artigo tania trilha dez 2010
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL
COORDENAÇÃO: GUSTAVO TEPEDINO.
COORDENAÇÃO ADJUNTA: DANIELE TEIXEIRA.
ARTIGO CIENTÍFICO
O SECOND LIFE E O DIREITO AO ESQUECIMENTO
TÂNIA DA SILVA TRILHA
NOVA FRIBURGO
2010
O SECOND LIFE E O DIREITO AO ESQUECIMENTO
Tânia da Silva Trilha1
1. Introdução. 2. O Second Life. 3. O Direito ao
Esquecimento. 4. Considerações Finais. 5. Referências
Bibliográficas.
RESUMO.
O presente artigo foi fruto de estudos realizados através
de algumas doutrinas, notícias em revistas especializadas,
aquisição de produtos pela internet e alguns artigos jurídicos.
A abordagem diz respeito à abertura ao público do Second Life,2 um
mundo virtual, semelhante a um jogo de computador, onde
pessoas, representadas por seus personagens tridimensionais e
conectadas através da rede mundial de computadores, podem
tomar parte em relações civis comuns, como comparecimentos em
reuniões de negócios, contração de matrimônios e realização de
compras. Surgindo muitos conflitos de interesses e o direito
ao esquecimento.
1 Artigo científico apresentado no curso de Pós-Graduação em DireitoCivil Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro(UERJ) – Nova Friburgo – RJ, exigido como trabalho de avaliação.2 WHAT IS SECOND LIFE?. http://secondlife.com/whatis/. Acesso em 10 desetembro de 2010.
1
1. INTRODUÇÃO.
Em 2003 ocorreu a abertura ao público do Second Life, e
diante do espantoso crescimento do número de membros da
mencionada comunidade virtual, muitos conflitos de interesses
surgiram entre os particulares, em suas relações privadas
virtuais. Nascendo a necessidade de se buscar a Justiça para
a solução desses litígios, pelo exercício do Acesso à Justiça,
garantia fundamental constitucionalmente positivada no art.
5º, XXXV, da Carta Magna brasileira3.
Surgindo no cenário jurídico nacional, a preocupação com
a solução das questões relacionadas ao mundo virtual e o
Direito ao Esquecimento.
Valendo destacar a realização da Conferência da
International Law Association, pela
primeira vez sediada no Brasil, em agosto de 2008, onde se
debateu, dentre outros temas, a resolução de controvérsias
privadas no plano internacional4. Ressalte-se, também, a
manifestação do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP em
consulta realizada por advogado quanto à possibilidade de
abertura de escritório no ambiente virtual do Second Life.
3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília, DF. Senado, 1988.4 SEDIADA NO RIO, CONFERÊNCIA DA INTERNATIONAL LAW ASSOCIATIONDEBATERÁ O DIREITO PARA O FUTURO. Tribuna do Advogado, Rio de Janeiro,ano 35, n.469, p. 23, jul. 2008.
2
Com o presente artigo, longe estaremos de encontrar a
solução definitiva para todos os efeitos e questionamentos
originários do ambiente virtual, todavia, busca-se apurar como
se daria, nesse ambiente, o acesso à justiça, apontando, para
tal, qual seria a jurisdição competente para a solução dos
conflitos privados e o direito ao esquecimento. Desta forma,
ao conseguirmos identificar a jurisdição competente para sanar
os embates, possibilitando o exercício da tutela jurisdicional
efetiva e eficaz de um órgão competente, na solução dos
litígios ocorridos no cenário virtual.
Surgindo também, do ambiente virtual, a construção do
Direito ao Esquecimento, já visível nos tribunais do mundo
todo. Na França, como exemplo, existe uma proposta de lei que
está sendo debatida e propõe a criação do direito de qualquer
usuário de pedir o apagamento de informações antigas sobre
ele. É claro que o tema é complicadíssimo, especialmente
porque se contrapõe a questões como interesses históricos, de
memória e preservação da informação. No Brasil, ainda não
temos um entendimento pacificado, pois as poucas decisões
sobre o tema, ainda são contraditórias e assim vão continuar,
por um bom tempo, entretanto, a relevância do novo Direito que
surge deve ser vista sobre o prisma da sua grande importância
e a necessidade da sua importante delimitação, visto que
diante de interesses pessoais, jornais, sites e outros
veículos de informação, podem ser obrigados a apagar seus
arquivos, tornando-se o Direito ao Esquecimento um problema,
vez que passaríamos a permitir, um revisionismo histórico.
3
2. O SECOND LIFE.
O Second Life, criado pela empresa norte-americana Linden
Lab, é uma espécie de plataforma virtual tridimensional,
semelhante a um jogo de computador, que conta com um ambiente
3D, um espaço comum, onde os usuários de todo o mundo se
conectam através da internet e vivenciam experiências sociais.
Como num jogo online de computador, cada pessoa é
representada por um avatar, sua aparência gráfica
computadorizada, um boneco, que ela utiliza para andar pelos
territórios do mundo virtual, conhecer pessoas, conversar e
fazer negócios. Esse avatar pode ter o aspecto livremente
escolhido pelo usuário, que define sua cor e tipo de cabelo,
olhos, altura, peso, constituição física e roupas.
Diante do alto número de residentes do Second Life, que
crescia assustadoramente, apresentando no ano de 2007 o
Brasil, como 4º (quarto) país no ranking de acessos e
utilização, já com expectativas de se tornar o primeiro em
pouco tempo5, o programa acabou ganhando um servidor no Brasil,
em abril de 2007, onde é representado pela empresa Kaizen
Games, em parceria com a Internet Group (iG)6.
5 SECOND LIFE: O NASCIMENTO DO FUTURO. http://wnews.uol.com.br/site/colunas/materia.php?id_secao=4&id_conteudo=378. Acesso em 14 de agosto de 2010.
6 SECOND LIFE: SERÁ O FUTURO? http://blogs.diariodonordeste.com.br/zonacyber/games/second-life-sera-o-futuro/. Acesso em 14 de agosto de 2010.
4
Porém, é certo que o mencionado programa de computador não
se trata de mero jogo. Diferente de outros ambientes virtuais
que o precederam, até então com objetivo de simples
entretenimento de seus usuários, o Second Life trouxe um mundo
virtual que simula um mundo real, contando com uma economia
própria e, inclusive, com sua moeda corrente, o Linden Dollar, que
apresenta cotação direta em Real7. O dinheiro virtual pode ser
conseguido trabalhando no próprio ambiente virtual, utilizando
o avatar, ou trocando dinheiro real por Linden Dollars, sendo
possível até mesmo à operação inversa, isto é, a troca da
unidade monetária virtual por dinheiro real.
A título de ilustração da volumosa movimentação monetária
e das relações jurídicas provocadas pelo mundo virtual, tem-se
exemplo como o da Toyota, que distribuiu carros virtuais
gratuitamente entre os residentes do Second Life, em outubro de
2006, e da IBM, que gastou mais de US$ 20 milhões (vinte
milhões de dólares) com a construção de uma filial nesse
ambiente virtual. A agência de notícias Reuters possui também
representação no cenário virtual, contando, ainda, com
repórteres avatares, exemplificando a possibilidade da
criação de relação de trabalho e emprego virtual8.
Então, observa-se que, além de relações sociais casuais,
como conversas, amizades e participação em festas, o membro de
7 MAINLAND BRASIL. http://www.mainlandbrasil.com.br/services/Money.aspx. Acessoem 14 de agosto de 2010.
8 SECOND LIFE: SERÁ O FUTURO? http://blogs.diariodonordeste.com.br/zonacyber/games/second-life-sera-o-futuro/. Acesso em 14 de agosto de 2010.
5
um mundo virtual pode tomar parte, também, em verdadeiras
relações jurídicas, como compras e vendas de objetos virtuais
ou mesmo reais, aquisição de propriedade e estabelecimento de
relações de trabalho e emprego.
Atualmente, outros mundos virtuais têm surgido, a exemplo
do Lively, pela empresa Google, o que aponta para a nova
tendência ditada. Ainda que por algum motivo o Second Life não
permaneça por muitos anos, é certo que sua idéia não morrerá e
que as relações através dos mundos virtuais continuarão
existindo e crescendo com o tempo.
Certo é que, as atividades realizadas no ambiente virtual
possuem reflexo direto na vida real, os conflitos de
interesses privados surgidos nas relações virtuais extrapolam
as barreiras da virtualidade, indo além da representação por
um avatar, e atingem os próprios usuários, causando danos
materiais ou mesmo morais.
Diversos são os conflitos de interesses privados que podem
surgir das relações em ambientes virtuais, exatamente como nas
relações pessoais físicas, uma vez que, atrás de cada avatar,
existe uma pessoa comum. Os conflitos existirão em qualquer
sociedade ou grupo, inevitavelmente. O que não se pode
permitir é que essas lides permaneçam sem solução, ferindo o
Princípio da Segurança Jurídica.
6
Porém, para que seja garantida a devida resolução dos
conflitos e manutenção da Segurança Jurídica, é necessário que
se atente também a outro princípio do ordenamento jurídico
pátrio: o Acesso à Justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da
Constituição Federal de 19889, que assevera que nenhuma lesão
ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Judiciário.
Esse princípio constitucional determina duas premissas básicas
do sistema jurídico (compreendido como o meio pelo qual as
pessoas dispõem para reivindicar seus direitos e resolver seus
conflitos sob o augúrio do Estado): ele deve ser igualmente
acessível a todos e deve produzir resultados eficazes e
justos, tanto do ponto de vista individual quanto social10.
Importante salientar que o acesso meramente formal à
justiça corresponde, tão-somente, a uma igualdade também
formal, mas não efetiva. Com a evolução das relações
jurídicas e sociais, naturalmente as sociedades cresceram em
tamanho e complexidade, trnando-se obsoleta a visão
individualista dos direitos, havendo um movimento no sentido
de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos,
comunidades, associações e mesmo dos indivíduos. Com isso, o
Estado passou a atuar mais positivamente, visando à garantia
dos direitos sociais básicos11.
9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado, 1988.
10 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. e Rev. EllenGracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 8.
11 Ibid., p.9-11.
7
Portanto, não se pode entender o acesso à justiça como
mero “acesso ao judiciário”, mas como direito prestacional lato
sensu, como afirma Ingo Wolfgang Sarlet12, direito do cidadão de
ter uma prestação jurisdicional efetiva pelo Estado, com
resultado justo. Esse princípio configura verdadeiro direito
social básico nas sociedades modernas13.
Destarte, faz-se importante que, mesmo nas relações
derivadas de ambiente virtual, subsista o acesso efetivo à
justiça, com vistas a garantir esse direito humano básico, a
paz social e a estabilidade das relações jurídicas.
Porém, para que exista efetivamente uma decisão justa, é
necessário que se conheça a quem compete o papel judicante e a
quem pertence à jurisdição sobre o caso que se pretende
resolver, uma vez que não temos como falar em acesso efetivo à
justiça se a solução do conflito ocorrer de forma precária,
por órgão incompetente sobre a matéria, quando a jurisdição do
julgador não alcançar aquela situação fática, seja por limites
de territorialidade nacional, seja por incompetência, para
apreciação daquela matéria.
Quanto à jurisdição, uma vez que o homem vive em
sociedade, ele se submete a regras
de convivência e restrição de sua liberdade, gerando assim, os
conflitos de interesses. Ada Pellegrini Grinover, Antonio
12 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 5 ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 206.
13 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. op. cit., p. 8.
8
Carlos de Araújo Cintra e Candido Rangel Dinamarco ensinam que
esses conflitos surgem a partir da insatisfação de uma pessoa
que, almejando determinado bem para si, não o pode obter, seja
porque quem poderia satisfazer a pretensão não o faz, seja
porque as próprias regras proíbem a satisfação voluntária da
pretensão14.
Na primeira fase da civilização humana, a solução desses
conflitos se dava por ato de um ou todos os sujeitos
envolvidos no litígio, pela lei do mais forte, já que
inexistia uma instituição estatal com soberania e autoridade
para assegurar o cumprimento do direito15. Sem um Estado
organizado, os conflitos se resolviam pelo que a doutrina hoje
chama de autotutela, isto é, a solução das lides pelo domínio
do mais fraco16.
Com o início do convívio do homem em sociedade, mas ainda
antes da formação do Estado, os litigantes passaram, na medida
do possível, a solucionar seus conflitos através da resolução
amigável de suas diferenças, o que se denomina autocomposição.
Nessa forma de solução, uma das partes, ou ambas, abre mão de
seu interesse, total ou parcialmente.
14 GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria geral do processo. 21. ed., São Paulo:Malheiros editores, 2004, p.22.
15 Ibid., p.23.16 BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Teoria geral do processo e
processo de conhecimento. 5.ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p.21.
9
Ocorre que, em momento posterior, foi-se percebendo que os
métodos de solução de conflitos até então usados não traziam,
por muitas vezes, a solução definitiva do embate de
interesses. Tornou-se necessário o intermédio de uma terceira
pessoa e o Estado, nesse momento já organizado, chama para si
o papel jursidicional, passando a ser o detentor do poder de
determinar o direito e sujeitar os particulares ao cumprimento
de suas decisões. É então que o Estado assume o encargo da
tutela jurisdicional.
Assim, dessa necessidade do homem de se organizar e pôr
fim aos seus conflitos, surge o Estado, possuindo dentre suas
funções básicas de Soberania a chamada função Jurisdicional,
exercida tipicamente pelo Poder Judiciário, consistente no
poder de compor os conflitos de interesses, com base no
direito objetivo criado pelo próprio Estado, resguardando a
ordem jurídica e a autoridade da lei17.
Como a jurisdição está intimamente vinculada à Soberania
estatal, um de seus princípios é o Princípio da Aderência ao
Território, que impõe limitação da aplicação jurisdicional
frente aos demais Estados, só podendo haver seu exercício nos
limites do próprio território daquele Estado.
Cumpre ressaltar que esse poder-função jurisdicional tem a
pacificação social como seu escopo mais importante, como
afirmam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo
17 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 24. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p.67.
10
Cintra e Candido Rangel Dinamarco18, sendo imperioso, portanto,
que qualquer lesão ou ameaça a direito, ainda que proveniente
de ambiente virtual, seja levada à apreciação do Estado, na
forma apontada pelo Princípio do Acesso à Justiça, que
solucionará definitivamente a questão através do exercício de
seu poder-dever jurisdicional.
Há, entretanto, uma questão importante que deve ser
respondida antes da efetiva solução dos conflitos nascidos em
ambiente virtual: se a jurisdição está vinculada à Soberania,
aos limites territoriais do próprio Estado, a quem compete o
exercício jurisdicional nas questões oriundas dos mundos
virtuais?
Como assevera o filósofo francês Pierre Lévy, há hoje um
movimento geral de virtualização, que atinge não somente a
informação e a comunicação, mas também os corpos, o
funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade
e o exercício da inteligência19. Diante desse movimento amplo,
que tem gerado relações jurídicas através do ambiente de
internet no mundo todo, têm-se discutido a quem compete
promover a solução dos conflitos e se a própria jurisdição
deve ser atingida pela virtualização.
Não se pode negar o fato de que o cenário virtual
transcende os limites territoriais, sendo um ambiente que não
18 GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Candido Rangel. op. cit., p. 26.
19 LÉVY, Pierre. O Que é o Virtual?. São Paulo: Editora 34, 2005, p.11.
11
está, por certo, sob o domínio de uma nação, por inúmeras
vezes surgindo lides entre pessoas de países diferentes.
Dessa forma, por exemplo, uma pessoa de nacionalidade
brasileira, acessando o Second Life por um computador na
Argentina, poderia realizar a compra de um bem virtual de um
vendedor que reside na França. Caso ocorra qualquer conflito
de interesses entre as partes nesse contrato virtual de compra
e venda, torna-se necessário saber perante qual jurisdição
deve o interessado exercer o Acesso à Justiça, se perante a
jurisdição brasileira, argentina, francesa, ou mesmo se o
próprio mundo virtual tem jurisdição para solucionar o
conflito.
Perante situações como essa, surgiram teorias para
discutir o chamado Direito Virtual, tentando apontar a quem
compete promover a solução dos conflitos20.
A primeira das correntes doutrinárias, chamada de Corrente
Liberária, tem como seu maior representante John Perry Barlow,
co-fundador da Eletronic Frontier Foundation, um grupo que reúne
profissionais de diversas áreas pela proteção da liberdade e
dos direitos digitais21. Essa teoria defende que a legislação
não pode simplesmente ser corrigida, reajustada ou expandida
para alcançar as situações de direito virtual. Seria
20 COUTO, Thiago Graça. O Direito Virtual. Panorama teórico e técnico doCyberlaw e análise prática das conseqüências jurídicas envolvendo omau uso das redes de compartilhamento peer-to-peer. 2007. 50 f.Monografia (Bacharelado em Direito) – Universidade Cândido Mendes,Ipanema, RJ 2007.
21 ABOUT EFF. http://www.eff.org/about. Acesso em 19 de outubro de 2008.
12
necessária, para essa teoria, a criação de uma nova
metodologia, um novo sistema, de acordo com o atual conjunto
de circunstâncias apresentado pelas relações do ambiente
virtual22. Para Barlow, seria, inclusive, completamente
inaplicável a legislação ordinária no mundo virtual23, que
deveria se auto-regulamentar.
Para essa primeira corrente doutrinária, os mundos
virtuais, como o Second Life, estariam fora do alcance da
jurisdição dos Estados, cabendo aos próprios integrantes do
ambiente virtual criar suas normas, identificar e punir os
responsáveis por qualquer problema oriundo das relações
virtuais. O ambiente estaria sob o auspício de um Contrato
Social novo e próprio da internet.
Essa teoria, ainda, manifesta que conceitos como o de
propriedade, na forma como até então foram observados, não se
aplicam à realidade das relações em um espaço virtual, que é
um mundo à parte, alheio e independente do direito
tradicional.
A segunda corrente é conhecida como Escola da Arquitetura
da Rede, defendida pelo professor Lawrence Lessing, professor
da Stanford Law School e fundador do Center for Internet and Society.
Segundo essa doutrina, os códigos-fonte (ou source codes,
22 BARLOW, John Perry. The Economy of Ideas. Wired Magazine. Disponívelem:<http://www.wired.com/wired/archive/2.03/economy.ideas.html>. Acesso em14 de outubro de 2010.
23 BARLOW, A Declaration of the Independence of Cyberspace. 1996. Disponível em<http://homes.eff.org/~barlow/Declaration-Final.html>. Acesso em 14de outubro de 2010.
13
conjuntos de palavras ou símbolos escritos de forma ordenada,
que contêm instruções e, quando compiladas, formam o próprio
software24) dos programas de computador devem regular as relações
envolvendo o ambiente virtual, da mesma forma como as leis
comumente fazem no mundo concreto. Assim afirma Lessing em
sua obra Code and other laws of cyberspace.25
De forma geral, o citado livro de Lessing tenta apontar o
fato de que a fisionomia da internet mudou, tendo se separado
definitivamente da fantasia liberária de um lugar sem reis,
presidentes ou votações, configurando-se gradativamente numa
arquitetura que possibilite o controle26. Essa teoria levanta
algumas características da natureza do ambiente virtual, como
a falta de territorialidade, a alta incidência de anonimato e
a descentralização da rede.
Para o professor Lessing, embora os próprios códigos-fonte
devam gerir as relações virtuais, a arquitetura da rede não
deve ficar a cargo dos entes privados. Há uma necessidade de
intervenção do Estado, para determinar a natureza tecnológica
do espaço virtual, já que somente determinando a programação
da rede é que o Estado poderia regular as relações no ambiente
virtual visando o bem social.
24 CÓDIGO FONTE, http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo-fonte. Acesso em 22de outubro de 2008.
25 CODE AND OTHER LAWS OF CYBERSPACE,http://en.wikipedia.org/wiki/Code_and_Other_Laws_of_Cyberspace. Acesso em 14 deoutubro de 2010.
26 NERY, Karina Scheila Alvez Rodrigues. Resumo: Code and other lawsof cyberspace. http://twiki.dcc.ufba.br/bin/view/PSL/ResumoCodeIsLaw. Acessoem 14 de outubro de 2010.
14
A terceira corrente é conhecida como Corrente do Direito
Internacional. Ela defende que o espaço virtual é um ambiente
internacional, já que os usuários podem facilmente se
relacionar com websites, empresas e pessoas estrangeiras.
Conforme explica a doutrina de Direito Internacional
Privado, existem situações multiconectadas, sobre as quais
incide uma pluralidade de sistemas jurídicos, o que acarreta o
conflito de leis27. Para apontar o sistema jurídico aplicável
à relação em questão, utilizam-se as chamadas Regras de
Conexão ou Normas Indiretas28.
Para a Corrente do Direito Internacional, a jurisdição
sobre o mundo virtual pertence, ainda, aos Estados, como nos
conflitos do mundo concreto, sendo necessária apenas a
aplicação das regras do direito internacional para verificar
qual a ordem jurídica competente para solucionar de forma
satisfatória o embate de interesses.
A quarta teoria, chamada de Corrente Tradicionalista,
defende que o mundo virtual não é uma realidade à parte, não
está além do alcance da jurisdição dos Estados. Enquanto as
doutrinas anteriores apontam uma inaplicabilidade do direito
tradicional às relações virtuais, a Corrente Tradicionalista
27 ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: Teoria e PráticaBrasileira. 3.ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 30-31.
28 Ibid. p.33-34.
15
mostra que os problemas de aplicação do direito sobre novas
tecnologias sempre existiram, mesmo fora do ambiente virtual.
Assim, a jurisdição sobre os mundos virtuais deveria ser
exercida pelos Estados individualmente, através da aplicação
das normas já existentes, num primeiro momento, e o
desenvolvimento de novas normas jurídicas por cada Estado,
como ensina Stuart Biegel, professor da Graduate School of Education
and Information Studies e da School of Law da Universidade da
Califórnia em Los Angeles.
Apesar dos diversos entendimentos divergentes acerca da
aplicabilidade jurisdicional sobre as questões oriundas do
ambiente virtual, alguns casos já foram levados diante da
jurisdição estatal, que se pronunciou sobre eles.
Um primeiro exemplo de conflito que teve repercussões na
esfera legal do Estado é o caso de uma japonesa de 43
(quarenta e três) anos que foi presa sob a acusação de
“assassinar” o ex-marido virtual, de 33 (trinta e três) anos,
em um jogo online chamado Maple Story29. Segundo um oficial da
policia de Sapporo, uma das maiores cidades do Japão, a mulher
teria entrado no jogo para excluir o avatar de seu parceiro
virtual, após o rompimento da relação. A polícia foi
comunicada pelo homem, quando descobriu que seu personagem no
jogo havia sido deletado.29 JAPONESA é presa por “assassinar” ex-marido virtual. Folha Online,São Paulo, 24 out. 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u459797.shtml>. Acesso em: 21 out. 2010.
16
O policial explicou, ainda, que a mulher não tinha
qualquer plano de vingança no mundo concreto. Mesmo tratando-
se de fato apenas objetivando o prejuízo virtual, a mulher foi
presa na vida real.
Outro fato ocorrido em ambiente virtual, também através de
mero jogo, teve lugar na Holanda. Dois adolescentes, um de 15
(quinze) e outro de 14 (quatorze) anos, forçaram outro menino,
de 13 (treze) anos, a transferir “um amuleto e uma máscara”
virtuais para suas contas no jogo Rune Scape. Os adolescentes
foram condenados por um tribunal da Holanda a 360 horas de
serviço comunitário, em decisão que considerou que os bens
virtuais se tratam de propriedade privada30.
Se as atitudes em ambientes de simples jogos online foram
levadas diante da jurisdição estatal, mais ainda se esperaria
que relações virtuais com expressão econômica real fossem
consideradas suficientemente importantes para serem julgadas
pelo Estado.
Nesse sentido, há o emblemático caso conhecido como Bragg
versus Linden Research, Civil Action nº 06-4925, da Corte da
Pensilvânia, Estados Unidos da América31, onde o autor, Marc
30 HOLANDA condena adolescentes por roubar item virtual em game.Folha Online, São Paulo, 24 out. 2008. Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u459605.shtml>. Acesso em: 21 out. 2010.
31 PARLOFF, Roger. Virtual worlds, real litigation. Fortune Magazine,1 jun 2007. Disponível em:<http://legalpad.blogs.fortune.cnn.com/2007/06/01/virtual-worlds-
17
Bragg, advogado e residente do Second Life, acusa a empresa
responsável pelo ambiente tridimensional de ter
arbitrariamente confiscado sua terra virtual e bloqueado o
acesso à sua conta do programa.
Segundo a empresa Linden Lab, o autor teria violado os
Termos de Uso do ambiente,
por ter se utilizado de um “exploit” (basicamente, um programa
para fraudar), através do qual ele teria comprado terras
virtuais a preços reduzidos.
A primeira questão enfrentada pelo juiz da causa, o Dr.
Eduardo C. Robreno, foi a aplicabilidade do direito do mundo
concreto a uma questão do cenário virtual, a possibilidade do
autor de utilizar seu direito de Acesso à Justiça, perante a
jurisdição estatal, devido a uma questão ocorrida no Second Life.
O juiz, de pronto, afirmou que, enquanto a propriedade e o
mundo em que ela se encontra são virtuais, a disputa é real,
mostrando que havia, sim, alcance da jurisdição norte-
americana sobre o caso.
Outro ponto interessante recai sobre os Termos de Uso (ou
Termo de Serviço), uma série de condições que delimitam as
regras de utilização e funcionamento do programa de
computador, com as quais o usuário deve concordar para ter
acesso ao ambiente virtual. No caso do Second Life, o Termo de
Serviço previa que as questões deveriam ser resolvidas por
arbitragem em São Francisco, Califórnia, EUA. Porém, o Juizreal-litigation/>. Acesso em: 21 out. 2010.
18
Robreno posicionou-se no sentido de que o Termo de Uso é
verdadeiro contrato de adesão e que tais cláusulas de
arbitragem são ilegais e abusivas32. Ademais, afirmou o
magistrado que o contrato não tem suficiente base legal para
permitir que a empresa se aproprie de bens ou investimentos
financeiros dos usuários do Second Life33, mais uma vez
reafirmando a aplicação dos conceitos do direito do mundo
concreto sobre o ambiente virtual.
Não se pode deixar de observar, ainda, a ação do governo
de Portugual, que, na intenção de solucionar os conflitos
dentro do Second Life, lançou, em 27 de julho de 2008, o e-Justice
Centre, um centro que disponibiliza serviços de mediação e
arbitragem aos avatares residentes desse mundo virtual. O local
foi desenvolvido pelo Ministério da Justiça de Portugal, em
colaboração com o Departamento de Comunicação e Arte da
Universidade de Aveiro, tendo seu funcionamento garantido pela
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa34.
O e-Justice Centre dispõe de um prédio virtual contendo toda a
infra-estrutura necessária ao seu funcionamento, com dois
auditórios para conferências e sessões de julgamento e
arbitragem.
32 Idem.33 CONFISCO RENDE PROCESSO E JUSTIÇA DOS EUA DECIDE CONTRA ROSEDALE E LINDENLAB. http://mundolinden.blogspot.com/2007/06/confisco-rende-processo-e-justia-dos.html.Acesso em 21 de outubro de 2010.
34 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA LANÇA CENTRO DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM NO SECONDLIFE. http://www.mj.gov.pt/sections/informacao-e-eventos/imprensa/historico/3-trimestre-de-2007/ministerio-da-justica/. Acesso em 21 de outuro de 2010.
19
Segundo notícia divulgada pelo jornal digital
Estadão.com.br35, cada avatar do Second Life envolvido na disputa
deve depositar uma caução em linden dollars aos cuidados do
mediador. No caso de não se chegar a acordo, o processo passa
à fase de arbitragem. Depois da decisão, se o avatar sucumbente
não cumprir a obrigação estabelecida, os montantes em dinheiro
virtual depositados em garantia são entregues à outra parte.
Para chegar à sentença, o e-Justice Centre segue as leis
do país de origem do usuário do avatar, chegando a aplicar as
regras de direito internacional, no caso de nacionalidades
diferentes. Logo, esse é mais um exemplo de aplicação das
regras do direito ordinário às relações nascidas no mundo
virtual.
No Brasil, também é possível observar decisões voltadas a
questões oriundas do ambiente virtual, como o julgamento do
Conflito de Competência nº 67343/GO, pela Terceira Seção do
Superior Tribunal de Justiça, que apontou que o dinheiro
circula em grande parte no chamado "mundo virtual" da
informática e, embora os valores recebidos e transferidos por
meio da manipulação de dados digitais não são tangíveis, não
deixam de ser dinheiro. Diz ainda a decisão que o bem, mesmo
que de forma virtual, circula como qualquer outra coisa, com
valor econômico evidente, acrescentando também que a
informação digital e o bem material correspondente estão35 SECOND Life tem tribunal exclusivo para causas virtuais. Estadão,São Paulo, 30 jul. 2007. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/tecnologia/not_tec27153,0.htm>. Acessoem: 22 out. 2001.
20
ligados de forma íntima e inseparável, a ponto de se
confundirem36.
Por essa decisão do Supremo Tribunal de Justiça, observa-
se que também na ordem jurídica pátria se considera o valor
material do bem virtual, sendo certo que as questões
envolvendo ambiente do Second Life ou outro mundo semelhante
poderiam igualmente ser levadas à apreciação da jurisdição
brasileira.
3. O DIREITO AO ESQUECIMENTO.
Analisando a situação de um ser humano que por
determinada fatalidade da vida, ou de qualquer outra
circunstância, foi condenado e que após cumprir sua pena,
entrando no processo de ressocialização, buscando retomar sua
vida familiar, produtiva no campo trabalhista, social, depara-
se com uma situação constrangedora à retomada da vida digna,
onde os fatos que geraram sua prisão estão em vias de serem
publicados na imprensa como registro de fatos criminais e que,
por conseguinte, terá sua imagem exposta e seu passado será
revivido e que tal fato ocasionará uma lesão ao seu processo
de ressocialização tendo em vista nova execração pública,
violando sua intimidade e extirpando o seu direito ao
esquecimento do fato pretérito.
36 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Penal. Conflito deCompetência nº 67343/GO. Relatora: Ministra Laurita Vaz. DistritoFederal, DF, 28 mar. 2007. Data da publicação: 11 dez. 2007.
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Quando o ser humano entende que uma nova veiculação do
fato delituoso pela imprensa escrita e televisada, onde
aparecem cenas do fato e visualização por foto do agente
delituoso, viola direito fundamental à dignidade da pessoa
humana e à inviolabilidade pessoal (inciso III do art. 1º c/c
inciso X do art. 5º da Carta Magna), colocando em risco a sua
ressocialização, e, em face disso, o agente é capaz de propor
judicialmente a proibição da transmissão do documentário ou
publicação do referido fato.
O direito à intimidade é de grande relevo psíquico e se
destina a resguardar a privacidade em seus múltiplos aspectos:
pessoais, familiares e negociais.
O agente do delito que cumpriu sua pena e busca se
reintegrar à sociedade tem o direito ao esquecimento do
passado delitivo por fazer parte da sua intimidade e da
dignidade da pessoa humana, que estabelece o direito à
ressocialização. Entretanto, em recente julgado da 6ª Turma do
STJ, apesar de posicionamentos divergentes, o resultado final
foi o indeferimento do Direito ao Esquecimento, pois vejamos:
“Sexta Turma: registros criminais nunca devem serapagados de arquivos da polícia.
A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça(STJ) negou o pedido de dois cidadãos de São Pauloque pretendiam ver excluídos os registrosreferentes ao inquérito policial e à ação penal emque foram acusados pelo crime de homicídioculposo. Sentença proferida em maio de 1998declarou extinta a punibilidade no caso. A Sexta
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Turma decidiu que, embora os requerentes tenhamdireito ao sigilo sobre tais informações, elasdevem permanecer arquivadas para sempre. O assunto ainda não tem entendimento pacífico noSTJ. Em julgamentos anteriores, houve decisõesfavoráveis e também contrárias à eliminação dosregistros. Para o desembargador convocado CelsoLimongi, relator do caso mais recente apreciadopela Sexta Turma, a preservação das informações énecessária ao trabalho da polícia.
“O acesso a dados policiais pode contribuir para oesclarecimento da autoria de crimes. Em outraspalavras, a polícia precisa de organização. E, aocancelar registros policiais, o Judiciário estarácontribuindo para a própria desorganização daatividade policial e prejudicando a própriasociedade, tornando menos eficaz o trabalhoinvestigatório da polícia”, afirmou o relator,cujo voto foi acompanhado de forma unânime pelaSexta Turma.
Os dois requerentes pediam que o inquérito e oprocesso fossem excluídos do banco de dados doInstituto de Identificação Ricardo GumbletonDaunt, cujos registros podem ser acessados pelasdelegacias policiais. Alegavam que poderiam serprejudicados em seu meio profissional, caso alguémconseguisse fazer uma pesquisa não oficialnaqueles dados. Segundo eles, como a punibilidadefoi declarada extinta, não haveria motivo para apreservação das informações.
Sigilo
O ministro Celso Limongi destacou que os órgãosencarregados de manter esses registros têm aobrigação de preservar o sigilo e que eventual usonão autorizado deve levar à punição dosfuncionários responsáveis. No entanto, disse queas informações são importantes em muitos casos,como no julgamento de ações penais, “em que évital a pesquisa sobre antecedentes criminais dosréus”.
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No ano passado, a Segunda Turma do STJ já haviadecidido um caso no mesmo sentido (RMS 28.838). Orelator, ministro Humberto Martins, afirmou em seuvoto que “devem ser mantidos nos registroscriminais sigilosos os dados relativos ainquéritos arquivados e a processos em que tenhaocorrido a absolvição do acusado por sentençapenal transitada em julgado, com o devido cuidadode preservar a intimidade do cidadão”.
Nesse caso, conforme observou durante o julgamentoo ministro Herman Benjamin, a juíza de primeirainstância confirmou que os atestados deantecedentes criminais para fins civis já vinhamsendo expedidos com a observação “nada consta”,embora houvesse registro de antecedentes emarquivos sigilosos de uso das autoridades.
Segundo o ministro Humberto Martins, a alegação deque certos agentes públicos poderiam permitir ovazamento de informações sigilosas não é motivopara a eliminação dessas informações. “Não deve ojulgador presumir a violação da norma pelosagentes do Estado, pois o sigilo dos dados emquestão tem a proteção de diversas leisadministrativas e penais.
Se, de fato, houve vazamento, deve ser facultada abusca pela correspondente sanção para a condutailegal, e não a exclusão dos dados sigilosos”,afirmou ele.
Posição contrária
O artigo 748 do Código de Processo Penal (CPP)afirma que “condenações anteriores não serãomencionadas na folha de antecedentes doreabilitado, nem em certidão extraída dos livrosdo juízo, salvo quando requisitadas por juizcriminal”. Em alguns recursos julgadosanteriormente, o STJ decidiu pela exclusão dosdados, aplicando o referido artigo, por analogia,também aos inquéritos policiais arquivados e aosprocessos em que seja reconhecida a extinção da
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punibilidade pela prescrição da pretensão punitivaou proclamada a absolvição do réu.
O último julgamento nessa linha ocorreu em 2008,na Quinta Turma, e teve como relatora a ministraLaurita Vaz (RMS n. 25.096). A decisão, favorávela um requerente de São Paulo, determinou quefossem excluídos dos terminais do Instituto deIdentificação Ricardo Gumbleton Daunt, daSecretaria de Segurança daquele estado, os dadosrelativos a um inquérito e a um processo penal.
Também na Quinta Turma, em 2005, foi julgadorecurso em mandado de segurança (RMS 19.501) noqual o impetrante pretendia a exclusão de dadosdos registros do Cartório do Distribuidor emCampinas (SP). A mesma pessoa já havia obtido noSTJ decisão favorável à exclusão de dados doinstituto de identificação paulista (RMS 16..202).Nos dois recursos, o relator foi o ministro FelixFischer.
Ao analisar o segundo pedido, o relator afirmouque a exclusão de dados dos arquivosinformatizados do Poder Judiciário não tem orespaldo do artigo 748 do Código de ProcessoPenal, o qual permite que certidões sobrecondenações anteriores sejam extraídas medianterequisição do juiz. Por isso, a pretensão dorecorrente em relação aos arquivos do Judiciáriofoi negada, mas ficou mantida a decisão quanto aoinstituto de identificação.
Da mesma forma, em 1995, a Segunda Turma já haviadecidido (RMS 5.452): “O livre acesso aosterminais do instituto de identificação feredireito daqueles protegidos pelo manto dareabilitação. Impõe-se, assim, a exclusão dasanotações do instituto, mantendo-se tão somentenos arquivos do Poder Judiciário.” O relator foi oministro Hélio Mosimann”.
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Longe de estar terminado, este debate é muito relevante
porque tem alguns traços que o transportam para o domínio do
confronto de gerações, outros que o colocam na porosa área do
público/privado e outros ainda que sinalizam a crescente
importância da internet na nossa vida quotidiana (e não numa
qualquer existência alternativa). É um debate que ainda falta
muito para ser pacificado, tendo em vista que, o deferimento
nas ações ou a criação de lei que disponha sobre o Direito ao
Esquecimento, podem levar a sociedade a um retrocesso ferindo
os princípios que norteiam um Estado Democrático de Direito e
o maior de todos os valores necessários a uma sociedade
organizada, a Liberdade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Resguardar o ser humano de situações vexatórias que
humilham, degradam, desindividualizam e impedem o
desenvolvimento da personalidade, afrontando, por conseguinte,
a dignidade humana é dever de todos os poderes constituídos,
entretanto, amparar o Direito ao Esquecimento, apenas porque
um ato tido como negativo deve ser esquecido é legalizar o
revisionismo histórico. Permitindo assim, que apenas fatos e
atos positivos sejam noticiados e armazenados no mundo
virtual. Criando efetivamente a sociedade dos avatares, indo
contra aos julgados ocorridos em circunstâncias originadas
pelo Second Life.
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O direito ao esquecimento encontra amparo no art. 748 do
CPP a partir do momento em que “a condenação ou condenações
anteriores não serão mencionadas na folha de antecedentes do
reabilitado, nem em certidão extraída dos livros do juízo,
salvo quando requisitadas por juiz criminal”. As informações,
após a reabilitação, deixam de ser mencionados uma vez que a
sanção foi cumprida, fazendo valer a previsão disposta no
Direito positivado, contudo, admitir que tais informações
sejam apagadas é fazer do mundo real um mundo virtual, pois a
liberdade da pessoa estará comprometida e a sociedade
direcionada a ilusão. Transformando o ambiente real em
ambiente virtual.
A dignidade da pessoa humana está calcada em princípios
morais e éticos, fundado nos direitos e garantias fundamentais
recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que sem
sombra de dúvidas, trouxe significativas mudanças para o
sistema jurídico brasileiro e em especial para a pessoa. Não
podendo ser permitido que Direito ao Esquecimento seja por
normatização jurídica, um instrumento, para apagar da história
e da memória das pessoas os fatos e atos negativos, sob o
manto da preservação da dignidade da pessoa humana.
Certamente, muito ainda tem que ser pensado, ponderado e
discutido a respeito, entretanto, apagar fatos negativos para
que eles sejam esquecidos, é transformar as pessoas em meros
avatares, permitindo que seja também esquecida a tão sonhada e
conquistada liberdade, alicerce do Estado Democrático de
Direito.
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