apuntes de historia de roma, manual de giovanni ricci, en lengua portuguesa
TRANSCRIPT
Giovanni Brizzi
Le Guerrier de l’Antiquité Classique
De l´hoplite au légionaire
(trad. francesa, de Yann Le Bohec, Éditions du Rocher, 2004)
Prefácio (Yann Le Bohec) (pp. 9-11)
a táctica : setor importantíssimo, mas hoje muito desvalorizado
da história militar
os primeiros Gregos : entre o combate estático e o estratagema
a relação entre a sarissa e a economia
Aníbal e a influência da escola grega que o precedeu
como surgiram os manípulos e as coortes (influência do terreno
nas Guerras Samnitas)
a cavalaria couraçada e os arqueiros montados dos Partos > não
chegaram para os Romanos!
- os Judeus é que criaram graves problemas a Trajano!
a modernidade da história militar
Introdução (pp. 13-14)
o fil rouge ligando: guerreiro primitivo > hoplita > legionário
o soldado de infantaria-cidadão e a polis, com os seus valores
muito próprios
- uma evolução, desde o munus de Sérvio Túlio, até à tretarquia
imperial
1
Capítulo I - A GRÉCIA
1. O guerreiro das origens (pp. 15- 21)
os Gregos e a luta aberta e leal
o lugar da astúcia e do estratagema , entre os Gregos:
- metis (prudência hábil, astúcia) # arete ou andreia (coragem
viril)
- Lisandro (general espartano, c. 435-395 a. C.): “quando não se
consegue vestir a pele do leão, então devemos cobrir-nos com a
pele da raposa”…
- melhor é vencer pelo ardil do que pelo ferro
- algum escrúpulo perante o uso do engodo na guerra
- mas Esparta acabou com os escrúpulos relativamente aos ardis
- Aqueus preferiam a astúcia de Ulisses à bravura de Ajax
- Atena = um símbolo da metis
a natureza dual do guerreiro grego primitivo:
astúcia (Ulisses, Atena)…
… e ardor ou fúria guerreira (cf. duelos) ou “lussa”
revisão do lugar de Aquiles
- talvez não um símbolo da força bruta
- grande e poderoso herói, mas um pouco à margem
2
o lugar de Diomedes: a força e a bravura, que combinam
lindamente com a astúcia de Ulisses, o seu grande companheiro
2. A idade do hoplita (pp. 21-27)
aliança entre coragem e astúcia = a síntese da excelência na
guerra (Diomedes + Ulisses)
- com o tempo, a astúcia vai levar vantagem; a guerra
racionaliza-se, deixa de ser só entre nobres, entre campeões
a polis e a afirmação do coletivo
a guerra entre grupos de proprietários abastados
↓
nascem os hoplitas e a falange (a partir do séc. VII a. C, o
mais tardar)
a inovação decisiva não foi o hoplon, mas sim o sistema duplo, de
braçadeira + pega!
↓
escudo também protege o guerreiro da esquerda: não se pode
fugir!
hoplon = símbolo da coesão da falange
equipamento do hoplita: lança, sim; espada, só excecionalmente!
ordem de batalha hoplita (8 filas)
lança fixa (e não de arremesso)
- como golpear com a lança hoplita > golpe de ponta,
normalmente, seja por cima do ombro, seja junto à orla do escudo
3
(em frente e a direito, ou de baixo para cima, visando o peito
ou a virilha do inimigo que o enfrenta diretamente).
disciplina, ordem e espírito de corpo dos hoplitas
- taxis (uma atitude mental, de onde provém o termo “tática”) e
eutaxia (que serve para definir a disciplina).
do furor (lussa) do guerreiro arcaico ao autodomínio (sophrosune)
do hoplita
os rituais que sobreviveram do passado:
→ a escolha do terreno por comum acordo
→ vitória é indicada pelo controlo do terreno (e não pelo
número de baixas): cf. troféus no local
→ não perseguir um adversário derrotado (poucas baixas,
horror do massacre)
↓
o combate entre falanges tem qualquer coisa de torneio
com os hoplitas surge uma nova ética guerreira, que avalia menos
os feitos individuais e valoriza mais a disciplina e o espírito
de sacrifício pelo coletivo
- Espartanos preferem a coragem de Possidónio (que manteve
disciplinadamente o seu lugar nas fileiras, mais preocupado com
o bem coletivo do que com a sua glória pessoal) a Aristodemo,
que em Plateias-479 se lançou temerariamente para fora das suas
linhas.
4
3. A evolução dos dispositivos militares gregos: da falange hoplita à
falange macedónica. O nascimento dos peltastas (pp. 27- 36)
o choque de frente entre as falanges = o othismos
o papel da flauta
tipo mêlée do rugby!
força da falange = coesão
envolvimento lateral, nunca : só por instinto (rotação para a
direita), ou em caso de desmoronamento do adversário
↓
típico de lutas pontuais entre cidades isoladas, ou da
resistência contra os bárbaros/persas
- i.é, antes da Guerra do Peloponeso, 431-404 a.C.
a evolução subsequente da falange no mundo mediterrânico, onde
se impôs com naturalidade, pelo menos no mundo ‘civilizado’
(lógico: contacto com a cultura grega!)
transformação na própria Grécia, desde o séc. IV a.C.:
→ impedir o deslizar para a direita (que obrigava a colocar
aí os melhores homens e fazia correr-se o risco de fazer
girar tanto o sistema sobre si próprio que a batalha podia
não chegar ao fim)
- o dispositivo tático de Epaminondas em Leuctras 371 a.C.
(v. esquema na p. 29). Como Epaminondas resolveu,
genialmente, o problema em Leuctras-371, contra Cleombroto
de Esparta: escalonamento oblíquo, com a direita mais fraca
5
e mais longe do adversário; atacar com os melhores
(colocados `esquerda) a cabeça da serpente inimiga: a
direita espartana; fileira de 50 homens na ponta esquerda,
reforçados pela cavalaria beócia (superior à espartana) e
pelo Batalhão Sagrado de 300 tebanos de elite > grande
sucesso … e viragem na arte militar hoplita
→ para formações mais maciças = armas mais compridas > o
pique longo e de duas mãos
- mais eficácia das primeiras linhas e mais pressão
→ proteções individuais mais leves, p. ex., um escudo mais
pequeno (aparecimento do escudo beócio neste contexto ??)
↓
Epaminondas talvez não tenha inventado tudo isto, mas conjugou
todas as valências e, com isso, antecipou as reformas
macedónicas!
termo “falange” = remonta a Homero e define a nova e genial
criação de Filipe II da Macedónia
o dilema de Filipe II : tinha uma cavalaria capaz, mas escassa,
de hetairoi (= companheiros) e uma infantaria rude e pobre (e sem o
“ethos” hoplita)
- falangistas macedónios: só casco, grevas, escudo pequeno ao
pescoço + sarissa
6
- pouca capacidade para o corpo a corpo: espada curta e pique
demasiado longo para o combate a curta distância atrapalhava!
- valia a coesão!
solução de Filipe : falange mais densa e mais profunda
sarissa de 5,3 a 7 metros para os pezhetairoi; pique longo (=
sarissa) = ataca e defende! do meio para trás: levantado ao alto
(travava os projéteis adversários); as cinco primeiras filas =
dispositivo escalonado, tipo ouriço; uma frente inacessível:
sebe de pontas de sarissa!
↓
otimizar (não propriamente inventar) a falange e tornar os
pezhetairoi em especialistas
compreender o potencial da manobra de envolvimento
falange = apenas a bigorna, o monobloco granítico que
imobilizava o centro adversário; o martelo = a cavalaria (pesada
e ligeira) de elite, que decidia o combate
o papel dos hypaspistai , entre a infantaria e a cavalaria: proteger
os flancos da falange; equipamento mais maleável (escudo grande
e lança tradicional dos hoplitas)
Estados mais pequenos = tirar partido do terreno (ex: montanha)
para atrapalhar a falange
resposta : recurso aos peltastas, com escudo pequeno em forma de
croissant
- (c. 390-370) ver Ipícrates de Atenas, que aligeirara o
equipamento hoplita
↓
7
aproveitar a ideia e defender a falange com tropas mais ligeira
e ágeis
↓
Filipe e Alexandre tornam a falange invencível em terreno plano
a importância da vitoria de Queroneia 338 a.C. (hegemonia da
Macedónia sobre a Grécia)
as grandes vitórias de Alexandre sobre os Persas (já muitas
vezes batidos pelos Gregos …)
- a genial “falange dupla” em Gaugamela, contra um possível
flanqueamento da cavalaria persa!
Capítulo II – Roma: as origens
1. Do exército de Sérvio à legião manipular (pp. 43-51)
o dilema (até hoje) de escolher entre o heroísmo e a disciplina
o triunfo do heroísmo, especialmente entre os bárbaros da Europa
do N e W
- mesmo Roma o recordava!
- o fascínio do valor individual, e o prestígio dos “despojos
ótimos” → os resultantes dos duelos, em que um chefe matava um
comandante inimigo; eram dedicados a Júpiter.
a influência do modelo militar grego sobre Roma e Cartago e a
progressiva adoção da falange também nestas polis
- Roma e a disciplina: cf. Vegécio
8
quando é que Roma adotou a falange? Talvez com a monarquia
etrusca (Lúcio Tarquínio, 5º rei de Roma, m. 579 a.C.)
foram os Etruscos a trazer o modelo grego para o Tirreno e para
Roma
a legião romana deriva da falange hoplita
- mas transformou-a e redirecionou a manobra envolvente
as grandes reformas do 6º rei, o etrusco Sérvio Túlio (m. 535 a.
C.):
→ pequenos proprietários devem defender a república
proporcionalmente à sua riqueza
→ (cidadãos) as 5 classes censitárias e a sua subdivisão em
centúrias
→ o recrutamento (legere → legio) com base nessa
estratificação
→ dentro de cada classe: seniores são a reserva, iuniores são
os ativos
1ª classe (80 centúrias) e cavaleiros (18 centúrias) = 98 das
193 centúrias (50,8%) > controlam o voto, apesar de minoritários
no seio da população… Mas também são quem mais contribui para o
exército (cada centúria fornece uma percentagem de soldados)
↓
diferenças de censo (= fortuna) repercutem também no armamento e
na tática: cf. armas de cada uma das 5 classes: 1.ª = casco,
escudo redondo, grevas, couraça, espada e lança; 2.ª = a mesma
coisa, mas o escudo era oblongo (o que tornava desnecessária a
9
couraça); 3.ª = como a anterior, mas sem grevas; 4.ª = apenas
lanças e dardos; 5.ª = somente fundas e pedras.
- proletários (capite censi ou infra classem): são muitos, mas estão
dispensados do serviço militar!
oficiais : recrutados entre os cavaleiros (os mais ricos e uma
classe à parte)
1ª classe : tipo hoplitas; mas a 2ª e a 3ª também têm armamento
para formações cerradas, tipo falange grega
arma base = lança
↓
influência hoplita muito forte , perdurou até às Guerras Púnicas
(ex: a ação dos triarii)
a variante principal na República antiga: a legião manipular,
uma adaptação imposta pelas Guerras Samnitas (343-290 a. C.),
por causa do terreno montanhoso (ver Forcas Caudinas)
- revalorizou a capacidade individual!
Políbio e o escalonamento dos:
- velites (1.200, mais novos e mais pobres)
- hastati (1.200, a seguir aos mais novos)
- principes (1.200, em pleno vigor)
- triarii (600, os mais maduros)
mais 300 cavaleiros
10
se fossem mais de 4.000 homens = repartição proporcional do
excedente (mas os triarii eram sempre 600)
armamento dos velites (espada, dardos leves, escudo ligeiro e
redondo, casco simples com pele de lobo)
armamento dos hastati , muito completo: scutum retangular(??) com
umbo, gládio, dois pila, casco de bronze, grevas, penacho que
duplica a estatura, peitoral ou loriga.
armamento de principes e triarii = igual (mas triarii têm lança longa, em
vez de pilum)
papel tático dos velites : batedores, forragens, vanguarda [na
marcha?]; escaramuças iniciais
hastati e principe s = escudo oblongo em vez do escudo redondo
hoplita; pila em vez de lança de choque comprida; preferência pelo
gládio como arma principal após o arremesso dos dardos, na fase
do contacto
↓
não se trata do choque de formações cerradas, mas de combates
individuais, corpo a corpo, muito duros, com espada [curta],
para os hastati e os principes
o triplex acies, com 10 manípulos por linha
o “quincunx”
a largura do manípulo = equivalente ao espaço existente entre
eles
hastati e principes = função ofensiva (podem revezar-se, apoiar-se
mutuamente e preencher os vazios abertos nas 1ª filas)
11
↓
enquanto Gregos e Macedónios escolheram a ação colectiva, os
Romanos revalorizaram o combate individual, com a reforma
manipular
mas isso só para os hastati e príncipes ! Quando estes falhavam,
entravam em cena os triarii (apenas em momentos críticos)
triarii promoviam abrigo aos sobreviventes das 1ª linhas e, depois,
cerravam fileiras defensivamente > são eles que asseguram a
sobrevivência da falange no seio da legião!
exército consular = 2 legiões + outro tanto de forças auxiliares
(que têm 3 cavaleiros por cada 2 Romanos)
total por cada cônsul = 16.800 infantaria , 1.500 cavaleiros
1 legião = 4.200 inf (1.200+1.200+1.200+600) e 300
cavaleiros
2 legiões = 8.400 inf e 600 cavaleiros
1 ala auxiliar = 4.200 inf e 450 cavaleiros
2 alas auxiliares = 8.400 inf e 900 cavaleiros
cada cônsul = 2 legiões e 2 aulas auxiliares = 16.800 inf e
1.500 cavaleiros
2. Fides e estratagemas (pp. 52-62)
Romanos desprezaram durante muito tempo o estratagema !
12
- triunfos romanos: um boi para os que venciam em batalha, com
muito sangue; uma ovelha para os que venciam sem combater. Tudo
ao contrário de Esparta. Mas Plutarco distorceu um pouco
ao contrário dos Gregos, os Romanos repudiavam a “ metis ” , oposta
à “fides” romana
a “fides” romana
- divinização de Fides com Numa Pompílio, rei mítico do séc. VI
a.C.
- deusa Fides = honra, obrigação, etc.
a “fides” aplicada à guerra … e ao chefe militar; cf. declaração
de guerra e rendição dos vencidos
contra um inimigo justo, a guerra não podia ser ardilosa e
traiçoeira!
As acusações de Papírio Carbão a Sula: alma dupla > leão e
raposa!
Cícero : o embuste ainda é pior do que o ódio…fazer a guerra como
os salteadores? Não,
antes lutar face a face, sem armadilhas …
mas não faltaram as violações a tais regras, claro!
fides - ritos - guerra justa
em latim, não há correspondente direto para o termo grego
strategema!
fides = alicerce da sociedade italiana primitiva (antes das
cidades, leis, tratados)
fides = código de honra entre dois homens nobres
depois : base do direito primitivo entre os povos
13
o respeito por certas regras de civilidade na guerra romana
lembra um pouco a ética cavaleiresca medieval; mas nem tudo e
todos aceitavam isto (tal como na Idade Média, aliás!)
o laço de fides aplicou-se primeiro aos povos e comunidades mais
próximas, tirrenaicas (Latinos, Etruscos, Campanianos)
depois, alargou-se (Samnitas, etc.) e às comunidades
reconhecidas por Roma
desrespeito da fides tornava a guerra justa em latrocinium
- e aí já havia lugar ao ardil à entorse da fides
- por ex. contra os Celtas, as comunidades em democracia,
etc.
mas isto só em casos excecionais e repugnantes, muito
pontualmente
uma interpretação positiva do conceito de “estratagema” só surge
a partir dos finais do séc. III a.C.
havia muito mais travão ético, em Roma, à guerra de ardil do que
no mundo grego; pelo menos na 1ª República romana.
3.A legião à prova. Dos Samnitas a Pirro (pp. 62-70)
o problema dos Romanos ao enfrentar os povos dos Apeninos, em
especial os Samnitas dos maciços do Molise
- a montanha como um sistema defensivo particularmente bom
para a guerrilha
- viver nos planaltos, apesar da logística difícil
14
o habitat disperso dos Samnitas (que só se urbanizaram no séc. I
a. C., com a Guerra Social e com Sula; nada de polis, nem de
muralhas)
entre as suas guerras com Roma (290 a. C.) e Aníbal, os Samnitas
ergueram fortificações originais, que pertenciam a todos:
- vários círculos desenhados, com obstáculos diversos a
barrar os acessos
- postos de observação e de comunicação
- redes de caminhos de cabras
-pequenas fortificações e pontes móveis a cavaleiro dos
pontos de passagem obrigatórios
↓
valia pelo conjunto do sistema e pela capacidade de apoio mútuo
entre as várias parcelas isoladas
encadeamento de oppida nos pontos altos
- muralhas concêntricas e maciças, para abrigo pontual de
homens e gado
papel dos postos de observação
sistema de defesa encadeada lembra o séc. XIX
sistema dava muitas chances de fuga aos defensores, e obrigava
os Romanos a dispersar forças (que podiam ser aniquiladas uma a
uma)
armamento ligeiro (apesar do kardiophylax: placa de metal em forma
de disco triplo, para proteção do peito), sobretudo à base de
dardos / lanças curtas
batalhas campais = raríssimas!
15
Romanos tinham que perseguir, avançar e recuar, repetir cercos
aos mesmos locais, recorrer a estratagemas e retiradas, etc.
Romanos venceram , mas o problema subsistiu, apesar das colónias
e do corte de caminhos interiores ou de ligação com os Etruscos,
os Gauleses e os outros povos dos Apeninos
↓
resistência Samnita sempre latente : apoios a Pirro e a Aníbal,
Guerra Social, guerra de Mário contra Sula, …
↓
legião romana teve de adaptar a sua estrutura de tipo hoplítico ,
demasiado rígida: a unidade manipular adaptava-se bem às novas
necessidades …
mas, contra a falange de tipo macedónico de Pirro, com quem se
confrontaria alguns anos mais tarde, ainda não chegava > os
Romanos tinham dificuldade em atacar e em reagir à manobra
envolvente helenística; limitavam-se a repetir mecanicamente as
cargas corajosas, que se espetavam na floresta de piques longos;
e Pirro, além de boa cavalaria, ainda trouxe da Índia os
primeiros elefantes para Itália…
↓
derrotas romanas em Heracleia /Rio Siris, 280 a. C. (7 mil
baixas) e Ásculo, 279 a. C. (6 mil). Mas Pirro perdeu 4 mil +
3.500 homens, e dos melhores!
- a luta desigual entre o gládio e a sarissa: cf. Plutarco
16
- a terrível ameaça dos pila às forças epirotas. Por isso,
Pirro intercalou arqueiros e dardeiros italianos entre os
elefantes e entre a falange
- os exércitos helenísticos nunca tinham combatido uma
infantaria pesada com armas de arremesso
- Pirro queria criar um espaço livre para proteger a
falange dos mísseis
Batalha de Malvento / Benevento, em 275 a. C.: Pirro retirou-se
antes dos dois cônsules (Mânio Cúrio Dentato e Lúcio Cornélio
Lêntulo) juntarem forças (já não tinha homens para tanto e não
conseguira destruir o exército do cônsul Dentato).
Pirro perdeu muita gente nestas batalhas e também na Sicília,
especialmente no combate naval no estreito de Messina [276 a.
C.?], no regresso (muitos eram falangistas insubstituíveis!)
↓
fracasso de Pirro foi estratégico (esgotamento de recursos
humanos, especialmente infantaria de linha). Em Malvento, o
exército de Pirro já nem era bem uma falange macedónica; estava
cheio de italianos pouco empenhados …
Nota na Bibliografia (p. 72), a propósito de um artigo de
Brizzi-1990: a substituição da lança de choque ( hasta ) pelo dardo
( pilum ) : marca a transição da falange romana para o exército
manipular!
17
Capítulo III – Cartago e Roma
1. Antes da guerra (pp.79- 83)
a marinha de guerra = jóia da Coroa do exército cartaginês,
desde o séc. V
- construção rápida de quadriremes e quinqueremes
- tática naval inovadora
↓
evidente superioridade naval púnica no Mediterrâneo W durante
séculos!
em terra : muito mais fracos! Poucas fontes. Muito tempo presos à
sua matriz oriental (cf. quadrigas falcadas). Cartagineses =
pouco corajosos e/ou pouco interessados na guerra!
quando renovaram a máquina militar (batalha de Crimisos, 339 a.
C.) fizeram-no imitando o modelo grego (infantaria pesada,
“batalhão sagrado”), mas sem garra, nem interesse emocional na
guerra
em Cartago: não havia o mesmo elo entre direito político e
deveres militares que em Roma ou na Grécia
Cartagineses eram navegadores, mercadores, homens de negócio!
Queriam evitar a destruição e perdas materiais e humanas. Faziam
facilmente a paz, mesmo como derrotados, para poupar as cidades
e os cidadãos
imperialismo cartaginês, sim, mas mercantil, essencialmente!
18
no início : exército de cidadãos orgulhosos (um anel por cada
campanha militar) … Depois: recurso cada vez maior a súbditos,
aliados e mercenários, organizando-os em unidades autónomas.
↓
todos profissionais e com salário regular
- mercenários: contrato até ao fim da guerra, com indicação
de salário e cláusulas indemnizatórias
aos poucos: só mercenários , o que tornou o exército púnico muito
heterogéneo, com gente de todo o lado; mesmo os oficiais
subalternos eram mercenários e viviam com as tropas
cidadãos só eram chamados em caso de necessidade de defesa do
território africano
- desde o séc. III a.C.: só os oficiais superiores e os
comandantes eram cartagineses, sendo recrutados na
aristocracia
poucos queriam ser comandantes : eram muito escrutinados (risco
de tentações autoritárias) e podiam ser severamente punidos!
[tudo isto nos primeiros séculos, especialmente durante as guerras
contra os Gregos pelo controlo da Sicília]
2. As reformas dos Bárcidas: a primeira fase (pp.83-91)
a grande metamorfose desde meados do séc. III (fim da 1ª Guerra
Púnica)
- influência da progressiva helenização de Cartago, e dos
Bárcidas, neste processo
19
- influência possível dos efeitos da “Guerra Mercenária” de
241-238 a. C.
a proposta de Amílcar para passarem a ser as tropas a escolherem
os comandantes
↓
grande mudança, que libertou o “génio do militar púnico” e que,
repercutindo sobre Roma, revolucionou a arte da guerra no
Ocidente
o papel de Xantipo na 1ª Guerra Púnica: ensinou a manobra
envolvente macedónica e, na batalha de Tunes (contra Régulo,
255) mostrou como se venciam as legiões através da ciência da
guerra
os protagonistas da viragem da arte militar: Amílcar e Aníbal
(também pai e filho, como Filipe e Alexandre), dois dos maiores
generais de sempre!
o fil rouge que liga Xantipo, Amílcar e Aníbal
- Amílcar não comandou em Tunes, mas pode lá ter estado
como oficial; e tornou Xantipo no seu modelo pessoal,
assumiu-se como seu continuador
- Amílcar deve ter lido todos os clássicos militares da
época, incluindo Calístenes e Pirro
- Amílcar contratou Sósilo de Esparta par educar Aníbal na
Península Ibérica (Vegécio recordou o facto)
- Sósilo assegurou uma certa continuidade entre Xantipo e
Aníbal, que formou desde criança
20
informações sobre a atividade militar de Xantipo: só batalha de
Tunes
informações sobre Amílcar = muitas: Sicília, África, Hispânia
- Amílcar na “Guerra dos Mercenários”: batalha de Bagradas,
bloqueio de Prione, vitória final sobre Matho
a batalha de Tunes - 255 a.C.
→ Romanos: écran de velites; infantaria pesada ao centro,
cavalaria nas alas; manípulos mais profundos por causa dos
elefantes
→ Xantipo: falange de cidadãos no centro, elefantes na
frente, mercenários e cavaleiros (muitos!) nas alas
1) ataque dos elefantes e da cavalaria púnica
2) legiões avançam com sucesso, mas talvez mais sobre o
flanco esquerdo (para evitar os elefantes?)
3) ala esquerda romana repele e persegue os mercenários
cartagineses até ao acampamento
4) cavalaria púnica desbarata cavalaria romana
5) elefantes desbaratam velites e atacam centro romano, que
resiste mas cede
6) fugitivos romanos são liquidados pela falange púnica
(intacta)
7) restantes romanos são esmagados entre os elefantes e os
cavaleiros púnicos (de regresso ao campo de batalha,
tinham atacado nos flancos e por trás)
21
batalha de Bagradas, 240 a.C .: grande manobra de Amílcar com o
exército em marcha, contra dois corpos não unidos de rebeldes,
vindo de pontos distintos (ver esquema na p. 88; também tenho
descrição wikipédia – Manual de História da Roma Antiga, artigo
JGM)
- Amílcar fez recuar os contingentes avançados da coluna de
marcha: elefantes, cavalaria, infantaria ligeira;
- depois avançou e rodou a infantaria; desenhando uma
frente alargada, com infantaria ao centro, ladeada em cada
flanco por tropas ligeiras, cavalaria e elefantes;
- com isso venceu os dois corpos adversários (só
infantaria??), um de cada vez, apesar da grande
superioridade numérica destes. (Amílcar não tinha mais de
10 mil homens)
Sicília : aqui Amílcar mostrou o seu grande talento de
guerrilheiro, uma espécie de “Garibaldi púnico”!
Cornélio Nepos considerou Amílcar um dos maiores generais
estrangeiros ... e Políbio disse que ele foi o melhor da 1ª
Guerra Púnica
- no final os Romanos, reconhecendo não o terem vencido,
permitiram-lhe conservar as armas e os desertores > uma
honra jamais concedida e irrepetível!
Xantipo usava os elefantes à frente, e Amílcar no flanco, mas a
ideia é a mesma: proteger o elo mais fraco do exército (i.é,
22
enfraquecer a carga da cavalaria adversária, ou secundar uma
carga da nossa cavalaria)
↓
O elo fraco de Xantipo: talvez a sua infantaria pesada (ainda
tipo hoplita)
em Bagradas, Amílcar deve ter estreado as unidades de
falangistas armados à macedónica
Aníbal não seguiu este modelo, mas ficou a saber como se fazia
uma manobra evolvente (recuar o centro para o furtar à pressão
adversária e, simultaneamente avançar as alas)
└ Bagradas lembra Canas: graça de dançarino ou toureiro!
- Bagradas também lembra algumas coisas de Zama: recuo das
primeiras linhas, para alongar a frente
- e evoca também a intenção de atacar um inimigo antes de
este organizar as suas linhas
3.As reformas dos Bárcidas: Aníbal (pp. 92-101)
continuidade entre Xantipo (o introdutor das técnicas militares
helenísticas em Cartago), Amílcar (o consolidador e renovador) e
Aníbal (o aperfeiçoador genial)
Aníbal = o soldado perfeito, simultaneamente leão e raposa
tão raposa que todos os Cartagineses ficaram com fama de
aldrabões…
Aníbal separou a ética da política e da guerra, negando a fides
(tão cara aos Romanos)
23
- Aníbal teve uma educação grega e um mestre espartano:
Sósilo!
- Aníbal incarnou, pois, a metis: astúcia, expediente,
estratagema ...
A anedota do encontro entre Cipião e Aníbal em Éfeso – 191 a.C.:
quem foi o melhor general? Aníbal escolhe Alexandre, Pirro
(fortificação dos acampamentos + estima geral) e ele próprio
E se tivesse vencido em Zama? Seria o maior de todos!
- uma forma de Aníbal elogiar Cipião?
Mas Aníbal foi superior a Pirro e, pelo menos na tática, tão bom
quanto Alexandre. Foi o melhor representante da tradição militar
helenística
Estratégia de Aníbal : atacar o coração do Estado adversário e
fustigá-lo com uma série de vitórias em batalha campal, tipo
blitzkrieg
A tática : manobra envolvente original e revolucionária
- Aníbal não cabe numa “escola”
uma manobra tática deve estar bem adaptada às tropas de que se
dispõe (e não o contrário...); e, de início, Aníbal só tinha
tropas meio bárbaras (não podia recrutar em Itália, nem recorrer
ao mundo grego)
Ora, a tática hoplita e macedónica (falange) exigia muito
treino, disciplina e hábito de manejo de armas muito longas!
Númidas e Celtas tinham excelente cavalaria, mas a sua
infantaria preferia a espada e o corpo a corpo ... e encaravam a
batalha como uma série de duelos individuais
24
Mesmo os Líbios (o nervo dos exércitos púnicos), que costumavam
ser armados e utilizados “à grega”, não gostavam de lutar em
formação cerrada
↓
Aníbal teve de renovar o modelo de Amílcar e tirar bom partido
do que tinha ao dispor
Aníbal deu a quase todos a espada como arma ofensiva (só algumas
unidades líbias conservaram a lança: boa contra os triarii)
- após Trasimeno e Canas, até trocaram as suas espadas
pelas dos Romanos!
exército de Aníbal : menos compacto do que os helenísticos, mas
mais maleável
- divisão interna em speirai, talvez comparáveis aos
manípulos romanos e organizadas por origem étnica
└ boa capacidade de manobra e menor dependência do terreno
└ bom aproveitamento da “ferocidade natural” dos guerreiros
bárbaros
Mas ... como concretizar a manobra de envolvimento à maneira de
Filipe e Alexandre, sem o bloco maciço da falange (a que Aníbal
renunciou)?
A pista de Amílcar : recuar o centro durante o combate (sem o
desagregar!) e avançar as alas de cavalaria, que completavam o
envolvimento!
- com uma falange, seria impossível fazer isto
25
Canas – 216 a. C.
Paulo e Varrão, com c. 80 mil homens na planície do
Ofanto : cf. esquema na p. 98, tipo Goldsworthy
Aníbal: aguentar ao centro, para dar tempo à cavalaria de fazer
o seu trabalho!
os veteranos líbios (c. 10.000): mais filas do que o habitual;
algo recuados, nos flancos
infantaria pesada celta e ibera em semi-círculo, tropas
inferiores nas pontas > atrair a carga romana para o centro
recuar sem desfazer o centro;
2 unidades líbias = golpe de tenaz (como as mandíbulas de uma
armadilha para lobos)
o trabalho de Asdrúbal, a partir do flanco esquerdo
colunas de legionários romanos atiram-se ao centro (instinto
ofensivo)
centro púnico recua em boa ordem e passa de convexo a côncavo!
infantaria ligeira púnica ajuda a evitar que o seu centro se
rasgue
veteranos líbios carregam sobre o quadrado romano
cavalaria púnica completa o envolvimento
O massacre dos Romanos (incluindo muitos notáveis)
- só 15 mil Romanos conseguiram fugir
Aníbal levou à perfeição a manobra de recuo do centro ensaiada
por Amílcar em Bagradas (240 a. C.?) e com forças bárbaras
ocidentais!
26
Um quarto grande general aperfeiçoaria a manobra, tornando-a
mecânica e repetível: Cipião
4.O tempo de Mens (pp.101-107)
2ª Guerra Púnica obrigou Roma a rever profundamente a sua
cultura e organização militares!
a derrota do lago Trasimeno (217) e as culpas para Flamínio, mas
por desrespeitar os deuses!
Fábio Máximo e a renovação dos ritos: consulta dos Livros
Sibilinos ... e templos a Vénus e a Mens (deusa da razão) no
Capitólio
- também foi uma forma de seduzir a cidade siciliana de
Segesta, importante por controlar a costa W da ilha,
propriedade dos Púnicos!
Ligação de Mens (razão) ao ciclo troiano
Eneias = filho de Vénus e antecessor do povo romano
Eneias , tipo Ulisses (a “metis”) contra Heitor (tipo Ajax, a
“força”)
verão de 217 a. C.: como vencer Aníbal, o mestre da tática ... e
dos estratagemas?
Fábio percebeu que a “fides púnica” tinha origem grega, uma “fides
grega”, e que se podia opor a esta “ metis ” uma “ mens ” troiana ,
encarnada por Eneias!
O exemplo inspirador da defesa do santuário de Afrodite na
Sicilia, na 1º Guerra Púnica, contra Amílcar
27
“ Mens ” (razão) + fides romana = o antídoto para enfrentar os ardis
de Aníbal
- sagesse de Fábio Máximo o “cunctator”
↓
Foi o início de uma crise de valores, uma grande transformação
de mentalidade e de moral em Roma
Tal como Aníbal, Fábio recorre a meios religiosos para alcançar
fins laicos; e não hesita em usar os métodos de Aníbal, apesar
das reservas morais ou religiosas
- ver as velhacarias de Fábio em Arpi -213 e em Tarento -
210 a. C.!
↓
A caminho de uma “ nova sapientia ” na guerra (exemplo: Tito Flamínio
na Grécia, após a 2ª Guerra Púnica: recorre frequentemente à
“metis”)
desde 175-150 a. C. : Romanos arrogantes e usando a metis muito
pior do que os Gregos!
- utilidade em vez de honestidade
- curiosidade, em Horácio: Ulisses como símbolo da sapientia
– agora sem adjectivos negativos ...
5. A reforma de Cipião (pp. 108-113)
novas reformas após Canas
grande esforço da República
as imensas reservas de homens!
28
20 a 25 legiões em permanência, sem desmobilizações, mesmo em
frentes distantes
melhoria do recrutamento (exercícios com armas, manobras, treino
físico)
prioridade aos melhores generais (prorrogação dos comandos)
evitar enfrentar diretamente Aníbal em batalha campal, preferir
a guerra de usura
entretanto: Públio Cornélio Cipião estudava as lições das
Guerras Púnicas e a arte militar
- foi o rival mais digno e o melhor aluno de Aníbal!
Os (bons) ensaios de Cipião na Hispânia: Bécula (208 a. C.) e
Ilipa (207 a. C.)
A obra prima de Cipião: a batalha de Campi Magni (acampamento das
Grandes Planícies), em 203 a. C., contra o rei Sífax da Numídia
e Asdrúbal (filho de Giscão): cf. esquema na p. 110
Cipião:
→ infantaria legionária ao centro (triplex acies)
→ cavalaria nas alas (italianos de Lélio à direita, númidas de
Massinissa à esquerda)
Púnicos :
→ cavalaria cartaginesa de Asdrúbal à direita
→ cavalaria númida de Sífax à esquerda
→ centro: infantaria cartaginesa +mercenários celtiberos da
Hispânia
29
1) alas montadas de Cipião desbaratam opositores, mas não resistem
a persegui-los
2) principes e triarii saem de trás dos hastati e alargam a frente em cada
um dos extremos, depois cerram fileiras e dispõem-se em colunas
3) alas de Cipião envolvem infantaria púnica, com os flancos
desguarnecidos, chacinando-a
↓
Cipião inspirou-se claramente em Aníbal (especialmente em Canas)
nas Grandes Planícies Cipião passou da imitação dos
envolvimentos à Aníbal a uma inovação decisiva:
→ percebeu que a legião podia ser ótima para envolvimento,
desde que ...
... o papel dos triarii (e até dos principes) fosse revisto:
└ deixaram de ser um mero apêndice para reforço da
1ª linha, como tropa de choque em reserva, e passaram
a ser unidades táticas independentes (agindo no seu
todo ou apenas parcialmente)
→ neste novo esquema, a 1ª linha da legião até podia recuar
enquanto as outras duas (nas alas) avançavam para executar
a tenaz
↓
ligação evidente entre Amílcar (Bagradas) – Aníbal (Canas) –
Cipião (Campi Magni)!
30
Solução de Cipião para a manobra envolvente = a mais simples de
todas: 1ª linha (hastati) fazia de Gauleses e Hispânicos em Canas
(avançava e recuava, aguentando a frente)...
... 2ª e 3ª linhas faziam o papel dos veteranos líbios em Canas
(executavam a tenaz) ...
... e nem sequer se dependia de boa cavalaria para tudo isto!
↓
O aluno Cipião superava o seu Mestre Aníbal!
6. Zama (202 a.C.) (pp. 113-122)
o confronto direto entre Aníbal e Cipião!
Aníbal no interior, tentando, em vão, evitar junção das forças
de cavalaria enviadas por Massinissa ao seu amigo Cipião
Aníbal preferia um pacto , mas Cipião não aceitou (entrevista)
O exército de Aníbal (maior um pouco do que o de Cipião): 40 mil
homens e 80 elefantes. Pontos fracos:
→ mercenários indisciplinados e poucos dados a manobras
→ cidadãos com escassa formação militar
→ só uma unidade de veteranos de guerra em Itália (poucos e
esgotados)
→ cavalaria númida passara-se para os Romanos!
Exército de Cipião :
→ homogéneo e maleável
31
→ só veteranos, e com moral em alta
→ superioridade em cavalaria (pela 1ª vez!)
→ grande comandante romano, finalmente!
↓
Aníbal tinha de repensar tudo ...
única chance: evitar batalha de cavalaria e forçar combate de
infantaria (tão ao gosto dos Romanos e de Cipião), preparando-o
bem
efetivos de Cipião :
→ infantaria: 23 mil + 6.000 númidas
→ cavalaria: 1.500 italianos + 4.000 númidas
→ 600 berberes a cavalo (sob Dacamante)
dispositivo de Cipião :
(lembra a batalha das Grandes Planícies)
→ 3 linhas, mas do mesmo tamanho e pouco espaçadas
→ sem “quincunx” (manípulos em colunas)
→ corredores para os elefantes adversários
→ velites e infantaria ligeira númida entre as filas e atrás dos
manípulos, para os proteger dos elefantes (e não na frente de
tudo, como habitualmente!)
→ cavalaria nas alas (Massinissa e Númidas à esquerda, Lélio e
Italianos à direita)
tática de Aníbal :
32
→ cavalaria: fazer só resistência fictícia e depois fugir,
arrastando para longe a cavalaria de Lélio e Massinissa
→ mercenários e infantaria cartaginesa (ao centro): aplicar-se
pouco e retirar depressa para os flancos da última linha, em boa
ordem
dispositivo púnico :
→ 4.000 cavaleiros nas alas (Númidas à esquerda, Cartagineses à
direita)
→ 36.000 infantaria no centro, atrás dos elefantes, dividida em
3 linhas (uma novidade!): 11 mil mercenários à frente, Líbios e
Cartagineses no meio, 15 mil veteranos atrás
Aníbal aproveitou a poeira levantada pelo avanço das tropas
(escondia os seus movimentos) para travar os veteranos um
estádio (c. 178 m)
Fase 1 :
Ataque falhado dos elefantes: só atingem alguma infantaria
ligeira; são canalizados para os corredores romanos; parte dos
elefantes carrega para trás, sobre as alas púnicas!
Fase 2 :
cavalaria romana ataca, desbarata e persegue a cavalaria
adversária
- Cipião não se preocupa em travar Lélio e Massinissa
Fase 3 e 4 :
33
hastati atacam mercenários de Aníbal; Cipião prepara-se para
alargar a frente, mas apercebe-se de que os veteranos púnicos
ficaram para trás!
- dois erros de Cipião: confiança a mais na sua tática;
manípulos em coluna, sem quincunx, tornou-se confuso: hastati
tiveram que aguentar sozinhos
- foi talvez para levar Cipião a evitar o quincunx que
Aníbal colocou os elefantes na frente!
recuo dos mercenários de Aníbal não corre muito bem: alguns, em
vez de irem para trás de tudo, tentam ser acolhidos na 2ª linha
(Líbios e Cartagineses), lançando a confusão durante um bocado
- depois resolve-se, e os veteranos põem-nos nos extremos
da sua linha
- hastati tentados a perseguir, mas são travados por Cipião
↓
Cipião via, assim, o seu adversário (inferior em disciplina e
treino) realizar a manobra que ele próprio idealizara para os
Romanos > teve de reagir para evitar ser ele envolvido !!
Aníbal já perdera 5 ou 6 mil homens (contra cerca de mil hastati de
Cipião), mas os Romanos é que estavam em maus lençóis:
→ Aníbal conduzira a batalha como previsto por ele
→ velites e infantaria númida de Cipião inativos, atrás
→ frente romana só com c. 16 mil homens: pouca gente para
os veteranos de Aníbal ainda intactos!
34
→ centro púnico agora reforçado nas pontas pelos
mercenários sobreviventes (c. 15 mil, duplicando quase a
frente)
Fases 5 e 6 :
Cipião tem de optar: alargar a frente (emagrecendo as linhas)
para cobrir toda a frente adversária; ou arriscar ser envolvido
pelas alas. Escolheu a 1ª, claro, esperando que o regresso da
sua cavalaria o viesse salvar!
Fase 7 :
Corrida contra o tempo: Aníbal tenta destruir a extensa e magra
linha romana antes de Lélio e Massinissa regressarem ao campo de
batalha... Mas não conseguiu!
- envolvimento e massacre dos veteranos de Aníbal!
Balanço :
Zama foi a obra prima de Aníbal: sem querer travar batalha e com
um exército muito menos preparado, contra um adversário muito
forte e sob um comando genial, Aníbal conseguiu improvisar uma
manobra fantástica, adivinhar o plano de Cipião e preparar-lhe
uma ratoeira. Foi Aníbal que executou a manobra de Cipião!
- daí a ironia da resposta de Aníbal a Cipião em Éfeso: se
tivesse vencido em Zama, seria o melhor de sempre…
Capítulo IV – Rumo ao império mundial 35
1.A legião e a falange (pp.131-141)
Quem venceu em Zama foram mais os legionários do que
propriamente Cipião
- Aníbal esteve melhor do que ele!
Mas Roma ficou com a boa receita tática de Cipião e pronta a
vencer em toda a parte
restava às legiões vencer a falange macedónica (ainda invicta
por um exército não grego)
legião dependia menos do terreno e tinha mais autonomia de
manobra
- falange = bloco maciço, difícil de fracionar; e não
sobrevivia sem os flancos protegidos
em tese uma falange não teria hipóteses frente a uma legião… mas
o recurso a tropas auxiliares e a cavalaria poderia ser decisivo
Políbio (c.203-c.120 a.C.) assistiu ao debate entre os pró-
falange e os pró-legião
Apesar dos desastres de Cinoscéfalos (197 a. C.), Magnésia
(190/189 a. C.), Pidna (168 a. C.) e Corinto, os defensores da
falange culpavam o terreno, os comandantes, a cavalaria
adversária e a má sorte pelos maus resultados
mas Políbio acabou com a discussão: ver “Histórias”, XVIII, 29-
32,5
- falange é forte, mas só em grandes espaços abertos;
legião tem estrutura interna superior
36
- legião: mais elástica, desloca-se muito melhor
taticamente a legião tem também vantagem :
→ graças aos manípulos pode revezar as linhas que enfrentam
a falange
→ consegue recuar sem perder o contacto, e cobrir lacunas
pontuais
→ o recurso a salvas de pila desestabiliza e retarda o
avanço da falange
→ 2ª e 3ª linhas podem deslocar-se para os flancos e
encerrar a falange num torno
→ legionários são melhores no combate individual que se
segue
(Políbio, XVIII, 32, 2-5)
↓
Políbio, ao escrever isto, pensava certamente na batalha das
Grandes Planícies (Campi Magni, 203 a. C., Cipião contra Sífax,
cf. p.110)
claro que não era sempre assim tão simples: em Cinoscéfalos -197
a. C. (Tito Flamínio contra Filipe V), os Romanos ganharam
porque um tribuno veio da ala direita (vitoriosa) e socorreu com
10 manípulos de principes e triarii a ala esquerda romana, à beira de
soçobrar! (2ª guerra macedónica termina aqui)
em Magnésia – 190 a. C. (Lúcio Cipião contra Antíoco III), a ala
direita selêucida (cavalaria pesada comandada pelo rei) levou a
37
melhor; na outra ala, foi ao contrário (destruição dos carros
falcados e fuga dos cavaleiros catafractários que defendiam a
esquerda da falange); a descoberto, esta defendeu-se em
quadrado, mas a chuva de dardos liquidou-a; os elefantes
(imprudentemente misturados nas fileiras da infantaria), feridos
e loucos de dor, reagiram e acabaram por provocar a rotura da
formação. A ala esquerda romana, mais animada, retomou o ataque
e põs Antíoco e a sua cavalaria pesada em fuga
em Pidna-168 a. C. (Lúcio Emílio Paulo contra Perseu, fim da 3ª
guerra macedónica): Perseu cometeu o erro de não fazer sair as
tropas do acampamento ao mesmo tempo; separou os dois corpos de
elite da falange (“escudos de prata” e “escudos de bronze”), com
os últimos a serem retardados pelo rio Leukos e controlados pela
chegada súbita da 1ª legião. Cavalaria e tropas ligeiras
macedónicas ainda no acampamento na outra margem!
2ª legião atacou de frente os “escudos de prata”
(leucáspidos), enquanto os auxiliares itálicos aproveitavam a
brecha central e penetravam, com o apoio dos elefantes e da
cavalaria.
Esquerda macedónica soçobra (uma parte foge para o mar).
Exército de Perseu, ainda incompletamente formado, é vencido
(apesar de uma última resistência). Durou menos de uma hora!
↓
38
tantos erros táticos da falange (continuou a ser assim até
Sula) sugere um defeito genético!
estatismo da maciça falange (concebida para batalhas em fileiras
cerradas) dava-se muito mal com a mobilidade dos manípulos
(pequenos e ágeis, tanto retiravam como atacavam numa ocasião
propícia)
superioridade romana no combate individual e o temível gládio
(causava feridas horríveis!) também faziam a diferença
falange poderia triunfar se reabilitasse a cavalaria observa
Políbio (ex-comandante de cavalaria, como jovem hiparca da Liga
Aqueia), mas a falange, no séc. II a. C., entrara em esclerose:
cada vez mais densa e estática, menos flexível do que Filipe II
idealizara, apenas era capaz de avançar a direito!
a cavalaria foi progressivamente desvalorizada
↓
Alexandre Magno: 1 cavaleiro para cada 2 peões
Batalha de Raphia (Síria), 217 a. C.. Antíoco da Síria com 5
para 1, Ptolomeu com 5 a 10 para 1!
Batalha de Selassia, 222 a. C. (independência de Esparta):
Antígono Dosão com 8 para 1
Cinoscéfalos-197 a. C.: Filipe V da Macedónia também com 8
infantaria para 1 cavaleiro
unidades montadas de elite (sarissofaros, hetairoi) desaparecem
↓
dificuldade de recrutamento, mas, sobretudo, difusão do modelo
antigónida (padrão para os Estados helenísticos): Macedónios,
39
agora, lutavam mais na Europa, contra povos muito fracos em
cavalaria (Epirotas, Dardânios, Espartanos, Etólios) e venciam
facilmente
falange macedónica dominou absolutamente a arte militar na
Grécia durante dois séculos, e ganhou aura de invencível; mas o
modelo também envelheceu, claro ...
... além de que os ensinamentos de Alexandre não foram sempre
bem compreendidos e respeitados
- 321 a. C., na Capadócia: Euménio de Cardia pôs em fuga a
falange, numericamente superior, de Cratero, com carga de
cavalaria sobre as alas
- em Raphia, 217 a. C.: Antíoco perdeu com Ptolomeu, apesar
de ter mais cavalaria; ambos tinham esquecido a manobra
envolvente, e apostavam tudo no choque frontal da
infantaria! Ou seja, transformaram a bigorna em martelo, um
instrumento defensivo em ‘mais que tudo’!
Será que as legiões teriam sido capazes de vencer a 1ª versão da
falange macedónica (Filipe e Alexandre), ou mesmo a última, mas
com um general tipo Alexandre ou Pirro a proteger os seus
flancos com cavalaria?
Muitos pensam que não, mas tudo dependeria do trabalho da
cavalaria e da situação nos flancos; e, salvo em campo raso e
aberto, a legião seria sempre superior estrategicamente
40
a cavalaria de elite macedónica, tessálica, peónia ou trácia
talvez também não conseguisse vencer sempre a nova cavalaria
(Númidas, Hispânicos, Gauleses) apoiada por elefantes!
Seja como for, o aviso de Políbio chegou tarde demais: os
exércitos helenísticos estavam agora à mercê das legiões romanas
2. Os outros inimigos: os Iberos e o nascimento da coorte (pp. 141-
155)
Legião manipular : mais flexível do que a falange, mas
insuficiente para todos os desafios
- dificuldade na Hispânia contra Celtiberos e Lusitanos,
habituados a deslocar-se e a fazer guerra de guerrilha, com
resgates, represálias, etc.
Península Ibérica = o teatro de guerra mais difícil para Roma,
durante o séc. II a. C.!
- geografia, clima, ausência de estradas e comunicações
internas, etc.
- falta de habilidade do Senado, rivalidade entre
governantes e pretores, dificultaram tudo!
- também grandes dificuldades de abastecimento e de
alojamento condigno, na falta de verdadeiras cidades
- morria-se de frio nos hiberna, e de disenteria nos castra
em geral – cf. Fúlvio Nobilior na Citerior, em 153-152 a.
C., Quinto Pompeio na mesma região em 140-139, ou Marco
Emílio Lépido no cerco de Palência, em 136-135.
41
Quinto Cecílio Metelo contra Quinto Sertório (e os Lusitanos)
- Plutarco e as dificuldades de Metelo na guerra contra
Sertório
guerra quase permanente e ininterrupta
os Romanos ganharam, mas não foi por causa da superioridade do
armamento (muito melhor do que o do adversário) ou das unidades
militares (a legião manipular mostrou aqui, pela 1ª vez, as suas
fraquezas)
os Hispânicos combatiam como peltastas:
→ eram caetrati (caetra = escudo pequeno, de vime, couro
entrelaçado ou madeira, com “umbro”)
→ gládio hispânico ou a falcata (um sabre letal)
→ talvez também lança de choque
→ armamento defensivo ligeiro
→ armas de arremesso
- soliferrum (dardo longo, todo em metal)
- falarica (lança com estopa e pez para incendiar)
- funda
→ táticas : emboscadas e golpes de mão; fugas simuladas
(cf. Viriato)
como os Romanos podiam responder :
→ integrando arqueiros e fundibulários entre as fileiras
das centúrias > barrage contra golpes à distância
42
→ subdividindo a legião em pequenas unidades autónomas,
capazes de se aventurarem longe e de manterem o adversário
sempre sob pressão
um problema suplementar : os Celtiberos tinham excelente
infantaria pesada (cascos, cotas malha, ótimas espadas) e
excelente cavalaria (bons cavalos ibéricos)
para a confrontar, os Romanos precisavam de cavalaria indígena
aliada, cavalaria númida, infantaria ligeira africana, dardeiros
e elefantes!
Uma única grande derrota : capitulação de Hostílio Mancino em
Numância, em 137 a.C.
Mas, em pequenas escaramuças, os Romanos devem ter perdido na
Hispânia, com o tempo, diversas dezenas de milhar de homens!
guerrilha (termo de origem espanhola!) = os povos hispânicos
sempre foram muito bons nisso (ver franceses entre 1810-1812 =
100 mortos/dia em Espanha)
↓
o hoplita romano estava obsoleto, face ao armamento e tática do
falangista macedónico, e saíra de cena a pouco e pouco
na frente Este, pelo menos, os “ triarii ” desapareceram : foram
assimilados às outras tropas de linha (mesmo armamento e função)
Cipião Africano , que já adaptara a manobra envolvente inventada
pelos Púnicos, teve outra invenção essencial: deve ter sido ele
a criar a coorte!
↓
43
Coorte (480 homens) = agrupamento de 3 manípulos, também com
hastati, principes e triarii. Deve ter sido criada na Hispânia e até
Mário só foi usada aí (cf. Lívio, Apiano, Frontino)
as divisões linguísticas, culturais e políticas entre os
indígenas também facilitaram a vida aos Romanos (que tinham
grande capacidade de integração)
↓
amplo processo de colonização com difusão do latim,
reorganização do povoamento, extensão dos direitos civis ...
Romanos sabiam que não basta conquistar pela força para
conseguir controlar um povo: Provinciae viribus parantur, iure retinentur
(Floro) > “as províncias conquistam-se pela força, mas só se
conservam pela aplicação do Direito”.
vantagens gerais das coortes :
→ boas contra o cuneus dos Celtiberos
→ unidades médias muito úteis: menos vulneráveis do que os
manípulos e menos pesadas do que as legiões
→ possibilidade de ações autónomas eficazes na guerrilha e
na montanha
→ melhores para abastecimento
depois, a coorte generaliza-se : deu a vitória a Mário contra os
Cimbros, tornando-se a divisão de base da legião imperial ao
longo de toda a fronteira
um possível precedente : Flamínio em 222 a. C., contra os
Gauleses > armou os hastati com lanças dos triarii, para travar o
ímpeto dos assaltos adversários
44
nos séc. I e II d. C. = legiões recorreram a isso
sistematicamente; contra os bárbaros do Centro da Europa
abandonaram a tática manipular, regressando à ordem cerrada (cf.
coluna Trajano); mesmo os auxiliares, muito usados contra
bárbaros, estavam agora equipados com lança (e não com pilum)
foi a destreza dos ibéricos com a espada que desencadeou esta
evolução na Hispânia de Cipião Africano
o seu sobrinho , Cipião Emiliano, evitaria o corpo a corpo dos
Romanos com os Numantinos, a quem tentava vencer pela fome
P. Rutílio Rufo usou lanistas (mestres de armas dos gladiadores)
contra os Cimbros após o desastre de Orange- 105 a.C.
Mário treinou duramente os seus legionários
↓
O sistema das coortes implicava muito exercício, para aumentar a
possibilidade de sobrevivência dos legionários, quer no corpo a
corpo quer no combate em formação
Contra o grande ardor guerreiro dos hispânicos (talvez os
melhores combatentes do mundo antigo!), Cimbros e Germanos, os
Romanos tinham de ter um antídoto!
↓
Com o seu furor natural adormecido por séculos de civilização,
os Romanos defendiam-se com outros trunfos:
→ um armamento de qualidade
→ muito treino militar para o corpo a corpo
→ dispositivos mais sólidos e compactos, inspirados ainda
na falange, mas mais flexíveis
45
1ª linha das coortes : cada vez mais com lanças longas e em
formação cerrada (bárbaros eram fracos taticamente e davam-se
mal com isto)
legiões romanas durante o séc. II a. C têm, assim, duas caras :
→ no Mediterrâneo E, em ações mais ofensivas e ligadas à
coragem individual = legião manipular
→ no Ocidente hispânico, para travar assaltos adversários
com formações densas = legião em coortes
na sua origem, a coorte era, talvez, para ser provisória, tipo
quadrados da infantaria britânica posterior ... mas acabou por
se tornar permanente quando os adversários futuros de Roma se
mostraram mais próximos dos Iberos do que dos Cartagineses e
Macedónios
Contra as formações helenísticas a souplesse do manípulo e a
superioridade legionária no corpo a corpo decidiam. Mas isso era
o passado! Agora vinham aí os Orientais, os Partos, e uma nova
revolução se impunha
└ o valor individual e o espírito de iniciativa terão um papel
menos decisivo.
A nova rainha da arte militar romana será a Disciplina
3. O exército profissional (pp. 155- 160)
46
até Carras-53 a. C. , o exército romano esteve à altura, sem
necessidade de mais invenções VIP, apenas retoques ao sistema de
Cipião
Mário (contra Cimbros e Teutões) generalizou a formação cerrada em
coortes, mas também melhorou o combate individual (recorreu a
lanistas, ou então foi R. Rufo) e fez uma reforma minuciosa do
exército: desde o transporte das bagagens à forma do escudo e a
insígnia das legiões (generalização da águia)
Mário reformou o pilum, tornando-o não reutilizável pelo
adversário: eliminação do bolbo do punho; substituição de um dos
dois orifícios de fixação do ferro à haste por um rebite que
quebrava no momento do impacto levando a haste a encurvar-se
sobre o outro ferro > pilum inutilizável e difícil de retirar do
escudo atingido
Sula : recorreu a obstáculos [estrepes?] para travar a cavalaria
adversária; e deve ter sido o primeiro a utilizar (em Queroneia,
com os efetivos de Galba e Hortênsio contra o rei do Ponto) uma
reserva tática previamente preparada
- alguns acham que foi Cipião nas Grandes Planícies, ou
Aníbal em Zama
- pode também ter sido um tribuno desconhecido em
Cinoscéfalos: guiou, a partir da ala direita, os manípulos
que apanharam de flanco/pela retaguarda a ala oposta de
Filipe V
47
César : não foi um grande inovador tático; continuou Sula e fez
obras extraordinárias como a ponte sobre o Reno ou a
circunvalação em Alésia (graças a Vitrúvio)
César também desenvolveu as forças montadas, alistando cavalaria
germânica. E, sobretudo, criou uma cadeia de comando que
valorizava os quadros médios (os heróis dos “Comentários sobre a
guerra da Gália” são os centuriões) e não os legados
aristocratas
↓
Grandes reformas desta época = mais no domínio da composição e
natureza do exército:
→ diminuição do nº de adsidui (os proprietários aptos a
serem alistados)
→ perda de afeto pelo serviço militar, quando muito
demorado (cf. Hispânia) > Senado teve de baixar a fasquia
da 5ª classe de 4000 asses para 1500 asses (em 129 a.C.)
Por fim, Mário, para a campanha na Numídia, abriu as legiões aos
proletários, transformando o recrutamento em voluntariado e
resolvendo o problema da falta de soldados da república
↓
Consequências disto:
→ positiva (terminou-se com a má vontade em servir na
guerra, o que levantava grandes perturbações)
→ negativa/explosiva: profissionalização da vida militar,
muito perigosa: os homens tinham medo de perder o seu
48
ganha-pão e estavam sempre prontos a apoiar uma causa ou um
chefe que lhes garantisse o soldo ...
- sistema de reformas e de leis agrárias para veteranos
desmobilizados, precisa-se!
Sula preocupou-se com isto, mas sem grande sucesso
A solução só chegou com Augusto :
→ sistema de comando centralizado no imperador e
funcionando por delegação
→ criação do aerarium militare (caixa estatal para garantir
uma indemnização na hora do licenciamento)
Sula separara o poder civil do militar ; e recorrera à religião:
o limite sagrado do “pomerium”, entre o Magra e o Rubicão,
protegendo a Itália peninsular. Isto acabou por libertar o poder
militar de qualquer controlo e tornou possível promover um
príncipe longe/fora de Roma!
└ o poder passou a estar submetido a uma escolha militar e não
política (mesmo longe de Roma)
4. Guerra e paz (pp. 160- 170)
Cícero e o objetivo da guerra: fazer a paz
↓
a paz como o fruto de uma guerra vitoriosa
pax e pactus (condição negociada ou imposta)
49
a Roma primitiva : uma comunidade de camponeses, e não de
guerreiros > guerra = uma anormalidade
as duríssimas consequências da guerra contra Aníbal (Floro: o
povo vencedor assemelhava-se ao povo vencido ...)
218-203 a. C.: 15 anos de devastações em Itália
- Apiano: 400 cidades apoiaram Aníbal ou foram tomadas por
ele. Sendo reocupadas pelos Romanos com muita destruição,
assaltos e saques
- no Sul: populações e planícies devastadas, como Atella ou
Calatia; deportações em massa
- 2ª Guerra Púnica: cerca 200 000 mortos e desaparecidos
entre os Romanos
“descida” de Aníbal fez renascer as velhas clivagens étnicas na
“outra Itália” (Apeninos do Centro e Sul)
Juntou-se a isto outro terramoto: a guerra civil: movimentos
democráticos contra a aristocracia, clãs contra clãs, Italianos
contra Italianos, Gregos contra Gregos ...
↓
10 anos após Zama = ainda um grande trauma, uma psicose, um medo
de uma nova guerra vinda do leste (potências gregas)
- o medo de uma nova ameaça externa, que poderia ser fatal,
dadas as circunstâncias e fragilidades
esta histeria defensiva conduziu Roma a refugiar-se no
militarismo
↓
50
Cipião Africano, sempre ele, e o recurso à divisa (cara ao mundo
grego) “si vis pacem para bellum”
- cf. Vegécio, Livro III, Prólogo
↓
o princípio da dissuasão militar tornou-se um pilar da política
externa romana
- 1ª aplicação: Cipião Emiliano em Cartago: desarmamento
dos vencidos > entregar elefantes e navios, privá-los dos
símbolos, evitar a desforra, apaziguar os Romanos...
mas a doutrina da dissuasão preventiva acabou, afinal, por
exasperar a agressividade e por levar a uma espiral irresistível
rumo à guerra (até porque a dissuasão só seria credível se fosse
recíproca, o que nunca acontece realmente!)
o Senado aproveitou a doutrina de Cipião (e o seu sedutor verniz
moral clássico) para se armar, contra os Estados helenísticos
(que confiavam na sua invicta falange e subvalorizaram a
capacidade militar romana)
Roma, obcecada pela segurança, quis impor pela via diplomática
uma ordem estável e propícia no mundo helenístico ... mas este
tinha aspirações inconciliáveis
↓
da intimidação à guerra fria e ao combate aberto : a 2ª Guerra
macedónica (200-196 a. C.) e a guerra contra Antíoco III, rei
selêucida da Síria (Guerra Síria, 192-189 a. C.)
51
└ braço de ferro e “escalada” conduziu a uma guerra que
talvez ninguém, de início, quisesse!
↓
Roma assumiu a missão de impor a paz em todo o lado, por mar e
por terra (cf. discurso de Mânlio Vulso, sucessor de Cipião no
comando da Ásia, segundo Tito Lívio) > nascia o imperialismo
romano!
Vitórias fáceis e repetidas de uma República mais forte
(política e militarmente) do que os seus adversários, dão a Roma
a consciência do seu poder
Até à Paz de Apameia - 188 a.C. (com a Síria): uso grosseiro da
força para impor paz favorável
Após 188 a. C.: mais subtileza, com recurso à coerção
diplomática
- a ameaça da força passa a alimentar uma diplomacia
musculada ...
.... especialmente depois dos terríveis exemplos das
vitórias romanas em Cinoscéfalos (197 a. C.), Magnésia (190
ou 189 a. C.) e Pidna (168 a. C.)
Os legados e o Senado dirigindo a política do mundo helenístico!
Exemplo desta atividade de intimidação sistemática: a humilhação
a Antíoco IV “Epifânio”, da Síria, em 168 a. C. (Popílio Laenas
exige que se retire do Egito sem colher os frutos da vitória
obtida)
Senado exagera e mete-se naquilo que não sabe resolver ...
52
o Senado arma-se em tribunal internacional, e o legionário em
polícia do Mediterrâneo (Le Bohec)
Mas o sistema esgota-se e Roma, cerca de 150 a. C., avança para
as anexações à força > época sombria: sicários, venenos contra
adversários externos e internos, traição, espionagem diplomática
e militar, subversão em larga escala, etc.
↓
Política desenfreada de conquista , terrorismo feroz,
alegadamente para manter e defender o império. Exemplos:
→ 167: 150 mil Molossos escravizados
→ 146: destruição de Cartago e Corinto
→133: destruição de Numância
→ massacres na Hispânia
Justificação moral da génese do império: a “pax” e a necessidade
de proteger os aliados (cf. Cícero)
└ justificar as guarnições, os tributos, …
As acusações dos Gauleses a César: violação do “ius gentium” ...
... a réplica de César: a “pax”, a pacificação da Gália
↓
Os que se opunham a Roma eram “pacati” (= vergados por uma força
que encontrava justificação na ... “pax romana”
A coroação deste modelo: com Augusto > a paz tinha de ser
absoluta e não podia ser senão a “pax romana”; tudo era res romana
ou ... res nullius (eis o imperialismo romano)
53
└ cf. Virgílio, Eneida: “é a ti, Romano, que cabe governar
os povos, impor a paz e vencer os orgulhosos” !
- divisão dos outros em “superbi” ou “subiecti”; com a
nota suplementar de que os que não são a segunda coisa
poderão tornar-se a primeira, ou seja, agredir Roma ...
↓
A paz torna-se um mero fruto da guerra de conquista; é a pax
cruenta que Tácito evocaria com sarcasmo.
Bibliografia (pp. 170- 177)
quincunx nasce nas Guerras Samnitas , e não com Cipião, ou na 2ª
Guerra Púnica
todos os especialistas acentuam o declínio da cavalaria nos
exércitos helenísticos pós Alexandre Magno
a invenção da coorte : na Hispânia, para responder ao “furor”
bárbaro
Y. Le Bohec: César chef de guerre. César stratège et tacticien, Paris-Monaco
2001
Capítulo V - A época imperial
1. O sistema de Augusto (pp. 179-194)
Augusto: todo o poder, em nome da defesa da paz
54
- incluindo o comando supremo dos exércitos romanos
↓
“imperium proconsulare”, “maius et infinitum”, incluindo nas regiões “non
pacatae” e em Itália
pouca tropa em Roma :
→ 3 coortes urbanas (“urbaniciani”), sob um prefeito
(senador)
→ 7 coortes de vigia, sob um prefeito (cavaleiro) e vários
tribunos (ex-centuriões); 1 coorte para cada 2 dos 14
quarteirões de Roma (incêndios, rondas noturnas, ...)
→ coortes pretorianas (9 a 11 unidades), primeiro
distribuídas pela Península Itálica, depois nos “castra
praetoria” de Roma; sob dois cavaleiros de topo > guarda
imperial (menos tempo, mais salário, menos risco)
as duas grandes frotas: Miseno (golfo de Nápoles) e Ravena (em
Classe) mais esquadras provinciais (Alexandria, Mar Negro,
Danúbio, Mancha, Mar do Norte) > libertos, peregrinos, não
cidadãos, sob o comando de quadros não cidadãos (até Vespasiano)
ou prefeitos equestres
Augusto talvez tenha pensado alterar o estatuto da Itália, mas
não a tornou uma província. Nenhuma legião aí podia entrar.
tropas: maioria nas chamadas províncias imperiais (zonas não
pacificadas, geralmente nos extremos do Império); nas províncias
ditas do Senado/do povo (ex: Ásia) = apenas destacamentos
55
auxiliares com missão de polícia, mas sem legiões (a não ser em
África)
↓
28 legiões, cerca 150.000 cidadãos, sob legados imperiais
(senador com nível de pretor)
[nota- cursus honorum: questor → edil ou tribuno da plebe →
pretor → cônsul]
as forças auxiliares (em número idêntico aos legionários, mas
não eram cidadãos): coortes de infantaria e alas de cavalaria,
sob prefeitos da ordem equestre
- funções menos importantes: polícia, preliminares, mas também
podiam secundar os legionários
tempo serviço : pretor = 16 anos, legionário = 20 anos, auxiliar
= 25 anos
salários regulares : graças à criação do “aerarium militare” (6
a.C.); origem deste fundo:
→ 1% vendas públicas
→ 4% vendas de escravos
→ 5% doações testamentárias superiores a 100 mil (?)
sestércios
→ 5% libertação de escravos
↓
primeiro só para os legionários no final do tempo de serviço
(terra ou dinheiro, às vezes as duas coisas!), mas depois para
todos
ligações afetivas e filhos reconhecidos oficialmente;
56
auxiliares recebiam a cidadania romana no final do serviço
com um império tão vasto, claro que o comando supremo do
imperador tinha de ser delegado numa miríade de comandos locais
dispersos e muito afastados entre si
nas zonas militares onde havia legiões ou unidades nucleares =
era como se fosse uma enorme província às ordens do príncipe
↓
Augusto escolhia, entre os senadores, os legados imperiais
destas zonas (com imperium de propretores, mas subordinados ao
príncipe); em geral eram ex-pretores ou ex-cônsules, com
hierarquia própria
- ex-pretores nas províncias menos importantes: Hispânia
Tarraconense ou Gália belga
- ex-cônsules ou membros da família real, como Druso,
Tibério ou Germânico = grandes distritos militares, com
duas ou mais legiões, tipo Panónia, Germânias ou Síria
↓
O ovo de Colombo de Augusto para estancar os problemas que havia
desde Sula:
→ dar meios de subsistência aos soldados licenciados
→ controlar todas as forças militares, com base na eficácia
e na lealdade!
acesso dos cavaleiros aos quadros do exército > prefeito de
coorte, prefeito de ala [auxiliar] e mesmo tribuno angusticlave
57
possibilidade de aceder à ordem equestre para os melhores
soldados (percurso desde a base até centuriões de legião)
↓
ligação entre elite militar e ordem equestre com possibilidade
de carreiras puramente militares
o juramento de fidelidade das tropas ao seu comandante
(sacramentum militiae)
o príncipe como único detentor dos auspicia
divisa de Augusto = a paz (inspiração em Alexandre Magno)
- da “paz social” à “paz externa”
- o apóstolo da paz > nova ordem cósmica e nova idade do
ouro
- o altar Ara Pacis Augustae, em 13 a. C. [ou 9 a.C. ?] em
Roma
- “Eneida”: cabe-te, Romano, impor a paz ...
- pax romana = a única possível, porque desejada pelos
deuses, de que o imperador era a expressão carnal
o império romano : um imenso mosaico, com regiões longamente
pacificadas e outras recentemente conquistadas e tentadas à
revolta;
- um império em grande medida fortuito, forjado por guerras
não programadas, e com muitas descontinuidades entre
regiões: Itália e Gália (distritos alpinos independentes no
meio), Itália e Macedónia (hiato das regiões balcânicas,
ainda mal conhecidas), ...
58
- ideia de limite ou fronteira: desconhecida de bárbaros e
semi-nómadas; e mesmo para os Romanos, não era uma linha
abstrata, mas uma faixa de profundidade variável, conforme
as relações de forças!
os 3 grandes objetivos da política provincial de Augusto :
→ impor o prestígio de Roma, eliminando eventuais bolsas de
resistência (internas e mesmo externas, para repelir
ameaças!)
→ melhorar as comunicações terrestres
→ distribuir o exército em linhas de defesa estáveis e
seguras
↓
imperialismo romano (talvez mitigado entre 25 a.C. e 9 d.C.)
regressa em força, com interminável espiral de violência contra
potenciais superbi a quem fosse necessário impor a paz ... através
de uma “guerra justa” (ou cruenta, segundo o sarcasmo, talvez
involuntário, de Tácito)
As guerras de Augusto na Europa :
→ submissão das Astúrias e Cantábria, via Agripa (19 a.C.)
→ Récia (15 a.C.), via enteados Druso e Tibério (fronteira
no Danúbio!)
59
→ distritos alpinos (25 a 7 a.C.)
→ Nórica, região de minas (foi fácil, eram amigos há muito)
→ a região ilírica = a ameaça mais séria (especialmente
Dalmácia e Panónia); exigiu muita atenção desde 35 a.C.;
conquista dura, entre 12 e 9 a.C., mesmo para um general
como Tibério
(e, depois, acabou por ali grassar uma revolta grave, que
provocou o falhanço parcial do projeto ecuménico de
Augusto)
→ a Germânia transrenana: tinha havido graves incidentes no
Reno, em 25 e em 16 a.C.; Druso conseguiu chegar ao Elba em
12 a.C., e Domício Aenobarbo e Tibério continuaram os seus
esforços. Em 6 d.C., estava quase: faltava submeter Marbod,
dos Marcomanos, e dominar assim a Boémia; mobilizaram-se 11
legiões e Tibério estava já muito próximo, mas estalou uma
grave revolta na Ilíria que o forçou a regressar >
repressão e divisão em duas novas províncias: Dalmácia e
Panónia
↓
Romanos baixam a guarda na Germânia além Reno e pensam que a
região até ao Elba está pacificada (honras para os notáveis
locais, assembleia para comunicar com Roma, culto a Roma e ao
imperador, recrutamento de tropas auxiliares, etc.)
60
- Augusto tranquilo, confia a região a um parente rico:
Quintílio Varo, que tenta impor tributos e justiça romanos
↓
A conjura dos Queruscos de Armínio (um dos chefes mais honrados
por Roma, da zona do altar a Roma e Augusto em Colónia), seguido
apenas por uma parte dos povos germânicos (Bructeros, Chatos,
Marsos, etc.).
- Varo não acredita quando lhe denunciam a conjura e deixa-
se atrair fora do acampamento, em zona de florestas e
pântanos, com muita bagagem ...
- o desastre de 9 d.C. em Teutoburgwald /Kalkriese: 3
legiões + tropas auxiliares + suicídio do legado
Tibério ainda passou o Reno (em 10 e 11 d.C), mas foi só para
‘operações de limpeza’; reforçou-se a defesa da Gália e dividiu-
se o exército do Reno em dois (Germânia Superior e Inferior),
com 8 legiões ao todo
Valeu que os Marcomanos de Marbod e as tribos germânicas
revoltosas não se davam bem! Mas foi um choque psicológico
grande, que condicionou as opções estratégicas futuras
↓
Augusto saturado de sangue e com problemas familiares, trava as
conquistas, fixa os limites do Império Romano no Danúbio e Reno,
e recomenda a Tibério que não os alargue
↓
Seguiu-se o debate sobre o destino do Império (cf. Tácito,
Frontão e Floro, este um fiel de Adriano)
61
Roma renunciava ao domínio de toda a terra habitada ,
contentando-se com a unificação da “orbis” (= o Mediterrâneo, a
região que realmente contava, e que já incluía o Egito)
Porém, até ao séc. IV d.C., Roma manteve uma atitude ofensiva
visando destruir os adversários mais perigosos como forma de
defesa!
De qualquer modo, o universalismo de Roma sobreviveu como um
tema ideológico nuclear, durante séculos:
- integrar ecumenicamente os particularismos jurídicos,
religiosos e culturais ....
.... conforme a tradição oriental recomendava e o
Cristianismo confirmaria
2. Um novo inimigo: os Partos (pp. 195-203)
O nível militar dos vencedores de Teutoburgwald : fisicamente
superiores e com mais “furor” individual; mas inferiores aos
legionários no resto:
→ em armamento (recusavam a couraça, tinham espadas sem
ponta afiada: sine mucrone), em organização, em treino, em
disciplina;
→ atacavam sem qualquer manobra…
62
→ … e também tinham grandes debilidades estratégicas: as
tribos não eram capazes de se unir duradouramente em
organismos mais vastos
até c. 167-180 , o exército romano mostrou-se à altura, mesmo
quando atingido pela peste que matou ¼ dos habitantes do Império
Romano. Já Marco Aurélio (161-180) teve de enfrentar uma forte
coligação de povos germânicos
no Oriente, era uma outra história : o Eufrates (desde Sula e
Pompeu) separava os restos da Síria Selêucida da Pártia. E esta
era uma espécie de Roma do leste, com as mesmas ambições
ecuménicas e imperialistas
- os Partos consideravam-se herdeiros do Império Aqueménida
e queriam expulsar os Romanos da Ásia!
Dificuldades da organização interna da Pártia :
→ Adiabena e Arménia = ligadas por parentesco aos
Arsácidas, mas muito autonómicos e geograficamente
excêntricos
→ rebeldia das famílias nobres (cujo contributo para o
exército feudal era enorme)
→ elemento persa = orgulho próprio e reticentes em aceitar
hegemonia parta
63
→ ausência de regras sucessórias claras para a monarquia
arsácida (ramos cadetes sempre à espreita de uma
oportunidade!)
- Roma incentivava os conflitos internos a até forçou a
aceitação de alguns príncipes exilados
Fraquezas militares dos Partos : incapazes na poliorcética; e não
tinham frota, nem esquadras navais para defenderem a sua
fronteira ocidental (Tigre e Eufrates)
Trunfos militares partas :
→ excelente cavalaria pesada, couraçada (os
“catafractários”) > elite da aristocracia, aramada de lanças e
organizada em esquadrões
→ unidades (cada vez mais numerosas) de arqueiros a cavalo
(“hippotoxotai”) da pequena nobreza, especialistas no cavalo
e no arco (instrumentos quotidianos)
Armamento defensivo dos catafractários : à discrição de cada um,
não uniforme e muito variável:
→ cota de malha em bronze ou em ferro
ou
→ couraça de lamelas ou de escamas cosidas sobre suporte de
couro. Placas e lamelas também podiam ser de osso ou de
madeira
64
Cavalos também eram protegidos, à frente e nos flancos, com
xairel espesso (em pele não curtida), por vezes reforçado com
escamas ou anéis de metal cosidos
Armamento ofensivo do catafractário :
→ lança longa (ou ainda acha ou maça de ferro)
→ espada pesada fixa ao flanco
→ desde Carras (53 a.C.): também podia ter arco
Treino em recontros tipo torneios
Cavalo sem estribos, mas com sela de arções altos e salientes
Lança = de choque, para 1 ou 2 mãos, podia ser fixada ao pescoço
do cavalo e ao lombo (para aliviar o coice de ressalto, ou para
usar como suporte na corrida)
Carga em grupo , reforçada pelo peso das armaduras (cavaleiros
quase se roçavam pelo cotovelo) > choque tremendo
Para tal usavam quase só cavalos da planície de Nisa (na
Margiana)
carga única e curta, em terreno plano
aí, se os cavalos tivessem tanta resistência quanto ímpeto de
carga, seriam irresistíveis!
os mais típicos: os arqueiros montados, com o arco composto,
originário talvez das estepes
→ arco de madeira, revestido externamente por feixes de
tendões (para resistir à tração)
65
→ lamelas de corno na parte interna, para resistir à
compressão
→ conjunto fixado com cola e consolidado com tendões
animais
→ revestimento com laca ou verniz
↓
difícil de tender, mas com grande potência; curto e estreito,
para ser usado a cavalo, mas suficiente para poder ser tendido
entre os dois braços abertos
era do tipo “curvatura dupla” porque, quando não encordoado,
ficava dobrado no sentido inverso ao da tração
arqueiros partos : também grandes cavaleiros, capazes de
ofensivas rápidas, fazendo “carrocel” à volta do adversário
a célebre “flecha do Parto” = golpe mortal, disparado para trás,
durante a fuga
tática : arqueiros formavam um ecrã de proteção aos cavaleiros
couraçados, graças a uma nuvem de flechas, enquanto estes
avançavam a passo ou trote lento. Depois, a uma distância
adequada, o cortinado da infantaria ligeira abria e os
catafractários carregavam; o resultado variava consoante o
número, o treino e a competência do comandante adversário
também havia infantaria, mas não pesada , e sem grande autonomia
- tratava-se mais de hordas heterogéneas, ou de bandos de
escravos em revolta
- contra estes, usava-se a tática que viria a ser típica
dos cavaleiros medievais (contra camponeses): deixar o
66
adversário compactar-se e depois atirar flechas em massa
contra ele, seguidas de carga de cavalaria
- quando a formação de infantaria adversária era muito
profunda e uma carga, só por si, não chegava para o
desbaratar: rompia-se as primeiras fileiras adversárias,
penetrava-se e, depois de quebrada a lança, massacrava-se
com armas de choque um adversário mal equipado
↓
Origem, talvez, da “tática dupla” (E. Luttwak): combinação do
tiro com o assalto/carga (os dois grandes trunfos arsácidas)
- o carrocel dos arqueiros levava o adversário, por
instinto, a agrupar-se em círculo; aí, a cavalaria
couraçada carregava mortalmente
↓
Grande superioridade militar pártica no Oriente, baseada em 4
grandes trunfos:
→ força de choque da cavalaria couraçada
→ poder de tiro dos “hippotoxotai”(arqueiros a cavalo)
→ rapidez destes
→ grande mobilidade do conjunto
fora do seu território, os Partos tinham muito mais dificuldade ,
porque:
→ eram maus na poliorcética
→ eram incapazes de suportar campanhas prolongadas
mas, além do Eufrates , nessas planícies do leste, prometiam
repetir o sucesso de Carras (53 a.C.)
67
3. A batalha de Carras (pp.203 – 214)
Carras, junho de 53 a.C .: Crasso contra Surena, o grande
feudatário que comandava o exército parta
Desastre romano teve um eco enorme, cá e lá, e amplificado com o
tempo!
Os esplêndidos cavalos da planície de Nisa = símbolo do inimigo
oriental; tidos como sagrados (cf. Heródoto), puxavam o carro de
Ahura-Mazda (o Zeus iraniano) e abriam a marcha dos exércitos
persas
a Ásia distante e nunca totalmente dominada (mesmo por
Alexandre)
cavalos de Nisa equipavam os cavaleiros catafractários (elite da
nobreza feudal parta, muito rebelde ao poder dos Selêucidas)
Carras = na linha do velho conflito E-W. Mas com relevo
especial: foi a derrota da melhor infantaria do mundo antigo
contra a cavalaria arsácida!
Infelizmente, perdeu-se quase inteiramente o texto da História
dos Partos (“Parthika”)!
Carras mudou a política externa romana, nomeadamente no Oriente
pártico ...
... e ajudou a revolucionar a arte militar da Antiguidade, ao
denunciar a superioridade militar pártica
Muitos tentaram explicar o porquê da derrota romana (ab
Antiguidade) mas ninguém conseguiu: apenas mostraram como foi !!
68
↓
resta reconstituir a batalha, especialmente o primeiro dia
(decisivo)
ordem de marcha romana : fila longa e pouco espessa de
infantaria, com cavalaria nas alas. Ao penetrar em território
adversário: o habitual quadrado maciço, com uma parte da
cavalaria e das tropas ligeiras no exterior, prontas para um
desdobramento rápido > agmen quadratum, com o flanco esquerdo
protegido pelo rio Balissos (Belikh)
Partos surgem das pregas do terreno ; pensam lançar carga de
cavalaria, mas, como as linhas romanas eram fundas, optam pelos
arqueiros
Infantaria ligeira romana reage para contra-atacar, mas é
incapaz de atingir os adversários e tem de recuar à pressa, sob
uma chuva de flechas
- coluna romana imobiliza-se sob a chuva de flechas: Partos
traziam uma longa fila de camelos com reserva de setas
Crasso manda filho Públio avançar com bons cavaleiros, arqueiros
e infantaria auxiliar, de modo a ganhar tempo e poder formar uma
“tartaruga” impenetrável
- legionários no perímetro usavam o escudo retangular como
telhas para defenderem os flancos, enquanto os auxiliares
erguiam os escudos ovais para se defender do tiro curvo,
menos perigoso
↓
69
Para organizar isto, Crasso tinha de inverter o seu dispositivo
(legionários para fora e auxiliares para dentro), longe do rio:
arriscado!
Manobra de diversão de Públio resultou, mas o jovem entusiasmou-
se e perseguiu os adversários
arqueiros partos atraem perseguidores até junto da cavalaria
catafractária > cercados pelos arqueiros e com a cavalaria
pesada pártica na frente, a coluna de Públio é dizimada
- refugiam-se numa pequena duna, mas são aniquilados,
incluindo Públio: gravemente ferido, mandou que o matassem
Crasso hesita e adversários reaparecem, mostrando a cabeça de
Públio!
↓
Fase final , com Partos a usar pela 1ª vez a cavalaria pesada
contra infantaria; mas não podem ter sido eles a atacar a
infantaria romana em tartaruga!
Receando o afundamento moral das suas tropas (baixas, inércia
frustrante, etc.) é provável que tenha sido Crasso a mandar
avançar, lançando as coortes pela planície
↓
Desastre , os primeiros destacamentos (3 ou 4?) devem ter sido
logo atacados à saída do quadrado e desbaratados pelos
esquadrões couraçados dos partos, antes de poderem formar
devidamente
Cai a noite, que não traz remédios aos Romanos
70
No dia seguinte : debandada indisciplinada das forças romanas
(ainda consideráveis), após entregarem Crasso ao inimigo!
Retirada sem salvação possível (perseguidores a cavalo muito
mais ágeis!)
Conclusão = a anormalidade da derrota de Crasso na Mesopotâmia;
não foi como em Canas (cercados), Trasimeno (emboscados),
inferioridade numérica e mau comando (Teutoburgwald), onde foram
aniquilados de forma mais ou menos rápida. Também não foi como
nas Forcas Caudinas (obrigados a render-se) ou em Numância
(idem)
Em Carras, pela 1ª vez, um exército romano disposto in acie
soçobrou sem combater até final, desagregando-se por
incapacidade psicológica e afundamento moral!!
a responsabilidade do desastre só em parte cabe a Crasso, que se
organizou da forma tradicional no campo de batalha
- Romanos nem deviam ter grandes informações sobre a arte
militar pártica; deviam pensar que seria do tipo
helenístico-oriental, género Mitridates ou arménio
o problema foi a má preparação da campanha : Crasso ignorou os
avisos de desertores e fugitivos sobre as armas dos Partos, não
quis rever o plano de invasão (como alguns conselheiros
sugeriram), e negligenciou o treino das unidades de recrutas
em Carras, foi visível a impotência do exército romano para
impor o género de combate que lhe convinha > teve de suportar
71
uma chuva homicida de flechas e, depois, não conseguiu atingir
o adversário...
└ sem iniciativa ou manobra possível, tudo dependeria do génio
do comandante (e Crasso não tinha esse talento). Restou a
debandada de soldados sem experiência e desmoralizados
os Partos, em Carras, tiveram tudo a favor:
→ um adversário muito menos móvel, mal treinado e
indisciplinado
→ um general velho e pouco talentoso, que não conhecia o
adversário e nem tomou medidas preventivas contra o seu
armamento
as flechas dos Partos : pontas com bárbulas/retorcidas ou
equipadas com asas (Plutarco)? Talvez antes pontas de secção
triangular ou quadrangular, capazes de penetrar os escudos ou as
couraças (ver Cícero)
↓
sob o poder do arco, a ponta da flecha agia como uma “cunha”
que, infiltrando-se entre os anéis, conseguia penetrar a “lorica
hamata”
o pilum dos homens de Crasso : seria o adotado por Mário, ou o que
César acabara de conceber na Gália (um segmento da ponta, em
metal brando, dobrava-se no momento do impacto)? Em qualquer dos
casos, seria bom contra bárbaros meios nus, mas não contra
arqueiros com armas com um alcance muito maior, ou contra
catafractários ...
72
Mesmo assim, os Partos não aniquilaram, apenas desgastaram o
adversário. E até poderiam ter perdido, caso Surena, no início,
tivesse optado por usar os seus cavaleiros, contra as legiões
dispostas em ordem profunda!
- ver Tácito e a aniquilação de 9 mil catafractários
Roxolanos na Mésia, pelos Romanos, que os surpreenderam
└ cavaleiros deste tipo soçobravam se fossem atacados
antes de ganharem ímpeto de carga, ou caso desmontassem!
- sob o peso das suas couraças, a pé eram um alvo fácil
para os legionários com gládio e pilum
↓
catafractários de Surena , se tivessem atacado logo, teriam
desbaratado as 5 ou 6 primeiras linhas romanas, mas depois,
cercados por adversários melhores no corpo a corpo, teriam sido
desarçonados e chacinados
o génio de Surena, em Carras : percebeu que a infantaria
adversária era diferente da habitual e inverteu a tática:
desgastou os Romanos com os arqueiros e soube esperar até os
adversários estarem na única formação vulnerável ao ataque dos
cavaleiros couraçados
a força dos catafractários era mais aparente do que real, e só
podiam atacar uma infantaria como a romana se esta adotasse um
determinado dispositivo: a ordem em coortes, unidades médias que
os catafractários podiam desbaratar pela simples força das suas
cargas.
Táticas boas contra Partos :
73
→ dispositivo em profundidade, ou, em alternativa,…
→ … linhas abertas, ou então…
→ … um véu ligeiro de tropas, para esgotar o adversário e
lançá-lo no vazio
Carga de cavalaria = uma tarefa exigente: depende do terreno,
dos cavalos, do peso do equipamento... Distância do início da
carga tem de ser bem calculada (muito cedo = insuficiente; muito
tarde = impacto atenuado/embotado)
↓
Dispositivo em manípulos, com três linhas em profundidade, pode
ser muito mau para os catafractários: a carga incide nos hastati e
já chega sem força aos principes; os catafractários, aí, sendo
muito pesados, não conseguem nem voltar a arrancar, nem
recuar ...
Em Carras , Surena esperou até ter uma formação pouco profunda,
mas suficientemente densa para valer a pena lançar a carga dos
catafractários sem qualquer risco
4. A réplica romana (pp. 214-232)
Em teoria, Carras podia repetir-se nas planícies
mesopotâmicas ...
... mas as fontes dizem que os Partos não gostavam muito de
batalhas campais
74
Desde Nero (54-68), parece que as legiões retomaram a
iniciativa, até aos inícios do séc. III d.C., penetrando várias
vezes na Pártia e tomando as grandes cidades (Ctesifonte,
Selêucia do Tigre), com os exércitos párticos a evitar grandes
batalhas
↓
Ver a campanha de Corbulão na Arménia, em 58-60 d. C.
- tomou muitas cidades e Tiridates recusou sempre o
contacto: só emboscadas e ataques aos apoiantes romanos
1ª expedição de Septímio Severo (194-195) para perseguir os
fugitivos da hoste de Pescennius Niger > foi tão fácil que o
Severo nem quis o título de Parthicus Maximus!
2ª expedição(197-8): só 6 meses, terminou com a formação da
província da Mesopotâmia
Os dois casos mais interessantes : a guerra de Trajano na Pártia
(114-117) e as aventuras de Avídio Cássio e de outros generais
de Lúcio Vero, no reinado deste e do seu irmão Marco Aurélio
(162-166)
esta última foi a mais delicada guerra dos Romanos contra os
Partos. Estes aplicaram-se e houve mesmo batalha, uma delas de
grande dimensão. Mas os Romanos venceram sempre
- restam breves descrições de Luciano, nomeadamente sobre a
batalha de Dura Europos, em que Avídio Cásio esmagou os
Partos aos milhares!
- outro exemplo: vitória de Avidio Cássio em Circesium,
provavelmente para controlo de vau no Eufrates
75
- outro: após a tomada de Nisibe, Márcio Vero venceu em
combate junto ao Tigre e o general Cosroés teve de o
atravessar a nado para se salvar
a guerra pártica de Trajano (114-17)
→ bem conhecida, apesar de algumas incertezas cronológicas
→ deve ter sido decidida em fins de 112 (Adriano partiu
para a Síria nos finais do outono de 111, provavelmente
para preparar as operações)
→ causa: rei arsácida Osroés interveio na sucessão da
Arménia, substituindo Exedarco (filho de Pácoro II,
anterior rei dos reis) pelo seu irmão mais velho,
Parthamasiris, durante a festa do 15º aniversário do
imperador Trajano > uma afronta!
Trajano deixa Roma no outono de 113, com pequena escolta e entra
na capital síria (via Atenas-Éfeso-Antioquia) a 7 de janeiro de
114
Adriano cede-lhe o comando dos destacamentos que reunira
Trajano rejeita embaixadas de Osroés e avança pela Síria
(Zeugma, Melitena), recolhendo legiões e outras forças (ao todo,
com os auxiliares, eram cerca 80 mil homens)
Trajano penetra na Arménia ; Parthamasiris vem ao seu encontro,
em Elegeia: suplica, mas sem sucesso. Trajano declara a anexação
da Arménia
- Parthamasiris é mandado para a prisão, morrendo durante a
viagem, em circunstâncias mal esclarecidas
76
└ deve ter sido Trajano a mandar matá-lo: cf. Arriano
Trajano domina a Arménia sem oposição; submissão de muitos
sátrapas e reis clientes que não queriam perder os seus
tronos...
114 (?) tomadas de Nisibe e Batna; pontaria a Edessa
fonte principal : Xifilino, que resumiu Dião Cássio, deve ter
concentrado os eventos de 114-115
Lúcio Quieto (um berbere e o melhor general de Trajano) invade a
Adiabena; com Trajano, atacam depois a Mesopotâmia Norte por
dois lados. O Osroeno fica livre, como Estado cliente sob
proteção de Roma
conquista da Mesopotâmia terminada antes do final do ano de 115.
Trajano “o Pártico”
inverno de 115-116 em Antioquia, seguido da última campanha de
Trajano:
→ uma coluna atravessa o Tigre e invade a parte ainda livre
da Adiabena
→ rumo ao Sul, como Alexandre (Ninive, Arbela, Gaugamela) >
criação da província da Assíria
→ segunda coluna: até Babilónia, sem oposição
→ Trajano: Dura Europos, descida do curso final do
Eufrates, com apoio de frota para atacar Ctesifonte.
Ocupação rápida da capital pártica, depois de tomar
Selêucia
Regresso vitorioso de Trajano , em ritmo de cruzeiro no Tigre,
até Spasinou Charax (margens do Golfo Pérsico)
77
Eis senão quando: rebenta uma revolta generalizada que apanha os
Romanos de surpresa > morte do cônsul Ápio Máximo, Trajano
ocupado administrativamente, má avaliação do problema.
Instigador da revolta: Sanatrukes, neto de Osroés
Vingança dura dos Romanos : Lúcio Quieto retoma e destrói Nisibe
e Edessa; duas legiões sob Eurúcio Claro e Júlio Alexandre tomam
Selêucia, que devastam. Trajano vence e mata Sanatrukes (talvez
entregue por Parthamaspates, filho de Osroés, que se passou para
os Romanos, como rei cliente)
Trajano falha em Hatra, vai invernar a Antioquia, mas adoece e
morre a caminho de Itália (117)
Adriano renuncia às últimas conquistas
a estranha inércia dos Partos durante a campanha de Trajano , o
que surpreendeu o próprio imperador, que manteve o alerta e o
treino intensivo
a fuga de Osroés , abandonando o trono de ouro e a filha em
Ctesifonte (Dião Cássio)
↓
muita coisa mudara, desde Carras -53, e sobretudo devido à
evolução do armamento romano!
até às batalhas de Gindarus e do Monte Amanus (39 a.C.) os
Partos contaram também com fundibulários poderosos (bolotas de
chumbo mortais, mesmo para os catafractários, e alcance maior do
que o do arco a cavalo)
mas, na época júlio-cláudia, o armamento romano evoluiu:
78
→ novo pilum, com ferro muito mais resistente e uma esfera
de chumbo > peso e força de penetração muito superiores
→ nova couraça, segmentata (de lamelas articuladas), desde
o 2º quartel do séc. I d.C.
↓
parece que o novo “pilum” foi pensado sobretudo contra os
catafractários párticos ou sármatas
já sobre a nova couraça, a Arqueologia mostra sobretudo
vestígios dela na Europa do norte e ocidental (especialmente em
Inglaterra)
Mas, na Europa, a infantaria legionária era guardada sobretudo
como reserva (avançavam os auxiliares), equipada com a lorica
hamata ou squamata (embora o troféu de Adamklissi mostre
legionários com a lorica segmentata)
Estudou-se foi mais o caso do Ocidente (limes, etc.)! A lorica
segmentata deve ter tido uma grande difusão , e a documentação até
mostra que pode ter sido usada também por auxiliares
A lorica segmentata é menos maleável e cómoda do que a lorica hamata,
mas é mais curta (começa na cintura e deixa os braços livres),
mais leve (9 kg em vez de 12 a 15 kgs) e mais fácil de fabricar.
Por isso, pode ter sido preferida em teatros de guerra
acidentados na Europa
a introdução quase simultânea do novo pilum e da nova couraça não
pode ter sido por acaso! E a lorica segmentata não pode ter
permanecido incógnita no Oriente por muito tempo
↓
79
a cota de malhas não oferecida nenhuma defesa às flechas longas
do poderoso arco compósito; mas a lorica segmentata, com as suas
placas de pelo menos 1mm, grande parte delas sobrepostas, sim
(tal como as armaduras do séc. XV)
contra a lorica segmentata, só o arco de ferro a lançar dardos
curtos e densos; mas isso, na Antiguidade, só se conseguia fazer
com máquinas de guerra!
Frontão (n. c. 90, orador, Principia Historiae) e Vegécio (II, XV)
parecem depor a favor da tese de Brizzi sobre a relação entre as
inovações do armamento e as campanhas no Oriente
assim se pôs fim à superioridade militar pártica exibida em
Carras
a lorica segmentata foi, finalmente, uma boa reposta às letais
flechas dos Partos!
e o pilum pesado já conseguia ser mortal contra catafractários,
tirando partido da conjugação do peso da arma com a velocidade
do cavaleiro adversário
- quando acertavam no cavalo, ainda melhor: isso arrastava
a queda dos que se seguiam e travava a carga de cavalaria,
mesmo a curta distância!
↓
a alta nobreza arsácida (que fornecia os cavaleiros
catafractários), vendo-se tão impotente quanto os cavaleiros
franceses em Courtrai-1302, preferiu retirar-se dos teatros de
guerra orientais durante quase um século (exceção: batalha de
Dura-Europos, segundo Herodiano)
80
isto desvalorizou também a ação dos arqueiros montados, que já
não podiam combinar com os cavaleiros ...
mas houve mais ameaças romanas aos catafractários , a partir do
séc. II d.C.:
→ 10 ónagros (lançamento pedras) por legião
→ 50 balistas em carros por legião, sempre a postos, mais
pequenas do que a artilharia tradicional e, agora, todas em
metal!
→ linhas de arqueiros e fundibulários à frente da
infantaria pesada (cf. Vegécio, II, XXIII), capazes de
arremessar mísseis até 175 m de distância!
- ex: o fustíbalo, uma funda agarrada a um bastão
- e os arqueiros a pé romanos usavam agora uma arma com
alcance superior à dos hippotoxotai párticos
└ conclusão: o cavaleiro couraçado pártico deve ter querido
poupar-se a isto tudo e retirou-se
alternativa dos Partos : encolher-se e apostar na mobilidade da
cavalaria ligeira com arco, ir mudando de cenário, evitar a
batalha, doravante arriscadíssima, etc.
a época antonina (96-192) conheceu também um grande
enriquecimento das forças montadas romanas:
81
→ catafractários, ainda antes do séc. III, para apoiar os
cavaleiros legionários (ver contarii, com lança longa de duas
mãos = o contus)
→ incorporação de unidades de cavaleiros Partos, Arménios,
Celtas e Sármatas, com os seus métodos e armas tradicionais
(segundo Arriano: por ordem do imperador Adriano)
→ unidades indígenas ligeiras de Creta, Cirenaica, Numídia,
Levante (= os numeri, como p. ex. Mouros com esquadrões
berberes essenciais para Trajano)
↓
Romanos passam o Eufrates com tropas muito variáveis e
imparáveis: legionários e auxiliares; cavalaria pesada e
cavalaria ligeira; arqueiros, fundibulários, artilharia ...
Arsácidas não tinham hipóteses em batalha campal!
Restava aos Partos a guerrilha , as emboscadas contra pequenas
unidades isoladas, o truque da “flecha do Parto” em fuga (que
agora se tornou proverbial entre os Romanos)
Romanos podem não conseguir agarrar um adversário em fuga, mas
podem invadir o seu território e ir cercando aos poucos as suas
cidades, reduzindo o espaço ao adversário
- agora era a vez de Roma levar vantagem neste confronto entre
dois modelos militares inconciliáveis ...
5. A outra ameaça (pp. 232-244)
82
Porquê, então o extraordinário regresso em força dos Partos em
116?!
Ápio Máximo Santra e a sua pequena escolta foram liquidados por
um bando de revoltosos
Para dominar Sanatrukes, não deve ter sido preciso Trajano
(bastou uma armadilha com a colaboração de Parthamaspates e uma
força irregular)
A revolta deve ter surgido nos meios urbanos mais importantes
(Selêucia do Tigre, Edessa, Nisibe), mas sem origem na população
grega
O denominador comum nessas três cidades era outro: a existência
de fortes comunidades judaicas
Trajano mobilizou muitas legiões e desguarneceu as províncias
orientais, o que facilitou a eclosão de revoltas judaicas na
Cirenaica, Egito e Chipre, que precederam o que sucedeu na
Pártia
- revolta na Cirenaica = 115-116, segundo Eusébio
O que agitou o mundo judaico : a queda do Templo, em 70:
→ desaparecimento do grande centro espiritual e
transferência da autoridade e do ensino religioso para as
sinagogas e as escolas rabínicas
→ emigração massiva reforça laços espirituais, culturais e
políticos entre Judeus da Diáspora
→ contacto com a ideologia dos Zelotas (muito anti-
Romanos)!
83
Final do reinado de Trajano: articulação cada vez mais nítida
entre os vários cenários judaicos na luta contra Roma (cf.
Eusébio, especialmente a sua versão arménia)
Não foi por acaso que coube a Lúcio Quieto (conquistador de
Nisibe e Edessa) reprimir a revolta na Mesopotâmia, enquanto
governador da Judeia
exércitos partas limitam-se a recuar no terreno ... e só contra-
atacam quando as forças romanas se dividem por razões
operacionais ditadas pela revolta geral
enorme concentração de tropas romanas além Eufrates leva a que a
revolta comece não na Mesopotâmia, mas sim na Diáspora oriental
os Judeus aspiravam a expulsar os Romanos da Ásia e a
restabelecer um Estado judaico independente na Palestina. E
contavam com a ajuda dos poderosos Partos para isso
A queda do Templo pôs tudo em risco... Se os Judeus da
Mesopotâmia tivessem adivinhado, teriam acorrido em massa...
agora, para não repetir o erro, juntaram-se todas as forças
judaicas, perante a iminência do naufrágio dos Arsácidas (que
punha em risco a liberdade dos seus irmãos da Mesopotâmia)
também havia motivações económicas (receio do aumento dos
tributos), mas as principais motivações foram ideológicas
- a infâmia do generalizado fiscus Iudaicus
↓
84
no fim, foi a coragem fanática dos Judeus e das suas comunidades
que travou os Romanos (e não os Partos, que se devem ter
limitado a tirar partido da situação!)
Judeus achavam que só deviam obedecer a Iavé; e como já tinham
tido um Estado fundado no Judaísmo...
Romanos tiveram de se adaptar à guerrilha (coisa de que nunca
tinham gostado!)
- lembrando Fábio Máximo contra Aníbal
Énio (“Anais”): só se é verdadeiramente vencedor quando o
vencido reconhece a sua derrota!
Roma teve de jogar este jogo e de assumir que, como dizia
Cícero, uma resistência extrema não é motivo suficiente para
recusar clemência aos vencidos
Os Romanos não aceitavam é que um adversário que tivesse deposto
as armas pudesse rebelar-se novamente (cf. discurso de Herodes
Agripa, segundo Flávio Josefo)
- era como que uma violação da fides, uma fraude
O episódio de Masada , fortaleza erguida por Herodes “o Grande”
num esporão rochoso no sudoeste do Mar Morto:
→ rebelou-se logo em 66 e resistiu mais 3 anos após a queda
de Jerusalém (refúgio e Sicários, sob Eleazar bem Yaïr )
→ governador L. Flávio Silva tinha várias hipóteses
(contava com 7 mil homens) e optou por um cerco paciente e
com poucos riscos de baixas
→ terrapleno romano com mais de 88 m de comprimento,
coroado por uma plataforma de pedra
85
→ no cimo: torre de assalto com rodas e coberta de ferro
(26,5 m de alto) para bater as defesas exteriores
→ sitiados optam por um suicídio coletivo: 960 vítimas
(incluindo mulheres e crianças); só escaparam 2 mulheres e
5 crianças (nas galerias subterrâneas)
↓
Herodes Agripa avisara! Roma não perdoaria, nem facilitaria para
punir os rebeldes...
Judeus, mais do que guerrilha, praticavam uma “guerra do
povo” ... permanente, extensiva a todas as camadas
populacionais, passando à clandestinidade após a derrota. Capaz
de recorrer a todos os métodos, alimentada pela ideologia!
Foram os Judeus os primeiros (e únicos?) no Mundo antigo a fazer
do monoteísmo um sentimento de identidade nacional!
Praticaram, primeiro contra os Selêucidas e depois contra os
Romanos, uma “guerra total” (da resistência passiva à revolta,
incluindo raptos, destruição de arquivos, fuga para a montanha
ou deserto, atentados dos Sicários, etc.)
A resistência passiva foi o que funcionou melhor, por vezes. Mas
acabou por ser preterida em prol da violência (pública ou
privada)
Judeus contavam com o apoio externo dos Partos, mas estes (o
Irão) é que aproveitaram, capitalizando em proveito próprio a
coragem judaica contra os Romanos
86
Nas duas vezes que se revoltaram sozinhos contra Roma (em 66-70
e em 131-135), as perdas que os Judeus causaram aos exércitos
romanos foram muito maiores do que as causadas pelos Arsácidas!
Conclusão (pp. 253-256)
Com os Severos (a partir de 193), a estrutura militar romana
entra em declínio
Romanos apostaram forte na cavalaria , que elegeram como arma
mais eficaz? Talvez não!
A infantaria , se bem treinada e comandada, permaneceu até tarde
superior à cavalaria
Vegécio tinha razão , as condições básicas da organização militar
é que já não eram as mesmas...
Primeiro sinal de declínio: o armamento individual deixou de
evoluir (ao contrário do sucedido desde o séc. VII a.C.) a
partir dos mesmos arquétipos originais:
→ lorica segmentata (a mais cómoda de todas) desaparece
(última representação: arco de Septímio Severo)
→ casco e couraça restringem-se à cavalaria pesada e aos
oficiais
Explicação para este processo fulgurante (cerca de meio século
apenas!):
→ incorporação militar de contingentes bárbaros desde
Gordiano III (238-44)
→ relaxamento da disciplina
Mas há outros factores, mais complexos:
87
→ oposição Império Romano do Ocidente – Império Romano do
Oriente
→ conflito com os Judeus (apenas superficialmente
romanizados)
Judeus e outros orientais acabaram por se vingar de outro modo :
controlando o tráfico das mercadorias preciosas (o que
desequilibrou a balança comercial e enfraqueceu o Império Romano
do Ocidente); segregando novas ideias e valores (cidadãos >
súbditos, cultos orientais, Cristianismo, poder político como
mera emanação do divino, etc.) que minaram as conceções de base
do império e da vida municipal (profundamente aristocráticas)
↓
O ideal do hoplita (ou do legionário, que é a mesma coisa!) não
podia sobreviver a uma tal crise e ao conceito, exportado do
Oriente, da superioridade da cavalaria
Com Alexandre Severo (222-235): alistamento em massa de
auxiliares orientais (ofensiva militar desde 223 pelos Persas
Sassânidas de Ardaschir)
Declínio da base tradicional do exército romano = um reflexo
melancólico do afundamento das estruturas cívicas do Império e
da emergência de um novo mundo
FIM
88