a educaÇÃo visual para a leitura das narrativas grÁficas: agora É contigo, arte/educador!
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A EDUCAÇÃO VISUAL PARA A LEITURA DAS NARRATIVAS GRÁFICAS: AGORA É CONTIGO, ARTE/EDUCADOR1!
Paula Mastroberti
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS
RESUMO
O presente trabalho trata do potencial das narrativas gráficas para a educação em cultura e arte visuais, tendo por grade teórica autores que abrangem as áreas da Arte/Educação, Artes Visuais, Estudos Culturais Visuais e Comunicação. Através da amostra O beijo adolescente, de Rafael Coutinho, pretendo apontar, através de uma abordagem apriorística dos aspectos gráficos (desenho, cor, estilos) sobre o discurso verbal (roteiro), para uma necessidade de se estabelecer uma relação interdisciplinar entre as aplicações da leitura de quadrinhos em sala de aula, incluindo obrigatoriamente o arte/educador em seu importante papel de mediador da cultura visual e da arte ao lado do professor de língua para mediação de leitura do roteiro, além de oferecer algumas perspectivas metodológicas para aplicação dos quadrinhos na disciplina de Artes Visuais. Estas poderão partir das inter-relações que a amostra estabelece ora com os referenciais iconográficos populares e objetos da indústria cultural; ora com as poéticas visuais consagradas pela história da arte moderna e contemporânea e pelo sistema historiográfico; ora com a iconografia representativa de uma visão simbólica de homem e de mundo; ora com os entrelaçamentos semióticos entre o desenho, referenciais fotográficos, aplicação de técnicas pictóricas e de cor. Além disso, ao apresentar os quadrinhos como parte de um programa de ensino em artes, quero legitimar gênero como expressão poética visual e defender a formação de leitores para além do texto verbal.
PALAVRAS-CHAVE: Arte/educação e quadrinhos; quadrinhos e artes visuais; cultura visual e quadrinhos
O crescente interesse da área acadêmica pelas histórias em quadrinhos e por
sua aplicação como ferramenta didática na Escola é, na maior parte das vezes, restrito
aos seus aspectos discursivos verbais, enquanto que os aspectos gráficos e visuais
acabam, se não completamente omitidos, recebendo atenção deficiente ou superficial.
Que programas como o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola)
tenham se preocupado, a partir dos últimos editais, em prover as prateleiras escolares
não apenas com material literário estrito senso, mas com narrativas ilustradas em
1 Usarei as expressões Arte/ Educação e arte/educador separadas por barra, em conformidade ao que designa Ana Mae Barbosa, ao aferir um sentido de pertencimento da segunda disciplina à primeira, usando, para isso, a estrutura linguística para programação para computador. (BARBOSA, 2010: 21.)
quadro2 é, certamente, significativo: afinal, significa o reconhecimento e a valorização
do gênero, após décadas de preconceitos e de marginalização3. Contudo, embora o
processo seletivo seja criterioso e leve em consideração a qualidade da publicação
como um todo, ele é circunstanciado pelo interesse na sua integração aos programas
curriculares de ensino da língua. Tomada exclusivamente como material paradidático
pelo professor de português, a narrativa gráfica tem sua leitura empobrecida, ainda
que esse professor possa, eventualmente, interessar-se por ressaltar suas qualidades
visuais. Mais: narrativas gráficas cujo texto esteja, do ponto de vista quantitativo, em
relação assimétrica inferior às artes (ainda que não se possa prescindir de sua força
poética) tendem a ser eliminados dos programas de aquisição, que ainda pensam o
gênero como uma espécie literária cuja prioridade substancial deve ser dada ao verbo.
Entretanto, como sabemos, as histórias em quadrinhos entrelaçam pelo menos
dois campos semióticos no suporte que os substanciam (seja ele impresso ou digital).
Nelas, palavras e figuras se ajustam como num acorde, causando um efeito único
sobre o leitor4, ainda que separadas por elementos gráficos delimitantes, como
recordatórios e balões. Em sua complexidade poética, a linguagem dos quadrinhos
não pode ser tratada nem como puro texto, nem como pura sequência de ilustrações
ordenadas. Além disso, sua linguagem híbrida caracteriza-se por alguns recursos
gráficos que lhe são exclusivos e peculiares: além dos já citados balões, temos
onomatopeias, linhas de movimento, símbolos emocionais, bordas e calhas cujo
tratamento e estilo contribuem para a modulação da narrativa. E vale dizer que a dita
popularidade do gênero nem sempre significa domínio da sua leitura, como já tive a
2 Os editais do PNBE vêm incluindo quadrinhos desde 2006, conforme afirma o Portal do Ministério da Educação (Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=281:desde-quando-ha-livros-em-quadrinhos-no-programa-nacional-biblioteca-da-escola&catid=136&Itemid=230. Data do último acesso: abril de 2013.) 3 Os preconceitos e a marginalização vão desde a demora do meio acadêmico em reconhecer dos quadrinhos como linguagem narrativa e poética independente e de valor artístico, até o ponto de vista de uma sociedade conservadora que acusavam os quadrinhos de prejudicar à formação de leitores da palavra, de estimular à delinquência ou perversões de toda espécie, ou até mesmo de provocar o atrofiamento mental-cognitivo, como apontam Álvaro de Moya (MOYA, 1977), Gonçalo Júnior (JÚNIOR, 2004) e Waldomiro Vergueiro e Paulo Ramos (VERGUEIRO; RAMOS, 2009). 4 A ideia de efeito acórdico ou efeito único produzido a partir junção de duas matrizes linguísticas num mesmo suporte faz parte de uma teoria de leitura desenvolvida em minha dissertação de mestrado. Essa teoria foi desenvolvida para o livro ilustrado; contudo, ambos os objetos assemelham-se quanto à linguagem híbrida e quanto ao efeito produzido sobre o leitor, diferenciando-se basicamente no que diz respeito à diagramação. (MASTROBERTI, 2007.)
oportunidade de comprovar em cursos oferecidos e ministrados por mim para
professores e estudantes5.
A proposta que vou agora apresentar sugere o deslizamento da aplicação das
narrativas em quadros ⎯ como leitura e como produção ⎯ para a disciplina de artes.
Justifico esse deslizamento com base em outra afirmação, já defendida em minha tese
de doutorado6, de que a própria literatura, sendo arte da palavra, deveria reunir-se aos
demais objetos da Arte/Educação. Ora, da mesma forma que os gêneros literários, o
discurso verbal presente nos quadrinhos busca ir além do sentido normativo da língua
apontando para seu efeito estético e sua poeticidade. Se eu defendo a ideia de
literatura como arte e como objeto da educação em arte devo, por decorrência,
defender a narrativa gráfica ⎯ esse discurso híbrido verbal e visual ⎯ como objeto
de maior interesse do arte/educador. Para tanto, escolhi uma obra brasileira com
poucas possibilidades de ser selecionada pela Escola ou pelos programas pedagógicos
de leitura, pois foge dos padrões habituais de interesse do ensino do português, que
em geral privilegiam as adaptações literárias ou narrativas gráficas de maior
densidade verbal. Trata-se um conto de cerca de 26 páginas, colorido e impresso em
formato fora do comum (24 x 40 cm), chamado O beijo adolescente: primeira
temporada, de Rafael Coutinho, publicado pela Editora Cachalote em 20117.
Um dos motivos que me levaram a escolher esse conto gráfico foi a temática,
apropriada para as Séries Finais do Ensino Fundamental e mesmo para o Ensino
Médio. Resumindo numa única frase, ele fala da adolescência como um estado etário
e biológico catalisador de uma energia poderosa, com início e fim pré-determinados
(dos 12 aos 18 anos). Mas apenas isso não basta como justificativa para minha
escolha: na verdade, entremeando um roteiro em linguagem coloquial juvenil e artes
produzidas em linha clara e frouxa, pontuadas de cores contrastantes, Rafael Coutinho
produz uma narrativa instigante e complexa dentro do gênero do fantástico, cujo
5 No ano de 2012, ministrei pelo menos três cursos dentro de programas de extensão sobre a leitura dos quadrinhos no Rio Grande do Sul: na Universidade Ritter dos Reis (Leitura de histórias em quadrinhos nas escolas, 27 de abril), no Centro Cultural Érico Veríssimo para estudantes de Arte/Educação da UFRGS ( A leitura dos quadrinhos, 4 de junho de 2012) e na cidade de Gramado (Literatura, ilustração, quadrinhos: objetos, leituras e contextos, de 3 a 6 de setembro), como parte da programação da Feira do Livro, dirigido aos professores da rede municipal local. 6 MASTROBERTI, 2012. 7 Não sei se a Editora chegou a inscrever o álbum no PNBE. De qualquer forma, não consta na lista de selecionados do período. A história tem uma previsão de continuidade. No momento em que escrevo este texto, está sendo lançada a parte dois. Os processos de produção do autor (que edita de forma independente e por crowdfunding) podem ser facilmente acessados no site: http://quadrinhos.ig.com.br/autor/rafael-coutinho/ e também e9m http://catarse.me/pt/o-beijo-adolescente-segunda-temporada .
efeito de estranhamento e de psicodelia só poderá ser plenamente apreendido na
apreciação completa da sua tessitura linguística.
O roteiro conta a história de Ariel, um menino que acaba de fazer 12 anos,
cujo vômito em cores do arco íris o revelará portador de poderes especiais, obtidos
após dar o seu primeiro beijo. Por conta disso, ele é convidado a ingressar numa
espécie de organização secreta chamada Beijo Adolescente, comandada por um rapaz
negro ⎯ Palhaço ⎯ dividida em várias tribos urbanas, compostas por jovens de
habilidades não menos bizarras. Por trás da aventura surreal que culmina na perda de
um dos seus principais membros, Tomás (que ao fazer 18, passa a fazer parte do
mundo adulto), o conto lança sobre o leitor questionamentos sutis sobre as angústias e
outros sentimentos típicos dessa faixa etária, entrelaçados a elementos culturais da
contemporaneidade e formatados em um estilo embebido no grafite e na estética dos
anos 60 e 70:
Figuras 1, 2 e 3: estilo retrô e configurações e onomatopeias lembrando anos 60 e 70.
Fonte: COUTINHO, Rafael. O beijo adolescente. Porto Alegre: Cachalote, 2011, pgs 16, 19 e 27 (da esq. para a dir.).
Apesar de transpirar fontes fotográficas, a maquiagem de linhas e cores
digitais por Coutinho elimina os efeitos de perspectiva e qualquer possibilidade de
reconhecer os modelos que originaram a configuração dos personagens. O traço preto,
de raras hachuras, irregular e contínuo, contribui com a sensação onírica da narrativa
e com uma configuração lisérgica evidente também na paleta de cores vibrantes. Tal
paleta seleciona cuidadosamente os elementos de cada quadro ou cena, deixando em
branco e preto tudo aquilo que não pertence ao plano onde atuam os membros do BA
(a sigla da organização Beijo Adolescente). Ela tem um papel fundamental na
compreensão não apenas da sintaxe visual-narrativa, mas também dos valores
simbólicos evocados (a cor divide e distancia os personagens adolescentes dos adultos,
e também do cenário, deixando claro que os jovens estão deslocados em seu meio,
como se pertencessem a um mundo à parte):
Figuras 4 e 5: aplicação seletiva da cor e do preto e branco em O beijo adolescente.
Fonte: COUTINHO, Rafael. O beijo adolescente. Porto Alegre: Cachalote, 2011, pgs 17 e 19.
A complexidade da linguagem visual em O beijo adolescente corre o perigo
de ser maltratada pelos programas de leitura focados estritamente nas práticas de
ensino da linguagem verbal. Ainda assim, o roteiro de Coutinho não deve ser
desprezado por um programa de leitura: a simplicidade de sua linguagem é apenas
aparente e o jargão familiar aos jovens leitores apresenta-se distribuído num roteiro
entrecortado nas dimensões do espaço e do tempo narrativo, repleto de desníveis e
vazios significativos, exigindo certo fôlego para produção de sentido. O mesmo
exigem as artes diagramadas em quadros de formato livre, que não se oferecem, como
já justifiquei, como mera “muleta” para compreensão do texto, mas antes aumentam o
seu potencial significativo e estético.
O beijo adolescente é um objeto narrativo híbrido em relação visual/verbal
simétrica do ponto de vista qualitativo e como tal deve ser apresentado aos alunos. Ao
priorizar a disciplina de artes para esta apresentação, pretendo atingir dois objetivos: o
primeiro, teórico, busca determinar a linguagem dos quadrinhos como corpus de
estudo de âmbito dos estudos culturais visuais8 ⎯ que se não incluem, deveriam
incluir a leitura do sistema grafológico da palavra como de competência visual9; o
segundo, didático, visa comprovar a perfeita adequação das histórias em quadrinhos
às metodologias de ensino de arte e de leitura da arte, entendendo-os como um todo
objetual artístico ⎯ inclusive em seus aspectos poético-escriturais. Isso porque, mais
do criar um roteiro em palavras, o autor o compartimenta em blocos cuja divisão e
composição diagramática é pré-visualizada de antemão, durante a própria escritura do
texto, o que já o diferencia do puro jogo literário. Além disso, o roteirista também
prevê, nessa divisão em quadros, tropos onomatopaicos, entre outras expressões de
efeito puramente visual, além de rubricar sentimentos, emoções, gestos e movimentos
a serem interpretados pelo artista gráfico. Tal percepção visual do texto como parte
integrante das artes foge ao domínio do educador em língua, mas pode ser
perfeitamente admitido pelo arte/educador, que consegue entendê-lo e aos seus
processos, em convergência às demais correntes artísticas que exploram a escritura
como grafema (arte conceitual, grafite, design tipográfico, etc).
A seguir, sugiro algumas explorações possíveis para o álbum de Rafael
Coutinho, levando em consideração sua aplicação num projeto de arte/educação.
A) O BEIJO ADOLESCENTE E A HISTÓRIA DA ARTE E DO DESIGN
8 Levo em consideração as diretrizes da Arte/Educação que orientam os programas curriculares para uma educação da cultura visual além do desempenho artístico ou da história da arte, mas inclusivo de uma leitura crítica dos objetos culturais visuais, da moda à publicidade, passando, é claro, pelos quadrinhos. No Brasil, os estudos culturais visuais para a Arte/Educação têm irradiado a partir de publicações organizadas por Raimundo Martins e Irene Tourinho (MARTINS;TOURINHO, 2012) ou ainda Fernando Hernández (HERNÁNDEZ, 2007), apoiados, por sua vez, nos estudos culturais desenvolvidos nos Estados Unidos e Inglaterra. 9 Julian Hochberg (HOCHBERG, In: PETERSON; GILLIAM; SEDGWICK, 2007) descreve a leitura verbal por varredura não como uma experiência de decodificação linear, pura extração abstrata do código, mas assemelhada a qualquer outro modo de percepção visual, ou seja, o olho recolhe significados com base numa percepção fisiológica dos conjuntos visuais de sinais gráficos: palavras e blocos de texto. Essa percepção é multidirecional e conjuga movimentos oculares e processos cognitivos visuais. A descrição de Hochberg se adequa perfeitamente à leitura de narrativas gráficas em geral, sejam elas do gênero ilustrado, sejam elas em quadrinhos. A leitura sensível do texto grafado (sua tipografia, design dos blocos e de diagramação e outros efeitos gráficos) fazem parte e influenciam na produção de sentido, especialmente de histórias em quadrinhos.
O objetivo da primeira proposta é analisar o conto gráfico de modo a
estabelecer afinidades entre seus recursos simbólicos ⎯ estilo e vocabulário formal
ou gráfico-visual ⎯ com outros objetos da cultura visual, revelando possíveis
influências e diálogos partir de um eixo diacrônico. Em O beijo adolescente, é
evidente a influência de um estilo retrô embasado no design gráfico dos anos 60 e 70,
lembrando a estética pop-psicodélica desse período tanto pela composição gráfica em
linha contínua que aglutina os elementos formais quanto pela escolha de cores
vibrantes, desvinculadas de uma representação realística, mas de cunho simbólico ou
decorativo.
Figuras 6 e 7: cartaz de show de Bob Dylan (Milton Glaser, à esq.) e capa do álbum Disraeli Gears da banda Cream (Martin Sharp, à dir).
Fontes: GLASER, Milton. Cartaz para show de Bob Dylan, 1967. SHARP, Martin. Capa do álbum Disraeli gears da banda Cream, 1967.
A inserção dos letreiros “Beijo Adolescente” a cada bloco lembra, conforme o
estilo, o grafite, a pichação ou a influência do design das décadas já citadas. Artistas
brasileiros como Wesley Duke Lee ⎯ cuja obra inclui a apropriação de fotografia
com interferências pictóricas ⎯ e Carlos Vergara também podem ser citados como
uma boa referência anterior para o estilo de Coutinho.
Figuras 8 e 9: obra de Wesley Duke Lee (acima); obra de Carlos Vergara (abaixo).
Fontes: LEE, Wesley Duke. Não olhe!!! É só o meio... É só o começo...”. Pintura, 1974.
VERGARA, Carlos. Sem título. Serigrafia, 1967.
Outro referencial interessante poderia ser apresentado a partir das noções da
Psychodelic Art, movimento artístico gerado a partir de experiências sensoriais
produzidos por alucinógenos e embebido, por sua vez, no estilo art noveau e nos
movimentos que alinhados ao simbolismo e ao surrealismo. Em termos de referência
cinematográfica, o desenho animado O submarino amarelo, produzido pelos Beatles
em 1968 seria um excelente exemplo de contextualização.
B) O BEIJO ADOLESCENTE E A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS
Essa proposta incluiria um estudo do autor Rafael Coutinho, talvez até mesmo
⎯ dependendo da localização da Escola ⎯ agendar um encontro, para que ele falasse
do seu trabalho e de suas influências (no blog da Companhia das Letras10, são citados
nomes como Winsor McCay, Jeff Smith, Frank Miller, Geoff Darrow, Paul Pope,
Jamie Hewlett). Saber da sua atuação profissional e do seu processo criativo
(Coutinho, além de quadrinista, é artista multimídia e designer) é interessante e só
isso já se constituiria numa excelente aula de arte, pois ele se vale das mídias
eletrônicas e do sistema crownfunding para divulgar seus projetos antes de passar pelo
10 Disponível em: http://www.blogdacompanhia.com.br/2010/05/salao-de-beleza/ . Último acesso: abril de 2013.
mercado editorial11. É possível pesquisar seu nome na Internet e descobrir muito
material não só sobre a obra selecionada, mas sobre outras. A produção e a estrutura
diagramática de O beijo adolescente (sempre com topper ou cabeçalho assinado, tal
como as antigas publicações em capítulos de quadrinhos nos jornais12) pode ser
melhor compreendida em suas origens, quando ele a divulgava aos poucos em
postagens no weblog. As técnicas usadas pelo artista podem servir de modelo ou
estímulo para atividades artísticas em aula: uso de programas de colorização no
computador, de fotografias, estilo de desenho em linha clara, criação de letreiros
decorativos. Os conceitos evocados em O beijo... tais como psicodelia, aplicação
áreas de cor alternadas com preto e branco, o tipo de traço (marcado pelas influências
de Geof Darrow e Paul Pope) podem ser combinados a um novo roteiro criado pelos
alunos tendo por tema situações oníricas ou fantásticas. Também interessa aqui
verificar como o autor aplica os elementos que identificam a obra como pertencente
ao gênero dos quadrinhos: como ele compõe o roteiro com as artes e como ele dá
ritmo à narrativa? Como são as bordas dos quadros e como ele compõe os blocos? Ele
usa onomatopeias? Linhas de movimento? Nessa proposta, vale explorar ao máximo
todos os aspectos remáticos e icônicos do conto.
C) O BEIJO ADOLESCENTE E O JOVEM NA CULTURA VISUAL
Nesta terceira proposta, falamos dos elementos do conto gráfico em seus
aspectos indiciais e iconográficos. Tanto discurso verbal quanto o visual significam
uma tipologia de adolescentes e de elementos cenográficos que podem ser analisados
de modo a refletir sincronicamente sobre os contextos socioculturais. Em O beijo...
percebemos uma variedade imensa de personagens jovens e adultos, que se
entrecruzam uma paisagem urbana igualmente rica e variada. O conto abre caminho
para inúmeras discussões, a partir da leitura do roteiro integrado à configuração dos
seus elementos: conceito de adolescente (representado em cores) e de adulto
(representado em preto e branco); das relações entre o jovem e a indústria de consumo
11 O site Catarse é uma boa referencia dos meios através dos quais, não só Rafael Coutinho, mas muitos quadrinistas, se servem para divulgar seus projetos e captar recursos para executá-los (o link para a página de Coutinho já foi disponibilizado na nota 7 deste artigo). 12 Essa forma de montar os blocos tem a ver com a forma como O beijo adolescente foi primeiramente divulgado, em páginas postadas aos poucos na web.
(das roupas aos objetos de uso, passando pela reflexão crítica presente no roteiro até
hábitos culturais); de cidade como espaço de convívio, deslocamento e de
informação; da escola como espaço normativo; da mídia como local de
espetacularização do sujeito. Uma atividade decorrente dessa proposta poderia ser a
criação de uma narrativa gráfica localizada no bairro ou na cidade da turma, sobre os
quais o roteiro poderia lançar um olhar crítico. Ou ainda, a confecção de painéis
quadrinizados que representassem moradores e locais escolhidos pela turma, a partir
de fotografias ou de um levantamento etnográfico documentado em vídeo,
investigando hábitos, roupas, tipologia humana (inter-relacionando várias faixas
etárias), habitações, costumes e objetos de consumo cotidiano, etc.
Essas aproximações dos aspectos gráfico-visuais podem ser recombinadas,
compondo outros focos de trabalho e de aplicação didática. E, embora variadas,
nenhuma delas exime os alunos da leitura da história (a substância diegética
propriamente dita). Contudo, o que se pede em termos de leitura ultrapassa a simples
interpretação ou compreensão intelectiva do texto verbal, mas uma operação
interativa, através da qual o aluno leitor será capaz afinal, não apenas de decodificar,
mas de refletir criticamente sobre a linguagem dos quadrinhos em sua complexidade e,
apreciando-a, incorporá-la como parte da sua subjetividade cultural e artística.
Referências bibliográficas
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HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da cutltura visual: proposta para uma nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
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