apostila 07
TRANSCRIPT
SABARÁ: TRANSFORMAÇÕES PAISAGÍSTICAS
Resumo Este trabalho analisa a evolução da paisagem urbana da sede de Sabará, situada na região
metropolitana de Belo Horizonte utilizando como instrumento a Morfologia Urbana.
O objetivo do trabalho é apreender as alterações da paisagem histórica da sede de Sabará desde sua
criação, no início do século XVIII, como Real Vila de Sabará, até os dias de hoje.
A Morfologia Urbana nos permite analisar as alterações da paisagem urbana no tempo considerando
a implantação do edifício no terreno, das vias nos bairros, dos bairros na malha urbana e desta última
no sítio. Os fatores geográficos, econômicos, políticos, urbanísticos e sócio-culturais são os
responsáveis pelas mudanças da paisagem urbana.
A pesquisa avaliará o sítio natural, a mancha urbana, as características da massa edificada e as
relações existentes entre eles. Além dos fatores geográficos e urbanos será observada a composição
arquitetônica dos edifícios.
A pesquisa se desenvolveu a partir de trabalhos publicados de diversos autores, de documentação do
Arquivo Público Mineiro, revistas especializadas e avaliação in loco.
Historicamente os recortes trabalhados são delimitados pelo período da criação da Vila Real de
Sabará, no inicio do século XVIII, até os dias atuais. Geograficamente os limites são determinados
pelo perímetro da área hipercentral e central urbana.
A expectativa é que esta análise possa servir para apontar transformações paisagísticas do distrito
sede de Sabará.
Introdução (...), a criação de formas construídas pelo homem surge ou de impulsos funcionais originados como resposta a �s pressões momentâneas, ou por exigências da sociedade em longo prazo. (CONZEN, 1966)
A relevância do conjunto de populações mineiras nos setecentos é inquestionável. Essas povoações
merecem ser reconhecidas como atores de um dos processos mais significativos da história urbana,
não apenas de ascendência lusitana, mas de toda a história urbana ocidental. São importantes pelo
que representaram política e economicamente para Portugal e também pela qualidade artística,
arquitetônica de que ainda são remanescências vivas. Articuladas em uma rede urbana de
concentração e proporções inéditas na colônia até então (meados do século XVIII), constituíram uma
experiência povoadora realmente singular que caracterizou importante etapa do estabelecimento
urbano brasileiro.
O objeto de estudo deste artigo, Sabará, insere-se neste contexto. O município está localizado na
região metropolitana de Belo Horizonte, capital do Estado de Minas Gerais, Brasil. Apresenta um
tecido remanescente do período colonial acrescido de inúmeras sobreposições ocorridas ao longo do
tempo.
Figura 1 – Localização do Município de Sabará, Minas Gerais, Brasil.
Fonte: <http:// www.sabara.mg.gov.br>.
Este artigo busca apreender as alterações da paisagem histórica da sede de Sabará desde sua
criação, no início do século XVIII, como Real Vila de Sabará, até os dias de hoje. Geograficamente os
limites desta análise são definidos pela área central e hipercentral.
Figura 2 – Localização da área analisada.
Fonte: Google Earth.
Através de observações in loco desenvolveu-se uma metodologia que buscou avaliar o sitio natural, a
mancha urbana, as características da massa edificada e as relações existentes entre eles, também
se analisou o traçado das vias que irrigam o núcleo histórico e que fizeram a ligação entre seus vários
povoados a partir de princípios abordados pelos autores Lynch 1 e Panerai 2.
A implantação das edificações nos terrenos, das vias nos bairros, dos bairros na malha urbana, e
desta última no sítio, os fatores geográficos, econômicos, políticos, urbanísticos e sócio-culturais são
os protagonistas na mudança da paisagem urbana. Esta afirmação é validada pelas três lições
fundamentais de Muratori3:
O “tipo” não pode ser caracterizado fora de sua aplicação concreta, isto é, fora de um tecido construído;
1 Autor do livro A Imagem da Cidade. 2 Arquiteto e urbanista, fundador do Laboratório História Arquitetônica e Urbana/ Sociedades, LADRHAUS. 3 PANERAI,2006.
O tecido urbano, por sua vez, não pode ser caracterizado fora do seu contexto, isto é, fora do estudo do conjunto da estrutura urbana;
O estudo de uma estrutura urbana só pode ser concebido em sua dimensão histórica, pois sua realidade fundamenta-se no tempo por uma sucessão de reações e de crescimentos a partir de um estado anterior.
Para melhor ilustrar as alterações sofridas pelo tecido urbano de Sabará, serão apresentadas
modificações em duas áreas distintas. A primeira destas áreas remete à transformação do tecido
colonial sobreposto pela estrutura urbana criada para atender a demanda por habitação para
funcionários da indústria na primeira metade do século XX.
A segunda área em questão insere-se no tecido urbano da sede, remanescente do período colonial,
a Rua Mestra Ritinha, que foi aberta sobre uma antiga grota situada entre as ruas Dom Pedro II e São
Pedro provocando drásticas alterações na paisagem.
Esperou-se com a análise destes casos exemplares demonstrar como as alterações sofridas por
algumas áreas do distrito sede se adequaram ás necessidades dos tempos atuais e também da
sociedade local.
Histórico: Do período colonial até os dias atuais
Sabará tem seu surgimento no período colonial brasileiro. A abertura do sertão brasileiro inicia-se
sem qualquer interferência ou fiscalização Real. No final do século XVI têm-se notícias das primeiras
boiadas a penetrar os sertões ao longo do Rio São Francisco, “as boiadas realizavam penetração
inicial, e atrás delas pequenos grupos de colonos estabeleciam-se” 4.
Em 1709 foi criada a capitania das Minas do Ouro, Minas Gerais, que teve em sua formação um
caráter predominantemente urbano, em contraponto ao que acontecia nas terras litorâneas5. É
importante ressaltar que a descoberta de ouro na Minas despertou a cobiça da Coroa e aguçou seu
interesse pela região.
O povoamento das Minas se deu de forma mais intensa que em outras regiões da colônia.
Acontecendo de forma espontânea “resultado da ação de indivíduos que agiram por conta própria,
movidos por sua ambição de riquezas (ou por um simples instinto de sobrevivência)” 6.
No final do período colonial a província de Minas Gerais contava com cerca de quatrocentos núcleos,
distribuídos em quatro comarcas, sendo elas Rio das Mortes, Rio das Velhas, Serro Frio e Vila Rica.
Em 1815, é criada a comarca de Paracatu.
Sabará se encontra na comarca do Rio das Velhas, tem origem num arraial de bandeirantes que
apareceu no fim do século XVII. Em 1707 eleva-se a categoria de freguesia, em 1711 é elevada a
vila, com o nome de Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará. Só vem a receber o título
de cidade em 1838.
O Poder do Estado português, apesar de centralizador, nunca pretendeu ser uniformizador e rígido.
Esta forma de atuar pode ser facilmente sentida em Minas Gerais onde se impôs de diversas
maneiras. A riqueza encontrada em Minas Gerais exigiu da Coroa a criação de uma organização
administrativa eficiente e opressiva quando necessário. Minas Gerais se reforçou enquanto unidade
política, ganhando território, população e progresso. Porém o Estado português falhou em não criar
uma estrutura eficiente de exploração dos metais nas Minas Gerais. A falta de assistência e a
ganância por parte do Estado português são alguns dos fatores que desencadeiam a decadência da
atividade mineradora. A ausência de geólogos, de engenheiros e de mineralogistas fez com que
apenas o ouro de superfície fosse explorado. Associado a isso se tem à má distribuição das terras e a
falta de mão de obra escrava.
4 DELSON,1997. 5 Nas regiões litorâneas a atividade agrícola dos grandes latifúndios não estimulava o surgimento de novas povoações nem o desenvolvimento das já existentes, as cidades serviam apenas como área de embarque e desembarque de mercadorias e onde os senhores de engenho possuíam casas suntuosas raramente utilizadas. 6 FONSECA,2003.
Com o declínio da atividade mineradora e principalmente após a Inconfidência Mineira, as cidades do
Ciclo do Ouro, que até então possuíam um caráter mais urbano e denso do que as das outras
capitanias se esvaziaram. Minas Gerais entra no século XIX em franca decadência. Apesar da
insistência de alguns na atividade mineradora, são a pecuária e a lavoura que passam a se destacar.
A exaustão da mineração do ouro levou a população de Sabará a procurar, no curso do século XIX,
alternativas para sua subsistência econômica. A condição de empório natural do comércio de tropas
entre o centro da província e as regiões do sertão e do norte-nordeste mineiro e a zona de Caeté e
Santa Bárbara, de que a antiga Vila Real já desfrutava desde o período colonial, por si só não
bastaria para absorver a força de trabalho remanescente da atividade mineradora. A intensificação da
lavoura nas áreas circunvizinhas, a criação de pequenas indústrias rurais e urbanas, a indústria
extrativa mineral e o aprimoramento da cidade como centro de serviços para a região vizinha,
especialmente nos campos da educação e saúde, foram fatores que concorreram para a relativa
estabilização da economia local.
Com a chegada da família real em 1808 a organização político-administrativa do Brasil mudou e o Rio
de Janeiro passou a ser a sede do poder. Além disso, vieram as novas políticas econômicas
destacando-se a abertura dos portos, a liberação da indústria e da vinda de estrangeiros e a
assistência à agricultura e ao comércio.
A mineração passou a receber a assistência técnica devida e não mais se resumia à exploração do
ouro e do diamante. O ferro e outros minerais entraram em cena e a necessidade de se instalar a
indústria siderúrgica em Minas Gerais já era considerada.
A agricultura e a indústria foram estimuladas com a abertura de estradas que integrou a capitania ao
restante do país. Devido à sua localização no interior, desenvolveu-se em Minas Gerais a lavoura de
subsistência e não a de exportação. Após a ocupação do Vale do Paraíba, iniciou-se a abertura de
fronteiras para o plantio do café principalmente nas regiões conhecidas hoje como Zona da Mata e
Sul de Minas Gerais.
A pecuária, que ao lado da mineração foi responsável pelo povoamento do país e que era destinada
ao corte e à tração, teve seu aproveitamento ligado à indústria de laticínios e de couro.
A indústria têxtil, até então destinada à fabricação de tecidos grosseiros para atender ao escravo,
passou a produzir artigos de melhor qualidade sendo protegida por medidas que limitavam as
importações e pela assistência técnica.
O período de 1808 a 1821 destacou-se pela renovação no sistema produtivo da colônia apesar da
resistência da sociedade provinciana.
A partir de 1821 a cultura do café se fortaleceu nas zonas Sul e da Mata em Minas Gerais e a lavoura
passou de subsistência a de exportação. O café para exportação passou a ser o motor da economia
mineira apesar das técnicas precárias e da falta de estradas para o escoamento da produção.
A pecuária também se expandiu e atingiu o nível das exportações até a década de 1840 com a
criação de bovinos, suínos e eqüinos. Destacou-se nesta atividade a região Sul de Minas Gerais.
Apesar de um pequeno avanço no início do século XIX, as iniciativas em relação à indústria não se
desenvolveram após a administração de D. João VI. A mineração não se reencontrou devido aos
métodos de trabalho obsoletos e à falta de aprimoramento das técnicas, apesar dos esforços de
pioneiros. Ainda em relação às siderúrgicas, as distâncias até o litoral e a precariedade das vias para
escoamento da produção dificultaram o crescimento desta atividade. A exploração das minas de ouro
passou a ser feita, sobretudo por empresas inglesas ainda na região central da província.
Destacou-se também a indústria têxtil representada pela Companhia Industrial Mineira, estabelecida
desde 1839 no Distrito das Neves, Termo de Sabará.
Em 1840 iniciou-se o Segundo Reinado, caracterizado como uma época de progresso cultural, social,
bélico e industrial. A estabilidade política foi conseguida graças a uma estrutura político-administrativa
eficiente cujo alicerce estava na troca de favores entre o poder do Estado brasileiro e a elite agrária,
detentora do poder econômico. Justifica-se assim a construção de ferrovias, de açudes e de
siderúrgicas. O antigo problema do escoamento da produção começou a ser resolvido e a
urbanização das cidades portuárias foi estimulada.
Em 1888 foram criados ramais férreos ligando Sabará a Ouro Preto e ao Rio de Janeiro fazendo com
que a economia sabarense sofresse novo impulso.
As transformações sócio-econômicas ocorridas no século XIX levaram a monarquia à decadência.
Em nome da ordem, do progresso e da liberdade foi instituída a república no Brasil. Sob esta
bandeira foi criada a Nova Capital em Minas Gerais. No planejamento de Belo Horizonte a ordem
geométrica inaugurou pontos de vista específicos, anunciadores do poder da República. A construção
Nova Capital, em território desmembrado de Sabará representou um golpe para a vida e o
desenvolvimento da velha cidade quanto a sua função de centro cultural e de serviços.
Apenas nos anos 1920 é que Belo Horizonte começou a desenvolver o papel econômico de
integração das diversas e distintas regiões do estado. Tal período coincidiu com a expansão do setor
siderúrgico nas imediações da capital mineira.
A Zona Metalúrgica mineira, à qual Sabará fazia parte, passou a se destacar nacionalmente como o
principal centro especializado na produção de bens intermediários como o ferro-gusa, o aço e o
cimento. Voltando no tempo, a vocação do estado como centro industrial e minerador já era
considerada desde os anos de D. João VI no Brasil. Os efeitos da criação da Escola de Minas
começaram a surgir já em 1907 nos trabalhos do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Tais
estudos levaram o governo federal a adotar uma política de desenvolvimento da siderúrgica nacional
que incentivava as empresas para que construíssem usinas de transformação de apenas uma fração
do minério extraído para a exportação. Houve então uma mobilização dos políticos mineiros em
defesa do patrimônio mineral do estado. Esta atitude protecionista chefiada pelo governo do estado
favoreceu a viabilização de empresas de capital misto como a Belgo-Mineira que reunia capitais
belgas, luxemburgueses e mineiros.
A implantação da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira se deu através da absorção da Companhia
Siderúrgica Mineira por este grupo europeu já citado. Novos rumos foram abertos para Sabará,
convertendo-a em importante centro industrial. Este foi um dos períodos de grandes mudanças na
situação política, social e econômica da região tornando-se a Belgo-Mineira a principal empresa
siderúrgica do Brasil até 1946, ano da criação da Companhia Siderúrgica Nacional, instalada no Rio
de Janeiro e não em Minas como ambicionavam os políticos mineiros.
A partir da década de 1940, intensificou-se o crescimento populacional de Belo Horizonte. Na década
de 1960 a cidade chegou a 1 milhão de habitantes. O crescimento da capital fez com que
aumentasse o processo de conurbação da cidade com os municípios vizinhos, dentre eles Sabará.
A cidade de Sabará do século XXI sofreu inúmeras alterações. Por se encontrar em área periférica
em relação à capital, a favelização7 da urbe é um processo quase inevitável. Processos de
degradação do ambiente urbano e também da economia local fazem com que a cidade busque novas
formas de desenvolvimento econômico e social. O turismo tenta se impor e fornecer à cidade um
meio de preservar suas jóias arquitetônicas e urbanísticas. A imagem da cidade que hoje se
apresenta revela as lacunas e rompimentos decorrentes do crescimento atual.
7 O inchaço da cidade, produzido pelo rápido crescimento demográfico tem nos assentamentos informais – favelas, aglomerados, etc. – um conjunto de precárias condições de habitabilidade e perda de qualidade ambiental, resultado da excessiva densidade de ocupação do solo muitas vezes em situação de risco.
Sítio
Análise O sítio natural onde se situa o distrito sede de Sabará apresenta uma paisagem montanhosa
entremeada por vales e com pontos de altos declives. A mancha urbana desta área ocupa o vale do
Ribeirão Sabará no sentido nordeste – sudoeste e os morros que limitam este vale. Os perfis desses
morros possuem linhas curvas, horizontais ou ligeiramente inclinadas e descontínuas. O vale é
marcado por uma calha possuindo as maiores inclinações à medida que se distancia das margens do
Ribeirão Sabará (Figura 3).
Figura 3 – Vale do Ribeirão Sabará.
Fonte: ZOROASTRO.
A maior parte dos declives supera os 25% e a cobertura vegetal é composta por matas naturais
presentes na parte média das encostas e nas partes úmidas dos vales e pelo cerrado, sendo este
último o tipo predominante. O Ribeirão Sabará e o Rio das Velhas são os principais representantes
da hidrografia desta área, pois ao longo de seus cursos se deu a formação do núcleo urbano.
Histórico da ocupação do sítio São diversos os apontamentos encontrados indicando a maneira pela qual se deu a ocupação do
território sabarense. Parece razoável indicar a região do Arraial Velho, perto do qual se ergueu a
Capela de Santo Antônio da Mouraria como tendo sido o primeiro núcleo minerador do Rio das
Velhas8 (início do século XVIII) seguido pela Roça Grande próximo a antiga Capela de Santo Antônio
do Bom Retiro.
As igrejas são os exemplares remanescentes da ocupação inicial do território Sabarense, suas
localizações contribuem para apresentar o desenvolvimento da urbe (Figura 4).
Figura 4 – Igrejas.
Fonte: ZOROASTRO
Os principais caminhos do período colonial são paralelos ao leito do Ribeirão Sabará e não chegam a
desafiar as curvas de nível e sim se acomodam a essas de uma forma orgânica. As vias faziam a
ligação entre os pontos mais importantes desses núcleos urbanos e não possuíam qualquer ordem
geométrica. A ocupação era adaptada ao relevo e ao sítio e os espaços eram organizados e
interligados de acordo com a respectiva função.
(...) direi até que a cidade orgânica portuguesa, com suas características medievais, tende para a cidade perfeita, aquela em que cada um dos elementos exerce função natural, sobrepondo-se, assim, às plantas em xadrez ou traçados lineares longitudinais, que, freqüentemente manifestam incompreensão da cidade como ser vivo, funcional e intelectualmente ativo (SANTOS,2001).
8 PASSOS.
Paisagem urbana A formação da área central do município se deu originalmente por dois arraiais situados à margem
direita do Ribeirão Sabará sendo eles o Arraial da Igreja Nova e o Arraial da Barra formado no
encontro do Ribeirão Sabará com o Rio das Velhas e que teve seu desenvolvimento mais acelerado
devido a essa posição estratégica: estava situado no encontro dos principais cursos d` água e entre
outros arraiais situados nas margens desses cursos. A mancha urbana que, conforma a área central,
se formou e se consolidou por meio da união desses povoados e foi concretizada pela ocupação e
pelo arruamento da parte mais elevada respeitando os cursos hídricos e os caminhos já existentes
(Figura 5).
Figura 5 – Vista parcial de Sabará no início do século XX.
Fonte: Laboratório de fotodocumentação da EA UFMG.
A paisagem do período colonial de Sabará era formada pelas curvas dos morros e pelos planos dos
telhados e fachadas. A vegetação aparecia na cobertura dos morros e nos quintais das residências
gerando significativos bolsões de áreas verdes em meio às edificações.
O traçado orgânico das vias propiciava um parcelamento irregular das quadras formando lotes
estreitos e profundos ocupados por edificações que não possuíam afastamentos laterais e tinham nos
quintais a sua principal área verde. A ausência de afastamentos laterais entre as edificações
residenciais formava um conjunto homogêneo onde se destacava a sobreposição de volumes
prismáticos que seguia o traçado das vias e a multiplicidade dos planos inclinados dos telhados. As
edificações possuíam um ou dois pavimentos e apresentavam uma implantação informal devido ao
tamanho dos lotes (Figura 6).
Figura 6 – Edificações em Sabará no início do século XX.
Fonte: Laboratório de fotodocumentação da EA UFMG.
Os espaços de uso comum sempre foram valorizados no traçado urbano colonial e neles eram
realizados cultos religiosos, atividades comerciais e manifestações cívicas. Nas praças e nos largos
se encontravam os edifícios de maior expressão arquitetônica e institucional. Devido ao tipo de
tráfego da época, basicamente formado por carroças, cavaleiros e pedestres e à sua ocupação
espontânea, as ruas do período colonial eram estreitas e irregulares. Poucas possuíam calçamento e
os passeios ainda não existiam nesse período.
Esta paisagem que começou a surgir no final do século XVII devido às rotas de carga e às atividades
mineradoras, se consolidou no século XVIII com o apogeu do Ciclo do Ouro, e passou por raras
transformações ao longo do século XIX. No entanto, na transição do século XIX para o século XX,
novos fatores políticos, econômicos e sociais, citados anteriormente, foram determinantes para as
alterações sofridas pela paisagem urbana de Sabará.
O incentivo à industrialização ocorrido no Segundo Reinado com a construção de pontes, ferrovias e
centrais de produção de energia, a criação da nova capital mineira na área abrangida pela bacia do
Rio das Velhas no final do século XIX e a implantação do parque industrial da Companhia Siderúrgica
Mineira, em 1917, nas proximidades do Arraial de Tapanhoacanga contribuíram para alterar a
paisagem da urbe à medida que facilitaram a ocupação de áreas situadas no outro lado do Ribeirão
Sabará (Figura 7).
Figura 7 – Novos elementos na paisagem.
Fonte: Laboratório de fotodocumentação da EA UFMG.
A mancha urbana da cidade teve seu crescimento direcionado para o parque industrial ao longo das
margens do Ribeirão Sabará e da linha férrea situada do lado esquerdo do mesmo ribeirão devido à
criação de conjuntos habitacionais. A vila teve sua identidade sobreposta pela nova estrutura urbana
de caráter industrial que fez com que as vias estruturais se multiplicassem trazendo prejuízos à
estrutura urbana colonial. Estes foram causados principalmente pela alteração do sistema viário,
gerada para atender a demanda pelo transporte de carga (Figura 8).
Figura 8 – Evolução da mancha urbana.
Fonte: Elaborado pelos autores.
PARQUE INDUSTRIAL
MANCHA ORIGINAL
O espaço urbano colonial que se caracterizava por ser aberto ao uso público coletivo se utilizando de
praças, travessas, largos, adros e chafarizes passou a conviver com uma nova forma de ocupação do
sítio que priorizava os espaços individuais e minimizava a convivência. O estilo arquitetônico
abandonou formas orgânicas e passou a aderir a formas geométricas e os principais estilos são o
eclético, o neocolonial e os modelos utilizados pela Estrada de Ferro Central do Brasil.
Hoje, a mistura de estilos urbanísticos e arquitetônicos gerada por uma ocupação desordenada do
sítio faz com que na sede do município não exista um grande conjunto homogêneo de edificações em
um só estilo, mas pequenos conjuntos isolados com tipologias identificáveis dos diversos períodos de
sua ocupação.
Estudos de Caso Os dois casos elencados – a abertura da Rua Mestra Ritinha no tecido de origem colonial e parte da
vila operária da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira – foram analisados por possuírem elementos
legíveis na paisagem e dados históricos, geográficos, iconográficos relevantes e que permitem
elaborar um diagnóstico a partir dos princípios muratorianos.
Vila Operária da Companhia Siderúrgica Belgo Mineir a Segundo os princípios muratorianos podem ser reconhecidos como tipo 9 dois modelos de ocupação
do lote edificado na vila operária da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira. A análise apresentada
inclui os espaços abertos10 que, no caso, são representados pelos quintais e pelos afastamentos.
Pode-se dizer que suas relações em agrupamento revelam a organização elementar do tecido.
1937
2007
Figura 9 – Localização da vila operária.
Fonte: produzido pelos autores a partir do mapa IPHAN 1937 e Google Earth.
No inicio do século XX, quando o conjunto foi edificado, as casas de funcionários de cargos mais
elevados mantinham as áreas verdes nos quintais, possuíam afastamentos laterais e frontais e eram
edificadas em lotes de aproximadamente 360m2.
As residências dos operários tinham implantação geminada, não possuíam afastamentos frontais e
mantinham os quintais nos fundos e os afastamentos laterais apareciam somente a cada duas
moradias. Caracterizavam-se por uma ocupação concentrada, formal e pré-definida com casas de
pequeno porte e de um pavimento.
9 PANERAI, 2006:123. 10 Idem.
Hoje, as antigas vilas operárias localizadas nos arredores do parque industrial da Companhia
Siderúrgica Belgo Mineira, cujos lotes tinham o Ribeirão Sabará como limite nos fundos, tiveram a
maior parte das suas edificações alteradas. As intervenções executados pelos moradores consistem
em acréscimos de área construída, aparentemente não percebido pelo observador, situado na via
onde se localizam os lotes. O deslocamento deste observador para um ponto de cota mais elevada
possibilita a percepção das interferências na paisagem urbana do período industrial.
Figura 10 – Vista geral da Vila Operária em duas épocas: primeira metade do século XX e 2007.
Fontes: Laboratório de fotodocumentação da EAUFMG e arquivo pessoal.
A abertura da Rua Mestra Ritinha
As vias são canais de circulação ao longo dos quais o observador se locomove de modo habitual, ocasional ou potencial (LYNCH,1997).
1937
2007
Figura 11 – Localização da Rua Mestra Ritinha.
Fonte: produzido pelos autores.
As perspectivas proporcionadas pelo traçado colonial, ricas em pontos focais notáveis, foram sendo
aos poucos obstruídas com o desenvolvimento e crescimento da urbe.
A conformação da paisagem existente entre as ruas São Pedro e Dom Pedro II sofreu alterações
drásticas com a abertura da Rua Mestra Ritinha. Esta foi aberta11 sobre uma antiga grota situada
entre as ruas Dom Pedro II e São Pedro. Antes da abertura da via essa área era ocupada pelos
quintais das residências localizadas nas ruas já existentes e formavam um grande bolsão verde na
paisagem urbana colonial.
O limite dos fundos do lote também é uma linha muito particular, porque separa as parcelas servidas por uma rua daquelas servidas pela rua seguinte. Mais que simples delimitação de uma propriedade fundiária, essa linha é, de fato, a divisa entre dois territórios. Reta e contínua nos loteamentos ela é irregular nos tecidos antigos, seja porque no decorrer dos séculos os traçados perderam seu rigor original, seja porque o jogo de modificações e ajuste da propriedade fundiária tirou sua continuidade. Mesmo assim, ela às vezes se mantém e nos surpreende por sua nitidez, atravessando vários quarteirões e seguindo uma direção diferente do resto do parcelamento. Nesse caso, trata-se com certeza de alguma divisa anterior, como o leito de um antigo canal ou a fímbria de uma propriedade agrícola, que subsiste no tecido. (PANERAI, 2006)
11 Aberta em 1948, existia no local uma grota denominada córrego seco onde corria um fraco curso d´água que descia do morro que ficava atrás da rua 13 de maio, passava pela Rua São Francisco, descia canalizado pela Rua Princesa Isabel até a Rua Luis Cassiano, onde se iniciava a grota descendo até o Ribeirão Sabará.
Rua São Pedro
Rua Dom Pedro II
Quintais
Rua Mestra Ritinha
Rua Dom Pedro II Rua São Pedro
A ocupação informal dos quintais pelas edificações neles situadas compromete toda a conformação
do conjunto histórico presente na área. Mesmo sendo tombada em nível federal12, a Rua Dom Pedro
II tem suas edificações sendo alteradas nas fachadas posteriores onde, aparentemente, não
comprometem a uniformidade e homogeneidade do conjunto da rua. No entanto quando considerada
a conformação da implantação colonial poderão ser notados danos à paisagem urbana. Aqui também
os diversos usos são responsáveis por edificações distintas na sua volumetria e na sua superfície.
Século XX: primeira metade
1985
2007
2007
Figura 12 – Imagens das ruas São Pedro, Mestra Ritinha e Dom Pedro II.
Fonte: Laboratório de fotodocumentação da EAUFMG e arquivo pessoal.
12 27 de agosto de 1965. Processo 485-T.
Conclusão Como as paisagens urbanas são passíveis de se tornarem bens inúteis da sociedade, a sua gestão, inevitavelmente tem que enfatizar prioritariamente a preservação das formas tradicionais. (CONZEN, 1966)
A primeira consideração a ser feita se refere à necessidade de reconhecimento da importância e do
significado da paisagem histórica de Sabará pela própria população. Tal reconhecimento somente
será percebido se houver políticas de educação patrimonial em que o próprio cidadão seja o maior
fiscal da preservação da paisagem histórica e que o mesmo reconheça nela a sua história e a história
da cidade.
As intervenções arquitetônicas e urbanas podem vir a considerar aspectos contrastantes nos
detalhes, nas cores, nos materiais empregados e nas relações entre cheios e vazados. Algumas
estratégias simples, mas de grande efeito podem ser usadas como o respeito aos ritmos de vãos, e
aos materiais utilizados nas edificações do conjunto, porém sem criar o falso. A identificação e
análise dos tecidos urbanos e das tipologias locais devem ser feitas considerando volume, ritmo, área
de ocupação e tipo de telhado das edificações da área. As novas intervenções devem integrar a nova
inserção, sem agredir ou sobrepujar o existente, criando limites e identificando as temporalidades.
A proposta de gestão para uma cidade histórica como Sabará deve estar alicerçada nas idéias de
planejamento compreensivo, ou integral, rompendo as fronteiras da restauração e recuperação de
monumentos para abranger o todo dos centros históricos. A gestão é vista como um processo de
conservação do ambiente construído, dentro de um modelo analítico. O monitoramento da dinâmica
das transformações da cidade é feito pelo gestor, considerando interesses e conflitos. A ação sobre o
espaço urbano passa a ser vista como a busca de pactos restritos entre os atores para a realização
de intervenções no ambiente urbano, na análise do contexto e no controle e monitoramento das
ações dos atores. As ações pactuadas são organizadas segundo uma estrutura lógica de inter-
relacionamento possível entre as ações, segundo uma finalidade geral pactuada no início do
processo.
A gestão trabalha com diversos tipos de relações entre os atores com capacidade de comando sobre
os recursos ambientais urbanos: público e privado, público e não-governamental, privado e não-
governamental.
A preservação de uma determinada área de interesse envolve fatores urbanísticos, legais, sociais,
econômicos, políticos e culturais e todos eles devem ser considerados durante a implementação de
um plano de preservação. Por isso este trabalho se preocupou em mostrar as transformações
históricas e paisagísticas do distrito sede de Sabará sob o ponto de vista desses fatores, destacando
os principais atores deste processo.
Referências CONZEN, M.R.G. As paisagens Urbanas Históricas na Inglaterra: um problema de geográfica
aplicada. Newcastle: Northern Geographical Essays, 1966.
DELSON, R.M.. Novas vilas para o Brasil-Colônia, Planejamento espacial e social no século XVIII,
trad. Fernando de Vasconcellos Pinto. Brasília: Editora ALVA-CIORD, 1997:11.
FONSECA, C.D. Funções, hierarquias e privilégios urbanos. A concessão de títulos de Vila e Cidade
na Capitania de Minas Gerais. Revista Nossa História, N.29,Janeiro de 2003: 39-51
HOLANDA, S.B. (org.). O Brasil monárquico. Segundo volume: dispersão e unidade. São Paulo:
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1964.
LYNCH, K. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
MURATORI, S. Studi per una operante storia urbana di Venezia. Roma, Istituto poligrafico dello Stato,
stampa 1959.
PANERAI, P. Análise Urbana. Ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.
PASSOS, Z.V. Em torno da história do Sabará. 2º vol. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1942.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SABARÁ. <http:// www.sabara.mg.gov.br>. Acesso em 29/04/08.
SANTOS, P. Formação de cidades no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2001.
TEATROS DO BRASIL. <http://www.ctac.gov.br/tdb/portugues/teatro_sabara2.asp>. Acesso em
29/04/08.