii) Preparação de oficinas; (iii) Execução de oficinas; (iv) Documentação e avaliação de oficinas; (v) Divulgação de material produzido. As etapas aconteciam concomitantemente, e serão detalhadas a seguir:

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1 - Diagnóstico de campo Antes de planejar oficinas, foi preciso conhecer e ouvir os moradores da RDS, para avaliar a receptividade ao projeto e ouvir sugestões para torná-lo mais adequado aos interesses locais. Assim, cada comunidade sediou reuniões com moradores e lideranças, com apresentação da proposta do projeto seguida por discussões. Também foram realizadas saídas a campo para avaliar os recursos disponíveis em cada uma das comunidades: espaço para atividades, disponibilidade de tempo dos moradores, possibilidade de uso de barco, materiais (por exemplo, utensílios de cozinha), entre outros.

2 - O nascimento de uma oficina Neste trabalho, oficina é o nome dado ao conjunto de atividades práticas e educativas que fornecem base para discussão e entendimento de uma determinada temática. Cada oficina foi planejada para durar três horas, contabilizado o tempo de preparo de instalações, execução de atividades e lanche. Também eram organizadas para atender a grupos de no máximo quinze participantes, orientados por um integrante da equipe fixa do projeto e monitores voluntários. Assim, cada grupo de participantes recebia um kit de materiais para realização das atividades que compunham a oficina, o qual era previamente preparado, melhorado e testado antes de chegar às comunidades. As oficinas foram planejadas junto ao Laboratório de Plâncton do

Coordenação de Biodiversidade (CBIO) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Primeiramente, eram definidos a temática e o material bibliográfico suporte para o desenvolvimento do tema escolhido. O tema, criado em equipe, deveria refletir tanto os anseios do projeto como de seus participantes. Depois, eram criadas atividades práticas e lúdicas para compor a oficina. Alguns aspectos foram prioritariamente considerados: a) o material didático produzido era atóxico, atrativo, dotado de cores, e facilmente manipulável tanto por adultos como por crianças; b) o material deveria ser acessível e facilmente reproduzido pelos comunitários; c) caso fosse necessário informação escrita, os textos deveriam ser curtos e acompanhados de imagens, respeitando-se as limitações de pessoas pouco alfabetizadas; d) a linguagem utilizada foi o mais próxima possível do cotidiano dos comunitários, substituindo-se jargões científicos e simplificando termos técnicos; e) adaptações especiais foram feitas para atender ao público menor de seis anos de idade. Uma vez decidido as atividades e os materiais necessários para viabilizá-las, produziu-se um roteiro detalhado da oficina, direcionado aos monitores. Este trazia texto de suporte, tempo de duração de cada atividade, materiais necessários, metodologia e ilustrações. O roteiro era entregue com antecedência aos monitores voluntários, para estudo e esclarecimento de dúvidas. Além

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disso, antes de serem lançadas às comunidades, todas as oficinas foram previamente apresentadas ao corpo de pesquisa do Laboratório de Plâncton, para que recebessem sugestões e correções de conteúdo técnico. Além do material destinado à realização das atividades, foi produzido material de divulgação prévia e posterior às oficinas. A divulgação prévia consistiu de folhetos e cartazes- convite para a próxima data de oficina na comunidade. Este hábito era particularmente importante, uma vez que a comunicação via celular, telefone e internet era difícil ou inexistente. A divulgação posterior consistia num painel de fotos ilustrativas da oficina anterior, como forma de lembrança e recapitulação do aprendizado. O transporte da equipe até as comunidades foi feito de Kombi até o porto, onde um barco do tipo “voadeira” nos aguardava para o transporte fluvial. Todo o material da oficina era “embalado” em caixas impermeáveis e sacos plásticos, protegendo-os dos estragos que poderiam ser causados pela água em temporais e banzeiros, tão costumeiros no rio Negro. Não menos importante, os preparativos da oficina incluíam compra de material alimentício para o “lanche de integração”, que geralmente contou com suco de frutas e sanduíches.

3 - Execução das oficinas As oficinas deveriam ocorrer ao ar-livre, geralmente em espaços próximos à escola ou à associação de

moradores. Os moradores participantes eram divididos em faixa-etárias: 3-6 anos (batizados como “maternal”); 7-10 anos e maiores de 11 anos. A equipe executora contava com um coordenador geral, três bolsistas responsáveis pelo andamento das atividades de cada faixa etária e cinco monitores voluntários: três para auxiliarem nas atividades, um para fotografar e outro para filmar o evento. Cada comunidade escolhia um dia da semana e um turno ideal para receber o projeto, evitando-se horários letivos e coincidências com eventos importantes como missas, cultos ou jogos de futebol. Antes de iniciarem-se as atividades, o grande grupo se reunia para recordar rapidamente o aprendizado da oficina passada (isto é, do mês anterior) e receber orientações gerais sobre a temática e os objetivos do dia. Após, cada faixa-etária escolhia um cantinho para abrigar a oficina, que acontecia conforme roteiro. Dentro de cada faixa etária, os comunitários eram subdivididos em pequenos grupos, cada qual com seu kit de atividades. Todo o material produzido pelos participantes era cuidadosamente embalado para o retorno. O lanche era a atividade final da oficina, e reunia novamente o grande grupo. Este também era o momento de avaliação das atividades do dia, onde se observava sugestões e opiniões dos participantes. A viagem de retorno até o INPA era longa, e utilizávamos este momento para fazer – entre monitores – a avaliação das atividades:

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o que funcionou, o que não funcionou, sugestões de melhoras. Vale a pena lembrar que cada oficina rodaria todas as outras comunidades também, estando sujeita a modificações de acordo com a avaliação da equipe e dos participantes.

4 - Registros da oficina Uma vez nas dependências do INPA, todo o material resultante de uma oficina - por exemplo, colagens e desenhos - deveria ser datado, fotografado e salvo no disco rígido externo onde foi arquivado todo o material do projeto. As melhores fotos eram selecionadas para compor o “cartaz-convite” para a próxima oficina. Ainda, os bolsistas fixos do projeto se dividiam para fazer o “relato da oficina” (que seria enviado para todos os membros do projeto Biotupé e do Laboratório de Plâncton), a “avaliação escrita” (reunindo as críticas e sugestões da oficina) e a “lista de presença”, para registrar comunitários e monitores que partilharam o evento.

5 - Divulgando o Projeto Água e Saúde Para popularizar o projeto, a maioria do material impresso foi selecionado e organizado para fazer parte do site do Biotupé. Dois designers foram terceirizados para gerar camisetas, cartazes ilustrativos de cada uma das oficinas e produzir o logotipo do projeto. A divulgação também foi realizada através de um vídeo institucional, para apresentação

em congressos e eventos (http://www.youtube.com/watch?v=icqxymlvqzx).

Resultados e Discussões

Na primeira fase – o “diagnóstico de campo” - foram visitadas praticamente todas as comunidades da RDS, almejando-se o estabelecimento do projeto. Como era de se esperar, nem todas estavam dispostas a estabelecer um cronograma com nossa equipe. Na comunidade Tatulândia, por exemplo, os moradores não se entusiasmaram com o projeto e não compareciam nas datas marcadas, levando-nos a investir em outro lugar. As comunidades Agrovila, São João do Tupé e Julião foram bastante receptivas, e nosso contato estreitou-se com as diretoras e os professores das escolas da rede municipal nelas estabelecidas. A comunidade Caioé (adjacente à Reserva), ao saber da existência de nosso trabalho, solicitou que fosse incluída no projeto, o que foi concedido com muita satisfação. Sendo o projeto de cunho educativo, a escola acabou se consolidando como nossa principal porta de entrada nas comunidades. Os recursos escolares (mesas de refeitórios, cozinha, gerador) eram emprestados na ocasião de nossa vinda. Embora esta parceria fosse bastante interessante, uma vez que a escola concentra crianças (e por consequência, os pais das crianças), o público adulto raramente se integrou nas atividades,

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Água e saúde: popularização do conhecimento científico para comunidades da RDS do Tupé

preferindo acompanhar as oficinas sem a responsabilidade de participar. Ainda, as escolas rurais de Manaus enfrentaram uma série de dificuldades para iniciar o ano em 2009 , reduzindo o tempo de atuação do projeto nas comunidades. Considerando o tempo necessário para introduzir e engajar as atividades em cada uma das comunidades, foi decidido que o conhecimento sobre água, saneamento e saúde seria popularizado a partir de dez oficinas sequenciadas. As oficinas aconteceram entre novembro de 2008 e janeiro de 2009. Nem todas as comunidades alcançaram a décima oficina, que continha atividades de encerramento (Tab. 1). Um total de 35 oficinas foram ministradas durante o projeto, envolvendo a participação 240 comunitários e 53 monitores voluntários.

Agrovila Caioé Julião São João do Tupé

(1) Água: seu ciclo e estados x x x x

(2) Distribuição da água no mundo x x x x

(3) Gincana da água x x x x

(4) Mini-curso de fotografias x x x x

(5) Um clic nas águas do Tupé x x x x

(6) As coisas pequenas da água x x x

(7) Os cuidados com a água x x x

(8) Malária x x x x

(9) Ligando água, saneamento, higiene e saúde x x x

(10) Comunidade consciente x x

Tabela 1: Títulos destinados às oficinas criadas pelo Projeto Água e Saúde e participação das comunidades envolvidas.

Conteúdo das oficinas

As dez oficinas, juntas, proporcionaram um entendimento integrado sobre a necessidade de conservação da água e do solo, enfatizando os problemas de saúde associados à sua contaminação com restos orgânicos e coliformes fecais. Hábitos primários de higiene foram reforçados, assim como reflexões sobre atitudes cotidianas que refletem na saúde e bem-estar da comunidade como um todo. Os roteiros detalhados de cada oficina foram disponibilizados online no endereço eletrônico: http://aguaesaude.biotupe.org/site/. Uma oficina, quando oferecida pela primeira vez em uma comunida-de, acabava por provocar mudanças e adaptações no teor das atividades. As modificações eram incorporadas no

(2) Distribuição da água no mundo x x x x

(4) Mini-curso de fotografias x x x x

(6) As coisas pequenas da água x x x

(8) Malária x x x x

(10) Comunidade consciente x x

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roteiro, e trazidas para a próxima co-munidade. Desta maneira, as oficinas sempre estavam em processo de me-lhoramento.

(1) Água: seu ciclo e estados – esta oficina iniciou uma conversa introdutória sobre “água” com as comunidades participantes. O objetivo principal foi apresentar, explicar e proporcionar entendimento sobre a composição da água, seus estados e seu ciclo no planeta Terra. As atividades incluíram construção de moléculas de água com bolas de isopor, palito e outros com massa de modelar, experimento sobre erosão, observação de mudanças de estado da água, experimento para compreender o ciclo da água na natureza, entre muitos outros (Fig. 1). Para o público menor de seis anos de idade, foram criadas brincadeiras envolvendo água e utensílios para transportá-la de um lado ao outro. O teor prático desta primeira oficina foi muito bem recebido pelos participantes. A descoberta de que a água está presente em todos os seres vivos, no solo, no ar, e é um elemento essencial para as nossas atividades e sobrevivência forneceu as bases para as próximas oficinas.

(2) Distribuição da água no mundo – As atividades desta oficina propiciaram a compreensão sobre o imenso volume de água que se distribui no planeta Terra, e a representatividade das águas amazônicas neste total mundial. Um

mapa-mundi e um globo terrestre ajudaram a ilustrar estas quantidades. Laranjas, antes de saboreadas, serviram para ilustrar o significado de “hemisfério”, além de auxiliarem no entendimento sobre proporções. Experimentos demonstraram o quão pequena é a quantidade de água potável disponível para consumo, e reflexões reforçaram a importância de conservar a água da região do Tupé, tão preciosa para todos. A figura 2 ilustra a atividade “Quantificando a água potável do mundo”, que demostrou a proporção de água abrigada nos seguintes compartimentos: mar, águas subterrâneas, águas superficiais, calotas polares, seres vivos, solo e ar.

(3) Gincana da água – Com o intuito de realizar uma atividade divertida e que integrasse crianças e adultos ao redor da temática água, preparamos uma gincana para levar às comunidades. Além de divertir e integrar, teve o objetivo de avaliar – ainda que subjetivamente - a assimilação do conteúdo conversado durante as últimas oficinas. Um tabuleiro e um dado gigante foram criados especialmente para a ocasião (Fig. 3). Cada equipe escolhia um nome e um “peão” representante, que caminharia sobre o tabuleiro a cada ponto ganho. Havia duas categorias de “prova” nesta gincana: as perguntas e as tarefas, que divertiam e exigiam trabalho em equipe para serem cumpridas. A avaliação geral da atividade levou nossa equipe a crer que a

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Água e saúde: popularização do conhecimento científico para comunidades da RDS do Tupé

assimilação do conhecimento científico trabalhado nas oficinas anteriores não era exatamente como esperávamos, porém, julgamos satisfatória. Por outro lado, o divertimento demonstrado pelos participantes fortificou a ideia de utilizar mais jogos como estratégia educativa, o que seria posto em prática nas oficinas posteriores.

(4) Mini-curso de Fotografias – Dado o sucesso das câmaras fotográficas entre os comunitários, o projeto decidiu adquirir e utilizar este equipamento como estratégia pedagógica para tratar das temáticas do projeto Água e Saúde. Dez câmaras fotográficas (digitais) foram adquiridas para serem manuseadas pelos próprios participantes do projeto (Fig. 4), que passariam a registrar as atividades sob suas próprias óticas nas próximas oficinas. Durante o curso, instruções e dicas básicas de fotografia foram compartilhadas, assim como o hábito de anotar informações sobre a imagem em um caderninho de registros.

(5) Um clic nas águas do Tupé – Nesta oficina, os participantes utilizaram as máquinas fotográficas para investigar as águas do Tupé, avaliando sua beleza e diversidade. O objetivo geral era que os comunitários compreendessem o grande número de organismos relacionados às águas do rio Negro. Através de quebra-cabeças (Fig. 5), foi promovida uma conversa lúdica sobre a importância destes organismos.

Outro objetivo secundário da oficina foi questionar os participantes sobre a existência de organismos ainda menores que poderiam estar habitando a água, embora não tivessem sido captados pela lente da máquina fotográfica. Crianças menores de 06 anos escolheram as fotografias que seriam captadas pelos monitores, e brincaram de jogo da memória ilustrado com a fauna e flora associada ao rio Negro. A atividade surpreendeu a todos, em especial, pela escolha dos objetos a serem fotografados. Além deles próprios, os comunitários escolheram plantas, animais, e situações que envolviam atividades relacionadas à pesca e à diversão na água. As melhores imagens foram selecionadas para compor um “concurso de fotografias”, que foi anunciado somente nas vésperas da oficina de encerramento do projeto.

(6) As coisas pequenas da água - O objetivo geral desta oficina foi atestar a existência de microrganismos na água e entender que eles são importantes para manter o lago saudável. Secundariamente, a poluição da água deveria ser associada ao aparecimento de microrganismos indesejáveis à saúde. Alguns conceitos básicos precisaram ser abordados para o entendimento da oficina: a noção de medida em escala métrica; o significado de microscópico; a função de uma lente e o significado de filtrar. A oficina foi dividida em três tópicos: I. O tamanho das coisas; II. Usando a lente de aumento; III.

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Figura 1: Experimento de evapotranspiração. Comunidade Julião, 26 abr. 2009. Fotografia: Sandro José Freitas Vieira.

Figura 3: Tabuleiro e dado. Comunidade Agrovila, 20 maio 2009. Fotografia: Lola. Figura 4: Criança efetuando seu primeiro

disparo. Comunidade São João do Tupé, 25 mar. 2009. Fotografia: Julie Dorioz

Figura 6: Pesquisadores do Laboratório de Plâncton auxiliam crianças na observação de microrganismos presentes na água do Rio Negro. Comunidade São João do Tupé, 03 jun. 2009. Fotografia: Marina Lelis Ribeiro.

Figura 5: Crianças montando quebra-cabeças de seres vivos que se relacionam às águas do Rio Negro. Comunidade Agrovila, 27 out. 2009. Fotografia: Gilmar Perbiche Neves

Figura 2: “Quantificando a água do mundo”: Monitora usa galão de 20l para representar todo o volume de água existente no Planeta Terra. Proporcionamente, a água disponível para consumo humano caberia num recipiente de 2 ml. Comunidade Julião, 24 maio 2009. Fotografia: Daniel Previattelli.

 

 

   

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Água e saúde: popularização do conhecimento científico para comunidades da RDS do Tupé

Coletando microrganismos. Durante as atividades, os participantes tiveram a oportunidade de compreender o significado de “micro” na escala métrica, de redescobrir o ambiente através de lupas de mão, de coletar água com redes de plâncton adaptadas e observá-la na lupa, de forma a enxergar os microrganismos (Fig. 6). Esta foi a oficina mais trabalhosa do projeto, do ponto de vista de infraestrutura e recursos humanos. Microscópios precisaram ser transpoortados e instalados nas comunidades, contando com a energia de geradores para seu funcionamento. Pesquisadores com prática no manuseio destes equipamentos e conhecimento de microrganismos aquáticos foram mobilizados até as comunidades. Em compensação, agradou imensamente aos participantes, que passaram a ter outra perspectiva sobre o mundo aquático. Após esta oficina, já seria possível conversar sobre microrganismos com as comunidades da RDS do Tupé.

(7) Os cuidados com a água – Os objetivos da oficina foram conhecer as principais doenças de veiculação hídrica, compreender suas formas de transmissão e aprender o que fazer para evitá-las. As atividades envolveram um teatro de fantoches, treino e apresentação de teatro de mímicas sobre hábitos de higiene, completar e apresentar cartazes (tipo “álbum de figurinhas”) ilustrados com o ciclo

das principais doenças transmitidas pela água e alimento contaminado. Também foram entregues cartilhas para colorir (tipo “gibi”) contendo o texto apresentado pelo teatro de fantoches, que envolvia personagens como “Senhor Lombriga” ou “Dona Ameba” (Fig. 7).

(8) Malária – O objetivo geral desta oficina foi unir os conhecimentos prévios da comunidade às informações trazidas pelo Projeto Água e Saúde para compreender: 1- o que é malária; 2-como se transmite; 3-como se previne; 4-como reconhecer os sintomas; e 5- a importância de tratar os doentes. A primeira atividade consistiu numa entrevista, onde participantes foram “transformados” em repórteres para realizar um diagnóstico do conhecimento inicial da comunidade sobre o tema. Após, utilizou-se maquetes para contar histórias sobre a malária. As diversas fases do carapanã foram trazidas à comunidade para observação. Ao final, um jogo reuniu a comunidade, para fixar de maneira lúdica o aprendizado do dia (Fig. 8).

(9) Ligando água, saneamento, higiene e saúde – Esta oficina teve o objetivo de propor as seguintes perguntas aos participantes: como os nossos hábitos de vida podem contribuir para a transmissão das doenças que estudamos nas últimas oficinas? O que é preciso fazer diferente para termos mais saúde na comunidade? As atividades reuniram

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Figura 7: Apresentação de “Os vermes”. Em cena: “Dona Ameba”, “Salmonella” e “Pedrinho” Comunidade Caioé, 24 ago. 2009. Fotografia: Marina Lelis Ribeiro.

Figura 9: Equipe entrevista moradora e observa condições de saneamento, higiene e saúde. Anotações e fotografias foram feitas para compartilhar em conversa posterior. Comunidade São João do Tupé, 20 out. 2009. Fotografia: David

Figura 10: . Crianças realizam apresentação rápida sobre carapanã. Ao fundo, o painel de imagens selecionadas para o concurso de fotografias. Comunidade Julião, 29 nov. 2009. Fotografia: Nilce

Figura 8: Crianças usando “tromba” durante o jogo Manja- carapanã. Nesta brincadeira, parte dos participantes representavam carapanãs infectados com malária, que corriam atrás de pessoas saudáveis. Ao mesmo tempo, participantes representando “mosquiteiros” impediam os carapanãs de alcançarem as pessoas saudáveis. Comunidade São João do Tupé. 10/09/09. Fotografia: Maria Antônia.

 

 

 

 

conversa reflexiva sobre água, lixo e esgoto com os participantes, utilizando materiais demonstrativos durante o processo. Em equipes, os comunitários também fizeram uma “pesquisa de campo”, entrevistando moradores e observando a maneira que sua própria comunidade trata destes assuntos (Fig. 9). Também foi criado um jogo para efetuar a ligação de más práticas de higiene e disposição de resíduos aos problemas de saúde da comunidade.

Nesta oficina, os comunitários tiveram oportunidade de avaliar suas próprias práticas de higiene pessoal, higiene doméstica, higiene alimentar, cuidados com a água, disposição da água servida e disposição de esgoto. Ao mesmo tempo, buscaram relacionar estas práticas (de modo positivo ou

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negativo) às doenças de veiculação hídrica ou de transmissão via oral-fecal. A atividade de “pesquisa de campo” voltou o olhar dos participantes para sua própria comunidade, só que de maneira crítica. Acreditamos que esta tenha sido uma das atividades-chave de todo o projeto, realizando a conexão entre todos os assuntos que vinham sendo tratados desde o início do projeto.

(10) Comunidade Consciente – Esta foi a oficina de encerramento do projeto, portanto, de caráter festivo. Cartazes ilustrativos de cada uma das oficinas foram entregues às comunidades. Também foi preparado um concurso de fotografias, com premiação simbólica para os três primeiros lugares, escolhidos por votação. Uma atividade representativa de cada oficina foi apresentada pelos participantes, com orientação dos monitores (Figura 10). Toda a comunidade foi convidada a assistir e participar do lanche de confraternização.

Outros produtos

Além das oficinas per se, o projeto gerou roteiros, cartilhas, cartazes, camisetas, materiais lúdicos, entre outros. Grande parte do material utilizados foi disponibilizado na web e pode ser avaliado no endereço http://aguaesaude.biotupe.org/site/. O material produzido pelos comunitários foi fotografado e arquivado em um disco rígido externo juntamente com os demais materiais gerados pelo projeto.

Avaliação do sucesso do projeto

Embora não tenha sido realizado nenhum inquérito com objetivo de avaliar a aprovação das atividades por parte dos comunitários, nossa avaliação subjetiva é de que o projeto foi capaz de sensibilizá-los para a importância da conservação da água e do ambiente, e da adoção de medidas para evitar a transmissão das doenças que costumam acometer os comunitários. Quando questionados sobre a importância do projeto em entrevistas realizadas para compor o vídeo institucional, a avaliação das atividades foi positiva. Entretanto, o efeito de nossa intervenção na comunidade só poderá ser percebido a longo prazo, nas atitudes cotidianas e métodos empregados para conservar o solo, a água e a própria saúde.

Considerações finais O projeto Água e Saúde foi um dos poucos projetos que trabalhou popularização da ciência para comunidades ribeirinhas, em particular, que habitam uma área protegida categorizada como Reserva de Desenvolvimento Sustentável. As atividades que compunham as oficinas precisavam atender a um público diferenciado, com saberes e cotidiano muito distintos daquele conhecido pela equipe executora. Mais do que adequar as atividades para atender a este público, foi necessário aprender

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com eles: o nome das espécies animais e vegetais, o significado de lazer e divertimento, as dificuldades, ou até mesmo as prioridades da vida cotidiana. Segundo Germano & Andrade (2005), só existe efetividade em uma intenção de popularizar a ciência quando é estabelecido um diálogo entre a academia e a comunidade, embasado na cultura e nos saberes locais. Desta maneira, acreditamos que o projeto tenha cumprido o seu papel. Considerando as particularidades de cada local, sabemos que este mesmo projeto – tal como foi desenvolvido nas comunidades do Tupé – não pode ser reproduzido fielmente em outros locais. Entretanto, alguns ingredientes de sucesso podem e devem ser aproveitados em outros projetos de popularização da ciência: a multidisciplinaridade para a criação das atividades, a interação estreita com o corpo de pesquisa que detém o conhecimento científico, a organização para receber e capacitar voluntários, além da abertura e disposição para aprender os saberes locais dos comunitários.

Agradecimentos

Os autores agradecem à equipe de monitores voluntários por tornarem possível a realização das oficinas nas comunidades; aos pesquisadores do projeto Biotupé pela colaboração em atividades de campo; ao corpo de pesquisa do Laboratório de Plâncton do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia pelas

sugestões e acompanhamento técnico/ científico das atividades de extensão; ao Laboratório de Malária e Dengue do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia pelos ensinamentos e auxílio na organização de kits de atividades para a oficina “Malária”; à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) pela parceria concedida; e ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNPq) pelo financiamento do projeto. (MCT-AçãO TRANSVERSAL\EDITAL MCT/CNPq 12/2006 - Difusão e popularização da C&T)

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Água e saúde: popularização do conhecimento científico para comunidades da RDS do Tupé

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Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto “Água & Saúde” na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé*

Meio FísicoCapítulo 23

1Fabiane Ferreira de ALMEIDAe-mail: [email protected]

2Edinaldo Nelson SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

3Gabriela Faria ASMUSe-mail: [email protected]

4Murana Arenillas OLIVEIRAe-mail: [email protected]

1Universidade do Estado do Amazonas – UEA – Manaus, AM2Laboratório de Plâncton, Coordenação de Biodiversidade - CBIO,

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, 3Curso Ambiente & Sociedade, Universidade Estadual

de Campinas/ UNICAMP - Campinas, SP, doutorando.4Universidade Federal do Amazonas – UFAM - Manaus, AM. Curso de Geografia.

(*) Projeto Financiado pelo CNPq, processo 55767/2006-2.

Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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Resumo: A água doce representa 2,5% de toda a água do mundo, sendo que deste total somente 0,3% é superficial. A diminuição da qualidade da água superficial leva uma grande quantidade de pessoas a serem acometidas por doenças de veiculação hídrica. Diante desta realidade, torna-se importante o desenvolvimento de atividades educacionais que visem o incentivo e a busca pelo conhecimento que auxiliem no uso adequado da água. Neste contexto, o Projeto Água & Saúde teve em seu escopo localizar, organizar, decodificar e disponibilizar as informações científicas, que contemplem a realidade do ambiente do comunitário, por meio de recursos didáticos, utilizando o lúdico. As quatro comunidades envolvidas neste projeto estão situadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, a saber: São João do Tupé, Julião, Agrovila e Tatulândia. O contato inicial do projeto foi realizado entre os meses de julho e agosto de 2008 e teve como objetivo inicial a apresentação geral do projeto. A construção das oficinas era composta por três momentos principais, o primeiro em que se definia o tema a ser trabalhado, o segundo que abordava a estruturação das atividades lúdicas que seriam utilizadas para oficina e no terceiro momento era realizado uma apresentação-piloto aos componentes e não componentes do projeto para avaliação. Foram estruturadas 22 atividades distribuídas entre dois temas. A utilização do método lúdico na educação ambiental é inovadora, quando comparada ao sistema atual. E quando analisamos a aceitabilidade, ficamos cada vez mais estimulados a usar esse método, embora esse desafio não seja fácil de ser vencido, principalmente, no estado do Amazonas que possui dimensões continentais.

Palavras-Chave: Educação Ambiental, RDS do Tupé, Água, Saúde.

Introdução

Sabe-se que a água é um recurso natural renovável de valor inestimável. A água doce representa 2,5% de toda a água do mundo, sendo que deste total somente 0,3% é superficial, o que a torna acessível (Rebouças, 2006). Apesar do conhecimento da pequena quantidade de água existente, vários são os problemas enfrentados no que diz respeito à sua conservação. Políticas e atividades que deveriam

ser voltadas para a conservação e preservação do meio ambiente, bem como da água, não apresentam os resultados esperados, talvez por não se vincularem aos processos educativos funcionais, que são a base para a formação da mentalidade dos cidadãos e de seus valores (Tabanez & Pádua, 1997). Muitos são os problemas decorrentes da má conservação da água, dentre eles podemos citar a escassez

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devido a diminuição drástica da potabilidade deste recurso, e em função disto o surgimento de várias doenças de veiculação hídrica que acometem as populações carentes. Neste contexto, a água deixa de ser um meio para a vida e se torna um veículo de doenças e problemas sócio-ambientais. Atualmente, no Brasil apenas 40% das famílias têm saneamento adequado, no entanto no Nordeste e no Norte esta parcela é ainda mais baixa, somente 15% (Branco et al., 2006). Uma grande quantidade de pessoas é acometida por doenças de veiculação hídrica; dentre as mais representativas, cita-se o cólera, disenteria, enterite e febre tifóide. Estas doenças acometem, principalmente, crianças na faixa etária de 0 (zero) a 5 (cinco) anos, aumentando, significativamente, a mortalidade infantil (Branco et al. 2006). Somado aos problemas sócio-ambientais causados pela baixa potabilidade da água, apresentam-se também os problemas econômicos que dentre outros fatores são causados pelo ônus financeiro gigantesco que o atendimento aos doentes traz para a saúde pública, sendo que este recurso financeiro poderia ser aplicado a outras vertentes da sociedade não menos importantes, tais como educação, segurança pública dentre outros. Diante desta realidade, torna-se importante o desenvolvimento de atividades educacionais que visem o incentivo e a busca pelo conhecimento do ambiente em que vivemos. É

evidente que o aprofundamento de processos educativos ambientais apresenta-se como uma condição principal para construir uma nova consciência ambiental, que possibilite novas relações entre a sociedade e a natureza em um novo modelo ético, centrado no respeito e no direito à vida em todos os sentidos (Tabanez & Pádua, 1997), promovendo a conservação dos recursos naturais e, em especial, a água. Para o desenvolvimento das atividades educacionais deste projeto, utilizou-se uma abordagem lúdica para se trabalhar temas importantes no que diz respeito à educação ambiental, bem como a conservação da água.

Atividade lúdica é considerada como uma atividade que imita ou simula uma parte do real e possui a capacidade de interagir com a realidade, inserindo o participante no tema que é proposto (Brougére, 1998). As atividades lúdicas proporcionam momentos de descontração e prazer, incertezas e exploração. Jogos, brinquedos e brincadeiras estão intimamente ligados ao espírito comunitário humano e auxiliam a diferenciar dentro deste universo as mais diversas culturas, formas de relações, tradições e crenças, seja nas transmissões de experiências, ou sentimentos de prazer, felicidade, descoberta, ganho e perda, dor, realização como grupo ou fortalececimento do indivíduo como membro de uma tribo (Brougére, 1998). Isto promove a facilidade e eficiência em se aprender por meio de jogos, independente da idade, sendo que os

Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto ``Águas & Saúde`` na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupe

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elementos do cotidiano se envolvem de tal forma que fazem com que o aprendiz seja sujeito ativo do processo de aquisição do conhecimento (Lopes, 2000).

A Educação Ambiental (E.A.) é um vocábulo em que cada uma das palavras possui sua representatividade, “Educação” indica os próprios fazeres pedagógicos necessários à prática educativa e “Ambiental” exprime a motivação da ação pedagógica (Layrargues, 2004). Educação Ambiental é, então, o que historicamente costumou-se chamar as práticas educativas relacionadas ao meio ambiente, este envolvendo o ser humano, a, natureza e suas relações. Um dos objetivos da E.A. é mudar comportamentos e fazer com que cada um se torne cidadão responsável e capaz de buscar uma melhor qualidade de vida conservando seu ambiente.

Neste contexto, no Projeto Água & Saúde teve-se a intenção de localizar, organizar, decodificar e disponibilizar as informações científicas, que contemplem a realidade do ambiente do comunitário, por meio de recursos didáticos, utilizando o lúdico, para facilitar assimilação deste conhecimento. Como consequência, esperou-se despertar a sensibilidade dos envolvidos para os problemas ambientais, fazendo dos participantes agentes multiplicadores no que diz respeito à conservação da água, como uma medida preventiva no controle de doenças de veiculação hídrica, dentre outros aspectos.

Materiais e Métodos

O nome “Água & Saúde” foi escolhido para abreviar o título do Projeto “Água, Saneamento, Higiene e Saúde: Popularização do Conhecimento Científico e Tecnológico para comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé), Manaus AM”.

a) Comunidades atendidas pelo Projeto Água e Saúde:

As comunidades envolvidas neste projeto estão situadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé – RDS do Tupé, que passou por uma série de adaptações e enquadramentos ambientais até sua criação no ano de 2002 atendendo à nova Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e sendo definitivamente criada por decreto em 2005. A área total é de 11.973ha, com perímetro de 47.056m, tendo como principais objetivos: “preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios para a reprodução e a melhoria, tanto dos modos da qualidade de vida, como de exploração dos recursos naturais pelas populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvidas por estas populações (art 1º)” (Decreto 8044 de 28/08/2005) (Scudeller et al., 2005).

Na RDS do Tupé estão inseridas seis comunidades (Fig. 1)

Almeida at al.

399

das quais o Projeto Água e Saúde, na etapa abordada neste capítulo, atuou em quatro: São João do Tupé, Julião, Agrovila e Tatulândia (vide, Asmus et al., neste volume). De forma geral, as comunidades da RDS do Tupé podem ser descritas como povoados ou grupos de unidades residenciais compostas de várias famílias distribuídas de forma irregular, organizadas em associações criadas para cooperar sobre decisões relacionadas à educação e economia (Scudeller et al., 2005).

A comunidade São João do Tupé situa-se na porta de entrada para a RDS do Tupé, mais precisamente às margens do rio Negro e lago Tupé. As residências estão na margem do lago ou agrupadas na pequena vila que está estruturada nas proximidades da praia do Tupé. O acesso a esta comunidade é mais fácil por estar situada em um local estratégico, e portanto em qualquer época do ano as oficinas poderiam ser realizadas, além de estar a aproximadamente 25 km de

Manaus. A comunidade compreendia 31 famílias em 2002 (Scudeller et al., 2005).

A comunidade Julião está localizada à margem direita do igarapé do Tarumã-Mirim a aproximadamente 20 km de Manaus. É uma comunidade que se iniciou em 1992, com 20 famílias e 80 pessoas, tendo a associação comunitária sido fundada em fevereiro de 1993. Uma das principais características que marcam a paisagem da comunidade do Julião é sua localização topográfica. Há entre 10 e 15 metros de ribanceira que devem ser vencidos pelas pessoas que desejam ir ao interior da comunidade no período de seca (Nascimento et al., 2007).

A comunidade Agrovila se iniciou em 1994 com 15 famílias, em torno de 60 pessoas; também está localizada à margem direita do igarapé Tarumã-Mirim, sendo a distância da comunidade à cidade de Manaus de aproximadamente 25 km (Nascimento et al., 2007). Dentre as comunidades

Figura 1: Mapa Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé

Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto ``Águas & Saúde`` na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupe

400

envolvidas no projeto, esta foi a que apresentou maior dificuldade de acesso, devido às grandes distâncias que era necessário percorrer, a pé, na estação seca.

A comunidade Tatulândia situa-se a aproximadamente 30 km de Manaus, esta comunidade era a que apresentava o menor número de comunitários, pois na época do inicio do projeto contava com aproximadamente seis famílias. A estrutura era diferenciada das demais comunidades envolvidas, pois as casas se organizavam de forma bem dispersa ao longo da área da comunidade, o que também dificultava reunir os comunitários no momento das oficinas. É a única comunidade que não possui escola, devido à quantidade reduzida de crianças.

b) Estratégia Metodológica

O contato inicial do projeto foi realizado entre os meses de julho e agosto de 2008 e teve como objetivo a apresentação inicial nas quatro comunidades envolvidas, ficando a cargo, principalmente, do Coordenador Geral do projeto, Dr. Edinaldo Nelson Santos Silva. Neste sentido, foi feita uma apresentação sucinta do projeto em geral, destacando de forma bastante enfática quais eram os objetivos. Para deixar os comunitários à vontade, esta apresentação tomou uma forma de conversa informal onde todos se manifestavam de forma igualitária, em busca de um equilíbrio

e, principalmente, da aceitação de todos para que os trabalhos realizados pelo projeto fossem realmente efetivos. Além da apresentação do projeto, este momento também foi utilizado para definição das questões operacionais gerais, tais como: dia preferencial da visita, frequência preferencial para visita, dentre outras.

De volta à Manaus, deu-se início a construção da primeira oficina. A construção era composta por três momentos principais, o primeiro em que se definia o tema a ser trabalhado, o segundo que abordava a estruturação das atividades lúdicas que seriam utilizadas para oficina e no terceiro momento era realizada uma apresentação-piloto aos componentes e não componentes do projeto para avaliação da efetividade, objetividade e clareza das atividades estruturadas.

Para definição dos temas iniciais, observou-se a necessidade de que estes fossem introdutórios para proporcionar informação que subsidiaria os próximos temas. Além disto, considerou-se uma sequência lógica, pois era necessário, primeiramente, se definir assuntos como: o que é a água; do que ela é composta; onde ela é encontrada. Com estas definições iniciais buscou-se subsidiar assuntos mais complexos como malária, doenças de veiculação hídrica, higiene, dentre outros (Vide Asmus et al., neste volume).

Definido o tema, era iniciada uma intensa revisão de literatura, para

Almeida at al.

401

delimitação dos assuntos que seriam trabalhados, seguida de uma pesquisa por atividades lúdicas ligadas a estes assuntos e que pudessem ser adaptadas à realidade destas comunidades. Quando não eram encontradas atividades propícias à adaptação, estas eram criadas em conjunto com os componentes do projeto. A dinâmica de criação e adaptação de atividades lúdicas consistia, basicamente, em apresentar ideias iniciais em reuniões. Estas ideias eram refinadas até se tornarem atividades apresentáveis, e, principalmente, que envolvessem a comunidade em sua execução. As atividades eram estruturadas, também, considerando a faixa etária que seria atendida.

Desta maneira, o tema trabalhado era convertido em atividades que consideravam a realidade local e a faixa etária envolvida. Em média, por oficina, eram estruturadas oito atividades que totalizavam um tempo de duração de, aproximadamente, 02:30h. As atividades das oficinas apresentadas foram desenvolvidas no período de agosto/2009 a maio 2010.

Resultados

Ao direcionarmos nosso trabalho para proporcionar um aprendizado mais dinâmico sobre as questões ambientais, percebemos que ele seria viável, na medida em que, através do lúdico, as informações fossem assimiladas mais facilmente, envolvendo toda a comunidade. Neste

tópico apresentaremos as atividades que compuseram as duas primeiras oficinas.

Oficina 1: Tema – “Agua: seu ciclo e estados”

Foram estruturadas para a primeira oficina 14 atividades. Dentre estas 12 foram trabalhadas com a faixa etária de 07 a 13 anos e duas com crianças entre 03 e 06 anos. Esta oficina foi desenvolvida nas quatro comunidades inicialmente envolvidas e teve duração de 2,5 horas. Na tabela 1 são apresentadas oito das atividades desenvolvidas. O objetivo neste tema foi explicar aos comunitários qual é a composição da água e quais são os seus estados físicos. Na tabela 3 são apresentadas as informações gerais sobre a oficina.

Oficina 2: Tema - “Distribuição da água no mundo”

O objetivo desta oficina foi, principalmente, recapitular a passagem da água pelo solo, pelas raízes das plantas, a sua evaporação para a atmosfera e o retorno para os rios, visando ressaltar a importância de se manter o solo coberto; perceber todos os lugares da natureza onde podemos encontrar água, incluindo as geleiras, o subterrâneo e o ar; compreender de onde vem a água potável que bebemos e o quanto ela representa do total de água que existe no planeta Terra. Esta

Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto ``Águas & Saúde`` na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupe

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bac

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lást

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inho

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405

Ativ

idad

eDu

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ixa

Etár

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ater

iais

Proc

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Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto ``Águas & Saúde`` na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupe

oficina foi desenvolvida em três das quatro comunidades envolvidas (com exceção da Comunidade Tatulândia) e teve duração de 2 horas. Foram estruturadas oito atividades para esta oficina, das quais três são apresentadas neste tópico (Tab. 2). As informações gerais sobre a oficina são apresentadas na tabela 3.

Considerações Finais As comunidades ribeirinhas do Amazonas possuem uma intima relação com a água que as rodeia, na verdade alguns constroem suas casas dentro das águas de rios e grandes lagos. Não é difícil perceber, navegando pelos rios amazônicos, a magnifica ligação que estas pessoas estabeleceram com a água. É possível ver crianças se banhando, alegremente, nos rios e homens e mulheres buscando, nestas mesmas águas, o seu alimento. Estas, dentre outras atividades, demonstram a importância das águas na vida destas pessoas. Apesar desta intensa ligação e dependência da água, atividades de educação ambiental, que abranjam assuntos relacionados com a água, tais como: “O que é a água?”, “De onde ela vem?”, “Quais são os problemas ambientais associados a ela?”, “Quais as doenças que são associadas à água?” são bastante escassos e em alguns locais são, praticamente, inexistentes. As informações disponibilizadas pelo projeto, por

meio das oficinas proporcionaram uma grande integração entre os participantes (comunitários) e as informações referentes ao tema “Água”. Neste contexto, várias são as coisas que podem ser destacadas, mas o mais importante a ser dito é que esta foi uma iniciativa audaciosa que refletiu a necessidade de projetos de extensão, nestes moldes, no Brasil e, mais precisamente, na Amazônia.

A aceitabilidade das atividades lúdicas desenvolvidas, nas oficinas destacadas, é visível. Mais perceptível, ainda, são os resultados positivos que elas proporcionaram. Dentre estes podemos citar: crianças que aprendem brincando e dentro do contexto de seu ambiente, sem, necessariamente, serem direcionadas por livros didáticos, que muitas vezes são confeccionados em locais longínquos e sem nenhuma ligação com a realidade local. O projeto buscou através de oficinas adaptadas à vivência cotidiana destes comunitários aproximá-los de suas realidades e oferecer soluções e informações úteis ao dia-a-dia. Para facilitar a disponibilização destas informações foi utilizado o lúdico e criou-se um ambiente brincante para facilitar a socialização e a assimilação de conhecimento.

Para caracterizar um ambiente brincante se vê necessário contextualizar o brincar enquanto ação lúdica que se projeta como o processo de se estabelecer vínculos, relações, em uma atmosfera. Portanto, o ser brincante é este ser

406

Ativ

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Cont

inua

Almeida at al.

407

Ativ

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ua

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Água

Sub

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omen

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ais

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.

Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto ``Águas & Saúde`` na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupe

408

Almeida at al.

OFICINA 1: TEMA – “AGUA: SEUS CICLOS E ESTADOS”

Comunidades Data da oficina Participantes

São João do Tupé 10/08/2008 30

Tatulândia 17/08/2008 20

Julião 24/08/2008 30

Agrovila 23/10/2008 40

Total de participantes 120

OFICINA 2: TEMA - “DISTRIBUIçãO DA ÁGUA NO MUNDO”

Comunidades Data da oficina Participantes

São João do Tupé 31/08/2008 ≈ 30

Tatulândia - -

Julião 24/05/2008 24

Agrovila 13/11/2008 40

Total de participantes ≈ 94

Tabela 3: Informações sobre a realização das oficinas

Tatulândia 17/08/2008 20

Tatulândia - -

Agrovila 13/11/2008 40

Agrovila 23/10/2008 40

relacional que se fortalece em seus vínculos com o outro, que também é um ser brincante, e nesta perspectiva é possível fazer uma relação entre o lúdico e o ambiental, entendendo-os como produto da interação social dos sujeitos. A partir das oficinas realizadas pôde-se perceber, de forma bem clara, que a escolha do lúdico como técnica para transferência de conhecimentos para comunidades ribeirinhas do Amazonas é bastante adequada.

Assim como essa experiência foi positiva, muitas outras experiências com a aplicação do lúdico na educação ambiental para jovens e crianças têm

sido bem-sucedidas, mas esse tema ainda é um desafio não só para os participantes, mas, principalmente, para as pessoas que constroem e desenvolvem as oficinas, pois a nossa realidade educacional tem dificuldade de trabalhar com a ludicidade, por ser calcada na transmissão de informações. A utilização do método lúdico na educação ambiental é completamente inovadora, quando comparada ao nosso sistema atual. E quando analisamos o resultado final, ficamos cada vez mais estimulados a lutar pela popularização desse método de aprendizagem, embora esse desafio não seja fácil de ser vencido.

409

Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto ``Águas & Saúde`` na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupe

Agradecimentos Este projeto foi financiado pelo CNPq através do edital: MCT – AçãO TRANSVERSAL EDITAL MCT/CNPq 12/2006 – Difusão e Popularização da C&T. Processo no 553767/2006-2.

Referências bibliográficas BRANCO, M. S., AzEVEDO, S. M. F. O. & TUNDISI, J. G. 2006. Água e Saúde Humana. Pp. 241- 261 In: Rebouças, A. C., Braga, B., Tundisi, J. G. (orgs.) Águas Doces no Brasil. São Paulo, Escrituras Ed. 748p.

BROUGèRE, G.; 1998 Jogo e Educação. Porto Alegre, Artes Médicas Ed. 122p.

LAYRARGUES, P. P. 2004. Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Brasília: MMA Ed. 156 p.

LOPES, M. G. 2000 Jogos na educação: criar, fazer, jogar. 3ª. ed. São Paulo. Cortez Ed. 160 p.

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410

Anexos

Figura 1: Atividade: Fixar o conceito de molécula Fonte: Edinaldo Nelson Santos Silva – Comunidade São João do Tupé.

Figura 2: Evaporação e Condensação Fonte: Edinal-do Nelson Santos Silva – Comunidade São João do Tupé.

Figura 3: Comportamento das moléculas Fonte: Edi-naldo Nelson Santos Silva – Comunidade Tatulândia.

Figura 4: Evapotranspiração Fonte: Edinaldo Nelson Santos Silva – Comunidade Julião.

Figura 5: Solidificação Fonte: Edinaldo Nelson San-tos Silva – Comunidade Julião.

Figura 6: Ciclo da água na bacia Fonte: Edinaldo Nelson Santos Silva – Comunidade Julião.

Almeida at al.

411

Figura 10: Quantificando a água potável do mundo Fonte: Edinaldo Nelson Santos Silva – Comunidade Agrovila.

Figura 7: Conhecendo a água Fonte: Edinaldo Nel-son Santos Silva – Comunidade Julião.

Figura 8: Solo com vegetação x solo sem vegetação Fonte: Edinaldo Nelson Santos Silva – Comunidade Agrovila.

Figura 9: A abundância de água doce no Planeta, no Brasil e no Amazonas Fonte: Edinaldo Nelson Santos Silva – Comunidade Agrovila.

Atividades lúdicas para educação ambiental: a experiência do Projeto ``Águas & Saúde`` na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupe

413

1Monique Mota BEzERRAe-mail: [email protected]

1Veridiana Vizoni SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Bolsista do Projeto Saberes Locais (CNPq)2Departamento de Biologia, Instituto de Ciências Biológicas –

ICB, Universidade Federal do Amazonas – UFAM.

O lúdico no processo de valorização do saber local sobre plantas medicinais entre crianças da zona rural de Manaus - Amazonas

Resumo: A transmissão do conhecimento sobre o uso de plantas medicinais ocorre prioritariamente por via oral, como uma herança familiar e cultural. Porém, a aproximação de populações tradicionais ou mesmo rurais, com o meio industrializado/urbano acarreta a erosão desse valioso conhecimento, principalmente porque a geração atual não tem mais interesse e nem valoriza esse conhecimento. O Projeto Saberes Locais buscou resgatar e valorizar esse conhecimento, além de promover boas práticas agrícolas, transformando as informações obtidas pelos adultos em brincadeiras para as crianças, de forma a despertar o interesse, dedicação e o compromisso das crianças em relação à utilização das plantas medicinais. Foram realizadas atividades com enfoque na valorização do uso medicinal das plantas, como jogos pedagógicos, aulas expositivas e peça teatral; além de atividade de reciclagem e higiene pessoal. Além disso, foi dado um enfoque maior nas atividades sobre sustentabilidade

Meio FísicoCapítulo 24 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

414

Introdução

As plantas vêm sendo utilizadas com finalidades terapêuticas há milhares de anos. Seu uso na medicina popular foi propagado oralmente de geração em geração e descrito nas diversas farmacopéias (Turolla & Nascimento, 2006). O conhecimento sobre o uso de plantas para fins medicinais nas comunidades ribeirinhas na Amazônia não advém somente do contato que essas populações tem com o ambiente como também da passagem oral desse conhecimento de geração em geração. A transmissão oral do conhecimento sobre o uso de plantas por sociedades humanas é praticada há gerações. Porém, o processo de aculturação, onde as novas gerações buscam os meios modernos de comunicação, tem acarretado a perda desta tão valiosa transmissão oral. Para Brito & Brito (1999) outro fator que se soma a esta perda cultural é a destruição do habitat natural em que estão inseridas estas sociedades. Quanto maior a aproximação com o meio industrializado, as populações perdem suas características tradicionais. O Projeto Saberes e Práticas Locais sobre plantas de uso medicinal (CNPq processo 551988/2007-0) teve

como objetivos conhecer, valorizar e divulgar a sabedoria popular tradicional das comunidades do Julião, da RDS Tupé sobre plantas de uso medicinal através da implantação de um Horto Medicinal comunitário, que funciona como mantenedor e centro irradiador desses conhecimentos, visou discutir com a comunidade alternativas de produção, principalmente ao pequeno agricultor, baseando-se nos recursos florestais não madeireiros com fins medicinais, e promover o desenvolvimento rural sustentável, através do cultivo e manejo de plantas medicinais no sistema de agricultura familiar, respeitando o ambiente e os conhecimentos e tradições das populações locais, e promover a organização comunitária, nos moldes de gestão participativa. Além de trabalhar com os comunitários por meio da educação ambiental em parceria com a Escola Municipal Canaã II, conceitos de saúde básica, higiene, prevenção de doenças, segurança alimentar, plantas medicinais, agroecologia, etc. foi possível envolver as crianças no processo de conscientização e respeito ao meio ambiente. Para atingir os objetivos do Projeto Saberes foram executadas

e conservação, pois apesar da comunidade envolvida no projeto estar em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), não havia preocupação com conservação.

Palavras-chave: educação ambiental, lúdico, plantas medicinais, comunidade rural.

Bezerra & Scudeller

415

O lúdico no processo de valorização do saber local sobre plantas medicinais entre crianças da zona rural de Manaus - Amazonas

diversas oficinas, e paralelamente, atividades com as crianças, sempre que possível relacionadas ao tema proposto às oficinas dos adultos. É nesse contexto que foi realizado o presente estudo onde dedicou-se em repassar para a futura geração esse valioso conhecimento. Em sua abordagem prevaleceu o uso do lúdico, como ferramenta de ensino, sendo destacado para despertar nas crianças a valorização do uso e do conhecimento local. Pois segundo Santos (1997), o desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para a saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processadores de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento. As crianças são alheias à enorme diversidade que as cercam tendo dificuldade em compreender que o meio ambiente é aliado e não algo descartável, entender que é possível utilizar os recursos que a natureza dispõe, sem desperdiço ou destruição. Portanto, esse trabalho se propõe a desenvolver o interesse das crianças pelo uso de plantas medicinais e melhoria da saúde coletiva, inserindo noções básicas de higiene pessoal, reciclagem e preservação ambiental.

Material e Métodos

O presente estudo foi realizado na Comunidade no Julião, na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Tupé, com a participação da Escola Municipal Ca-naã II, no período de maio/2008 a outu-bro/2009. As atividades foram elaboradas em Manaus e apresentadas nas reuniões que o Projeto Saberes Locais tinha regu-larmente. Sempre que possível, o tema das oficinas era relacionado à atividades executadas com os adultos, tornando a ação conjunta e complementar. Com as crianças foram realizadas aulas expositivas, jogo pedagógico e uma peça teatral, para despertar a valorização do uso de plantas medicinais. Ainda foi abordado em algumas atividades assuntos como: o uso de reciclagem para as garrafas PET’s deixadas a margem do caminho; e a higiene pessoal. Nas aulas expositivas foi explicado o conceito de taxonomia de modo lúdico; ensinado a importância da utilização das plantas medicinais; exercícios de fixação; guia das plantas medicinais (algo produzido pelas crianças, onde continha informações, como: nome popular e científico; uso; parte utilizada; imagem). Jogos pedagógicos: jogo da memória; jogo do quebra-cabeça; brincadeiras de roda e outras. Peça teatral: teatro das plantas medicinais sendo realizada pelas crianças e adolescentes. Reciclagem: mini-oficina ensinando como utilizar as garrafas PET’s que poluíam o ambiente; produção de brinquedos. E por fim, higiene pessoal: palestra sobre o assunto; histórias infantis; jogo da memória; e teatro de fantoches.

416

Detalhamento das atividades:

1. Reconhecimento do campo:Conteúdo: Cury (2003) considera que, “os professores e os pais que não provocam a emoção dos jovens não educam, apenas informam” e Luck (1983), afirma que, “as relações afetivas assumem um papel especial e singular no quadro educativo”. Em busca da parceria com as crianças, visando atraí-las a participar das futuras atividades, foi realizada essa atividade prévia, conhecendo o perfil das crianças, e no que o Projeto poderia se ater. Foram a partir das discussões dessa atividade que foi conduzido o planejamento do presente estudo e contribuíram para aproximação entre o grupo de estudos e as crianças, gerando uma parceria entre ambos, pois assim como é interessante aprender brincando, ensinar dessa mesma forma é muito prazeroso.Procedimento: Ao reunir as crianças da comunidade na escola, apresentamos o projeto resumidamente, os facilitadores envolvidos, e por fim cada uma apresentou-se. Após essa introdução, iniciou um bate-papo com os pequenos, onde foram identificadas as potencialidades e fragilidades a serem trabalhadas. Em destaque uma pergunta realizada pelo grupo de estudo: - Vocês conhecem alguma planta medicinal? Em seguida foram distribuídas folhas em branco, para as crianças desenhassem e colorissem de forma livre.Material: Papel A4; canetas coloridas; lápis de cor; giz de cera.

2. Valorização do uso de plantas medicinais:Conteúdo: Arriscando a hipótese que as crianças não tinham o conhecimento de que há uma classificação para a maioria dos componentes do ambiente ao seu redor e que principalmente, as plantas além de seus nomes populares, existe o nome científico. Daí a importância de ensiná-las o conceito de taxonomia (classificação dos seres vivos). Dando a elas nova oportunidade de enxergar o seu redor, onde dentro da RDS é rodeado de uma imensa diversidade, principalmente vegetal.Procedimento: Foi explicado o conceito de taxonomia de modo lúdico; ensinado a importância da utilização das plantas medicinais; sendo feito um exercício de fixação; guia das plantas medicinais (algo produzido pelas crianças, parecido com um cartão, porém em tamanho grande, nele continha informações, como: nome popular e científico; uso; parte utilizada; imagem).Material: Para o exercício de fixação foi utilizado balões (com alguma informação da atividade). Para a confecção do guia: papel A4; cartazes com imagens de plantas e informações necessárias ao aprendizado do conceito de taxonomia; canetas coloridas; lápis de cor; giz de cera; barbante para costurar uma parte da planta selecionada para o guia; tesoura; cola.

3. Jogos Pedagógicos:Conteúdo: Para Albuquerque (1954) o jogo didático “...serve para fixação

Bezerra & Scudeller

417

ou treino da aprendizagem. É uma variedade de exercício que apresenta motivação em si mesma, pelo seu objetivo lúdico... Ao fim do jogo, a criança deve ter treinado algumas noções, tendo melhorado sua aprendizagem”. Os jogos pedagógicos recebem destaque desde a produção à execução, ao envolver às crianças nesse processo faz com que haja melhor fixação do novo aprendizado.Procedimento: Os jogos pedagógicos eram realizados após assuntos expostos às crianças, visando melhor fixação. Foi utilizado o jogo da memória e quebra-cabeça.Material: Jogo da memória: imagens de plantas medicinais, contendo algumas informações; tesoura; cola; papel cartão colorido; caneta colorida. Jogo do quebra-cabeça: imagem de plantas medicinais, horta mandala; tesoura; cola; papel cartão colorido; caneta colorida.

4. Peça Teatral:Conteúdo: Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais da Arte (PCN Arte, 2001) “o fazer teatral, aprender com sentido e prazer está associado à compreensão mais clara daquilo que é ensino”. Ou seja, o teatro contribui para melhor fixação do conteúdo, sendo adquirido de uma forma prazerosa. Afirma Leal (2000), que o teatro rompe com as estruturas tradicionais da escola, “não se trabalha sobre um aprender repetido – é sobre o novo que indagamos, mesmo que repitamos um certo jogo”. A forma que o teatro

acontece é o que motiva a melhor absorção do conhecimento, pois se aprende sem preocupar-se em decorar. De acordo com Machado (1972) “educar não é fazer a criança abrir os olhos para um determinado saber pré-estabelecido, é fazer a criança abrir os olhos para o mundo que a rodeia e dar-lhe a possibilidade de se maravilhar com cada nova descoberta que ela mesma vai fazendo do mundo que a cerca”. O intuito desta atividade foi usar o teatro como ferramenta para o ensino e valorização das plantas medicinais. Despertando nas crianças o interesse em conhecer a principal doença na comunidade e a utilização medicinal das plantas.Procedimento: Antes de separar os grupos de personagens, foi ministrada uma pequena aula expositiva sobre oito plantas medicinais selecionadas previamente. Explicando o que cada planta oferecia para o tratamento de determinada doença, qual parte utilizada e qual procedimento a usar. Após as explicações e dúvidas sanadas, foram divididos em grupos (quatro grupos compostos pelas crianças e em cada um facilitador; um grupo composto pelos adolescentes e um facilitador). Cada facilitador juntamente com seu grupo confeccionou as roupas dos personagens e ensaiou as falas que seriam ditas. Passando o período de preparação foi realizada a peça, onde as crianças representaram as plantas medicinais do horto, e os adolescentes representaram os comunitários.

O lúdico no processo de valorização do saber local sobre plantas medicinais entre crianças da zona rural de Manaus - Amazonas

418

Material: Para aula expositiva: papel cartão (azul, rosa, lilás); imagens das plantas medicinais; cola branca. Confecção das Roupas: TNT (verde, vermelho, amarelo, laranja); cola colorida; barbante; papel crepom; lápis de cor; canetas coloridas; tesoura.

5.Conservação Ambiental:Conteúdo: Segundo zaneti (1997), “para reduzir o impacto no meio ambiente, tanto na acumulação do lixo, como no esgotamento das fontes de recursos naturais, são indicados os processos de reciclagem”. Para isso é necessário reeducar os envolvidos nessa problemática. A intenção dessa atividade foi despertar nas crianças a percepção sobre o que é lixo, como as garrafas PET’s abandonadas no caminho da comunidade, poderiam ser úteis e transformar o que é possível em benefício.Procedimento: Foi realizada uma caminhada com as crianças, durante o percurso era perguntado às crianças o que pertencia aquele lugar e o que não deveria estar ali, buscando salientar a percepção delas. Ao chegar à escola foi realizada uma aula demonstrando formas para usar garrafas PET’s gerando utensílios e brinquedos.Material: Garrafas PET’S (as crianças foram buscar no caminho até a Escola); tesoura; faca de serra (utilizada apenas pelo facilitador).

6. Saúde Básica:Conteúdo: Higiene pessoal é ter cuidados com o corpo, consequentemente com a saúde, de forma bem simples, apenas

tendo bons hábitos de limpeza corporal. Porém ter a conscientização que estar limpo é a mesma coisa de conservar sua saúde nem sempre ocorre com os adultos; com as crianças a questão se complica ainda mais. Segundo Souza & Guerra (2003), “a conscientização é um processo pessoal, portanto não pode ser imposto e acontece de fora para dentro. Para que este processo aconteça e até se torne mais rápido, é preciso que todos participem dele para promoverem a sensibilização, processo inicial, externo que desencadeia a conscientização”. Aprender hábitos de higiene é um processo longo, formado através da família, da sociedade, e também da escola. Abordar esse assunto para as crianças é algo que não necessita ser imposto, e sim gerado nelas, por isso trabalhar de modo lúdico através dos fantoches foi a forma escolhida. Pois de acordo com Galvão (1996), “as crianças parecem receber bem melhor e armazenar com mais facilidade as imagens, quando são apresentadas através de algo que as encante emocionalmente como é o caso do Teatro de Bonecos”. Segundo Mamede (2001), “por ser o teatro a arte de interpretar (representar) é uma forma descontraída de levar a informação e, ao mesmo tempo em que informa, também interage, ao mesmo tempo em que diverte, ensina”.Procedimento: Foi realizada uma palestra sobre o assunto; após foi contado uma história infantil através dos fantoches e em seguida produzido um jogo da memória.

Bezerra & Scudeller

419

Material: Para apresentação: fantoches; uma rede (utilizada como painel). Para o jogo da memória: imagens de higienização pessoal; tesoura; cola; papel cartão colorido; caneta colorida.

Resultados e Discussão

Foram realizadas 14 idas à comunidade, 36 atividades dentro dos temas descritos (valorização do uso de plantas medicinais; conservação ambiental; saúde básica), com a participação de 25 crianças (em média) por atividade (Tab. 1). No primeiro contato e apresentação do projeto as crianças foram indagadas sobre conhecer plantas medicinais. Resposta da maioria das crianças: - Não!, o que é isso? É uma planta diferente? Isso demonstra o baixo interesse desse grupo na manutenção de sua cultura, principalmente os costumes etnofarmacológicos. Diante disso e do levantamento preliminar que o projeto Saberes Locais fez sobre o conhecimento local sobre plantas medicinais nesta comunidade (dados não publicados), todas as citações de plantas medicinais nas atividades desenvolvidas com as crianças era de conhecimento local e tinha alguém da comunidade que a cultivava, ou sabia onde estava na floresta ao redor da comunidade. Sendo assim, através das aulas expositivas as crianças aprenderam a importância do saber local; o porquê

dos nomes científicos e popular e principalmente a respeitar os mais velhos e detentores de conhecimentos que não estão nos livros. Para encerrar as aulas, sempre eram feitos exercícios de fixação, como dinâmicas, brincadeiras de roda e a utilização de jogos pedagógicos. Com isso foi notado um avanço nas ações e falas das crianças. Essas atividades despertaram a vontade de aprender mais, e o melhor, e brincando. Além disso, a utilização da ferramenta jogos pedagógicos, mais especificamente o quebra-cabeça, como ajuda e melhoria na fixação do conteúdo passado nas aulas expositivas foi de grande relevância para construir as etapas do conhecimento em cada criança. Surgiu com o tempo o interesse nelas, em deixar somente a teoria do ensino ministrado e ir em busca da prática. Ficou percebido seu impacto positivo para concluir atividades. O teatro das plantas medicinais foi a interação entre as crianças e os adolescentes, pois as crianças fizeram o personagem que eram as plantas medicinais e os adolescentes eram os comunitários que precisavam do remédio caseiro (Figs. 1A-D). Essa atividade ressaltou o alcance do objetivo desse estudo, pois para executar a peça teatral, as crianças precisavam ter domínio sobre o assunto, e foi isso que elas demonstraram. Através da mini-oficina de reciclagem as crianças aprenderam a produzir brinquedos simples. O mais

O lúdico no processo de valorização do saber local sobre plantas medicinais entre crianças da zona rural de Manaus - Amazonas

420

MÊS VISIT ATIV CRIANÇAS Atividade/nome da oficina

Mai/08 1 1 15 -Conhecendo as crianças I: Atividade de desenhos

Jun/08 1 1 33 -Conhecendo as crianças II: História: O Tupé Voador

Jul/08 1 2 31 -Conhecendo as crianças III: Avaliação das

Atividades do mês de junho

Out/08 1 3 22 -Gincana em Comemoração ao Dia das Crianças

Nov/08 2 6 ~31 -Jogos recicláveis

-O que trago e levo pra casa

Fev/09 1 1 21 -Plantas Medicinais

Mar/09 1 2 18 -Horta Mandala

Abr/09 1 3 20 -Hábitos de Higiene Pessoal (Apresentação de

Fantoches)

Mai/09 1 2 23 -Retomando algumas atividades

Jun/09 1 2 ~30 -Semana do Meio Ambiente:

Palestra sobre Hábitos de Higiene pessoal

(Apresentação de Fantoches)

Jul/09 1 1 ~30 -Teatro das Plantas Medicinais

Ago/09 1 2 21 -Confecção do Guia das Plantas Medicinais

-Desenhando as plantas do Horto Medicinal

Out/09 1 10 ~60 -Comemoração ao Dia das Crianças: Gincana

TOTAL 14 36 355 (x=25,3)

Tabela 1: Relação de idas à comunidade (visit), à realização de atividades (ativ), à participação das crianças, e o nome das atividades.

Jun/08 1 1 33 -Conhecendo as crianças II: História: O Tupé Voador

Out/08 1 3 22 -Gincana em Comemoração ao Dia das Crianças

Fev/09 1 1 21 -Plantas Medicinais

Jun/09 1 2 ~30 -Semana do Meio Ambiente:

Palestra sobre Hábitos de Higiene pessoal

(Apresentação de Fantoches)

Abr/09 1 3 20 -Hábitos de Higiene Pessoal (Apresentação de

Fantoches)

Ago/09 1 2 21 -Confecção do Guia das Plantas Medicinais

-Desenhando as plantas do Horto Medicinal

impactante nesta atividade foi quando na caminhada pela mata onde as crianças foram instruídas a coletar tudo que não era “natural” ou da natureza. Diversas embalagens de balas, salgadinhos, restos de embalagens utilizadas nas residências foram deixadas para trás, demonstrando que para elas, aquilo era “natural” (Figs. 1E-

H). Após as oficinas, houve uma pequena diminuição de garrafas abandonadas no caminho e, principalmente de embalagens plásticas de uma forma geral. Com isso foi observado que a percepção dessas crianças em relação ao lixo mudou, pois aprenderam a diferenciar o natural do poluidor.

Bezerra & Scudeller

421

Figura 1: Atividades desenvolvidas com as crianças. A.e B. Confecção das roupas dos personagens; C. e D. apresentação da peça teatral. E e F. atividade do guia das plantas medicinais; G e H atividades no horto medicinal, mandala e construção do caminho colorido; I e J. Visita à construção do sanitário seco; K e L As crianças em atividade de desenho e pintura.

falta

A

C

E

G

B

D

F

H

O lúdico no processo de valorização do saber local sobre plantas medicinais entre crianças da zona rural de Manaus - Amazonas

422

por toda paciência e dedicação em moldar e ensinar o necessário para conduzir este estudo.

Referências bibliográficas

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Foi realizada uma atividade específica para a higiene pessoal, porém sempre que possível era resgatado este assunto. Havia bastante contradição a despeito da higienização, pois sua concepção de ensino limitava-se ao que seus pais lhes ensinaram, e nesse contexto quase não existia conscientização de limpeza corporal. Porém, após essa atividade foi percebido modificações em seus comportamentos ao apresentar-se nos encontros educativos, acentuou-se um maior cuidado com a higiene pessoal.

Conclusões Com o tempo as crianças foram aprendendo a valorizar o seu meio, percebendo que existem maneiras de viver sem esgotar os recursos do ambiente, pois para elas o importante é ver, sentir, viver e brincar. Ver que as possibilidades se consolidaram, que foi despertado a valorização pelo meio ambiente e principalmente, pelo uso de plantas medicinais é superar as expectativas do início. Agradecimentos

Ao CNPq (processo 551988/2007-0) pelo apoio financeiro e a bolsa concedida à primeira autora, ao projeto BioTupé – que atua na RDS desde 2001 e já estabeleceu um vínculo com a comunidade, aos comunitários e principalmente às crianças que literalmente nos agarrava durante as atividades. A orientadora deste trabalho,

Bezerra & Scudeller

423

LUCK, H. & CARNEIRO, D. G.. 1983. Desenvolvimento afetivo na escola: Promoção, medida e avaliação. Rio de Janeiro. Vozes Ltdas.

MACHADO, M. C. 1972. Extraído de Cadernos de Teatro, 52, 1, 6-10. Disponível em http://www.b e r n a r d o j a b l o n s k i . c o m / p d f s /graduacao/teatro_na_educacao.pdf

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zANETI, I. 1997. Além do lixo. Reciclar: um processo de transformação. Brasília, Terra Una.

O lúdico no processo de valorização do saber local sobre plantas medicinais entre crianças da zona rural de Manaus - Amazonas

425

1Nilce Maria de Camargo NATALE e-mail: [email protected]

2Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Psicóloga com especialização em Saúde Ambiental 2Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Biologia,

Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Manaus – AM

Acesso ao serviço de saúde no distrito rural: Comunidade Julião – Manaus - Amazonas

Meio FísicoCapítulo 25 Diversidade Sociocultural

Resumo: O foco desta pesquisa foi investigar a utilização do serviço de saúde pelos moradores da Comunidade Julião nos postos municipais das comunidades Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Livramento, no período de 2004 a 2009. A Comunidade Julião está localizada a 25 km do centro da cidade de Manaus, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé. Foram analisados 657 prontuários, sendo avaliados 1.085 registros de atendimento mensal quanto à prevalência de doenças (como a malária, hipertensão, diabetes e de sintomas como virose); interferência da seca no acesso aos serviços de saúde; correlação entre registros de casos de malária da zona urbana de Manaus e da Comunidade Julião; além de realizar uma análise segregada por sexo e faixa etária para estes registros. Os dados confirmam a prevalência da malária e a faixa etária que mais sofreu com a manifestação desta doença foi a de zero a 09 anos e de 20 a 29 anos. Quanto ao sexo, quem mais procurou pelo serviço de saúde foi o feminino, exceto no ano de 2005. Os casos de malária para os registros de Manaus tiveram

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

426

altos índices e pequenas oscilações ao longo dos anos em 2005 e 2009. Já na comunidade Julião, os registros de malária ao longo dos anos, quando comparados proporcionalmente, muitas vezes excederam aos registros de Manaus, apesar de ter ocorrido considerável redução em novembro e dezembro desses mesmos anos. Neste estudo foi detectado considerável alteração de comportamento dos comunitários do Julião, evidenciando a diminuição do uso do serviço de saúde no período da seca. Portanto, as informações geradas podem se integrar às análises e decisões públicas, tendo em mente as condições socioeconômicas e demográficas do local. Esse pensamento se aplica também para o desenvolvimento de ações preventivas e intervenções em grupos de maior vulnerabilidade.

Palavras-chave: acesso ao serviço de saúde, seca, saúde ambiental, Amazônia

Introdução O pensamento sobre promoção

da saúde no Brasil está associado ao Sistema único de Saúde – SUS (Martins et al., 2009). O Ministério da Saúde assumiu o compromisso, desde a Constituinte de 1988, de garantir a universalização do acesso, equidade, integralidade de atenção a toda a população como direito à cidadania (Brasil, 2010). O município fica, portanto, responsável por atender as necessidades e as demandas de saúde de todos os seus munícipes. Esse modelo de atendimento facilita o acesso dos indivíduos e possibilita uma saúde adequada dentro do contexto de cada população.

A utilização dos serviços de saúde por parte da população difere muito quando comparados em relação às condições socioeconômicas, demográficas e culturais. Da mesma forma, a proximidade do serviço e recursos oferecidos pelo SUS também

contribui para esta desigualdade na procura pelos serviços. Além disso, Barros (2006) considera que aspectos ambientais e socioeconômicos exercem grande influência no surgimento e propagação de certas doenças. Portanto, a localização do homem no espaço geográfico e social permite a este se encontrar com maior ou menor disponibilidade aos serviços do SUS (Habermann & Gouveia, 2008).

As preocupações com a problemática ambiental estão inseridas na saúde pública desde seus primórdios, apesar de só na segunda metade do século XX ter se estruturado para tratar dessas questões (Souza et al., 2009). Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2008) a sazonalidade do clima influencia na ocorrência de doenças vetoriais, como, por exemplo, a malária na Amazônia durante o período de estiagem. A variação de respostas humanas relacionadas às mudanças

Natale & Scudeller

427

climáticas parece estar diretamente associada à questão de vulnerabilidade individual e coletiva (OPAS, 2008). Conforme Costa (2004), já no século XIX, sintomas como as febres estavam relacionadas à alteração climática.

Atualmente, há uma crescente preocupação em relação aos impactos negativos dos desastres naturais (Favero & Diesel, 2008). Na Amazônia, a sazonalidade das chuvas e a flutuação no nível das águas influenciam regularmente o cotidiano dos povos que vivem nas proximidades dos rios, no entanto, eventos climáticos extremos ocorridos na região, como a grande estiagem de 2005 podem causar alterações drásticas na rotina de um ribeirinho (Marinho & Melo, 2009). Assim, dificultando seus deslocamentos e consequentemente o acesso ao serviço de saúde.

Vários indicadores têm sido utilizados para quantificar, padronizar e comparar a intensidade da seca em base temporal e regional (Blain & Brunini, 2005). Portanto, a consideração por parte do poder público da percepção de privações que ocorrem durante a seca é importante, pois valores de equidade e potencial do problema enfrentado nesse período climático podem se integrar nas análises e decisões políticas.

Sendo a seca considerada uma condição sazonal e regular, que resulta em uma cadeia de privações para os ribeirinhos e todo comércio que depende dos rios (Favero & Diesel, 2008), os moradores da Comunidade

Julião, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé), a 25 km do município de Manaus, Amazonas, zona rural sofrem a privação da única via de acesso à região que é o rio, que durante a seca impossibilita o uso do transporte hidroviário. Além da ribanceira de 10 a 15 metros que precisa ser vencida pelas pessoas que desejam ir do porto ao interior da comunidade no período da seca (Aguiar et al., 2007). Após isso, os moradores têm que caminhar mais de uma hora para chegar à beira do rio para ter acesso a um transporte para a cidade de Manaus ou mesmo ao posto de saúde municipal mais próximo localizado na Comunidade Nossa Senhora do Livramento, também na RDS Tupé. Pontuando que é mais desgastante ainda quando estão doentes para fazer essa caminhada.

Dentro desse contexto há o questionamento: o período da seca interfere no número de consultas ao posto de saúde? O fenômeno da seca pode interferir direta ou indiretamente na saúde da população ribeirinha do Tupé? Portanto, nesse trabalho investigou-se o fenômeno da seca e sua interferência no número de consultas realizadas pelos moradores da comunidade Julião, Manaus, Amazonas, no período de 2004 a 2009.

Materiais e Métodos

A metodologia do presente trabalho consistiu em pesquisa de campo

Acesso ao serviço de saúde no distrito rural: comunidade julião – Manaus – Amazonas

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em consulta de dados secundários dos registros de atendimento em postos municipais de saúde do distrito rural de Manaus, sendo eles da Comunidade Nossa Senhora de Fátima, localizada à margem esquerda do igarapé Tarumã-Mirim e da Comunidade Nossa Senhora do Livramento, localizada à margem direita do igarapé Tarumã-Mirim, ambas nas imediações da foz do Tarumã-Mirim. O tipo de pesquisa consistiu em um estudo transversal de caráter descritivo, fundamentado na informação dos registros de atendimento.

O material de estudo foi os registros de atendimento do serviço de saúde dos moradores da Comunidade Julião, (RDS Tupé) sendo o período de referência de 2004 a 2009. A RDS Tupé foi criada em 2005 pelo Decreto N. 8044, tendo como objetivo preservar a natureza e assegurar as condições necessárias para a melhoria da qualidade de vida das populações (Duarte, 2009).

A RDS Tupé apresenta atualmente os seguintes limites: começa na confluência do rio Negro com a margem direita do igarapé Tatu (03O03’02,241”S e 60O17’46,121”W), seguindo por este até a sua nascente (03O01’18,293”S e 60O19’10,903”W), desse ponto, segue por uma linha reta no sentido sul/norte até o igarapé Acácia (02O58’03,139”S e 60O19’10,405”W), daí, por uma linha mediana, até a confluência com o igarapé Tarumã-Mirim (02O57’25,023”S e 60O12’45,624”W), e por fim segue

pela margem direita do igarapé Tarumã Mirim até a sua foz com o rio Negro (03O01’42,851”S e 60O10’30,770”W), seguindo pela sua margem esquerda, até o ponto inicial do igarapé Tatu (Scudeller et al., 2005).

Nos últimos 100 anos foram realizados registros diários de variação do ciclo anual do nível da água do rio Negro, realizado no Porto de Manaus, indicando ocorrência sazonal da cheia e da seca que atinge o baixo rio Negro (Aprile & Darwich, 2005).

A RDS Tupé tem uma área aproximada de 12.000 ha e seis comunidades vivendo em seus limites: Nossa Senhora do Livramento, Julião, Colônia Central, Tatulândia, São João do Lago do Tupé e Agrovila, localizadas às margens dos rios, lagos e igarapés.

A Comunidade Julião situa-se à margem direita do igarapé Tarumã-Mirim, em uma bifurcação formada pelo igarapé do Julião, que é um dos vários canais estreitos, menores afluentes do Tarumã-Mirim, e pelo igarapé do Farias. Sua distância em relação à cidade de Manaus (centro) é de aproximadamente 25 km em linha reta (vide Bezerra & Scudeller, neste volume).

A comunidade foi fundada no ano de 1992, com 20 famílias (Natale & Scudeller, 2010), a Associação dos Moradores foi fundada em fevereiro de 1993 (Aguiar, 2007), embora Duarte (2009) mencione sua fundação em 1993, hoje moram aproximadamente 139 famílias, num universo de 417

Natale & Scudeller

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moradores. O transporte é realizado em lanchas da Associação dos canoeiros da Marina do David e Fátima (ACAMDAF) localizada na margem esquerda do Tarumã, próximo à Ponta Negra e há também as chamadas “rabetas” pertencentes aos moradores e muitos não possuem transporte próprio.

Em relação ao tipo de construção e material de que são feitas as casas pode-se dizer que utilizam material básico como madeira e alvenaria, e as telhas de alumínio ou tipo brasilit. Quanto a condições de saneamento algumas casas não possuem sanitários, o destino das fezes é a “céu aberto” (vide Freitas & Santos-Silva, neste volume). As que possuem têm uma fossa negra como destino das fezes. A respeito da água utilizada para o consumo, seja para beber ou para preparação de alimentos, utilizam de poços que são feitos nos próprios quintais, recolhem a água da chuva ou fazem uso da água do igarapé (vide Freitas & Santos-Silva, neste volume). A escola municipal também possui poço artesiano. Esta escola atende da 1ª a 9ª série, após a última série o aluno dará continuidade aos estudos ou na escola mais próxima que fica em outra comunidade ou na cidade de Manaus.

Na Comunidade Julião não há serviço de saúde local, os moradores precisam se deslocar ao posto mais próximo que fica na Comunidade Nossa Senhora do Livramento ou para a Comunidade Nossa Senhora de Fátima. O Julião também não possui uma gestão plena da atenção básica na assistência à saúde que atenda as necessidades de seus moradores e que contemple com uma unidade básica de referência que ofereça vacinação, curativos, farmácia, laboratório de exames, consultas médicas e de emergência. No local há um agente comunitário de saúde, que mora na comunidade e que desempenha seu trabalho de forma restrita, para isso utiliza como base a Associação de Moradores por não ter um local apropriado para os atendimentos. Silva (2001) apud Silva & Dalmaso (2002) demonstrou que o agente comunitário não dispõe de instrumentos, de tecnologia, aqui incluído os saberes para as diferentes dimensões esperadas do seu trabalho.

Os dados coletados foram dos prontuários dos postos municipais das comunidades Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhor do Livramento e restritos aos fichários dos comunitários do Julião (Tab. 1).

Tabela 1. Número dos prontuários analisados nos dois principais postos de saúde que atendem os comunitários do Julião – Tarumã-Mirim.

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Prontuários de atendimento Com. N. S. de Fátima Com. N. S. do Livramento

7.600 prontuários totais 5.200 prontuários 2.400 prontuários

657prontuários/1085registros de comunitários do Julião 197 prontuários 460 prontuários

430

Além dos dados dos prontuários dos dois postos municipais no Tarumã-Mirim, foram levantados também dados baseados nos registros do Sistema de Informações da Vigilância Epidemiológica (SIVEP), mensalmente, dos anos de 2005 e 2009, organizados e administrados pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde para a zona urbana de Manaus para fins de comparação.

A pesquisa foi realizada com a prévia autorização da Secretária Municipal de Saúde (SEMSA) para a coleta dos dados nos referidos postos de saúde.

Resultados e Discussão

Foram encontrados e coletados 657 prontuários de comunitários do Julião, sendo avaliados 1.085 registros de atendimento. Pelos dados analisados dos registros de atendimento verificou-se que nos anos 2005 e 2009 houve diminuição da procura dos serviços de saúde. De

uma forma geral, a figura 1 evidencia a acentuada baixa na procura do serviço nos meses de novembro e dezembro de 2005 e 2009, comparado com os anos de 2004, 2006 (Fig. 2) e 2007, 2008 (Fig. 3) desse mesmo período.

No período estudado, o ano de 2005 apresentou acentuada procura pelo serviço de saúde no mês de maio, sua ascensão começou a ocorrer a partir do mês de março e sua baixa nos meses de junho, julho e agosto (Fig. 1). No mês seguinte a procura manteve estável e em outubro houve, novamente, uma pequena ascensão comparada com outros meses do período da seca. Já em 2009 houve baixa procura comparada ao ano de 2005, mas houve variações, principalmente de abril para maio e de agosto para setembro. Nesse ano não ocorreu pico da procura do serviço mais significativa. No mês de novembro e dezembro, de ambos os anos, houve baixa procura pelo serviço de saúde, em relação aos outros anos, supomos que tenha sido devido à dificuldade de acesso em razão da seca severa que ocorreu

Figura 1. Distribuição de registros de atendimento obtidos nos postos de saúde Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Livramento, referente aos comunitários do Julião nos anos de 2005 (em preto ) e 2009 (em cinza ).

Natale & Scudeller

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nesses dois anos e não devido a ausência de necessidade (doenças).

Em 2004 houve baixa procura aos serviços de saúde de uma forma geral, provavelmente devido a não abrangência de profissionais às ações de saúde em determinada especificidade, uma vez que ambos os postos de saúde, N. S. de Fátima e N. S. do Livramento haviam iniciado as atividades em 2005.

De acordo com a figura 2, no ano de 2004 vemos que ocorreram baixas (fev, jun, out) e altas (abr, set,

nov) da utilização do serviço de saúde. Em relação ao ano de 2006 houveram variações da procura, e a alta tornou-se bem acentuada no mês de maio. Havendo, novamente, nesse mesmo ano, no mês de setembro, uma alta significativa da procura.

Já em 2007, o pico de atendimentos foi nos meses de setembro e novembro, comparando com os outros meses do ano e no mês de fevereiro e maio uma baixa bem significativa (Fig. 3).

Figura 3. Distribuição de registros de atendimento obtidos nos postos de saúde Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Livramento, referente aos comunitá-rios do Julião nos anos de 2007 e 2008. (em cinza ) e (em preto ).

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Figura 2. Distribuição de registros de atendimento obtidos nos postos de saúde Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Livramento, referente aos comunitá-rios do Julião nos anos de 2004 (em preto ) e 2006 (em cinza ).

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No ano de 2008 houve também variações nos meses, a menor foi em fevereiro e a maior foi em junho e setembro.

Ocorreram mais registros de sintomas do que doenças propriamente ditas no quadro clínico dos comunitários do Julião. Os principais sintomas registrados foram febre, dores no corpo, resfriado, etc. Isso evidencia a falta de uma investigação mais detalhada sobre as doenças que os comunitários efetivamente apresentavam considerando que nos registros analisados não havia dados específicos do fechamento do diagnóstico, assim podendo deixar mascarada a verdadeira doença.

A doença de maior prevalência detectada foi a malária e a queixa maior foi dores diversas como: na cabeça, lombar, no abdominal, no corpo, no ouvido, torácica e micção, etc. (Fig. 4).

Observaram-se outros registros de atendimento quanto ao uso dos serviços de saúde feito pelos ribeirinhos da comunidade Julião além da procura quando se está adoecido. Foram encontrados números relativamente altos (35%) quantos aos atendimentos de rotina, sendo em sua maioria para pesar e aferir pressão; 16% tratamento odontológico; 13% exames diversos, como de sangue, preventivo e malária; 12% acompanhamento de bolsa família; 10% preventivo; 6% são pré-natal; 4% programa planejamento familiar; 4% remédio e 0,3% vacinação. Possivelmente, a procura pelo atendimento de rotina deve ser relacionada ao que o programa da bolsa família exige, sendo esse um programa de governo para que haja um acompanhamento do quadro da saúde no país. Os pais que não passarem com seus filhos nesse programa, periodicamente, terão suas bolsas canceladas.

Figura 4. Distribuição percentual de doenças e sintomas mais frequentes acometidos nos comu-nitários do Julião, obtidos a partir dos registros dos postos de Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Livramento, no período de 2004 a 2009.

Natale & Scudeller

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Tabela 2. Distribuição dos casos de malária, segundo faixa etária e sexo, no período de 2004 a 2009 obtidos dos 657 prontuários analisados da comunidade Julião, nos postos de saúde Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Livramento.

Faixa Etária Mas. % Fem. %

menor 1 a 4 anos 22 24,7 13 19,8

5 a 9 anos 20 22,5 16 24,2

10 a 14 anos 10 11,3 6 9,1

15 a 19 anos 4 4,5 0 0,0

20 a 29 anos 14 15,7 13 19,7

30 a 39 anos 7 7,9 9 13,6

40 a 49 anos 6 6,7 4 6,1

50 a 59 anos 6 6,7 3 4,5

60 a 69 anos 0 0,0 2 3,0

70 a 79 anos 0 0,0 0 0,0

Total 89 100 66 100

A doença que mais se destacou na comunidade, no período de 2004 a 2009, foi a malária, demonstrando assim que o combate a essa doença por parte dos órgãos públicos, em específico a área da saúde, foi ineficiente. As faixas etárias que mais sofreram com o acometimento dessa doença foram a de recém-nascido a 04 anos, de 05 a 09 anos e a faixa adulta de 20 a 29 anos, de acordo com a tabela 2. Diante desse fato, verificamos que na fase infantil é preciso haver muita disponibilidade do responsável para o acompanhamento referente às medicações que trarão a cura da doença e quanto a faixa etária dos adultos, um trabalho mais efetivo de informação e de esclarecimento quanto ao malefício da doença, possivelmente proporcionando uma reflexão ou consciência das perdas ocorridas com o adoecimento. Nas

faixas etárias mais baixas têm que haver uma perseverança muito forte por parte dos familiares para que o tratamento seja feito, seja em períodos de seca ou de cheia.

Sabe-se que pessoas do sexo feminino procuram o serviço de saúde mais que pessoas do sexo masculino. Essa característica origina-se pela cultura do nosso país, sendo assim, na Comunidade Julião esse processo não foi diferente. No entanto, o registro da procura no ano de 2005 foi maior para o sexo masculino (Tab. 3).

Os registros de casos de notificação da malária, colhidos pelo Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica (SIVEP), ao longo do ano de 2005, para a cidade de Manaus, apontam maiores números nos meses de janeiro, julho, agosto e uma pequena redução no mês de dezembro (Tab. 4). Em

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5 a 9 anos 20 22,5 16 24,2

15 a 19 anos 4 4,5 0 0,0

30 a 39 anos 7 7,9 9 13,6

50 a 59 anos 6 6,7 3 4,5

70 a 79 anos 0 0,0 0 0,0

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Tabela 3. Distribuição dos registros dos atendimentos, segundo sexo e ano, em números relativos e percentagem, obtidos a partir dos registros dos postos de Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora do Livramento, no período de 2004 a 2009.

Mas. % Fem. %

2004 24 8,2 30 8,3

2005 70 24,1 58 15,8

2006 52 17,8 73 19,9

2007 54 18,6 74 20,2

2008 41 14,1 60 16,4

2009 50 17,2 71 19,4

Total 291 100 366 100

2005 2005 2009 2009

Mês Manaus % C.Julião % Mês Manaus % C.Julião %

Jan 6561 10,5 0 0,0 Jan 766 4,9 0 0,0

Fev 5574 9,0 3 4,8 Fev 681 4,3 0 0,0

Mar 4721 7,6 4 6,5 Mar 792 5,0 0 0,0

Abr 4584 7,4 8 12,9 Abr 972 6,2 2 11,8

Mai 3942 6,4 18 29,0 Mai 1617 10,3 0 0,0

Jun 4657 7,5 9 14,5 Jun 1949 12,4 3 17,6

Jul 6991 11,2 13 21,0 Jul 1830 11,6 2 11,8

Ago 5978 9,6 3 4,8 Ago 1499 9,5 5 29,4

Set 5618 9,0 1 1,7 Set 1523 9,7 2 11,8

Out 4629 7,4 3 4,8 Out 1622 10,3 3 17,6

Nov 4680 7,5 0 0,0 Nov 1422 9,2 0 0,0

Dez 4268 6,9 0 0,0 Dez 1039 6,6 0 0,0

Total 62203 100,0 62 100,0 Total 15712 100,0 17 100,0

Fonte:SIVEP – Malária/MS/SVS

Tabela 4. Distribuição da Malária por mês na cidade de Manaus e Comunidade Julião, nos anos 2005 e 2009 em números relativos e percentuais. Dados obtidos pelo SIVEP – Malária.

2005 70 24,1 58 15,8

2007 54 18,6 74 20,2

2009 50 17,2 71 19,4

Fev 5574 9,0 3 4,8 Fev 681 4,3 0 0,0

Abr 4584 7,4 8 12,9 Abr 972 6,2 2 11,8

Jun 4657 7,5 9 14,5 Jun 1949 12,4 3 17,6

Ago 5978 9,6 3 4,8 Ago 1499 9,5 5 29,4

Out 4629 7,4 3 4,8 Out 1622 10,3 3 17,6

Dez 4268 6,9 0 0,0 Dez 1039 6,6 0 0,0

2009 os menores números de malária foram observados nos meses de janeiro e fevereiro e os maiores em maio, junho e julho. No entanto, na Comunidade Julião observa-se valores maiores de casos nos meses de maio, junho e julho em 2005

e nos meses de junho, agosto e outubro em 2009. Não houve casos de malária na Comunidade Julião nos meses de janeiro, novembro e dezembro em 2005 e nos meses de janeiro, fevereiro, março, maio, novembro e dezembro em 2009,

Natale & Scudeller

435

Figura 5. Correlação entre casos de notificação da Malária da cidade de Manaus e da Co-munidade Julião segregados por mês, expresso em percentagem, para os anos 2005 e 2009.

que pode ser explicada não pela redução da incidência da doença, mas sim pela dificuldade de acesso ao serviço de saúde por essa comunidade ribeirinha, principalmente, nos meses de novembro a dezembro de ambos os anos devido à seca pronunciada.

Correlacionando casos de notificação de malária da cidade de Manaus e da Comunidade Julião (Fig. 5) é possível observar que nos anos de 2005 e 2009, houve variações mensais de casos tanto para um quanto para outro. No entanto, na cidade de Manaus os valores não ultrapassaram a 12% e foram notificados casos em todos os meses de ambos os anos. Já na Comunidade Julião os valores chegaram a 29% de casos e foi constatado que em alguns meses em 2005 e 2009 não houve registros de

casos, principalmente, nos meses de novembro e dezembro, pico da seca na região.

A baixa procura pelo Serviço de saúde nos meses de novembro e dezembro de 2005 e 2009 pode ter sido pela dificuldade de acesso ao serviço em razão da seca acentuada que houve nesses dois anos, ou porque os comunitários do Julião não adoeceram nos meses de novembro e dezembro. A segunda opção parece improvável, uma vez que os registros na cidade de Manaus permaneceram constantes, mostrando a prevalência da doença na região. Uma terceira alternativa seria referente à falta de registros nos postos de saúde, assim mostrando a fragilidade do controle desses dados que geram informações para o combate à doença.

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Considerações Finais

Houve considerável mudança de comportamento dos comunitários do Julião nos meses de novembro e dezembro nos anos de 2005 e 2009, comparados aos anos de 2004, 2006, 2007 e 2008 nesse mesmo período. Salientamos que nos anos de 2005 e 2009 o período da seca foi mais pronunciado na região. Portanto, houve a diminuição do uso do serviço de saúde pelos moradores da Comunidade Julião.

A doença de maior prevalência foi a malária e a maior queixa foi dores diversas como: na cabeça, lombar, no abdominal, no corpo, no ouvido, torácica e micção, etc, nos períodos de 2004 a 2009.

A faixa etária que mais sofreu com a manifestação da doença da malária foi a menor de 01 a 04 anos, de 05 a 09 anos e a faixa etária adulta de 20 a 29 anos.

Em relação ao sexo, quem mais procurou pelo serviço de saúde foi o feminino, porém em 2005 houve maior registro do sexo masculino.

Quanto aos registros de casos de notificação da malária ao longo do ano de 2005 para a cidade de Manaus foram detectados maiores números nos meses de janeiro, julho, agosto e uma pequena redução no mês de dezembro. Em 2009 os menores números de caso foram nos meses de janeiro e fevereiro e os maiores nos meses de maio, junho e julho. No entanto, na Comunidade Julião os maiores números de caso da

malária foram em maio, junho e julho em 2005 e em junho, agosto e outubro em 2009. Não houve casos nos meses de janeiro, novembro e dezembro em 2005 e nos meses de janeiro, fevereiro, março, maio, novembro e dezembro em 2009, que pode ser explicada não pela redução da incidência da doença, mas sim pela dificuldade ao acesso ao serviço de saúde nas comunidades ribeirinhas da Amazônia, principalmente, nos meses de novembro a dezembro de ambos os anos devido à seca pronunciada.

Já a correlação de casos de notificação de malária da cidade de Manaus e da Comunidade Julião nos anos de 2005 e 2009 mostra variações mensais tanto para um quanto para outro. Só que na cidade de Manaus o valor não ultrapassou a 12% e foram notificados casos em todos os meses de ambos os anos, já na Comunidade Julião o valor chegou a 29% de casos e foi constatado que em alguns meses em 2005 e 2009 não houve registros de casos, principalmente, nos meses de novembro e dezembro.

Considerando a mudança significativa que houve em relação ao comportamento dos moradores da Comunidade Julião quanto à diminuição ao acesso do serviço de saúde, no período da seca de 2005 e 2009, assim demonstrando o risco à saúde de forma indireta. Vê se necessário a implantação de um sistema de informação municipal de modo a gerar dados sobre o Distrito Rural, visto que, atualmente, só existem dados da área urbana de Manaus.

Natale & Scudeller

437

Assim sendo, possibilitaria visibilidade do real contexto que leva a população rural a ter maior ou menor utilização do serviço de saúde.

Essas informações poderiam se integrar às análises e decisões políticas, no sentido de envolver os setores públicos na proposição de medidas para possíveis resoluções de problemas, tendo em vista as condições socioeconômicas, demográficas e culturais do local.

A importância da implantação do sistema é mostrar o grau de vulnerabilidade das populações que moram em lugares afastados da capital, permitir medidas de prevenção, por parte do poder público, de situações de risco ambiental em determinadas localidades. E também para esclarecer, através do desenvolvimento de trabalhos educativos a população ribeirinha quanto à importância do uso do serviço de saúde para a qualidade de vida e de saúde.

Agradecimentos

À Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz e Instituto Leônidas e Maria Deane pela oportunidade da bolsa, a qual houve plena dedicação; à sra. Ademarina Teixeira Cardoso da Gerência de Educação na Saúde –Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) pelo consentimento da pesquisa de campo; à Carla Monteiro e Mônica Gomes da Silva Pitanga, gestoras dos postos de saúde das comunidades Nossa Senhora de Fátima e Nossa Senhora

do Livramento, pelo acolhimento dado durante o período da coleta; à todos os moradores da comunidade Julião, que de certa forma contribuiu para que essa pesquisa fosse realizada; e, em especial aos Drs. Veridiana Vizoni Scudeller e Edinaldo Nelson dos Santos Silva por terem acreditado e apoiado a minha pesquisa.

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Acesso ao serviço de saúde no distrito rural: comunidade julião – Manaus – Amazonas

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1Nilce Maria de Camargo NATALE e-mail: [email protected]

2Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Psicóloga com especialização em Saúde Ambiental 2Instituto de Ciências Biológicas – ICB, Departamento de Biologia,

Universidade Federal do Amazonas – UFAM , Manaus – AM

Território rural, relação de poder, conflito e afetividade - Comunidade Julião - Manaus-AM

RESUMO: Esse trabalho teve como objetivo conhecer ocorrências e características dos fenômenos de afetividade, de conflito e suas articulações com as relações de poder dos moradores da Comunidade Julião, localizada na Reserva do Desenvolvimento Sustentável do Tupé, maior unidade de conservação do município, a 25 km do centro da cidade de Manaus. A construção das características foi de forma gradual e ocorreu durante as visitas periódicas à comunidade de abril/2008 a março/2010. Ao todo foram realizadas 35 visitas que permitiram a obtenção dos dados para a pesquisa de campo com observações; visitas às casas; conversas informais nos estabelecimentos comerciais; caminhada pelas ruas; dinâmicas de grupo; participações em eventos significativos para a comunidade, como reunião da associação de moradores e festas comemorativas da escola. Toda ação realizada contribuiu como subsídio para descrever o desenvolvimento do processo grupal, cujos conteúdos foram fornecendo indícios sobre a dinâmica existente

Meio FísicoCapítulo 26 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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como: mal-entendidos, fofocas, conflitos, confronto de singularidade e desunião apesar de muitos terem grau de parentesco. Em relação ao poder, existem vários aspectos como: ter um saber a mais que o outro; possuir bens materiais; ocupar função de trabalho; o poder de decisão ou o próprio ambiente escolar.

Palavras chaves: relação de poder; comunidade; afetividade; processo grupal

Introdução

Comunidade é um espaço de múltiplas experiências, onde existem diferentes valores, crenças, percepções, culturas e relações sociais que se misturam e transformam a vida cotidiana dos indivíduos numa complexa estrutura (Guareschi, 1996). Já para Freitas (1996) é uma dimensão espaço/temporal na qual os sujeitos são compreendidos com foco em suas relações, sendo constituídos por meio destas, em constante dialética entre individual e coletivo. Em “o Mal-estar na Civilização”, Freud (1930) apud Jovchelovitch (2008), nos deu um legado para teorizar comunidade que ao mesmo tempo assusta e tranquiliza. Comunidade é somente possível, pensou ele, se as pulsões de agressão e poder do indivíduo forem domadas pelos laços de identificação e amor que permitem a emergência da solidariedade e da comunalidade. A categoria comunidade se atribui os primeiros predicados referentes à pressuposição de presença de um determinado tipo de laço social (e de juízo de valores) em função de localização, procedência e convívio comunal (Castiel, 2004). Comunidade é um universo culturalmente estruturado, isto é, tem história, universo simbólico

de referência e formas de poder específicas (Brasil, 2005) Havendo vários sentimentos que permeiam as relações entre seres humanos tanto em seu contexto familiar quanto social, como a afetividade, o conflito e o poder, etc., a forma como os indivíduos expressam e lidam com a afetividade e com as relações de poder são motores fundamentais do processo grupal e da construção da identidade, tanto individual quanto coletiva (Silva, 2000). Marques (2002) considerou que o conflito está presente nas relações sociais, certas formas de vivê-los são socialmente aceitáveis, encorajadas ou combatidas. E como afirmou Backzo (1985) apud Kerber (2004), qualquer campo de experiências sociais está rodeado por um horizonte de expectativas e de recusas, de temores e de esperanças. Conectado ao espaço físico local, o sentimento de pertença e a afetividade oriundos do processo de preservação, apresentam-se como um grupo de característica emocional pertinente àqueles que residem na localidade (Leão, 2009). Essas características emocionais se desmembram em ações que podem afetar direta ou

Natale & Scudeller

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Território rural, relação de poder, conflito e afetividade - Comunidade Julião - Manaus-AM

indiretamente os mais próximos, denominada de relações de poder (Martins, 2003). Segundo o autor, as relações de poder estão presentes em todos os aspectos da vida humana. Acrescenta que o que faz com que o poder se mantenha e seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber e produz discurso. Ainda segundo o autor, deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir. Já para Sato (1999), se pensar em negociações em contextos de poder e controle assimétrico, vê-se que muitas vezes opera-se de modo a não explicitar o conflito, pois o poder do outro pode implicar na exclusão daquele que detém menor poder e controle. Complementando que isso pode nos explicar comportamentos de evitação, onde o silêncio, por vezes interpretado como consentimento, revela justamente o oposto e onde papéis sociais já desempenhados anteriormente acabam por dificultar a construção e o exercício da comunicação. Outro aspecto importante a ser mencionado no espaço de uma comunidade é a formação da família, denominada laços de parentesco, vista como estrutura de percepção das relações mútuas. Considerando tanto o parentesco como aliança entre grupos, as afinidades quanto o biológico, que constitui a família consanguínea.

Fonseca (2005) considera que não há receita para definir os membros relevantes de uma rede familiar, pode ou não incluir consanguíneos, parentes por casamento (sogros, cunhados, concunhados, padrastos, enteados), padrinhos e compadres. A família não se define pelos indivíduos unidos por laços biológicos, mas pelos significantes que criam os elos de sentido nas relações, sem os quais essas relações se esfacelam, precisamente pela perda, ou inexistência, de sentido (Sarti, 2004). A comunidade também se constitui por sua identidade, implicando o seu surgimento, a sua história e as pessoas que nela habitam. Sendo assim, Nuernberg (1999) apud zanella et al. (2003) aponta que o significado de lugar social remete necessariamente tanto à sua história para uma determinada cultura quanto aos novos sentidos que os sujeitos em relação a este lugar imprimem. Já Santos (2002) considera que a reconstrução da história de um lugar ou de uma localidade implica partir do princípio de que a história está presente em todos os lugares, em todos os momentos, implica considerar ainda que é nesse amplo e longo processo histórico que as populações locais constroem sua identidade social e cultural. Segundo Gonçalves (2002), quando o sujeito estabelece apenas uma relação funcional com determinado lugar, configura-se o morar; mas ele de fato o habita quando se apropria de seus aspectos físico, simbólico, emocional e cultural. Jerônimo & Gonçalves

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(2008) acrescentaram que os laços com o lugar são construídos a partir da cultura e geografia, das relações sociais e ambientais que nele se desenvolvem. Leão (2009) coloca que a ideia de memória está amplamente associada ao conceito de identidade, ao passo que propicia o sentido de permanência e continuidade daquilo que é lembrado. Para Jovchelovitch (2008) é importante as narrativas da vida em comunidade, pois oferecem uma série de histórias, mitos e memórias do grupo social e nos introduzem aos diferentes ângulos que fazem das comunidades uma realidade plural e heterogênea. Complementando que as narrativas contêm história, memórias e perspectivas pessoais, o contar histórias é um dos meios fundamentais pelo qual comunidades compreendem o passado e o presente e projetam seus objetivos para o futuro. Freud uma vez disse que um grupo que não entende sua história está fadado a repeti-la (Jovchelovitch, 2008). Portanto, dentro do contexto das relações sociais que permeiam o universo de uma comunidade esse trabalho teve como objetivo conhecer ocorrências e características dos fenômenos da afetividade, do conflito, e suas articulações com as relações de poder na comunidade Julião, Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé – Manaus - AM.

Materiais e Métodos A construção das características dos comunitários do Julião foi de forma

gradual, ocorreu no período de abril/2008 a março/2010. A comunidade Julião está situada a 25km de distância da cidade de Manaus, a margem direita do igarapé Tarumã-Mirim, no encontro dos igarapés do Julião com o Farias. Foram realizadas 35 visitas à comunidade e utilizados os seguintes instrumentos de pesquisa: observações; visitas às casas; dinâmicas de grupo; conversas informais acontecidas nas vendinhas; caminhada pelas ruas; participações em eventos significativos para a comunidade, como reuniões da associação de moradores e festas comemorativas da escola. Para capturar o significado e o funcionamento do discurso foram feitas anotações no diário de campo e a utilização do gravador quando necessário. Posteriormente, foi transformada a leitura em hipóteses das relações sociais. Os procedimentos de analise e interpretação do material colhido tiveram como referência teórica a Análise do Discurso (Lima, 2003), de abordagem qualitativa lidando com categorias analíticas e explicativas. A posição do pesquisador foi manter-se neutra a toda ação de campo, tal atitude foi para se despir das próprias tradições, costumes e perspectivas. A ação de pesquisa no campo baseou-se tanto no ato de ouvir o outro e permitir a sua expressão máxima possível do campo quanto na constante avaliação de como a realidade do campo abala e redefine a hipótese de trabalho, teoria e os pressupostos do pesquisador (Jovchelovitch,

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2008). O modo de pesquisa foi participante, ou seja, quando aqueles envolvidos no ato da observação estão, eles próprios, interagindo com o objeto que esta sendo observado (Jovchelovitch, 2008). Para analisar a identidade da comunidade foi recorrida a fonte de registro histórico, relato de fontes vivas, pessoas significativas que moram a mais tempo na comunidade. Buscou-se com isso compreender a origem do nome da comunidade através de memórias, entendendo que o nome tem haver com a identidade, como um sentimento e como ideia de pertencimento de um determinado espaço e tempo, no qual estão ligados pelas atividades, afetividade, história, fantasia, pelo futuro, sonhos, e também características próprias de cada pessoa. Este registro histórico é denominado por Sá (2007) de memória histórica oral que faz interface com a história que não foi escrita ou que apenas recentemente passou a ser transcrita. Riqueza de dados em relação à história da comunidade foi fornecida por antigos moradores, como o sr. Álvaro (Baru), que mora na comunidade há 46 anos, se dispôs a narrar o surgimento da comunidade; o Sr. Domingos, um homem de 63 anos que hoje vive próximo à Comunidade Julião e o seu Almir, atualmente, presidente da associação dos moradores.

Resultados e Discussão

Os três comunitários entrevistados foram unânimes em dizer que o sr. Julião, o primeiro morador

daquelas terras foi referência para o nome da comunidade. Ele morava na foz do igarapé que era denominado pelo exército de Igarapé do Onça. As pessoas que na época moravam no entorno quando se deslocavam ou quando precisavam de uma referência davam seu nome, “vou a tal lugar perto da casa do Julião” ou “eu moro perto da casa do Julião”. Segundo relato, o que predominava em seu atributo físico era a altura, por isso seu nome no aumentativo, e assim quando foram nomear a comunidade lembraram-se do Sr. Julião. Segundo Sr. Álvaro o primeiro dono de toda a reserva foi um alemão, que comprou do governo a posse e um documento foi expedido. Ele era muito rígido com a questão da terra, ninguém podia mexer, ela era intocável. Depois de algum tempo vendeu para um português, para este a terra também era intocável. A terra foi vendida a uma terceira pessoa, um descendente de português com brasileiro. Esse terceiro comprador já permitiu que outras pessoas fizessem parte da terra, vendeu com uma condição: que aqueles que comprassem não vendessem para pessoas de “posse” (com boas condições financeiras). Ele era um homem de posse, “o Deus dele era o dinheiro”, e não queria que a terra fosse comprada por alguém rico. Em 1971 foi feita uma reunião com todos os moradores para que não plantassem “bem de raiz” como castanheira. Só podiam plantar mandioca e outras plantas de ciclo de vida anual.

Território rural, relação de poder, conflito e afetividade - Comunidade Julião - Manaus-AM

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No ano seguinte, um grupo de profissionais do IBAMA, da Justiça e advogados fizeram um levantamento para saber se a terra era produtiva. Essas terras foram chamadas de corredores ecológicos, e posteriormente, foram denominadas de RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável). O segundo relato foi do Sr. Domingos, embora morando a mais tempo na reserva (52 anos), não sabe ao certo o porquê do nome da comunidade. No entanto, lembra que logo na entrada do igarapé havia uma árvore muito grande e nela estava escrito Julião. O terceiro e último relato da origem da comunidade entrevistado foi o Sr. Almir, que mora desde 1993 na comunidade, e há 14 anos é presidente da associação dos moradores. Relatou que o nome da comunidade Julião está associado a um morador que se chamava Julião. Não soube informar com mais detalhes a respeito desse morador e nem do nome da comunidade. Segundo Aguiar et al. (2007), a comunidade Julião recebeu este nome por causa do seu primeiro habitante, conhecido como “velho Julião” que, juntamente com sua família, foi quem primeiro ocupou as terras onde hoje se localiza a comunidade. Fazendo uma analogia entre os primeiros moradores da reserva e o primeiro morador da comunidade o poder predominava, os primeiros relacionada à posse de bens financeiros e o segundo a posse da grandeza do seu nome (aumentativo)

por intermédio do atributo físico, que lhe gerou conforme registro histórico o nome da comunidade. Um poder instituído bem antes da comunidade existir, implicando na prática social e cultural, constituída historicamente. Em relação à afetividade, observa-se uma desunião que permeia a comunidade apesar de muitos terem algum grau de parentesco, como ex-companheiro(a), ex-sogra(o), ex-nora, ex-genro, ex-cunhado(a), primos(as), sobrinhos(as), tias(os), netos(as). Ao invés dessa condição ser um facilitador para a afetividade torna-se condição de conflito, emergindo a falta de colaboração e de solidariedade mútua. Isso se deve principalmente ao espaço geográfico onde se encontra a vila da comunidade, que é inclinado e à localização do único poço com bomba d’água potável. Esses dois fatores acarretam numa distribuição de água às residências em mangueiras exposta pela comunidade desigual, ficando o espaço de baixo (mais próximo ao poço) melhor abastecido que o de cima. Com isso, há uma divisão territorial, nomeado como: “lado de cima e lado de baixo”. E assim sendo, instaurando o conflito territorial entre moradores, dando a conotação de rivalidade e de desunião. O que acontece na comunidade Julião vai ao contrário a que McKean (1989) apud Diegues (2001) diz [...]são permeados por uma extensa teia de parentesco, de compadrio, de ajuda mútua, de normas e valores sociais que privilegiam a solidariedade intragrupal”.

Natale & Scudeller

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Como acontece em qualquer agrupamento humano é muito comum o surgimento de formas variadas de disputa de poder e na comunidade Julião não seria diferente. No espaço da mesma existem vários aspectos como: poder em ter um saber a mais que os outros, poder em possuir bens materiais, poder em ocupar função de trabalho, poder de decisão ou a escola como local de saber (e poder). Martín-Baró (1989) apud Martins (2003) relata que o poder está baseado na posse diferencial de um recurso, permitindo que alguns realizem seus interesses pessoas ou de classe, e os imponha a outros. O poder não é um objeto abstrato, trata-se de “uma qualidade de alguém, pessoa ou grupo, na relação com outras pessoas ou grupos.[...] O poder constitui, por conseguinte, um fenômeno social, não meramente individual”. No jogo de poder sempre haverá o dominador e o dominado, um não existe sem o outro, considerado como uma condição sine qua non. A permanência prolongada de pessoas no poder também pode contribuir para gerar comportamentos e atitudes passivas dos comunitários nos processos de decisões. Como não compartilham das decisões não se sentem responsáveis por elas. Quando isso acontece a participação se resume em apoio ou concordância com as decisões. O poder de quem fala, decide ou age é tão concentrado que as pessoas não se sentem responsáveis em participar ativamente das decisões

(Brasil, 2005). Portanto, no contexto da comunidade Julião a prática de tomar decisões, tornar-se um grupo coeso, no qual lhes permita tomar decisão pelo grupo e com o grupo, ter autonomia e permitir-se fazer parte da comunidade como cidadão não acontece. No entanto, segundo Foucault (2005) apud Torrano (2007) jamais somos aprisionados pelo poder, podemos sempre modificar sua dominação em condições determinantes e segundo uma estratégia precisa. Completando que não há escape da existência de relações de poder, mas é possível instituir outras.

Considerações finais

Toda ação realizada contribuiu como subsídio para descrever o desenvolvimento do processo grupal, cujos conteúdos foram fornecendo indícios sobre a dinâmica existente na comunidade sobre poder, conflito e afetividade. E o resgate da história da comunidade desempenhou papel importante para se repensar e reconstruir a representação da mesma, pois a representação traduz significados, sentidos e simbolismos pertencentes às relações de afeto e de práticas sociais. As ocorrências e as características em relação à afetividade, o conflito e o poder observadas na comunidade Julião mostrou-se um terreno propicio de mal-entendidos, fofocas, conflitos que minam a coesão e confronto de singularidades.

Território rural, relação de poder, conflito e afetividade - Comunidade Julião - Manaus-AM

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Portanto, esses atos comprometem o processo de crescimento tanto individual quanto coletivo de seus moradores. Viver em comunidade envolve todos os sentidos e ações das pessoas como: falar, ouvir, sentir, ver, avaliar, decidir, julgar, opinar, agir, compartilhar e, por outro lado, envolve um determinado contexto dialético de poder que pode facilitar ou dificultar a integração de um grupo comunitário. Portanto, a existência de poder, de conflitos e de afetividade é inerente ao ser humano aos processos de relacionamentos interpessoais, os quais necessitam ser bem analisados a fim de verificar atentamente seus efeitos para que os mesmos não se transformem em barreiras comportamentais, e assim, venham interferir e comprometer o desenvolvimento das pessoas que fazem parte do mesmo contexto.

Agradecimentos A todos os moradores da Comunidade Julião pela acolhida e ao CNPq pelo financiamento (processo 551988/2007-0).

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Território rural, relação de poder, conflito e afetividade - Comunidade Julião - Manaus-AM

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1Lidiane da SILVA e-mail: [email protected]

2Kellyn VIEIRA e-mail: [email protected]

1Cientista Social graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista Responsável pela Coordenação no Subprojeto de Beneficiamento do Cupuaçu

2Bibliotecária graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (CRB-14/1298).

Geração de trabalho e renda na RDS Tupé: aspectos do desenvolvimento local como base na organização comunitária e o uso sustentável dos recursos naturais

Resumo: A busca pela sustentabilidade social, de maior equidade, justiça e oportunidades pode representar atualmente um processo de gestão de conflitos sociais pluridimensionais, principalmente quando se trata de uma comunidade localizada na floresta amazônica. Superar as desigualdades geradas pela falta de emprego e renda impostos pelos modelos econômicos tradicionais, mobilizando atores e ativos locais de forma participativa é o grande desafio da modernidade. Estudos comprovam que espaços em que a sociedade colabora ativamente nas tomadas de decisões permitem um melhor entendimento e por consequência envolvimento no desenvolvimento local. Este projeto foi desenvolvido a partir da identificação dos recursos naturais já disponíveis na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS) com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos moradores, estimulando a geração de renda

Meio FísicoCapítulo 27 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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e a abertura de novas possibilidades econômicas para a comunidade, utilizando o patrimônio natural de forma racional para o beneficiamento. As atividades para geração de trabalho e renda junto aos moradores da Comunidade Julião foram planejadas de forma a construir um espaço de formação e discussão, integrados aos princípios da conservação ambiental e sustentabilidade, respeitando aos interesses da comunidade, mas sempre buscando inserir novos valores e atitudes para a interação com o meio ambiente. Planejar uma política de geração de trabalho e renda numa comunidade amazonida pressupõe compreender as interrelações dos processos históricos, econômicos, ecológicos, políticos e culturais que envolvem essa população. Sendo assim, os saberes antropológico, ecológico e tecnológico foram utilizados como instrumentos e bases para projetos multidisciplinares, modificando progressivamente a realidade da comunidade.

Palavras- chave: Organização comunitária, desenvolvimento sustentável, geração de trabalho e renda.

Introdução

A tomada de consciência de todos os indivíduos sobre o papel ambiental, econômico, social e político que desempenham em sua comunidade exige a integração de toda a sociedade no processo de construção do futuro. Partindo desse princípio, a articulação entre Universidade do Estado do Amazonas – UEA, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, com participação da Universidade Federal do Amazonas – UFAM e Centro Universitário de Manaus / Universidade Luterana do Brasil – Ceulm / ULBRA, apoiado pelo CNPq propiciou uma experimentação de organização sustentável do conhecimento na comunidade da RDS Tupé, onde práticas não predatórias foram utilizadas para o desenvolvimento de atividades que resultaram em novos procedimentos,

materiais, possibilidades, além da valorização dos processos locais de desenvolvimento e a formação de uma nova consciência social. O desafio da construção da sustentabilidade é particularmente complexo e difícil na gestão dos recursos naturais, principalmente por causa da multiplicidade de atores – governo, organizações da sociedade, comunitários, interesses pessoais contraditórios. Promover mudanças nos padrões de produção e consumo da comunidade, reduzindo custos e desperdícios, e fomentando práticas mais sustentáveis foram os norteadores do planejamento de todas as atividades deste projeto. Acredita-se que nenhum dos resultados de atividades intelectual, moral e física do homem pode ser exclusivamente produto de suas forças,

Silva & Vieira

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Geração de trabalho e renda na RDS do Tupé: aspectos do desenvolvimento local como base na organização comunitária...

de sua pessoa. Todos os conhecimentos que possuímos são frutos de um imenso trabalho continuado e de nossas relações. Para zapata (2007), o desenvolvimento territorial busca construir um modelo de desenvolvimento com mais participação, protagonismo dos cidadãos e cidadãs, equidade social e sustentabilidade ambiental a partir de vocações produtivas locais. É uma estratégia e um processo que busca estimular a solidariedade e um desenvolvimento mais integrado. Trata-se de um fenômeno humano, portanto, não padronizado. Envolve os valores e os comportamentos dos participantes. Suscita práticas imaginativas, atitudes inovadoras e o espírito empreendedor. Neste processo, os comunitários foram conduzidos a uma consciência coletiva, sendo orientados para práticas cooperativas, de acordo com direitos e deveres fazendo parte de um conjunto de forças da comunidade, onde cada um estava diretamente ligado, e consciente de que com seu esforço, eficiência e dedicação individual poderiam obter êxito e evoluir democraticamente e coletivamente, elevando seu nível cultural e social, bem como de todos os envolvidos no processo. Quando cada componente compreende o sentindo integral do seu papel na sociedade, adquire também o sentido de responsabilidade social, que o leva a convicções profundas e que podem transformar o utópico em realidade. Para Marx (1985), “o trabalho é um processo de que participa o homem e a natureza, processo em

que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza [...]. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza”. No projeto de geração de trabalho e renda desenvolvido na RDS do Tupé foram estimulados espaços de formação e discussão, em que ações puderam ser direcionadas para a melhoria das condições humanas, e onde principalmente os comunitários interagindo e percebendo a extensão das mesmas, puderam considerar de forma mais clara a atividade econômica para o desenvolvimento de forma sustentável apropriado à Região do Tupé, com retorno financeiro, sem exploração em larga escala e de forma não predatória, buscando inserir novos valores e atitudes na interação com o meio ambiente, respeitando a diversidade deste espaço. A partir dos dados gerados e coletados ao longo do desenvolvimento das atividades do referido projeto, foram consideradas atividades que contemplassem a bioconstrução, o consumo ético, com foco especial na redução da produção do lixo, reciclagem de água, captação de água da chuva, alimentação orgânica produzida pela comunidade, respeito à igualdade de direitos e respeito às diferenças culturais. Uma perspectiva sustentável acontece no próprio processo educativo, seguindo estratégias, procedimentos e atividades de aprendizagem que compõem a

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transformação na vida cotidiana. Entendemos que essa forma de ação, em que a sociedade compartilha com o governo as responsabilidades pelas decisões, permite uma maior agregação em torno do projeto de desenvolvimento, aumentando suas chances de implementação. Aspectos do Desenvolvimento Local na RDS do Tupé

A necessidade de desenvolver este projeto surgiu da simples verificação de que as situações de adversidade da comunidade poderiam ser transformadas com um bom trabalho estratégico de desenvolvimento territorial, fornecendo subsídios para a mobilização de pessoas e instituições em torno de ações. Uma mobilização que envolveria protagonistas locais e que ainda aproximaria técnicos e agentes produtivos desafiados e comprometidos em construir um espaço de aprendizagem coletiva e permanente. Os objetivos principais do projeto foram pautados na maior valorização do patrimônio natural da reserva, constituindo uma nova agenda, uma alternativa de apresentar aos comunitários uma visão diferente sobre a sua relação com o meio ambiente e o patrimônio cultural histórico preservados para as gerações atuais e futuras.

Citando o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)3 ,

“O universalismo dos direitos da vida é o fio condutor comum, que une a busca do desenvolvimento humano, com as exigências do amanhã. Assim, o desenvolvimento e sustentabilidade são componentes essenciais da mesma ética do universalismo dos direitos da vida, a qual exige também equidade para com as gerações atual e

futura.“(zapata 2007, apud PNUD).

O principal foco do desenvolvimento de atividades foi pautado na implementação da pesquisa de melhoria da produção da fruta do cupuaçu (Theobroma grandiflorum), além do beneficiamento de seus subprodutos como a produção de geléia. Foram considerados também aspectos de outras atividades desenvolvidas pelos comunitários como produção de artesanato a partir dos recursos naturais locais (sementes, palhas, cipós), de maneira ecologicamente sustentável e economicamente viável.

Os desafios da organização comunitária.

A organização comunitária faz parte de um processo de aprendizagem que busca modificar a realidade através da mobilização e participação

3 Em 1990, o PNUD introduziu em todo o mundo o conceito de desenvolvimento humano susten-tável, que promove a adoção de políticas públicas cujo foco está voltado às pessoas – e não a acu-mulação de riquezas – como propósito do desenvolvimento. Para aferir o grau de desenvolvimento humano sustentável de uma sociedade, o PNUD utiliza o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelo professor Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998.

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destas pessoas na convivência com o outro, na administração de conflitos, no conhecimento de si, no fortalecimento das relações e no trabalho em equipe. Mesmo diante da crescente demanda por produtos oriundos da biodiversidade, um dos grandes problemas do desenvolvimento territorial local origina-se na limitação de tecnologias apropriadas à realidade da região amazônica, bem como a falta de infraestrutura (equipamentos e serviços) que auxiliem no processamento, produção e beneficiamento de produtos. Outro fator determinante é o baixo nível de capacitação técnica e organização social por parte dos produtores, reduzidos incentivos destinados à produção e ausência de assistência técnica. No caso da RDS do Tupé, as atividades foram desenvolvidas, por meio de visitas frequentes à comunidade, onde foram realizados encontros com os comunitários, com o objetivo de identificar os recursos naturais existentes no local, possíveis de serem beneficiados ou transformados, resultando na produção de peças ou produtos artesanais. A participação efetiva dos moradores era condição necessária para que o projeto tivesse êxito no que dizia respeito ao recolhimento, tratamento e beneficiamento dos recursos. Num primeiro contato feito em abril de 2006 mais de dez famílias mostraram-se interessadas em desenvolver as atividades na

comunidade do Julião. Esta comunidade é uma das seis inseridas na RDS do Tupé, distante aproximadamente 25 km em linha reta do porto de Manaus. Seu nome é atribuído ao primeiro morador das terras “velho Julião”. Fundada no ano de 1992, está situada em uma bifurcação formada pelo igarapé do Julião, que é um dos afluentes do Tarumã-Mirim, e pelo igarapé do Farias. (Nascimento, 2007). O deslocamento é feito via fluvial realizado em lanchas pertencentes às cooperativas que prestam o serviço partindo da Marina do Davi ou pequenas embarcações pertencentes aos próprios moradores. No início do projeto residiam 80 famílias na localidade, segundo informações do presidente da associação de moradores, de fato aproximadamente 50 famílias residiam lá, as outras possuíam casa, mas também outro local de moradia. As atividades econômicas da comunidade se concentravam no extrativismo, sem qualquer assistência técnica específica. Os moradores não contavam também com infraestrutura de saneamento ou serviços de tratamento de água, ou ainda o fornecimento de energia elétrica (que dependia do funcionamento de gerador [fato que mudou com a chegada da energia elétrica pelo programa Luz para Todos em 2008]), além da ausência do recolhimento de lixo e atendimento regular de saúde. Dados revelados por um levantamento socioeconômico apontaram que antes de residirem na comunidade, 62% das famílias residiram em Manaus,

Geração de trabalho e renda na RDS do Tupé: aspectos do desenvolvimento local como base na organização comunitária...

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e foram motivados a mudar pela tranquilidade do lugar, ou busca por melhores condições de moradia e renda. O tempo de residência da maioria dos moradores (76%) era inferior a 10 anos e 52% ainda mantinham moradia na capital. Dessa forma, com características tão especiais o grande desafio foi a criação de uma consciência coletiva, onde todos estariam empenhados no crescimento da comunidade. A renda média familiar era de pouco mais de R$ 400,00. O Projeto consistia primordialmente em fornecer ferramentas técnicas aos moradores interessados em desenvolver atividade produtiva a partir do beneficiamento do cupuaçu prestando assistência por meio da articulação entre estudantes, profissionais, pesquisadores e moradores locais envolvidos, aliando seus conhecimentos tradicionais e científicos, promovendo e incentivando a produção e comercialização, criando assim uma alternativa que incrementasse a atividade regular econômica dos comunitários, de forma que não comprometessem suas atividades convencionais. Para o aprimoramento da produção foi sugerida a implantação

de sistemas agroecológicos, a fim de promover a diversificação da produção frutífera, e agregar valor às polpas com a produção diversificada, tais como: geléias, doces, biscoitos, licores, sucos, etc. Estas atividades por consequência poderiam alavancar outros serviços como passeios, transporte, alimentação, entre outros, promovendo o desenvolvimento local de forma participativa. Além da polpa, outro produto cogitado para a comunidade partiu dos resíduos gerados pelo cupuaçu: a casca e o caroço, que também possuíam valor de mercado, e apresentavam potencial com a produção de artesanato ou manteiga utilizados na fabricação do cupualate e cosméticos4 e ainda quando não aproveitados podiam ser empregados como biofertilizantes ou adubo orgânico.

Material e Métodos

O beneficiamento de produtos na RDS do Tupé

Um primeiro contato foi feito na Comunidade para apresentação da Proposta em abril/2006. Mais de dez famílias mostraram-se interessadas em

4 Das sementes do cupuaçu é possível extrair gordura (manteiga de cupuaçu) que possibilita a fabri-cação de chocolate (cupulate) com grande valor nutricional, além da produção de cosméticos. Esses dados foram extraídos de um estudo desenvolvido com o objetivo de avaliar a qualidade pro¬téica dos pós de cupuaçu e de cacau desengordurados, através de ensaio biológico e da quantificação de aminoácidos totais, visando contribuir para o melhor aproveitamento das amêndoas de cupuaçu. De acordo com o ensaio biológico Net Protein Ratio, realizado a partir de dietas contendo 10% de proteína na proporção de cupuaçu ou cacau: caseína (50:50), verificou-se que as proteínas do cupuaçu apresentaram valor biológico significativamente superior (p ≤ 0,05) ao das proteínas de cacau, promovendo aumento de peso dos animais 57,4% maior. No que se refere às necessidades diárias para crianças e adultos, o perfil aminoacídico das proteínas do cupuaçu teve desempenho superior ao das proteínas do cacau. (Lopes; Pezoa-García, Amaya-Farfán, 2008)

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desenvolver atividade produtiva para o beneficiamento do cupuaçu. O projeto deveria ser executado em 18 meses (até outubro de 2007) e a sede da Associação Comunitária foi disponibilizada para a realização das atividades pelos moradores. A assistência técnica para o cultivo do cupuaçu, seu melhoramento e o aumento da produção foi realizada pelo bolsista Alexandre Lisboa Rosa, biólogo, e num segundo momento por Nelson Felipe Albuquerque Lins Neto, então estudante de Engenharia Florestal. Como o intuito inicial era incrementar a renda das famílias, de forma que não comprometessem suas atividades convencionais foi acordado que os encontros inicialmente seriam realizados aos fins de semana. Os métodos utilizados foram divididos em três pontos principais:a) Capacitação e formação – seis encontros de capacitação foram realizados, nas diferentes demandas apresentadas pelos moradores e indicadas pelos levantamentos realizados, tais como: beneficiamento de sementes para a produção de artesanato, beneficiamento de recursos florestais não madeireiros (cipós e palhas) para produção de artesanato, beneficiamento de cupuaçu para produção de gêneros alimentícios e aproveitamento de resíduos, e organização comunitária.b) Assistência Técnica – esta foi feita por meio do envolvimento de pesquisadores, profissionais, bolsistas e estagiários, que aliaram seus conhecimentos técnico-científicos

aos conhecimentos tradicionais dos moradores para o melhoramento e aumento da produtividade.c) Investimentos em infraestrutura e aquisição de materiais – para formalizar a execução de processos para beneficiamento do cupuaçu recém-aprendidos, foi realizado o melhoramento das instalações da cozinha além da aquisição de utensílios tais como: panelas, bacias, talheres, medidores, potes. Para dar sustentação teórica ao projeto foi realizado um levantamento bibliográfico e de experiências semelhantes a que se pretendia implementar, a fim de apresentar aos comunitários casos parecidos com suas realidades que tivessem obtido algum êxito. Um dos principais desafios da proposta foi a motivação dos envolvidos, visto que tinham ressalvas quanto ao uso das sementes e cascas em função das dificuldades de manuseio. O beneficiamento manual destes recursos é extremamente complicado por ser pouco produtivo e comprometer o acabamento. A necessidade de utilização de energia elétrica, no caso da comunidade ainda sem rede pública de abastecimento na época, era suprida a partir da utilização de gerador para o funcionamento de máquinas que facilitassem o trabalho, tornando a atividade pouco viável economicamente, se considerarmos que eram necessários cinco litros de combustível para que o gerador funcionasse por uma hora. Os adultos participaram de atividades

Geração de trabalho e renda na RDS do Tupé: aspectos do desenvolvimento local como base na organização comunitária...

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diversas que tinham por objetivo o esclarecimento tanto de questões sobre organização comunitária na tentativa de responsabilizá-los como agentes deste meio e de produção nas formas de geração de renda fornecendo o conhecimento necessário para transferência de futuros integrantes do grupo, garantindo seu próprio sustento e de futuras gerações. As crianças foram envolvidas em atividades multidisciplinares, com exibição de vídeos, brincadeiras, atividades na escola e outras iniciativas que pudessem sensibilizá-las e integrá-las ao projeto e sua concepção. Outro ponto trabalhado foi a falta de habilidade dos participantes para os trabalhos artesanais, onde acabaram por revelar por meio de relatos nunca antes terem confeccionado um cesto sequer, recordavam apenas que estas atividades eram realizadas pelos pais quando ainda residiam no interior. Dessa forma, foram reforçadas as oficinas de capacitação para aprimoramento das técnicas. Para fortalecer a proposta foram feitas buscas por parcerias com outras instituições municipais e não governamentais que também atuavam na região, estas parcerias eram fundamentais contemplando as dimensões econômicas, sócio-cultural, político-institucional e ambiental do projeto. O período de seca, que compreenderam os meses de agosto a novembro no ano de 2006, não superou marcas anteriores, mas fizeram com que os moradores deixassem suas casas e partissem para Manaus por algum tempo. A equipe também esteve impedida de chegar à comunidade,

pois teria de dispor de muitos recursos humanos e materiais para a realização de qualquer que fosse a atividade e certamente teria pouco alcance. Todo o cronograma ficou comprometido, mas principalmente as relações entre o grupo ficaram pendentes e mais distantes, reforçando alguns conflitos. Estes conflitos já existentes entre grupos não foram previstos durante a elaboração da proposta e consequentemente não foram devidamente moderados. As atividades de produção e comercialização seguiram como o esperado, os produtos foram comercializados na própria comunidade e nas vizinhas atendendo moradores e eventuais visitantes. Em Manaus, os integrantes do grupo puderam comercializar os produtos na Marina do Davi, ponto de passagem para os que desejam deslocar-se até as localidades da Praia da Lua, do Tarumã-Mirim ou RDS do Tupé com custos apenas de combustível e alimentação. Em março/2007, uma experiência produtiva de 21 dias foi realizada entre os integrantes do grupo interessados em dedicar-se ao período da Páscoa. Tudo que fora produzido foi comercializado e esgotaram-se uma semana antes da festividade e os lucros foram divididos entre os participantes.

Resultados e Discussão

Aproximadamente 70% dos entrevistados declararam participar de alguma atividade relacionada à organização comunitária, com maiores

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ocorrências na Associação Comunitária de Produtores Rurais da Comunidade do Julião, antes da implantação do projeto na RDS do Tupé. Também em sua maioria demonstraram interesse em participar de uma nova organização que fosse criada para a produção e gestão local, porém, a falta de comprometimento dos comunitários com a realização das atividades foi uma das maiores dificuldades encontradas. Mais de 30 comunitários estiveram presentes durante os encontros, mas havia o receio quanto a participação efetiva destes, devido ao grande número de ações pontuais e sem continuidade que vem sendo implementadas na região ao longo destes últimos anos pelas mais diversas instituições. A falta de atendimento básico de saúde pode comprometer definitivamente o sucesso e o futuro das atividades. Em sua grande maioria, quando questionados, os moradores atribuem relação à falta de saúde como fator relevante na realização de qualquer atividade e uma das maiores dificuldades em permanecer na comunidade. Efetivamente nesta experiência não foi possível verificar o impacto econômico que a atividade pode trazer para a comunidade. Os moradores não se apoderaram da atividade produtiva, necessitando da equipe técnica para condução das mesmas. As motivações de fins religiosos dificultaram o envolvimento dos grupos (católicos e evangélicos) além do desafio de superar o modelo da subordinação existente na sociedade do trabalho.

Atividades paralelas foram realizadas como acompanhamento e apoio a outras equipes, tais como:• Organização Comunitária do grupo produtivo de cultivo de peixes em tanque-rede na Comunidade São João também situada na RDS; • Acompanhamento das atividades para a implementação da rádio comunitária junto aos jovens da Comunidade São João;• Aplicação da ferramenta de Diagnóstico Rápido Participativo - DRP em ambas as comunidades que subsidiassem a construção de um plano de ação para as mesmas e apontassem alternativas viáveis de transformação social. Ficou bastante evidente a necessidade de revendedores e pontos de venda para que a produção pudesse continuar, a falta de formalização do grupo produtivo inviabilizou a revenda dos produtos mesmo que alguns estabelecimentos desejassem faze-lo, em outras circunstâncias o grupo não conseguiu honrar com o prazo para entrega da encomenda. Outra tentativa foi em espaço cedido pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade – SEMMAS, no Parque do Mindú aos domingos, onde famílias procuram momentos de lazer e entretenimento. O custo de deslocamento não é compensado pelas vendas. Infelizmente não houve subsídios para manter a experiência, sendo realizadas apenas duas tentativas. A proposta do BioTupé é a de construir um processo de desenvolvimento local, que não se

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esgota em 18 meses. As relações entre os integrantes do grupo produtivo precisam ser fortalecidas, bem como os acordos e regulamentações necessárias. As fases iniciais apresentaram resistência por parte dos mesmos, adiando o início das atividades produtivas, o que nos faz neste momento valorizar todo e qualquer período onde possamos estimular a continuidade destas atividades e ações.

Agradecimentos

Este trabalho é resultado do projeto “Organização Comumitária e uso da biodiversidade para geração de renda e melhoria da qualidade de vida na RDS do Tupé”. Financiado pelo CNPq – CT-Ageo no 5542289/2005-9.

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SANTOS-SILVA, E. N.[et al.], [Orgs.]. (2005) BioTupé: meio físico, diversidade biológica e sócio-cultural. Manaus: INPA, p. 217-238.

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zAPATA, T. 2001. A gestão participativa para o desenvolvimento local – Método Gespar. In: BROSE, Markus (Org.). Metodologia Participativa: uma introdução a 29 instrumentos. Porto Alegre: Tomo Editorial.

Silva & Vieira

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1 Ramon Nantes DONATTIe-mail: [email protected]

2 Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

3 Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVAe-mail: [email protected]

*Trabalho Apresentado no VIII Congresso Latino Americano de Sociologia Rural, Porto de Galinhas, 2010.

1 Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas2 Instituto de Ciências Biológica – ICB, Universidade Federal do Amazonas – UFAM.

3 Laboratório de Plâncton, Coordenação de Biodiversidade - CBIO, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA

Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM*

Resumo: Na comunidade Julião inserida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, notou-se que algumas famílias além de cultivar hortaliças, árvores frutíferas, plantas medicinais e criar alguns animais em seus quintais, também possuem roçados de mandioca. Considerando principalmente o papel que o cultivo da mandioca desempenha na vida dos caboclos da Amazônia foram propostas algumas perguntas a serem respondidas neste estudo: Quem ainda faz roçado no Julião? Como são feitos os roçados e quem está envolvido nesta atividade? Qual o investimento monetário para fazer um roçado? Qual é o

Meio FísicoCapítulo 28 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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rendimento monetário desses roçados? Porque ainda fazem roçados e plantam mandioca? O levantamento das famílias que possuem roçados foi feito através de relatos orais, onde as famílias apontadas pelo levantamento foram questionadas sobre o conhecimento de outras famílias produtoras, desse modo, através desse método “bola de neve”, o levantamento ocorreu até o momento em que as citações das famílias começaram a se repetir. Entrevistas semi-estruturadas com as temáticas “família e cultivo”, contendo variáveis tanto de caráter quantitativo quanto qualitativo foram aplicadas. Para complementar as informações colhidas nas entrevistas foram realizadas também visitas aos roçados e as casas de farinha. O estudo foi realizado de junho a novembro de 2009, tendo como foco a safra da mandioca de 2008/2009. Foram realizadas sete entrevistas semi-estruturadas de um total de 11 agricultores identificados. O manejo dos roçados (corte, queima e limpeza da área) é considerado a atividade mais exaustiva na implantação do roçado. Além dessas três etapas para a implantação do roçado, outra atividade que demanda tempo é a capina, que se insere na principal fonte de renda que são as diárias na roça, gerando uma despesa média total de R$3.500,00 por ciclo de produção. Muitos dos agricultores do Julião não realizam a contabilidade de sua produção e não tem noção dos custos e dos lucros da mesma. Sem esse controle é comum a produção acarretar em prejuízos ao agricultor. Apesar desse prejuízo, a produção de farinha se mantém caracterizando um laço ancestral bastante vivo, principalmente na casa de farinha onde o aspecto ritualístico se sobressai mantendo uma forte resistência cultural. Nota-se também que o sistema de cultivo tradicional, apesar de seus valores culturais, pode interferir na qualidade ambiental, principalmente em relação às queimadas. Portanto, técnicas agroecológicas e permaculturais somadas a uma organização comunitária e financeira podem ajudar tanto no aumento da eficiência dos roçados, como contribuir para a sustentabilidade ambiental e socioeconômica da comunidade Julião.

Palavras-chave: agroecologia, roçados, farinha de mandioca, cadeia produtiva.

Introdução

A agricultura familiar no Brasil exerce um papel importantíssimo na economia, contribuindo na produção de alimentos, no valor total de produtos agrícolas e na geração de renda. Porém, a retribuição a essa contribuição vem

ocorrendo de maneira desproporcional relacionado aos benefícios gerados para essas famílias rurais (Silva, 2004). As características básicas da agricultura familiar são a utilização da mão-de-obra familiar e a integração

Donatti et al.

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Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM.

parcial ao mercado (FAO, 1994). Apesar da mão-de-obra familiar não ser assalariada, a mesma se torna um componente importante no investimento para a produção agrícola familiar. Na Amazônia, a agricultura familiar baseia-se na extração de recursos naturais e principalmente na produção de alimentos. Há uma parcela do pequeno produtor rural, onde a família tem intensa participação na produção de alimentos sincronizados à educação dos filhos, organização social, nível razoável de bem-estar, e modelos sustentáveis de longo prazo. Porém, muitas famílias rurais estão vivendo em condições absolutas de miséria, o que tem levado à não educação formal dos filhos e impactos ambientais, ou seja, a condições de vida não dignas (Galvão et al., 2005). O principal cultivo nos roçados das comunidades caboclas da Amazônia é a mandioca (Manihot esculenta Crantz), utilizada principalmente para produção de farinha, base da alimentação dessas populações (Adams et al., 2006). A rentabilidade econômica desses roçados influencia diretamente a vida das famílias, pois a renda daí adquirida supre diversas necessidades que não são atendidas apenas com o cultivo de alimentos para a subsistência. A mandioca já era cultivada nas Américas há mais de 5.000 anos (Hillocks et al., 2002), ou seja, antes da chegada dos europeus. Segundo Adams

et al. (2006) a maior produção mundial de mandioca é proveniente de pequenas propriedades agrícolas, situadas às margens de grandes centros urbanos e às margens de sua econômica formal. Normalmente utiliza tecnologias tradicionais, pré-industriais que são predominantes nas áreas mais pobres dos trópicos (Henry & Hershey, 2002; Hillocks et al., 2002). Nos dias atuais, o cultivo da mandioca estende-se por 90 países e é responsável pelo sustento de 500 milhões de pessoas em países em desenvolvimento. É cultivada em uma área de cerca de 16 milhões de hectares, distribuídos em 50% da África, 30% na Ásia e 20% na América Latina e, atinge uma produção total que pode chegar a 152 milhões de toneladas (Emperaire, 2002; Hillocks et al., 2002). Através de observações ocasionais, foi detectado que algumas famílias da comunidade Julião, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé no baixo rio Negro, além de cultivar hortaliças, árvores frutíferas, plantas medicinais e criar alguns animais nos quintais de suas residências, também possuem roçados. Segundo Souza & Scudeller (cap. 30, neste volume), nos quintais desta comunidade há um predomínio de espécies frutíferas (56% das espécies amostradas); seguido de espécies cultivadas para fins medicinais (17,5%) evidenciando a importância do mesmo na segurança alimentar e da saúde nesta comunidade.

464

Os cultivos em quintais, geralmente são para o consumo da própria família, já nos roçados, além de atender a subsistência, podem desempenhar papel importantíssimo na geração da renda familiar. Segundo Menezes (2002), boa parte da produção do cultivo de subsistência não aparece nas estatísticas oficiais da economia local, apesar de comprovadamente o autoconsumo e a mão-de-obra familiar representarem importante investimento na economia doméstica. Para que as famílias rurais possam manter uma boa qualidade de vida e produtividade nos cultivos sem ultrapassar a capacidade de suporte do ambiente, é necessário que haja também a sustentabilidade econômica. Diante do observado na comunidade do Julião e considerando principalmente o papel que o cultivo da mandioca desempenha na vida dos caboclos da Amazônia foram propostas algumas perguntas a serem respondidas por este estudo: Quem ainda faz roçados no Julião? Como são feitos os roçados e quem está envolvido nesta atividade? Qual o investimento monetário para fazer um roçado? Qual é o rendimento monetário desses roçado? Porque ainda fazem roçados e plantam mandioca?

Materiais e Métodos

O presente estudo foi desenvolvido na comunidade Julião situada na Reserva de Desenvolvimento

Sustentável (RDS) do Tupé, Manaus-AM. A reserva localiza-se na margem esquerda do rio Negro, a Oeste de Manaus distante, aproximadamente, 25 km do centro da cidade. Nos limites da RDS do Tupé, há seis comunidades rurais, que podem usufruir dos recursos naturais de acordo com as leis que regem esta categoria de unidade de conservação. A comunidade Julião fica à margem direita do Tarumã-Mirim, um dos limites da RDS. São aproximadamente 70 famílias, que se espalham em habitações ao longo dos igarapés e também em um pequeno aglomerado de casas, onde fica uma escola municipal com turmas de primeira a quarta série, uma igreja evangélica, o barracão sede da Associação Comunitária e que aloja a cozinha do grupo de beneficiamento do cupuaçu. Não existe água encanada, sistema de coleta e tratamento de esgoto, posto de saúde ou outro serviço público qualquer. Existe transporte, mas com periodicidade irregular e custo elevado. Existe também um telefone público que geralmente está com defeito e não funciona. Cerca de 50% daqueles que possuem lotes ou casa na vila tem residência principal em Manaus, passando apenas finais de semana na comunidade. A população desta comunidade também tem renda familiar baixa e, baixo nível de instrução formal. É constituída, principalmente por adultos/idosos e crianças. O número de jovens que

Donatti et al.

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residem na comunidade é muito baixo (Mariosa et al., neste volume). Para este estudo, foi realizado um levantamento das famílias que possuem roçados na comunidade. O levantamento foi feito através de relatos orais por meio de conversas com os comunitários. As famílias apontadas pelo levantamento foram questionadas sobre o conhecimento de outras famílias produtoras, desse modo, através do uso do método “bola de neve”, o levantamento ocorreu até o momento em que as citações das famílias começaram a se repetir com alta frequência. As famílias foram visitadas para serem informadas sobre o desenvolvimento do estudo e, convidadas para participar da entrevista semi-estruturada. As entrevistas foram divididas em duas dimensões, sendo uma de caráter quantitativo e outra qualitativo. Cada dimensão foi dividida em duas áreas temáticas, denominadas de Família e Cultivo, a fim de organizar todas as variáveis (Tab. 1). O estudo foi realizado no período de junho a novembro de 2009, tendo como foco a safra da mandioca referente ao período 2008/2009. Para complementar as informações colhidas nas entrevistas foram realizadas visitas aos roçados para averiguações dos dados referentes ao sistema de cultivo, e também uma análise subjetiva do bem estar do produtor rural e sua relação social com a família e a comunidade através da observação direta e da história de vida.

Para a observação direta foram realizadas diversas visitas à comunidade e a maneira informal de destinar as perguntas da entrevista, ajudaram na aproximação entre pesquisador e agricultor, mantendo a naturalidade e a confiança do entrevistado. Para melhor organização dos resultados, foi estabelecido um valor para os dados subjetivos e uma denominação (unidade rural) geral para cada família rural ou agricultor.

Resultados e Discussão

A partir da aplicação dos métodos deste estudo, foram constatados que 11 agricultores eram possuidores de roça de mandioca e que o fazem com o principal intuito da produção de farinha. No entanto, participaram deste estudo apenas sete produtores rurais. Todas as unidades rurais (UR) possuem apenas um roçado (Tab. 2), porém, durante o inicio da colheita, a maioria das unidades rurais (todas, exceto UR 2) prepara outra roça para que não fique sem produção. Por se tratar de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável, todos os interessados precisam de licenças do orgão ambiental do município (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade – SEMMAS) para fazer os roçados. No entanto, segundo os agricultores, às vezes, isso não é possível devido à demora e a burocracia do processo de autorização.

Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM.

466

Tabela 1: Variáveis levantadas durante as entrevistas semi-estruturadas aplicada aos produtores de mandioca da comunidade Julião – RDS Tupé.

Tabela 2: Análise do sistema de cultivo de sete agricultores da mandioca na comunidade Julião – RDS Tupé – Manaus - AM.

QUANTITATIVO QUALITATIVO

FAMÍLIA CULTIVO FAMÍLIA CULTIVO

membros da família

número de áreas cultivadas pluriatividade tipologia do local do roçado

renda familiar tamanho dos roçados e quantidade de mão-de-obra

recebe algum auxílio

histórico da roça

gasto mensal custo monetário do roçado e valor da mão-de-obra

participação de organizações

manejo

força de trabalho dias para implantação do roçado escolaridade valor pessoal

valor de venda da farinha e quantidade produzida

outros cultivos

outros recursos vegetais cultivados

Unid. Rural

Área do roçado

Espécies consorciadas

Externo Histórico da área

Espaçamento (fileiraxplanta)

Época plantio

Época colheita

UR 1 123x83m feijão-favo veneno formiga

capoeira alta

80x80cm nov/08 out/09

UR 2 20x35m - - roçado de mandioca

1,0x0,5m out/08 nov/09

UR 3 100x100m macaxeira - capoeira alta

aleatório abr/08 abr/09

UR 4 100x100m macaxeira, cana, tomate, entre outros.

- capoeira alta

aleatório jul/09 jul/10

UR 5 100x100m - - capoeira baixa

aleatório set/08 out/09

UR 6 50x50m - veneno formiga

capoeira baixa

1,0x1,0m ago/08 out/09

UR 7 50x50m - - capoeira alta

aleatório nov/08 dez/09

Donatti et al.

renda familiar tamanho dos roçados e quantidade de mão-de-obra

recebe algum auxílio

histórico da roça

força de trabalho dias para implantação do roçado escolaridade valor pessoal

valor de venda da farinha e quantidade produzida

outros cultivos

outros recursos vegetais cultivados

UR 2 20x35m - - roçado de mandioca

1,0x0,5m out/08 nov/09

UR 4 100x100m macaxeira, cana, tomate, entre outros.

- capoeira alta

aleatório jul/09 jul/10

UR 6 50x50m - veneno formiga

capoeira baixa

1,0x1,0m ago/08 out/09

A UR 2, além de apresentar a menor área plantada, já apresentava um solo desgastado, resultando numa menor produtividade, porque

outros roçados já haviam sido feitos previamente neste local. Ficou evidente nesta unidade que o responsável pelo roçado não consegue suprir a

467

quantidade necessária de farinha para sua família, com isso, muitas vezes o agricultor vende sua força de trabalho em troca de farinha. Por meio dos relatos orais pode-se observar que os agricultores preferem usar áreas já degradadas (florestas secundárias – capoeira baixa e alta) para abrir novos roçados. Além disso, relatam que devem manter a mata ao redor para a preservação do ambiente. O manejo dos roçados é semelhante em todas as unidades rurais, caracterizados pelo corte, queima e limpeza da área. Tal manejo exige muito esforço e tempo dos agricultores, principalmente no corte, denominado pelos agricultores de “broca”. Além dessas três etapas para a implantação do roçado, outra atividade que demanda tempo é a limpeza da área (capina), que segundo alguns agricultores é essencial para o desenvolvimento dos tubérculos da mandioca e deve ser realizada constantemente. A produção da farinha é a parte mais trabalhosa do processo, e se caso o próprio agricultor não puder realizar este serviço e tiver que contratar mão-de-obra externa para isso dispenderá o maior volume de recursos de todas as fases do processo. Esta fase leva mais tempo para ser concluída e uma vez iniciada tem que ser finalizada não podendo ter intervalos longos entre as diversas etapas do processo propriamente dito de fazer farinha ou farinhada. O processo para abrir novo roçado na capoeira consiste no corte

das árvores maiores – denominado de “broca” e queima. Porém antes de queimar a área, os agricultores fazem um aceiro de 2 a 3m ao redor da área onde será feita a roça para impedir que o fogo se alastre para outras áreas. No entanto, há muitos relatos de proliferação do fogo para outras áreas, prejudicando a floresta, ou às vezes até a própria residência, e consequentemente o agricultor. As principais causas do fogo se alastrar são aceiros mal feitos, o vento e a intensidade da estiagem, que predomina no segundo semestre do ano, época que a maioria realiza o manejo do roçado para o plantio das manivas (propágulo da mandioca). Segundo os agricultores a seca favorece o cultivo da mandioca, apesar de algumas unidades rurais plantarem no mês de abril e julho, período das chuvas. Outro fator relatado foi que a queimada é essencial para o desenvolvimento da mandioca, sendo as cinzas um adubo para o cultivo (100% dos entrevistados). Todas as unidades rurais realizam a colheita aos poucos, de acordo com a necessidade alimentícia e/ou financeira do agricultor. Em relação ao espaçamento (fileira x planta - Tab. 2), nota-se que a maioria não tem o costume de realizar medições, plantando a mandioca de maneira aleatória. Através das observações de campo e da entrevista semi-estruturada, notou-se uma melhor organização dos cultivares plantado em fileiras, pois facilita a quantificação, o trabalho dentro

Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM.

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da roça e segundo os agricultores a distância entre as plantas é necessária também para o desenvolvimento dos tubérculos. As unidades rurais que realizaram o plantio aleatório (URs 3, 4, 5 e 7), também distribuem as plantas de uma maneira que não fiquem muito próximas umas das outras, e quantificam a produtividade da roça pela quantidade da farinha e não pela produção do tubérculo. Todos mencionaram que a formiga é uma praga e o único produto externo utilizado nos roçados é o veneno de formiga Mix’s, conhecido popularmente como “isca pica-pau” (apenas nas URs 1 e 6). Além do seu efeito sobre as formigas pode causar malefícios diretos à saúde dos comunitários e ao meio ambiente. Todas as unidades rurais apresentam cultivos diversos em seus quintais agroflorestais ou até mesmo nos próprios roçados. Os roçados geralmente são instalados mais distantes das residências. É comum encontrar algumas fruteiras no meio do roçado, como é o caso do caju, ingá, tucumã, buriti e do açaí. A ocorrência em geral é espontânea, sendo assim o consumo destes assumem uma identidade mais extrativista do que cultivo, apesar de mesmo assim ocorrer o cultivo em poucas propriedades. As sete unidades rurais também apresentaram o cultivo de macaxeira, sendo que em duas unidades (URs 3 e 4) se encontra consorciado

com a mandioca. Além da macaxeira, observou-se outros consórcios na UR 4, como o maxixe, tomate, cana-de-açúcar, banana, abacate, entre outros, podendo ser classificado como um Sistema Agroflorestal (SAF), manejo importante para a conservação do solo e diversidade alimentícia. Na UR 1, o roçado está consorciado com o feijão-fava, uma leguminosa que possibilita fixação de nitrogênio no solo, auxiliando possivelmente na produtividade da mandioca (Cap. 2). As URs 1, 3, 4, 5 e 7, apresentam cultivo de cupuaçu. A banana foi observada nas unidades 1, 4 e 5. O limão foi encontrado nas URs 1, 3 e 5. Apenas as unidades 3 e 5 apresentam laranja e manga. Outros vegetais também foram observados como araçá-boi, coco, azeitona, rambutã, abacaxi, café, pimenta-do-reino, cebolinha, manjericão, mamão, maxixe, milho, cana-de-açucar, tomate, entre outros. Além dos vegetais, algumas unidades (URs 3, 4, 5 e 7) criam galinhas, tendo assim uma importante fonte de proteína, controle biológico e ótimo esterco, ou seja, possibilitando um sistema mais integrado e diverso. Outra fonte protéica muito importante adquirida pelos comunitários em geral, através da pesca e da caça. Esses dados evidenciam uma grande diversidade de alimentos presentes nas unidades rurais, porém, essa diversidade é diretamente proporcional à área da propriedade (tamanho). Exceção encontrada nas URs 1 e 2, que

Donatti et al.

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apesar de pequenas, apresentam grande diversidade, basicamente por vontade do agricultor, apresentando um espaço para hortaliças e em volta da residência há muitas frutíferas. Já as URs 3, 4, 5 e 6, estão localizadas em uma área rodeada por muitas espécies vegetais muito utilizadas no extrativismo, como é o caso do jambo, açaí, buriti, pupunha e tucumã. Apesar desta alta diversidade presente em toda a RDS, as famílias extraem só aquilo que é necessário para o consumo próprio, e cultivam outros vegetais que não são tão presentes na mata. Porém, a área plantada é pequena e a produção menor ainda, o que não supre suas necessidades alimentares, sendo ainda muito dependentes do mercado externo para poderem se alimentar.

Em todas as unidades rurais é cultivada a mandioca para a produção da farinha e outros derivados como tucupi, pé-de-moleque, bolo, farinha de tapioca e goma. A maior parte da produção da farinha é para subsistência, se houver necessidade ou disponibilidade do produto, ocorre a venda. Mas a principal função das roças é a satisfação pessoal, visto que é um alimento tradicional desta região e o feitio de uma farinha de qualidade para o consumo dos próprios agricultores e familiares é muito importante e prazeroso. Para implantar um roçado é necessário força de trabalho e tempo, porém em alguns casos se contrata mão-de-obra, com isso é necessário dinheiro. A seguir, uma síntese dos

UR Força de trabalho

Mão-de-obra Tempo Gastos (R$) Área (m)

1 0 67 67 1.675,00 123x83

2 1 0 57 0,00 20x35

3 1 44 62 1.350,00 100x100

4 2 19 45 325,00 100x100

5 1 0 69 0,00 100x100

6 1 4 47 100,00 50x50

7 2 2 66 50,00 50x50

Tabela 3: Análise dos aspectos socioeconômicos da atividade nos roçados na comunidade Julião – RDS Tupé – Manaus - AM. Unidade rural = no. da unidade rural; Força de trabalho = quantidade de membros da unidade rural que participa das atividades no roçado; mão-de-obra = no. de força de diárias contratada durante o ano; tempo = quantidade de dias para implantação e manutenção do roçado incluindo todas as atividades durante um ano (corte, queima, limpeza, plantio, capinadas, colheita e produção da farinha); Gastos R$ = gasto monetário com as atividades no total; Área = tamanho da área do roçado.

2 1 0 57 0,00 20x35

4 2 19 45 325,00 100x100

6 1 4 47 100,00 50x50

Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM.

470

Tabela 4: Tempo de dedicação às atividades do roçado, expresso em quantidade de dias para implantação e manutenção do roçado durante um ano 2008/2009, segregado por tipo de atividade.

resultados em relação aos aspectos socioeconômicos dos roçados (Tab. 3), lembrando que os resultados foram obtidos através de uma entrevista semi-estruturada, e a maioria das unidades rurais não realiza a contabilidade de seus gastos. Consequentemente os valores a seguir são aproximados. Para melhor esclarecimento sobre o tempo de trabalho no roçado, segue a tabela 4. Os dados apresentados pertencem às diferentes unidades rurais compostas de pessoas com diferentes faixas etárias e condições financeiras, incluindo também outras atividades desenvolvidas por estas unidades (pluriatividade) que podem influenciar na quantidade dos dias. Geralmente, na comunidade Julião o valor da diária no campo é de R$25,00 (vinte e cinco reais), ou se o trabalho for extenso, realizam a denominada “empeleita” (= empreita ou empreitada), ou seja, cobram o serviço como um todo. A UR 1 teve uma gasto

UR Corte

“broca” Queima e limpeza

Capinadas Plantio Colheita Produção da farinha

Total

1 8 1 48 2 4 4 67

2 3 1 48 1 2 2 57

3 7 2 36 1 8 8 62

4 7 9 24 1 2 2 45

5 7 7 24 15 8 8 69

6 10 3 24 2 4 4 47

7 2 1 48 7 4 4 66

de implantação e manutenção do roçado de R$1.675,00, isso se explica devido ao grande número de mão-de-obra e nenhuma força de trabalho familiar. Esta unidade se caracteriza por ter um proprietário que vive em Manaus e tem uma propriedade na comunidade, onde reside um agricultor que recebe diárias para cuidar da propriedade, incluindo o quintal agroflorestal e o roçado. Devido a este fato, o número de mão-de-obra é igual à quantidade de dias de trabalho na roça, portanto, em 67 dias no ano (vide detalhamento na Tab. 4). Lembrando que a colheita ocorre aos poucos durante o ano, tendo um valor aproximado de 4 dias nesta unidade rural. Quando se colhe a mandioca, logo se faz o procedimento para a produção da farinha e seus derivados tirados durante o processo (goma e tucupi), por isso a quantidade de dias da produção da farinha é igual ao da colheita. Na UR 3 também foi gasto um alto valor monetário devido a

Donatti et al.

2 3 1 48 1 2 2 57

4 7 9 24 1 2 2 45

6 10 3 24 2 4 4 47

471

grande quantidade de mão-de-obra contratada. Porém, o custo foi menor do que a UR 1 porque o proprietário usa sua própria força de trabalho para algumas capinas, diferenciando a mão-de-obra do tempo, e também porque estas capinas ocorreram 3 vezes ao mês (36 dias), enquanto na UR 1 ocorreram 4 vezes ao mês (Tabs. 3 e 4). Nas URs 2 e 5 não houve nenhum gasto monetário com a implantação do roçado, porém, a força de trabalho foi de 57 e 69 dias no ano, respectivamente, um grande esforço, principalmente em relação ao corte, queima e limpeza da área. Na UR 2 foi utilizado um tempo de trabalho maior devido ao tamanho do roçado, apesar do número menor de capinas por mês. Na UR 4, o gasto com o roçado foi de R$325,00 devido à mão-de-obra ter sido contratada em “empeleita” e diária, barateando o serviço. As atividades de corte (7 dias) custaram R$100,00, queima e limpeza (9 dias) R$150,00, e o plantio (1 dia) e a colheita (2 dias), foram através de diárias (R$75,00). Ainda mais realizando 2 vezes ao mês as capinadas e contando com dois membros da família com força de trabalho. Esta unidade economizou R$600,00 com as capinas e R$150,00 contratando mão-de-obra em “empeleita”. Notou-se também, nesta unidade, a menor quantidade de dias para implantação e manutenção do roçado, isto se deve ao fato das capinas ocorrerem apenas 2 vezes por mês e também por ter sido realizada uma rápida colheita e produção da farinha.

A UR 6 contratou mão-de-obra apenas para a colheita (4 dias), somando um gasto de R$100,00. A grande quantidade de dias para o corte foi devido ao emprego da força de trabalho de apenas uma pessoa numa área de 50x50m, sendo esta atividade, segundo os agricultores uma das mais cansativas. Na UR 7 foram utilizadas duas forças de trabalho, mais uma mão de obra contratada durante o corte e gastou-se apenas R$50,00, para realizar esta atividade exaustiva (corte) em apenas 2 dias. Diante dessas análises, percebe-se que uma das principais fontes de renda dos comunitários do Julião são as diárias na roça, gerando um total entre as unidades rurais de R$3.500,00 em um ano. Outro fator importante que deve ser mencionado, é que, além do principal gasto que é a mão-de-obra, às vezes pode haver gastos com veneno para formigas, compra de manivas, etc. Em relação à força de trabalho empregada em determinadas atividades, nota-se que apesar das capinas ocorrerem muitas vezes ao ano, segundo a observação direta, o processo de corte da mata é a atividade mais exaustiva, seguido da queimada e da limpeza. Em relação ao prazer do cultivo da mandioca, se sobressaiu o feitio da farinha. Apesar da tradição e do prazer no feitio da farinha de mandioca, quando se implanta um roçado isto torna-se um investimento, no qual observou-se

Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM.

472

que não é muito bem organizado nem contabilizado. Tal fato pode estar ligado ao baixo nível de escolaridade, sendo que apenas o proprietário residente em Manaus (UR 1) possui ensino médio completo, enquanto em duas unidades rurais os moradores possuem ensino fundamental incompleto e o restante nunca estudou, ou também por uma questão de cultura regional. A tabela 5 sintetiza os valores obtido com a venda da farinha, lembrando que as unidades rurais têm como principal objetivo a própria alimentação, porém, muitas vezes há excedente gerando um provável lucro. Um saco de farinha na comunidade Julião tem aproximadamente 60 Kg, valendo em torno de R$120,00. Nos mercados da cidade de Manaus e da comunidade Julião, o quilograma da farinha na época deste estudo custava R$2,50, ou seja, R$0,50 acima do valor da farinha produzida e comercializada na comunidade. A quantidade de farinha produzida é influenciada pelo desenvolvimento dos tubérculos da mandioca, quando o solo está rico em nutrientes, melhor será o desenvolvimento da mandioca, ocasionando elevada produção de farinha. Quando se planta a mandioca em uma área já cultivada, a produção é menor devido a carência de nutrientes no solo. Tal fato ocorreu na UR 2, onde o local do cultivo já havia sido utilizado previamente. De acordo com os dados colhidos, a UR 5 foi onde ocorreu o melhor retorno financeiro, pois nesta

não houve gastos financeiros e sua roça teve uma boa produtividade durante a safra. Porém, quando contabilizados os dias de trabalho deste agricultor no valor da diária paga na comunidade, o gasto financeiro seria de R$1.725, gerando um valor líquido de R$675,00 em apenas uma safra. Como já mencionado acima, na UR 1 ocorreu uma perda financeira de R$1.195,00 (Tab. 5) devido a pequena produtividade da roça e a intensa contratação de mão-de-obra. Nas outras unidades os valores foram aproximados, havendo diferenças ora na contratação de mão-de-obra ora na força de trabalho. Fica evidente, que quando a força de trabalho é dividida, melhora a satisfação na realização da atividade, diminuindo os gastos financeiros e o tempo de serviço. Outras formas de renda também foram observadas na comunidade, verificando se ocorre pluriatividade, auxílios financeiros de familiares e/ou aposentadoria e pensão. Para uma visão da situação financeira das famílias rurais segue a tabela 6. Devido o responsável da UR 1 residir em Manaus, não foi possível levantar os dados referentes a renda, ao gasto e a quantidade de membros da família, porém, sabe-se que o proprietário exerce sua profissão em Manaus, além de financiar o roçado na comunidade, ocorrendo a pluriatividade A maior renda mensal foi obtida na unidade 4 (R$1.600,00) devido ao auxílio de parentes residentes em Manaus e o recebimento de pensão. A UR 3 também teve uma alta renda, também

Donatti et al.

473

UR Área (m) Produção da farinha (Kg)

Valor Bruto (R$)

Valor Líquido (R$)

1 123x83 240 480 -1.195

2 20x35 120 240 240

3 100x100 900 1.800 450

4 100x100 600 1.200 875

5 100x100 1.200 2.400 2400

6 50x50 300 600 500

7 50x50 300 600 550

Tabela 5: Quantidade de farinha produzida por unidade rural e os valores (líquido e bruto) da produção durante a safra 2008/2009 na comunidade Julião – RDS Tupé.

Tabela 6: Renda mensal, gasto mensal, auxílios financeiros, outra forma de renda além da agricultura (pluriatividade) e quantidade de membros da família da unidade rural.

UR Renda Mensal (R$)

Gasto Mensal (R$)

Auxílios Pluriatividade Membros da família

1 x x não sim X

2 R$ 400 R$ 300 não sim 8

3 R$ 1.460 x sim sim 2

4 R$ 1.600 R$ 350 sim não 2

5 R$ 470 R$ 50 sim não 1

6 R$ 500 x sim não 1

7 R$ 600 R$ 200 sim sim 6

por auxílio de parentes, aposentadoria, mais o mercado de vendas que a família possui na comunidade assumindo a pluriatividade. A menor renda ocorreu na UR 2, pois a única fonte de renda da família com oito membros vem das diárias na roça e do artesanato confeccionado pela mãe da família. Nas URs 5, 6 e 7 houve recebimento de aposentadoria e apenas na UR 7 ocorreu pluriatividade, onde a família vende doces na comunidade e em Manaus. Em relação aos gastos mensais, nas URs 1, 2, 3, 4, 6 e 7,

ocorreram gastos com energia elétrica, alimentação, manutenção da roça, diárias e pagamento para associação de moradores (no valor de R$10,00 por mês). A família da UR 5 é a única que não paga a associação e nem energia elétrica. A associação dos moradores da comunidade Julião realiza reuniões mensais em prol de melhorias da comunidade, porém, em relação a organização, os comunitários são pouco participativos. Nenhum dos moradores das unidades rurais participa

2 20x35 120 240 240

4 100x100 600 1.200 875

6 50x50 300 600 500

2 R$ 400 R$ 300 não sim 8

4 R$ 1.600 R$ 350 sim não 2

6 R$ 500 x sim não 1

Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM.

474

do sindicato rural, implicando na impossibilidade de uma aposentadoria por tempo de trabalho, e também desconhecem as políticas vigentes relacionadas a RDS e a agricultura familiar que poderiam auxiliar na qualidade de vida dos produtores.

Conclusões

O valor monetário que seria auferido com a venda da farinha não gera lucro ao agricultor na escala em que a atividade é realizada no Julião, portanto, nesta escala, fazer farinha para venda não se constitui numa atividade lucrativa que poderia ser utilizada como geradora de renda. Apesar disso, a produção da farinha tem grande importância cultural. Na comunidade do Julião a farinha ainda é um importante item na dieta das famílias. Nota-se também que o sistema de cultivo tem características tradicionais, podendo este interferir na qualidade ambiental. A força de trabalho utilizada para produzir a roça de mandioca é grande, e o investimento também, porém, o valor adquirido com a venda é mínimo e muito inferior ao investido. Técnicas modernas e mais apropriadas, como aquelas baseadas em princípios da agroecologia, poderiam ajudar tanto para aumentar a eficiência dos roçados, como para contribuir para a sustentabilidade ambiental e social. Tais técnicas devem

ser incentivadas para que sua adoção ocorra no menor tempo possível.

Agradecimentos

Os autores agradecem imensamente aos comunitários que participaram desta pesquisa, nos recebendo em suas casas com carinho e respeito. Também gostaríamos de agradecer ao projeto Saberes Locais (CNPQ 551988/2007) que proporcionou condições ideológicas e recursos financeiros para o desenvolvimento deste. Aos amigos do treinamento realizado pelo dr. Edinaldo Nelson pelas imensas sugestões e apoio.

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Donatti et al.

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Aspectos sócioeconômicos dos produtores de farinha da comunidade Julião, zona rural de Manaus-AM.

477

1 Ana Cristina B. OLIVEIRAe-mail: [email protected]

2 Kedma Cristine YAMAMOTOe-mail:[email protected]

3 Monaliza Sayuri de Q.TAKAHASHIe-mail: [email protected]

3Ronãn Alves FREITASe-mail: [email protected]

1Departamento de Pesca, Universidade Federal do Amazonas – UFAM2Pós-Graduação em Ciências Pesqueiras nos Trópicos- UFAM, doutorado.

3Pós-Graduação em Ciências Pesqueiras nos Trópicos do PRODERAM – UFAM, mestrado.

Unidade familiar de produção de peixes em tanques-rede no lago Tupé

Resumo: A Unidade Familiar de Produção (UFP) de tambaqui, Colossoma macropomum, em tanques-rede no lago Tupé foi implantada como alternativa produtiva para geração de renda, trabalho, alimento e melhoria da qualidade de vida dos moradores da comunidade de São João do Tupé na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, RDS-Tupé. Nesta investigação foram acompanhados e descritos o processo de implantação da UFP e as etapas de cultivo de tambaqui “curumim”; monitoramento dos parâmetros limnológicos na área de influência dos tanques-rede e avaliado o desempenho produtivo. A pesquisa-ação foi a base metodológica utilizada, acompanhada da observação participante e entrevistas semi-estruturadas. Os valores médios dos parâmetros

Meio FísicoCapítulo 29 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

478

limnológicos monitorados se mantiveram dentro dos padrões aceitáveis para espécie e sem alterações significativas decorrentes do manejo de cultivo. O que indica que o cultivo conduzido nos moldes da UFP não afeta as características naturais do lago Tupé. Os resultados de desempenho de cultivo no ciclo de oito meses indicaram uma sobrevivência de 87% dos peixes na recria e 100% na engorda; um Ganho de Peso médio de 356 g e Conversão Alimentar Aparente média de 1,5. A UFP de tambaqui curumim apresentou resultados de desempenho produtivo satisfatórios, gerando renda e contribuindo para a melhoria na qualidade alimentar dos moradores, compatibilizando a atividade produtiva com a preocupação com a qualidade ambiental. Contudo, a produção ainda é pequena e descontínua, o que pode não garantir capital de giro necessário para manter a rotatividade do cultivo. Observaram-se também dificuldades no gerenciamento de algumas tarefas pertinentes ao cultivo, além da ausência ou pouca participação dos beneficiários nas etapas de aquisição e transporte de insumos, o que pode ameaçar sua sustentabilidade como unidade produtiva. Os resultados apresentados fornecem subsídios para o planejamento de futuras políticas públicas na Reserva, ao possibilitar a compreensão das relações produtivas numa unidade familiar.

Palavras-chaves: Colossoma macropomum, piscicultura, comunidade, rio Negro.

Introdução

Na Amazônia, o problema ecológico é indissociável dos conflitos gerados na apropriação e uso dos recursos naturais. Walker & Homma (1996) afirmam que é impossível considerar a sustentabilidade ecológica fora do contexto da sustentabilidade social, envolvendo necessariamente, soluções positivas entre pessoas e grupos sociais. Assim, é entendido que a conservação dos recursos naturais pode ser possível com a cumplicidade e presença ativa das populações locais. Ressalta ainda que, é possível promover a sustentabilidade social para garantir a sustentabilidade ecológica, através de atividades de geração de renda, capacitação para a autogestão

e mobilização para a participação nas instâncias de decisão. Contradizendo-se com a situação desejável para uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), um convívio harmonioso do homem com o meio ambiente, os moradores da RDS-Tupé vivem em precárias condições de vida, seja de moradia, alimentação, trabalho, escola, posto de saúde entre outros. Além disso, a sua proximidade da cidade de Manaus tem causado um forte aumento da ação antrópica através do turismo irresponsável e mesmo do crescimento urbano. Visando atender as demandas locais e ao mesmo tempo colaborar com a missão socioambiental

Oliveira at al.

479

da reserva, os pesquisadores do BIOTUPÉ, através do projeto CT-Agro/CNPq 19 e 20/2005 implementaram uma unidade familiar de produção (UFP) de tambaqui (Colossoma macropomum) “curumim” em tanques-rede, aproveitando o lago existente na comunidade para a produção de alimento e geração de renda. A UFP foi fundamentada na capacitação dos moradores para sua gestão e nos conceitos de uma atividade produtiva preocupada com a conservação do meio ambiente. Neste contexto, este estudo descreve o processo de implantação da UFP e as etapas de cultivo, monitoramento dos parâmetros limnológicos na área de influência dos tanques-rede e avalia o desempenho produtivo do tambaqui “curumim”. Sendo a UFP de criação de peixes da RDS Tupé, uma experiência pioneira entre as Unidades de Conservação (UC) da região Amazônica, destaca-se a importância dos seus resultados para a compreensão dos processos que envolvem comunidades rurais, comunidade acadêmica e meio ambiente na conservação de uma área rural altamente fragilizada, tanto pelo apelo turístico quanto pela sua proximidade do maior centro urbano da região Norte.

Material e Métodos

Área de Estudo

A comunidade São João do Tupé situa-se às margens do rio Negro e lago Tupé, sendo limitada por praia,

mata de igapó e terra-firme. Suas residências estão à beira do lago ou agrupadas na pequena vila nas proximidades da praia. A ocupação demográfica da área vem se dando ao longo de aproximadamente 40 anos (Santos & Parra Filho, 1998). A fundação oficial da associação comunitária data de 18 de abril de 1988, registrada do cartório de títulos e documentos. No entanto, começa efetivamente a funcionar em julho de 1988, dando o primeiro passo através do projeto “Ajuda e Esperança do Pro-Menor Dom Bosco” (Silva, 2006). O acesso à comunidade, normalmente é realizado por via fluvial. Partindo de Manaus, mais precisamente do porto Marina do Davi, localizado na Estrada da Ponta Negra, onde embarcações de pequeno e médio porte são fretadas para realizar o deslocamento até a praia do Tupé, navegando no sentido oeste pela margem direita do rio Negro, aproximadamente 30 minutos. Segundo Aprile & Darwich (2005), o lago Tupé está conectado ao rio por um canal de cerca de 20m de largura, por 0,5m de profundidade e 150m de comprimento. Durante a fase da seca (águas baixas), a amplitude média de variação é semelhante a do rio Negro, acima da cota de 19m a.n.m. Quando o nível da água está abaixo da cota de 19m a.n.m. não há entrada de água do rio. Ocorre nessa fase, afluxo de água do lago ao rio proveniente, principalmente, dos igarapés da floresta que convergem ao lago, e da precipitação. No pico da cheia o nível

Unidade familiar de produção de peixes em tanques-rede no lado do Tupé.

480

do rio atinge valores em torno da cota de 28 m a.n.m. e o lago apresenta profundidade de cerca de 15 m em sua região central e de 10 m na região de cabeceira. Apesar da grande flutuação de nível, as outras medidas lineares (comprimento, largura de superfície e área livre) aumentam muito pouco comparadas aos lagos de água branca. No Tupé ao contrário dos lagos de várzea, além dos desníveis, a bacia apresenta margens íngremes, com vale em forma de “V”.

Delineamento do Estudo

O presente estudo foi realizado por meio de pesquisa-ação que representa um tipo de investigação social com base empírica, no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (Thiollent, 2006). O acompanhamento e a descrição da implementação da UFP na comunidade de São João do Tupé, bem como o envolvimento dos atores nas diversas etapas desses processos, foram realizadas mediante o levantamento das informações sobre a experiência piloto de 2005, através de entrevistas estruturadas e observação participante nas atividades que deram continuidade a UFP, em 2007 e 2008. As análises das informações técnicas sobre o desempenho de cultivo foram consideradas a partir dos resultados do segundo ciclo produtivo considerando os seguintes índices

zootécnicos: Sobrevivência, Ganho de Peso Médio e Conversão Alimentar Aparente. Também, foram analisados os resultados dos parâmetros limnológicos monitorados na área de influência dos tanques-redes durante o período de cultivo, como oxigênio dissolvido, temperatura, transparência, condutividade, pH e amônia total.

Resultados e Discussão

Acompanhamento e descrição do processo de implementação do Projeto piloto da UFP

O cultivo de peixes na comunidade São João do Tupé foi uma iniciativa que partiu do desejo de se transformar a realidade de pobreza em que vive a população local. Estudos prévios realizados pelo Projeto BIOTUPÉ, mostraram que a atividade para complementação da renda local almejada pela maioria dos moradores era cultivar peixes. Tendo posse do conhecimento e das condições propícias do lago Tupé o projeto BIOTUPÉ sob a coordenação do INPA (Instituto de Pesquisas da Amazônia) em parceria com a UFAM (Universidade Federal do Amazonas), CEULM/ULBRA (Centro Universitário Luterano de Manaus) e a UEA (Universidade Estadual do Amazonas) submeteram uma proposta ao Edital CT-AGRO/MCT/CNPq n.º 019/2005, intitulada: Organização comunitária e uso da biodiversidade para geração de renda e melhoria da qualidade de

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vida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé e CT-AGRO/MCT/CNPq n.º 20/2005 intitulado: Gestão local através de ações sócio-ambientais e uso racional dos recursos naturais para geração de renda e melhoria da qualidade de vida na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé. Estes editais foram uma seleção pública de propostas, para apoio a projetos de extensão e disponibilização de tecnologias para a inclusão social realizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, nos temas “água e alimentação humana e animal”. Assim, aproveitar as potencialidades ambientais do lago existentes na comunidade São João do Tupé, para o cultivo de peixes em tanques-rede, como opção para produção de alimento e geração de renda foi um dos objetivos dos projetos desenvolvidos no período de março de 2006 a maio de 2007. Por se tratar de uma área legalmente protegida, o primeiro passo para a implementação da UFP, foi a apresentação da proposta do projeto ao gestor da RDS com o intuito de obter a licença prévia para o desenvolvimento das atividades, que de acordo o § 5° do Artigo 20, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, no subitem II – é permitida e incentivada a pesquisa científica voltada para a conservação da natureza, à melhor relação das populações residentes com o seu meio e à educação ambiental,

sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da Unidade, às condições e restrições por ele estabelecida e às normas previstas em regulamento. O prazo da licença concedida pelo órgão gestor tem duração de um ano. Ficou estabelecido que após esse período, a instituição responsável pelo projeto deveria apresentar os principais resultados alcançados e, caso houvesse interesse em continuar com a atividade na Reserva, a autorização novamente seria requisitada. A UFP também foi oficialmente levada ao conhecimento do IBAMA e Secretaria Especial Aquicultura e Pesca – SEAP, com o intuito de regulamentar as atividades comerciais fora da RDS. A espécie cultivada, o tambaqui, apresenta excelente desempenho para cultivo em diferentes sistemas de criação intensiva (Chagas et al., 2005), melhor disponibilidade de alevinos e excelente mercado consumidor para o produto. (tambaqui “curumim”), o peixe comercializado com peso entre 300 a 400g. Sete famílias foram selecionadas para compor a UFP através de reuniões e entrevistas semi-estruturadas, buscando-se atender o seguinte perfil: ser morador residente/permanente da comunidade de São João do Tupé, pois existem moradores de final de semana; apresentar baixa renda; ter interesse e afinidade pela atividade de criação de peixes; almejar mudar a situação atual de baixa renda sem comprometer o ambiente entre outros.

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Após a seleção das famílias foram realizados cursos de capacitação e visita a uma comunidade criadora de peixes, com o objetivo de prepará-los para esta nova rotina de trabalho na comunidade. Cada família ficou responsável pelas atividades de manejo do cultivo por um dia da semana, sendo registradas em planilhas de acompanhamento diário. A escala semanal foi organizada durante as reuniões mensais com a equipe técnica de apoio, ocasião onde as planilhas preenchidas eram revisadas e esclarecidas às dúvidas. A UFP foi equipada inicialmente com sete tanques-rede de 6 m3, instalados em uma área do braço menor (03º02’28,0’’S 60º15’12,0’’W) do lago, local com profundidade mínima observada de 2,5 m na seca e fluxo constante de água. Os tanques-rede utilizados apresentam estrutura leve, resistente e não corrosível, com as seguintes características: dimensões 2 m x 2 m x 1,5 m com volume útil de 5,2 m³; telas em aço galvanizado revestido de pvc; malha de 2 cm entre nós e flutuadores de canos em pvc. Para a sua fixação foram usadas poitas de concreto em suporte plástico, que funcionaram como âncoras. Para a fase de recria foram utilizados berçários confeccionados em malhas multifilamento de 5 mm entre nós e volume útil estimado em 3,0 m³. Na fase de engorda foram utilizados comedouros de formato circular, com 1,5 m de diâmetro, constituídos de malha plástica de 0,5 mm e estrutura metálica de sustentação.

A densidade de estocagem na experiência piloto foi de 444 peixes/tanques. As famílias, participaram de todas as etapas de implementação da UFP: montagem dos tanques, instalação, povoamento e manutenção dos tanques (limpeza e pequenos reparos), biometrias mensais, manejo alimentar dos peixes, monitoramento da qualidade da água e comercialização do pescado (Fig. 1). Os peixes foram alimentados com dois tipos de ração duas vezes ao dia, até a saciedade. No período de recria, foi ministrada ração contendo 36% de proteína bruta e no período de engorda ração de crescimento I com 28% de proteína bruta. Mensalmente foram realizadas biometrias dos peixes, com medidas de comprimento e peso médio para cada tanque. O primeiro ciclo de produção, que compreendeu desde a fase de recria até a etapa de comercialização, apresentou duração de nove meses. Inicialmente o pescado foi comercializado por R$ 4,00 o kg aos comunitários e 3,50 o kg aos barraqueiros da praia, gerando um total de R$ 3.094,00, e o restante da produção foi vendida para um frigorífico a R$ 2,50 o kg, incrementando mais R$ 2.502,50 na receita bruta. Ao todo, foram vendidos 1.774,5 kg de pescado, e arrecadados R$ 5.596,00. Os resultados zootécnicos de seis meses de cultivo mostraram que os peixes apresentaram um peso médio final de 470,50 g, taxa de conversão alimentar aparente CAA (consumo de ração pelos peixes/peso

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total dos peixes) = 1,26 g, e eficiência alimentar EA = 83%. O custo unitário de produção – CUP, levando em conta somente os custos com a ração foi de R$ 1,27/kg. O CUP incorporados os custos com a aquisição e o transporte (frete) de insumos e combustível foi estimado em R$ 1,87/kg. Diante dos resultados, a equipe técnica concluiu que a criação de tambaqui em tanques-rede no lago do Tupé é uma atividade viável do ponto de vista econômico e ambiental, considerando ainda, que toda a produção foi realizada no tempo previsto, a mortalidade foi zero e a demanda pelo consumo do pescado foi satisfatória, não havendo alteração na qualidade da água, que foi monitorada semanalmente na fase de recria e mensalmente na fase de engorda.

Acompanhamento do segundo ciclo de produção da UFP

Ao final de um ano, mediante os resultados da experiência piloto serem considerados satisfatórios e, o desejo de continuidade do projeto apresentado pela comunidade, iniciou-se uma nova etapa na atividade de cultivo. Este segunda fase do projeto inseriu adequações observadas a partir das demandas e dificuldades apresentadas durante a experiência piloto, tanto em relação à produtividade, quanto na complexidade dos relacionamentos interpessoais entre as famílias envolvidas no projeto. No contexto da nova proposta, o projeto passou a prever:

ampliação de parcerias, ampliação da UFP com a aquisição de mais tanques-rede, utilização de metodologia de repicagem de densidade e de tamanho, aquisição de um flutuante como base de apoio, estratégias para o envolvimento dos jovens na atividade e capacitação para a fase de comercialização e mediação de possíveis conflitos.

Recurso Solidário

Os coordenadores e demais colaboradores representantes das insti-tuições de ensino e pesquisa envolvidos na comunidade, objetivando primordial-mente captar financiamento para sub-sidiar a continuidade da atividade do cultivo de peixes em tanques-rede, sub-meteram e aprovaram em 2007 o proje-to intitulado: Uso dos Recursos Naturais para Geração de Renda na RDS Tupé - AM: Cultivo de Peixes em Tanques-rede Ecológica e Economicamente Susten-tável ao 11° Concurso Banco Real Uni-versidade Solidária, garantindo assim a continuidade do cultivo em 2008 e for-talecendo o compromisso com a prática da sustentabilidade ambiental.

Composição das Famílias do novo ciclo produtivo

Em agosto de 2007 foi realizada uma reunião que teve como pauta: apresentar os resultados do primeiro ciclo, expor a nova proposta do projeto que incluía ampliação da UFP, otimização do cultivo incluindo a repicagem por tamanho e densidade, capacitação

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para a comercialização (considerada a maior fragilidade dentro da cadeia produtiva), importância dos registros das atividades de cultivo no diário do comunitário e apresentação dos novos integrantes da equipe técnica. Durante a reunião foi perguntado às famílias que compuseram a UFP em 2006 se estariam dispostas a continuar e quais gostariam de ingressar, com o único pré-requisito de ser morador da comunidade. Nesse momento, três famílias declararam que estavam saindo do projeto, e o motivo principal alegado pela maioria foi “para evitar possíveis desentendimentos com o grupo”. Com a saída dessas famílias houve o ingresso de mais três, dessa forma, a UFP continuou composta por sete famílias. O primeiro passo para integrar os novos participantes às atividades da UFP foi a determinação da escala semanal para arraçoamento dos peixes e, o estabelecimento do dia da semana para a limpeza dos tanques. Assim, as famílias que ingressaram foram aos poucos se adaptando a rotina de cultivo e as mais experientes se encarregaram de ensinar as tarefas de alimentação dos peixes e manutenção dos tanques, ficando as demais tarefas como biometria e monitoramento da qualidade da água, sob a orientação da equipe técnica.

Ampliação das instalações de cultivo da UFP

Durante a expectativa do resultado do “Concurso do Banco

Real” a equipe técnica, articulou junto a SEPROR (Secretaria do Estado de Produção Rural do Amazonas) apoio para ampliação e continuidade da UFP, o que resultou na doação de 5 tanques-rede e 4.000 alevinos de tambaqui, ampliando a UFP de 7 para 12 tanques. Após a aquisição dos tanques e alevinos, o novo ciclo de produção teve seu início em setembro de 2007. A equipe utilizou parte dos lucros adquiridos com as vendas do primeiro ciclo para o pagamento do transporte dos peixes doados (produzidos na Estação de Balbina no Centro de Treinamento, Tecnologia e Produção em Aquicultura) até a UFP (no lago do Tupé). O restante do recurso foi empregado na compra de ração, equipamentos para a instalação dos novos tanques e no custeio de três visitas da equipe técnica de apoio. Durante o peixamento, ainda na embalagem de origem, os alevinos foram distribuídos nos tanques para ambientação de aproximadamente 15 a 20 minutos, e distribuídos em seis tanques munidos de berçários (volume útil do tanque de 3m3) com tamanho inicial médio de 3,5 cm e peso inicial médio de 1,8 g, em densidade de 667 peixes por tanque/berçário para iniciar a etapa de recria. Após 60 dias de cultivo, os alevinos retirados dos berçários foram distribuídos em oito tanques. Nesse momento, devido à heterogeneidade observada no lote foi realizada repicagem dos peixes, sendo separados por tamanhos classificados em médios e grandes. Após a repicagem não foi possível estabelecer uma densidade

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padrão para todos os tanques, variando de 230 a 340 peixes/tanque.

Alimentação dos peixes

A alimentação foi fornecida pelas famílias selecionadas, de acordo com a escala semanal e acompanhada semanalmente pela equipe técnica. O horário desta atividade foi, às 8:00h e às 16:00h e os peixes foram alimentados até a saciedade aparente. Contudo, para evitar desperdícios e melhorar o controle da ração fornecida, foi realizada uma estimativa de consumo diário de 5% do peso vivo e os ajustes foram feitos, com base na biometria mensal. No momento da alimentação, o tratador utilizava-se de uma canoa e baldes para levar a ração até os tanques e um recipiente graduado (com capacidade para 1 kg) para medir a quantidade a ser ministrada aos peixes. Após alimentação os tratadores anotavam a quantidade de ração ministrada na planilha e assinavam seu nome. Em seguida, anotavam no diário de campo (livro de registro da UFP) suas observações sobre o comportamento dos peixes, mortalidade, alterações bruscas, etc. Os peixes permaneceram dois meses nos berçários, recria, até atingir o comprimento suficiente para não escapar pela malha dos tanques (5,0 cm entre nós opostos). Nessa fase foi ministrada ração comercial contendo 36% de PB. Quando os peixes atingiram cerca de 8,0 cm, os berçários foram removidos dos tanques. Nesse

momento deu-se início a fase de engorda que teve duração de quatro meses. Durante essa etapa os peixes passaram a ser alimentados com ração comercial contendo 28% PB.

Manutenção dos tanques e biometrias

A manutenção dos tanques consistiu principalmente na escovação das estruturas imersas na água, bem como dos objetos complementares ao tanque como: comedouros, bóias e berçários, além de pequenos reparos e o ajuste das poitas e amarras que evitam a movimentação dos tanques conforme o nível da água. Essas atividades eram realizadas semanalmente pela manhã, após a alimentação dos peixes. Foi observado que as mulheres do grupo atuaram em todas as etapas do cultivo, embora sua participação tenha sido mais representativa na alimentação e lavagem dos tanques. Os homens tiveram maior participação nas biometrias mensais, na despesca e comercialização (Fig. 2). No entanto, as mulheres foram mais atuantes nas reuniões do grupo, onde suas opiniões e observações sobre a UFP foram importantes. As biometrias foram realizadas mensalmente, sempre pela parte da manhã, com uma amostragem de 5% dos indivíduos de cada tanque, sendo registrados o comprimento padrão e o peso médio dos peixes. Nessa etapa a equipe técnica sempre contou com a participação efetiva dos comunitários, que realizaram sem maiores

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dificuldades essa atividade. Até 2007, as biometrias eram realizadas dentro de uma canoa da comunidade que estacionava próximo aos tanques, com auxílio de uma balança mecânica que posteriormente, foi substituída por uma balança digital (Fig. 3). Em 2008, esse processo passou a ser realizado no flutuante da UFP, o que trouxe maior comodidade, segurança durante a realização dessa atividade e de outras como armazenamento da ração, lavagem dos comedouros, abrigo para equipamentos e consequentemente, minimizando as condições de estresse dos peixes.

Monitoramento dos parâmetros limnológicos e índices zootécnicos

O monitoramento foi iniciado a partir do peixamento. Os parâmetros limnológicos foram: oxigênio dissolvi-do, temperatura, pH, transparência da água e amônia que foram monitorados semanalmente no primeiro mês, a cada duas semanas no segundo mês e men-salmente durante o restante do período de cultivo. As medidas foram reali-zadas às 09h numa posição a jusante dos tanques-rede, local onde a água já havia percorrido os tanques, conside-rando a influência de possíveis restos de alimentos e metabólitos nas carac-terísticas da água (Fig. 4). Essas variá-veis foram medidas in loco à 30 cm da superfície da água, através de leitura direta em aparelhos portáteis (oxigê-nio dissolvido e temperatura, Oxímetro modelo YSI-55; pH, pHmetro mode-

lo Jenway-370; transparência, disco de Secchi com diâmetro de 22 cm). A amônia teve seus valores obtidos atra-vés do método Nitrogênio Amoniacal (Grasshof, 1976), utilizado para aná-lises das amostras de água coletadas próximo aos tanques e realizadas em espectrofotômetro (Colemam-350) no Laboratório de Limnologia da Universi-dade Federal do Amazonas (UFAM). Os dados limnológicos registrados durante o segundo ciclo produtivo estão apre-sentados na tabela 1. Ao final do período de recria, 60 dias, foi verificada sobrevivência de 87%. Os peixes apresentaram compri-mento e peso final, respectivamente, de 7,4 cm e 21,9 g. A conversão alimen-tar aparente foi de 1, 52 (Tab. 2). Em-bora tenha sido planejado o sistema de repicagem com a diluição das densida-des de estocagem, foi possível apenas uma repicagem por faixa de compri-mento dos peixes em pequeno, médio e grande no final da recria. No período de engorda, após seis meses de cultivo, a sobrevivência observada foi de 100%. Os peixes apresentaram comprimento médio de 20,9 cm; peso final médio de 378,4 g e uma conversão alimentar aparente de 1,52 (Tab. 3).

Envolvimento comunitário no manejo de cultivo e a sustentabilidade da UFP

Durante a observação do envolvimento comunitário nas diversas etapas que compreenderam a implementação da UFP, foi percebido baixo ou nenhum envolvimento na

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realização de algumas atividades pertinentes ao cultivo. A compra de ração e outros insumos como: balança, baldes, caçapas, luvas (utilizadas para biometria), escovas (para a lavagem dos tanques) e outros materiais de limpeza, cadeados (utilizados nas tampas dos tanques), cordas (amarrar os tanques e o flutuante), tintas (para a manutenção dos tanques) e outros foram realizadas pela equipe técnica em Manaus, sem a participação efetiva dos comunitários. Não houve a participação de nenhum representante da comunidade nas etapas de articulação, aquisição e transporte dos tanques e alevinos. Já na aquisição e reforma do flutuante, instalado em 2008 no

lago, houve a participação efetiva dos beneficiários da UFP, que decidiram junto com a equipe todas as ações a serem realizadas durante essa etapa. Durante o peixamento e as biometrias a equipe interagiu com os comunitários que observaram e participaram entusiasmadamente no processo. Ao mesmo tempo demonstraram insegurança deixando a tomada de decisões nas mãos da equipe. Durante a realização do monitoramento dos parâmetros limnológicos foi verificado que os comunitários, integrantes da UFP (com exceção dos alunos de Pibic Júnior da comunidade) não participaram

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Tabela 1: Variáveis utilizadas para monitorar as condições da água na criação de tambaqui em tanques-rede no Lago do Tupé no Período de 11/09 de 2007 a 10/05 de 2008.

Data

Hora

PH T ºC O2 (mg/L)

Transp. (m)

Condut. (µS-1)

Amônia (mg/L)

11/9/2007 10:48 5,35 24,8 4,54 1,4 Nd Nd

22/9/2007 09:15 5,24 25,1 2,43 1,5 Nd Nd

29/9/2007 09:00 5,03 30,2 2,56 1,5 Nd Nd

6/10/2007 10:00 5,44 31,2 3,4 0,9 Nd 0,005

13/10/2007 09:00 6,93 31 4,8 1,6 Nd 0,005

20/10/2007 09:00 6,7 32,5 4,57 1,6 Nd 0,005

28/10/2007 09:24 5,73 31 4,22 0,7 Nd 0,005

10/11/2007 09:13 5,61 31,8 4,09 0,7 Nd 0,005

24/11/2007 10:40 5,74 31,9 3,08 0,8 Nd 0,005

15/12/2007 10:20 5,37 29,5 3,1 1 6,59 0,005

11/1/2008 09:24 5,2 28,8 4,05 1 6,8 0,005

9/2/2008 08:48 5,11 29,5 4,12 1 8,1 0,005

9/3/2008 07:00 5,04 28,2 3,31 1,3 8,1 0,005

11/4/2008 09:00 5,22 29,3 3,27 0,9 7,9 0,005

10/5/2008 09:30 5,03 28,3 2,94 1,5 8,4 0,005

 

NdNd1,52,4325,15,2422/9/2007 09:15

0,005Nd0,93,431,25,4410:006/10/2007

20/10/2007 0,005Nd1,64,5732,56,709:00

0,005Nd0,74,0931,85,6109:1310/11/2007

0,0056,5913,129,55,3710:2015/12/2007

0,0058,114,1229,55,1108:489/2/2008

0,0057,90,93,2729,35,2209:0011/4/2008

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de forma efetiva, portando-se como observadores passivos. A maioria só vivenciou a experiência de realizar o monitoramento da água durante as aulas práticas dos cursos de capacitação. O monitoramento dos parâmetros limnológicos foi realizado com o principal objetivo de registrar possíveis variações na água do lago, principalmente nos períodos extremos

de seca e cheia, onde é esperado alterações na velocidade e fluxo de água no lago. Como esperado, não foi evidenciada nenhuma alteração significativa nos parâmetros limnológicos da água do lago na área de influência dos tanques-redes durante o ciclo produtivo capaz de ocasionar variações no padrão e características

Tabela 2: Valores médios e SD (Desvio padrão) obtidos para tambaqui (C. macropomum) cultivado em tanques-rede no lago Tupé, AM no período de recria (setembro de 2007 a dezembro de 2007).

Tabela 3: Valores médios e SD (Desvio padrão) obtidos para tambaqui (C. macropomum) cultivado em tanques-rede no lago Tupé, AM no período de engorda (janeiro a maio de 2008).

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Variáveis

Resultados

Peixes/tanque 667 Sobrevivência (%) Comprimento inicial médio e SD (cm)

87 3,5 ± 0,36

Peso inicial médio e SD (g) 1,8 ± 0,42 Comprimento médio final e SD (cm) 7,4 ± 0,48 Peso médio final e SD (g) 21,88 ± 0,33 Conversão alimentar aparente média e SD 0,98 ± 0,23 Ganho de peso médio (g) 20,8 ± 0,16 Peixes/m³ 222

 

Variáveis

Resultados

Sobrevivência (%)

100%

Comprimento inicial (cm) 7,4 ± 0,48 Peso inicial (g) 21,88 ± 0,33 Comprimento final (cm) 20,94 ± 0,65 Peso final (g) 378,41 ± 23,03 Conversão alimentar aparente (média do período) 1,52 ± 0,37 Ganho de peso médio (g) 356,53 ± 37,42

 

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da água do lago Tupé. Os resultados foram próximos aos apresentados por Aprile e Darwich (2005) antes da implantação da UFP. O sistema de cultivo implementado na REDES é considerado ainda muito pequeno, comparado ao tamanho do lago Tupé e a área que os tanques ocupam (área menor que 0,1% da área total do lago no seu período extremo de seca). O nível de amônia do lago apresentou valores no limite mínimo de detecção dos aparelhos (0,005 mg/l de N-NH3), indicando que o cultivo de peixes no lago não influencia negativamente na qualidade ambiental da REDES. Esse valor está muito distante do valor estabelecido para água doce – Classe 1 para nitrogênio amoniacal total máximo de 3,7mg/l recomendado (Brasil, 2005). Com exceção do monitoramento da amônia, a forma como foi realizado o monitoramento dos demais parâmetros limnológicos (mensalmente e apenas uma vez ao dia em horários diferentes) não é suficiente para o monitoramente a longo prazo no lago. Dessa forma, para melhor avaliar as influências da qualidade da água com a continuidade UFP, recomenda-se que o monitoramento passe a ser realizado através da variação nictemeral, em intervalos de três horas, mensalmente durante todo o ciclo de cultivo, em pelo menos três pontos distintos do lago: 100 m antes da água passar pelos tanques, entre os tanques e 100 m após a passagem da água pelos tanques. (ver Freitas et al., neste volume)

De um modo geral, considerando as características de um cultivo numa UFP, inserida em uma REDES sendo operacionalizado por moradores locais (Comunidade São João do Tupé), os resultados de desempenho de cultivo do tambaqui curumim podem ser considerados satisfatórios. O aumento do número de tanques foi positivo para o cultivo, uma vez que permitiu separar os peixes por tamanho, o que permitiu uma maior homogeneidade dos lotes e consequentemente, otimizou a produção. De acordo com Gomes et al. (2004), peixes criados em baixas densidades de estocagem normalmente apresentam boa taxa de crescimento e alta porcentagem de sobrevivência, porém a produção por área é baixa (caracterizando baixo aproveitamento da área disponível). Por sua vez, peixes mantidos em altas densidades normalmente têm menor crescimento (El-Sayed, 2002), ficam estressados (Iguchi et al., 2003). Brandão et al. (2004) investigaram a densidade de estocagem ideal para tambaqui em tanques-redes de 1 m³ de volume útil na fase juvenil e observaram que a densidade de estocagem ideal é de 400 peixes/m3. O que mostra que a densidade utilizada no sistema de cultivo do lago Tupé ainda pode ser aumentada para viabilizar maior produtividade. A sobrevivência no período da recria pode ser considerada excelente. Brandão

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et al. (2004), obtiveram 81,6% de sobrevivência, para a densidade de 400 peixes/m3, durante o período de recria do tambaqui. Os bons resultados na recria refletiram uma sobrevivência em 100% observada na engorda. Ao comparar os resultados de ganho de peso dos peixes cultivados no lago Tupé com os de outros lagos da região pode-se considerar satisfatórios. Em cultivo realizado no lago do Calado por um período de 120 dias utilizando-se 420 peixes/tanque-rede com as mesmas dimensões deste trabalho, Ferraz (2004) observou um ganho de peso médio de 368,7 g. Contudo, é importante relatar que o peso médio inicial dos peixes na engorda foi de 70 g, muito superior ao peso inicial de 22 g dos peixes cultivados na UFP Tupé. O mesmo autor observou resultados de ganho de peso diferentes para peixes cultivados no lago do Puraquequara, 433 g e para os do lago Limão de 244 g ao final de um período de 180 dias. A conversão alimentar aparente média apresentou resultado próximo do observado em condições de cultivo semelhantes realizado por Ferraz (2004) no lago do Calado, onde a conversão foi de 1,31:1 para o tambaqui curumim. Apesar dos resultados zootécnicos do cultivo serem considerados satisfatórios, sob o ponto de vista econômico, no entanto, ainda deixa a desejar. As famílias esperaram em torno de seis meses para iniciar a fase de comercialização, o que poderia ser alcançado em menos

tempo se fosse suprimida a fase se recria dos peixes. Segundo Brandão et al., (2004), os juvenis de espécies nativas, normalmente disponíveis no mercado, são de tamanho inferior ao mínimo necessário (10–12 cm) para povoamento de tanque-rede de engorda. Portanto, para o sucesso de criação de peixes em tanques-rede é necessário desenvolver um pacote de produção direcionado para recria, que é a fase de engorda de juvenis de 2–5 cm até atingir 10–12 cm. A obrigatoriedade de recria dos peixes e a descontinuidade na produção implicam em entrave para o crescimento econômico da atividade na comunidade, por aumentar o tempo de espera para a comercialização e prejudicar a formalização de contratos mais ousados, obrigando as famílias a vender a produção na própria comunidade. Além disso, também aumenta a espera pela próxima obtenção de renda, desestimulando a permanência na UFP por parte daqueles que dependem exclusivamente dela como fonte de renda. Apesar da renda de R$ 1.285,00, recebida por cada família com a venda da produção do segundo ciclo ter sido de grande importância social aos beneficiários, ainda é baixa, pois representa um ganho mensal de apenas R$160,60 considerando a espera de 8 meses para recebê-la. Em outras experiências semelhantes, o cultivo de peixes tem rendido aos produtores em torno de um salário mínimo ao mês.

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Em Ceará - Mirim (RN), por exemplo, através do programa fome zero mais de cem famílias de agricultores estão sendo beneficiadas com a criação de tilápias em tanques escavados. O cultivo trouxe renda mensal de R$ 460,00. Nessa modalidade de cultivo a tilápia in natura é vendida a R$ 4,00 o quilo, e a filetada a R$ 15,00 o quilo (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome, 2009) o que repercute em maiores evidências de viabilidade econômica da atividade aquícola aos produtores dessa região. Segundo o relatório da FAO (1997), as principais expectativas relacionadas à atividade aquícola são as de que esta possa contribuir significativamente para a diminuição da pobreza e para o aumento da segurança alimentar. No entanto, seu principal desafio será a promoção de uma atividade de cultivo legítima, de longo prazo e sustentável. Nesse contexto, por ser observado que a atividade gerou renda na comunidade e trouxe uma nova estratégia de obtenção de alimento de boa qualidade e de fácil acesso aos moradores, as expectativas em relação à continuidade do cultivo de peixes no lago Tupé sob a preocupação de manter a qualidade ambiental são bastante animadoras. Os membros da UFP estão sensibilizados quanto à importância de se manter a qualidade da água do lago para a continuidade da atividade e, a importância de considerar a capacidade de suporte do lago antes de aumentar

a produção. Todavia, mesmo que esse fato tenha trazido maior segurança quanto à sustentabilidade da atividade na comunidade, ainda pairam algumas preocupações quanto às questões sociais e econômicas por se mostrarem as principais ameaças à solidez da UFP.Após a implementação da UFP as famílias beneficiárias passaram a se relacionar no ambiente de trabalho, tendo que estabelecer relação diferenciadas de convivência. Foi observado que o cotidiano das relações socioculturais foi alterado pela chegada de uma nova rotina de trabalho que exige, de certa forma, desempenho nas atividades e doação do individual ao interesse coletivo. Inevitavelmente, surge a necessidade de adaptação ao sistema de trabalho coletivo que aos poucos foi se estabelecendo na realidade atual dos moradores, e nem sempre as partes envolvidas correspondem as expectativa do grupo. Alves & Moreschi (2006) discutindo a importância da administração do conflito no ambiente de trabalho relata que cada pessoa tem uma bagagem que lhe serve de referência para ver, pensar, sentir a si mesmo e ao mundo, e também “agir e reagir”. A bagagem a que os autores se referem são a vivência e aprendizados individuais que o ser humano experimenta desde seu nascimento que irão fundamentar as suas ações. Segundo Barreto (2004), o fortalecimento de pequenos grupos informais e de associações de

Unidade familiar de produção de peixes em tanques-rede no lado do Tupé.

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produtores formalizadas que passam a exercer diferentes papéis em todo o processo de produção é um importante fator que pode interferir nas diferentes dinâmicas de desenvolvimento. Dessa forma, considerando o aspecto central do desenvolvimento regional no campo da economia de base comunitária, que no momento atual, está centrada no planejamento e aprimoramento da capacidade de auto-gestão, importa proporcionar a essas famílias a oportunidade de participar na realização de todas as etapas de cultivo com autonomia. A UFP de peixes da comunidade São João do Tupé apresentou resultados de desempenho produtivo satisfatórios. Gerou renda e melhorias na qualidade alimentar dos moradores, compatibilizando a atividade produtiva com a preocupação com a qualidade ambiental. No entanto, a produção ainda é pequena e descontínua, o que pode não garantir capital de giro necessário para manter a rotatividade do cultivo. Assim, ações capazes de agilizar a venda da produção em menor tempo, a preços compensatórios para os beneficiários diretos, devem ser engendradas. Complementarmente, a transferência de tecnologias de processamento para agregar valor ao produto, compra de alevinos de maior porte sem que haja a necessidade da fase de recria, seguidos do aumento da produção são de extrema necessidade para garantir a sustentabilidade econômica da atividade na comunidade.

Por outro lado, verificou-se que dificuldades no gerenciamento de algumas tarefas pertinentes ao cultivo e a falta de um líder para orientar o grupo, enfraquecem o funcionamento da UFP. Da mesma forma, a ausência ou pouca participação dos beneficiários em algumas etapas de cultivo como à aquisição de insumos e articulação de parcerias, também corroboram essa afirmativa, uma vez que nessas ocasiões os beneficiários preferem ser coadjuvantes a assumir a postura de produtores. Os resultados desse estudo constituem-se em informações importantes que permitem conhecer uma experiência inédita de atividade aquícola na REDES-Tupé. A UFP de peixes no lago vem contribuindo para reverter o atual quadro de pobreza em que se encontram os moradores da comunidade de São João, gerando renda e trabalho, além de compatibilizar a atividade produtiva com a missão de uma Unidade de Conservação de Uso Sustentável.

Oliveira at al.

Figura 1: Equipe técnica e moradores da comunidade Tupé realizando o povoamento nos tanques-rede.

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Figura 2: Beneficiário auxiliando no manejo da UFP. São João do Tupé, 2008.

Figura 3: Registro da biometria dos peixes realizada pelos comunitários e equipe técnica da UFP.

Figura 4: Registro da atividade prática de monitoramento da qualidade da água realizada no lago do Tupé.

Unidade familiar de produção de peixes em tanques-rede no lado do Tupé.

Agradecimentos

Aos financiadores do projeto tanque-rede Editais CT-Agro/CNPq 19 e 20, Universidade Solidária – UNISOL e Banco Real. E aos comunitários da comunidade de São João do Tupé.

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Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM*

Resumo: Uma das formas mais antigas de uso da terra ocorre nos quintais que são muito tradicionais em regiões tropicais. São locais que permitem a agricultura, especialmente a de subsistência, onde se plantam árvores, arbustos e ervas próximos às residências, gerando uma série de benefícios para as famílias que os mantém. Caracterizam-se pela alta diversidade de espécies, que apresentam diferentes ciclos biológicos e desta forma, garantem a oferta de produtos ao longo do ano. Sendo assim, conhecer as espécies vegetais úteis presentes nos quintais de duas comunidades ribeirinhas Agrovila e Julião, localizadas no baixo Rio Negro, Manaus (AM) e compará-las quanto a similaridade foram os principais objetivos deste estudo. Para tanto, foram numerados os quintais das comunidades em questão e sorteados 20 destes em cada uma das comunidades. O método baseou-se em técnicas qualitativas, sendo a coleta de dados feita principalmente através da observação direta, entrevistas e análise documental, além de técnicas quantitativas, como os cálculos dos índices de diversidade de Shannon-Wiener e de similaridade de Jaccard. Foram reconhecidas 231 espécies vegetais, distribuídas em 71 famílias botânicas, sendo Araceae e Arecaceae as mais ricas, ambas com 13 espécies, seguidas de Asteraceae, com dez espécies. Nos quintais da comunidade

1 Célia Cristina Valero SOUzAe-mail: [email protected]

2 Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Pós-Graduação em Botânica, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA2Departamento de Biologia, Instituto de Ciências Biológicas – ICB,

Universidade Federal do Amazonas – UFAM*Parte da dissertação de mestrado em Botânica da primeira autora

Meio FísicoCapítulo 30 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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Agrovila foram reconhecidas 182 espécies, em sua maioria representantes de Araceae (12 espécies), Arecaceae e Asteraceae (nove espécies cada), enquanto nos quintais da comunidade Julião encontram-se 155 espécies, com predomínio de Arecaceae (11 espécies), Malvaceae e Rutaceae (sete espécies cada). O índice de diversidade calculado para a comunidade Agrovila foi de H’ = 2,07 decits e para Julião H’ = 1,99 decits. A similaridade de Jaccard (J’) foi de 0,45. As entrevistas foram realizadas com o responsável pelos cuidados do quintal, sendo a maioria mulheres (35 entrevistados) e apenas cinco homens, com idade entre 15 e 67 anos, sendo que 65% tem menos de 50 anos e baixa escolaridade, ou seja, 80% dos entrevistados não estudaram ou não chegaram a completar o ensino fundamental. Trinta e um entrevistados são do estado do Amazonas, sendo treze da cidade de Manaus, enquanto outros seis são do estado do Pará e três da região nordeste (Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte). Para 50% dos entrevistados, o quintal localiza-se no entorno da residência, sendo todo espaço que sobrou no terreno depois da construção da casa.

Palavras-chave: diversidade, similaridade, comunidades ribeirinhas.

Introdução

Biodiversidade não deve ser entendida apenas como um simples conceito biológico relacionado à diversidade genética de indivíduos, de espécies e de ecossistemas, mas principalmente como “resultado de práticas, muitas vezes milenares, das comunidades tradicionais que domesticam espécies, mantendo, e em alguns casos, aumentando a diversidade local” (Baldauf, 2006). Estas comunidades tradicionais desenvolveram seus próprios sistemas, práticas e conhecimentos em matéria agrícola, combate de pragas, manejo de recursos naturais e medicina tradicional (Comegna, 2008). O Brasil, além de ter uma das maiores taxas de diversidade biológica, ainda apresenta uma rica

sociobiodiversidade representada por uma diversidade de populações tradicionais, como as mais de 200 sociedades indígenas apresentando diferentes culturas, e outras populações (não indígenas), como quilombolas, caiçaras, seringueiros, caboclos ribeirinhos, etc. Essas populações tradicionais ”vivem em estreita relação com o ambiente natural, dependendo de seus recursos naturais para a sua reprodução sociocultural, por meio de atividades de baixo impacto ambiental” (Santilli, 2002). Por conseguinte, essas populações reúnem um inestimável acervo de conhecimentos tradicionais sobre a conservação da biodiversidade. Na Amazônia existem diversos sistemas de produção e de uso da terra, que foram desenvolvidos ao longo de

Souza & Scudeller

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muitos anos por comunidades indígenas, caboclas e ribeirinhas, principalmente para fins de subsistência. Muitos desses sistemas, praticados por estes povos tradicionais nunca foram bem descritos e é um conhecimento que corre o risco de ser perdido para sempre (Viana et al., 1996). Os quintais exemplificam um desses sistemas, sendo constituídos por unidades produtivas manejadas há décadas ou anos, representando locais cruciais para o cultivo, proteção e seleção de muitas plantas reconhecidas como úteis. Eles podem ser considerados reservas atuais e potenciais de recursos vegetais, além de constituírem locais de preservação de parte da história cultural local (Duque-Brasil et al., 2007). Os quintais são “espaços repletos de um saber local, espaços de conservação e manutenção dos aspectos mais peculiares que a população traduz em seu cotidiano, mostrando a adaptabilidade humana que se manifesta muitas vezes, por meio do conhecimento recebido dos ancestrais e perpetuado ao longo do tempo, espaço e lugar (Geerts, 2000). Segundo Souza (2005) este saber tradicional local é “de caráter coletivo e acumulativo [...] fruto de um processo constante de experimentação científica e de adaptação aos ecossistemas, os quais são transmitidos e melhorados de geração em geração”. Para Clement et al. (2001) os quintais amazônicos representam um intercâmbio de material genético que associa a diversidade contida nos

ecossistemas naturais às tradições das populações humanas locais. Quintais são considerados uma das formas mais antigas de uso da terra (Nair, 1986), possuindo uma longa tradição em muitos países tropicais. Caracterizam-se por serem sistemas agrícolas em que árvores, arbustos e ervas de interesse são cultivados próximos às casas, fornecendo alimentação, fonte de renda, assim como uma série de produtos e benefícios para os agricultores que os mantêm (Kumar & Nair, 2004). São nesses espaços que se cultiva e são mantidas espécies vegetais com potencial para suprir parte das necessidades básicas da família, como nutrição, plantas medicinais, lenha, plantas condimentares, ornamentais, além de possuir função sóciocultural (Brito & Coelho, 1995; Amorozo, 2002). Segundo Macedo (2000), os quintais podem ser classificados como sistemas agroflorestais, pois “integram consorciações de árvores e culturas agrícolas e/ou animais de forma científica, ecologicamente desejável, praticamente factível e socialmente aceitável pelo produtor rural, de modo que este obtenha os benefícios das interações ecológicas e econômicas resultantes”. Pasa (2004) salienta a importância dos quintais, especialmente através da produção hortifrutífera, pois esta permite à população manter uma baixa dependência de produtos adquiridos externamente, ocasiona impactos mínimos sobre o ambiente,

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conserva os recursos vegetais e a riqueza cultural, fundamentada no saber e cultura dos moradores locais, utiliza os insumos naturais, promovendo a reciclagem de elementos naturais. Ao mesmo tempo, fortalecem os vínculos sociais da comunidade, através da utilização do espaço para atividades sociais como rezas, festas e lazer. Saragoussi et al. (1988), enfatizam que o quintal é provavelmente um campo de aclimatação e experimentação de espécies para posterior utilização em plantios maiores. Os quintais são caracterizados pela alta diversidade de espécies (Coomes & Ban, 2004; Fernandes e Nair, 1986), com diferentes ciclos biológicos, o que garante uma oferta diversificada de produtos durante todo o ano (Torquebiau, 1992) constituindo uma importante fonte para a alimentação familiar (Nair, 1993). A alta diversidade associada a baixa densidade por espécies e os diferentes ciclos das culturas plantadas nos quintais são fatores que contribuem para a baixa incidência de pragas e doenças (Torquebiau, 1992) caracterizando um sistema produtivo e de baixos custos. No entanto, de acordo com Amorozo & Gély (1988), a desagregação dos sistemas de vida tradicionais pela maior exposição das comunidades à sociedade envolvente, e consequentemente, às pressões econômicas e culturais; os deslocamentos das pessoas das comunidades para as regiões urbanas ameaçam muito de perto um acervo de conhecimentos empíricos

e pode levar à perda do caráter utilitário do conhecimento popular acumulado há várias gerações. É preciso resgatar o conhecimento que essas populações tradicionais detêm sobre o uso dos recursos naturais, em diferentes culturas (Pasa et al., 2005) antes que se perca de forma irreversível. Para Guarim Neto et al. (2000), é através da etnobotânica que se busca conhecer e resgatar o saber tradicional, particularmente relacionado ao uso dos recursos da flora. Desta forma, realizar um estudo etnobotânico nos quintais das comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, ambas localizadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, foi o foco desta pesquisa. Sendo assim, foi realizado o levantamento da diversidade de espécies vegetais úteis cultivadas nos quintais das duas comunidades ribeirinhas comparando-as por meio de sua similaridade florística, a fim de gerar subsídios para a implantação de futuros projetos que possam levar a melhoria da qualidade de vida da população residente nestas comunidades.

Material e Métodos

O estudo foi realizado nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes localizadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé (RDS Tupé), Manaus - AM (Fig. 1). Essas comunidades podem ser

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descritas como povoados ou grupos de unidades residenciais compostas de várias famílias, distribuídas de forma irregular, organizadas em associações criadas para cooperar com as decisões relacionadas à educação e economia (Scudeller et al., 2005).

Comunidade Julião

A comunidade Julião originou-se da ocupação de uma propriedade particular, onde, em 1963, havia um seringal, na área que englobava o Tarumã-Mirim, igarapé do Acácio na extremidade com o rio Cuieiras (Santos-Silva et al., 2005). A comunidade localiza-se nas coordenadas 03◦00’27,47’’S e 60012’14,97’’W à beira do igarapé do Tarumã-Mirim, é entrecortada

pelos igarapés do Farias e do Julião e faz divisa com as comunidades do Livramento, Colônia Central e São João do Tupé (Secretaria Municipal de Meio Ambiente - SEMMA, 2007). Foi fundada oficialmente em 1992, sendo que sua associação de moradores, segundo informações obtidas em entrevista com o Sr. Almir Rodrigues Rabelo, seu atual presidente, adquiriu sua personalidade jurídica em fevereiro de 1993. Ainda segundo informações do presidente a comunidade conta com aproximadamente 128 famílias, sendo que deste total, cerca de 70 famílias moram efetivamente no local. Os demais proprietários de casas/terrenos na comunidade, em sua maioria, moram na cidade de Manaus (AM) e vem à mesma somente nos finais de semana,

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Figura 1: Mapa de localização das comunidades estudadas: 1- Agrovila Amazonino Mendes, 2- Julião. Fonte: Google Earth.

 

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em feriados ou para as reuniões mensais da associação de moradores. Esta comunidade apresenta um aglomerado de casas, que neste trabalho passará a ser denominada vila, em uma área onde os terrenos procuram seguir um mesmo padrão de metragem, além de várias outras residências que se localizam ao longo dos igarapés que a permeiam. Das 70 famílias mencionadas como moradoras efetivas da comunidade, apenas cerca de 46 vivem na vila propriamente dita, estando as restantes espalhadas ao longo destes igarapés. Na vila da comunidade encontra-se a Escola Municipal Canaã II, que atende alunos do ensino fundamental, três congregações religiosas, sendo uma Igreja Católica, uma Igreja Adventista e uma Igreja Batista (algumas outras congregações encontram-se ao longo dos igarapés, como a Assembléia de Deus, Missão de Saara Batista, além dos missionários americanos que se encontram nas imediações da comunidade), o barracão da associação de moradores, além de três pequenas mercearias (estabelecimentos comerciais), que oferecem produtos de limpeza/higiene, bem como gêneros alimentícios que necessitam ser adquiridos (óleo, açúcar, sal, entre outros) (Rabelo, A.R., com. pess., 2010). Não há sistema de distribuição de água, sendo o abastecimento feito por poço artesiano, localizado no terreno da escola. No período de estiagem mais prolongada, devido à baixa do nível do rio Negro e do

nível da água do lençol freático, este abastecimento fica seriamente comprometido. Os comunitários são obrigados a se deslocarem até ao rio ou aos igarapés para coletar água para uso em suas atividades diárias. Também não há sistema de coleta e tratamento de esgoto, nem mesmo coleta de lixo (o lixo geralmente é queimado pelos comunitários) e também não existe posto de saúde. Em abril de 2009 a comunidade foi contemplada com o Programa Luz para Todos, do Governo Federal sendo que apenas 11 domicílios ainda não foram atendidos pelo Programa (Rabelo, A.R., com. pess., 2010).

Comunidade Agrovila Amazonino Mendes

A comunidade Agrovila Amazonino Mendes tem como seu marco de fundação a data de registro em cartório, feito no dia 10 de abril de 1994. Está localizada no extremo nordeste da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé, nas coordenadas 02°58’02,3”S e 60°12’35,2”W, margem direita do igarapé Tarumã-Mirim, sendo o seu principal meio de acesso por via fluvial, através deste mesmo igarapé, afluente do rio Negro. Segundo estimativas do atual presidente da associação de moradores, Sr. David Marical da Silva, relatadas durante entrevista, na comunidade residem atualmente cerca de 180 famílias, que se distribuem na vila e ao longo dos igarapés que a permeiam –

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igarapé do Acácio e igarapé do Caniço. Ainda segundo informações do Sr. David, aproximadamente 20% dessas famílias têm dupla residência, com casa também em Manaus (AM), e por isso não são moradores efetivos da comunidade (vide Mariosa et al., neste volume). Na vila da comunidade concentra-se a maioria das casas, a escola municipal Prof. Paulo Freire, que oferece ensino fundamental e ensino médio (via TV), cinco congregações religiosas – Igreja Católica, Igreja Atos dos Apóstolos, Assembléia de Deus Tradicional, Assembléia de Deus da Visão e Deus é Amor. Possui ainda quatro estabelecimentos comerciais (mercearias). O fornecimento de água é feito através do poço artesiano da escola, tendo os moradores que se deslocar até o mesmo, localizado em frente a Escola Paulo Freire, para abastecer suas casas. Assim como a comunidade Julião, a Agrovila também não conta com coleta de água e esgoto e nem mesmo do lixo, que na maioria das vezes também é queimado pelos moradores da comunidade. Também não contam com posto de saúde. Desde outubro de 2008, há fornecimento de energia elétrica através do Programa Luz para Todos, do Governo Federal.

Delineamento amostral e coleta de dados

A amostragem dos quintais foi definida de forma aleatória, onde todas as residências foram previamente

numeradas e realizado sorteio de 20 quintais em cada uma das comunidades estudadas. O método baseou-se em técnicas qualitativas, sendo a coleta de dados feita principalmente através da observação direta, entrevistas e análise documental (Denzin & Lincoln, 1994) além de técnicas quantitativas, como os cálculos dos índices de diversidade de Shannon-Wiener (Magurran, 1988) e de similaridade de Jaccard (Brower et al., 1997). Os trabalhos de campo foram realizados no período de abril a outubro de 2009, em visitas feitas preferencialmente em finais de semana e feriados, na tentativa de encontrar a maioria dos moradores nas comunidades. As entrevistas foram feitas preferencialmente com as pessoas responsáveis pelos cuidados com o quintal e basearam-se em um roteiro de perguntas abertas e/ou fechadas para obtenção do perfil sócioeconômico do informante, bem como sua percepção sobre os quintais. Estas entrevistas foram realizadas em forma de diálogo, buscando desenvolver uma relação de amizade com os moradores entrevistados, além de dar espaço para as pessoas falarem a respeito de suas vidas e de suas idéias. As respostas foram anotadas no próprio roteiro e posteriormente organizadas e registradas em fichas apropriadas; as conversas também foram gravadas em gravadores portáteis, com a prévia autorização dos entrevistados, seguindo o método adotado por Lima (1996).

Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

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Após a entrevista realizou-se juntamente com o morador da casa, uma turnê-guiada pelo quintal, com a intenção de “fundamentar e validar os nomes das plantas citadas nas entrevistas, pois o nome vernacular de uma espécie pode variar bastante entre regiões e até mesmo entre indivíduos de uma mesma comunidade” (Albuquerque et al., 2008). Nessa oportunidade também foram realizadas as coletas de material botânico conforme o que dispõe Mori et al. (1989) com posterior identificação, através de chaves de identificação botânica, literatura especializada e comparações com base nas características morfológicas de exsicatas de herbário. Foi utilizado o sistema de classificação APGII (Angiosperm Phylogeny Group) atualizado em Stevens (2005). Os espécimes que não foram coletados férteis não foi possível confirmar sua identidade botânica ao nível específico, sendo citadas apenas pelo nível de identificação alcançado, geralmente o genérico. O material fértil foi incorporado ao acervo do Herbário INPA, no entanto, a maior parte do material botânico coletado encontra-se na coleção de referência do Biotupé, no laboratório de Botânica ICB/UFAM em posse da Dra Veridiana Vizoni Scudeller. A técnica de observação direta também foi utilizada durante as entrevistas e as turnês-guiadas, e os registros das informações anotadas em caderneta de campo durante e após os relatos. Também

foi feito o uso de máquina fotográfica digital, devidamente autorizada pelo entrevistado, como salienta Viertler (2002) para fotografar o material botânico, principalmente nos casos em que o morador não permitia a coleta do material, seja por ser um exemplar único, ou mesmo por questões emocionais, e também para fotografar a estrutura dos quintais visitados. Para que as coletas de informações a respeito das populações ribeirinhas, consideradas populações tradicionais, pudessem ser realizadas e com o intuito de salvaguardar o direito de propriedade intelectual, garantindo o sigilo de identidade e reafirmando a voluntariedade de participação desta população, o projeto de pesquisa, bem como os seus formulários e termos de consentimento e responsabilidade foram submetidos ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (CEP-INPA) sob o protocolo 192/08, tendo sido aprovado em sua 46ª Reunião Ordinária, realizada no dia 19 de maio de 2009. O presente estudo integrou o projeto Biotupé, um grupo de trabalho multidisciplinar e multi-institucional que realiza pesquisas visando estudar o meio físico, a diversidade biológica e sócio-cultural da Reserva de Desenvolvimento do Tupé. Todas as autorizações para a coleta de material botânico sejam junto ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) ou a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade

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por meio do programa Excel, analisados, organizados em gráficos e comparados.

Resultados e Discussão

Percepção de quintal

Como a intenção do presente trabalho foi caracterizar os quintais, e buscando evitar possíveis confusões na denominação deste espaço, foi solicitado durante as entrevistas, que os informantes fizessem sua própria caracterização de quintal, principalmente quanto à sua localização e importância. Não é raro observar entre as populações rurais da Amazônia, o uso das mesmas denominações para as diferentes áreas manejadas por elas. Ao se referir aos quintais, é comum o uso de termos como pomar, terreiro, pomar caseiro e jardim (van Leeuwen & Gomes, 1995). Também não é difícil observar referências aos quintais como roças ou sítios. Muitos entrevistados não souberam responder com exatidão as perguntas sobre a localização e o que seria para eles os quintais; também não apontaram as diferenças existentes entre quintal, roça e sítio, nomes muitas vezes usados pelos mesmos para se referir ao mesmo espaço de plantação/produção agrícola. Para aqueles que responderam ao questionamento, a grande maioria (45%) cita o quintal como sendo uma área limpa do seu terreno, onde tem plantas e jardins. Para oito entrevistados, o quintal localiza-se

Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

(SEMMAS) estão sob a responsabilidade do coordenador do projeto, Dr. Edinaldo Nelson dos Santos-Silva.

Análise de dados

Para estimar a diversidade de recursos vegetais dos quintais nas duas comunidades, foi calculado o índice de Shannon-Wiener (Magurran, 1988), como segue.

H’ = – ∑S pi ln pi i = 1 onde: H´= índice de diversidade pi = espécies encontradas S = riqueza específica.

Para avaliação do grau de semelhança da composição de espécies entre os quintais estudados calculou-se o índice de similaridade de Jaccard (Brower et al., 1997). J = c/ (a +b) – c onde: J=índice de similaridade a=espécie encontradas no local a b=espécies encontradas no local b c=espécies encontradas em ambos os locais (a e b).

Objetivando subsidiar a análise da percepção que os comunitários têm sobre os quintais, os dados qualitativos obtidos nas respostas aos formulários, na observação direta da pesquisadora e nas conversas informais com os proprietários dos quintais foram sistematizados em um banco de dados

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Figura 2: Percepção de localização dos quintais para os comunitários entrevistados.

no entorno da casa, correspondendo a todo o espaço que sobrou no terreno após a construção da residência. Quatro entrevistados consideram apenas a área localizada nos fundos da residência como sendo o quintal, um considera o espaço da frente e dos fundos da residência e para outro é o espaço dos fundos e dos lados (Fig. 2). Neste estudo, a roça foi defi-nida por 32,5% dos entrevistados (13 moradores), como sendo o local onde se planta principalmente a macaxei-ra e mandioca para fazer farinha. De acordo com os entrevistados, trata-se de um local longe da comunidade e das residências e com terreno bastante amplo, às vezes citados como “quadras e quadras” de terreno. Além do cultivo da macaxeira, outras culturas anuais podem ser intercaladas, como abóbo-ra, batata-doce, cará, feijão, melancia, entre outros. Também foi mencionado como um local onde o trabalho diário é mais “pesado”, e onde não é aconselhá-

vel a criação de animais, como galinhas e porcos, pois os mesmos estragariam os pés de macaxeira (Fig. 3). Para Noda & Noda (2003) a roça (ou roçado) é definida como sendo o local em que se cultiva espécie anual durante algum período, deixando o solo descansar para recuperação da fertilização e eliminação de plantas invasoras. Os sítios por sua vez, foram caracterizados pelos entrevistados como sendo locais muito maiores que os quintais, onde se cultiva preferencialmente espécies frutíferas. Segundo os entrevistados, a diferença principal fica por conta da quantidade de espécies frutíferas que podem ser cultivadas nos sítios em relação aos quintais, que segundo eles é muito maior tanto em número de espécies quanto em número de indivíduos. Para os entrevistados a área reservada para os quintais é pequena e não permite o plantio de muitas plantas (Fig. 4).

 

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Figura 3: Definição de roça para o total de comunitários entrevistados.

Figura 4: Definição de sítio para o total de comunitários entrwstados.

   

Apenas dois entrevistados fizeram uma clara distinção entre o quintal e o jardim, este último mencionado como o espaço presente na frente da casa e cuja função é de “enfeitar”, “embelezar” o domicílio, normalmente constituído de espécies ornamentais e algumas vezes com espécies arbóreas, plantadas ali para propiciar sombra. Nestes casos, o espaço definido pelo entrevistado como sendo jardim não teve seus dados coletados. Em nenhuma das entrevistas foi mencionado os termos pomar, pomar caseiro ou terreiro, como mencionados por van Leeuwen & Gomes (1995) para os quintais.

Diversidade de espécies e similaridade entre os quintais

Foram levantadas 231 espécies de plantas úteis nos quintais dos co-munitários, distribuídas em 71 famílias botânicas (Tab. 1). Os números encontrados neste estudo são similares aos encontrados por Noda et al. (1997) que reportaram uma média de 252 plantas encontra-das em comunidades do rio Solimões

– Amazonas e por Sablayrolles & An-drade (2009) que relata a ocorrência de 237 espécies vegetais úteis nos quin-tais de agricultores ribeirinhos no Ta-pajós – PA. A tabela 2 apresenta outros trabalhos realizados em quintais na Amazônia Brasileira. As famílias melhor represen-tadas foram Araceae e Arecaceae, com 13 espécies cada (5,62%), seguida de Asteraceae, com dez espécies (4,32%) e Lamiaceae e Rutaceae, cada uma com nove espécies (3,90%) (Fig. 5). Considerando as comunidades separadamente, Agrovila apresentou maior número de espécies, com 182, distribuídas em 65 famílias botâni-cas. Há uma boa representatividade da família Araceae nesta comunidade, contando com 12 espécies, seguida de Arecaceae e Asteraceae, cada uma com nove espécies. Já na comunidade Julião foram relatadas 155 espécies distribu-ídas em 61 famílias botânicas, sendo que a melhor representatividade fica por conta de Arecaceae, com 11 espé-cies, seguida de Malvaceae e Rutaceae, ambas com sete espécies. Muitas espécies foram citadas uma única vez, o que indica a presença

Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

506

Tabela 1: Espécies e famílias botânicas encontradas nas comunidades Agrovila e Julião – RDS do Tupé, Manaus (AM). Comun.= Comunidade; A=Agrovila; J=Julião.

FAMÍLIA NOME CIENTÍFICO DA ESPÉCIE NOME POPULAR Nº REGISTRO COMUN.

Acanthaceae Graptophyllum pictum (L.) Griff. graptofilo A

Acalypha wilkesiana Mull. Arg. acalifa J

Justicia acuminatissima (Miq.) Bremek. sara-tudo INPA 234418 A/J

Justicia sp. mutuquinha A

Thunbergia erecta (Benth.) T. Anderson tumbérgia A/J

Agavaceae Agave angustifolia Haw. agave J

Chlorophytum comosum (Thunb.) Jacques

clorófito A

Alliaceae Allium schoenoprasum L. cebolinha A/J

Amaranthaceae Alternanthera brasiliana (L.) Kuntze terramicina J

Alternanthera dentata (Moench) Stuchlik ex R.E. Fr.

penicilina/periquito INPA 234410 A/J

Alternanthera ficoidea (L.) P. Beauv. periquito A

Alternanthera sp. orelha-de-macaco A/J

Celosia cristata L. crista-de-galo A

Chenopodium ambrosioides L. mastruz A/J

Amaryllidaceae Eucharis grandiflora Planch. & Linden lírio-do-amazonas A/J

Hippeastrum sp. açucena A/J

Anacardiaceae Anacardium occidentale L. caju INPA 234411 A/J

Mangifera indica L. manga INPA 234423 A/J

Spondias mombin L. taperebá A/J

Tapirira guianensis Aubl. pau-pombo A

Annonaceae Annona montana Macfad. araticum A/J

Annona muricata L. graviola A/J

Annona reticulata L. fruta-do-conde A

Annona squamosa L. condessa J

Guatteria scytophylla Diels apuí A

Rollinia mucosa (Jacq.) Baill. biribá A/J

Apiaceae Coriandrum sativum L. coentro A/J

Cuminum cyminum L. cominho INPA 234421 J

Eryngium foetidum L. chicória INPA 234425 A/J

Petroselinum crispum (Mill.) Fuss cheiro-verde A

Apocynaceae Allamanda cathartica L. alamanda-amarela J

Catharanthus roseus (L.) G. Don vinca J

Couma utilis (Mart.) Mull. Arg. sorva INPA 234427 A/J

Himatanthus sucuuba (Spruce ex Mull. Arg.) Woodson

sucuúba A/J

continuacontinua

Agavaceae Agave angustifolia Haw.Agave angustifolia Haw.Agave angustifolia agave J

Chlorophytum comosum (Thunb.) Jacques

clorófito A

Amaryllidaceae Eucharis grandiflora Planch. & LindenEucharis grandiflora Planch. & LindenEucharis grandiflora lírio-do-amazonas A/J

Hippeastrum sp. açucena A/J

Annonaceae Annona montana Macfad.Annona montana Macfad.Annona montana araticum A/J

Annona muricata L.Annona muricata L.Annona muricata graviola A/J

Annona reticulata L.Annona reticulata L.Annona reticulata fruta-do-conde A

Annona squamosa L.Annona squamosa L.Annona squamosa condessa J

Guatteria scytophylla DielsGuatteria scytophylla DielsGuatteria scytophylla apuí A

Rollinia mucosa (Jacq.) Baill.Rollinia mucosa (Jacq.) Baill.Rollinia mucosa biribá A/J

Apocynaceae Allamanda cathartica L.Allamanda cathartica L.Allamanda cathartica alamanda-amarela J

Catharanthus roseus (L.) G. DonCatharanthus roseus (L.) G. DonCatharanthus roseus vinca J

Couma utilis (Mart.) Mull. Arg. sorva INPA 234427 A/J

Himatanthus sucuuba (Spruce ex Mull. Arg.) Woodson

sucuúba A/J

Souza & Scudeller

507

continua

Plumeria pudica Jacq. plumeria J

Tabernaemontana divaricata (L.) R.Br. ex Roem. & Schult.

jasmim A/J

Araceae Aglaonema commutatum Schott A

Caladium bicolor Vent. raiz-do-sol A/J

Caladium humboldtii (Raf.) Schott tajá A

Caladium schomburgkii Schott mão-aberta A

Colocasia sp. cachorrinho A

Dieffenbachia picta Schott comigo-ninguém-pode

A/J

Philodendron billietiae Croat A

Philodendron distantilobum K. Krause J

Philodendron melinonii Brongn. Ex Regel

A

Philodendron sp. A

Syngonium sp. singônio A

Syngonium vellozianum Schott jibóia A

Xanthosoma sagittifolium (L.) Schott taioba A

Araliaceae Polyscias fruticosa (L.) Harms árvore-da-felicidade

J

Polyscias guilfoylei (W.Bull) L.H.Bailey árvore-da-felicidade

A

Arecaceae Astrocaryum tucuma Mart. tucumã A/J

Attalea sp. 1 palheira J

Attalea sp. 2 coquinho A

Bactris gasipaes Kunth pupunha A/J

Cocos nucifera L. coco A/J

Dypsis lutescens (H. Wendl.) Beentje & J. Dransf.

palmeira-de-jardim J

Elaeis guineensis Jacq. dendê J

Euterpe oleracea Mart. açaí-do-pará A/J

Euterpe precatoria Mart. açaí-do-amazonas A/J

Mauritia flexuosa L. f. buriti A/J

Maximiliana maripa (Aubl.) Drude inajá J

Oenocarpus bacaba Mart. bacaba A/J

Oenocarpus bataua Mart. patoá A

Asteraceae Ayapana triplinervis (Vahl) R.M. King & H. Rob

japana-roxa A

Bidens sulphurea (Cav.) Sch. Bip. cravo-laranja INPA 234413 A

Cichorium intybus L. almeirão J

Helianthus annuus L. girassol A

Sphagneticola trilobata (L.) Pruski cravo A

Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

Plumeria pudica Jacq.Plumeria pudica Jacq.Plumeria pudica plumeria J

Tabernaemontana divaricata (L.) R.Br. Tabernaemontana divaricata (L.) R.Br. Tabernaemontana divaricataex Roem. & Schult.

jasmim A/J

Araliaceae Polyscias fruticosa (L.) HarmsPolyscias fruticosa (L.) HarmsPolyscias fruticosa árvore-da-felicidade

J

Polyscias guilfoylei (W.Bull) L.H.BaileyPolyscias guilfoylei (W.Bull) L.H.BaileyPolyscias guilfoylei árvore-da-felicidade

A

Asteraceae Ayapana triplinervis (Vahl) R.M. King Ayapana triplinervis (Vahl) R.M. King Ayapana triplinervis& H. Rob

japana-roxa A

Bidens sulphurea (Cav.) Sch. Bip.Bidens sulphurea (Cav.) Sch. Bip.Bidens sulphurea cravo-laranja INPA 234413 A

Cichorium intybus L.Cichorium intybus L.Cichorium intybus almeirão J

Helianthus annuus L.Helianthus annuus L.Helianthus annuus girassol A

Sphagneticola trilobata (L.) PruskiSphagneticola trilobata (L.) PruskiSphagneticola trilobata cravo A

508

continua

Spilanthes oleracea L. jambú INPA 234420 A/J

Tagetes erecta L. cravo-amarelo INPA 234417 A

Tanacetum vulgare L. catinga-de-mulata A

Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. Gray boldo INPA 234415 A/J

Vernonia condensata Backer boldo A/J

Balsaminaceae Impatiens balsamina L. beijo A

Begoniaceae Begonia aconitifolia DC. begônia A

Begonia cucullata Willd. begônia A

Bignoniaceae Crescentia cujete L. cuia/cuité J

Arrabidaea chica (Humb. & Bonpl.) B. Verl.

crajirú A/J

Tabebuia incana A.H. Gentry pau-d’arco A

Bixaceae Bixa orellana L. urucum A/J

Brassicaceae Brassica oleracea L. couve-folha A

Bromeliaceae Ananas comosus (L.) Merr. abacaxi A/J

Cactaceae Cereus jamacaru DC. mandacarú A/J

Opuntia ficus-indica (L.) Mill. cacto/figo-da-índia A

Caricaceae Carica papaya L. mamão A/J

Caryocaraceae Caryocar villosum (Aubl.) Pers. piquiá A

Chrysobalanaceae Chrysobalanus icaco L. abejerú/juruba/ J

Clusiaceae Clusia insignis Mart. A

Oedematopus sp. árvore-de-natal A

Platonia insignis Mart. bacuri A/J

Combretaceae Terminalia catappa L. castanholeira A

Commelinaceae Tradescantia pallida (Rose) D.R. Hunt var. érreaa Boom

trapoeraba A/J

Convolvulaceae Bonamia ferruginea Hallier f. cipó-tuíra INPA 234426 J

Ipomoea batatas (L.) Lam. batata-doce J

Crassulaceae Kalanchoe brasiliensis Cambess. corama J

Kalanchoe cf. gastonis-bonnieri Raym.-Hamet & H.Perrier

kalanchoe J

Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers. saião A/J

Cucurbitaceae Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai

melancia A

Cucumis anguria L. maxixe A

Dioscoreaceae Dioscorea bulbifera L. cará-do-ar A/J

Dioscorea trifida L.f. cará INPA 234412 A

Euphorbiaceae Hevea brasiliensis (Willd. ex A. Juss.) Mull. Arg.

seringa J

Croton cajucara Benth. sacaca A/J

Euphorbia milii Des Moul. coroa-de-cristo A

Spilanthes oleracea L.Spilanthes oleracea L.Spilanthes oleracea jambú INPA 234420 A/J

Tagetes erecta L.Tagetes erecta L.Tagetes erecta cravo-amarelo INPA 234417 A

Tanacetum vulgare L.Tanacetum vulgare L.Tanacetum vulgare catinga-de-mulata A

Tithonia diversifolia (Hemsl.) A. GrayTithonia diversifolia (Hemsl.) A. GrayTithonia diversifolia boldo INPA 234415 A/J

Vernonia condensata BackerVernonia condensata BackerVernonia condensata boldo A/J

Begoniaceae Begonia aconitifolia DC.Begonia aconitifolia DC.Begonia aconitifolia begônia A

Bignoniaceae Crescentia cujete L.Crescentia cujete L.Crescentia cujete cuia/cuité J

Arrabidaea chica (Humb. & Bonpl.) Arrabidaea chica (Humb. & Bonpl.) Arrabidaea chicaB. Verl.

crajirú A/J

Tabebuia incana A.H. GentryTabebuia incana A.H. GentryTabebuia incana pau-d’arco A

Brassicaceae Brassica oleracea L.Brassica oleracea L.Brassica oleracea couve-folha A

Caryocaraceae Caryocar villosum (Aubl.) Pers. piquiá A

Commelinaceae Tradescantia pallida (Rose) D.R. Hunt var. érreaa Boom

trapoeraba A/J

Crassulaceae Kalanchoe brasiliensis Cambess.Kalanchoe brasiliensis Cambess.Kalanchoe brasiliensis corama J

Kalanchoe cf. gastonis-bonnieri Raym.-Hamet & H.Perrier

kalanchoe J

Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers.Kalanchoe pinnata (Lam.) Pers.Kalanchoe pinnata saião A/J

Dioscoreaceae Dioscorea bulbifera L.Dioscorea bulbifera L.Dioscorea bulbifera cará-do-ar A/J

Dioscorea trifida L.f.Dioscorea trifida L.f.Dioscorea trifida cará INPA 234412 A

Clusiaceae Clusia insignis Mart.Clusia insignis Mart.Clusia insignis A

Oedematopus sp.Oedematopus sp.Oedematopus árvore-de-natal A

Platonia insignis Mart.Platonia insignis Mart.Platonia insignis bacuri A/J

Cactaceae Cereus jamacaru DC.Cereus jamacaru DC.Cereus jamacaru mandacarú A/J

Opuntia ficus-indica (L.) Mill.Opuntia ficus-indica (L.) Mill.Opuntia ficus-indica cacto/figo-da-índia A

Souza & Scudeller

509

continua

Jatropha curcas L. pião-branco A/J

Jatropha gossypiifolia L. pião-roxo A/J

Manihot esculenta Crantz macaxeira A/J

Pedilanthus tithymaloides (L.) Poit. A/J

Fabacaeae - Mimosoideae

Inga quadrangularis Ducke ingá-chato J

Abarema jupunba (Willd.) Britton & Killip

A

Inga cinnamomea Spruce ex Benth. ingá-chinela A/J

Inga edulis Mart. ingá-de-metro A/J

Inga macrophylla Humb. & Bonpl. Ex Willd.

ingá A

Inga pezizifera Benth. ingá A/J

Inga rubiginosa (Rich.) DC. ingá-de-macaco A/J

Fabaceae - Caesalpinioideae

Hymenaea parvifolia Huber jatobá A/J

Tephrosia candida DC. sena INPA 234419 J

Caesalpinia ferrea Mart. jucá/pau-ferro A

Cassia occidentalis L. majirioba A

Chamaecrista sp. camecrista A/J

Fabaceae - Faboideae Cajanus cajan (L.) Huth feijão-guandú J

Canavalia rosea (Sw.) DC. feijão-de-praia J

Dipteryx punctata (S.F.Blake) Amshoff cumaru J

Swartzia corrugata Benth. coração-de-nego A

Gesneriaceae Chrysothemis pulchella (Donn) Decne. A

Episcia cupreata (Hook.) Hanst. A/J

Hydrangeaceae Hydrangea macrophylla (Thunb.) Ser. hortênsia A

Icacinaceae Poraqueiba sericea Tul. mari A/J

Iridaceae Eleutherine bulbosa (Mill.) Urb. marupazinho A/J

Neomarica caerulea (Ker Gawl.) Sprague

A

Lamiaceae Clerodendron speciosissimum Van Geert

J

Clerodendron thomasonae Balf. lágrima-de-cristo A/J

Clerodendron x speciosum W. Bull clerodendro A

Mentha piperita L. hortelãzinho A/J

Ocimum campechianum Mill. alfavaca A/J

Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.

malvarisco/hortelã grande

A/J

Plectranthus barbatus Andrews boldo A/J

Plectranthus ornatus Codd boldo-chinês A

Solenostemon scutellarioides (L.) Codd coração-magoado A

Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

Fabacaeae - Mimosoideae

Inga quadrangularis DuckeInga quadrangularis DuckeInga quadrangularis ingá-chato J

Abarema jupunba (Willd.) Britton & Abarema jupunba (Willd.) Britton & Abarema jupunbaKillip

A

Inga cinnamomea Spruce ex Benth.Inga cinnamomea Spruce ex Benth.Inga cinnamomea ingá-chinela A/J

Inga edulis Mart.Inga edulis Mart.Inga edulis ingá-de-metro A/J

Inga macrophylla Humb. & Bonpl. Ex Inga macrophylla Humb. & Bonpl. Ex Inga macrophyllaWilld.

ingá A

Inga pezizifera Benth.Inga pezizifera Benth.Inga pezizifera ingá A/J

Inga rubiginosa (Rich.) DC.Inga rubiginosa (Rich.) DC.Inga rubiginosa ingá-de-macaco A/J

Fabaceae - Faboideae Cajanus cajan (L.) Huth feijão-guandú J

Canavalia rosea (Sw.) DC.Canavalia rosea (Sw.) DC.Canavalia rosea feijão-de-praia J

Dipteryx punctata (S.F.Blake) AmshoffDipteryx punctata (S.F.Blake) AmshoffDipteryx punctata cumaru J

Swartzia corrugata Benth.Swartzia corrugata Benth.Swartzia corrugata coração-de-nego A

Hydrangeaceae Hydrangea macrophylla (Thunb.) Ser.Hydrangea macrophylla (Thunb.) Ser.Hydrangea macrophylla hortênsia A

Iridaceae Eleutherine bulbosa (Mill.) Urb.Eleutherine bulbosa (Mill.) Urb.Eleutherine bulbosa marupazinho A/J

Neomarica caerulea (Ker Gawl.) Neomarica caerulea (Ker Gawl.) Neomarica caeruleaSprague

A

510

continua

Lauraceae Cinnamomum zeylanicum Blume canela J

Ocotea longifolia Kunth A

Persea americana Mill. abacate A/J

Rhodostemonodaphne recurva van der Werff

A

Laxmanniaceae Cordyline terminalis (L.) Kunth A/J

Lytraceae Cuphea hyssopifolia Kunth INPA 234424 A/J

Malphigiaceae Byrsonima chrysophylla Kunth murici-do-miúdo INPA 234408 A/J

Byrsonima incarnata Sandwith murici-do-pará/murici-grande

INPA 234409 A/J

Malpighia glabra L. acerola A/J

Malvaceae Theobroma bicolor Bonpl. cacau-peruano J

Gossypium barbadense L. algodão A/J

Hibiscus rosa-sinensis L. hibisco A/J

Hibiscus rosa-sinensis L. var. cooperi G.Nicholson

hibisco A/J

Hibiscus sabdariffa L. vinagreira A/J

Pachira coriacea (Mart.) W. S. Alverson A

Theobroma cacao L. cacau A/J

Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum.

cupuaçú A/J

Melastomataceae Bellucia grossularioides (L.) Triana goiaba-de-anta J

Tibouchina moricandiana Baill. INPA 234414 J

Tibouchina grandifolia Cogn. A

Meliaceae Carapa guianensis Aubl. andiroba J

Moraceae Morus nigra L. amora J

Artocarpus altilis (Parkinson) Fosberg fruta-pão A/J

Artocarpus heterophyllus Lam. jaca A/J

Brosimum guianense (Aubl.) Huber A

Ficus benjamina L. A/J

Ficus sp. 1 A

Ficus sp. 2 A

Musaceae Musa paradisiaca L. banana A/J

Myrtaceae Myrcia fenestrata DC. chumbinho J

Eugenia stipitata McVaugh araçá-boi A

Myrcia sphaerocarpa DC. pedra-ume-caá A

Myrcia sylvatica (G.Mey.) DC. vassourinha A

Psidium guajava L. goiaba A/J

Psidium guineense Sw. araçá A/J

Syzygium cumini (L.) Skeels azeitona A/J

Syzygium malaccense (L.) Merr. & L.M. Perry

jambo A/J

Lauraceae Cinnamomum zeylanicum Blume canela J

Ocotea longifolia KunthOcotea longifolia KunthOcotea longifolia A

Persea americana Mill.Persea americana Mill.Persea americana abacate A/J

Rhodostemonodaphne recurva van Rhodostemonodaphne recurva van Rhodostemonodaphne recurvader Werff

A

Lytraceae Cuphea hyssopifolia KunthCuphea hyssopifolia KunthCuphea hyssopifolia INPA 234424 A/J

Malvaceae Theobroma bicolor Bonpl. cacau-peruano J

Gossypium barbadense L.Gossypium barbadense L.Gossypium barbadense algodão A/J

Hibiscus rosa-sinensis L.Hibiscus rosa-sinensis L.Hibiscus rosa-sinensis hibisco A/J

Hibiscus rosa-sinensis L. var. cooperi Hibiscus rosa-sinensis L. var. cooperi Hibiscus rosa-sinensisG.Nicholson

hibisco A/J

Hibiscus sabdariffa L.Hibiscus sabdariffa L.Hibiscus sabdariffa vinagreira A/J

Pachira coriacea (Mart.) W. S. AlversonPachira coriacea (Mart.) W. S. AlversonPachira coriacea A

Theobroma cacao L. cacau A/J

Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum.

cupuaçú A/J

Meliaceae Carapa guianensis Aubl.Carapa guianensis Aubl.Carapa guianensis andiroba J

Musaceae Musa paradisiaca L.Musa paradisiaca L.Musa paradisiaca banana A/J

Souza & Scudeller

511

continua

Orchidaceae Galeandra devoniana R.H. Schomb. ex Lindl.

A

Oxalidaceae Averrhoa carambola L. carambola A/J

Passifloraceae Passiflora alata Curtis maracujá-do-mato A/J

Passiflora edulis Sims maracujá A/J

Pedaliaceae Sesamum indicum L. gergelim J

Phyllantaceae Breynia nivosa (W.G.Sm.) Small A/J

Phyllantus sp. A

Piperaceae Piper cavalcantei Yunck. óleo-elétrico A/J

Piper nigrum L. pimenta-do-reino A/J

Plantaginaceae Scoparia dulcis L. vassourinha J

Angelonia angustifolia Benth. A

Poaceae Vetiveria zizanioides (L.) Nash patchouli J

Cymbopogon citratus (DC.) Stapf capim-santo A/J

Saccharum officinarum L. cana-de-açúcar A/J

Polypodiaceae Phlebodium decumanum (Willd.) J.Sm. guaribinha J

Portulacaceae Portulaca grandiflora Hook. onze-horas A

Portulaca oleracea L. A

Portulaca pilosa L. amor-crescido A/J

Talinum fruticosum L. Juss. carirú/carurú A/J

Rosaceae Rosa chinensis Jacq. var. minima Rhd. rosa A

Rubiaceae Coffea arabica L. café J

Genipa americana L. genipapo A/J

Ixora coccinea L. INPA 234422 A/J

Ixora coccinea L. var. compacta Hort. A/J

Ruscaceae Dracaena godseffiana Sander ex Mast. dracena J

Dracaena surculosa Lindl. dracena J

Dracaena fragrans (L.) Ker Gawl. brasileirinho A/J

Sansevieria trifasciata Prain espada-de-são-jorge

A/J

Sansevieria trifasciata var. laurentii. (De Wild.) N.E. Br.

espada-de-são-jorge

A

Rutaceae Citrus aurantifolia (Christm.) Swingle limão-galego/limão tahiti

J

Citrus sp. limão-caiano J

Ruta graveolens L. arruda J

Citrus aurantium Risso laranja azeda A

Citrus limon (L.) Burm.f. limão A/J

Citrus medica L. cidra A/J

Citrus reticulata Blanco tangerina A/J

Citrus sinensis (L.) Osbeck laranja A/J

Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

Orchidaceae Galeandra devoniana R.H. Schomb. Galeandra devoniana R.H. Schomb. Galeandra devonianaex Lindl.

A

Passifloraceae Passiflora alata CurtisPassiflora alata CurtisPassiflora alata maracujá-do-mato A/J

Passiflora edulis Sims maracujá A/J

Phyllantaceae Breynia nivosa (W.G.Sm.) SmallBreynia nivosa (W.G.Sm.) SmallBreynia nivosa A/J

Phyllantus sp.Phyllantus sp.Phyllantus A

Plantaginaceae Scoparia dulcis L.Scoparia dulcis L.Scoparia dulcis vassourinha J

Angelonia angustifolia Benth.Angelonia angustifolia Benth.Angelonia angustifolia A

Polypodiaceae Phlebodium decumanum (Willd.) J.Sm. guaribinha J

Rosaceae Rosa chinensis Jacq. var. minima Rhd.Rosa chinensis Jacq. var. minima Rhd.Rosa chinensis rosa A

Ruscaceae Dracaena godseffiana Sander ex Mast.Dracaena godseffiana Sander ex Mast.Dracaena godseffiana dracena J

Dracaena surculosa Lindl.Dracaena surculosa Lindl.Dracaena surculosa dracena J

Dracaena fragrans (L.) Ker Gawl.Dracaena fragrans (L.) Ker Gawl.Dracaena fragrans brasileirinho A/J

Sansevieria trifasciata PrainSansevieria trifasciata PrainSansevieria trifasciata espada-de-são-jorge

A/J

Sansevieria trifasciata var. laurentii. Sansevieria trifasciata var. laurentii. Sansevieria trifasciata(De Wild.) N.E. Br.

espada-de-são-jorge

A

512

Citrus x aurantiifolia (Christm.) Swingle

lima A

Sapindaceae Nephelium lappaceum L. rambutã A/J

Talisia esculenta (A. St.-Hil.) Radlk. pitomba A

Sapotaceae Pouteria caimito (Ruiz & Pav.) Radlk. abiu A/J

Simaroubaceae Simarouba amara Aubl. marupá A

Solanaceae Capsicum annuum L. pimentão/pimenta-doce/de mesa

A/J

Capsicum chinense Jacq. pimenta-de-cheiro A/J

Capsicum frutescens L. pimenta malagueta A/J

Lycopersicon esculentum Mill. tomate A

Urticaceae Cecropia sciadophylla Mart. embaúba A/J

Pilea microphylla (L.) Liebm. A

Verbenaceae Lippia alba (Mill.) N.E.Br. cidreira A/J

Lippia grandis Schum. salva-de-marajó A/J

Vitaceae Vitis vinifera L. uva J

zingiberaceae Alpinia speciosa (Blume) D. Dietr. vindicá INPA 234428 J

Curcuma longa L. açafroa J

Zingiber officinale Roscoe mangarataia A/J

desta em somente um quintal, dos 40 estudados, como é o caso de Chrysoba-lanus icaco L. (abejarú) que é plantado apenas na comunidade Julião. No en-

tanto, a maioria das espécies são cita-das inúmeras vezes, por ser encontrada em diversos quintais nas comunidades, como se observa, por exemplo, com

Tabela 2: Comparação do número de espécies compilados de estudos etnobotânicos realizados na região da Amazônia Brasileira. Abr. – abrangência do estudo: Geral = várias categorias de uso, Med. = somente espécies medicinais. Nº de espécies: número total de espécies, considerando vários ambientes. Nº de espécies/quintal: número de espécies encontradas apenas no espaço relativo aos quintais.

Fonte Local Abr. N° de espécies

N° de espécies/ quintal

Amorozo (2001) Santo Antônio Leverger - MT Med. 228 93

Pasa et al.(2005) Conceição-Açú - MT Geral 180 86

Costa e Mitja (2010) Manacapuru - AM Geral 173 97

Lunz (2007) Nova Califórnia - RO Geral 155 155

Santos et al. (2009) Tupé – AM (Colônia Central) Geral 125 86

Scudeller et al. (2009) Tupé- AM (Central e São João) Med. 86 86

Pasa et al.(2005) Conceição-Açú - MT Geral 180 86

Lunz (2007) Nova Califórnia - RO Geral 155 155

Scudeller et al. (2009) Tupé- AM (Central e São João) Med. 86 86

Sapindaceae Nephelium lappaceum L. rambutã A/J

Talisia esculenta (A. St.-Hil.) Radlk.Talisia esculenta (A. St.-Hil.) Radlk.Talisia esculenta pitomba A

Simaroubaceae Simarouba amara Aubl.Simarouba amara Aubl.Simarouba amara marupá A

Urticaceae Cecropia sciadophylla Mart.Cecropia sciadophylla Mart.Cecropia sciadophylla embaúba A/J

Pilea microphylla (L.) Liebm.Pilea microphylla (L.) Liebm.Pilea microphylla A

Vitaceae Vitis vinifera L.Vitis vinifera L.Vitis vinifera uva J

Souza & Scudeller

513

o Theobroma grandiflorum (Willd. ex Spreng.) K. Schum. (cupuaçu) que está presente nos 20 quintais estudados na comunidade Julião. O total de citações para a comunidade Agrovila foi de 647, sendo que destas citações, 342 são de espécies frutíferas, 126 de ornamentais, 91 de produtos da horta, 61 medicinais e 23 outras utilizações. Já para a comunidade Julião foram feitas 521 citações, havendo um predomínio das espécies frutíferas (293), seguida de medicinais (91), ornamentais (65), produtos da horta (62) e outras utilizações (5). As hortaliças e plantas ornamentais requerem maiores cuidados no seu cultivo, o que implica necessariamente uma maior presença de quem planta, ou seja, dos moradores das residências. Talvez por esse fato essas plantas sejam encontradas em maior número na comunidade Agrovila, pois o que se observou durante a realização do estudo, é que os moradores desta comunidade estão mais presentes na mesma, ocorrendo poucos deslocamentos para a cidade

 Figura 5: Famílias botânicas mais representativas nas comunidades Agrovila e Julião, RDS do Tupé – Manaus (AM).

Tabela 3: Índice de Shannon-Wiener (H’) para as comunidades Agrovila e Julião, Amazônia Central – Manaus (AM).

AGR JUL

Riqueza de espécies (s) 182 155

Citações (N) 647 521

Shannon-Wiener (H’) 2,07 1,99

Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

de Manaus (AM), justamente o oposto observado na comunidade Julião. Nesta última comunidade, das 20 casas sorteadas para comporem o estudo, seis permaneceram sem seus moradores a maior parte do tempo. São pessoas que moram na cidade de Manaus, e que se deslocam à comunidade somente nos dias de reuniões da associação de moradores ou em períodos de feriados e finais de semana, o que dificulta a manutenção desses tipos de plantas. Verificou-se também um maior número de citações de plantas de uso medicinal na comunidade Julião (91 cita-ções). Isso talvez seja explicado pelo fato desta comunidade apresentar o maior número de moradores com idade superior a 50 anos (45%) e que, pressupõe-se, se-jam os que detenham os maiores conhe-cimentos sobre a utilização de plantas medicinais, haja vista que os mais jovens ainda estão adquirindo os conhecimentos passados através das gerações ou mesmo entre amigos. O índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) encontrado para a comunidade Julião foi de H’= 1,99 decits, enquanto a comunidade Agrovila apresentou índice H’= 2,07 decits (Tab. 3).

Citações (N) 647 521

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Fonte Local Veg. H’ (base 10)

Brito (1996) Aripuanã - MT FA 2,22

Amorozo (2002) Santo Antônio Leverger - MT FA 2,21

Amorozo e Gély (1988) Barcarena - PA FA 2,28

Rossato et al. (1999) Litoral norte de São Paulo MA 2,06

Hanazaki et al. (2000) Praia de Camboriú - SP MA 1,98

Este trabalho Agrovila – Manaus (AM) FA 2,07

Este trabalho Julião – Manaus (AM) FA 1,99

Tabela 4: Índices de diversidade de Shannon-Wiener (H’) em diferentes locais. Tipos vegetacionais (Veg.): FA = Floresta Amazônica, MA = Mata Atlântica.

Como na comunidade Agrovila existe uma permanência grande dos moradores em suas residências, era de se esperar que a riqueza de espécies e consequentemente a sua diversidade fosse maior em relação a comunidade Julião, pois essa permanência implica maiores contatos entre os moradores com consequente maior troca de informações e materiais botânicos entre os mesmos. Os trabalhos mais recentes em etnobotânica têm utilizado cálculos de índices de diversidade, que são amplamente utilizados em ecologia, para avaliar a diversidade do conhecimento etnobotânico. Estes permitem comparações entre a diversidade do conhecimento etnobotânico de diferentes comunidades e, em geral, auxiliam no entendimento de suas interações com o ambiente (Begossi, 1996). Lima et al. (2000) afirmaram que índices elevados em geral relacionam áreas relativamente bem conservadas associadas a populações com significativo conhecimento etnobotânico.

Comparando-se os resultados obtidos neste trabalho com outros realizados em áreas de floresta, tanto na região amazônica, quanto na região de mata Atlântica, observam-se resultados muito similares (Tab. 4). Nota-se que no presente estudo, a diversidade encontra-se em patamares intermediários entre os estudos realizados em área de floresta amazônica, considerada a de maior diversidade do mundo, e as áreas de mata Atlântica, fato este que demonstra haver uma considerável diversidade de espécies presentes nos quintais das comunidades ribeirinhas estudadas e que as populações estudadas ainda apresentam bons conhecimentos sobre o uso da diversidade local. A similaridade de Jaccard (J) entre os quintais das comunidades Agrovila e Julião foi de 0,45 (Tab. 5). Segundo Muller-Dombois e Ellenberg (1974), 25% é o limite mínimo para duas áreas serem consideradas floristicamente semelhantes. Os valores

Amorozo (2002) Santo Antônio Leverger - MT FA 2,21

Rossato et al. (1999) Litoral norte de São Paulo MA 2,06

Este trabalho Agrovila – Manaus (AM) FA 2,07

Souza & Scudeller

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Tabela 5: Cálculo do Índice de similaridade de Jaccard para as comunidades estudadas. AGR = Agrovila; JUL = Julião.

AGR-JUL

Similaridade de Jaccard 0,45

Soma das espécies 232

Espécies em comum 106

Espécies exclusivas AGR – 76

JUL – 50

Os quintais nas comunidades Julião e agrovila Amazonino Mendes, baixo rio Negro, Manaus-AM

de índice de similaridade encontrados neste estudo demonstram existir uma boa proximidade/similaridade florística entre as comunidades Agrovila e Julião, o que pode indicar ocorrência maior de interações (trocas de material, por exemplo), sem, no entanto, deixar de existir aquelas espécies que são preferenciais em cada uma das comunidades.

Perfil sócio-econômico

Neste estudo foram realizadas 40 entrevistas envolvendo preferencialmente aqueles moradores responsáveis pela manutenção dos quintais, sendo 35 informantes do sexo feminino (87,5%) e cinco informantes do sexo masculino (12,5%), o que corrobora a idéia preconizada por Oakley (2004). Oakley (2004) enfatiza que em diversas culturas a mulher é a principal responsável pelo cultivo e manutenção dos quintais. Como os quintais se destinam primeiramente ao consumo da família, a escolha das plantas para cultivo relaciona-se ao gosto, aos costumes e as tradições locais. O quintal funciona para as mulheres, como uma “despensa”, onde ela

pode colher suas verduras, condimentos e frutas, para compor as refeições do dia-a-dia, garantindo que toda a família tenha acesso a uma dieta saudável e adequada ao gosto e as tradições locais (Oakley, 2004). Segundo Fracaro (2003) as condições sócio-econômicas dos informantes, relatadas durante as entrevistas, deve ser considerado dados importantes para se compreender os aspectos culturais envolvidos no uso social do quintal, pois este reflete as interações que o ser humano mantém com o ambiente. Além disso, a estrutura do quintal varia em função da condição econômica que a família tem para estabelecê-lo (Martins, 1998), da extensão de terra disponível ao redor da casa, da permanência da família na propriedade, do acesso às espécies apropriadas (Harwood, 1986), entre outros fatores. Neste sentido, observou-se que, com relação ao tempo que a família mora na propriedade houve uma variação de 2 a 144 meses. Muitos moradores estabeleceram-se nas comunidades recentemente, como pôde ser observado em vinte e oito casas em que o comunitário tem no máximo cinco anos de residência (70%), sendo que destes, sete (17,5%) sequer completaram seu primeiro ano na comunidade. A comunidade que apresentou maior índice de moradores recentes foi a Agrovila, tendo dezesseis moradores entrevistados (80%) com no máximo cinco anos na comunidade. Questionados sobe sua origem, dos 40 entrevistados nota-se elevada representatividade do estado do

516

Amazonas com 31 informantes (77,5%) sendo Manaus a cidade de origem de 13 deles (32,5%). O estado do Pará com seis informantes (15%) e os estados do Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte, cada um com um informante (2,5%) completam a lista dos entrevistados. A comunidade Julião é a mais heterogênea com relação à origem dos entrevistados, sendo a comunidade que apresenta os representantes da região Nordeste. A idade dos entrevistados variou de 15 a 67 anos, sendo que 65% apresentam menos de 50 anos de idade (26 entrevistados). Analisando as comunidades estudadas separadamente, nota-se que a Agrovila apresenta o maior percentual de entrevistados com menos de 30 anos – oito (40%), comparados com a Julião, com cinco (25%). Em contrapartida, na comunidade Julião, nove dos entrevistados (45%) tem mais de 50 anos de idade. Apesar dos dados descritos acima ser resultado das informações obtidas a partir do grupo amostral estabelecido nas comunidades, foi possível verificar, através da observação direta feita durante os trabalhos de campo, que a comunidade Agrovila, considerada como um todo apresenta uma população mais jovem quando comparada com a Julião. Com relação ao estado civil, a maioria dos entrevistados encontra-se casado ou amasiado (60%), enquanto 13 são solteiros ou separados/divorciados (32,5%) e três são viúvos (7,5%). O nível de escolaridade dos entrevistados é baixo, sendo que dois moradores nunca estudaram (5%) e

30 não chegaram nem a concluir o ensino fundamental (75%). Apenas três moradores concluíram o ensino médio e dois fizeram ensino superior, o que representa somente 12,5% dos entrevistados. Notou-se, entretanto que alguns moradores das comunidades Agrovila e Julião prosseguem seu processo de aprendizagem na escola destas comunidades. Considerando-se a ocupação ou profissão exercida pelos entrevistados, notou-se que 12 moradores exercem atividades domésticas ou está desempregado, o que corresponde a 30% do total; quatro (10%) são assalariados, sete (17,5%) são aposentados ou pensionistas, três (7,5%) são agricultores e o restante exerce atividades diversificadas como, roçado, venda de espetos, participação no projeto cupuaçu (na comunidade Julião), horta (na comunidade São João do Tupé), venda de artesanato e comércio informal na comunidade. A média de renda na comunidade Julião é de R$ 450,00 (DP ± R$ 229,00) e na Agrovila é R$ 262,00 (DP ± R$ 170,00). Convém ressaltar que muitos moradores das comunidades Agrovila e Julião recebem benefícios do Governo Federal, como o Bolsa-Família, que beneficia famílias em situação de pobreza, e a Bolsa-Escola que beneficia as famílias de jovens e crianças, de baixa renda, como um incentivo para que as mesmas continuem a frequentar a escola.

Caracterização dos quintais

A maioria dos quintais estudados está presente nos lotes de terreno dos

Souza & Scudeller

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Os quintais nas comunidades Julião e Agrovila Amazonino Mendes, baixo Rio Negro, Manaus-AM

comunitários que moram na vila das comunidades. Em geral estes lotes apresentam uniformidade na delimitação métrica, o que faz com que os terrenos das residências apresentem tamanhos equivalentes, exceção feita àqueles moradores a qual foi cedido mais de um lote. Verificou-se nas comunidades amostradas que as áreas identificadas pelos entrevistados como sendo os seus quintais seguem o mesmo padrão de disposição espacial, na maioria das vezes circundando toda a área residencial. Na comunidade Agrovila, a área dos quintais variou entre 400 e 2.300 m², no Julião a variação ficou entre 400 e 1.500 m². Não é raro observar nas comunidades estudadas, especialmente na Julião, residências fechadas em virtude de seus moradores apresentarem dupla residência, tendo como sua residência fixa a da cidade de Manaus. Nestes casos, é comum notar a presença de outros moradores da comunidade (vizinhos, colegas, parentes) instalados nestas casas para “tomar conta” da residência daquele que se deslocou para a cidade. Esse fato dificultou, por vezes, a coleta de informações a respeito dos quintais, pois questões que só poderiam ser respondidas pelos proprietários da residência, como por exemplo, a escolha das espécies vegetais, a origem do material propagativo, se houve preocupação em organizar as espécies vegetais no momento do plantio ou mesmo como se encontrava aquele quintal quando o morador chegou ao terreno, não puderam ser fornecidas pelas pessoas que tomavam conta da residência.

Os quintais mais recentes estão na comunidade Agrovila, sendo que 80% (16 quintais) têm no máximo cinco anos de formação. A presença de quintais com formação recente nas comunidades é devido principalmente a mudanças de domicílios que os moradores fazem dentro da própria comunidade, ou vindos de comunidades vizinhas. Agradecimentos As autoras agradecem aos projetos Saberes Locais (CNPq 551988/2007 e Água e Saúde (CNPq 55767/2006-2) pelo apoio financeiro e aos comunitários que participaram da pesquisa.

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1 Josephina Barata da VEIGAe-mail: [email protected]

2Veridiana V. SCUDELLERe-mail: [email protected]

1Programa de Pós-Graduação em Botânica, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. Manaus-AM

2Instituto de Ciências Biológicas – ICB, Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Manaus-AM

Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinhaSão João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas

Resumo: Os povos tradicionais da Amazônia, incluindo os caboclos-ribeirinhos possuem vasto conhecimento sobre o manejo dos sistemas agroflorestais (SAFs) e desenvolveram técnicas produtivas que garantem o equilíbrio ecológico dos recursos naturais. Os quintais constituem uma alternativa de baixo custo para a conservação da diversidade local, resgate do conhecimento etnobotânico, além de fornecer opções de lazer e sombra. Sendo assim: realizar um levantamento etnobotânico nos quintais da comunidade São João do Tupé e classificar as espécies vegetais de acordo com seus usos através do cálculo de seus valores de uso e de importância foram os objetivos deste estudo. Este trabalho foi conduzido a partir de levantamento etnobotânico aliado à técnica da turnê-guiada nos quintais com os moradores. As etnocategorias de uso das plantas investigadas foram: hortaliças, frutíferas, medicinais e plantas mais utilizadas no cotidiano conforme relato dos informantes e calculados os índices de diversidade de Shannon-Wiener, valor de uso (VU) e valor de importância (IVS). Foram registradas 114 etnoespécies sendo 71 medicinais, pertencentes a 32 famílias botânicas, destacando-se as Lamiaceae, Arecaceae e Rutaceae. Dentre as espécies com maior valor de uso Bonamia

Meio FísicoCapítulo 31 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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ferruginea (Choisy) Hallier f., Euterpe precatoria Mart., Cymbopogon citratus (DC.) Stapf. e Aspidosperma sp. foram as que apresentaram os maiores valores. Quanto ao IVS foram obtidos 0,76 para C. Citratus, 0,69 para E. precatoria, 0,69 para C. citratus e 0,53 para Aspidosperma sp. Quanto às frutíferas foram citadas 43 espécies pertencentes a 22 famílias botânicas, destacando-se Arecaceae, Myrtaceae, Annonaceae, Anacardiaceae e Rutaceae. Dentre as espécies com maior valor de uso: Theobroma grandiflorum Schum., Astrocaryum aculeatum Meyer, Anacardium occidentale L. e Inga edulis Mart. apresentaram os maiores valores. Quanto ao IVS foram obtidos: 0,77 (T. grandiflorum), 0,69 (A. aculeatum), 0,62 (A. occidentale) e 0,62 (I. edulis). Em relação às hortaliças foram citadas 13 espécies pertencentes a sete famílias botânicas. Dentre as famílias botânicas encontradas destacam-se Apiaceae, Solanaceae, Alliaceae e Curcubitaceae. As espécies com maior valor de uso foram: Allium schoenoprasum L., Eryngium foetidum L. e Cucumis anguria L. com valores de 6, 4, 1 respectivamente. Quanto ao IVS, essas espécies apresentaram valores de 0,46, 0,31 e 0,15 respectivamente. Foram citadas 49 espécies mais utilizadas no cotidiano dos moradores com destaque para: Cymbopogon citratus, Allium sativum L., Lippia alba (Mill.) N.E. Br., Citrus limon (L.) Burm.f., Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng., Zingiber officinale Roscoe, Lippia sp., Carapa guianensis Aubl., Vernonia condensata Becker e B. ferruginea. Conclui-se que os quintais são importantes para o fornecimento de alimentos, medicamentos, conservação e manutenção da diversidade vegetal, além de plantas para fazer sombra oferecendo assim opções de lazer e convívio social.

Palavras-chave: sistemas agroflorestais, quintais, Amazônia, caboclos-ribeirinhos

Introdução

King & Chandler (1978) definiram sistemas agroflorestais como sendo “sistemas sustentáveis de uso da terra que combinam, de maneira simultânea ou em sequência, a produção de cultivos agrícolas com plantações de árvores frutíferas ou florestais e/ou animais, utilizando a mesma unidade de terra e aplicando técnicas de manejo que são compatíveis com as práticas culturais da população local”. Os povos tradicionais da Amazônia, incluindo os caboclos-

ribeirinhos, possuem vasto conhecimento sobre o manejo de sistemas agroflorestais (SAFs) e desenvolveram técnicas produtivas que garantem o equilíbrio ecológico dos recursos naturais (Castro et al., 2009). Os SAFs foram resgatados de culturas antigas e atualizados para atender às necessidades da evolução no uso da terra, especialmente em regiões tropicais; hoje se expandem por praticamente todas as regiões onde é possível cultivos agrícolas e florestais (Daniel et al., 1999).

Veiga & Scudeller

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“sítio”, “quintal”, “pomar”, “pomar caseiro”, “terreiro” ou “horta familiar” e geralmente abrange uma área pequena de 1000 m2 ou menos, sendo possível um manejo constante pelos moradores da casa, além de ser um local de convívio social (Lima, 1994; Dubois, 1996). Portanto, quintais são unidades produtivas manejadas há décadas ou anos sendo locais cruciais para o cultivo, proteção e seleção de muitas plantas reconhecidas como úteis pelos agricultores familiares (Altiere, 1999; Blanckaert et al., 2004). São de grande importância tanto na vida rural quanto na urbana, quase sempre expressando um contínuo rural-urbano que representa um intercâmbio de material genético que associa a diversidade contida nos ecossistemas naturais às tradições das populações humanas locais, alcançando a vida urbana através da abertura de espaço na complementação alimentar dos habitantes das cidades. Os quintais constituem uma alternativa de baixo custo para a conservação da diversidade local, resgate do conhecimento etnobotânico, além de fornecer opções de lazer e sombra (Veiga & Higuchi, 2008). Para Freire et al. (2005), o quintal é um laboratório da vida no contexto da agricultura familiar enquanto que para Oakley (2004) a conservação dos quintais é uma responsabilidade cultural. Recentemente, vários estudos vêm sendo conduzidos na caracterização de sistemas agroflorestais nos trópicos (Altiere, 1999; Blanckaert et al., 2004). Entretanto, pouco se sabe acerca da percepção local e estrutura fitossociológica de quintais no Brasil. Porém, na Amazônia

Uma característica importante dos SAFs é a utilização de uma grande diversidade de plantas, manejadas para atender às necessidades da comunidade como alimentação, saúde (uso de plantas medicinais), confecção de vestuário, construção de casas e abrigos, manufatura de diversos objetos de uso comum, cultivo itinerante ou migratório, sistemas tradicionais abertos ao mercado e intercultivo de plantas perenes arbóreas, arbustivas e palmáceas (Embrapa – CPAA, 1992 apud Castro et al., 2009). Entre os sistemas agroflorestais, os quintais podem ser considerados de grande importância para habitantes de distintas paisagens rurais, fornecendo diversos recursos para consumo alimentar (Kumar & Nair, 2004; Albuquerque et al., 2005), com estrutura e composição florística variável num continuum entre natureza e cultura agrícola (Wiersum, 2004). No Brasil, quintal é o termo utilizado para se referir ao terreno situado ao redor da casa, definido na maioria das vezes como a porção de terra próximo à residência, de acesso fácil e cômodo no qual se cultivam ou se mantêm múltiplas espécies que fornecem parte das necessidades nutricionais da família bem como outros produtos como lenha e plantas medicinais (Brito & Coelho, 2000). O termo varia de acordo com os países e o idioma utilizado. Nair (1993) relaciona a existência de vários tipos de quintais ou homegardens em diferentes locais, cada qual com características particulares. Na Amazônia, o quintal agroflorestal é também chamado de

Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinha São João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas.

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existem diversos sistemas agroflorestais em uso há muito tempo, desenvolvidos por comunidades indígenas, caboclas e ribeirinhas principalmente para fins de subsistência. No entanto muitos sistemas de produção mantidos por estes povos tradicionais nunca foram bem descritos e podem constituir um conhecimento em risco de ser perdido. Estudos etnobotânicos recentes têm enfocado o quintal rural (Saraguossi et al., 1990; Noda & Noda, 2003; Souza, 2010) e o urbano (Martins, 1998; Veiga & Higuchi, 2008, Carniello et al., 2010; Souza & Scudeller, neste volume), dentre outros, como uma importante unidade de paisagem reveladora do uso e conservação de biodiversidade local e introduzida. Os quintais podem ser considerados relevantes depositários de germoplasma, além de outros aspectos como para a segurança alimentar, estético e cultural (Amorozo, 2002). Diante do exposto, este trabalho se propôs a: (1) realizar um levantamento etnobotânico nos quintais da comunidade São João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas e (2) classificar as espécies vegetais de acordo com seus usos, através do cálculo de seus valores de uso e de importância.

Materiais e Métodos

Área de estudo

A comunidade São João do Tupé (SJT), objeto deste estudo, é uma das seis comunidades que estão localizadas

na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé na margem esquerda do rio Negro no município de Manaus, estado do Amazonas. A comunidade SJT situa-se na porta de entrada para a RDS Tupé, mais precisamente às margens do rio Negro e lago Tupé sendo limitada por praia, mata de igapó e terra-firme. Suas residências estão à beira do lago ou agrupadas na pequena vila nas proximidades da praia do Tupé (Scudeller et al., 2005). Seus morados pescam principalmente na seca e caçam pouco (Terra & Rebêlo, 2005). Segundo os autores, a ocupação demográfica vem se dando ao longo de aproximadamente 40 anos na comunidade, referindo-se a relatos dos próprios comunitários. Na comunidade SJT existem 46 famílias com média de 4 pessoas por família. Atualmente, na comunidade SJT poucos praticam a agricultura. Devido a disponibilidade da praia durante grande parte do ano, o crescimento da comunidade gira em torno da “infraestrutura turística”. Mesmo com a presença de fontes permanentes de água para cultivo, o tipo de solo encontrado na SJT é considerado fraco para agricultura por seus moradores, além da presença das saúvas que dificultam muito a manutenção do plantio (Scudeller et al., 2005). Os moradores buscam parte de seus alimentos em Manaus, principalmente no período de cheia em que a pesca é escassa (Terra & Rebêlo, 2005).

Veiga & Scudeller

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Métodos de coleta e análise de dados

Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética do INPA/CEP (Processo nº 158/07) e Conselho de Gestão do Patrimônio Genético CGEN (Processo nº 02000.001387/2008-11).O trabalho foi conduzido a partir de entrevistas semi-estruturadas e levantamentos etnobotânicos aliados à técnica da turnê-guiada nos quintais com os moradores, similares aos utilizados por Freitas & Fernandes (2006). A metodologia baseou-se em técnicas da observação direta participante e os dados anotados em diários de campo e registros das entrevistas em fitas cassetes com a prévia autorização dos mesmos, seguindo a metodologia de Lima (1996). As entrevistas foram realizadas em forma de diálogos, visando desenvolver uma relação de amizade com os entrevistados, além de dar espaço para as pessoas falarem a respeito de suas vidas e de suas ideias. Foram usados três critérios para selecionar os entrevistados, a saber: cultivar, coletar ou utilizar plantas medicinais. Para a identificação dos informantes utilizou-se a técnica denominada bola de neve “snow ball” que consistiu em localizar um ou mais informantes-chave que indicaram outros candidatos.

Coleta de material botânico Para a coleta de plantas uti-lizou-se a técnica da turnê-guiada pelos quintais junto aos informantes e

no caminho eles mostravam as plantas que usam para diversos fins. As visitas aos quintais ocorriam no momento da entrevista ou em outro horário/dia de acordo com a disponibilidade do informante. Segundo Albuquerque et al. (2008), a realização desta técnica consiste em fundamentar e confirmar os nomes das plantas citadas nas entrevistas, pois o nome vulgar de uma espécie pode variar bastante entre regiões e até mesmo entre indivíduos de uma mesma comunidade. Durante as entrevistas, o material botânico citado pelos informantes foi coletado com o prévio consentimento dos mesmos. O material fértil foi herborizado conforme metodologia convencional aplicada em taxonomia vegetal (Mori et al., 1989) e os espécimes coletados foram identificados com o auxílio de microscópio estereoscópico através de chaves botânicas, literatura especializada e comparação com base nas características morfológicas de exsicatas de herbário, utilizando o sistema de classificação APGII (Angiosperm Phylogeny Group, 2004) atualizado em Stevens (2005). As espécies que não foram coletadas ou que estavam estéreis não puderam ter sua determinação específica confirmada. As exsicatas foram depositadas no herbário INPA. As informações sobre o nome científico e origem foram baseados em: Silva et al. (1977); Lorenzi (1999);

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Ribeiro et al. (1999); Lorenzi & Souza (2001); Lorenzi & Matos (2002); Revilla (2002); IPNI (2010); Kew (2010); MOBOT (2010). As categorias de uso das plantas foram: medicinais, frutíferas, hortaliças e plantas mais utilizadas no cotidiano conforme relato dos informantes. O período de entrevistas e coletas ocorreu entre outubro de 2008 e fevereiro de 2010.

Análise dos dados

Para estimar a diversidade do uso dos recursos vegetais na comunidade foi calculado o índice de Shannon-Wiener (Brower et al., 1997). H’= - ◦ pi ln pi (onde pi= proporção de citações por morador). Segundo Begossi (1996), índices de diversidade são utilizados para avaliar intensidade de uso de recursos por populações humanas e permitem comparar diferentes populações em diferentes áreas e, em geral, auxiliam no entendimento de suas interações com o ambiente. Para cada espécie amostrada foi calculado o Valor de Uso que é o resultado de uma pontuação atribuída pelo pesquisador a partir de seus apontamentos oriundos da observação direta. Assim, as plantas que aparentemente têm menor uso, recebem o valor 0,5 e as de maior importância 1,0. O valor total de uma planta é dado pelo somatório dos

valores que a planta recebeu para cada um dos usos que possui (Prance et al., 1987). O Valor de Importância (IVS) proposto por Byg & Balslev (2001) citado por Silva et al. (2008) que mede a proporção de informantes que citaram uma espécie como mais importante foi calculado pela fórmula IVS= nis/n e seus valores variam de zero a 1.IVS = nis/n; onde: nis = número de informantes que consideram a espécie S mais importante; n = total de informantes Cada entrevistado selecionou e/ou hierarquizou as dez espécies mais importantes no seu uso cotidiano conforme sugerido por Prance et al. (1987).

Resultados e Discussão

Perfil sóciodemográfico e caracterização dos domicílios

Foram entrevistados 13 comunitários sendo dez mulheres e três homens. A idade dos entrevistados variou de 31 a 70 anos; 84% são nascidos no Estado do Amazonas e 100% oriundos da região Norte do Brasil. Os habitantes da comunidade SJT vivem do comércio de fim de sema-na restrito à temporada de existência de praia e outros são aposentados ou funcionários públicos (Scudeller et al., 2009). Na comunidade foi implanta-do um projeto de criação de tambaqui (Colossoma macropomum) em tanque-

Veiga & Scudeller

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-rede sob a coordenação do Projeto BIOTUPÉ, que tem como objetivo pro-porcionar à comunidade uma alterna-tiva de geração de renda e melhoria da qualidade de vida. Porém, somente 7 famílias participam desta atividade. (vide Oliveira et al., neste volume) Em geral a criação de animais domésticos na comunidade não é significativa, restringindo-se a frangos, patos e porcos em pequeno número e para consumo próprio. Os domicílios são de arquitetura simples e, em geral, feitos de madeira com banheiro externo, mas há casas de alvenaria (vide Gasparini e Reis Jr., neste volume). Não há energia elétrica, mas um motor de luz fornece energia por algumas horas durante o dia e também água de poço. Outro fato relevante é que muitas famílias têm além da casa na vila (com um pequeno quintal), um terreno na floresta de terra-firme que rodeia a vila. Esses terrenos não ficam próximos à vila sendo necessário andar vários quilômetros para chegar até eles. O tamanho do terreno varia de dois a quatro hectares. O manejo do quintal é feito em geral pelas mulheres e crianças que cuidam dos arredores da casa enquanto os homens são responsáveis pelo terreno na floresta. Porém, há alguns casos onde a mulher é a responsável pelo domicílio e assume as duas funções. Carniello et al. (2010) argumenta que há uma distinção entre os conhecimentos. As mulheres são especialistas no que se refere às espécies ornamentais e o respectivo manejo, enquanto que os

homens consideram-se especializados no cultivo de plantas alimentares. As demais categorias são de domínio comum aos dois gêneros. Para Rosa (2002), a divisão de trabalho no universo da agricultura familiar é uma estratégia dos agricultores para maximizar a eficiência da mão-de-obra familiar. De acordo com esta autora, neste contexto, a mulher representa uma grande força de trabalho na unidade familiar, pois além das atividades produtivas, ela ainda realiza tarefas domiciliares que englobam diversos serviços domésticos, inclusive a formação e manutenção dos quintais agroflorestais. Por sua vez, Oakley (2004) enfatiza a função dos quintais domésticos como reservatórios de biodiversidade em comunidades mundo afora. Em muitas culturas, as mulheres são as responsáveis pela manutenção desse sistema. Essa tarefa cotidiana garante o acesso das famílias a uma dieta saudável e adequada ao gosto e às tradições locais. A mesma autora afirma, ainda, que as mulheres preservam a biodiversidade por meio de plantações com alta densidade de espécies, transformando seus quintais em laboratório de experiências para a adaptação de variedades locais e não-domesticadas.

Composição florística dos quintais

Os quintais são percebidos pelos entrevistados como locais de

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plantio de frutíferas, hortaliças e medicinais, além de ornamentais. Para os entrevistados, o quintal é, além de uma área de cultivo, um lugar para os filhos brincarem, para fornecimento de alimento, auxílio em casos de doença, manutenção da umidade e opção de lazer e sombra. As plantas são distribuídas ao lado, atrás ou na frente das casas e cultivadas diretamente no chão, em canteiros suspensos ou em canteiros cercados para proteger de animais ou ainda em recipientes diversos como os descritos para a área ribeirinha. De acordo com Souza (2010), a percepção de 57,4% dos entrevistados nas três comunidades estudadas na RDS Tupé e Parque Estadual do Rio Negro-Sul (Agrovila, Julião e Caioé), o quintal é o que sobrou depois da construção da casa e que se encontra no entorno desta (lados, fundos e frente). Foram registradas 114 etnoespécies categorizadas em medicinais, frutíferas e hortaliças durante o levantamento etnobotânico realizado através de entrevistas com os moradores da comunidade que contemplavam o critério de seleção determinado na metodologia deste trabalho (Tabs. 1 a 4). Destas, 62,3% são medicinais, 37,7% frutíferas e 11,4% hortaliças. Vale ressaltar que 13 espécies são citadas em duas categorias, por exemplo, a alfavaca (Ocimum gratissimum L.) é citada como medicinal e hortaliça. A manga (Mangifera indica L.) é citada como medicinal e frutífera.

As famílias botânicas que mais se destacaram no levantamento foram Lamiaceae (nove espécies), Arecaceae (oito espécies), Rutaceae (sete espécies), Anacardiaceae (cinco espécies), Asteraceae, Fabaceae e Myrtaceae (quatro espécies cada). No levantamento feito por Souza (2010) nas comunidades Agrovila e Julião (RDS do Tupé) e Caioé (Parque Estadual do Rio Negro - Setor Sul), Amazônia Central, as famílias que mais se destacaram em número de espécies foram: Araceae (14 espécies), Arecaceae (13 espécies), Asteraceae (12 espécies), Malvaceae (10 espécies) e Lamiaceae (nove espécies). Os dados obtidos neste trabalho demonstraram maior número de espécies em relação ao levantamento realizado por Rosa et al., (2007) em quintais agroflorestais no município de Bragança – PA onde foram identificadas 76 espécies nos 53 quintais avaliados sendo que 68,4% são utilizadas na alimentação, 14,5% são medicinais, 13,2% são madeireiras e o restante (3,9%) é utilizado para outros fins. Souza & Scudeller (2009) observaram em 14 quintais estudados nas comunidades Julião e Agrovila (RDS Tupé) a ocorrência de 112 espécies distribuídas em 92 gêneros e pertencentes a 53 famílias botânicas. Tais espécies foram enquadradas em categorias como alimentação (70,52%), medicinal (21,42%), ornamental (13,39%), utensílios (0,09%), artesanato (0,09%) e cosmético (0,09%). Santos et al. (2009) encontraram 125 espécies de plantas

Veiga & Scudeller

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cultivadas na comunidade Colônia Central (RDS Tupé), distribuídas nos quatro subsistemas de produção e sete categorias, sendo que estas espécies podem ser citadas em mais de uma categoria e presentes em mais de um agroecossistema. As etnocategorias de uso das plantas investigadas neste trabalho foram: medicinais, frutíferas, hortaliças e plantas mais utilizadas no cotidiano conforme relato dos informantes.

Categoria Medicinais

Em relação às plantas citadas para os mais diversos usos medicinais foram registradas 71 espécies pertencentes a 32 famílias botânicas, destacando-se Lamiaceae com oito espécies, Asteraceae, Fabaceae e Rutaceae (quatro espécies cada), Apocynaceae (três espécies), Anacardiaceae, Bignoniaceae, Euphorbiaceae, Lauraceae, Poaceae e zingiberaceae (duas espécies cada). Dentre as 32 famílias botânicas encontradas, 21 foram representadas por apenas uma espécie (Tab. 1). Nos 20 quintais inventariados na comunidade Vila Franca – PA, Ferreira & Pires Sablayrolles (2009) identificaram 129 espécies de plantas medicinais, pertencentes a 55 famílias vegetais e 97 gêneros. Lamiaceae, Euphorbiaceae, Rutaceae, zingiberaceae, Asteraceae e Piperaceae foram as mais representativas em número de espécies, assim como encontrado neste estudo.

Dentre as espécies mais citadas e com maior valor de uso destacam-se o cipó-tuíra (Bonamia ferruginea (Choisy) Hallier f.), o açaí (Euterpe precatoria Mart.), o capim-santo (Cymbopogon citratus (DC.) Stapf) e a carapanaúba (Aspidosperma sp.) com valores de dez, nove, nove e sete respectivamente. Quanto ao valor de importância foi verificado a concordância com os valores obtidos pelo valor de uso que foram: 0,76 para o cipó-tuíra, 0,69 açaí, 0,69 capim-santo e 0,53 carapanaúba (Tab. 1). Das quatro espécies mais citadas como medicinais, três delas (cipó-tuíra, açaí e carapanaúba) são usadas principalmente para o tratamento de malária e males associados (Veiga, 2011). A malária é uma doença grave que ocorre com muita frequência na comunidade. Dentre as categorias, as medicinais apresentaram maior diversidade (H=1,74 decits) e alta equitabilidade (J= 0,94), ou seja, muitas ocorrem em quase todas as casas entrevistadas enquanto que frutíferas obtiveram diversidade igual a H= 1,53 decits e índice de equitabilidade J= 0,93 e hortaliças com valores de H= 0,99 decits e J= 0,89 respectivamente. Comparando estes resultados aos encontrados em outros estudos verificamos uma gama positiva de saberes relacionados ao uso desses recursos vegetais. O índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) das três categorias foi de H= 4,26 decits. Este valor ficou

Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinha São João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas.

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continua Tabela 1

Tabela 1: Plantas citadas como medicinais pelos moradores da Comunidade São João do Tupé de acordo com nome científico, família, número de citações, Valor de Uso (VU) e Valor de Importância (IVS)

Nome comum Nome científico Família VU IVS

abacate Persea americana Mill. Lauraceae 1 0,07

açaí Euterpe precatoria Mart. Arecaceae 9 0,69

ajuru Chrysobalanus iaco L. Chrysobalanaceae 0,5 0,03

alfavaca Ocimum gratissimum L. Lamiaceae 6 0,46

alfavaca-brava/alfavacão Ertela trifolia (L.) Kuntze Rutaceae 1 0,07

algodão-roxo Gossypium barbadense L. Malvaceae 0,5 0,03

alho Allium sativum L. Alliaceae 1 0,07

amor-crescido Portulaca pilosa L. Portulacaceae 3 0,23

andiroba Carapa guianensis Aubl. Meliaceae 3 0,23

arruda Ruta graveolens L. Rutaceae 4 0,3

batatão Indeterminada 0,5 0,03

batatinha-roxa Indeterminada 0,5 0,03

biribá Rollinia mucosa (Jacq.) Baill. Annonaceae 0,5 0,03

boldo Plectranthus sp. Lamiaceae 4 0,3

boldo-africano Vernonia condensata Becker Asteraceae 4 0,3

caapeba Potomorphe peltata (L.) Miq. Piperaceae 0,5 0,03

caferana Picrolemna sprucei Hook.f. Simaroubaceae 0,5 0,03

camapu Physalis angulata L. Solanaceae 1 0,07

canela Cinnamomum zeylanicum Blume Lauraceae 1 0,07

capim-santo-cana Cymbopogon sp. Poaceae 0,5 0,03

capim-santo Cymbopogon citratus (DC.) Stapf Poaceae 9 0,69

capim-santo-pequeno Pectis brevipedunculata (Gardner) Sch. Bip. Asteraceae 1 0,07

capitiúba Indeterminada 0,5 0,03

carapanaúba Aspidosperma sp. Apocynaceae 7 0,53

castanhaeira Bertholletia excelsa Bonpl. Lecythidaceae 0,5 0,03

catinga-de-mulata Aeollanthus suaveolens Mart. ex Spreng Lamiaceae 1 0,07

chicória Eryngium foetidum L Apiaceae 3 0,23

cidreira Lippia alba (Mill.) N.E.Br. Verbenaceae 5 0,38

cipó-alho Mansoa alliacea (Lam.) A. Gentry Bignoniaceae 3 0,23

cipó-tuíra Bonamia ferruginea (Choisy) Hallier f. Convolvulaceae 10 0,76

cominho Cuminum cyminum L Apiaceae 0,5 0,03

Veiga & Scudeller

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Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinha São João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas.

continuando Tabela 1

copaíba Copaifera sp. Fabaceae 0,5 0,03

corama Bryophyllum calycinum Salisb. Crassulaceae 3 0,23

crajirú Arrabidaea chica (H. & B.) Verlot Bignoniaceae 6 0,46

cravo-de-defunto Tagetes erecta L. Asteraceae 0,5 0,03

cuia Crescentia cujete L. Bignoniaceae 0,5 0,03

cuia-mansa (folha pequena) Indeterminada 0,5 0,03

escada-de-jabuti Bauhinia sp. Fabaceae 0,5 0,03

gergelim Sesamum indicum L. Pedaliaceae 0,5 0,03

hortelã-grande Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng. Lamiaceae 1 0,07

hortelanzinho Mentha piperita L. Lamiaceae 0,5 0,03

jambú Spilanthes acmella (L.) Murray Asteraceae 4 0,3

jatobá Hymenaea courbaril L. Fabaceae 0,5 0,03

jucá Caesalpinia ferrea Mart. Fabaceae 1 0,07

laranja Citrus sinensis (L.) Osbeck Rutaceae

limão Citrus limon (L.) Burm.f. Rutaceae 1 0,07

malvarisco Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng. Lamiaceae 0,5 0,03

malvarisco(bordas brancas) Indeterminada 0,5 0,03

manga Mangifera indica L. Anacardiaceae 0,5 0,03

mangarataia Zingiber officinale Roscoe zingiberaceae 3 0,23

marupazinho Eleutherine bulbosa (Mill.) Urb. Iridaceae 0,5 0,03

mucuracaá Petiveria alliacea L. Phytolacaceae 3 0,23

murici Byrsonima chrysophylla Kunth Malpighiaceae 1 0,07

mutuquinha Indeterminada 0,5 0,03

oriza Pogostemon patchouly Pellet Lamiaceae 0,5 0,03

pata-de-vaca Bauhinia sp. 1 0,07

pião-roxo Jatropha gossypiifolia L. Euphorbiaceae 1 0,07

pobre-velho Costus spicatus (Jacq.) Sw. Costaceae 0,5 0,03

quina-quina Geissospermum sp. Apocynaceae 4 0,3

sacaca Croton cajucara Benth. Euphorbiaceae 1 0,07

salva-de-marajó Lippia sp. Verbenaceae 3 0,23

saracura-mirá Ampelozizyphus amazonicus Ducke Rhamnaceae 4 0,3

saratudo Justicia acuminatissima (Miq.) Bremek Acanthaceae 0,5 0,03

saratudo/pra-tudo Indeterminada 5 0,38

sucuubaHimatanthus sucuuba (Spruce ex Mull. Arg.) Woodson

Apocynaceae 1 0,07

taperebá Spondias mombin Linn. Anacardiaceae 0,5 0,03

copaíba Copaifera sp. Fabaceae 0,5 0,03

crajirú Arrabidaea chica (H. & B.) Verlot Bignoniaceae 6 0,46

cuia Crescentia cujete L.Crescentia cujete L.Crescentia cujete Bignoniaceae 0,5 0,03

escada-de-jabuti Bauhinia sp. Fabaceae 0,5 0,03

hortelã-grande Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.Plectranthus amboinicus (Lour.) Spreng.Plectranthus amboinicus Lamiaceae 1 0,07

jambú Spilanthes acmella (L.) Murray Asteraceae 4 0,3

jucá Caesalpinia ferrea Mart. Fabaceae 1 0,07

limão Citrus limon (L.) Burm.f. Rutaceae 1 0,07

malvarisco(bordas brancas) Indeterminada 0,5 0,03

mangarataia Zingiber officinale RoscoeZingiber officinale RoscoeZingiber officinale zingiberaceae 3 0,23

mucuracaá Petiveria alliacea L. Phytolacaceae 3 0,23

mutuquinha Indeterminada 0,5 0,03

pata-de-vaca Bauhinia sp.Bauhinia sp.Bauhinia 1 0,07

pobre-velho Costus spicatus (Jacq.) Sw. Costaceae 0,5 0,03

sacaca Croton cajucara Benth. Euphorbiaceae 1 0,07

saracura-mirá Ampelozizyphus amazonicus Ducke Rhamnaceae 4 0,3

saratudo/pra-tudo Indeterminada 5 0,38

taperebá Spondias mombin Linn. Anacardiaceae 0,5 0,03

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continuando Tabela 1

trevo Scutellaria agrestis St. Hil. ex Benth. Lamiaceae 0,5 0,03

urucu Bixa orellana L. Bixaceae 1 0,07

vassourinha Scoparia dulcis L. Scrophulariaceae 1 0,07

vindicá Alpinia speciosa (Blume) D. Dietr. zingiberaceae 0,5 0,03

xixuá Maytenus guianensis Klotzch. Celastraceae 3 0,23

urucu Bixa orellana L. Bixaceae 1 0,07

vindicá Alpinia speciosa (Blume) D. Dietr. zingiberaceae 0,5 0,03

próximo ao encontrado por Scudeller et al. (2009) na mesma comunidade embora os autores tenham investigado apenas a categoria medicinal e superior ao valor registrado por Souza (2010) nas comunidades Julião, Agrovila (RDS Tupé) e Caioé (Parque Estadual do Rio Negro- Setor Sul) para diversas categorias (H’= 2,11) e Souza & Scudeller (2009) ao estudarem as comunidades do Julião e Agrovila (ambas na RDS Tupé) obtiveram os valores 1,90 e 1,77 respectivamente.

Categoria Frutíferas

Quanto às frutíferas foram citadas 43 espécies pertencentes a 22 famílias botânicas sendo uma não identificada, destacando-se Arecaceae (com oito espécies), Myrtaceae (quatro espécies), Annonaceae, Anacardiaceae e Rutaceae (três espécies), Malpighiaceae, Passifloraceae, Malvaceae e Rubiaceae (duas espécies). Dentre as 22 famílias botânicas encontradas, 13 foram representadas por apenas uma espécie (Tab. 2). Nas comunidades Julião e Agrovila (RDS Tupé), Arecaceae também se destacou em número de espécies (oito) e as fruteiras foram encontradas

em todos os quintais, representando 45,5% do número total de espécies (Souza & Scudeller, 2009). No levantamento feito por Santos et al. (2009), as plantas alimentícias (incluindo os frutos, folhas e raízes) são as de maior predominância, seguida das ornamentais, medicinais, condimentares, as plantas cultivadas para artesanato, atração de animais para caça (ceva) e as plantas cultivadas para algum fim ritualístico e 13 são as plantas citadas em mais de uma categoria. Souza (2010) registrou em três comunidades do baixo rio Negro, 266 espécies vegetais consideradas úteis pelos moradores, pertencentes a 77 famílias botânicas. Deste total 45% são utilizadas na alimentação, 35% na medicina popular e 33% como ornamentais. O interessante é que há um predomínio de espécies frutíferas entre as alimentícias, representando 63,3% do total de espécies nesta categoria de uso. Dentre as espécies mais citadas e com maior somatório de valor de uso temos o cupuaçu (Theobroma grandiflorum Schum.), o tucumã (Astrocaryum aculeatum Meyer), o caju (Anacardium occidentale L.) e a ingá (Inga edulis Mart.) com valores de 10, 9, 8 e 8 respectivamente (Tab. 2).

Veiga & Scudeller

535

Tabela 2 : Plantas citadas como frutíferas pelos moradores da Comunidade São João do Tupé de acordo com nome científico, família, número de citações, Valor de Uso (VU) e Valor de Importância (IVS).

Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinha São João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas.

abacate Persea americana Mill. Lauraceae 7 0,54

abacaxi Ananas comosus (L.) Merr. Bromeliaceae 1 0,15

abiu Pouteria caimito (Ruiz & Pav.) Radkl Sapotaceae 3 0,23

açaí Euterpe precatoria Mart. Arecaceae 6 0,46

acerola Malpighia glabra L. Malpighiaceae 0,5 0,08

araçá-boi Eugenia stipitata McVaugh Myrtaceae 3 0,23

araticum Annona crassiflora Mart. Annonaceae 1 0,15

azeitona Eugenia jambolana Lam Myrtaceae 1 0,15

bacaba Oenocarpus bacaba Mart. Arecaceae 3 0,23

bacabinha Oenocarpus mapora Karsten Arecaceae 0,5 0,08

bacuri Platonia insignis Mart. Clusiaceae 0,5 0,08

banana Musa paradisiaca L. Musaceae 4 0,31

biriba Rollinia mucosa (Jacq.) Baill. Annonaceae 5 0,38

buriti Mauritia flexuosa L. f. Arecaceae 3 0,23

cacau Theobroma cacao L. Malvaceae 1 0,15

café Coffea arabica L. Rubiaceae 1 0,15

caju Anacardium occidentale L. Anacardiaceae 8 0,62

cana-de-açúcar Saccharum officinarum L. Poaceae 0,5 0,08

castanheira Bertholletia excelsa H.B.K. Lecythidaceae 1 0,15

coco Cocos nucifera L. Arecaceae 6 0,46

cupuaçu Theobroma grandiflorum Schum. Malvaceae 10 0,77

goiaba Psidium guajava L. Myrtaceae 6 0,46

goiaba-de-anta Bellucia grossularioides (L.) Triana Melastomataceae 0,5 0,08

graviola Annona muricata L. Annonaceae 6 0,46

inajá Maximiliana Maripa Aublet Drude Arecaceae 0,5 0,08

ingá Inga edulis Mart. Fabaceae 8 0,62

jaca Artocarpus heterophyllus Lam. Moraceae 3 0,23

jambo Eugenia malaccensis L. Myrtaceae 4 0,31

jenipapo Genipa americana L. Rubiaceae 0,5 0,08

laranja Citrus sinensis (L.) Osbeck Rutaceae 3 0,23

limão Citrus limon (L.) Burm. F. Rutaceae 3 0,23

limão-galego Citrus aurantifolia (Christm.) Swingle Rutaceae 0,5 0,08

mamão Carica papaya L. Caricaceae 1 0,15

manga Mangifera indica L. Anacardiaceae 7 0,54

maracujá Passiflora edulis Sims Passifloraceae 1 0,15

Nome comum Nome científico Família VU IVS

continua Tabela 2

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maracujá-do-mato Passiflora nitida H.B.K. Passifloraceae 0,5 0,08

mari-gordo Poraqueiba sericeae Tulasne Icacinaceae 0,5 0,08

murici Byrsonima chrysophylla Kunth Malpighiaceae 5 0,38

pupunha Bactris gasipaes H.B.K. Arecaceae 3 0,23

rambutã Nephelium lappaceum L. Sapindaceae 5 0,08

taperebá Spondias mombim L. Anacardiaceae 3 0,23

tucumã Astrocaryum aculeatum Meyer Arecaceae 9 0,69

vassourinha Indeterninada 9 0,08

continuando Tabela 2

maracujá-do-mato Passiflora nitida H.B.K.nitida H.B.K.nitida Passifloraceae 0,5 0,08

murici Byrsonima chrysophylla Kunth Malpighiaceae 5 0,38

rambutã Nephelium lappaceum L. Sapindaceae 5 0,08

tucumã Astrocaryum aculeatum Meyer Arecaceae 9 0,69

Quanto ao valor de importância verificamos a concordância com os valores obtidos pelo valor de uso que foram: 0,77 (cupuaçu), 0,69 (tucumã), 0,62 (caju) e 0,62 (ingá) (Tab. 2). O cupuaçu destaca-se por ser uma espécie nativa da Amazônia muito apreciada pela população amazonense para diversos usos e também muito cultivada pelos comunitários. Os quintais da comunidade SJT possuem uma diversidade de espécies frutíferas que são utilizados como complemento na alimentação e, quando em produção excessiva (por exemplo, no caso de manga, jambo e goiaba) doam aos vizinhos e parentes. Entretanto, no caso do cupuaçu que é cultivado nos terrenos, os moradores o comercializam. O cultivo e o manejo são feitos de maneira simples, porém de forma variada na execução das atividades, dependendo do modo de vida do entrevistado e a finalidade do plantio. Segundo Amorozo (2002), a fisionomia de quintais e jardins é moldada por combinações e variações de sua estrutura, função e tamanho.

Seu conteúdo e seu destino estão firmemente atrelados à sua história, que é a história da família ou famílias que ocuparam o domicílio e refletem situações e experiências vividas por seus membros. Assim, quintais e jardins de migrantes podem conter plantas das regiões de origem, quintais antigos podem estar conservando variedades raras, ou mesmo algumas que havia no ambiente original antes de sua conversão para agricultura extensiva.

Categoria Hortaliças

Em relação às hortaliças foram citadas 13 espécies pertencentes a sete famílias botânicas, sendo Apiaceae e Solanaceae (com três espécies cada), Alliaceae e Curcubitaceae (duas espécies cada) e as demais Lamiaceae, Brassicaceae e Euphorbiaceae (uma espécie cada) (Tab. 3). Vale ressaltar que a aquisição de plantas ocorre de várias formas: do-ação, comércio e troca. Desta maneira a diversidade genética das plantas está em movimento constante e torna pos-sível a manutenção dessas espécies.

Veiga & Scudeller

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Tabela 3: Plantas citadas como hortaliças pelos moradores da Comunidade São João do Tupé de acordo com nome científico, família, número de citações, Valor de Uso (VU) e Valor de Importância (IVS).

Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinha São João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas.

Nome comum Nome científico Família VU IVS

abóbora Cucurbita moschata Duchesne ex Poir Cucurbitaceae 0,5 0,08

alfavaca Ocimum gratissimum L. Lamiaceae 0,5 0,08

cebola Allium cepa L. Alliaceae 0,5 0,08

cebolinha Allium schoenoprasum L. Alliaceae 6 0,46

chicória Eryngium foetidum L Apiaceae 4 0,31

coentro Coriandrum sativum L. Apiaceae 0,5 0,08

cominho Cuminum cyminum L Apiaceae 0,5 0,08

couve Brassica oleracea L. var. acephala Brassicaceae 0,5 0,08

macaxeira Manihot esculenta Crantz. Euphorbiaceae 0,5 0,08

maxixe Cucumis anguria L. Curcubitaceae 1 0,15

pimenta-cheirosa Capsicum odoratum Steud. Solanaceae 0,5 0,08

pimenta Capsicum spp. Solanaceae 0,5 0,08

tomate Lycopersicon esculentum Mill. Solanaceae 0,5 0,08

Dentre as espécies mais citadas e com maior somatório de valor de uso temos a cebolinha (Allium schoenoprasum L.), a chicória (Eryngium foetidum L.) e o maxixe (Cucumis anguria, L.) com valores de 6, 4 e 1 respectivamente (Tab. 3). O IVS dessas espécies apresentou valores de 0,46 para a cebolinha, 0,31 chicória e 0,15 maxixe (Tab. 3). Destas, as duas primeiras são tipicamente utilizadas como condimentos do principal prato de fonte protéica amazônica, o peixe. Castro et al. (2009) verificaram na comunidade Costa da Terra Nova–AM que as principais hortaliças são as que formam o cheiro-verde (chicória, cebolinha e o coentro) – usado como condimento, principalmente para o preparo do pescado corroborando com os dados deste trabalho.

Vê-se, portanto, que poucas espécies tiveram altos valores de uso, prevalecendo o uso de espécies mais conhecidas e utilizadas pela população local. Os valores de VU são confirmados pelos valores do IVS (Tab. 3).

Categoria Plantas mais utilizadas no cotidiano

Foram citadas 49 espécies mais utilizadas no cotidiano dos moradores da comunidade São João do Tupé, no entanto verificou-se predomínio de espécies medicinais. No estudo de Carniello et al. (2010) nos quintais urbanos de Mirassol D’Oeste-MT foram 34 espécies indicadas nos dez primeiros níveis de preferência dessa comunidade. Em parte, o cultivo nos quintais de Mirassol D’Oeste está associado ao consumo e à necessidade

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Nome comum VU IVS Nome comum VU IVS

Tabela 4: As plantas mais importantes usadas no cotidiano dos entrevistados da comunidade São João do Tupé quanto ao Valor de uso (VU) e Valor de importância (IVS).

abacate 1 0,08

abota 0,5 0,04

açaí 1 0,08

alfavaca 1 0,08

alho 5 0,38

amor crescido 1 0,08

andiroba 3 0,23

arruda 0,5 0,04

batatinha-roxa 0,5 0,04

boldo africano 3 0,23

canela 0,5 0,04

capim santo 7 0,54

capim santo pequeno 0,5 0,04

carapanaúba 0,5 0,04

castanheira 0,5 0,04

catinga-de-mulata 0,5 0,04

cebolinha 0,5 0,04

chicória 1 0,08

cidreira 5 0,38

cipó-alho 1 0,08

cipó-tuíra 3 0,23

cominho 0,5 0,04

copaiba 1 0,08

corama 1 0,08

crajirú 1 0,08

hortelã 1 0,08

hortelãzinho 1 0,08

escada-de-jabuti 0,5 0,04

jambo 0,5 0,04

jatobá 1 0,08

jucá 0,5 0,04

jutaí 0,5 0,04

laranja 1 0,08

limão 4 0,31

malvarisco 4 0,31

mangarataia 4 0,31

marupazinho 0,5 0,04

mucuracaá 0,5 0,04

murici 0,5 0,04

oriza 0,5 0,04

pimenta cheirosa 0,5 0,04

preciosa 0,5 0,04

salva-de-marajó 4 0,31

saratudo 0,5 0,04

saratudo/pra-tudo 0,5 0,04

trevo 1 0,08

uxi 0,5 0,04

vindicá 0,5 0,04

xixuá 0,5 0,04

abota 0,5 0,04 hortelãzinho 1 0,08

alfavaca 1 0,08 jambo 0,5 0,04

amor crescido 1 0,08 jucá 0,5 0,04

arruda 0,5 0,04 laranja 1 0,08

boldo africano 3 0,23 malvarisco 4 0,31

capim santo 7 0,54 marupazinho 0,5 0,04

carapanaúba 0,5 0,04 murici 0,5 0,04

catinga-de-mulata 0,5 0,04 pimenta cheirosa 0,5 0,04

chicória 1 0,08 salva-de-marajó 4 0,31

cipó-alho 1 0,08 saratudo/pra-tudo 0,5 0,04

cominho 0,5 0,04 uxi 0,5 0,04

corama 1 0,08 xixuá 0,5 0,04

da população, corroborando o que Saragoussi et al. (1990) descreveram em relação a três comunidades na Amazônia, caracterizando o quintal como um importante espaço na complementação da alimentação e renda familiar. Apresentam uma sazonalidade dos cultivos ao longo do ano em conformidade com as condições climáticas locais. Dentre as plantas mais importantes no dia a dia dos comunitários

da SJT quanto ao Valor de Uso (VU), destacam-se capim-santo (Cymbopogon citratus), alho (Allium sativum), cidreira (Lippia alba), limão (Citrus limon), malvarisco (Plectranthus amboinicus), mangarataia (Zingiber officinale) e salva-de-marajó (indeterminado), andiroba (Carapa guianensis), boldo-africano (Vernonia condensata), cipó-tuíra (Bonamia ferruginea) com valores 7, 5, 5, 4, 4, 4, 4, 3, 3 e 3 respectivamente (Tab. 4).

Veiga & Scudeller

539

As dez plantas mais frequentes têm grande importância na composição dos quintais, pois funcionam como pequenas farmácias e são utilizadas principalmente para tratar os mais variados tipos de doenças tais como as do sistema nervoso, respiratório, digestivo, antimaláricas e, além disso, algumas também são alimentícias contribuindo para melhoria da dieta. Quanto ao Valor de Importância, verificou-se que a concordância com os valores obtidos pelo valor de uso que foram: 0,54 para o capim-santo, 0,38 para o alho e a cidreira, 0,31 para o limão, o malvarisco, a mangarataia e a salva-de-marajó, 0,23 para a andiroba, o boldo-africano e o cipó-tuíra (Tab. 4). Os quintais agroflorestais estudados são importantes para o fornecimento de alimentos (frutos, sementes e raízes), medicamentos (plantas medicinais, óleos e resinas), conservação e manutenção da diversidade vegetal. Entretanto, percebe-se que os espaços ao redor das casas nem sempre são utilizados. Dentre as categorias encontradas destacou-se a que se relaciona à utilização e cultivo de espécies medicinais que muito contribuem para a saúde dos moradores e a manutenção do conhecimento popular sobre o uso de plantas e que mesmo diante das facilidades existentes para o consumo de medicamentos farmacêuticos ainda são utilizadas para preparação de remédios caseiros. Este conhecimento necessita ser registrado e preservado para gerações futuras.

Agradecimentos

Aos moradores da comunidade São João do Tupé pela atenção e disponibilidade em participar desta pesquisa. Ao Projeto BioTupé pelo auxílio financeiro para a realização do trabalho de campo e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela concessão da bolsa de doutorado a primeira autora e aos projetos CT-Amazonia e Saberes Locais (CNPq 551988/2007-0) pelo apoio financeiro.

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Quintais agroflorestais da comunidade ribeirinha São João do Tupé no baixo rio Negro, Amazonas.

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1,2 Fernanda Cardoso de FREITASe-mail: [email protected]

2Edinaldo Nelson dos SANTOS-SILVA e-mail: [email protected]

1Laboratório de Plâncton, Coordenação de Biodiversidade (CBIO), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA. Manaus-AM

2Graduanda do Curso de Ciências Biológicas – UFAM

Dimensionamento e avaliação da eficiência de um sistema para captação e tratamento de água da chuva para uso doméstico na zona rural de Manaus

Resumo: A captação de água da chuva é uma opção de fornecimento tão importante como a de águas superficiais e subterrâneas e possui algumas vantagens como seu baixo custo, não dependência ou baixa dependência de energia elétrica, abundância de chuva na região, não é necessário um sistema de distribuição, não se gasta tempo ou energia com o transporte da água e o sistema pode ser montado pelos próprios moradores. Face a esta situação estamos propondo como modo demonstrativo e educativo, a adequação de um sistema de captação de água da chuva. Para isso este trabalho teve como objetivo geral dimensionar um sistema para captação e tratamento de água da chuva adequado para uso doméstico na zona rural de Manaus e, por objetivos específicos, determinar o consumo médio diário de água pelas famílias, verificar quais os usos diários que as famílias fazem da água, dimensionar qual a área e o volume adequado para captação e estocagem de água, contabilizar os custos financeiros para implantação do sistema, capacitar as famílias para uso e manutenção do sistema demonstrando a importância da implantação e uso deste sistema e realizar análise da qualidade

Meio FísicoCapítulo 32 Diversidade Sociocultural

BioTupé: Meio Físico, Diversidade Biológica e Sociocultural do Baixo Rio Negro, Amazônia Central - Vol. 03.

Edinaldo Nelson SANTOS-SILVA, Mauro José CAVALCANTI,Veridiana Vizoni SCUDELLER (Organizadores). Manaus, 2011.

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da água através de algumas características como pH, alcalinidade total, cloretos, condutividade, cor aparente, dureza total, ferro total, turbidez e análises bacteriológica (coliformes totais e fecais). Foram selecionadas duas famílias na comunidade Julião que tiveram o sistema montado em suas residências. Foram determinados três pontos de coleta da água: água da chuva, água do cano de descarte (no sistema) e água da torneira. As análises químicas realizadas tiveram por base as recomendações do Programa Biológico Internacional para ambientes aquáticos. Os resultados das análises foram comparados com padrões encontrados na legislação brasileira para análise da qualidade da água da chuva. Os valores encontrados para os parâmetros analisados não ultrapassaram os estabelecidos pela legislação. O sistema de captação de água da chuva é viável para zonas rurais desde que seja instalado adequadamente e receba manutenção periodicamente. A água de chuva pode ser coletada, canalizada e armazenada para distribuição e utilizada para os mais diversos fins desde que recebam tratamento adequado. A água de chuva não deve ser utilizada diretamente para o consumo humano. Para utilização com fim de consumo humano a água da chuva deve receber tratamento para atender aos requisitos da Portaria MS Nº 518/04.

Palavras-chave: água de chuva, captação, tratamento, uso doméstico

Introdução

Na comunidade Julião, localizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé, a aproximadamente 25 km de Manaus, o Projeto Biotupé realizou um levantamento através da equipe do Projeto IQSA (Caracterização sócio-econômica, demográfica e ambiental da população residente na RDS do Tupé, Manaus-AM), financiado pelo CNPq, bem como por informações e experiência de outros projetos realizados sobre as condições de moradia da comunidade. Verificou-se que a comunidade possui cerca de 120 residências construídas com materiais variados, mas com predominância de madeira e telhado

de zinco e a população residente (fixa) nesta comunidade é de cerca de 70 pessoas (Mariosa et al., neste volume).

A comunidade não possui serviço de coleta e tratamento de esgoto, fornecimento de água, atendimento médico regular ou posto de saúde, e somente a partir de março de 2009 passou a ter fornecimento de energia elétrica, através do programa “luz para todos” do governo federal.

No caso específico da água a situação é a mesma encontrada em diversas comunidades rurais da Amazônia, onde, apesar da abundancia de água, o acesso e a qualidade da mesma não são satisfatórios, durante

Freitas & Silva

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o decorrer do ano. Isto devido ao ciclo anual de variação do nível da água na região, onde os rios principais têm uma flutuação grande no nível de suas águas, por exemplo, na região de Manaus onde esta diferença está em torno de 11 metros entre a cheia e a estiagem (Bittencourt & Amadio, 2007). Estas flutuações têm consequências bastante drásticas e marcantes na vida das pessoas da região. Durante o período de nível baixo dos rios, o acesso à água torna-se difícil porque as distâncias aumentam e a qualidade da água, em geral, não é recomendada para consumo humano sem filtração e desinfecção.

A captação de água de chuva é uma opção de fornecimento tão importante como a de águas superficiais e subterrâneas. Esta fonte alternativa pode beneficiar bilhões de pessoas no mundo, a custos relativamente baixos e, se a gestão do abastecimento for participativa, passando para as próprias comunidades a responsabilidade dessa gestão, as vantagens serão maiores além do impacto ambiental ser mínimo (Tordo, 2004).

A captação e uso de água da chuva na região não é um hábito comum, apesar da precipitação pluviométrica ser bastante alta (Salati & Marques, 1984) , quando comparada, por exemplo, com o semi-árido nordestino, onde a prática de captação de água da chuva está sendo muito estimulada e hoje já proporciona o suprimento anual de água para as famílias que dispõem deste sistema nesta região do país (Malqui, 2008).

Em geral, as comunidades não tem fornecimento e distribuição de água (Nascimento et al., 2007), muito menos tratamento deste recurso. Isto ocorre geralmente pela ausência de energia elétrica e ausência de fonte segura para fornecimento de água. Esta situação, que se repete perversamente na grande maioria das comunidades, aliada a outros fatores, como por exemplo, a falta de destinação adequada e tratamento dos dejetos humanos, proporciona a exposição dessas populações ao acometimento de várias enfermidades como, altos índices de incidência de doenças intestinais transmitidas pela água existente no Brasil (Branco et al.,2006).

Face a esta situação estamos propondo como modo demonstrativo e educativo, a adequação de um sistema de captação de água da chuva, já existente no Horto, Medicinal Comunitário, em residências dos comunitários do Julião. No Horto o sistema existente já permite a captação e armazenagem de 10 mil litros de água da chuva no período chuvoso, que é utilizada para as necessidades básicas de seu funcionamento, porém não é utilizada para consumo humano, por não existir instalado qualquer sistema de tratamento desta água. Esta proposta é para dotar este sistema de condições adequadas para o tratamento da água, o qual será através de um sistema de filtração e desinfecção da água destinada ao consumo humano.

As vantagens do uso deste sistema, além do baixo custo, serão a

Dimensionamento e avalição da eficiência de um Sistema para Captação e Tratamento de Água da Chuva para uso doméstico na zona rural Manaus.

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não dependência ou baixa dependência de energia elétrica, abundância de chuva na região, sistema de distribuição não necessário, economia de tempo e energia com o transporte da água e o sistema pode ser montado pelos próprios moradores. Para isso, este trabalho tem como objetivo geral dimensionar um sistema para captação e tratamento de água da chuva adequado para uso doméstico na zona rural de Manaus e, por objetivos específicos, determinar o consumo médio diário de água pelas famílias, verificar quais os usos diários que as famílias fazem da água, dimensionar qual a área e o volume adequado para captação e estocagem de água, contabilizar os custos financeiros para implantação do sistema, capacitar as famílias para uso e manutenção do sistema, demonstrando a importância da implantação e uso deste sistema e realizar análise da qualidade da água através de algumas características como pH, alcalinidade total, cloretos, condutividade, cor aparente, dureza total, ferro total, turbidez e análises bacteriológica (coliformes totais e fecais).

Material e Métodos

Foi realizado um levantamento da origem e utilização da água na comunidade e o acompanhamento em uma das residências com o sistema montado.

Foram selecionadas duas famílias na comunidade do Julião

que aceitaram participar do projeto e tiveram o sistema montado em suas residências. Essas residências são feitas de madeira e possuem o telhado de zinco. Foi montado um sistema de captação de água da chuva de maneira a garantir a captação, condução e destinação ao local de armazenamento da água.

O sistema é constituído pela área de captação que nesse caso é o próprio telhado da casa. Após a queda da água na área de captação ela é conduzida até o tanque de armazenamento por calhas pluviais de 170 mm. Antes de armazenar a água, faz-se necessário eliminar a primeira água da chuva. Para isso, foi montado um dispositivo de descarte da primeira chuva feito de tubo de PVC de 200 mm o qual coleta a primeira parte da água que precipita, quando o tubo está cheio uma válvula esférica obstrui a entrada e a água é conduzida para a caixa d`água de 1000 l, onde é armazenada (Fig. 1).

Figura 1. Sistema de captação da água da chuva instalado em uma residência da comunidade Julião – RDS Tupé.

Freitas & Silva

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A água armazenada na caixa d`água é transportada diretamente para uma torneira dentro da cozinha das casas através de canos soldáveis de 25 mm. Na tubulação foi instalado um hidrômetro Multijato para verificar o consumo diário de cada família e um filtro de passagem de 5 micrômetros. Para realizar a análise da qualidade da água foram determinados três pontos de coleta da água: água da chuva, água do cano de descarte e água da torneira. As análises químicas realizadas tiveram por base as recomendações do Programa Biológico Internacional para ambientes aquáticos (Golterman et al., 1978; Wetzel & Likins, 2000). Os resultados das análises foram comparados com padrões encontrados na legislação brasileira para análise da qualidade da água da chuva. As legislações foram: NBR 15527/07 (Água de chuva – Aproveitamento de coberturas em áreas urbanas para fins não potáveis), a Portaria MS Nº518/04 do Ministério da Saúde (qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade), a Resolução CONAMA Nº357/05 (classificação dos corpos de água) e a Resolução CONAMA Nº274/00 (padrão de balneabilidade).

Resultados e Discussão

Foi realizado um levantamento em cinco comunidades do Tupé, entre elas a comunidade do Julião, pelos participantes do curso de verão do projeto Biotupé no período de 28/01 a 30/01 com o intuito de saber qual a origem da água que as famílias usam para suas principais necessidades e a quantidade média de água utilizada por essas famílias. Na tabela 1 é apresentado as comunidades visitadas, o número de residências ocupadas em cada comunidade, bem como o número total de habitantes segundo o levantamento. A comunidade do Julião possui 70 habitantes em 18 residências ocupadas, e o número de mulheres é maior que o de homens. Nenhuma dessas residências possui fornecimento público de água. Somente duas das casas possuem água encanada do igarapé. Como a maioria das famílias não possui água encanada elas utilizam diferentes recipientes para armazenar água (Tab. 2) sendo que sete famílias possuem pelo menos uma caixa d` água com capacidade de 500 l. Essas residências utilizam água de fontes diferentes para suas atividades domésticas. Durante o

Tabela 1. Número de residências e habitantes em cinco comunidades da RDS Tupé.

Dimensionamento e avalição da eficiência de um Sistema para Captação e Tratamento de Água da Chuva para uso doméstico na zona rural Manaus.

Comunidades residências ocupadas vazias nº de habitantes nº de homens nº de mulheresAgrovila 49 36 13 143 65 78

Julião 24 18 6 70 33 37Livramento 69 49 20 350 117 233São João 21 14 7 46 23 23Tatu 5 3 2 15 13 2

Julião 24 18 6 70 33 37

São João 21 14 7 46 23 23

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levantamento foi perguntado qual a origem da água para banho, para beber, para cozinhar e para lavar roupa, louça e higiene em geral. Na comunidade Julião a maioria das famílias supre suas necessidades com água do poço comunitário, principalmente, a água para beber e cozinhar (95%). A água da chuva é utilizada para banho e

Tabela 2. Tipos de recipientes utilizados para armaze-namento de água nas residências do Julião - Tupé.

Tabela 3. Origem e uso da água pelas famílias (%) na comunidade Julião - Tupé.

higiene da casa, em geral, por 16,7% das famílias entrevistadas (Tab. 3). No cálculo do consumo médio foi levantado quais os usos a que a água se destina em uma residência. Foi considerado neste levantamento o quanto de água se usa para banho, lavar roupa, lavar pratos, sanitário e outros utensílios de cozinha. Para isso foram selecionados recipientes de volume conhecido e verificado diariamente, durante cinco dias, qual o volume e em que atividade foi gasto este volume (Tab. 4). Foram utilizados 1,040 de água, no total, por uma família constituída de cinco pessoas para atividades diárias. Aproximadamente 1000 l de água foi utilizada para lavar roupa, a qual não é uma atividade constante e 700 foram gastos com banho. Em geral, uma caixa d’ água de 1000 l supre as necessidades

Tabela 4. Volume de água gasto e suas utilidades durante cinco dias por uma família (5 pessoas) do Julião.

Freitas & Silva

Tipo de armazenamento %

Balde 6

tambor 3

caixa d´água 2

caixa e balde 4

caixa e tambor 1

balde e tambor 1

outros 1

tambortambor 33

caixa e balde caixa e balde 4

balde e tamborbalde e tambor 1

Utilidade poço igarapé rio lago chuva outros

Água para banho 61% 11% 6% 0% 17% 6%

Água para beber 95% 5% 0% 0% 0% 0%

Água para cozinhar 95% 5% 0% 0% 0% 0%

Água para higiene geral 44,4% 11,1% 27,8% 0,0% 16,7% 0,0%

Água para banhoÁgua para banho 61%61% 11%11% 6%6% 0%0% 17%17% 6%6%

Água para cozinharÁgua para cozinhar 95%95% 5%5% 0%0% 0%0% 0%0% 0%0%

Utilidades 1º dia 2º dia 3º dia 4º dia 5º dia

tomar banho 200l 200l 100l 100l 100l

vaso sanitário 20l 20l 10l 20l 20l

lavar louça 50l 50l 50l 50l

lavar roupa 100l 500l 400l

outros 50l

Total 2040 litros

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Dimensionamento e avalição da eficiência de um Sistema para Captação e Tratamento de Água da Chuva para uso doméstico na zona rural Manaus.

Tabela 5. Orçamento dos materiais utilizados na construção de um sistema de captação de água da chuva.

Material Quantidade Valor unitário Total (R$)

Calha beiral pluvial 170MM 3 48,83 146,49

Emenda p/ calha pluvial beiral 170MM 2 12,00 24,00

Cabeceira p/ calha 170MM 2 6,16 12,32

Vedação p/calha pluvial 4 0,82 3,28

Bocal p/ calha pluvial170x 100MM 1 21,58 21,58

Joelho p/ calha pluvial 90x100 MM 1 8,47 8,47

Adaptador em forma T de 100MM 2 4,18 8,36

Redutor pvc 100MM a 200MM 1 4,0 4,0

Tubo PVC de 200MM 1 60,0 60,0

Tubo esgoto 100MM 2 29,98 59,96

Joelho soldável 25MM 5 0,50 2,50

Caixa d água 1000L 1 230,0 230,0

Hidrômetro multijato ¾ 1 146,00 146,00

Cano soldável 25 MM PVC 3 10,21 30,63

Purificador de água 1 80,0 80,0

Torneira ¾ 25MM 1 2,20 2,20

Joelho 90 sold 25MM 5 0,50 2,50

TOTAL 842,29

diárias médias de uma família. Além disso, no período chuvoso o recipiente de armazenamento fica cheio por 3 ou 4 dias. Para montagem dos sistemas de captação foram pesquisados e comprados materiais específicos que se encontram a venda em lojas de materiais de construção em Manaus. Observa-se na tabela 5 que foram gastos, em média, R$ 840 reais para cada sistema. Foram necessárias duas pessoas para montar um sistema em um período de 8 horas. O sistema é de fácil montagem e as famílias acompanharam esse processo para entender seu funcionamento e realizar a sua manutenção.

Emenda p/ calha pluvial beiral 170MM 2 12,00 24,00

Vedação p/calha pluvial 4 0,82 3,28

Joelho p/ calha pluvial 90x100 MM 1 8,47 8,47

Redutor pvc 100MM a 200MM 1 4,0 4,0

Tubo esgoto 100MM 2 29,98 59,96

Caixa d água 1000L 1 230,0 230,0

Cano soldável 25 MM PVC 3 10,21 30,63

Torneira ¾ 25MM 1 2,20 2,20

Figura 2. Valores médios de pH para água dos pontos de amostragem.

O pH apresentou pouca variação de uma amostra para outra. Os valores para o pH da água da chuva foi de 5,3 o da água do descarte 5,4 e a água da torneira 5,7 (Fig. 2). Segundo Hagemann,

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0,01

0,01

0,01

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descarte torneira chuva

552

Figura 3. Valores médios de Alcalinidade para água dos pontos de amostragem.

Figura 4. Valores médios de Cloretos para água dos pontos de amostragem.

água do descarte 1,37 mg/l e água da torneira 1,48 mg/l (fig. 4). Segundo Peters, 2006 a água da chuva ao passar pelo telhado aumenta as concentrações destes e após o seu descarte e passagem pelo filtro reduzem estas concentrações.

A cor aparente encontrada no descarte variou entre 2,24 mg/

Figura 5. Valores médios de Cor aparente para água dos pontos de amostragem.

Figura 6. Valores médios de Condutividade para água dos pontos de amostragem.

2009 compostos na atmosfera tornam a água da chuva de caráter ácido, porém ao passar pelas superfícies de captação seu pH é modificado, por influência do material e impurezas que compõe essas áreas.

A alcalinidade apresentou valores médios de 3,20 mg de HCO3

-/l para água de descarte, 2,64 mg de HCO3

-/l para água da torneira e 3,35 mg de HCO3

-

/L para a água da chuva (Fig. 3).A concentração de cloretos

variou relativamente pouco entre as amostras. Em média o valor encontrado para água da chuva foi de 1,33 mg/l,

PT-Co/l e 0,75 mg/PT-Co/l, a água da chuva e da torneira apresentaram 4,11 e 3,99 mg/PT- Co/l respectivamente (Fig. 5). Esses valores estão abaixo do estabelecido pela legislação.

A condutividade média encontrada nas amostras de água da chuva, água do descarte e água da torneira foram em média de 3,5

Freitas & Silva

0,00

0,01

0,02

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descarte torneira chuva

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0,40

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descarte torneira chuva0,000,501,001,502,002,503,003,504,004,505,00

descarte torneira chuva

0,000,501,001,502,002,503,003,504,004,50

descarte torneira chuva

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0,01

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descarte torneira chuva

μs/cm, 4,75 μs/cm e 4,33 μs/cm respectivamente (Fig. 6). Esse pequeno aumento no valor da condutividade após passar pelo telhado corrobora Jaques (2005).

Os valores para dureza foram em média de 2,75 mg de CaCO3/l para água da chuva, 2,63 mg de CaCO3/l para a água do descarte e 2,17 mg de

O ferro total apresentou concentrações entre 0,00 mg/l e 0,01 mg/l para todas as análises (Fig. 8). A turbidez da água da chuva foi de 0,645 UNT, da água do descarte de 0,445 UNT e da torneira de 0,493 UNT (Fig. 9). Esses valores corroboram Amorim (2001), onde os valores de

CaCO3/l para a água da torneira (Fig. 7). A dureza está relacionada com a quantidade de sais de magnésio e cálcio dissolvidos normalmente as águas pluviais apresentam baixa concentração desses sais (Alt, 2009).

Figura 7. Valores médios de Dureza para água dos pontos de amostragem.

Figura 8. Valores médios de Dureza para água dos pontos de amostragem.

Dimensionamento e avalição da eficiência de um Sistema para Captação e Tratamento de Água da Chuva para uso doméstico na zona rural Manaus.

Figura 9. Valores médios de Turbidez para água dos pontos de amostragem.

turbidez são relativamente baixos. Segundo a portaria MS Nº518/04 o valor máximo admitido é de 5 UNT. Os valores de coliformes totais foram maiores na água do descarte variando entre 1011,2 NMP/100 ml e 3,1 NMP/100 ml. Os valores encontrados na água da torneira variaram entre 1011,2 e 4,1 NMP/100 ml. Enquanto a água da chuva não apresentou coliformes totais (<1 NMP/ 100 ml). Em relação aos coliformes fecais foram encontrados valor máximo de 10,9 NMP/ 100 ml na água de descarte e na torneira e não foram encontrados coliformes fecais na água da chuva. O mesmo ocorre no trabalho de Tordo (2004).

Os parâmetros analisados que estão previstos na legislação

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0,50

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descarte torneira chuva

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descarte torneira chuva

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foram comparados com os limites estabelecidos para determinação da qualidade da água. Todos os valores encontrados encontram-se abaixo do estabelecido para fins não potáveis (Tab. 6). Porém a Portaria MS Nº518/04 que qualifica a água para consumo humano e seu padrão de potabilidade estabelece a ausência de coliformes fecais em 100 ml de água, o que não ocorre nas amostras analisadas, desqualificando a água que passa pelo sistema de captação para consumo humano. Nesta etapa do projeto nao foi instalado um sistema para desinfecção da água da chuva, o que será feito posteriormente.

Conclusões

O sistema de captação de água da chuva é viável para zonas rurais desde que seja instalado adequadamente e receba manutenção periodicamente. A água de chuva pode ser tratada, canalizada e armazenada para distribuição e utilizada para os mais diversos fins.

Tabela 6. Comparação dos parâmetros analisados com os limites da legislação.

A água de chuva não deve ser utilizada diretamente para o consumo humano. Para utilização como água potável a água da chuva deve receber tratamento adequado, de acordo com a Portaria MS Nº 518/04.

Agradecimentos

Ao Programa de Iniciação Científica do INPA pela bolsa de IC de Fernanda C. Freitas. Ao laboratório de Liminologia da CBIO/INPA, na pessoa do Dr. Assad Darwich e dos técnicos José Carlos Raposo e zedec, pela inestimável ajuda na análise de água. Ao CNPq pelo financiamento do Projeto IQSA (processo Nº 575820/2008-0) executado pelo Projeto Biotupé.

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Freitas & Silva

Análise de água Limites da Legislação

Parâmetro descarte torneira chuva NBR 15527/07 MS n°518/04 CONAMA N° 357/05

pH 5,4 5,7 5,4 6,0 - 8,0 6,0 - 9,5 6,9

Cor aparente (mg/PT-Co/L) 2,25 3,99 4,11 250 250

cloretos (mg/L) 1,38 1,48 1,34 250 250

dureza total (mg de CaCO3/L) 2,63 2,17 2,75 500

ferro total (mg/L) 0,01 0,01 0,01 0,3 0,3

turbidez (UNT) 0,445 0,493 0,645 2,0 - 5,0 5 100

coliformes totais (NMP/100 ml) 496,1 344,2 <1 <1 <1 1000

Cor aparente (mg/PT-Co/L) 2,25 3,99 4,11 250 250

dureza total (mg de CaCO3/L) 2,63 2,17 2,75 500

turbidez (UNT) 0,445 0,493 0,645 2,0 - 5,0 5 100

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