a lei da reciprocidade quadrática

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A Lei da Reciprocidade Quadr´ atica Laiz Valim da Rocha Trabalho realizado no ˆ ambito do Semin´ ario Matem´ atico Disciplina da Licenciatura em Matem´ atica Orientador: Alfredo Costa

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A Lei da Reciprocidade Quadratica

Laiz Valim da Rocha

Trabalho realizado no ambito do Seminario MatematicoDisciplina da Licenciatura em Matematica

Orientador: Alfredo Costa

ResumoA Lei da Reciprocidade Quadratica e um importante resultado matematico com

inumeras aplicacoes na Teoria dos Numeros e na Algebra Abstrata, sendo o cernedeste teorema a busca de solucoes para congruencias quadraticas, assunto o qual,por muitas vezes, nao esta presente nos currıculos da graduacao. Neste trabalho,introduz-se conceitos e resultados necessarios para a assercao e compreensao do Te-orema, buscando-se sempre consolidar a construcao das ideias com o seu desenvol-vimento historico. Conclui-se apresentando uma demonstracao e algumas aplicacoessimples deste resultado.

Palavras Chave: Resıduos quadraticos, Sımbolo de Legendre, Lei da Reciprocidade Quadratica.

i

Sumario1 Resıduos Quadraticos 1

1.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 Conceitos Preliminares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21.3 O Sımbolo de Legendre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

2 A Lei da Reciprocidade Quadratica 42.1 As Leis suplementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42.2 O Lema de Gaus . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52.3 Uma prova para a Lei da Reciprocidade Quadratica . . . . . . . . . . . . . . . . 6

3 Aplicacoes da Lei da Reciprocidade Quadratica 83.1 Aplicacao no calculo da natureza quadratica de um resıduo: dois exemplos . . . . 83.2 Aplicacao as Equacoes Diofantinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

4 Consideracoes Finais 11

ii

1 Resıduos Quadraticos

Mathematics is the queen of the sciences

and Number Theory is the queen of

Mathematics.

Carl Friedrich Gauss

1.1 Introducao

Neste trabalho, apresentamos uma das maiores contribuicoes de Gauss (1777-1855) a Teoria

dos Numeros: A Lei da Reciprocidade Quadratica. Este importante resultado, conjecturado

pelos matematicos Euler (1707-1783) e Legendre (1752-1833), foi demonstrado pela primeira vez

por Gauss em 1801, em sua obra “Disquisitiones Arithmeticae”. Gauss demonstrava-lhe grande

apreco, denominando-o de “Theorema Aureum”.

No livro Reciprocity Laws: From Euler to Eisenstein, de Franz Lemmermeyer, publicado em

2000, aparecem citadas 196 demonstracoes diferentes da Lei da Reciprocidade Quadratica, dentre

elas, oito demonstracoes distintas sao atribuıdas a Gauss. Neste cenario, a primeira questao que

pode nos surgir e: Qual a beleza e importancia desta Lei que fascinou tantos matematicos ao

longo do tempo?

Podemos dizer, a grosso modo, que a Lei da Reciprocidade Quadratica lida com a solubi-

lidade de congruencias quadraticas. Para melhor elucidar, comecemos considerando a seguinte

congruencia:

ax2 + bx+ c ≡ 0 (mod p) (1)

onde p e um primo ımpar e a 6≡ 0 (mod p); ou seja, mdc(a, p) = 1. A hipotese de que p e um

primo ımpar implica que mdc(4a, p) = 1. Entao, a congruencia (1) e equivalente a:

4a(ax2 + bx+ c) ≡ 0 (mod p)

Usando a identidade

4a(ax2 + bx+ c) = (2ax+ b)2 − (b2 − 4ac),

a ultima congruencia escrita pode ser expressa como

(2ax+ b)2 ≡ (b2 − 4ac) (mod p).

Fazendo agora y = 2ax+ b e d = b2 − 4ac obtemos

y2 ≡ d (mod p). (2)

Se x ≡ x0 (mod p) e uma solucao de (1), entao y ≡ 2ax0 + b (mod p) satisfaz a con-

gruencia (2). Reciprocamente, se y ≡ y0 (mod p) e a solucao de (2), entao a congruencia

2ax ≡ y0 − b (mod p) pode ser resolvida para obter uma solucao de (1).

Entao, o problema de encontrar uma solucao para a congruencia quadratica (1) e equivalente

ao de encontrar uma solucao a uma congruencia linear e uma congruencia quadratica da forma

x2 ≡ a (mod p).

1

1.2 Conceitos Preliminares

Definicao 1.1. Denotemos por Un o grupo das unidades de Zn, com n inteiro, ou seja, das

classes k + nZ modulo n tais que mdc(k, n) = 1. Um elemento a ∈ Un e um resıduo quadratico

modulo n se a = s2, para algum s ∈ Un. Caso contrario a e dito resıduo nao-quadratico. O

conjunto formado por tais resıduos quadraticos e denotado por Qn.

Note-se que, se a ≡ b (mod p) entao a e um resıduo quadratico se e so se b e um resıduo

quadratico modulo p, o que decorre diretamente da definicao. Assim, precisamos determinar o

carater residual quadratico apenas dos representantes positivos das classes de congruencia que

sao menores do que p.

Exemplo 1.1. Considerando Z7 = {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6}, temos que U7 = {1, 2, 3, 4, 5, 6} e,

12 ≡ 1 (mod 7)

22 ≡ 4 (mod 7)

32 ≡ 2 (mod 7)

42 ≡ 2 (mod 7)

52 ≡ 4 (mod 7)

62 ≡ 1 (mod 7)

Logo Q7 = {1, 2, 4} ⊂ U7.

Teorema 1.1. Seja p um primo ımpar. Entao todo sistema reduzido de resıduos modulo p

contem exatamente p−12 resıduos quadraticos e exatamente p−1

2 resıduos nao-quadraticos modulo

p. Os resıduos quadraticos pertencem as classes residuais que contem os numeros{12, 22, 32, ...,

(p− 1

2

)2}. (3)

Demonstracao. Primeiramente, notemos que os numeros em (3) sao distintos modulo p. De fato,

se x2 ≡ y2 (mod p) com 1 ≤ x ≤ p− 12 e 1 ≤ y ≤ p− 1

2 , entao:

(x− y)(x+ y) ≡ 0 (mod p)

mas 2 ≤ x+ y ≤ p− 1 entao x− y ≡ 0 (mod p), logo x = y. Uma vez que,

(p− k)2 ≡ k2 (mod p)

cada resıduo quadratico e congruente modulo p exatamente a um dos numeros de (3). Isto

completa a prova.

1.3 O Sımbolo de Legendre

Os estudos de Euler sobre resıduos quadraticos tiveram seu desenvolvimento continuado por

Legendre. Em “Recherches d’Analyse Indeterminee” (1785), Legendre descreve a Lei da Reci-

procidade Quadratica e muitas das suas aplicacoes. Embora Legendre nao tenha feito grandes

inovacoes na teoria dos numeros, ele levantou prolıficas questoes que tornaram-se objetos de

investigacao de matematicos do seculo XIX [2] .

Nossos esforcos futuros serao substancialmente simplificados pelo uso do sımbolo(ap

); esta

notacao foi introduzida por Legendre em sua obra “Essai” e e chamada, naturalmente, de sımbolo

de Legendre.

2

Definicao 1.2. Para um primo ımpar p, o sımbolo de Legendre de um inteiro a e definido por:

(a

p

)=

0, se p | a

1, se a ∈ Qp−1, se a ∈ Up \Qp

Exemplo 1.2. Seja p = 7, entao:

(a7

)=

0, se a ≡ 0 (mod 7)

1, se a ≡ 1,2 ou 4 (mod 7)

−1, se a ≡ 3,5 ou 6 (mod 7)

Algumas propriedades do sımbolo de Legendre serao importantes para o desenvolvimento

deste trabalho. Comecemos pela seguinte observacao:

Observacao 1.1. Se a ≡ b mod p, entao(a

p

)=(b

p

).

Euler concebeu um simples e importante criterio para determinar quando um inteiro a e um

resıduo quadratico de um dado primo ımpar p.

Proposicao 1.1 (Criterio de Euler). Seja p um primo ımpar e a um inteiro. Tem-se entao(a

p

)≡ a

p−12 (mod p).

Demonstracao. Para o caso em que p | a, a congruencia decorre trivialmente da definicao do

sımbolo de Legendre. Consideremos agora o caso em que mdc(p, a) = 1. Pelo Pequeno Teorema

de Fermat, sabemos que 1 ≡ ap−1 = (ap−1

2 )2 (mod p) e, consequentemente, 0 ≡ a(p−1) − 1 =

(ap−1

2 − 1) · (ap−1

2 + 1) (mod p). Isto significa que p | (ap−1

2 − 1) · (ap−1

2 + 1). Como p e primo,

concluımos que p | (ap−1

2 − 1) ou p | (ap−1

2 + 1), portanto:

ap−1

2 ≡ ±1 (mod p).

Assim, devemos mostrar que ap−1

2 ≡ 1 (mod p) se, e so se, a e um resıduo quadratico modulo p.

Se a e um resıduo quadratico, digamos a ≡ i2 (mod p), novamente, pelo Pequeno Teorema de

Fermat, temos que:

ap−1

2 ≡ ip−1 ≡ 1 (mod p)

Assim, os resıduos quadraticos 12, 22, 33, ...,

(p− 1

2

)2sao raızes do polinomio f(x) = x

p−12 − 1

em Zp[x], mas Zp e um corpo, logo f(x) pode ter no maximo p−12 raızes em Zp[x]. Logo,

pelo teorema (1.1),concluımos que as raızes de f(x) sao exatamente os resıduos quadraticos nao

congruentes modulo p e que, portanto, a( p−12 ) ≡ 1 (mod p) se e so se a e um resıduo quadratico

modulo p.

Corolario 1.1. Seja p um primo ımpar e a e b inteiros primos com p. Entao:(ab

p

)=(

a

p

)·(b

p

).

Demonstracao. Pela proposicao (1.2), temos(ab

p

)≡ (ab)

p−12 ≡ a

p−12 · b

p−12 ≡

(a

p

)·(b

p

)

3

Para determinar se um numero composto e ou nao um resıduo quadratico modulo p e ne-

cessario considerar muitos casos dependendo do caracter quadratico dos factores. Alguns calculos

podem ser simplificados pelo uso de uma extensao do sımbolo de Legendre, o chamado Sımbolo

de Jacobi. O Leitor interessado podera saber mais sobre o assunto consultado [1].

2 A Lei da Reciprocidade Quadratica

Sejam p e q primos ımpares distintos, de modo que ambos os sımbolos de Legendre(q

p

)e(

p

q

)estao definidos. A questao que surge e, se conhecido o valor de

(q

p

)sera que podemos

determinar o valor de(p

q

)?. Ou mais geral, sera que existe algum relacao entre os valores destes

sımbolos?

Uma relacao basica entre estes dois sımbolos foi conjecturada experimentalmente por Euler

em 1783 e imperfeitamente provada por Legendre dois anos mais tarde. Usando estes sımbolos,

Legendre enunciou esta relacao atraves de uma elegante forma, a chamada Lei da Reciprocidade

Quadratica: (q

p

)·(p

q

)= (−1)

(p−1)(q−1)4 .

Para um numero ımpar m temos que m−12 e par se m ≡ 1 (mod 4) e ımpar se m ≡ 3 (mod 4).

Assim o produto (p−1)(q−1)4 e ımpar se e so se p ≡ q ≡ 3 (mod 4) e par se pelo menos um dentre

p e q pertencer a classe 1 + 4Z. Logo, a lei da reciprocidade nos diz que podemos trocar as

posicoes p e q no sımbolo de Legendre se pelo menos um for da classe 1 + 4Z e mantemos a

igualdade em relacao ao sımbolo original. Mas caso ambos p e q pertencam a classe 3 + 4Z, o

sımbolo invertido troca de sinal.

2.1 As Leis suplementares

Seja p um primo ımpar e n 6= ±1 um inteiro nao divisıvel por p. Suponha ainda que n tem a

seguinte factorizacao:

n = ±2k0 · pk11 · p

k22 · · · pkr

r .

onde pi e um primo ımpar. Pelo corolario (1.1), para determinarmos o caracter quadratico de

n, precisamos conhecer apenas o caracter quadratico de cada um dos factores. Pela Lei da

reciprocidade quadratica, conseguimos determinar facilmente o sımbolo de Legendre de cada pi.

Mas a Lei nao abrange o caso do primo ser par, ou seja p = 2 e nem nos da informacao sobre o

caracter da unidade −1. Para isso, as proximas Leis, chamadas de suplementares, nos ajudarao a

encontrar para quais primos p os inteiros −1 e 2 sao resıduos quadraticos, ficando completamente

conhecido o caracter quadratico de qualquer inteiro n em relacao a um primo p.

Teorema 2.1 (1a Lei Suplementar). Para todo primo ımpar p nos temos(−1p

)= (−1)

p−12 =

1, se p ≡ 1 (mod 4)

−1, se p ≡ 3 (mod 4).

4

Demonstracao. Pela proposicao (1.2), temos que(−1p

)= (−1)

p−12 (mod p). Como cada um

dos membros desta congruencia assumem somente os valores 1 ou −1, os dois membros sao

iguais.

Teorema 2.2 (2a Lei Suplementar). Para todo primo ımpar p nos temos

(2p

)= (−1)

(p2−1)8 =

1, se p ≡ ±1 (mod 8)

−1, se p ≡ ±3 (mod 8).

Demonstracao. Considere as seguintes p−12 congruencias:

p− 1 ≡ 1(−1)1 (mod p)

2 ≡ 2(−1)2 (mod p)

p− 3 ≡ 3(−1)3 (mod p)

4 ≡ 4(−1)4 (mod p)...

r ≡ p− 12 (−1)

p−12 (mod p)

onde r e p− p−12 ou p−1

2 . Multiplicando todas estas congruencias e notando que cada inteiro do

lado esquerdo. Nos obtemos:

2 · 4 · 6 · · · (p− 1) ≡ (p− 12 )!(−1)1+2+···+ p−1

2 (mod p).

O que nos da

2p−1

2

(p− 1

2

)! ≡

(p− 1

2

)!(−1)

p2−18 (mod p).

Como

(p− 12 )! 6≡ 0 (mod p),

temos que

2p−1

2 ≡ (−1)p2−1

8 (mod p).

Pelo Criterio de Euler nos temos 2p−1

2 ≡(

2p

)(mod p), e uma vez cada membro dessa con-

gruencia so podem assumir os valores 1 ou −1, os dois membros sao iguais. Isto completa a

prova.

2.2 O Lema de Gaus

Muitas provas da Lei da Reciprocidade Quadratica, assim como a apresentada neste trabalho,

estao sustentadas por um importante resultado conhecido por Lema de Gauss, apresentado

primeiramente para a demonstracao da famosa 3a prova de Gauss. Embora este lema nos de o

caracter quadratico de um inteiro n qualquer, ele e muito mais util do ponto de vista teorico do

que como um algoritmo computacional. Antes de enuncia-lo e prova-lo, precisamos estabelecer

mais uma definicao.

5

Definicao 2.1. Seja A um inteiro e m um primo ımpar. O menor resto em valor absoluto

de A (mod m) e o inteiro pertencente ao intervalo(−m

2 , m2), que e congruente a A (mod m).

Lema 2.1 (Lema de Gauss). Seja p um primo ımpar tal que p nao divide k e seja µ o numero

de elementos no conjunto {1k, 2k, 3k, ....,

(p− 1

2

)k

}dos quais os menores restos em valor absoluto modulo p sao negativos. Entao

(kp

)= (−1)µ.

Demonstracao. Pela definicao de menor resto em valor absoluto, nos expressamos cada elemento

do conjunto

S ={

1k, 2k, 3k, . . . ,(p− 1

2

)k

}como congruente a um unico elemento do conjunto{

1,−1, 2,−2, . . . , p− 12 ,−p− 1

2

}.

Primeiramente, notemos que, no conjunto dos menores restos em valor absoluto de S, nenhum

numero 1, 2, . . . , p−12 aparece mais do que uma vez e nem com outra escolha de sinal, pois, se

isto ocorresse, ou dois elementos de S seriam cogruentes modulo p ou 0 seria, modulo p, a soma

de dois elementos de S, e ambos os eventos sao impossıveis. O primeiro caso nao pode ocorrer

devido a propriedade do cancelamento da aritmetica modular e por sabemos que os numeros

1, 2, . . . , p−12 sao incongruentes modulo p, e, no segundo caso, terıamos rk + jk ≡ 0 (mod p)

para 1 ≤ r, j ≤ p−12 , donde r + j ≡ 0 (mod p), uma contradicao. Logo, o conjunto dos menores

restos em valor absoluto de S devera ser da forma:

T ={ε1 · 1, ε2 · 2, . . . , ε p−1

2·(p− 1

2

)},

onde cada εi assume um dos valores 1 ou -1. Multiplicando juntos os elementos de S e os

elementos de T, nos temos que:

(1 · k) · (2 · k) · · ·(p− 1

2 · k)≡ ε1 · 1 · ε2 · 2 . . . ε p−1

2·(p− 1

2

)(mod p),

entao

kp−1

2 ≡

p−12∏i=1

εi ≡ (−1)µ (mod p).

E o lema entao decorre da proposicao (1.2), uma vez que(k

p

)≡ k

p−12 (mod p).

2.3 Uma prova para a Lei da Reciprocidade Quadratica

Neste trabalho, seguimos de perto a demonstracao apresentada pelo matematico Derrick Henry

Lehmer (1905,1991) que pode ser encontrada em [4]. Esta demonstracao serve-se apenas do Lema

de Gauss, e por isso e referida pelo autor como uma prova em que se “gasta menos energia” para

chegar a conclusao.

6

Teorema 2.3 (A lei da Reciprocidade Quadratica). Sejam p e q ımpares, primos distintos.

Entao os sımbolos(q

p

)e(p

q

)sao iguais, excepto quando ambos p e q sao da forma 4x− 1.

Demonstracao. A fim de abreviar a escrita, nos trataremos do caso em que um ou ambos p e q

sao da forma 4x+ 1 como Caso I e a situacao oposta no qual ambos p e q sao da forma 4x− 1

como Caso II.

Considere-se os conjuntos: {1q, 2q, 3q, ....,

(p− 1

2

)q

}(4)

{1p, 2p, 3p, ....,

(q − 1

2

)p

}(5)

Denotando o numero de menores restos absolutos modulo p obtido em (4) por µ1 e por µ2 o

numero de menores restos em valor absoluto modulo q em (5), aplicando o lema de Gauus tem-se(q

p

)·(p

q

)= (−1)µ1+µ2 . O valor da igualdade anterior e 1 ou -1 de acordo com o valor dos

sımbolos de Legendre. Portanto, para demonstrar nossa hipotese e equivalente provar a seguinte

afirmacao:

(i) µ1 + µ2 e par no Caso I e ımpar no caso II.

No primeiro quadrante do plano cartesiano, nos vamos considerar a regiao hexagonal denotada

por H, nos quais os vertices ABCDEF estao sobre o rectangulo AGDJ limitado pelos eixos

coordenados e pelas retas x = p2 e y = q

2 , como mostra a figura abaixo: Os segmentos FE e BC

estao sobre as rectas y = qp · x+ 1

2 , x = pq · y+ 1

2 , respectivamente, as quais interceptam os eixos

coordenados em x = 12 e y = 1

2 , sendo FE ‖ AD. Os pontos (x, y) pertencentes ao interior de

H sao portanto caracterizados pelas inequacoes:

0 < x < p2 0 < y < q

2

y < qp · x+ 1

2 y > qp · x−

q2p

(6)

e estes pontos encontram-se acima ou abaixo da diagonal AD de acordo com as inequacoes y > qxp

ou y < qxp . Nos consideraremos agora o reticulado de pontos interiores a H, que e formado pelos

pontos de coordenadas inteiras (m,n) interiores a H. Se o ponto (m,n) pertence a H entao o

ponto (p+12 − m, q+1

2 − n) tambem pertence a H, o que pode ser verificado substituindo suas

coordenadas nas inequacoes (6). O ponto medio desses dois pontos e P = (p+14 , q+1

4 ) o qual e

7

portanto o ponto de simetria dos pontos que formam o reticulado em H. Mas P e um ponto do

reticulado somente no Caso II, caso em que p + 1 e q + 1 seriam divisıveis por 4. Por isso nos

podemos fazer a seguinte afirmacao:

(ii) O numero de pontos no reticulado de H e par no caso I e ımpar no Caso II.

Agora, os pontos do reticulado interiores a H estao divididos em duas classes em relacao a

diagonal AD. E claro que nao ha pontos do reticulado sobre a diagonal. Considere agora um

ponto do reticulado (m,n) abaixo da diagonal tal que qmp −

q2p < n < qm

p ou −q2 < pn − qm <

0. Isto exibe um elemento np de (5) o qual tem o menor resto absoluto negativo modulo

q. Reciprocamente, um elemento qualqer de (5) com menor resto em valor absoluto negativo

representa, graficamente, um ponto do reticulado de H abaixo da diagonal.

Para considerar os pontos acima da diagonal, nos temos apenas que ver nosso rectangulo a partir

do lado AJ , trocando os eixos e p e q, e repetir o raciocınio acima. Entao, nos temos provado

que ha µ1 + µ2 pontos no reticulado de H. A afirmacao (i) segue agora de (ii) e o teorema esta

provado.

As diversas provas da Lei da Reciprocidade Quadratica servem-se de diferentes metodos,

como a Inducao Matematica, utilizada na primeira prova do teorema, somas de Gauss, po-

linomios ciclotomicos e, em sua grande maioria, o Lema de Gauss. Outra prova famosa, e com

argumentacao geometrica muito proxima da apresentada neste trabalho, foi desenvolvida por

Eisenstein, e pode ser encontrada em [3] e [2].

3 Aplicacoes da Lei da Reciprocidade Quadratica

3.1 Aplicacao no calculo da natureza quadratica de um resıduo: dois

exemplos

Exemplo 3.1. Mostre que 29 ∈ Q53.

Uma vez que 29 e 53 sao primos ımpares distintos tais que 29 ≡ 53 ≡ 1 (mod 4) temos que:

(2953

)=(

5329

)(Pela Lei da Reciprocidade Quadratica)

=(

2429

)(Pela Observacao (1.1) uma vez que 53 ≡ 24 (mod 29))

=(

229

)·(

329

)·(

429

)(Pelo Colorario (1.1))

=(

229

)·(

329

)

8

= −(

329

)(Pelo Teorema (2.2))

= −(

293

)(Aplicando novamente a Lei da Reciprocidade)

= −(

23

)(Uma vez que 29 ≡ 2 (mod 3))

= (−1) · (−1) (Pois 2 nao e resıduo quadratico modulo 3)

= 1.

Portanto 29 ∈ Q53.

Exemplo 3.2. Para quais primos p, tem-se 3 ∈ Qp?

Como 3 ∈ Q2 e 3 /∈ Q3, nos podemos assumir p > 3.

Se p ≡ 1 (mod 4), entao a Lei da Reciprocidade nos garante que:(3p

)=(p

3

)=

1, se p ≡ 1 (mod 3) ou seja se p ≡ 1 (mod 12),

−1, se p ≡ 2 (mod 3) ou seja se p ≡ 5 (mod 12).

Se p ≡ 3 (mod 4), entao nos temos que:(3p

)= −

(p3

)=

−1, se p ≡ 1 (mod 3) ou seja se p ≡ 7 (mod 12),

+1, se p ≡ 2 (mod 3) ou seja se p ≡ 11 (mod 12).

Juntando estes resultados, nos concluımos que 3 ∈ Qp se e so se p = 2 ou p = ±1 (mod 12).

3.2 Aplicacao as Equacoes Diofantinas

Uma equacao diofantina e uma equacao polinomial indeterminada com uma ou mais incognitas

que so podem assumir valores inteiros. Um exemplo e a equacao

y2 = x3 + k (7)

onde k e um dado inteiro. Esta equacao descreve um famılia infinita de curvas denominadas

“elıpticas”, importantes na Criptografia. O problema se torna entao descobrir, para um dado

inteiro k, se ha ou nao solucoes inteiras em x e y, e, caso exista, exibı-las. Alguns casos especiais

podem ser tratados com a ajuda dos resıduos quadraticos. Um Teorema geral afirma que a

equacao diofantina

y3 = f(x)

tem, no maximo, um numero finito de solucoes se f(x) e um polinomio de grau ≥ 3 com

coeficientes inteiros e com raızes distintas, o qual pode ser encontrado em [6]. No entanto,

nenhum metodo e conhecido para determinar as solucoes, ou mesmo o numero de solucoes,

exceto para casos muito especiais. O proximo teorema descreve um infinito conjunto de valores

de k para os quais (4) nao tem solucao.

Teorema 3.1. A equacao diofantina

y2 = x3 + k

9

nao tem solucoes se k tem a forma

k = (4n− 1)3 − 4m2,

onde m e n sao inteiros tais que nenhum primo p ≡ −1 (mod 4) divide m.

Neste trabalho, provaremos o teorema acima para um caso particular. A demonstracao para

o caso geral pode ser encontrada em [1]. Consideremos a equacao

y2 = x3 + 23. (8)

Vamos mostrar que nao ha solucoes que satisfacam o caso k = 23

Demonstracao do caso k = 23. Vamos assumir que uma solucao em x, y existe e obteremos uma

contradicao considerando a equacao modulo 4. Uma vez que 23 ≡ −1 (mod 4) nos temos:

y2 ≡ x3 − 1 (mod 4) (9)

Mas y2 ≡ 0 ou 1 (mod 4) para todo o inteiro y, entao (9) nao pode ser satisfeita se x e

par ou se x ≡ −1 (mod 4). Portanto, nos precisamos ter x ≡ 1 (mod 4). Observe que: 23 =

(4(1)−1)3−4(1)2, donde concluımos que m = n = 1. Como k = 33−4(1), nos podemos escrever

(8) da forma:

y2 + 4 = x3 + 27 = (x+ 3)(x2 − 3x+ 9) (10)

Uma vez que x ≡ 1 (mod 4) e 3 ≡ −1 (mod 4) nos temos que:

x2 − 3x+ 9 ≡ 1− 3 + 9 ≡ −1 (mod 4). (11)

Como x2−3x+9 e diferente das unidades (basta igualar a equacao a 1 ou −1 e verificar que nao

ha raızes), entao e divisıvel por algum primo. Decorre de (11) que todos seus factores primos

nao podem ser ≡ 1 (mod 4), portanto algum primo da forma p ≡ −1 (mod 4) divide x2−3x+9,

e (10) nos mostra que tambem divide y2 + 4. Em outras palavras,

y2 ≡ −4 (mod p) para algum p ≡ −1 (mod 4) (12)

Mas(−4p

)=(−1p

)= −1 pela Primeira lei suplementar, contrariando (12). Isto prova que a

equacao diofantina (7) nao tem solucao para k = 23.

A tabela a seguir apresenta alguns valores de k abrangidos pelo teorema 9.12:

n 0 0 0 0 1 1 1 1 2 2 2 2

m 1 2 4 5 1 2 4 5 1 2 4 5

k -5 -17 -65 -100 23 11 -37 -73 339 327 279 243

10

4 Consideracoes Finais

A Teoria dos resıduos quadraticos bem como as aplicacoes da Lei da Reciprocidade Quadratica

formam um campo vasto de pesquisa, que trascende a quantidade de paginas determinadas para

este trabalho. Foram aqui estabelecidas as bases para que um leitor interessado possa prosseguir

sua pesquisa neste campo, sendo indicados abaixo alguns livros que o ajudara em seus estudos

futuros.

Referencias

[1] Tom M Apostol. Introduction to analytic number theory. Springer, 1976.

[2] David M Burton. Elementary number theory. Tata McGraw-Hill Education, 2006.

[3] Gareth A Jones and Josephine Mary Jones. Elementary number theory. Springer Verlag,

1998.

[4] DH Lehmer. A low energy proof of the reciprocity law. The American Mathematical Monthly,

64(2):103–106, 1957.

[5] Franz Lemmermeyer. Reciprocity laws: from Euler to Eisenstein. Springer, 2000.

[6] William Judson LeVeque. Topics in number theory. Dover Publications, 2002.

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