as construções de identidade em bisa bia bisa bel

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PESQUISA E EXTENSÃO VIVIANA CUSTÓDIO MOTA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NOS CONTOS “BISA BIA, BISA BEL” E “A MULHER ESQUELETO” A PARTIR DAS ANÁLISES JUNGUIANAS ARARANGUÁ, JUNHO DE 2009.

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UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE – UNESC

PRO-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO PESQUISA E EXTENSÃO

VIVIANA CUSTÓDIO MOTA

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NOS CONTOS “BISA BIA, BISA BEL”

E “A MULHER ESQUELETO” A PARTIR DAS ANÁLISES JUNGUIANAS

ARARANGUÁ, JUNHO DE 2009.

1

VIVIANA CUSTÓDIO MOTA

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NOS CONTOS “BISA BIA, BISA BEL”

E “A MULHER ESQUELETO” A PARTIR DAS ANÁLISES JUNGUIANAS

Projeto de monografia apresentado ao Curso de Pós-graduação em Língua e Literatura com Ênfase nos Gêneros do Discurso, da Universidade do Extremo Sul Catarinense, como requisito parcial à obtenção do título de especialista. Orientador: Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral

Araranguá, junho de 2009

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VIVIANA CUSTÓDIO MOTA

A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NOS CONTOS “BISA BIA, BISA BEL”

E “A MULHER ESQUELETO” A PARTIR DAS ANÁLISES JUNGUIANAS

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Especialista em Língua e Literatura com ênfase nos gêneros do discurso e aprovado em sua forma final pelo programa de Pós-Graduação da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

Araranguá, 10 de junho de 2009.

_______________________________________

Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral

Universidade do Extremo Sul Catarinense

3

A meus pais, irmãos e ao meu amor.

As conquistas que obtemos só têm sabor, se

tivermos com quem e para quem partilhar.

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a Deus, por ter me dado força e coragem para vencer mais uma

etapa de minha vida.

A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste

trabalho, meu especial agradecimento.

Aos meus pais, pela suavidade com que sempre olharam para mim.

Ao meu amor, pela alegria de podermos compartilhar esse momento juntos.

Aos meus irmãos, pela constante dedicação, paciência e solidariedade.

Ao meu orientador, Gladir da Silva Cabral, pela possibilidade de me fazer ampliar

a visão de mundo.

Aos meus amigos, pela disponibilidade e pelo carinho.

5

“Renda-se como eu me rendi, mergulhe no que

você não conhece, como eu mergulhei”.

(Clarice Lispector)

6

RESUMO

O presente trabalho, “A construção da identidade nos contos ‘Bisa Bia, Bisa Bel’ e ‘Mulher

Esqueleto’ a partir das análises Junguianas”, estuda alguns símbolos da escrita de Ana Maria

Machado e Clarissa Pinkola Estés e, para tanto, selecionei como corpus literário o livro Bisa

Bia, Bisa Bel e o conto “A Mulher Esqueleto”. A escolha das obras obedeceu ao critério

temático, isto é, selecionei obras em que a imagem da mulher foi elaborada a partir da voz

mulher-criança, menina. Pretendo dar uma contribuição para a fortuna crítica das autoras,

discutindo e contextualizando com as análises Junguianas e Bakhtinianas, como e até que

ponto elas recriam aspectos da realidade feminina em sua obra, aprofundando um olhar crítico

sobre a mulher e sua dualidade para seus leitores. Trabalharei com autoras afins, Ana Maria

Machado e Clarissa Pinkola Estés, a partir de uma visão interdisciplinar, já que o meu

interesse centra-se em mostrar a dualidade existente na menina de tal forma que irá a

acompanhá-la por toda a vida e de que forma é trabalhada essa questão dentro da literatura

com suas interpretações e símbolos.

Palavras-chave: Dualidade. Mulher-criança. Literatura.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................ 8

2 A ABORDAGEM JUNGUIANA.................................................................................... 11

3 LITERATURA INFANTO-JUVENIL NO SÉCULO XXI: A IMPORTÂNCIA

DE CONTAR HISTÓRIAS...............................................................................................

14

3.1 A CONSTRUÇÃO DO SER NOS CONTOS INFANTO-JUVENIS............................ 15

3.2 A MATÉRIA LITERARIA E O QUE A COMPÕE...................................................... 17

3.3 A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS MARAVILHOSOS.............................................. 18

4 O FEMININO NOS CONTOS “BISA BIA, BISA BEL” E “A MULHER

ESQUELETO”....................................................................................................................

21

4.1 BISA BIA, BISA BEL.................................................................................................... 21

4.2 A MULHER ESQUELETO........................................................................................... 23

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................... 28

REFERÊNCIAS.................................................................................................................. 30

ANEXOS.............................................................................................................................. 30

ANEXO 1 – BIOGRAFIA DE ANA MARIA MACHADO ........................................... 31

ANEXO 2 – BIOGRAFIA DE CLARISSA PINKOLA ESTÉS..................................... 32

ANEXO 3 – RESUMO DA OBRA: BISA BIA, BISA BEL............................................ 33

ANEXO 4 – RESUMO DA OBRA: A MULHER ESQUELETO.................................. 37

8

1 INTRODUÇÃO

O belo e o feio, o bem e o mal, o lento e o apressado, o riso e o choro e tantos

outros adjetivos que possamos citar compreendem o universo humano, fazem parte do

cotidiano – trabalho, lazer – das relações interpessoais. Os seres humanos em sua maioria

apresentam essa dualidade ou duplicidade de papéis, ora bons ou ruins, ora calmos ou

nervosos. O ambiente interfere na conduta de cada pessoa, fazendo oscilar suas ações. É sobre

isso que aborda este trabalho: sobre a dualidade, em especial a feminina.

O tema “A dualidade feminina nos contos ‘Bisa Bia, Bisa Bel’ e ‘A Mulher

Esqueleto’”, que também dá título ao trabalho, busca fazer uma análise dessa oscilação de

personalidade tão comum nos seres humanos. Utilizando esses dois contos tão diferentes e ao

mesmo tempo tão semelhantes, pretendemos conhecer melhor a personalidade feminina e o

instigante segredo por detrás dos contos.

Procurando evidenciar a dualidade feminina e até mesmo a duplicidade de papéis

a que estamos sujeitos, este trabalho também busca orientações teóricas nos estudos de Jung.

Para esse estudioso, somos compostos de uma parte boa e uma parte ruim. Há diferenças na

compreensão de cada ser humano, o que faz com que ocorram divergências entre nossos

pensamentos, nas nossas concepções, nos nossos julgamentos.

Esta pesquisa apresenta algumas referências teóricas acerca do panorama geral da

literatura infanto-juvenil brasileira do século XXI, considerando a estreita relação existente

entre a literatura e a forma como é ensinada para as crianças, ocupando hoje uma posição de

reconhecimento e destaque nas artes literárias. Buscamos, para isso, subsídios teóricos em

Abramovich (2004).

A “literatura infantil” é também uma forma nobre de arte literária e deve ser

valorizada como propiciadora de certa visão da realidade, tendo em vista o desenvolvimento

intelectual da criança, suas emoções, seu comportamento, sua criticidade e sua atuação na

sociedade. Também a literatura pode ser considerada, para a criança, uma forma de

comunicação consigo mesma, sendo muito importante para o seu processo mental, para o seu

desenvolvimento perceptivo e também para a progressiva tomada de consciência social e o

desenvolvimento da capacidade criadora e da sensibilidade estética.

A literatura proporciona ao estudante (leitor) ver-se como um ser social, histórico,

agente ativo no processo de construção do conhecimento, pois tal atividade tem sempre um

caráter lúdico, dinâmico, criativo e desafiador, contribuindo para o seu crescimento emocional

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e cognitivo, despertando a criatividade e a criticidade, elementos necessários à formação da

criança. Assim, é no encontro com qualquer forma de literatura que os homens têm

oportunidade de ampliar e transformar sua própria experiência de vida.

Na análise dos contos que constituem este estudo, optamos por utilizar o vocábulo

“história”, pois ele nos remete a fatos acontecidos e que são relembrados. Entendemos que

não existem diferenças significativas entre os vocábulos “história e estória”, que partilham a

mesma etimologia (do grego histórico) e que estória é a grafia antiga de história, que caiu em

desuso no português em Portugal. Por conseguinte, esse vocábulo não aparece registrado nos

mais recentes dicionários de língua portuguesa. De acordo com o Dicionário Michaellis,

“estória ou história” aparecem como sinônimos de “narrativa de lendas”, “contos tradicionais

de ficção e história”. Nessa perspectiva, trata-se de “narração ordenada, escrita dos

acontecimentos e atividades humanas ocorridas no passado”.

A opção por Ana Maria Machado foi motivada pelo fato de a autora ter dado nova

face à literatura escrita para crianças. Ela trata de assuntos pouco explorados em nossa

literatura, principalmente no período do regime militar caracterizado pela pouca liberdade de

expressão. A autora fornece subsídios para podermos repensar o papel da mulher em nossa

sociedade, como se pode observar neste trecho do livro Bisa Bia Bisa Bel.

Mais que todos os prêmios e todas as críticas elogiosas que o livro recebeu, mais que todos os recordes de venda, sei que esse é o grande presente que Bisa Bia, Bisa Bel continua me dando, sempre — é uma ponte com outros seres humanos, de origens e idades variadas. (MACHADO, 2000, p. 63).

A escolha de Clarissa Pinkola Estés e da obra “Mulheres que correm com os

lobos” deu-se pela interessante história contada pelo povo Inuit a Estés. Revela ser pior ficar

ali onde não nos sentimos bem do que vaguear perdida por um período em busca de

afinidades psíquicas e profundas de que precisamos. É o que podemos perceber neste trecho

da obra.

A incapacidade de encarar a Mulher-esqueleto e de desenredá-la é o que provoca o fracasso de muitos relacionamentos de amor. Para amar, é preciso não só ser forte, mas também sábio. A força vem do espírito. A sabedoria, da mulher-esqueleto. (ESTÈS, 1997, p. 171).

Portanto, tais considerações evidenciam nosso objetivo, que é de apresentar a

dualidade feminina nesses dois contos, através da análise dos símbolos, englobando a análise

Junguiana e fazendo uma corrente entre o passado e o presente das personagens aqui

analisadas.

Estrutura-se, dessa forma, o trabalho em quatro capítulos, sendo o primeiro uma

abordagem dos estudos de Jung; o segundo capítulo narrando sobre a importância da literatura

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e dos contos para a estruturação do pensamento infantil e juvenil; seguido pelo terceiro

capítulo, que revela a dualidade feminina nos dois contos; culminando no quarto capítulo, que

destaca os símbolos presentes na obras e que revelam a mulher-menina e a menina-mulher,

suas angústias, seus anseios e suas liberdades. Por fim, a conclusão e os anexos trazem dados

biográficos das autoras e os resumos das obras citadas.

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2 A ABORDAGEM JUNGUIANA

Jung, nascido na cidade de Kesswil, na Suíça, em 26 de julho de 1875, morreu em

6 de junho de 1961, com 86 anos. Quanto à época em que Jung viveu, é importante considerar

o meio em que teve sua formação intelectual. Na Suíça daquela época, a população recebia

influências de várias correntes filosóficas e científicas que disputavam a hegemonia

(importância) do pensamento.

Sua metodologia, que exigia fatos palpáveis e comprovação, coincidia com o rigor

suíço. O empirismo inglês não só influenciava os pesquisadores do continente, como também

usufruía um grandioso prestígio no meio filosófico. Podemos dizer que Jung aprendeu com os

ingleses o hábito da dúvida, o método crítico, o horror pelas afirmações apressadas.

No método Junguiano, procura-se observar como se formou e como se aplica de

forma particular à “cura das almas”, com essa finalidade ele colhe experiências que lhe

pareçam significativas em seus pacientes.

Pode-se dizer que Jung tinha, como todo o ser humano, duas faces. Por um lado,

ele era intuitivo, aquele que se entusiasmava com as descobertas de Freud e, por outro, era

empírico, e tentava comprovar por meio de experiências a realidade de suas afirmações. Ulson

confirma tal percepção: “Situando-nos dentro de uma perspectiva bastante distante,

distinguiríamos dois Jung, que entram em conflito permanente, buscando uma síntese”

(ULSON, 1988, p. 5).

Quase duas décadas depois de sua morte, ele já não é mais visto como um

seguidor de Freud, mas como um pensador original e com uma visão dos fenômenos

psíquicos muito diferente daqueles outros fundadores de escolas psicológicas. Muitas pessoas

hoje buscam em sua obra, em suas idéias, uma fonte para conhecer a alma humana.

Muitas obras de Jung são de difícil compreensão, mas depois de ultrapassadas as

dificuldades iniciais, ele revela-se um autor agradável, que vai interpretando os mistérios do

nosso inconsciente coletivo.

Jung, em seus estudos, diz que as pessoas são diferentes umas das outras – o que

seria bom para uns não seria bom para outros. Jung, dessa forma, empenhou-se em

desenvolver seus próprios estudos, dentro de um rigor científico e acadêmico que pudesse

satisfazê-lo. Julgava que outras pessoas poderiam ter uma visão do mundo parecida com a

dele.

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Essas ciências psicológicas intuitivas contém símbolos, expressões de inconsciente coletivo e seu estudo nos põe em contato com aspectos de nossas psiques que são comuns a um grande número de pessoas, isto é, a toda uma comunidade. (ULSON, 1988, p. 8).

Segundo Guimarães (1997), o inconsciente coletivo é composto

fundamentalmente de uma tendência para “sensibilizar-se com certas imagens, ou melhor,

símbolos que constelam sentimentos profundos de apelo universal, os arquétipos”.

No conto “A Mulher Esqueleto”, podemos nos sensibilizar com certas imagens,

uma seria quando a Mulher Esqueleto “arranca” o coração do pescador em um gesto de

selvageria para poder recuperar-se dos danos causados pelo passado dela. Outro seria o

barulho do coração, foi por ele que ela foi atraída até o coração, parecia um tambor, que a

cada batida ela se sentia mais protegida ou até mesmo recuperada das profundezas em que se

encontrava.

A autora Ana Maria Machado nos mostra, em seu livro Bisa Bia, Bisa Bel, a

revelação de um outro “tu” na personagem da menina Isabel, que em plena adolescência

começa a escutar outras vozes. Tais vozes muitas vezes estão escondidas dentro de cada ser

humano, e no caso da menina era a de sua bisavó e de sua neta. Bisa Bia era quem falava com

ela há mais tempo, e falava para a menina o que ela deveria fazer, colocando exemplos de seu

tempo de menina. Era como se fosse o lado “correto” de como ela deveria se comportar diante

de cada situação, e já a Neta Beta era o lado “rebelde”, aquele que joga tudo para o alto e faz

o que tem vontade, sem pensar em conseqüências.

Nos livros “as figuras em si são os arquétipos, que nada mais são que ‘corpos’ que

dão forma aos conteúdos que representam: o arquétipo da mãe boa ou da boa fada

representam a mesma coisa: o lado feminino positivo da natureza humana, acolhedor e

carinhoso” (GUIMARÃES, 1997).

Em ambos nos livros a presença da figura materna não é muito presente, pois a

mãe da menina Izabel só a vê quando chega em casa depois da aula da menina, enquanto no

conto da Mulher Esqueleto nem se fala da figura da mãe.

Ulson fala sobre os arquétipos que estão presentes nas obras analisadas: “O

arquétipo do pai atua sobre o comportamento humano durante todo o seu processo de

desenvolvimento, e juntamente com o arquétipo da mãe forma o casal parental, de grande

importância em todas as mitologias” (ULSON, 1988, p. 57).

Em “A Mulher Esqueleto”, o pai da personagem principal foi quem a atirou no

penhasco. Nesse conto ele representa a ordem, a lei e ainda o ser terrível que esteriliza e

impede o desenvolvimento da filha.

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Jung diz que todos fazemos coisas ou somos levados a executar atos que depois,

quando voltamos ao nosso estado normal, não reconhecemos como sendo praticados por nós.

Isso é particularmente notório em casos patológicos em que há uma clivagem da personalidade, e podemos notar duas ou mais personalidades funcionando independentemente, muitas vezes uma não tomando conhecimento da existência da outra. (ULSON, 1988, p. 24).

No livro Bisa Bia, Bisa Bel, a menina Izabel diz que vai se descobrindo e

percebendo que dentro dela há uma verdadeira mistura de identidades, pois moram juntas a

ela a sua bisavó e sua bisneta. Jung (apud ULSON, 1988) tenta explicar esses fenômenos do

ponto de vista estritamente clínico, considerando esses outros indivíduos como partes

integrantes do psiquismo da paciente. No caso da personagem Izabel, sabemos que não se

trata de um “paciente”, de uma pessoa propriamente dita, mas de uma construção literária,

fictícia, que no entanto guarda correspondências diretas com a psique humana.

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3 A LITERATURA INFANTO-JUVENIL NO SÉCULO XXI: A IMPORTÂNCIA DE

CONTAR HISTÓRIAS

Para a formação da criança, ouvir histórias e escutá-las desde os primeiros anos de

vida não é apenas um passatempo lúdico, mas um incentivo para o início da aprendizagem,

mesmo que ela só escute as histórias por meio dos pais, dos avós ou dos tios.

As crianças se fazem personagens da história e, para os adultos, ler histórias

infantis é importante, pois eles também aprendem junto com os meninos e meninas a sorrir e

dar gargalhadas em um conto de fadas ou até a chorar quando a história é muito triste.

“Contar histórias é uma arte... e tão linda!!! É ela que equilibra o que é ouvido com o que é

sentido, e por isso não é nem remotamente declamação ou teatro... Ela é o uso simples e

harmônico da voz” (ABRAMOVICH, 2004, p. 18).

A autora deixa claro que é necessário que, antes de contar uma história para os

pequenos, o narrador já tenha feito a sua leitura e sua compreensão do livro, pois se isso não

ocorrer quando for feita a leitura, o narrador não saberá transmitir com emoção verdadeira o

que está escrito, ele deve saber motivar e transmitir confiança. É ouvindo ou lendo histórias;

curtas, longas, contos de fadas, ou de fantasmas, textos realistas, lendas e até histórias em

forma de prosa ou de poesia, que o contador precisa saber aproveitar o texto lido, por meio de

uma discussão entre os ouvintes, para que com isso os mesmos possam trazer exemplos do

seu dia-a-dia relacionando-os com as histórias lidas, porque seja divertida, ou inesperada, que

acalme uma aflição.

O narrador procura expor seus sentimentos e angústias ao contar a história.

Sempre que dermos espaço, a criança irá se libertar, contando a seu modo seus maiores medos

e suas excitações em relação a determinados acontecimentos de sua vida. Eles contam com

tamanha intensidade, que acabam envolvendo a todos.

Vimos bem claro esta situação no livro Bisa Bia Bisa Bel, quando a professora de

Bia começou a falar de sua bisavó: “[...] me deu um aperto no coração quando a senhora

começou a falar na bisavó dela, porque eu comecei a pensar no meu avô e descobri que estou

com muita vontade de falar dele” (MACHADO, 2000, p. 59).

No livro Bisa Bia Bisa Bel o menino Vitor lembrou-se de seu avô, com o qual

não teve muito contato, porém gostava muito dele e também tinha coisas boas para falar para

os colegas de classe, o garoto sentiu-se tão envolvido com a história que acabou chorando ao

falar de seu avô.

15

O importante é a voz que conta o conto. Segundo Abramovich (2004, p. 17), as

maneiras de contar histórias se misturam com as qualidades necessárias ao contador ou

narrador. Ele pode ser o professor ou o aluno, desde que saiba criar um clima de

envolvimento, de suspense e de emoção, em que enredo e personagem ganhem vida, possam

imaginar o cenário, pensar em cada uma das personagens, até mesmo se colocando no lugar

delas, sentindo o cheiro de coisas, vendo a casa da princesa.

A hora da narrativa é um momento para os estudantes ouvirem e para sentirem o

que quiserem ou puderem, manuseando o livro como um objeto lúdico. As crianças, nos

momentos de narrativa de histórias, ouvem, mexendo-se, cantando, imitando as personagens

e, saindo do lugar para se aproximarem e mexerem nos livros. “É tão bom saborear e detectar

tanta coisa que nos cerca usando este instrumento nosso tão denotador de tudo: a visão”

(ABRAMOVICH, 2004, p. 33).

Existem histórias orais e livros que trazem e fazem o leitor viajar em um mundo

de magia. Os desenhos parecem vivos, as cores fortes e fracas bem distribuídas ao longo do

texto dão vida única às histórias, a cada personagem, a cada pássaro ou flor. Ao mesmo

tempo, as cores dão movimento ao mar e ao céu, o que pode ser aproveitado para que os

alunos façam suas produções escritas ou por meio de teatro, dando asas à sua imaginação –

“... podemos observar como os personagens adquirem vida própria, independente do autor”

(ULSON, 1988, p. 44).

No conto de Clarissa Pinkola Estés, “A Mulher Esqueleto”, observamos como foi

difícil para o pescador encarar a mulher esqueleto, desenredá-la, pois não tinha idéia do que

seria aquele monte de ossos, se seria algo bom ou ruim. Tal conto nos descreve estados

internos da mente por meio de imagens e ações.

O nosso subconsciente é fantástico, capaz de nos fazer imaginar coisas

maravilhosas ou assustadoras. Foi por isso que o pescador, quando viu a mulher esqueleto

pela primeira vez, apavorou-se. Foi a mente dele que o deixou cego, mas depois de acalmado

e sua psique ter voltado ao “estado normal” ele a vê de outra forma e há aceitação do ser que

está em sua frente.

3.1 A CONSTRUÇÃO DO SER NOS CONTOS INFANTO-JUVENIS

As obras de literatura retratam dramas pessoais, conflitos sociais e também

mergulham na alma humana na tentativa compreendê-la melhor.

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Alguns autores conseguem transmitir humor em seus textos, são esses que levam

a novas formas de receber as coisas, sem preconceitos, sem medos. Sempre há tempo para

rever posições, idéias, é uma forma de encontrar uma saída, sem se machucar.

Uma lindeza fazer com que a mesma palavra, escrita de forma diferente – uma de trás para frente, outra de frente para trás – permita tantas aproximações, imagens, relações, descobertas... que um poeta encontra e que fazem com que o leitor se encante... (ABRAMOVICH, 2004, p. 72).

Segundo Abramovich (2004), nos contos de fadas os autores tentam manter uma

estrutura fixa, partem de um problema que está ligado à realidade, como os casos de brigas de

famílias, separação de pais, carência afetiva, e a partir desses conflitos tentam buscar soluções

para a realidade de muitas crianças em casa, porém por meio do mundo mágico e maravilhoso

que é a literatura infanto-juvenil, com elementos especiais, bruxas, anões, fadas e duendes. Os

contos servem, também, para as crianças saberem definir, no momento certo, em qual mundo

estão, o real ou o imaginário. “Por lidar com conteúdos da sabedoria popular, com conteúdos

da condição humana, é que esses contos de fadas são importantes, perpetuando-se até hoje...”

(ABRAMOVICH, 2004, p. 120).

Ao contar as histórias, os narradores não podem esquecer de nada, cada elemento

tem um papel significativo e, se for esquecido, a criança poderá não mais entender o conto.

Eles nos falam de emoções, descobertas, encantos, falam sobre os sofrimentos, as

possibilidades, o começo e o fim, também falam de medos, da dificuldade de ser criança, uns

falam da sabedoria, outros da rapidez de suas transformações, de suas perdas e suas carências

familiares. E se escutarem um conto com essas lições, eles vão saber tirar algum exemplo

bom para levar para o resto da vida.

No livro Bisa Bia, Bisa Bel, Vitor, o novo aluno da sala, é tomado de muita

emoção ao ouvir Isabel falar de sua bisavó. Então, ele expõe seus sentimentos e relata sua dor

por ter perdido o avô, contando sua história com toda inocência e amor.

– Sabe Dona Sônia, me deu um aperto no coração quando a senhora começou a falar na bisavó dela, porque eu comecei a pensar no meu avô e descobri que estou com muita vontade de falar dele. Posso? (MACHADO, 2002, p. 59).

Ao relatar sua história, Vitor fez com que houvesse interação com os colegas e,

com isso, transmitiu conhecimento a eles. Sua história não está impressa, mas está viva dentro

dele, e ele sabe contar cada detalhe, sem a menor inibição e conta com tanta emoção que

comove a todos. As histórias do avô de Vitor e da bisavó de Isabel jamais serão esquecidas, e

todos que as ouvirem lembrarão de seus avôs e bisavós. Não importa que o leitor já seja

adulto, pois até mesmo o adulto irá se deixar influenciar.

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E então eu soube, eu descobri. Assim de repente. Descobri que nada é de repente. Dessa vez, a pesquisa do colégio não é só em livros nem fora de mim. É também na minha vida mesmo, dentro de mim. Nos meus segredos, nos meus mistérios, nas minhas encruzilhadas escondidas, Bisa Bia discutindo com Neta Beta e eu no meio, pra lá e pra cá. (MACHADO, 2002, p. 62).

E todos que lêem despertam as netas e bisas adormecidas no subconsciente, ou até

mesmo a mulher esqueleto que está adormecida, abandonada no fundo do mar.

3.2 A MATÉRIA LITERÁRIA E O QUE A COMPÕE

A matéria literária surge da arte do autor em inventar ou manipular os processos e

os recursos dos quais dispõe. Segundo Coelho (2005, p. 66), “a invenção transformada em

palavras é o que chamamos de matéria literária”, e a matéria é o corpo verbal que constitui a

obra de literatura.

Existem três vozes que falam nas histórias: a do narrador onisciente, alguém que

se apresenta como autor, o qual consegue transmitir a real história vivida no texto; o narrador

primordial, aquele que não escreveu a história, mas sabe contá-la com sabedoria; o narrador

confessional ou intimista, que registra experiências pessoais para comunicá-las aos outros.

E ainda temos o narrador dialético, que Coelho explica como sendo um narrador

que se dirige diretamente a um “tu” ou a essa segunda pessoa que permanece silenciosa dentro

de cada pessoa. O narrador dialético está presente no livro Bisa Bia Bisa Bel, de Ana Maria

Machado. A autora nos conta que, quando escreveu esse livro, ela estava com muitas

saudades de suas avós, que só queria contar para seus dois filhos a história delas e, com isso,

escreveu essa maravilhosa história, que também nos fala sobre a dualidade feminina.

O público-alvo da literatura infanto-juvenil são leitores em formação, em idade

escolar, pré-adolescentes, e esses são muito espontâneos e, por isso, não hesitam em elogiar

ou criticar um novo livro.

A literatura infanto-juvenil é um instrumento de conscientização para esses jovens

que ainda não conhecem bem o mundo. Ela mexe com as suas emoções e com os sentimentos,

mas com isso ajuda na formação de seus conceitos, no desenvolvimento de cada ser humano.

Em algumas obras de literatura infantil, os autores têm como objetivo dar prazer

ao leitor, emocioná-lo, diverti-lo, envolvê-lo em experiências desafiadoras por meio da

leitura.

Foi o que percebemos no conto “A Mulher Esqueleto”. O pescador, no ato de doar

o coração para uma nova criação, para uma nova vida, para as forças da vida-morte-vida,

18

entra no reino dos sentimentos. Pode ser difícil para nós, especialmente se tivermos sido

feridos por uma decepção ou pela mágoa, enfrentar o sentimento.

Hoje, em nossos livros encontramos todas as tendências temáticas e estilísticas. O

passado e o presente se unem para gerar novas formas. No panorama literário atual, existem

diferentes linhas ou tendências de criação, uma é a linha do realismo cotidiano, que trata de

situações que acontecem na vida do dia-a-dia comum. “Linha que desdobra em diferentes

ângulos de visão: crítico participativo, lúdico, humanitário, histórico ou memorialista e

mágico” (COELHO, 2005, p. 156).

Outra é a linha do maravilhoso, que são situações que ocorrem fora do nosso

espaço ou tempo conhecido, em local vago ou indeterminado, na terra. Segundo Novaes

Coelho, “[o] mundo do maravilhoso pode se apresentar sob diferentes aspectos metafórico,

satírico, científico, popular ou folclórico e fabular” (COELHO, 2005, p. 59).

Uma linha que está presente em nossos livros analisados é a linha do enigma, que

é uma narrativa cujo ponto principal é um enigma ou um problema estranho a ser desvendado.

No livro Bisa Bia Bisa Bel, vimos isso presente, quando Bel começou a ouvir a voz de Bisa

Bia e não sabia donde vinha ou o que era aquilo que conversava com ela. E em “A Mulher

Esqueleto”, aparece quando o pescador pesca a mulher esqueleto com sua rede e, ao olhar,

não sabia o que exatamente era aquele monte de ossos.

Apavorado, ele tenta livrar-se dela com medo do que possa acontecer, mas é tudo

em vão, pois ela continua enredada nele. Nessa fuga, ele pergunta-se como ela foi parar ali, o

que aconteceu com ela e de onde ela viria.

Ou seja, todo ser humano, ao deparar-se com uma situação inusitada, fica um

tanto quanto desorientado, não sabendo como agir. E é aí que entra em ação nossa

imaginação, é a partir dela que começamos a imaginar como nos livrarmos de determinadas

imagens ou acontecimentos causadores de nossas angústias, ou mesmo nos acalmando e nos

fazendo enxergar que aquilo que estamos vendo não é tão assustador quanto estamos

imaginando.

3.3 A IMPORTÂNCIA DOS CONTOS MARAVILHOSOS

O maravilhoso na literatura infantil e infanto-juvenil é um dos elementos mais

importantes nas histórias destinadas às crianças. Os contos de fada têm um valor significativo

na formação emocional e psíquica do leitor. Segundo Novaes Coelho: “O maniqueísmo que

divide as personagens em bons ou más, belas ou feias, poderosos ou fracos, etc. facilita à

19

criança a compreensão de certos valores básicos da conduta humana ou do convívio social”

(COELHO, 2005, p. 54). Precisamos levar em conta que essa divisão de personagens,

mostrada por meio de símbolos (fadas, bruxas e princesas) não só irá influenciar na

personalidade de nossos leitores, mas também os levará a distinguir o certo do errado, fazendo

com que eles se identifiquem com o bom e o belo.

Vivenciando essas experiências, o pequeno ouvinte se familiariza com tramas que

envolvem persistência e coragem, compreende o conflito entre o bem e o mal e é estimulado a

superar dificuldades, tal qual os personagens Chapeuzinho Vermelho, Patinho Feio e

Rapunzel.

No momento em que a criança se identifica com uma personagem, ela busca a

solução para seus problemas e a superação de seus medos. Na medida em que os leitores

forem adquirindo maturidade literária, eles terão consciência de que as histórias contadas são

ficcionais, mas que de alguma maneira elas têm ligação com a realidade vivenciada do

ouvinte (leitor), tornando seu amadurecimento mais sereno e sem turbulências psicológicas. A

literatura serve, então, de medida para essa passagem.

A literatura está voltada para a realidade concreta, porém imaginada dentro do

sonho, da fantasia e do desconhecido. Ao analisarmos a literatura, percebemos que desde o

início, ela está representada pela figuras de animais, os quais correspondem nas fábulas aos

vícios e às virtudes e estão focados nas características do ser humano. Com o passar do

tempo, os contos de fada foram se transformando em literatura infantil por causa da mágica

existente neles existente envolver tanto as crianças.

O maravilhoso está presente nas histórias contadas, porém sente-se também uma

forte necessidade de narrar histórias baseadas em fatos reais para as crianças com o objetivo

de mostrar-lhes as formas de conduta consideradas adequadas pela sociedade.

Um dos fatores que é sempre retomado nos contos de fadas é a “moral da

história”. Sempre que as crianças escutam uma história na qual a personagem mal é castigada,

seu subconsciente é remetido à idéia de que, se ele não se comportar, será punido. É o que

acontece, por exemplo, na história da cigarra e da formiga. A cigarra passou o verão todo

cantando enquanto a formiga trabalhava. Então, chegou o inverno e a cigarra não tinha nada

para comer. Lendo essa história, a criança passa a acreditar que somente quem trabalha

arduamente terá condições de sobreviver.

Não só essa, mas outras histórias irão moldando a forma de pensar da criança. E é

por isso que, ao escolhermos uma história para contar, devemos tomar cuidado com a

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mensagem que ela irá passar, para não influenciarmos negativamente na forma de pensar da

criança.

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4 O FEMININO NOS CONTOS BISA BIA, BISA BEL E A “MULHER ESQUELETO”

4.1 BISA BIA, BISA BEL

Tendo em vista que todos nós somos seres duais, ou seja, dependendo da situação

e do momento tomamos determinadas atitudes, vimos que na história Bisa Bia, Bisa Bel isso

não é diferente. Ela é uma típica menina que vive em conflito com sua dualidade. A menina

acaba percebendo isso ainda pequena, entrando em conflito com seu lado “moleca” e seu lado

“menina doce”, pois todas as vezes que ela ficava diante de uma situação que a deixa em

dúvida ela não sabe que decisão tomar. Ora ela pensava que a melhor saída é deixar seu lado

criança falar mais alto, ora ela se contém, mostrando-se uma menina educada e cheia de

regras de bom comportamento. Ulson explica esse conflito com o outro tu:

“A liberação do indivíduo se identificar com um ou mais arquétipos, origem de

muitas neuroses, o traz para uma realidade mais humana, vendo-se livre de comportamentos

compulsivos, em que é submetido pelo inconsciente” (ULSON, 1988, p. 69).

Muitas vezes Isabel acabava se metendo em confusões como a perda do retrato da

avó que é relatado neste trecho do livro: “Só lembrei mesmo quando cheguei em casa,

cansada, suada, imunda, com marca de mão suja no pescoço, camiseta toda espandongada, e

fui tomar banho. Na hora de tirar a roupa, dei falta. Onde estava o retrato? Será que tinha

caído no meio da rua?” (MACHADO, 2002, p. 20).

Nessa história, a existência da dualidade é nítida, pois uma personagem sabe da

existência da outra e ambas duelam incessantemente entre si. Enquanto a face menina meiga e

prendada de Isabel se sobrepõe, a sua outra personalidade, a face moleca (livre e aventureira),

luta para que ela siga seus impulsos. Ela procura um entendimento com o seu eu, é como se

fosse o presente confrontando com o passado e com ela mesma.

A menina, porém, identifica-se mais com o arquétipo livre, agindo de forma que

considera correta. Um exemplo da dualidade existente é o momento em que Isabel veste uma

calça e vai para a rua brincar com seus amigos. “Só depois que eu fiquei conhecendo melhor

Bisa Bia é que soube da verdade: ela não gosta de ver menina usando calça comprida, short,

todas essas roupas gostosas de brincar. Acha que isso é roupa de homem, já pensou?”

(MACHADO, 2000, p. 11).

E sua face menina a adverte de que aquelas não são roupas de menina usar, de que

o correto seria ela vestir um vestido e pôr lacinhos no cabelo, de que deveria brincar com

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bonecas e não na rua com os meninos, porém ela segue seu lado moleca e vai para a rua

brincar, dizendo que usar vestido ao invés de saia não irá influenciar em nada e, além do mais,

a calça é bem mais confortável para suas brincadeiras.

O vestido, por sua vez, representa a Bisa Bia, sua face delicada e amável, que

procura sempre agir com feminilidade, brincando de casinha, bordando lencinhos e desejando

uma bela história de amor com um príncipe encantado. Isabel deixa sua avó muito satisfeita

no momento em que pede à sua mãe que a ensine a bordar lenços, pois desse modo ela mesma

poderia bordar os seus, “– Será que dá tempo para você me ensinar? Aí, se eu aprendesse, eu

mesma poderia bordar” (MACHADO, 2000, p. 48).

Bisa Bia, toda satisfeita e feliz, elogia a atitude da neta, pois acredita que essa

seria a melhor forma de Isabel transformar-se em uma bela mulher. Assim, ela conquistaria o

amor de Sérgio, pois os meninos gostam de meninas prendadas que saibam fazer de tudo.

Isabel pensa que deve continuar agindo desse modo, deixando esquecido seu lado inquieto e

com isso consegue uns elogios de sua bisavó. “– Isso, sim, é comportamento de uma mocinha

bonita! Estou gostando de ver esta senhora minha bisneta, tão jeitosa...” (MACHADO, 2000,

p. 49).

No momento em que Isabel veste a calça e vai para a rua brincar, ela deixa aflorar

sua face rebelde, moleca, como se a voz de neta Beta falasse mais alto. Ela sente-se feliz e

livre para fazer o que quiser, sem medo de ser recriminada ou mesmo rejeitada pelos colegas,

pois sabe que eles não irão recriminá-la por isso. Afinal, naquele momento todos de certa

forma estão libertando a neta Beta que existe neles.

Enquanto Isabel e Bisa Bia conversavam, uma voz um tanto quanto fraca

começou a se fazer ouvir, era a voz de Neta Beta. “– Bisa Bia, a senhora me desculpe, mas

não é nada disso. Bel não precisa fingir para ele. Aliás, ninguém tem que fingir nada para

ninguém. Se ela estiver com vontade de falar com alguém, vai lá, ou telefona, e fala. Pronto. É

tudo tão simples, para que complicar?” (MACHADO, 2000, p. 49).

Como era de se esperar, Isabel retoma sua idéia de que somos livres libertando,

sua face alegre e sem regras de boa conduta, acreditando não haver necessidade de mostrar-se

uma donzela. Não finge ser quem não é. Ela busca um amor, que não é correspondido à altura.

Ela quer crescer, casar-se e trabalhar, mas não quer ficar escrava dos afazeres domésticos. Ela

gosta quando Neta Beta fala de seu tempo um tempo bem à frente, em que todos cuidam de

sua vida e cada um faz sua parte nas tarefas domésticas sem ter um estranho dentro de casa

cuidando das coisas.

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Quando Izabel leva a foto ao colégio para mostrar a seus amigos e Sérgio, “seu

pretendente” a elogia, ela fica feliz e saltitante, mostrando dessa forma seu interesse por ele.

Mas quando os amigos de Sérgio se aproximam, ele a chateia para não ficar mal na frente

deles. Do ponto de vista de Isabel, ela foi ferida duplamente, pois Sérgio, além de feri-la, riu

do retrato de sua bisa avó.

Além desse comportamento do menino, Isabel tem uma rival: Marcela, que está

sempre muito bem arrumada e delicada. Marcela não pula muro, não trepa em árvores, muito

menos fala palavrão e, como diz sua Bisa Bia, é esse o tipo de menina que os meninos querem

para casar. O fato de Marcela chamar a atenção dos meninos por estar sempre bem arrumada

incomoda Isabel, e como sempre sua voz feminina se sobressai dizendo que ela deveria andar

como Marcela e deixar aflorar seu lado feminino, mostrando-se delicada e tendo modos de

mocinha. O conflito de gerações é nítido. E Neta Beta entra em ação, dizendo que não deve

ser assim, que se ela sentisse bem vestida daquele jeito isso é que importa e que, se fosse para

Sérgio gostar dela, ele deveria gostar independentemente da roupa ou do modo de falar e agir

da menina.

Isabel emociona-se ao conhecer Vitor, um novo colega de classe que, ao falar

sobre seu falecido avô, deixa rolar uma lágrima que comove a todos. Bisa Bel passa a ter

outra visão sobre Vítor e admira-o por ter tido coragem de chorar na frente de todos.

Isabel é dotada de personalidade e auto-estima, pensa em fazer lencinhos para

agradar Sérgio, mas desiste da idéia e logo vê que aquilo não irá ajudar em nada. Assim como

sua mãe, que não é uma figura muito presente, ela não é muito ligada às questões domésticas,

pois quando mencionam a ela que na casa de Vítor são eles mesmos quem fazem as tarefas,

ela não fica nem um pouco abalada e acha perfeitamente normal.

Isabel, enfim, quer ser livre e não provar nada a ninguém. Busca um mundo novo,

mas com cautela. Muitas vezes suas vozes interiores a deixam um pouco indecisa. Ela nos

mostra os dois lados existentes na vida. O lado menina comportada, dona de casa que cuida de

tudo para esperar o marido, e o lado livre que quer trabalhar fora, ser independente, que não

quer esperar que as coisas aconteçam e, sim, ir em busca do seu futuro.

4.2 “A MULHER ESQUELETO”

Num certo sentido, todos os seres humanos têm dupla personalidade, uma

dualidade muito forte. Muitas vezes ela é tomada de extrema fúria, outras de muita doçura,

sendo inconstante. A mesma muitas vezes perde o controle, mostrando sua face obscura.

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Assim como na história Bisa Bia, Bisa Bel, “A Mulher Esqueleto” também trata

da dualidade, porém na fase adulta (fase mulher). No início de seu texto, Estés compara o

relacionamento como um ciclo de vida-morte-vida.

Esse ciclo significa os estágios de um relacionamento, no qual um aceita a opinião

do outro sem divergir, e não há brigas. Os parceiros procuram emoções, prazeres e

companhias, não se dando conta de que o ser amado é de natureza dual. No momento do

encantamento, porém, ele apenas quer mostrar sua conquista, sem se preocupar com o

desdobramento dela. Acredita que o amor resiste a tudo e que as expectativas em relação a ele

serão saciadas.

No segundo momento, apresentado como a morte, caem as máscaras e é revelada

uma segunda identidade, o homem conhece o lado obscuro da mulher, o lado que ele jamais

pensou existir isto é representado nesta parte do livro em “A mulher esqueleto”: “O que

morre? As ilusões, as expectativas, a voracidade de querer tudo, de querer que tudo seja só

lindo, tudo isso morre” (ESTÉS, 1997, p. 178).

No instante em que o pescador tira a mulher esqueleto do fundo do mar, cria um

desafio para ele: encarar a morte e seus ciclos de vida-morte-vida. Independentemente da

vontade dele, tudo vem à tona. Essa fase, a maioria das pessoas pensa ser o fim do

relacionamento, mas não é bem assim. É aqui que a solidão é necessária para se repensar o

relacionamento, para o cônjuge perceber que aquela mulher ou aquele homem tem uma outra

face, um outro arquétipo, e que se o arquétipo for abraçado tudo irá se encaixar e os dois terão

uma vida feliz juntos.

Para isso, ambos terão de aceitar suas diferenças e aprender a conviver com o ser

amado e as imperfeições que julgam ter. Eles precisam ser fortes e acreditar que tudo vai se

encaixar, que as coisas voltarão ao seu ciclo normal. Enfim, os dois, mulher e homem, terão

mais força para lutarem contra esse ciclo, que voltará a se repetir incessantemente. Se esse

obstáculo não for vencido, a separação será fatal. Segundo Estes, seu livro Mulheres que

correm com os lobos: “Para a maioria, ao primeiro confronto com A Mulher – Esqueleto, o

impulso é de correr como o vento a maior distância possível” (ESTÉS, 1997, p. 178).

O pescador tenta livrar-se da mulher esqueleto e foge, por ter medo da imagem

que vê e por não saber como lidar com ela. Corre o mais rápido que pode, para livrar-se do

suposto monstro, sem perceber que já é tarde, pois ela penetrou em sua vida, em sua alma,

como o sangue correndo em suas veias.

Somente no terceiro momento, momento da vida, eles se contemplam, havendo

total cumplicidade. A Mulher Esqueleto bebe da lágrima do pescador até saciar sua sede,

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depois retira seu coração e, segurando-o na mão, canta uma música desconhecida, como se

fosse um ritual de conquista, ou uma reconquista. Aquele ritual reveste seu corpo de carne e

ela devolve o coração ao o pescador, como se tivesse lhe devolvendo a oportunidade de amar.

A cena termina com os dois abraçados.

O ciclo de amor se inicia novamente, porém nessa nova fase um conhece o outro

por inteiro respeitando suas opiniões e anseios, deixando a individuação para traz, como

explica Ulson: “... o processo de individuação nada mais é do que a realização de uma série de

possibilidades que trazemos em estado de potência e que evoluem naturalmente, para a sua

totalização, sendo o self, arquétipo que exprime essa totalidade psíquica” (ULSON, 1988, p.

64).

Psique “vai pescar”, vai procurar um grande amor, alguém que supra suas

necessidades, e acaba por surpreender-se. Normalmente, pensa que está no comando da

situação, mas logo vê que está enredada e seus pensamentos estão confusos. Não adianta

pensar que fugir de um relacionamento irá deixá-la livre, pois esse ato só aproxima ainda mais

ambos os seres.

O pescador, com toda delicadeza, desenrola a mulher esqueleto de sua rede de

pesca e se vê de alguma forma tocado por ela, talvez seja sua face triste que o deixe abalado.

Foi assim que a mulher esqueleto e o pescador acabaram se apaixonando.

Em princípio, ele teve medo e depois descobriu que por de trás daquela aparência

horrível existia uma bela mulher. Foi pelo jeito assustado e indefeso da mulher esqueleto que

ele encantou-se. Diante daquela aparência desprezível, ele maravilhou-se com tamanha

vivacidade e alegria de viver que estava abafada pelas águas profundas. Descobriu, assim, o

verdadeiro sentido da vida, o sentido do encantamento, livrando-se do medo existente no

relacionamento. O ato de desenrolar a mulher esqueleto significa que o relacionamento

começa a vigorar, a tomar espaço com confiança no futuro, sem frustrações sobre o amor e o

medo da fuga do outro.

A imagem do esqueleto não significa especificamente a morte literal da mulher,

mas a morte de suas expectativas em relação ao amor, à alegria de viver. É também a

descoberta de um novo caminho, seja ele acompanhado ou sozinho, e com coragem de

enfrentar as complexidades existentes nessa trajetória. Além disso, significa a morte da

esperança, pois ela sente-se incapaz de amar novamente, de fazer-se atraída pelo ser oposto.

Julga-se morta e sem nenhuma beleza ou sensualidade física. Estés (1997) compara os ossos

do esqueleto humano aos ciclos da vida-morte-vida e diz que eles movimentam-se

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simultaneamente. E continua: “Quando um osso gira, os restantes giram, mesmo que de modo

imperceptível” (p. 187).

Dessa forma, segundo Estes, se algum fato repentino abala o andamento do

relacionamento, isso ocasionará fissuras, marcas que jamais se apagarão. O casal abalado irá

perambular sem destino e cada vez ferindo-se mais. E mais uma vez a natureza da vida-morte-

vida entra em cena, mas dessa vez sua intensidade é menor.

E quando eles finalmente amenizam a dor das feridas, eles contemplam-se com

muita cautela, pois o amor prevalece, conforme Estes diz: “[...] não é a partir do ego

inconstante que amamos a outra face, mas, sim, do fundo da alma selvagem” (ESTÉS, 1997,

p. 189).

Por mais que ocorram brigas, o amor prevalece, e é esse amor selvagem que vai

falar mais alto na hora da reconciliação. “Quando os dois parceiros estiverem bem iniciados,

juntos eles terão o poder de amenizar qualquer sofrimento, de sobreviver a qualquer dor”

(ESTÉS, 1997, p. 195).

Todo relacionamento, quando iniciado, já está de certa forma sendo planejado,

sendo pressentido. E isso leva a um conhecimento a princípio superficial do self do ser amado.

O casal que inicia seu ciclo de vida-morte-vida, ou seja, de amor, não está completamente

preparado para as futuras conturbações, mas já está dotado de paciência, pois o verdadeiro

amor é forte e compreensivo, sabe esperar a hora e ser um braço forte que irá amparar a alma

companheira.

E para a mulher, esse entendimento é muito mais fácil devido ao fato de já ser

procriadora e, como conseqüência disso, sua personalidade e seu olhar em relação aos

acontecimentos são mais ternos, compreendendo facilmente esses ciclos que envolvem a

relação. Somente quem se aventura pelos caminhos do amor, do desconhecido provará suas

desavenças e suas maravilhas, as surpresas e as artimanhas do que está a ser desbravado, dos

ciclos que iniciam os ciclos de vida-morte-vida. Passando por essas transformações, as

pessoas acabam descobrindo o seu outro tu em meio a dificuldades, medos e anseios.

Mesmo contra sua própria vontade, o caçador traz à superfície uma imagem

amedrontadora que parece persegui-lo, mas ele a encara como se ali em sua frente houvesse

uma mulher pedindo ajuda, gritando pela vida, por uma nova chance de mostrar que é capaz

de amar e fazer-se amada e nesse emaranhado de idéias e vontades ele se enleasse a rede e, é

tocado pelo amor.

Logo que ele aceita a companhia da mulher que até pouco tempo lhe parece uma

visão aterrorizante, adormece em sono profundo, talvez esteja cansado de lutar para se

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desemaranhar. “Ele dorme o sono dos sábios, em vez do sono dos prudentes” (ESTÉS, 1997,

p. 193). Nesse sono, sua alma é renovada, ganhando uma nova energia para continuar seu

ciclo. É no momento do sono, da calmaria terrestre, que os corpos se mesclam, tornando-se

uma pessoa só, então a face feminina suga as energias da sua outra face para que ela também

possa renovar-se. E assim, nessa fusão de corpo-alma, eles amam-se com toda delicadeza e

vontade, sem medo de se entregarem. Essa união carnal torna o homem mais forte e ele passa

a ser um ser procriador e fértil. Estes deixa isso claro no trecho de seu livro: “Às vezes não

existem palavras que estimulem a coragem. Às vezes é preciso simplesmente mergulhar”

(ESTÉS, 1997, p. 194).

E é isso que o pescador faz: ele deixa-se envolver pelo monte de ossos, quase sem

vitalidade e nenhuma beleza. Talvez a lágrima que mata a sede do monte de ossos e a

reintegra seja fruto de uma dor, de um desamor, de uma desilusão ou até mesmo de

compaixão pela imagem que está ao lado do pescador enquanto ele dorme. Com isso também

ele pode estar se revitalizando ou então saindo de um ciclo de vida-morte-vida.

A lágrima que ele deixa rolar em sua face traz satisfação à mulher-esqueleto, ela

sente-se segura em relação aos sentimentos do parceiro. Percebe que despertou o amor,

mesmo ela tendo uma imagem um tanto quanto assustadora, e o pescador inconscientemente

deixa transparecer seus sentimentos.

Assim como os ciclos da vida, a mulher-esqueleto também passa por

transformações que se renovam a cada ciclo, a descoberta do outro ser que existe dentro dela,

tornando-a cada vez mais forte e autoconfiante. Após esse longo ciclo de conhecimento,

revelações e aceitações, ocorre a entrega carnal, fundido a respiração, o espírito e a matéria.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final deste trabalho com a certeza de que algumas considerações aqui

expostas poderão vir a provocar novamente reflexões, já que não acreditamos estar esta

interpretação encerrada aqui. Julgamos tais reflexões caminhos para futuras ponderações.

Começamos por refletir sobre a dualidade feminina, a partir de observações feitas

nos contos. Tratamos da dualidade feminina, que as obras citadas ilustram de modo

diferenciado. Enquanto Bisa Bia, Bisa Bel revela uma menina e suas expectativas em relação

às imposições sobre como se comportar, ora recatada e doce, ora travessa; “A Mulher

Esqueleto” retrata uma mulher amargurada, traída pela vida e ao mesmo tempo à espera do

amor.

A primeira autora, Ana Maria Machado, ao escrever literatura para crianças, expõe

algumas mazelas da dualidade feminina e propõe soluções humanas. As soluções são frutos

da reflexão e da ousadia de suas personagens diante da vida. Além disso, a autora deixa

bastante visível o caráter libertário e lúdico de sua obra, contribuindo, dessa forma, para a

conscientização da sociedade a partir daquele que é o primeiro leitor: a criança.

Diferente de outros textos, Bisa Bia, Bisa Bel não apresenta heróis na concepção a

qual estávamos acostumados nos contos infantis. Os heróis são personagens com a

complexidade inerente à natureza humana. As crianças fictícias muito se assemelham às

crianças brasileiras em sua cultura e realidade. A segunda autora, Clarissa Pinkola Estés, que

não é brasileira, traz um texto que ilustra o medo e ao mesmo tempo o apego ao

desconhecido.

Nas obras estudadas, o que mais atrai o leitor para a análise é a ressignificação do

mal, do sombrio, do monstruoso. Percebemos a importância de poder construir um cenário

para cada arquétipo existente no indivíduo. A partir daí, tecemos comentários e análises

críticas das obras em questão. O conto “A Mulher Esqueleto” apresenta a história de uma

mulher esquecida no fundo do mar, somente acompanhada de seres subaquáticos.

Nas obras analisadas, Bisa Bia, Bisa Bel e “A Mulher Esqueleto”, deparamo-nos

com conflitos existenciais, a busca pela auto-afirmação das personagens. Isabel luta contra

sua face oculta. Sem maturidade para assumi-la, dá a ela os nomes de Bisa Bia e Neta Beta. A

Mulher Esqueleto procura adaptar-se ao novo mundo. Já madura, não esconde os ossos, não

usa máscara para feiúra temida, conquistando seu amor e preservando a essência de sua

natureza psíquica.

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Outro lado revelador deve-se ao fato de essa mulher e essa menina encontrarem

respostas para seus questionamentos nos espaços públicos, longe dos olhares da família, e a

família, para elas, não necessariamente é formada por laços de consangüinidade, mas por

laços de afinidades, podendo ser construída durante o percurso de cada uma das personagens

pelo mundo.

Também pelos estudos de Jung, que ajudaram no suporte teórico ao trabalho, é

possível perceber a dualidade existente não apenas para a mulher, mas também nos demais

indivíduos que não tem muito bem resolvidos seus problemas, suas angústias, seu próprio

caráter. As conceituações de que podemos ser bons e maus, concordarmos e discordamos,

mudar nossas concepções repentinamente também são reflexos não apenas de uma dualidade,

mas de uma sociedade extremamente preconceituosa e punitiva, que descarta aqueles que não

seguem um padrão de comportamento. Para sermos aceitos, por vezes acabamos por assimilar

uma conduta de dualidade, sendo aquilo que não parecemos ser, parecendo aquilo que não

somos, os chamados estereótipos.

Também neste estudo revelamos aspectos concernentes à literatura e a sua leitura.

Abramovich, outro autor citado na base teórica, abordou sobre a importância de formar

leitores, de ler para crianças e adolescentes, não como alguém que lê um jornal diário, mas

como alguém que se prepara, que transmite emoção, magia, que faz com que os ouvintes

imaginem seu próprio texto ou como personagens de um texto. Diante disso, encontramos na

obras Bisa Bia, Bisa Bel trechos (já citados anteriormente) que revelam a importância da

leitura.

São muitas as possibilidades para novos estudos, sugerimos estudos mais

aprofundados sobre a psique humana dentro da área da Psicologia, que está presente no

contexto de dualidade feminina nas obras, os quais não pudemos desenvolver. Também são

possíveis estudos na área de Serviço Social sobre a mulher, seu papel, seus direitos, sua

valorização, além é claro de estudos na área de Letras e Pedagogia sobre literaturas, leituras e

formação de leitores.

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REFERÊNCIAS

ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 2004. BIZ, Manuela. Histórias que despertam emoções. Revista Nova Escola. São Paulo, Abril, p. 108-111, jun./jul. 2007. COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2005. GUIMARÃES, Carlos Antonio F. Carl Gustav Jung e a psicologia analítica. Disponível em: http://br.geocities.com/carlos.guimaraes/jung.html. Acessado em: 10 de agosto de 2008. Texto publicado em 1997. ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos. 11. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. MACHADO, Ana Maria. Bisa Bia, Bisa Bel. 2. ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 2002. ULSON, Glauco. O Método Junguiano. São Paulo: Ática, 1988.

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ANEXO 1 – BIOGRAFIA DE ANA MARIA MACHADO

Ana Maria Machado, nasceu no dia 24 de dezembro, em Santa Terezinha, Rio de

Janeiro, casou-se duas vezes, no primeiro casamento teve dois filhos, no segundo uma filha.

Ana gostava de pintar telas, até tentava se sustentar disso, mas resolveu investir nas palavras e

então começou a batalha atrás de idéias e prêmios de literatura.

Ingressou na faculdade de Letras Neolatinas em 1964, na faculdade Nacional de

Filosofia da Universidade do Brasil, fez pós-graduação na UFRJ. São mais de 100 livros

publicados no Brasil e mais de 17 milhões de exemplares vendidos em todos os países.

No ano de 2003 foi substituir o Dr. Evandro Lins e Silva na Academia Nacional

de Letras, sendo a primeira a ser eleita a esse cargo com obras para público infantil. A autora

procura trabalhar temas considerados obscuros para a literatura escrita para as crianças,

trabalha o lúdico e poético das palavras para conseguir escrever sobre temas infantis.

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ANEXO 2 – BIOGRAFIA DE CLARISSA PINKOLA ESTÈS

Clarissa Pinkola Estes, analista junguiana com mais de vinte anos de prática, foi

diretora executiva do C.G. Jung Center. É doutora em psicologia clínica pelo The Union

Institute e também em estudos multiculturais. Autora premiada por suas obras, como The

wild woman archetype, que fala sobre o papel dos instintos da natureza feminina, Warming

the stone child, sobre as crianças órfãs, In the house of the ridle mother, sobre os

arquétipos recorrentes em sonhos de mulheres, e The radiant coat, sobre as fronteiras entre

vida e morte.

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ANEXO 3 – RESUMO DA OBRA: BISA BIA, BISA BEL

O livro Bisa Bia Bisa Bel relata a história de uma menina que descobre uma foto

de sua avó nos fundos de uma gaveta enquanto sua mãe as limpava. Quando Isabel viu a foto

de sua avó, maravilhou-se e achou engraçado o formato da foto, pois não era quadrada nem

retangular, como se costuma ver por aí. Ela se encantou com a menina da foto e pediu para

que a mãe lhe desse aquele retrato, pois havia achado linda a bonequinha.

Foi então que sua mãe lhe disse que aquela era sua avó Beatriz. A mãe entregou o

retrato para a menina, mas com a condição de que ela iria cuidar dele com muito carinho.

Isabel prometeu não desgrudar dele e estava ansiosa para chegar na escola e mostrar para suas

amiguinhas.

Enquanto mostrava o retrato para sua melhor amiga Adriana, Sérgio, um amigo

delas, se aproxima e vê o retrato. Ele a confunde com a menina do retrato, mas quando os

amigos dele chegam, ele começa a zombar de Isabel.

Ela, irritada, corre atrás dele para dar uma surra, porém a foto acaba caindo de sua

mão e ela se vê obrigada a voltar para recolher a foto. Por mera coincidência, a foto acaba

caindo dentro da sala da professora Sônia, uma colecionadora de fotos antigas.

Ao chegar em casa, Isabel resolve brincar na rua com as outras crianças e, para

não deixar Bisa Bia sozinha, leva-a junto. A avó acha estranho uma menina tão bonita como

Isabel usar calça ao invés de vestido. Ela diz que calça é coisa de menino e que não gosta de

ver sua neta vestida assim.

Mesmo contrariando a avó, Isabel vai para a rua brincar, porém acaba perdendo o

retrato e volta para casa muito triste. Enquanto tomava banho, descobriu que podia falar com

sua avó, por que ela estava dentro de seu corpo, viva, conversando incessantemente. A partir

desse dia, elas passaram a ter longas conversas e a trocar informações.

Bisa Bia falava sobre as coisas de seu tempo e dava conselhos para a menina.

Outra coisa que deixa a avó intrigada é o fato de a menina assoviar, Bisa Bia acha isso um

absurdo, para ela as mocinhas tinham de saber se comportar. Nesse momento Isabel ouviu

uma voz que vinha de dentro dela e dizia: – Faça o que você bem entender! Não deixe

ninguém mandar em você desse jeito. Nesse mesmo dia, Isabel saiu brava com a avó e

encontrou Sérgio e Marcela, ambos conversavam amigavelmente e ela sentiu ciúme dele.

Pensou que, se não tivesse demorado tanto na discussão com a avó, era ela quem

estaria lá falando com ele. Mas Sérgio, ao vê-la, veio logo falar com ela. Marcela aproximou-

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se e interrompeu a conversa dos dois, falando que o pé de goiaba de Dona Nieta estava

carregado e que queria comer as goiabas, porém Dona Nieta não estava em casa e o portão

estava trancado. Então, Isabel exaltou-se e disse: – Ué, pulamos o muro...

Sérgio concordou prontamente, mas Marcela disse que não poderia fazer isso,

porque sua mãe havia lhe avisado para que não sujasse sua roupa. Sérgio pediu para que ela

esperasse ali, que ele subiria para apanhar uma goiaba para ela. Enquanto isso, a voz de Bisa

Bia soava dentro de Isabel, criticando a menina, falando que aquilo não era maneira de

menina comportar-se.

Isabel pulou o muro e Sérgio também, e do outro lado do muro estava Rex, o

cachorro de Dona Nieta. Sérgio tremeu de medo, mas Isabel soube contornar a situação,

deixando Sérgio impressionado com sua coragem. Quando subiram no pé de goiaba, Sérgio

elogiou-a, dizendo que era a menina mais corajosa que conhecera e que não era igual às

outras, que eram bobinhas e pareciam que iriam quebrar à toa.

Isabel ficou impressionada com tudo que ouviu de Sérgio, pois nunca esperava

que ele fosse lhe falar isso. Bisa Bia, como era de se esperar, veio com um monte de

conselhos, avisando que menina daquela idade não deveria pensar em namorar, devia, sim,

brincar de roda, fazer comidinha, pular amarelinha, costurar roupa de boneca.

Isabel, então, retruca a avó, perguntando-lhe se no tempo dela as meninas não

namoravam, não casavam. E Bisa Bia responde que sim, mas com quem seus pais

escolhessem. Então Isabel começa a falar sobre como estão os namoros de hoje, que as

meninas escolhem com quem querem namorar, e que não tem idade. Isabel acaba ficando

doente e sem condições de ir pra o colégio, nesse tempo fica morrendo de saudade das amigas

e principalmente de Sérgio.

Ao chegar no colégio, encontrou Sérgio, e ele deu um sorriso como ela nunca

tinha visto, seu coração parecia que ia pular do peito. Mas Bisa Bia intrometeu-se na história

da menina e jogou seu lencinho no chão na hora em que Isabel passava pelos meninos.

Qual não foi o desespero de Isabel, quando no momento em que falava com os

colegas deu um espirro! A menina pôs a mão no bolso e não o encontrou mais lá. Desesperada

e com a mão melada, virou motivo de gozação por parte de Fernando, e todos caem na

gargalhada, inclusive Sérgio. Isabel correu para o banheiro e começou a brigar com Bisa Bia.

Uma professora que passava por ali ouviu seus gritos e pensou que ela estivesse com febre,

delirando e mandou chamar a mãe de Isabel para levá-la para casa.

Isabel até que gostou da idéia, pois sairia dali sem enfrentar a classe e todos

ficariam com remorso por terem rido dela. Na volta para casa, Isabel conversava com sua mãe

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sobre os lenços de sua época. A mãe dizia que eles eram bordados com as iniciais dos nomes

e que ainda guardava uns com ela. Isabel pediu à mãe que bordasse um para ela, mas a mãe

disse que ensinaria a menina a fazê-lo, e ela ficou empolgadíssima. Bisa Bia ficou orgulhosa

de ver a bisneta interessada nos bordado e lhe fez elogios, porém Isabel fez de conta que nem

escutou.

Mas dessa vez, ela ouviu uma outra voz, uma voz desconhecida. Bisa Bel,

intrigada, briga com a voz desconhecida, dizendo que ela é uma enxerida e questiona sua

identidade. A voz começa a explicar-se e pede para que Bisa se acalme. Isabel exalta-se

dizendo que a Bisa era dela, não da voz. Mais uma vez a voz começa a explicar-se e diz que

Isabel é que era sua Bisa, a menina de shorts que ela tem em uma foto, a qual segura na mão.

Bisa Bel fala: – Aí mesmo que não entendi nada. Como é que eu podia ser bisavó de alguém

sem saber?

A menina, intrigada, pergunta à voz:

– Qual seu nome?

E a voz responde: – Beta. Sou sua bisneta.

Isabel continua: – Como é que pode?

Bisneta Beta começa a explicar sua existência: – Eu moro daqui a muito tempo,

em outro século – outro dia minha mãe – que é sua neta – estava dando uma geral, arrumando

as coisas dela, e eu encontrei uma foto antiga, com uma menina que era a coisa mais fofinha

deste mundo: Você!

Bisneta Beta fala que fez uma holografia da foto de Isabel, e explica o que é a

holografia. A foto que ela tem na mão é de Isabel segurando o retrato de Bisa Bia. Isabel fica

assustada com tudo que ouve e vai logo dizendo que nunca batei nenhuma foto com o retrato

e que além do mais, ela perdeu o retrato de Bisa Bia. Beta diz que também não entende como

pode, mas ela tem essa foto.

Isabel volta às aulas e já está acostumada com a presença de Bisa Bia e Neta Beta,

porém ela ainda espanta-se com a idéia de ter uma neta. Mas ela tinha outra preocupação, e de

como os amigos iriam tratá-la. Será que iriam zombar dela? Mas para sua surpresa eles não

falaram nada, agora tinham outro assunto para discutirem.

Ao chegar na sala, encontra dois novos colegas de classe, um casal de gêmeos que

tinha voltado ao Brasil depois de ter morado em muitos lugares, devido ao fato de seus pais

terem sido exilados. A amiga de Isabel falou que eles eram diferentes, então ela quis saber

qual era a diferença. Eles eram gêmeos, mas não pareciam ser, pois eram diferentes um do

outro.

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O que elas mais achavam anormal era o fato deles não terem empregada, eram

eles que cuidavam da casa. Neta Beta intrometeu-se na conversa e disse que não achava nada

de anormal eles não terem empregada. Enquanto caminhava em direção à sala de aula, Isabel

encontra Maria, que vem ao seu encontro perguntando se ela era Isabel.

Quando entrou na sala, qual não foi sua surpresa ao descobrir que o retrato de

Bisa Bia estava com Dona Sônia! Um dos meninos encontrou seu retrato e levou para a

professora Sônia, pois pensou ser dela. Dona Sônia comunicou a Isabel que iria tirar uma foto

dela, era a única da sala que não havia batido a foto por ter faltado às aulas enquanto estava

doente. Neta Beta não se continha e falava para Isabel que tinha razão, que a foto que ela

encontrou nos guardados da mãe dela era aquela.

Dona Sônia explicou para Isabel que pediu a os alunos que trouxessem fotos

antigas de suas avós e ela iria falar sobre os costumes de antigamente. Mal terminou sua aula

e Vitor, o novo aluno, pediu para falar. Ele queria falar de seu avô, da saudade que sentia dele,

ele disse que não puderam viver muito tempo juntos.

Então, eles deram início ao estudo do futuro, de como cada um podia colaborar

para melhorar o futuro. Isabel, feliz, nesse momento descobriu que a pesquisa de escola não

era uma mera pesquisa e que as respostas para os questionamentos estavam dentro dela. E

entre conselhos de Bisa Bia e Neta Beta, ela vivia sua vida.

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ANEXO 4 – RESUMO DA OBRA: A MULHER ESQUELETO

Esse livro apresenta a história de uma mulher que tinha feito alguma coisa que seu

pai não havia gostado, por isso ele a jogou no mar. E como já estava há muitos anos lá no

fundo do mar, os peixes comeram sua carne e arrancaram seus olhos, ela ficou só esqueleto.

Muitos pescadores já não pescavam mais naquela baía, pois acreditavam ser mal

assombrada. Um pescador de longe, que não sabia da alegação dos outros, foi pescar por lá.

Tal pescador jogou o seu anzol e acabou pescando a mulher esqueleto. Ele pensou

que era um peixe bem grande, já até imaginava quantas pessoas o grande peixe iria alimentar,

estava muito feliz com a pescaria. O mar ficou agitado, quanto mais ele puxava a linha do

anzol mais a mulher esqueleto tentava se soltar, mas ela só se enrolava mais e mais.

O pescador, distraído, recolhendo a rede, não viu surgir sobre as águas a cabeça da

mulher-esqueleto. Ele não viu os peixes que estavam no meio dos ossos dela. Quando ele

virou-se, ficou apavorado com o que via e começou a gritar. Em desespero, tentou jogá-la

para fora, mas não percebeu que ela estava presa pelos ossos na rede. Ele tentava remar para

longe, mas como estava presa, ele achava que ela estava o perseguindo.

Há muito tempo ela não comia assim. Enquanto era arrastada por ele, comeu os

peixes congelados que estavam no meio do caminho. Quando o pescador chegou em terra

firme, foi direto para o seu iglu e, ainda apavorado e com muito medo do que via, ficou

deitado no chão até se sentir um pouco seguro para acender uma lamparina. Quando a

acendeu, ali estava ela, em um monte de ossos no chão.

O pescador, agora com menos medo talvez pela claridade da luz, começou a

conversar com ela e a soltá-la, depois ele a aqueceu com peles e acendeu uma fogueira. Ela

ficou quieta, com medo de que ele a jogasse lá fora e quebrasse todos os seus ossos.

O homem sentiu sono e foi dormir e, enquanto dormia, caiu uma lágrima de seus

olhos. A mulher esqueleto viu, ela deitou-se do seu lado, saciando sua sede de anos com a

lágrima do homem. Ainda deitado do seu lado, ela retirou o coração do homem, que batia

forte. Ela marcava o ritmo de seu coração e, enquanto isso, ela cantava para que seu corpo

voltasse ao normal, cabelos, tudo o que uma mulher precisa. Também cantou para despir o

pescador, envolvendo-se em seu corpo. Ela devolveu o grande tambor, o coração dele, ao seu

corpo. Agora estavam enredados juntos, mas de um jeito bom e duradouro.

Os antigos que conhecem a história da mulher esqueleto dizem que não

conseguem se lembrar da sua primeira desgraça, mas dizem que ela foi embora com o

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pescador, e que eles sempre foram alimentados pelos peixes, as criaturas que ela conheceu

embaixo d’água e dizem ainda que é verdade e que é só o que sabem.