1 a funÇÃo social da escola na educaÇÃo de jovens e adultos escola: pra quÊ te querem?sujeitos...

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1 A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS ESCOLA: PRA QUÊ TE QUEREM? Fernanda Maria da Silva¹ Marina Andretta Barbosa ² Xavier Uytdenbroek ³ RESUMO Este artigo tem por principal objetivo analisar a função social que cumpre a escola para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a partir da comparação da legislação educacional vigente e a prática vivenciada por educadores e educandos. A investigação desenvolveu-se numa abordagem qualitativa a partir da análise das propostas educacionais na legislação brasileira seguida de uma pesquisa de campo na qual foram utilizados como procedimentos metodológicos observações e entrevistas com alunos e professores de duas escolas da Prefeitura Municipal do Recife. Com os resultados obtidos encontramos alguns avanços históricos significativos, tais como direitos garantidos por lei e o desenvolvimento de programas muito importantes como o Brasil Alfabetizado, mas que ainda não permitem atingir, de fato, a função que se almeja para a Educação de Jovens e Adultos. Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos, Função Social, perspectivas educacionais na EJA. 1 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação - UFPE – [email protected] 2 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação -UFPE– [email protected] 3 Professor Assistente do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação- Centro de Educação –UFPE-[email protected]

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A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

ESCOLA: PRA QUÊ TE QUEREM?

Fernanda Maria da Silva¹Marina Andretta Barbosa ²

Xavier Uytdenbroek ³

RESUMO

Este artigo tem por principal objetivo analisar a função social que cumpre aescola para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), a partir da comparação dalegislação educacional vigente e a prática vivenciada por educadores eeducandos. A investigação desenvolveu-se numa abordagem qualitativa a partirda análise das propostas educacionais na legislação brasileira seguida de umapesquisa de campo na qual foram utilizados como procedimentos metodológicosobservações e entrevistas com alunos e professores de duas escolas daPrefeitura Municipal do Recife. Com os resultados obtidos encontramos algunsavanços históricos significativos, tais como direitos garantidos por lei e odesenvolvimento de programas muito importantes como o Brasil Alfabetizado, masque ainda não permitem atingir, de fato, a função que se almeja para a Educaçãode Jovens e Adultos.

Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos, Função Social, perspectivas

educacionais na EJA.

1 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação - UFPE – [email protected]

2 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação -UFPE– [email protected]

3 Professor Assistente do Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação- Centro

de Educação –[email protected]

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INTRODUÇÃO:

Através da análise de documentos como Lei 9394/96 (LDB/96), Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), o Plano Nacional de Educação 2001 e a

Constituição Federal de 1988, no que dizem respeito à Educação de Jovens e

Adultos (EJA) podemos compreender que, oficialmente, a função social qual a

EJA se propõe a cumprir é a de preparar jovens e adultos, através de

oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do

alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, possibilitar aos

educandos aquisição de conhecimentos e habilidades necessários ao exercício da

cidadania, preparação para o mundo do trabalho e participação crítica na vida

política. Na prática concordamos quando orientam que:

A educação de jovens e adultos, visando a transformaçãonecessária, com o objetivo de cumprir de maneira satisfatória sua funçãode preparar jovens e adultos para o exercício da cidadania e para omundo do trabalho, necessita de mudanças significativas. (PCNs)

Essas mudanças, sob o nosso ponto de vista em sua maioria ainda por se

concretizarem, foram norteadas pelos valores apresentados na Conferência

Internacional de Hamburgo, na Lei 9394/96, no Parecer CEB 11/00, que

estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e

Adultos e na Deliberação 08/00 CEB.

Na prática vivenciada por nós, através da pesquisa de campo observamos

que o propósito destinado a EJA continua cumprindo uma função paliativa, que na

maioria das vezes abrange apenas os processos de alfabetização do educando,

ao contrário do que orienta o PNE 2001, que faz referência não só a alfabetização

mas também aos aspectos de formação do educando enquanto cidadão:

A alfabetização dessa população seja entendida como no sentido amplode domínio dos instrumentos básicos da cultura letrada, das operaçõesmatemáticas elementares, da evolução histórica da sociedade humana,da diversidade do espaço físico e político mundial e da constituição dasociedade brasileira. Envolve ainda a formação do cidadão responsável econsciente de seus direitos e deveres.

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Tal definição do Plano Nacional de Educação 2001, que define como

individuo alfabetizado aquele que domina as habilidades citadas acima, mostra-

nos uma distorção grave entre os propósitos teóricos e práticos da EJA.

Observamos que o público que freqüenta as salas de EJA tem muita vontade de

aprender, alguns demonstram uma verdadeira sede por conhecimentos novos,

reconhece a importância da educação para a formação do individuo, a importância

da cultura letrada, entre outras coisas. Porém na prática, tais fatores não são

suficientes para a efetivação da função social que a EJA se propõe a cumprir. Na

prática esta função passa por oportunidades educacionais apropriadas,

consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e

de trabalho. Porém a realidade vivenciada pelo alunado não parece ser tão levada

em consideração como prevê a legislação.

Apesar da melhoria nos índices, nas questões de acesso á EJA os

problemas são muito mais complexos. Não basta estar na escola, é preciso ter

garantidos os direitos de acesso e permanência, condições dignas de estudo e

ensino, práticas docentes que incentivem a reflexão e a formação cidadã, através

de conteúdos significativos para este público. É preciso que os sujeitos tenham

plena consciência sobre que papel desempenha a escola em suas vidas, até

mesmo sobre a real serventia deste modelo de escola perante suas demandas

sociais, para que possam ter clareza sobre o que os traz novamente ou pela

primeira vez à escola.

São muitos os aspectos que podemos enumerar como motivadores da

realização deste trabalho. Apenas conhecer mais sobre a EJA nos pareceu

superficial diante da importância com que precisa ser considerada esta parte da

Educação Básica. Quisemos analisar qual a função social da escola na Educação

de Jovens e Adultos, perante a dicotomia teoria-prática, identificando os

propósitos da educação para este público na literatura oficial e comparando-os

com a vivência escolar de educadores e educandos. O que as Leis determinam é

de certa forma fácil descobrir, através da verificação das propostas oficiais.

Analisamos tais proposições, comparando-as com a vivência escolar de

educadores e educandos, para sabermos como se aproximam, se determinam

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modelos que são seguidos ou não e até que ponto. Muito importante também para

nós foi considerar as expectativas que educadores e educandos depositam na

Educação de Jovens e Adultos. A legislação propõe muito mais do que os alunos

esperam e cumpre muito menos do que estes mesmos alunos têm direito.

Quisemos também analisar, no campo escolhido, se a educação contribui

com o processo de transformação da consciência, no sentido da criticidade do

educando, enquanto ser social e histórico. Na tentativa de iIdentificar em que

aspectos a escola pode ser considerada um espaço capaz de gerar práticas

sociais que contribuam para tal transformação. Para tanto foi preciso adentrar em

questões como autonomia, emancipação dos sujeitos, seu senso crítico e suas

perspectivas perante a realidade.

EJA NA HISTÓRIA RECENTE DO BRASIL: SÓ DEPOIS DE 1934....

A Constituição Federal de 1934 é o primeiro documento que determina

nacionalmente algo sobre a educação de adultos: “Art 150 - Compete à

União: Parágrafo único ... a) ensino primário integral gratuito e de freqüência

obrigatória extensiva aos adultos;”. Ainda que de forma quase imperceptível é

onde se estabelece que a educação é gratuita, obrigatória e extensiva aos adultos,

para nós, explicitada aqui ainda como uma concessão. Pela primeira vez abre-se

legalmente a brecha para se falar em Educação de Adultos. E foi realmente depois

da Revolução de 1930 que a sociedade brasileira deu indícios de considerar a

importância da educação também para os adultos, por muitas décadas, citados

apenas como analfabetos.

Na década de 1940 a União toma iniciativas pouco mais significativas, dando

margem em seu discurso à educação de todos os adolescentes e adultos. Entre

1930 e 1945 houve a formação e a consolidação de um governo central, que

tomaria iniciativas quais trariam repercussões mais notáveis para a educação. A

partir de 1945, segundo Beisiegel (1974), a UNESCO passou a influir diretamente

nas políticas educacionais, trazendo contribuições quanto à expansão do ensino,

da saúde e desenvolvimento social no Brasil.

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Entre 1950 e 1964 houve espaço e tempo fértil para a disseminação das

iniciativas educacionais verdadeiras, mais ligadas às necessidades da população,

principalmente pela grande contribuição do método Paulo Freire, inicialmente

colocado em prática em 1961, no Movimento de Cultura Popular em Recife e

depois aceito pelos planos do Governo Federal e levado a outros estados,

difundido com grande aceitação até ser interrompido pelas medidas tomadas após

o Golpe Militar de 1964.

Depois deste período o governo militar instituiu o Movimento Brasileiro de

Alfabetização (MOBRAL), que se expandiu por todo o país. Embora que de forma

muito pequena e isolada ainda houvesse iniciativas mais críticas no

desenvolvimento e prática de métodos baseados em Paulo Freire, ligadas a

sindicatos e instituições religiosas. Nesse período experiências legítimas de

educação popular e educação de adultos foram mantendo-se sob sigilo, sem

ampla divulgação até meados da década de 1980, quando, com o fim da ditadura

militar foram ganhando maior dimensão, até que ocorresse a extinção do

MOBRAL em 1985.

A partir de 1985 muitas foram as iniciativas em favor da expansão massiva do

acesso à educação no Brasil, principalmente no final da década de 1990 em

diante. Ocorreram iniciativas inéditas na história da educação brasileira, motivadas

ou até pressionadas por organizações internacionais (UNESCO, Banco Mundial) e

as metas estabelecidas pelas mesmas. Houve em todo o mundo uma ampliação

do conceito e prática da alfabetização, no sentido de considerá-la como formação,

provida de muitos outros aspectos que não apenas a prática da leitura e escrita.

Um dos princípios mais difundidos para a EJA na Proposta Curricular para

Educação de Jovens e Adultos do Ministério da Educação – 1998 é “a

incorporação da cultura e da realidade vivencial dos educandos como conteúdo ou

ponto de partida da prática educativa”. Princípio este que como muitos outros

ainda não chegou de forma concreta e solidificada ás práticas diárias das salas de

aula. Quantitativamente a EJA (Educação de Jovens e Adultos, antes chamada

apenas Educação de Adultos) teve muitos avanços; a facilidade de acesso à

escola aumentou consideravelmente, há projetos do Governo Federal como Brasil

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afalbetizado, que começam a levar em consideração as especificidades deste

público, como a elaboração de material didático próprio e significativo, uma

metodologia não infantilizada, mas a realidade mostra problemas muito maiores

do que apenas o acesso à educação. As garantias das condições de permanência

e da efetivação de uma educação crítica e conscientizadora, talvez precisem de

mais um século para se efetivar, pois envolvem dimensões muito mais complexas

que a elaboração de material didático e quantidade de matrículas. Discussões

sobre a escolarização da população de jovens e adultos não são recentes, pois já

há mais de meio século as idéias freireanas sobre a mesma ocupam espaço no

cenário nacional e internacional. As discussões avançaram a ponto de hoje

compreendermos na escolarização uma necessidade de formação dos sujeitos,

embora as práticas educativas estejam caminhando mais lentamente que a

velocidade das discussões, congressos e produções acadêmicas.

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: DICOTOMIA TEORIA - PRÁTICA

Ao nos basearmos inicialmente num breve histórico da EJA no Brasil

conseguimos compreender as origens do fato desta ter um caráter corretivo, de

ajuste sobre aquilo que a escola regular não fez. Atingindo um público

economicamente marginalizado a EJA não representa propriamente numa

sociedade neoliberal uma necessidade econômica e sim uma concessão,

conseguida com muitas dificuldades. Falta ainda a conscientização de que a EJA

está incluída na Educação Básica e têm direitos garantidos por lei, mas ignorados

na prática.

A partir disso podemos constatar que a EJA (Educação de Jovens e

Adultos) durante muito tempo foi vista como uma espécie de compensação, de

reparação para com o público de adultos ainda não alfabetizados. Possuía mais

as características de pagamento por uma dívida social que se formou ao longo da

história para com a camada mais pobre da população. Esta tradição foi alterada

em nossos códigos legais na medida em que a Educação de Adultos, mediante

muita reivindicação dos movimentos sociais, foi tornando-se direito de todos.

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Deslocou-se a idéia de compensação para o campo da reparação e da eqüidade,

mas equidade relativa. Pois muitos foram e ainda são impedidos de exercer seus

direitos por fatores como a própria negação do direito à educação, e ainda hoje

muitos sofrem as conseqüências desta realidade histórica.

Vivemos numa uma sociedade que valoriza cada vez mais a educação

escolar como condição básica para o exercício da cidadania, o acesso ao mundo

do trabalho e a apropriação e o exercício de um senso crítico que o permita

exercer plenamente direitos políticos e sociais. Para tanto algumas políticas

públicas no âmbito educacional vem dando bastante ênfase a ampliação do

número de vagas no ensino fundamental. Há um aumento significativo na oferta

de vagas, mas a média nacional de permanência na escola, para a etapa

obrigatória (oito anos) fica entre quatro e seis anos. E os oito anos obrigatórios

acabam por se converter em 11 anos, estendendo a duração do ensino

fundamental quando os alunos já deveriam estar cursando o ensino médio. O

resultado desta realidade é a repetência, a reprovação e a evasão escolar

mantendo e aprofundando a distorção idade / série e conseqüentemente

aumentando o número de pessoas que cedo ou tarde voltarão à escola como

alunos da EJA.

Ao analisarmos a proposta de documentos oficias para a Educação de

Jovens e Adultos constatamos que a mesma, teoricamente, deve levar em

consideração a proposta de formação de um ser critico e capaz de trilhar seus

próprios caminhos. Para tanto seria necessário que a educação estivesse

cumprindo o papel de possibilitar aos educandos a aquisição de conhecimentos e

habilidades necessários ao exercício da cidadania, preparação para o mundo do

trabalho e para uma participação critica na vida política.

Segundo Freire (1980, p.20) “uma educação deve preparar, ao mesmo

tempo, para um juízo critico das alternativas propostas pela elite, e dar a

possibilidade de escolher o próprio caminho”.

Porém na prática vemos uma educação que tem cumprido uma função

paliativa procurando mais produzir números que apareçam nas estatísticas. Dessa

forma é deixada em segundo plano uma proposta concreta que venha a

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efetivamente nortear a Educação de Jovens e Adultos, oferecendo aos sujeitos

deste processo a possibilidade de se reconhecer como cidadãos e de possuir

ferramentas que os permita construir seu senso critico, sua formação como seres

conscientes do seu papel social. Além de terem a possibilidade de uma

reconstrução do seu próprio mundo como ponto de partida para a formação de

uma consciência libertadora.

Embora tenha evoluído muito em termos de legislação, a educação que cria

e garante oportunidades ainda atinge a minoria da população. Pessoas que têm a

oportunidade de concluir o Ensino Fundamental e Médio, ingressar no Ensino

Superior e simultaneamente à formação escolar ter acesso a uma formação

cultural ampla não precisam da EJA. Mas ao contrário, pessoas que desde criança

precisaram parar de estudar para trabalhar em período integral com certeza não

têm nem a mesma formação nem as mesmas oportunidades. Nesta perspectivas

percebemos que EJA abarca pessoas que fugiram à “regra” do que a legislação

propõe para a educação. Mais do que fugirem à regra, ficaram à margem do que

determinam as leis com relação a direitos para todos.

Na afirmação inicial de nossa hipótese a educação se propõe a formar para

a cidadania. Segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda Ferreira

“cidadania é a qualidade ou estado do cidadão”, entende-se por cidadão “o

indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um estado, ou no desempenho

de seus deveres para com este”. Se tomarmos por parâmetro esta definição de

cidadania, nossos alunos de EJA ainda não a atingiram. Devemos compreender

cidadania num sentido amplo. Podemos partir de uma definição teórica, mas

precisamos que o conceito seja vivenciado, que as pessoas o entendam de fato e

identifiquem-se com tal definição em suas vidas.

A Constituição Federal (1988) garante acesso de todos à educação, mas

devido a desigualdades sociais, a exclusão e aos complexos processos de

marginalização pelos quais ainda passa grande parte da população é preciso que

haja outra lei, para garantir que, os que foram excluídos dos direitos “garantidos”

pela primeira, sejam atendidos pela segunda. É o caso da Lei 9394/96, que prevê

oportunidades e mais garantias, quando na prática ainda vemos o aluno da EJA

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indo à escola com o objetivo de responder a demandas sociais, as quais não o

incluem mais como ser produtivo. Demandas das quais nem ele se dá por conta.

Seja um aumento no número de vagas promovido pelas políticas educacionais,

seja a necessidade de melhorar os índices de desenvolvimento da população, ele

é numericamente incluído, mas ainda não tomou consciência do que o leva até ali,

do que esperar disso para si e para a sua comunidade. É neste sentido que nos

questionamos sobre qual a real função social da educação para a EJA. Segundo

Barroso:Atualmente, a função social da escola é residual e não está conseguindocumprir com o seu papel (...). Nesse contexto, se discute aspossibilidades de estabelecer uma outra relação entre a escola e o local,pois pode dar um novo sentido e significado a essa instituição e contribuirpara reinvenção de outra regulação e organização. Esse é o grandedesafio que se coloca, atualmente, para combater a exclusão e asegregação interna e externa dos indivíduos.

Quando falamos em função social da escola ou da educação escolar,

entendemos função social como sua razão de ser, pois em Vieira vemos que

“sempre que a sociedade defronta-se com mudanças significativas em suas bases

sociais e tecnológicas, novas atribuições passam a ser exigidas à escola”.(VIEIRA

2002, pág 13). Nossa sociedade já passou e passa por muitas mudanças, por isso

a importância de questionarmos que função a escola está cumprindo nesta

sociedade e principalmente se os sujeitos da escola têm noção sobre esta função.

Acima Barroso nos fala sobre reinvenção e um novo sentido a este modelo de

escola que, segundo ele, não tem cumprido seu papel, que para nós não pode ser

outro a não ser formar um cidadão crítico, consciente de seu papel na sociedade e

ativo, com poder de reflexão e decisão. Espera-se que seja ampla esta função

social, bastante complexa como em todas as definições que encontramos, mas,

ao que pesquisamos, a função social tem-se resumido a alfabetização, a

processos burocráticos e didáticos de elevação do tempo de permanência da

população na escola. A visão encontrada não passa ainda pela formação humana

e do cidadão pensante. Que função social cumpre a escola para a EJA? Nossa

pesquisa não pretende encontrar a resposta, mesmo porque sob diversos

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aspectos as respostas são muitas e variam de acordo com a demanda da

sociedade.

A ESCOLA E AS PROPOSTAS PEDAGÓGICAS DA EJA

O papel da escola ainda está na fase de dar oportunidade de escolarização básica

aos que não tiveram oportunidade na fase própria. Ainda enfrenta problemas de

ordem física, espacial, de acomodação dos alunos, de adequação do mobiliário e

da evasão.

O levantamento teórico nos mostrou que existe um alto índice de evasão

nas turmas de EJA. A reportagem da Revista Nova Escola edição 172 - mai/2004

nos traz dados do Ministério da Educação, os quais informa que menos de 30%

dos alunos concluem o curso na EJA. Tal fenômeno ocorre principalmente pelo

uso de material didático inadequado para a faixa etária, dos conteúdos sem

significado, nas metodologias infantilizadas aplicadas por professores

despreparados e em horários de aula que não respeitam a rotina de quem

trabalha e estuda, enfim, devido ao fato de não se levar em conta às

particularidades deste público. Esses dados nos permitem afirmar que a prática

exercida na Educação de Jovens e Adultos não condiz com as propostas

existentes para a mesma. Como exemplo disso podemos refletir sobre a proposta

da LDB (Lei n. 9.394/96), que em seu artigo 1º refere-se aos princípios

norteadores da educação e estimula a criação de propostas alternativas para

promover a igualdade de condições para o acesso e permanência do aluno no

processo educativo, a utilização de concepções pedagógicas que valorizem a

experiência extra-escolar e a vinculação com o trabalho e com as praticas sociais.

Tal parecer sugere segundo Pinheiro “propostas pedagógicas concretas e mais

próximas da realidade” (1999, p.29).

De acordo com a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais a

Educação de Jovens e Adultos deve ser pensada como um modelo pedagógico

próprio, com o objetivo de criar situações de ensino-aprendizagem adequadas às

necessidades educacionais de jovens e adultos, englobando as três funções: a

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reparadora, a equalizadora e a permanente, citadas no Parecer 11/00 da

CEB/CNE. De acordo com tal parecer, a função reparadora significa a entrada no

circuito dos direitos civis pela restauração de um direito negado: o direito a uma

escola de qualidade e o reconhecimento de igualdade de todo e qualquer ser

humano. A função equalizadora dará cobertura a trabalhadores e a tantos outros

segmentos da sociedade possibilitando–lhes a reentrada no sistema educacional.

Finalmente, a Educação de Jovens e Adultos deve ser vista como uma promessa

de qualificação de vida para todos, propiciando a atualização de conhecimentos

por toda a vida. Isto é a função permanente da Educação de Jovens e Adultos,

não apenas alfabetizar, engrossar índices e estatísticas, mas reconhecer os

cidadãos que nela se matriculam e permitir, de fato, que acumulem ferramentas

para o exercício da cidadania.

É importante ressaltar que a educação destinada a jovens e adultos por si

só já apresenta características peculiares. Pelo fato de ser uma modalidade de

ensino que se destina as pessoas, que pelos mais diversos motivos, entre eles

condições sociais adversas associadas à falta de políticas de planejamento

eficazes na esfera escolar, não concluíram a escolaridade básica na “idade

própria”. Por este mesmo motivo é imprescindível que exista uma prática voltada

para a realidade do educando, considerado tal ação necessária para que seja

possível o acesso e permanência dos alunos, assim como o desenvolvimento dos

propósitos a eles destinados.

OBJETIVO GERAL:

Como objetivo geral do presente trabalho analisamos a função social da

escola na Educação de Jovens e Adultos, perante a dicotomia teoria-prática,

identificamos os propósitos da educação para este público na literatura oficial e

fizemos uma comparação com a vivência escolar de educadores e educandos.

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OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

Nos objetivos específicos verificamos, a partir das propostas oficiais, que

função social a escola se propõe a cumprir na Educação de Jovens e Adultos em

módulos distintos, analisando tais proposições e comparando-as com a vivência

de educadores e educandos. Identificacamos, ainda que expectativas educadores

e educandos depositam na Educação de Jovens e Adultos. E por fim, procuramos

identificar em que aspectos a escola pode ser considerada um espaço capaz de

gerar práticas sociais que contribuam para uma transformação das perspectivas

de seus sujeitos, no sentido de se reconhecerem cada vez mais como sujeitos do

processo educativo.

METODOLOGIA DA PESQUISA

Para melhor compreendermos a realidade que foi abordada, o presente

trabalho de pesquisa desenvolveu-se através de uma abordagem qualitativa.

Fizemos visitas a duas escolas da Prefeitura do Recife, situadas no bairro

de Setúbal e Boa Viagem, Escola Municipal São Francisco de Assis e Escola

Municipal Manoel Torres respectivamente. Através de entrevistas e observações

pudemos investigar e compreender melhor alguns pontos importantes para este

trabalho. Antes de entrevistarmos alunos e professores observamos alguns dias

de aula, na intenção de analisarmos suas relações, seu dia-a-dia, que problemas

e situações vivenciam, pois apenas com as entrevistas poderíamos ter respostas

diferentes do real. Também através das observações pudemos conhecer mais

sobre a realidade de vida dos alunos, as dificuldades financeiras, familiares, de

saúde e exclusão social pelas quais passam e que expectativas depositam na

educação.

Entrevistamos ao todo 20 alunos dos módulos II, III e IV e 4 professores (2

de cada escola). Quanto ao módulo I fomos informadas de que não pertence mais

à rede municipal, sendo administrado pelo programa Brasil Alfabetizado do

Governo Federal. Nas entrevistas direcionadas aos alunos procuramos identificar

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por que motivos não estudaram na educação “regular” e principalmente por que

motivos estão de volta à escola, que importância dão à escolarização (em seu

caso a EJA), dando ênfase á questão sobre o que esperam, como perspectiva de

cidadãos, ao terminarem esta fase dos estudos. Ao entrevistarmos os professores

procuramos obter informações sobre que importância atribuem à EJA, e sobre que

visão têm sobre seus alunos, que opiniões têm sobre a escola enquanto local

dinâmico, de transformações.

Ao observarmos o cotidiano dos educandos, dialogamos e aprendemos

sobre o contexto social e econômico em que estão inseridos, conhecemos sua

realidade e analisamos a que tem servido a Educação de Jovens e Adultos.

Após a conclusão da coleta de dados, com obtenção do material adquirido

através das entrevistas e das observações, a sistematização das respostas a

análise documental foram de grande importância, pois dessa forma foi possível um

confronto dos dados de realidade obtidos com a teoria.

ANÁLISE DOS DADOS OBTIDOS

Realizadas as observações e entrevistas com os alunos das duas escolas e

professores, percebemos uma linha comum entre várias respostas. Mulheres que

se casaram muito cedo, pessoas que quando crianças tiveram de abandonar a

escola para ajudar os pais nas lavouras de cana-de-açúcar ou nos trabalhos

domésticos e no cuidado com os irmãos menores e que agora encontram a

chance de estudar de novo ou pela primeira vez.

Há muita força de vontade e muita persistência em suas atitudes. Passam por

dificuldades financeiras, recebem pouco apoio da família, mas demonstram

interesse em aprender e esperança de se tornarem cidadãos mais “esclarecidos”.

Esperança de receberem mais reconhecimento, no trabalho, na sociedade em

geral, mas ainda de forma não crítica, de certa forma ingênua. Na fala da aluna 2

“se Deus quiser... tenho fé que vai dar certo, vou terminar meu estudo”. Há

também muita cumplicidade entre eles, por suas situações de vida, se identificam,

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há muita compreensão e são solidários entre si e têm muito respeito pelas

professoras. Já são cidadãos, mas no exemplo que acompanhamos na pesquisa

de campo a cidadania dos alunos limita-se a poder tirar documentos, a se

matricular numa escola e a voltar a estudar.

As respostas das entrevistas confirmaram os aspectos observados em sala

de aula, tais como a redução do conceito de alfabetização, como é definido pelo

PNE 2001 para práticas de leitura e escrita, tanto por alunos como por

professores. Esse entendimento está limitado à busca por uma inclusão como

forma de sobrevivência não como elemento de transformação da realidade. À

maioria dos alunos basta “um pouquinho”, o suficiente pra ter um emprego, saber

pegar um ônibus, anotar os recados da patroa, reduzindo assim todo o ideal

teórico a que se propõem os objetivos da EJA, de formar cidadãos, a exemplo:

“... a pessoa sem estudar, sem aprender a pegar ônibus, sem conhecerdinheiro é muito ruim, vai pra o Bompreço fazer feira não sabe osnúmeros, não sabe o que é dois o que é três, e serviço de carteiraassinada eu não arrumo mais, já trabalhei, mas não arrumo mais, e hojeem dia pra arrumar um serviço pelo menos em casa de família tem queter leitura, porque às vezes a patroa sai ai liga uma pessoa :anota ai umtelefone, anota ai um endereço...” (V. L 53 anos- empregada doméstica).

Para nós, é em falas como esta que vemos reduzido o papel da educação.

A função da escola, de acordo com a fala da aluna, está ligada apenas às práticas

de alfabetização. Não que isso seja sua responsabilidade, mas isso se inicia num

conjunto de pensamentos e práticas diárias, que reduzem não só a função da

escola mas também a função do ser humano a trabalhador, ser produtivo no lugar

de um ser completo, consciente de seus direitos e deveres e atuante socialmente.

Percebemos que as perspectivas de futuro com relação à conclusão da

escolaridade básica apresentam-se bastante limitadas, se tomados por referência

os conceitos acadêmicos de senso crítico, visão de mundo, criticidade, politização.

Não se vêem como sujeitos da sua história, colocam-se como fazendo algo pela

família, pelos patrões, para sobreviver, mas não por si, pela sua emancipação e

autonomia ou tomada de consciência e transformação do senso comum em

crítico.

15

Abaixo segue uma sistematização de respostas obtidas nas entrevistas, as

quais a seguir serão exemplificadas com algumas falas respectivas. O quadro

exemplifica a motivação que os trouxe de volta à escola, por que motivo não

estudram na infância, que importância atribuem à educação, à aprendizagem, que

expectativas têm sobre o que representa a escola em suas vidas e o que

pretendem fazer no futuro.

Sujeitos da pesquisa: alunos de EJA

Categorias Resultados obtidosMotivação

para voltar àescola

Necessidadep/ o dia a dia

Necessidade p/trabalho

Realizaçãopessoal

Outros

Nº de alunos 2 10 8 2Motivo da

evasãoA própria

escolaDificuldades

na famíliaPrecisoutrabalhar

Outros

Nº de alunos 3 6 7 33.Importânciada educação

Consideramuito

importante

Pouco importante Necessária Outros

Nº de alunos 20 0 0 04.Aprendizado Consegue

aprenderNão consegue

aprenderÀs vezes Outros

Nº de alunos 10 0 10 05.Expectativas

sobre aescolarização

Temexpectativaspara o futuro

Não demonstramexpectativas para o

futuro

Poucasexpectativas

Outros

Nº de alunos 14 4 2 06.Demonstraclareza com

relação àfunção da

escola em suavida

Escolaapenas comoa parte física

Escola como ossujeitos que

compões a escola(alunos, professores

etc.)

Escola comoum misto do

ambiente físicoe dos sujeitos

Outros

Nº de alunos 3 6 6 5**não define escola no sentido amplo, apenas como alocação física.

Através da fala abaixo podemos perceber que quando se referem a

importância da educação os alunos ligam diretamente esta à condição para

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inserção no mercado de trabalho, não fazendo relação entre a educação e a sua

formação como cidadãos.

“Ah é muito importante estudar, tem gente que diz assim: ah, pra quêestudar? Tem gente que é formado e ta desempregado, mas tem chancené , de conseguir um emprego... é bom você saber, ter um emprego,saber falar um pouquinho né. Às vezes fala um pouco errado porque todomundo erra, mas é bom saber ler um livro, um jornal, qualquer coisa e eusei ler um pouquinho graças a Deus...” (L.S 49 anos, dona de casa)

A educação é sim encarada como muito importante para todos os alunos,

mas por motivos ligados a emprego, a oportunidades de trabalho, a tarefas ligadas

a leitura e escrita do dia-a-dia. Quando falamos na transformação do ser humano

enquanto ser social-histórico, entendemos que para formação de um ser critico é

necessária a formação de um ser humano no sentido amplo, não apenas

escolarizado, mas conscientes de seu papel no mundo, que segundo SOUZA

compreende seres:

“... inconclusos, inacabados, ilimitados, infinitos. Vamos nos constituindo,fazendo-nos SERES HUMANOS, através do espaço e do tempo, narelação com os outros seres humanos e com os seres da natureza e dacultura, bem como com o criador. Nesse processo, descobrimo-nosinacabados e buscamos o aperfeiçoamento, queremos SER MAISHUMANOS. Adquirimos CONCIÊNCIA. Isso quer dizer que somos seresHISTÓRICO- SOCIAIS”( Souza 2000, pág 55).

A seguir apresentaremos a sistematização das respostas das entrevistas com

os professores, onde podemos observar o ponto de vista dos mesmos enquanto

sujeitos responsáveis por colocar em prática as propostas educacionais

apresentadas na legislação destinada à educação de jovens e adultos.

17

Sujeitos da pesquisa: Professores de EJA

NomeEscola

Rosa(M Torres)

José(M Torres)

Margarida(São Fco. Assis)

Maria(São Fco. Assis)

Formação Magistério / * Graduação emmatemática /Pedagogia

PedagogiaFAFIRE / Pós-

Graduação UFPE

Magistério ePedagogia UFPE

Tempo dedocência

23 anos / 8 naEJA

8 anos / 2 na EJA 11 anos / 4 naEJA

6 anos / 3 na EJA

Importânciada EJA

Inclusão social Resgate dacidadania einclusão nomercado de

trabalho.

Restabelece aOportunidade de

estudar

Restabelece aoportunidade de

estudar

Por queensina na

EJA

Necessidade /Acha

prazeroso

Opção Necessidade / Porque gostaNecessidade

Pontospositivos da

EJA

Transformaçãodos alunos

Possibilita:cidadania /

trabalho/ inclusão

Relaçõesinterpessoais.

Possibilita ainclusão dos

alunos.Pontos

negativosda EJA

Faltacondiçõesfísicas erecursos.

Baixa auto-estimados alunos;

dificuldades deaprendizagem;disparidade de

faixa etária

Falta condiçõesfísicas da escola

e recursosdidáticos.

Baixa auto-estimados alunos.

Avaliaçãoda suaprática

Nem sempre éeficienteporque otrabalho é

amplo.

Nem sempre éeficiente devido aheterogeneidade

da turma.

Não consideraeficiente, falta

fazer mais.

Considera eficienteatravés daavaliação.

Opiniãosobre

evasão

Devido ao fatortrabalho

Baixa auto- estimae dificuldade de

aprender.

Problemaspessoais

(familiares) etrabalho.

Contexto social emque se inserem,

trabalho.

* Concluiu Pedagogia no programa de requalificação de Estado - PE

Quando questionados a respeito da importância da Educação de Jovens e

Adultos os professores demonstram entender que a importância da mesma está

no fato de permitir ao educando um resgate de uma condição que lhes foi negada

na infância, levando-nos a entender que para eles essa é a principal função da

EJA. Como vimos em nossa pesquisa documental, o propósito da EJA tem

peculiaridades de público, de necessidades específicas, possui características

18

distintas da educação infantil. Na fala de uma das professoras vemos a função

bastante reduzida para a EJA, apenas de correção de uma oportunidade que não

tiveram antes e não como chance de ampliação do conhecimento e modificação

de situações e sujeitos: “A EJA dá oportunidade para aqueles que não

freqüentaram a escola quando criança...” (professora Maria).

A peculiaridade da Educação de Jovens e Adultos, para nós, encontra-se

principalmente no fato de que em tal modalidade é fundamental ordenar os

processos de aprendizagem a partir das experiências já vivenciadas pelos alunos,

numa perspectiva completamente contextualizada com o meio em que o educando

está inserido, para que o aprendizado faça sentido sob seu ponto de vista. Quanto

a este assunto a Declaração de Hamburgo nos diz que:

A Educação de Jovens e Adultos engloba todo processo deaprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas adultaspela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seuconhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionaispara satisfação de suas necessidades e da sociedade. (DH, 2000, pág163).

Percebemos que o aprendizado para o público adulto tem finalidade de

satisfazer as necessidades do educando e da sociedade e não apenas do

mercado de trabalho, de forma bastante abrangente como nos diz Souza sobre o

propósito do aprendizado escolar da EJA:

“O desenvolvimento de uma compreensão critica dos grandes problemascontemporâneos e das transformações sociais, e a capacidade paraparticipar ativamente do progresso da sociedade numa perspectiva dejustiça social e inclui como parte integrante do processo educativo asformas de organização coletiva criadas pelos adultos com vista asolucionar os problemas cotidianos”.

Quando se fala em levar em consideração os interesses do educando, suas

condições de vida e trabalho, na pratica tais fatores não só não são levados em

consideração como muitas vezes são assinalados como fatores que dificultam as

reais possibilidades de desenvolvimento dos alunos sendo apontados inclusive

como causas da evasão nas turmas de EJA, como afirmam alguns professores.

Quando questionados a respeito dos altos índices de evasão, o fator trabalho é

19

apontado tanto pelos professores como pelos alunos como um fator que dificulta a

retomada e continuação dos estudos, como na fala: “eles trabalham, uma hora

eles estão aqui, outra hora estão Ipojuca, vai pro interior, vai pra tudo que é

canto...” (professora Rosa). Mais do que isso, o trabalho é apontado pelos próprios

alunos como um dos principais fatores pelos quais não concluíram a escolarização

básica na infância, conforme a seguir:

“ É porque quando eu morava no interior era difícil escola, não tinhaescola e eu trabalhava assim, nessas coisas: roça, limpando mato, aiquando eu completei onze anos fui logo trabalhar em casa de família, aifaz sete meses que eu sai do emprego, ai votei a estudar de novo”(L.M.S, 49 anos. Dona de casa, aluna do módulo 2).

Além do trabalho muitos outros fatores são apontados como causadores da

evasão nas turmas de EJA, mas estes mesmos fatores deveriam ser colocados

em discussão e não apontados apenas como fatores culpados. São problemas

próprios do público de EJA, que têm causas sociais, econômicas, que devem ser

debatidas em todos os seus porquês, dialogadas e utilizadas como ponto de

partida para que os alunos enxerguem-se no mundo, como sujeitos trabalhadores,

participantes de um contexto atual. É a falta deste debate que se reflete na fala da

professora: “Além do contexto social em que vivem que na maioria das vezes

dificulta inclusive o acesso dessas pessoas à escola, quando as mesmas chegam

à escola não se reconhecem, não se encontram” (professora Maria). É este

histórico de vida que deve também habitar os temas das aulas e não apenas os

conteúdos muitas vezes inadequados dos livros didáticos. Seria muito bom que os

alunos se reconhecessem nas situações discutidas nos temas, se identificassem,

se encontrassem, como nas palavras da professora Maria. Tais dificuldades são

apenas apontadas como dificuldades, não há ainda reflexão sobre a realidade,

como nos fala outra professora: “Eles passam por muitos problemas. Às vezes

usam a escola pra escapar um pouco mais a questão é financeira, de violência, do

cansaço, dos que vem do trabalho, às vezes cochilam...É difícil, principalmente

pros que têm um emprego pesado” (professora Margarida).

Quando perguntamos aos alunos sobre sua opinião a respeito dos pontos

positivos e negativos da escola como um todo, na grande maioria dos casos nos

20

deparamos com respostas que se limitam a destacar apenas os aspectos físicos

(falta de espaço) como negativos, fato relatado tanto para os alunos como para os

professores:“De positivo tem uma diretora maravilhosa, os funcionários se importamcom a gente, o clima é bom, eles gostam dos alunos e assim os alunosgostam deles. De ruim eu acho que é muito pequeno, não tem espaçopra lazer das crianças” (M.C., 52 anos, aluna do módulo 4).

Da mesma forma nos coloca uma das professoras sobre o que concebe de

positivo e de negativo na escola em que trabalha:

(...) pontos positivos: é o grupo o respeito e também assim, o trabalhoexecutado, a transformação do aluno através de leitura, de debates,aulas extra classe... a gente transforma a visão do aluno com temasatuais. Pontos negativos fica difícil: eu acho o espaço físico, eu acho omais negativo o espaço físico, eu não tenho assim...aqui a gente é muitorespeitada cada um faz o seu trabalho todo mundo é muitocomprometido, eu tenho dificuldade de falar num ponto negativo daescola. Ruim pra mim é o espaço”.

Diante destas perspectivas apresentadas na maioria das respostas é que

observamos a reduzida função social que a escola tem cumprido, denotado na

resposta somente sobre o espaço físico, bem como em respostas sobre o que os

alunos esperam depois de concluir esta fase dos estudos. Suas perspectivas de

futuro sobre a sua formação realmente demonstram o conceito reduzido que

muitas vezes se atribui à função da EJA, ligada somente à alfabetização: “Eu vou

escrever melhor, vou conseguir anotar as coisas, hoje quem anota pra mim é o

meu neto. Algum recado, alguma coisa importante” (I.S., 66 anos, aluna do

módulo 2). Além das perspectivas de futuro, o motivo que os traz de volta à

escola, diante da pouca discussão e reflexão entre alunos e professores sobre os

propósitos da EJA, aparece de forma bastante restrita também. Na pergunta que

fizemos sobre os motivos que os traz de volta a escola, muitas das respostas se

assemelham com a do exemplo abaixo:

Eu quero aprende mais umas coisas, estudar né, porque a pessoa semestudar sem aprender a pegar ônibus, sem conhecer dinheiro é muitoruim, vai pra o Bompreço fazer feira não sabe os números, não sabe oque é dois o que é três (,,,), às vezes a patroa sai ai liga uma pessoa:anota ai um telefone, anota ai um endereço, quando ela chega eu digo,tudo isso precisa. (V.L. 53 anos, aluna do módulo 3).

21

A respeito disto, Souza define um pouco do como deve ser, o que para nós

ajuda na identificação de uma alternativa que possibilita sair dos moldes ineficazes

utilizados atualmente. Através de uma proposta elaborada a partir do pensamento

freireano, Souza concebe uma idéia de como podemos sintetizar os primeiros

elementos de uma nova visão de EJA. De acordo com tal concepção:

A Educação de Jovens e Adultos deve viabilizar processos eexperiências de ressocialização, recognição e invenção com o objetivo deaumentar e consolidar capacidades individuais e coletivas de forma acontribuir com a construção da humanidade do ser humano, através darecuperação de valores individuais e coletivos: da produção, apropriação,aplicação de conhecimentos escolares, utilizando para isso odesenvolvimento de propostas mobilizadoras de transformação darealidade. (SOUZA 2000, pg 112 e 113).

Entendemos que para a Educação de Jovens e Adultos cumprir uma função

social condizente com as necessidades dos sujeitos é preciso que se pense e se

coloque em prática propostas que considerem tais sujeitos como agentes do

processo e não mais como objetos do mesmo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sob a ótica que pudemos observar a escola para a EJA apresenta uma

função social burocrática, com fins políticos bem definidos, distantes das práticas

emancipadoras e transformadoras de consciências e realidades, não feita ainda

palco de reflexão, discussão e ação transformadora.

Através dos os resultados obtidos no presente estudo, confirmamos nossa

hipótese inicial de que a escola atual (pós Lei 9394/96) se propõe a formar para a

cidadania e para o mercado de trabalho, mas resume seu fazeres as práticas de

alfabetização.Encontramos contradições claras, grandes distanciamentos entre o

proposto e o vivenciado pela EJA. Há certa conformidade nas práticas, um clima

que acolhe a EJA como permanentes excluídos que agora têm uma pequena

chance de amenizar os fatos.

22

As práticas perpetuam a idéia de que a escola oferece oportunidade para os

que nunca a tiveram e agora a tem. A evolução conquistada no acesso à

escolarização ainda não alcançou igual proporção na conscientização dos alunos

sobre as causas que os fez não poder estudar antes, não ter antes oportunidades

merecidas e direitos garantidos e efetivados. Há muita força de vontade em

adultos que trabalham muito e vão à escola à noite, mas é preciso ampliar a

percepção, para que não enxerguemos apenas isso, a oportunidade de estudo e

ponto. A conscientização passa pelo fato de que a exclusão social atinge a escola

e faz com que a educação fundamental, com seus processos deficientes produza

um público que irá engrossar o número de matrículas da EJA mais cedo ou mais

tarde. É isso que a formação de cidadãos evita. A educação para a reflexão e

ação de sujeitos autônomos, emancipados, conscientes de seu papel na

sociedade é que irá evitar a repetição de tantos casos de falta de oportunidade de

estudar, de abandono dos estudos para trabalhar e ajudar no sustento da família,

como os relatados neste trabalho.

Particularmente esperávamos mais. A importância que atribuímos a este

trabalho foi primeiramente clarificar nossa percepção, acerca de que apesar de

muita produção teórica, muitos congressos até mesmo internacionais, a realidade

educacional ainda anda décadas atrás. Os propósitos legais são modernos,

contextualizados e detalhados, mas as práticas ainda acompanham os modelos

antigos, ainda se reportam a modelos que perpetuam os mesmos problemas, a

evasão, a falta de compreensão sobre o que estão fazendo lá, dos reais motivos

que os levou de volta à escola e para fora dela no passado. Do ponto em que se

está hoje para a transformação das consciências ainda há muito trabalho a fazer,

muitos mitos e senso comum a derrubar e senso crítico, reflexão e ação autônoma

a construir, mas é preciso que seja com os sujeitos, junto com eles, pois a

situação de atual submissão da consciência é fruto das políticas e teorias do

“para” eles, “para” o povo e nunca com o povo, com os sujeitos alunos e

professores.

Sobre o que esperam da escola? Parece tão pouco: Ler, escrever, ler

nomes de ônibus, assinar documentos, tirar carteira de habilitação. E o restante?

23

Ainda não demonstram perspectivas maiores nem a prática tem algo mais

significativo do que cumprir um programa que não diz muito deles nem pra eles.

Nós esperávamos que eles esperassem mais da escola, mas percebemos que

esperam tão pouco talvez porque a escola oferece muito pouco também. Não dá

espaço a maiores expectativas, não incentiva esperança, criticidade. Já que os

alunos ainda não são sujeitos o que nos leva a achar que a escola já é escola?

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24

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25

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SOUZA,João Francisco. A educação de jovens e adultos no Brasil e no mundo:

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VIEIRA, Sofia Lerche (org). Gestão da escola – desafios a enfrentar. Rio de

Janeiro, RJ. Biblioteca ANPAE, 2002.

26

APÊNDICES:

Questionário aplicado aos alunos

Iniciais__________

Idade___________

Profissão____________

1- O que traz você à escola? (Por qual motivo estuda?)

2- Por que motivo (s) não estudou regularmente antes? (Na “idade própria”)

3- Quais os pontos positivos e negativos que você vê na escola?

4- Você consegue aprender o que o professor (a) ensina? Se não, porque?

5- Você acha que estudar é importante? Por que?

6- O que pretende fazer após concluir essa fase dos estudos?

Questionário aplicado aos professores:

Nome fictício:_______________

Formação: _________________

Tempo de docência e na EJA:________________

1. Na sua opinião,qual a importância da EJA?

2. Como se tornou professor da EJA?

3. Cite 3 pontos positivos e 3 pontos negativos sobre a situação da escola

atualmente:

4. Você planeja suas aulas de que forma?

5. Você considera sua prática em sala de aula eficiente? Por quê?

6. A que você atribui o grande índice de evasão nas turmas de EJA?

7. Qual a maior dificuldade enfrentada para a realização da sua prática

pedagógica?

8. Nos descreva algumas características dos seus alunos de EJA.