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Grupo Diversidade e Convivência No tom da palavra

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Grupo

Diversidadee

ConvivênciaNo tom da palavra

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DIVERSIDADE ECONVIVÊNCIAno tom da palavra

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ReitoraDora Leal Rosa

Vice-ReitorLuiz Rogério Bastos Leal

Pró-Reitor de Ações Afirmativas e Assistência EstudantilDirceu Martins

Coordenadora de Ações Afirmativas,Educação e Diversidade - UFBA

Rejane de Oliveira

Consultoria e Assessoria PedagógicaJaime Praseres

ProduçãoEfson Lima, Adriele de Jesus, Daniele Borges

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

DiretoraFlávia Goullart Mota Garcia Rosa

Conselho Editorial

Titulares

Alberto Brum NovaesAngelo Szaniecki Perret Serpa

Caiuby Álves da Costa, Charbel Niño El-HaniDante Eustachio Lucchesi Ramacciotti

José Teixeira Cavalcante Filho

Suplentes

Evelina de Carvalho Sá HoiselCleise Furtado Mendes

Maria Vidal de Negreiros Camargo

Comitê de Avaliação

Daniel Avelino, Rejane Fernandes de Oliveira, Jaime Praseres,Álamo Pimentel, Fernando Reis, Judith Karine

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DIVERSIDADE ECONVIVÊNCIA

no tom da palavra

Grupo Conviver (Org.)Jaime de Oliveira Praseres Jr

Efson Batista LimaRejane de OliveiraFredson Oliveira

Salvador - Edufba2011

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©2011 by Grupo ConviverDireitos de edição cedidos à EDUFBA.

Feito o depósito legal.

Projeto Gráfico / Editoração EletrônicaJoenilson Lopes / Alana Gonçalves de Carvalho Martins

Projeto Gráfico da CapaDavide Junior Sousa de Araujo

RevisãoFlávia Rosa / Susane Barros

Financiamento – PNAES / Programa Permanecer

Sistema de Bibliotecas - UFBA

EDUFBARua Barão de Jeremoabo, s/n, Campus de Ondina,

40170-115, Salvador-BA, BrasilTel/fax: (71) 3283-6160/6164

www.edufba.ufba.br | [email protected]

Diversidade e convivência : no tom da palavra / Grupo Conviver(org.). - Salvador : EDUFBA, 2011.133 p.

ISBN - 978-85-232-0753-3

1. Poesia brasileira. 2. Contos brasileiros. 3. Crônicas brasileiras.I. Grupo Conviver.

CDD - 869.91

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Sumário

Apresentação do Grupo Conviver..

Prefácio..

Poesias..

Contos..

Crônicas..

Histórias de Vida..

7

9

13

61

105

121

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7. .

No tomda palavra

Apresentação do Grupo Conviver

O Projeto Conviver surgiu de uma iniciativa conjun-

ta entre a Coordenadoria de Ações Afirmativas da Pró-

Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil

da PROAE e estudantes residentes que em 2008, eram

representantes das Residências Universitárias da UFBA

e membros das comissões de cultura. O objetivo do grupo

foi desde seu início em dezembro de 2008, implementar

de forma democrática e participativa ações na área da

cultura para os estudantes assistidos pelos programas de

Assistência estudantil da Universidade. O Conviver 2009

foi a primeira iniciativa deste grupo e se constitui em um

evento cultural para 250 pessoas que envolveu: apresen-

tação musical, espetáculo de dança através do Grupo GDC

(Grupo de Dança Contemporânea da Ufba), exposição

de obras artísticas de estudantes assistidos, e ainda o lan-

çamento dos livros Diversidade e Convivência O evento

teve duração de 4 horas. Foram publicados nos livros 13

artigos científicos de 20 autores diferentes e 17 textos

literários divididos em Contos, Crônicas e Poesias.

Em 2010, o Conviver cresceu, foram 50 trabalhos

científicos e 39 textos literários inscritos. Serão publica-

dos no livro científico 18 artigos e no livro literário, desta

vez serão 18 poesias, 9 contos, 2 crônicas e 2 histórias de

vida, esta ultima, uma nova categoria incluída na livro

da edição 2010.

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9. .

No tomda palavra

Prefácio

Um livro que é uma encruzilhada, um livroque é uma ponteO ingresso e a permanência de estudantes em situa-

ção de vulnerabilidade socioeconômica nas universidades

públicas brasileiras por meio dos Sistemas de Cotas e dos

Programas de Ações Afirmativas permitiram a quem não

era oferecido, sequer como projeto, a tão sonhada forma-

ção universitária.

Milhares de jovens oriundos das camadas menos

favorecidas da população brasileira fazem e têm feito seus

cursos universitários, na certeza que contribuirão futu-

ramente ao país como médicos, engenheiros, advogados,

professores, cientistas e artistas. Esta é uma verdadeira

revolução, pacífica e silenciosa, que ocorre diariamente.

As oportunidades que o ensino universitário oferece

aos estudantes vão muito além dos conteúdos recebidos

nas salas de aulas, laboratórios, auditórios, ateliês, estú-

dios, quadras de esportes. Vão muito além das metas e

objetivos que regem os cursos superiores. A convivência

com os colegas, professores, funcionários e com a comu-

nidade acadêmica em geral traz experiências que, mesmo

que não diretamente ligadas às suas áreas de formação,

enriquecem o futuro profissional e a pessoa.

Assim, cabe agora às universidades públicas brasi-

leiras criar as possibilidades para que estas experiências

possam ocorrer com todos seus estudantes.

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Diversidade eConvivência

Este livro é o resultado de uma iniciativa desta

natureza. Universitários de cursos diversos da UFBA,

como Geografia, História, Filosofia, Biblioteconomia,

Ciências Contábeis, Administração, Direito, Pedagogia,

Letras, Artes Plásticas, Educação Física, Enfermagem,

Psicologia, Medicina Veterinária e dos Bacharelados

Interdisciplinares em Humanidades e em Artes, arriscam-

se como escritores em poemas, contos, crônicas e relatos

autobiográficos. O que está em jogo aqui não é o valor

literário destes escritos, mas a possibilidade do exercício

artístico que se coloca. Universitários aproveitando com

plenitude os dias de convívio com seus colegas,

expressando suas alegrias e tristezas, satisfações e

frustrações, prazeres e pesares. Se “cada um sabe a dor e

a delícia de ser o que é”, como bem cantou o poeta baiano,

também é verdade que “um mais um é sempre mais que

dois” como afirma o poeta mineiro.

Este livro encontra-se nesta encruzilhada. A encruzi-

lhada entre o “eu” e o “nós”. A encruzilhada entre os

desejos pessoais e os desejos coletivos. Mas este livro tam-

bém é uma ponte. Uma ponte que une um país de

desfavorecidos com seu futuro, agora realizável. Uma

ponte que une um passado de interrogações e um futuro

de exclamações. Uma ponte que nos é oferecida como tra-

vessia e que agora todos poderemos fazer.

Pessoalmente torço por estes jovens e pelos que vi-

rão. A Educação deve ser um exercício de construção de

catedrais, de plantio de jequitibás, de semeadura de futu-

ros, de sonhos. Um descortinar de possibilidades. Um

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No tomda palavra

exercício de riscos sim, mas de superações. Pessoais e

coletivas. E quando digo coletivas falo não somente dos

estudantes, mas de todos aqueles que se envolvem no pro-

cesso educacional, alunos, professores, funcionários, fa-

miliares. Este livro nos apresenta esta possibilidade.

Daniel Marques da SilvaDiretor da Escola de Teatro da UFBA

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Poesias

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No tomda palavra

A estrada do tudoMirian Gomes Conceição

Do nada começa a minha estrada,

Na estrada encontrei vários obstáculos

Obstáculos que me fizeram pensar em desistir.

Desistência que deixei para trás,

Pois a minha estrada não terminava ali.

Ergui a minha cabeça com meus objetivos emmente,

Primeiro pensamento: não siga em frente.

O tudo era o meu objetivo,

O nada era o meu companheiro.

A ambição era o meu castigo,

Tornando o tudo um desespero.

A estrada até o tudo custou tudo depois do nada,

Mas o nada que faltou no tudo

Me fez voltar a grande estrada.

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Diversidade eConvivência

..

Nascida na cidade de Salvador/BA em 1981.Graduanda em Ciências Contábeis pela Universida-de Federal da Bahia ( UFBA).

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No tomda palavra

As mulheres contemporâneasFrancinalva Sousa Conceição

Todas querem status

Todas querem um lugar

Homens de carros importados

Trajes de gala para impressionar

Euforia gritaria por alguém do outro lado da rua apassar

Elas querem perfumes distintos

E estarem sempre jovens para ousar

Um homem a cada semana

Em seus corações uma máquina de atirar

Em suas palavras insinuações...

Suposições da nova forma de amar!

Amar????

Elas desconhecem!

Apenas concentram-se em improvisar

Usam todas as suas belas máscaras

E se vão à noite para algum bar

E assim me vou a meio a elas

Sem mascaras, sem lugar, sem carros importados

Sem noites de luar

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Diversidade eConvivência

Olhando sempre em volta

Para não ser descoberta

Ouvindo músicas romântica, em meu rádioparticular

Às vezes chorando

Ou às vezes procurando

Por alguém que não está

Alguém de verdade

Que elas não querem encontrar!!!!

Ou no fundo querem!!!!

Mais não deixam demonstrar

Mas,

Esse meu coração, que busca de toda forma seentregar!

Eu escondo delas

Pois elas querem impiedosas,

Meticulosas,

Condicionar.

..

Graduando em Desenho e Plástica pela UFBA, ex-moradora da Residência Universitária 2, atual-mente participa do Projeto Permanecer, com arte te-rapia na classe hospitalar do Hospital das Clínicas

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No tomda palavra

Da antropofagia e do consumismo(da língua)Felipe Lobo dos Santos

Se eu comer minha fome

acabar com ela, eliminá-la,

consumi-la,

o que me restará?

o consumismo?

Exigência demais para um amador

a gula do bom burguês

profissional

que come os outros

seis pecados,

ao sabor picante do

protestantismo,

cristianismo primitivo.

Diriam, a inveja não mata,

é a mais esperta de todas

as caçadoras.

Ela contrata a ira!

Puritanos com purê de batatas,

vamos comê-los todos,

a moda inglesa,

vamos comer seus consumismos

e ressuscitar nossas fomes,

que foram mortas por seus ancestrais,

mas os tupinambás não os comeriam

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Diversidade eConvivência

à mesa, o que fazer então

para preservar nossas raízes,

desde que não somos mais

tamoios?

Que somos meros comensais sem nação.

Vamos temperá-las

com um bocado de língua tupi,

na extensão da Língua Geral do Sul

e consumi-las com farinha,

mais uma vez.

..

Paulista da cidade de Guarulhos, estudante de Psico-logia na UFBA, mantém participação no ProgramaPermanecer como bolsista do projeto ‘Reorientaçãoda formação em Psicologia’ da Prof.ª Mônica Lima.Neste, atua na equipe de acessibilidade e como asses-sor na implantação do programa do Governo Federalde aproximação dos cursos de saúde e o Sistema Únicode Saúde, o Pró-Saúde. Residente, escolheu partici-par do processo de ocupação da Farmácia Escola emsetembro de 2006. Através das comissões, partici-pou da implantação da infra-estrutura do Serviço deHospedagem. Atualmente, acompanha a construçãoda nova Residência da Garibaldi. Interessado pelaliteratura e poesia desde a infância, participou dapublicação, em 1997, pela Editora Gráfica da Bahia,de uma antologia poética intitulada Redescobrir-se

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No tomda palavra

Desabafo de um residenteJeane Ferreira dos Santos

Onde estou?

O que sou?

Por que deixei o meu lar, composto de amor ecalor?

Por que o troquei por um ambiente tão “plural”,onde se tem a privacidade arrancada (por um abrirde porta um, visitas, hóspedes, ligar ou desligar desom, ascender de luz...).

Por que troquei sorrisos e lágrimas sinceros, porrostos e faces de fases diversas?

Por que troquei a cozinha da minha mãe pelo R.U.?

Por que troquei o carinho dos meus irmãos porolhares que me ferem e enfraquecem?

Por que troquei o riso da minha mãe e alegria domeu pai, pelo Bom Dia! Seco que recebo?

Por que estar aqui?

Por que aguentar tanto barulho, tanto desconforto?

Por que aguentar tantos “nãos”?

Por que ter que dar tantos “sins”?

Por que conviver com tantos?

Por que viver tantos?

Por que se prender, se desprender, se ocultar?

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Diversidade eConvivência

Seria essa uma tentativa de fuga?

Por que lutar, enfrentar, seguir, buscar?

Por que guerrear por toda e qualquer melhora?

Por que ter que correr atrás de tudo (frutasmelhores, pão fresco...) se são coisas tão básicas?

Por que aguentar os olhares de indiferença dosmoradores da Vitória?

Será que ao final de quatro ou cinco anos valeráapena ter passado, sentido, vivido e morrido portudo isso?

Tomara que sim...

..

Estudante de História, sertaneja, da cidade de Barrado Mendes, interior da Bahia. Atualmente faz pes-quisa sobre a produção intelectual de mulheres embiomedicina-1789/1945.

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No tomda palavra

Há um garoto no portãoDejanira Santana de Andrade

Mamãe! Disse a menina

Há um garoto no portão

Tem na mão um saquinho de mercado

Mas no saco não tem dentro nada não

Feche a janela e entre

Disse a mãe impaciente

Esse garoto filhinha

Só quer pedir o pão da gente

Pois então mamãe! Dai o pão

Aqui tem e de montão

O Pai nosso de cada dia

Não nos deixa faltar não

Está bem minha filhinha

Leve para ele um pão

Mas entregue cá de dentro

Não abra o portão não

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Diversidade eConvivência

A menina deu o pão

O menino recusou

Apontou na direção

Viu seu pai ali no chão

Deu um grito de socorro

A mamãe correu pra ver

Pensou que fosse o menino

Com a vassoura nele logo quis bater

Não foi ele minha mãe

É papai ali caído

Quase perto de morrer

Vou chamar os empregados para ele socorrer

A menina disparou

Pra chamar os empregados

levaram seu pai pra dentro

Pelo médico foi consultado

Foi infarto disse o médico

Com cara de preocupado

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No tomda palavra

O menino lá parado

Do portão não quis passar

A mamãe aliviada

Ao menino quis pagar

O menino não aceitou

E saiu com seu saquinho

Nas alças do saquinho uma linha amarrada

Dando jogo com dedinho

..

Mulher Negra, aos 54 anos cursa BachareladoInterdisciplinar em Humanidades (BI), no turno Ves-pertino do IHAC-UFBA. É oriunda de escola públi-ca. Sempre sonhou em ser aluna da UFBA e tornar-se escritora.

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No tomda palavra

Máquina em série para servir aosistemaMaria José Santos Oliveira

A noite pálida

Envolve o dia,

O coração de quem ama

Enche de nostalgia.

A vida é mesmo uma doideira

Onde a gente nunca sonha,

Nunca ama,

Amar é besteira.

Ninguém dá valor ao idiota que ama,

No mundo moderno o que vale é dinheiro,

Celular e fast food para encher as burras das multis.

Pra que amar?

Amar é coisa de idiota,

O bom mesmo é ser filhinho de papai,

Patricinha ou badboy.

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Diversidade eConvivência

..

Nasceu em 1987, de mãe analfabeta e pai lavrador,falecido aos 39, quando tinha quatro anos. É estu-dante de Administração pela UFBA.

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No tomda palavra

MudançasJeane Ferreira dos Santos

Eu não era assim...

O que me fez mudar tanto?

A faculdade? A residência? Os “nãos”?

Por que meu coração endureceu?

Por que não sinto mais como antes?

Por que não vivo mais como antes?

Será que realmente vivo para mim?

Serão essas tantas mudanças, o talamadurecimento?

Depois daqui serei adulta?

Ou só uma menina adulterada?

O que fizeram comigo?

Já não sinto como antes...

Que turbilhão é esse na minha cabeça?

Qual será o resultado disso tudo?

Em que foi que me transformaram?

Já não sinto como antes...

Será esse endurecimento uma forma inconscienteou consciente de defesa?

Defesa essa tão frágil...

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Diversidade eConvivência

Tenho medo!

Tenho medo de chegar em casa e não serreconhecida por minha mãe.

Já não sinto como antes

Tenho medo!...

..

Estudante do Curso de História. Sertaneja da cidadede Barra do Mendes, interior da Bahia. Atualmentecolabora na pesquisa sobre a produção intelectual demulheres em biomedicina-1789/1945

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No tomda palavra

Saudade de vocêAndréia Moro Maranho

Que saudade de você

negra dos lábios carnudos.

Que mexeu e remexeu no meu corpo alvo,

frágil de menina moça.

Que saudade de você

negra dos lábios carnudos.

Que me tocava com gentileza, delicadeza

arrancando de mim, suspiros cálidos.

Que saudade de você

negra dos lábios carnudos.

Que me fez gozar tantas vezes

Entre o nascer do sol ao poente

fazendo-me mulher.

Que saudade de você.

..

Estudante do Bacharelado interdisciplinar de Artes,desenvolve trabalhos nas áreas de literatura, músicae artes visuais. Participa de projeto de pesquisa como qual busca elaborar um roteiro cênico sobre a vidae obra de Milton Santos com a orientação da Prof.ª

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Diversidade eConvivência

Desde 2007, desenvolve trabalhos artísticos com focona temática homoafetividade feminina, dentre essestrabalhos, esta a exposição Amor no Feminino - Gale-ria Jayme Figura – Teatro Gamboa, realizada no pe-ríodo de: 01/03/2008 à 02/04/2008, posteriormen-te seguiu para o Instituto Anísio Teixeira (IAT) parteintegrante da I Conferência Estadual GLBT de 24 à26 de Abril de 2008. Da poesia Saudade de Você, quecompõe esse Livro, nasceu uma performance, apre-sentada em novembro/2009 na UFBA e 29/03/2010no Evento Mesa de Diálogo sobre rede de pesquisa-doras Lésbicas no Estado da Bahia – Organizada pelaSecretaria de Promoção da Igualdade (SEPROMI) –S.P.M.

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No tomda palavra

Vinte e Poucos AnosPatrícia Ferreira dos Santos

Fiz vinte e poucos anos,

Muita coisa aconteceu,

Desaconteceu

Muitos sonhos se perderam

Desejos obscureceram

Dei conta de mim

De alguém

Amei

Desamei

Fui amada

Desamada

Feliz

E infeliz

Alegre

Desalegre

Conheci

Desconheci

Apeguei

Desapeguei

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Diversidade eConvivência

Aprendi

Desaprendi

Mas tenho muito que aprender

Falei inglês sem saber

Tentei francês

Fracassei

Ensinei

Sabendo

Não sabendo

Lutei

Cansei

Chorei

Não chorei

Mas ainda

Restam sonhos,

Sempre restam,

Novos sonhos,

Saudades,

Muita coisa ainda falta,

O medo ainda prevalece

A tristeza também,

Os amigos foram-se

Sem mim

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No tomda palavra

Com alguém

Será que tive amigos?

Ou amizade é uma passagem?

Ele se perdeu

A estrela dos meus versos

Sem mim

Sem Aurèlio

Sem Marco Aurélio

Eu perdendo noite

Ele sonhando comigo

Ele comendo balas

Eu falando besteiras

Ele alegre nos sonhos

Eu chorando a perda

Ele na certeza

Eu na incerteza

Eu cheia de medo

Ele com receio

Está sendo assim

Cada dia,

Cada hora,

Cada noite,

Cada tempo

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Diversidade eConvivência

..

A aluna do curso de Pedagogia da Universidade Fe-deral da Bahia, nasceu em Salvador-Bahia. Amantedas artes, literatura, gosta bastante de trabalhar comcrianças. Participou do Programa Permanecer durantedois anos. No último atuou no projeto Escritores doFuturo da professora Dinéa Maria Sobral Muniz.Nesse projeto exerceu atividades com leitura de dife-rentes gêneros textuais e produção de textos poéti-cos, com alunos do 4º e 5° ano do ensino fundamen-tal I de uma escola pública municipal de Salvador.

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No tomda palavra

A menina do lápis coloridoEdson Conceição Silva

Lá vai ela pelas ruas

Com sua bolsa vazia

Carregando apenas um lápis

E uma borracha que não apaga

Longe da infelicidade que a cerca

Sempre dando um passo a frente

Para fazer o que tinha feito ontem

Mas ainda continua feliz

Pensando em sua boneca de pano

E sua família de lápis de cera

Dando cores de sua bandeira

Para não se lembrar da tristeza

Lá vai ela pelas ruas

Pintando o que não conhece

E dando nomes aos que já sabia

Brincando de ser feliz

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Diversidade eConvivência

E quando as lágrimas descem

E o sorriso desaparece

Ela pega a borracha

Que não apaga

E borra tudo

Pra que ninguém saiba

Que ela chora!

Porém as marcas enrugadas

De cabelos ressecados

E o rostinho amarelinho

Da cor do sol

Foi culpa da borrachinha

Que não apaga

Mas deixa marcas

Lá vai ela pelas ruas

Que tem nome de doutor

Pintando os muros de rosa

E enchendo seus pulmões de cor

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No tomda palavra

Procurando as cores da coragem

Com sua face alongada

E cor pálida

Como se estivesse sendo puxada

No entanto ela caminha

Para um algum lugar

Que não é seu lar...

Mas quando ela não quer ver ninguém

Tranca-se no quarto

Ela pega seu lápis

E pinta tudo de preto.

..

Graduando em Ciências Contábeis UFBA, mora naResidência Universitária 1. Nasceu em Cruz das Al-mas.

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No tomda palavra

Da África? Eu seiDejanira Santana de Andrade

África! Mãe de todos os povos, muitos não sabem.

Eu sei.

África! Lá está o jardim do Edem escondido.Muitos não sabem.

Eu sei.

O Jardim está cercado por Querubins. Muitos nãosabem.

Eu sei.

O Senhor quando fez o homem, o homem Adão, fezdo barro africano. Muitos não sabem.

Eu sei.

Este barro era propício para frutificação, era obarro mais fértil, barro preto com humodificação.Muitos não sabem.

Eu sei.

Fez a mulher, Eva, da costela branca de Adão, elesse multiplicaram, lhe nasceram filhos de coresdiferentes. Uns pretos, uns brancos. Muitos nãosabem.

Eu sei.

Mas muitos deles se achavam superiores e houvesegregação, até aceitavam do outro ser primos,menos irmãos.

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Diversidade eConvivência

Mas todos têm sangue vermelho, não há um sósangue azul nem entre primos ou irmãos. Todossabem.

Eu sei.

Por isso Ó homens! Respeitem a África, foi lá ondeDeus primeiro pisou. Pisou para colher folhas evestir os nossos pais quando pecaram contra oSenhor.

Pisou para esconder de nós o Paraíso ondemoravam cujo caminho só quem sabe é o Senhor.

Quem pretender lá entrar deve sempre se lembrar.

Lá não entram primos só irmãos.

Eu sei.

..

Mulher Negra, aos 54 anos cursa BachareladoInterdisciplinar em Humanidades (BI), no turno Ves-pertino do IHAC-UFBA. É oriunda de escola públi-ca. Sempre sonhou em ser aluna da UFBA e tornar-se escritora.

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No tomda palavra

De cotasMaria Joana Dourado Guerra

Certo dia, ouvi alguém dizer:

“Você vai tirar a minha vaga na universidade,

vai tirar a minha vaga no emprego,

e ainda vai se sentar ao meu lado nesta sala?”

Tirei!

E como diria minha sábia Mãe:

– Tirei e tiro!

Tirei por que cansei.

Cansei de perder a vaga.

Cansei de perder a história.

Cansei de perder a estima.

Cansei de perder a memória.

Cansei de perder a família.

Cansei de perder a glória.

Cansei de perder por perder.

Cansei de perder noites.

Cansei de perder, sabe.

Cansei!

E entre perder e tirar,

Prefiro tirar.

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Diversidade eConvivência

Tirar o dia pra vencer.

Eu quero o texto,

Quero a vaga,

Quero o emprego

O espaço.

Eu quero!

Quero o seu conhecimento pra criar outras coisas.

Eu quero o poder que é bom e eu gosto.

Quero mesmo e daí?

Eu quero tirar a vaga do descaso.

Eu quero tudo que você também quer...

Eu quero a minha cor em todos os espaços. Outrassalas.

E a mulher me pergunta:

– Mas qual o problema das cotas?

Não é só a cota minha querida, mas a cor dessascotas.

O penacho e o cocá que esta cota traz, na cabeça.

Eu quero.

Você quer.

Vâmo lá buscar?

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No tomda palavra

..

Baiana da cidade de Irecê, estudante de LetrasVernáculas na Universidade Federal da Bahia, parti-cipa como bolsista do Programa Permanecer no pro-jeto Línguas e escritas: produção de materiais didáticospara a formação de professores indígenas da ProfªAmérica César. Fez parte do Programa de Ações Afir-mativas, Conexões de Saberes, onde exercitou e reno-vou sua escrita

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No tomda palavra

“Em busca da felicidade”Brasil Alves

Viver bem

É estar onde quiser,

Seja em qualquer lugar,

É viver pra sempre.

Desejar é saber o que procura,

É plantar-se consciente que o futuro vem da gente,

Seja alguém diferente.

Cedo ou tarde te desperta

Descobrir que não mais quer,

Esquecer o que passou,

Faça tudo novamente.

Logo então verá

Que viver não é algo inalcançável,

Pra falar ao coração basta ver

O que tem dentro de você,

Para chegar a luz tem que tocar o sol,

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Diversidade eConvivência

Todo amanhecer ou nada.

Logo então verá

Que é só repetir pra chegar

Ao seu lugar.

Acordar e despir-se de desejo,

Seja com ou sem um beijo,

É amar sem medo.

Quero estar em busca da felicidade,

Hoje muito mais que antes,

Pra viver mais um instante,

Vou me permitir.

..

Brasil Alves é o nome artístico e pelo qual é reconhe-cido, Josenildo Alves Santos. É Bacharelando emMedicina Veterinária e morador da Residência Uni-versitária V da UFBA (Serviço de Hospedagem). Écompositor e músico.

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No tomda palavra

Já não sou o mesmoRômulo César dos Santos Gonçalves

Já não sou o mesmo

Faz um minuto

Já se passaram dois minutos

A três minutos eu acabara de ler um livro

Agora não sou o mesmo

Reflexões e valores

Diamante lapidado

Obra aperfeiçoada

Outra edição

Agitadas ondas do mar

Revelam-se parte do oceano

Serenidade do conhecer

Manhã na madrugada

Já não sou o mesmo

Faz um dia

Já se passaram dois dias

Já não sou o mesmo...

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Diversidade eConvivência

..

Cursa Enfermagem na UFBA e atualmente é mora-dor da Residência Universitária V. Costuma apreci-ar a poesia e suas inúmeras possibilidades de expres-são.

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No tomda palavra

Meu tempoFredson Oliveira Carneiro

Hoje eu pensei no tempo

E vi que já não há mais tempo

Não há mais a infância

Passou a adolescência

Lembranças de minha família

se amarelam qual um retrato antigo

Já me esqueci de tantas coisas...

Nem consigo lembrar todos os meus apelidos

Me deram tantos,

afetuosos e não afetuosos

Muitos me preencheram de tanta felicidade

Outros me trouxeram muita tristeza

Mas, lá vai o tempo

Corre tão rápido, que não consigo maisacompanhá-lo

Até me tornar o adulto que não sou

o tempo passou e continua passando

Agora mesmo, nesse exato momento,

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Diversidade eConvivência

já não é o que fora há um instante

Acredito que ganho um pouco de vida a cada segundo

Mas, também sinto que perco

Em troca das experiências do mundo, perco o euque já fui um dia

Deixo de experienciar o que outrora foi meu tempo

Da família que já não é tão minha, quanto foi um dia

Tenho medo do tempo

Fecho os olhos e o sinto em mim

Ontem fui uma criança, mas já não o sou.

Não quero fechar os olhos ao tempo

Tenho medo de não mais abri-los

..

Natural da cidade de Ibititá, no interior do estado daBahia, atualmente mora na Residência Universitária5. É estudante de graduação em Direito pela Facul-dade de Direito da Universidade Federal da Bahia(FDUFBA). Participa do Grupo de Estudos Direito eMovimentos Sociais (GEDMS). É integrante do Ser-viço de Apoio Jurídico (SAJU) da Faculdade de Di-reito da UFBA no Núcleo de Educação Popular (NEP).Faz parte dos quadros de pesquisadores do Grupo dePesquisa “Direito e Cidadania” vinculado à Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia(FAPESB). Integra também a Iniciativa UFBA Lati-na (INULAT) vinculada ao departamento de Ciên-cia Política da UFBA

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No tomda palavra

OlharDeusdete dos Santos Silva

Olhar nos teus olhos a verdade

Olhar nos teus olhos a saudade

Olhar nos teus olhos a lembrança

Que um dia a verdade

do teu olhar

vai transformar a saudade em verdade.

E a lembrança nunca é tarde

para te encontrar

nos teus olhos a lembrança

de uma verdadeira saudade.

Nos teus olhos a alegria

de um dia te encontrar

A alegria com saudade vai mudar

a minha alma e meu coração.

Como a flecha do destino

que deixa meu coração perfurado e

marcado -manchado- de sangue

Quando o teu olhar vê, me enxergar sofrer

sem querer viver, é porque os meus olhos

dizem: amo você.

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Diversidade eConvivência

..

Natural de Pojuca foi morar em Catu logo após o seunascimento, na comunidade rural Baixa de Areia,hoje mora em Salvador na R1-Residência Universi-tária da UFBA, desde 2009. É estudante de Filosofiae bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Ini-ciação a Docência ( PIBID).

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No tomda palavra

TalvezBruno Almeida dos Santos

Talvez seja paixão

Talvez seja difícil

Talvez seja fácil

Talvez este amor não seja correspondido

Talvez ele possa ser meu destino

Talvez seja mais um em minha vida

Talvez seja iluminado, complicado, bem amado,ignorado, desrespeitado e abençoado

Talvez seja uma dor sem cura, um sofrimento, umlamento, um tormento ou uma grande maravilhaTalvez seja apenas mais um grito que fica preso emminha garganta

Talvez seja uma chuva que não molhe

Talvez seja uma revolução que não se manifesta

Uma primavera sem flores

Uma palavra jamais dita

Uma canção nunca ouvida

Uma doce ilusão

Mas mesmo assim acredito neste amor

Nunca disse a ele uma só palavra

Talvez por falta de coragem, por medo

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Diversidade eConvivência

Mas é ele o dono dos meus sonhos

É ele que eu penso vinte quatro horas

É ele que me faz perder os sentidos

É ele que eu quero ter ao meu lado

Mas é ele o amor impossível para mim

Talvez por sermos do mesmo sexo

Talvez por sermos amigos

Talvez por este amor ser meu pra ele e não dele pramim

Mas será tudo isso desilusão

Será confusão

Será o começo de um amor

Ou será o fim do que não começou

Talvez, talvez, talvez....

..

Estudante de Biblioteconomia e Documentação daUFBA. Morador da Residência Universitária I, mili-tante do Grupo Gay das Residências-(GGR) e mem-bro do Projeto Conviver – atua na criação do Memorialdas Residências Universitárias da UFBA. É oriundoda cidade de Santo Antonio de Jesus.

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No tomda palavra

VivoShagaly Damiana Araújo Ferreira

Enquanto o mundo falece, eu vivo.

Vivo, e os instantes novos me esperam.

Quebro, hoje, os grilhões da escravidão.

Desfaço tudo o que me tornava menor.

Liberto-me!

Cansei de me importar com suas opiniões.

Cansei de procurar respostas para as suasindagações.

Cansei de ser menos eu por sua causa.

Cansei...

Hoje sou nova e viva, e vivo!

Não quero mendigar sua ajuda, seu respeito, seuamor.

Disseram-me que essas coisas eram minhas pordireito.

Minhas por direito.

Eram de graça...

E o que você me deu?

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Diversidade eConvivência

Motivos fortes para chorar,

Para desistir do mundo.

Não mais! Por hoje e sempre, não mais!

Não aceito o pouco de vida forçada vinda de você.

Me nego a me subordinar, pois hoje eu vivo.

Os instantes novos me esperam.

Deixe que as alegrias venham a mim, fiquem edurem.

Deixe-me namorar a felicidade e abraçar o tempo.

Deixe-me provar desconhecidos sentimentos.

Deixe-me voar!

Os instantes novos me esperam,

E agora vivo.

Vou encontrar o vento,

Com seus braços longos e abertos, à espera do meuabraço,

Para com seu sorriso largo e corpo camuflado,

Poder dizer que sou de tudo o que mais belo existe,

E sussurrar aos meus ouvidos, simplesmente:

Vive!

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No tomda palavra

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Natural de Oliveira dos Campinhos, distrito de San-to Amaro – Bahia. Ainda na infância, no recôncavobaiano, começou a escrever poesias, crônicas e músi-cas. Possui textos publicados em mídia eletrônica,além de outras produções teatrais, jornalísticas e li-terárias. Recentemente foi umas das vencedoras doconcurso Bahia de Todas as Letras, na categoria cor-del, com o livro infanto-juvenil “O Mar de Luís”, doqual é co-autora. É estudante do curso de LetrasVernáculas da Universidade Federal da Bahia - UFBA.

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Contos

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No tomda palavra

Expurgos para o mundoEfson Lima

Você, leitor, estará diante de uma cidade interiorana.

Mas não tão pacata como imagina. Nem tão pequena como

muitos associam. Confesso que a cidade perdeu toda a

calma com a chegada de milhares de trabalhadores ru-

rais que passaram a morar aqui após a crise do cacau.

Eram peões que ficavam a maior parte do tempo dentro

das roças. Colhiam bravamente cabaça por cabaça do fruto

e retiravam com as mãos caroço por caroço. Era um tem-

po pródigo para a região.

Na safra temporã que passa exatamente pelo outono tro-

pical, os fazendeiros complementavam os lucros e colhiam

vaidades e poderio. Os trabalhadores ganhavam um

tostãozinho. Estes enfrentavam as cobras e as fortes chuvas

do período com uma boa e velha pinga. A cachaça é tão forte

que queima tudo por dentro. Serve para encorajar a jornada.

Tudo isso passou! O fruto de ouro desapareceu. A

vassoura de bruxa chegou colocando medo. Impondo res-

peito! A praga empurrou como enxurrada muitas pesso-

as das fazendas de cacau e das cidadezinhas para Ilhéus,

Itabuna. Estas cidades incharam de gente. Gente simples

das roças de cacau. Pessoas que mal conseguem balbuciar

algumas palavras. Gente que luta, agora, para vender seus

picolés nas praias do verão ilheenses. Gente que trabalha

na Central de Abastecimento. Gente que retira carangue-

jo das profundezas da lama de mangue para seu sustento

diário. Gente que os vende.

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Diversidade eConvivência

Essa gente foi cultivada na brabice. Homem é homem

e mulher tem que ser de respeito. Não existe meio termo.

Ainda é o povo do sim, sim e não, não! Os valores fami-

liares são preservados como se preserva Deus.

Seu Zé Galindo quando viu a situação arruinar ficou

preocupado. Esperava pelo pior e chegou a má notícia

que tanto preocupava: o patrão percebeu a produção de-

clinar, convocou seu Zé e deu o aviso de despedida.

Seu Zé, então, reuniu a família e partiu das bandas

de Itaúna para Ilhéus. Era o inverno de 1987.

Convido-o para apresentar Dona Chiquinha, esposa

de seu Zé Galindo, velha frequentadora dos sermões do

Padre Filon. Aos domingos, logo cedo, acordava os filhos

para arrumar e levá-los à capela da fazenda. Lá ouvia os

mais duros sermões. O padre defendia a família. Para ele

era uma instituição perfeita. E recomendava sempre que

as mães tomassem cuidadosamente conta dos filhos, es-

pecialmente das filhas mulheres. Dona Chiquinha, certa

vez, reclamou do desleixo de Dona Carmélia com sua fi-

lha de 16 anos. Para ela, quem já viu moça ir para escola

sozinha. Escola era coisa que ensinava pouca coisa boa.

Deixava as moças experientes. Dona Chiquinha ainda

contava para sua filha que era o anjo que trazia pela noi-

te o bebê para a mulher.

Os tempos mudaram. E ela teve que ir com Seu Zé

Galindo para a periferia de Ilhéus. Foram morar em uma

favela. Lá, observa que não somente eles estavam naque-

la situação. Muita gente tinha saído das mais distintas

cidades. Muita gente tinha ido de Aurelino Leal, Uruçuca,

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No tomda palavra

Una para Ilhéus. A vassoura de bruxa havia aplicado

um duro golpe nos valores daquela gente. Era gente cor-

rendo atrás de trabalho. Atrás de comida! Na comuni-

dade, Dona Chiquinha procurou logo ir para igreja. En-

controu uma líder comunitária. Por sinal, esta havia

morado um bom tempo no Rio de Janeiro. Lá, estudou e

entrou em contato com os mais diversos pensamentos.

Na igreja sempre caminhou ao lado da ala progressista.

Confessava-se quase que diariamente para o padre. Di-

vergia muito das opiniões do vigário. Ficava com medo

de morrer e ir para o inferno. Sabia que teria que passar

pelo Fogo do Purgatório. Protestava muito dos sermões.

Só não mudou de crença porque não queria abandonar as

irmãs, não queria deixar de rezar para São Jorge. E gosta-

va de frequentar o Terreiro de Odé. E momento outros

gostava de falar com os mortos. Era polirreligiosa. E indo

para a Lei dos Crentes tinha que ceder tudo isso. Ela amava

cantar no coral das senhoras. Era uma senhora avança-

da. Já havia defendido várias mulheres solteiras. Nunca

se casou! Isso causava certo mal estar, mas a comunida-

de nunca soube nada que abalasse a idoneidade moral.

Algumas pessoas perguntavam os porquês. Outras

apressadinhas e quase donas da verdade respondiam os

porquês.

Assim que a família chegou a Ilhéus, Dona Chiquinha

aplicou um sermão nos filhos. Alertou para os perigos da

violência e determinou que sua filha só poderia sair com

ela ou acompanhada do irmão caçula. Era uma velha con-

servadora, mas atenta como águia.

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Diversidade eConvivência

A filha ao descer do caminhão com a bagagem depa-

rou com uma figura engraçadinha. Foi Jorge, um moleque

vivido. Passava sempre pela porta de bicicleta. Não que-

ria perder Flora. Claro, quem ficasse com a novata da

rua! Desse os primeiros beijos. Era mais uma que ia para

a contabilidade. O passar constante do menino por sua

porta é coisa de gente treiteira. Inferiu Dona Chiquinha.

E isso, não posso dizer que ela não sabe. Ela conhece muito

bem! E como! Aí, tratou logo de falar para Seu Zé Galindo.

Ele nem esperou a mulher terminar de falar. Apanhou

Flora e desceu o rabo de boi nas costas da moça. Fez vári-

as marcas. Disse que estava batendo para prevenir. Era

um aviso. A filha tinha que casar virgem.

No domingo, Dona Chiquinha foi à igreja e ao sair

falou das constantes voltas do rapaz em frente da casa

para a líder comunitária. Experiente! Ela rapidamente

perguntou se Dona Chiquinha já havia falado de gravidez

e do uso de camisinha. Dona Chiquinha quase foi ao in-

ferno, voltou e suspirou profundamente e disse que isso é

coisa do diabo. A sua filha não nasceu para essa vida.

Moça é moça. Além do mais a camisinha era coisa para

homens desonestos e mulheres safadas. Ela só conheceu

um homem até aquele dia. E mulher só pode amar ho-

mem depois de casada para ter seus filhos.

A líder retrucou dizendo que ela não estava mais em

Itaúna. E naquela terra as coisas estavam mudando rapi-

damente. Os jornais já falam de uma doença mortal. E os

rapazes já não pensavam mais em se casar. As meninas

estão ficando grávidas mais cedo e muitas morando nas

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No tomda palavra

casas dos pais. Dona Chiquinha saiu do salto, protestou

e disse que a líder estava possuída. Era uma mulher que

não tinha marido e que ela, Dona Chiquinha – mulher de

respeito estava correndo risco de ser difamada pelas ou-

tras mulheres. Rapidamente se benzeu. Partiu em dire-

ção a sua casa e começou a rezar o terço.

Flora continuava a despertar a atenção de Jorge. Flo-

ra já não era tão menina assim. Já tinha completado os

seus 16 anos. Sua mãe havia se casado aos 15 anos. Ela

pensava que estava ficando para titia. Tenho que confes-

sar para vocês que ela ao ver Jorge se encantou pelo ra-

paz. Era um jovem bonito mesmo. Dona Chiquinha vaci-

lou e Jô moço entregou um bilhete para Flora. Marcava

um encontro no sítiozinho. Ela aproveitou o vacilo nova-

mente da mãe e foi ao encontro de Jorge.

Lá, o espírito de menina de roça foi embrulhado pelo

espírito do jovem que soube lançar as palavras. Conven-

cer uma menina virgem. Flora não aguentou, foi do beijo

ao bom sexo no pé. Os cacauais sempre testemunharam

fatos pitorescos na região. Cada um mais suculento. Com

bastante mel. Flora não iria aguentar mesmo aquele fres-

cor. Jorge beijava muito. Lançava toda a saliva no pesco-

ço dela. Já escorria como mel.

Jorge era um menino vivido. Estava feliz. Iria falar

para seus amigos a proeza. Os colegas não iriam acredi-

tar e não acreditaram mesmo. De primeira, quem já se

viu? Questionou o famoso namorador da área.

Dois meses depois, movimentos estranhos são perce-

bidos por Flora em sua barriga. Ela começa a ficar deses-

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Diversidade eConvivência

perada. Observa que o sangue que desce todo mês, no

anterior não havia descido. Fica preocupada. Já havia

percebido que o bebê não era enviado como contava sua

mãe. Pressentia que alguma coisa estava errada.

E errado para sua mãe estava. Dona Chiquinha perce-

beu o volume na barriga. Flora não conseguia mais esconder

o crescimento. Ela amarrava com um pedaço de pano a bar-

riga. Imaginava que o truque ia passar despercebido aos olhos

de sua mãe e quando nascer o menino. Iria deixar no sítio.

Dona Chiquinha certo dia, angustiada, chamou Flo-

ra no quarto e pediu para ela retirar toda a roupa. Flora

ficou nervosa. Começou a chorar! Disse que não iria fa-

zer aquilo. Dona Chiquinha partiu para cima e retirou à

força. Percebeu a barriga toda redondinha. Não aguen-

tou. Deu um grito que a rua toda ouviu.

Gritou ao vento como ficaria a reputação dela frente

ao seu pai e a sociedade. Como ela iria visitar seus paren-

tes em Itaúna. Como ela iria encarar a líder comunitária.

Como ela suportaria as vozes de Zé Galindo gritando aos

seus ouvidos a educação oferecida. Certamente, iria dizer

que ao chegar à cidade havia perdido a vergonha.

Não sabia o que fazer. Abortar. Pensou, ela. E os

ensinamentos do Padre Filon? Não! Não podia fazer aqui-

lo. Aceitar uma filha puta dentro de casa. Não! É uma

ofensa à família. Disse: – Menina arruma as coisas e sai

de dentro de minha casa. Comportava-se agora como um

homem. Tinha que mostrar força.

Seu Zé chega e percebe que está muito estranho. Per-

gunta e Dona Chiquinha responde – estou mandando Flo-

ra pra rua.

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No tomda palavra

– Por quê?

Sua mulher disse: – Olha que essa sujeita aprontou!

Me colocou na lama.

– O que foi mulher?

Dona Chiquinha responde: – Está grávida!

Seu Zé galindo se desespera: – O quê? Como isso?

Profundas palavras são pronunciadas por Zé Galindo:

– E você Chiquinha? Chiquinha do inferno! Não

aprendeu criar filho diaba velha!

– Sai da minha frente. Ponha essa mocinha porta

fora. O mundo que acolhe mulher safada. Lá ele oferece

casa. É uma grande casa! Tem de tudo!

Seu Zé tentou filosofar, mas se via que o ódio estava

no rosto dele. Ele sabia que não havia errado na educa-

ção. Não é o papel de homem educar moças. Ele apren-

deu que os homens aprendem com os homens. E as mu-

lheres com as mulheres.

Digo a vocês que a líder comunitária ao perceber aque-

les gritos, correu para a porta e ficou observando. Matutou

várias possibilidades. Não imaginava a da gravidez, ape-

sar de já ter visto histórias parecidas no Rio de Janeiro e

ali mesmo também. Observou Flora sair à porta com uma

trouxa na mão. Tinha poucas roupas. E o choro no ros-

to. Flora não teve tempo nem de conversar com Jorge,

não teve tempo também de fazer a segunda noite de amor.

A líder comunitária correu e recomendou a Flora um

abrigo para mulheres. Para lá que Flora partiu.

Hoje, tenho algumas notícias. Darei em partes: Flora

tornou-se mãe. O rapaz está terminando a Faculdade de

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Diversidade eConvivência

Medicina. Jorge reencontrou Flora em Salvador. E estão

juntos. Dona Chiquinha tem 73 anos, continua nas pas-

torais da igreja. Agora alerta aos jovens para a necessida-

de do uso de camisinha. Antes era só a gravidez e agora,

alerta-os dos riscos da Aids! É uma doutora nesse assun-

to. Mas continua a defender a família como elemento a

ser preservado. Antes que esqueça, ela mudou tanto que

é considerada uma mulher avançada pelas colegas.

Seu Zé não suportou a vergonha e a tristeza de ter

perdido a filha para o mundo e se suicidou na mesma

noite. O espírito circula nas fazendas de cacau. Quem se

suicida, não entra no céu. Diziam os velhos mais sábios

da região, nas longas noites depois do trabalho. Pensei o

seguinte: os pais sempre falam com os filhos certas coi-

sas, mas lá no fundo, eles querem mesmo é o melhor para

os seus pupilinhos.

A líder comunitária só anda viajando aos 80 anos. A

cidade de Ilhéus mudou muito. Os fazendeiros querem

esquecer-se do dia que tiveram dinheiro e no outro que

perderam tudo. Eles não sabem se foi sonho ou pesadelo.

..

Graduando em Direito pela Faculdade de Direito daUniversidade Federal da Bahia. Membro do Centrode Estudos e Pesquisas Jurídicas (CEPEJ) e do Servi-ço de Apoio Jurídico (SAJU) e morador da Residên-cia Universitária II da UFBA. Nasceu em Itapé (BA)e aos 11 anos, foi morar em Ilhéus (BA)

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No tomda palavra

As Aventuras de Sapa GirlAndréia Moro Maranho

Trinta e seis meses, três dias, duas horas, dezoito

minutos, e os segundos se passando, eis que finalmente o

sonho se realizava.

Depois de aguentar, mau humor de patrão pra pagar

a prestação, televisão como diversão, e muita viagem de

lotação, chego à conclusão, que nada foi em vão.

Insegura, mas feliz, subi na pequena moto azul com toda

minha altura de 1,56m, fiquei apoiada apenas nas pontinhas

dos pés, com os quais se fizeram presentes mostrando toda

sua importância que muitas vezes não se é notada.

O vento frio de outono não me desanimou, ao contrá-

rio, tornou o mundo ao meu redor aconchegante, pois no

meu interior um vulcão acabara de entrar em erupção.

Realizada, porém, suando frio, capacete azul pra com-

binar, engatei a primeira e prossegui com cara de quem

dominava totalmente a situação.

Engano bem - Pensava, enquanto guiava a pequena gran-

de máquina pelas ruas movimentadas de Diadema/SP.

Só eu sei, o esforço que fiz para demonstrar tama-

nho domínio, no fundo pensava:

Sou uma fraude, mas quem não é?

Reflexões à parte, o mundo me esperava.

Na moto envenenada de apenas cem cilindradas, segui

com muita habilidade de segunda marcha até minha casa.

A mochila vermelha de viagem, aguardava minha

chegada.

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Diversidade eConvivência

Um beijo carinhoso na compreensível mãe, que fez

festa ao me ver chegar motorizada, outro em cada um

dos também sonhadores irmãos que felizes pela minha

conquista se mostraram vitoriosos, elos eternos, um gole

rápido de chá de camomila, um aperto no coração, a ba-

tida forte no portão, gritos de boa viagem e acenos da

janela, ganhei o asfalto danificado pela força do tempo.

Guiada pela intuição, felicidade e pela tensão absur-

da que é pilotar a 40 km/h em Sampa em pleno horário

de pico, nos corredores apertados, deixados pelos carros,

chego finalmente, sem nenhum arranhão aparente, cin-

qüenta e sete minutos depois em mais um destino, rua da

Consolação.

A minha espera, a mais bela das sapas, a minha.

Depois da dificuldade notória para retirar o capace-

te comprado com a numeração errada que não se cansa-

va de apertar minhas bochechas e tornar um pouco inco-

modo um dos meus maiores momentos, arrumei os

cabelos, e ao levantar os olhos tranqüilizei meu coração

ao avistar minha Japa-sapa por inteira.

Com seus olhos pequenos, porém com um sorriso

enorme, aproximou-se, e na maior espontaneidade bei-

jou-me na boca de língua.

Beijo quente, ardente, que me encheu de tesão,

avermelhando em seguida meu rosto, e esquentando meu

corpo.

No ponto de ônibus do outro lado da avenida, fize-

ram festa os adolescentes que lá estavam com seus típi-

cos uniformes escolares, em tons de azul e branco, nada

originais, ao ver a cena do beijo, uns gritavam: sapatão,

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No tomda palavra

ou apenas assobiavam, outros insistiam no: mulher com

mulher da jacaré e com tal algazarra, outros olhares fo-

ram também despertados e lançados em nossa direção.

Os carros que passavam pela avenida também fazi-

am questão de se manifestar, quanto ao ato visto ainda

ao entardecer, verdadeira afronta diziam uns, pouca ver-

gonha, gritavam outros.

Sem manifestar importância, Japa-sapa com sua rou-

pa preta de couro paraguaio e sua bota Luiz XV compra-

da em um, dos muitos brechós espalhados pela cidade,

subiu na garupa apertando-me pela cintura e empinando

a bundinha ajeitou-se, e coaxou em meus ouvidos, frases

gostosas, maliciosas, enlouquecedoras.

Senti-me a tal, delírios.

No cavalo alado de duas rodas partimos em direção

a lua de prata que graciosamente nos aguardava envolta,

por estrelas cintilantes, seguimos então, pela rodovia dos

Imigrantes e logo avistamos a placa de sinalização do lado

direito da pista que indicava: Baixada Santista.

Praia Grande, nosso destino, parada obrigatória antes

da descida no posto de gasolina estrategicamente construído

antes do pedágio para um xixizinho, tudo pronto para uma

nova partida,continuamos nossa viagem.

A satisfação sentida ao ver no velocímetro 80 km/h

marcado, foi algo inexplicável, fez lembrar o beijo que

roubei da professora de história na biblioteca, que per-

plexa com a situação vivenciada, apenas olhava-me com

seus olhos de azeitona tentando se esconder atrás de seus

óculos redondos de armação preta.

Bons tempos esse de colégio.

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Diversidade eConvivência

De volta ao presente, o cavalo alado voava alto, com

ele, novos sonhos.

Na saída de um túnel para o outro, o vento trazia

pelas frestas do nada amigo capacete o ar salgado do mar,

estávamos próximas.

No quiosque combinado, a sapaiada, (é assim que na

gíria de alguns grupos, se denominam as meninas que

gostam de meninas “sapas”), nos aguardavam com seus

hormônios enlouquecidos pela noite ofertada.

Enquanto umas se deixavam seduzir pelas loiras ge-

ladas que eram servidas as dúzias, outras caçavam com

os olhos, aguardando o melhor momento de se aproxi-

mar de suas presas, e devorá-las.

Enquanto o brejo ia lotando, eu e minha Japa-sapa,

sentadas na areia fofa e quente em frente ao quiosque,

brindamos felizes com suco de laranja à conquista da li-

berdade proporcionada pela moto de cem cilindradas.

..

Estudante do BI de Artes, desenvolve trabalhos nasáreas de literatura, música e artes visuais. Participade projeto de pesquisa com o qual busca elaborar umroteiro cênico sobre a vida e obra de Milton Santoscom a orientação da Prof.ª Elisa Mendes. Desde2007, desenvolve trabalhos artísticos com foco natemática: homoafetividade feminina, dentre essestrabalhos, esta a exposição: Amor no Feminino - Ga-leria Jayme Figura – Teatro Gamboa, realizada noperíodo de: 01/03/2008 à 02/04/2008, posterior-mente seguiu para o Instituto Anísio Teixeira (IAT)parte integrante da I Conferência Estadual GLBT de24 à 26 de Abril de 2008.

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No tomda palavra

A arte de conviverPatrícia Ferreira dos Santos

Era uma vez, assim começam as histórias dos sécu-

los passados que falavam sobre reis, rainhas, lobo mal,

chapeuzinho vermelho e outras aventuras.

Mas esta história contada por mim uma escritora de

outro tempo, é diferente. Era uma vez assim escrevo mais

uma vez.

Era uma vez uma criança do mar, cantava com os

peixes que o ensinou a nadar esta criança era diferente,

não tinha pai nem mãe nem gostava de gente. Ela cresceu

em uma ilha deserta de gente, conviveu com os peixes e

aprendeu a ser gente. Comia crustáceo, bebia água salga-

da, falava pouco ou quase nada, tinha medo de tubarão

porque era grandão ele era pequeno do tamanho de um

pintinho. Foi abandonado, pobre menino! Ainda peque-

no aprendeu amar os peixes a vida e o mar.

Quando cresceu casou com uma sereia que o ensinou

a namorar, saboreou dos frutos que o destino lhe ofere-

ceu, não sabia ler nem escrever mais conhecia Deus. Teve

filhos, peixe e sereia que moravam com ele no mar, junto

com a mãe sereia que os ensinou a nadar.

Termino aqui a história que escrevi quem não gostou

que conte outra e vá até o fim. Pois conviver é preciso

embora seja difícil. Fantasie a vida e sorria a cada dia.

Dependemos dos outros para navegar. Ninguém

constroe sozinho, até mesmo os tubarões e a estrelas do mar.

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Diversidade eConvivência

..

Aluna do curso de Pedagogia da Universidade Fede-ral da Bahia, nasceu em Salvador-Bahia. Amante dasartes, literatura, gosta bastante de trabalhar com cri-anças. Participou do Programa Permanecer durantedois anos. No último atuou no projeto Escritores doFuturo da professora Dinéa Maria Sobral Muniz.Nesse projeto exerceu atividades com leitura de dife-rentes gêneros textuais e produção de textos poéti-cos, com alunos do 4º e 5° ano do ensino fundamen-tal I de uma escola pública municipal de Salvador.

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No tomda palavra

Passos cansados de um solitário eerrante sertanejoWashington dos Santos Oliveira

Andava, apenas andava; não sabia onde chegaria com

aqueles passos errantes. Contudo, sabia que seus pés can-

sados o levaria a algum lugar, onde pudesse descansar. O

sol era ardente, mas o vento cálido secava o suor que es-

corria de seu rosto, deixando-o com a aparência relativa-

mente calma.

A sede abrasava sua garganta e sufocava qualquer

esforço de grito de desespero. Por isso ele preferia calar-

se e resignava-se, silenciosamente, com sua desgraça. O

silencio de sua resignação confundia-se com a aridez da-

quela paisagem, orquestrando-se numa sinfonia monóto-

na e mórbida.

E já o sinal de morte pairava por sua cabeça, na figu-

ra de famintos urubus que realizavam seus vôos em bus-

ca de carniças ou de animais moribundos. E, naquele

momento, qual dos dois infelizes papeis ele representa-

va? Talais os dois ao mesmo tempo, pensou. Mas isso já

não importava. Esse pensamento logo bateu asas, voou e

foi embora. Talvez concentrar apenas em seus passos fosse

uma maneira de não pensar.

E ele, exausto, continuava a andar, mesmo com suas

forças já quase extintas e seu corpo desejoso por despen-

car-se sobre aquele chão rachado. Porém sua esperança

estava decidida. Enquanto houvesse forças, ele continua-

ria sua tortuosa e incerta jornada.

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Diversidade eConvivência

A morte não o assustava mais. Já se acostumara a

andar léguas e léguas com a visão de carcaças e crânios

de animais que, outrora, andaram ali também, errantes e

aturdidos. Eles tiveram ali o seu início e seu fim como

tantas outras criatura que pisaram naquelas paragens.

Passo depois de passo e respiração cada vez mais ofe-

gante. E mais cansaço e mais angustia. Pensamento lento

e uma rápida passada de olho no horizonte escaldante. E

então, algo lhe exigiu o olhar. Uma imagem, ainda turva

pelo mormaço daquele calor abrasador, surgiu, inespera-

damente, diante de seus olhos incrédulos. Esta imagem

acalentadora, que era um verdadeiro contraste em meio

àquela paisagem tenebrosa, no entanto, se distanciava em

léguas de suor e lágrimas.

Falou a ele assim o seu desejo: “mesmo que seja a

ultima coisa que eu faça, a alcançarei!”. Esse pensamento

abraçado àquela imagem enchia seus olhos e seu coração

de um sentimento que ele há tempos não experimentava.

A alegria, então, derramou-se em sua alma como água

fresca. Extraindo, quiçá, desse sentimento a forca para

caminhar ainda em direção àquela promessa, andou, pois,

como se fosse à única coisa que soubesse e conseguisse

fazer, exigindo de suas pernas passos um pouco mais ali-

geirados.

E ao se aproximar, constatou que aquela imagem,

não era só imagem. Tinha corpo e ocupava espaço, e a

concretude dela era solidária ao cansaço de seus passos.

Chegando debaixo daquele pequeno paraíso verde

fosco, deitou-se esparramado, sobre o solo coberto de fo-

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No tomda palavra

lhas secas, rindo-se no deleite daquele pequeno conforto

que a natureza, finalmente, resolvera lhe proporcionar.

Encostando sua cabeça cansada nas raízes que rasgavam

o chão, ele pensou, pela ultima vez, em sua vida sofrida

de andarilho e deixou-se abraçar pela imensidão de som-

bra que agora o possuía. E com o olhar tresloucado de

satisfação de quem pôde enfim se livrar de um grande

peso, ele conseguiu, finalmente, descansar... dormindo

eternamente.

..

É sertanejo de Valente. Há quatro anos, mora na Re-sidência Universitária I da UFBA. Graduou-se emlicenciatura pela Universidade Federal da Bahia noprimeiro semestre de 2009 e neste mesmo ano, fezintercambio de seis meses na Universidade de Passauna Alemanha. No momento, está cursando habilita-ção em Bacharelado de Filosofia. Faz parte do Grupode Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias daFaced (Faculdade Educação da UFBA) onde desen-volve diversas atividades de pesquisa, ensino e ex-tensão.

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No tomda palavra

RodasFernando Barros

I“Você ainda tá aí?”

Deixou cair a toalha na cama. Os seus olhos esta-

vam vermelhos e cansados demais para perceber o vazio

do quarto. E talvez aquele quarto nunca mais tivesse aque-

la presença tão encantadora, que o fazia ser um ambiente

saudável e tranquilo. Embora fosse a sujeira e a desor-

dem mais bem elaborada em um dormitório, que se tives-

se registro.

Aquele silêncio constrangedor de uma resposta não

dada pairava no ar, e aquele mesmo silêncio o machuca-

ria por longas noites. Inconscientemente ele sabia que ela

já tinha partido, a pergunta foi apenas um desabafo, ou

no máximo uma esperança inocente. A sensação relaxante

do banho já desaparecera e o que restava era um peso

insuportável em suas costas.

Na cama havia uma carta.

Ler aquela carta seria abrir a última urna de uma

eleição perdida desde a campanha. Então, por que adiar?

O tempo não restabeleceria a ordem das palavras e nem

reescreveria com tintas divinas o que já estava consuma-

do. E por que alfinetar a última espada num peito tão

rasgado? Quem sabe a agulha não estivesse mais leve...

Não. Não quis pensar. Aquilo o estava perturbando. Sua

cabeça já doía levemente desde o banho, porém a dor caiu

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Diversidade eConvivência

agora como uma chuva de verão, com fortes ventanias

sufocantes e trovões que o fazia tremer. Era melhor sen-

tar. Ficou sentado naquela cama tão íntima. Melhor seria

ir para a rua agitada e não ver ninguém conhecido, ficar

ali perto de lembranças tão cúmplices era cultivar a ideia

de suicídio. “Ergueu-se” finalmente. Pegou cigarros. De-

sesperadamente ascendeu um.

Saiu.

IIAs pernas corriam incansavelmente. Tal as crianças

que abandonam suas casas e peregrinam de quintal a

quintal para colher diversão.

Rasgavam o vento desabotoando uma suposta liber-

dade que pouco se experimenta. A rua estava vazia e se

podia correr. Alguns caminhos estreitos entre o cascalho

e a terra nua e rasa. Apenas uma presença silenciosa de

algumas árvores que normalmente comportavam-se como

violinos que o vento deslizava seu arco fazendo algumas

folhas se desprenderem enfeitando o ar com sons e

bandeirolas verdes de amendoeiras. Sim, ventava muito

naquela época, o que causava um barulho insuportável

para alguns moradores dali. O mundo parecia ter para-

do naquele instante em que sentiu uma harmonia rara.

Um vasto sorriso se ascendeu. Esse foi o mais cons-

ciente de todos os instantes. E que, provavelmente, ja-

mais se repetiria. Presente em si, suas pernas revelavam

através de sua corrida independente que desejavam sen-

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No tomda palavra

tir o chão, sentir o vento, cada tendão, todos os múscu-

los, por todos os centímetros.

IIIUm odor estuprava suas narinas e desenhava um

corpo deitado sobre uma cama. Lembrava uma mulher

com um belo sorriso na cara, feito por muitos dentes bran-

cos, e envolto por largos e vermelhos lábios. Um vulto

que se desfazia. E se reconstruía como um choro na ma-

drugada. Havia tudo de luzes, fumaça, carros e cores se

esvaziando num azul terrível. Espectro de mulher que

não se sabia quando, e nem onde. Partículas de trailers de

películas antigas e empoeiradas. Sua cabeça cambaleava

e o que poderia ser lembranças eram fragmentos de coi-

sas desordenadas, trilhas e caminhos sonoros sem lógica.

Após lentos segundos de um frio incalculável e uma

dor robusta esqueceu-se de si e apagou.

Não demorou muito e a sorte severa o despertou

para novos pensamentos a esmo. Há alguma espécie de

segurança nesta coisa que pensa onde nos encontramos?

Uma hora desta, um parafuso se larga e aí a gente abisma

pra dentro e pra fora. Talvez não fosse ainda o caso do

rapaz dessa história. Mas suas lembranças não estavam

onde costumavam ficar. Teria perdido a memória? Ou

queria se esquecer de algo. Relutou, refletiu. Não, aca-

bara de nascer. Tinha certeza. Pensava. Estava vivo e

lúcido. Só não sabia o que estava acontecendo. E objeti-

vamente quem era.

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Diversidade eConvivência

IV“Onde estou?”

A pergunta devia ser “Onde estão minhas pernas?”.

Nem havia notado o que tinha acontecido. Perguntou sem

saber se alguém poderia respondê-lo, mas dessa vez ha-

via uma ouvinte. Que rapidamente chamou a equipe mé-

dica. E antes disso, os olhos dela trataram de derrubar

algumas lágrimas de dor e alegria. O novo motivava a

dor. A alegria surgia de um sentimento de culpa que se

amenizava. “Pelo menos não morreu”.

Não sei por que tão forte. A razão perscrutava tudo

de que nela se mexia. Tornando suas mãos resignadas e

decididas. Não obstante, vacilantes para manipular uma

caneta que pode dizer em uma carta que um homem pode

morrer entre as ferragens de um carro e que é melhor que

ele fique em casa.

Um médico estava chegando para verificar o estado

de um cara que acabara de sair de um coma de quatro

semanas. Enquanto os seus sapatos promoviam um incô-

modo barulho, o rapaz relembrava em forma de sonho-

alucinação o inesquecível dia - que significou o início de

sua vida - em que correu feito louco pela sua cidade na-

tal, sentindo suas pernas e a si mesmo.

VEstava como em um berço. Era a oportunidade de

nascer.

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No tomda palavra

Teria que caminhar e correr com novas pernas. Onde

elas estariam? Evitou pensar nisso, quis fumar um cigar-

ro e sair.

Mas, estava preso à cama. E, sobretudo, ao corpo,

que pode impor limites concretos se o sujeito permitir.

VI“O que quer você comigo? Por que me procura?”

Não houve resposta. Ela não se negou a responder.

Apenas não sabia. Disse que estaria disponível para o

que precisasse. “O que se precisa nessas horas?” Quis

expulsá-la. Desejou não vê-la mais, queria desaparecer.

Ele ainda não sabia da gravidez. E tampouco, que o

motivo da fatídica carta não era a terrível briga antes do

banho, causada por suas frequentes traições.

Quando soube da notícia, não se animou em nada.

Porém, já havia se decepcionado com as tentativas de ir

junto com suas pernas. E decidiu ficar. Não havia muitas

opções.

VIISuas cadeiras de rodas estavam um pouco enferruja-

das, mas ainda aguentavam girar, suportando todas aque-

las voltas pelo jardim de flores brancas. O garoto empur-

rava a cadeira com força, parecia querer que o vento os

levasse. A praça fazia silêncio, a roda gigante girava...

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Diversidade eConvivência

As grandes rodas sempre giram e nos levam a mui-

tos contextos... e não só os lugares são diferentes, como

também são os passageiros - que ao mesmo tempo são

sujeitos dessas mesmas rodas.

Silenciosamente a mãe sorria, emocionada, vendo a

criança que crescia e a que aprendia a ver e a viver o

mundo de outra perspectiva.

O filho estava radiante, tinha orgulho de ser o único

na escola que tinha um pai que possuía uma cadeira es-

pecial, com rodas.

Enfim, suas pernas tinham vida própria: morreram

sozinhas.

O coração dava piruetas, vivo. Correndo de alegria

feito pernas...

..

Licenciado e bacharelando em Geografia na UFBA.Foi bolsista do Programa Permanecer no Projeto Ta-buleiros Digitais, desenvolvido pelo Grupo de PesquisaEducação, Comunicação e Tecnologias na Faculdadede Educação da UFBA. Compõe o Muzumba Produ-ção Colaborativa de Audiovisuais, integra a redaçãodo Aperiódico Aroeira Pau Pesado, e participa doGrupo de Estudo Linguagens dos Audiovisuais.

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No tomda palavra

Conto de troféuJosé Almeida Santos

Na África existia um viajante que não ia a lugar ne-

nhum sem levar consigo o seu precioso Troféu.

Troféu não era um prêmio não! Era seu cachorrinho

miudinho de estimação, parecia um ratinho de tão pe-

queno, tinha orelhas pontudas e olhos esbugalhados.

Um dia, em uma de suas viagens pela selva africana, o

viajante parou o seu carro para fotografar a paisagem antes

de voltar para o acampamento, foi ai que sem que ele perce-

besse Troféu saiu do carro, pois estava “apertado” para fa-

zer xixi, entrou na selva para procurar uma “moitinha”,

quando Troféu voltou o viajante despercebido de sua saída

havia ido embora. Desesperado Troféu pensou:

– E agora, o que, que eu faço!

Foi quando ele percebeu as marcas dos pneus do car-

ro na estrada, e resolveu segui-las.

Troféu andou, andou, e o sol escaldante o castigava,

não havia ninguém por perto que pudesse ajudá-lo, mas

ele continuava sem desistir. Ele já estava exausto, quan-

do percebeu, que muito ao longe atrás dele, um leão se-

guia o seu rastro. Aí o pobre cão pensou:

– É agora que eu morro mesmo! Se eu ficar ele me

come, e estou com muita sede e cansado para correr, não

vou conseguir escapar!

E de repente ele tropeçou em um bocado de ossos de

um leão morto por caçadores, e teve uma grande ideia!

Começou a gritar:

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Diversidade eConvivência

– Eh! Leão que tava gostoso! Mas ainda estou com

fome! Eh! Como esse leão tava gostoso!

O leão vendo aquilo ficou com muito medo e disse:

– Esse cachorrinho deve ser muito bravo, matar um

leão daquele tamanho! E nem vale a pena comê-lo, é tão

pequenininho! Não vou me arriscar e vou cair fora daqui!

Do topo de uma árvore, bem pertinho dali, um ma-

caco assistiu a tudo, e caía na gargalhada, o leão quando

o viu sorrindo perguntou:

– Tá rindo de que macaco?

O macaco respondeu:

– Ha ha ha! Mas que leão mais burro! Ha ha! Com

medo daquele cachorrinho!

O leão irritado falou:

Olha como fala comigo macaco! Além disso, você viu

o tamanho do leão que ele matou?

O macaco ainda rindo falou:

– Ha ha! Matou nada! Aquilo era uma carniça podre

que os urubus já estavam comendo!

Com bastante raiva o leão gritou:

– Eu mato aquele cachorro!

O macaco pulando nas costas do leão disse:

– Me leva junto, porque eu não posso perder isso por

nada!

Enquanto isso, Troféu ainda andava pela estrada,

quando viu ao longe descendo a ladeira, o leão montado

pelo macaco, então tremendo pensou:

– Vou morrer! Não tem jeito! Não tem como fugir

agora! Estou muito cansado e com sede!

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No tomda palavra

Mas como era muito esperto achou uma saída! E antes

que o leão chegasse, e fingindo que não o viu gritou bem

alto:

– Onde está aquele macaco com o meu lanche! Estou

morrendo de fome! Aquele outro leão que ele enganou e

me trouxe, não deu nem pra enganchar no dente!

Ouvindo isso o leão olhou para o macaco e o devo-

rou, achando que ele queria enganá-lo, desistindo assim

de ir atrás do cãozinho. Troféu, com mais uma hora se-

guindo os rastros conseguiu chegar ao acampamento e

reencontrar seu dono, que já procurava por ele com uma

tigela de leite. E desse dia em diante, Troféu nunca mais

perdeu seu dono de vista novamente.

Meu pai contou pra mim, eu vou contar pro meu

filho, meu filho vai contar pro filho dele e assim ninguém

esquece!

..

Natural de Aracajú – SE, criado em Salvador. Estu-dou em escola pública. Entrou pelas cotas na UFBA,no ano de 2007, para cursar Licenciatura em Educa-ção Física. É bolsista do Programa Permanecer noprojeto de extensão: Mitologia de Matriz africana naBahia, Atualmente se considera um griô aprendiz porperpetuar essa tradição oral. Espera voltar à escolapública para ver realizado um sonho, puder dar aosjovens um “saber com sabor!” Como diria RubemAlves.

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No tomda palavra

Jogo de ciganoDejanira Santana de Andrade

Muritiba era um interior pacato, lá os meus pais ti-

nham um sítio pequeno onde plantávamos para subsis-

tência. Nada na região acontecia que atraísse a atenção,

tão somente à escolinha de D. Dadá, único motivo dos

comentários. A escola era a única da redondeza. A pro-

fessora era leiga, mas, com sua didática nativa que funci-

onava. D. Dadá era vistosa, forte, estatura mediana, de

estilo rudimentar e voz altiva; ela gozava do respeito de

todos os moradores do lugar.

Todas as crianças de Muritiba tinham que estudar

com ela obrigatoriamente, e teria que torcer por uma vaga.

A fama do tipo de ensino era das piores, isso porque quem

não conseguia aprender ou decorar lições e tabuada, rece-

biam severos castigos: iam de joelho no milho, bolo de

palmatória, quarto escuro, de pé com a cara pra parede

etc. Embora soubesse da severidade dos castigos eu de-

sejava muito ir para a escola como alguns meninos que já

lá estudavam e liam causando em mim um pouco de in-

veja.

Eu tinha cá os meus objetivos e, em vista disso, au-

mentava o meu interesse em ir para a escola, não queria

ser chamado de analfabeto e nem que o meu interior fi-

zesse parte da estatística entre os piores. Assim, sonhava

com a hora de que surgisse uma vaga para que eu pudes-

se ser matriculado. A minha idade já avançada, com onze

anos e o sonho não se realizava.

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Diversidade eConvivência

Surgiu uma vaga de um aluno que viajara. Eu iria

ficar sob condições. As condições eram que eu deveria fi-

car o dia todo, para em um turno, ajudar a professora nas

tarefas de casa. Naturalmente que fiquei decepcionado com

a forma que o sonho se realizara, mas aceitei contente.

No dia seguinte fui para a escola, a professora estava

na entrada da casa onde funcionava a escola, tinha uma

cara amarrada e nem respondia às saudações dos alu-

nos; dei bom dia duas vezes, sem resposta, entrei. Fui

para uma sala que ela indicara com o dedo, era dos alu-

nos aprendizes. Aguardei sentado de costas para a porta

até sentir uma mão pesada tocar o meu ombro, era a

professora que num ímpeto me fez levantar e sair da sala,

seguido por ela. Já fora ela disse:

– Escute negrinho! Você vai estudar pela tarde, pela

manhã, como ficou combinado, você trabalha nas tarefas

de casa. Aqui não tem moleza, quero tudo limpo como

um cristal. Ouviu bem?

Sim! Respondi baixinho com voz de respeito e medo.

Contudo ainda falei: D. Dadá o meu nome é Zambi e não

Negrinho. Acho que ela não gostou da discórdia, pois fa-

lou em tom de críticas: – São sinônimos. Chame-me de

professora porque Dadá é para os amigos.

Sim! Concordei de novo. Ela passou a mostrar quais

seriam as minhas tarefas: limpar as salas após as aulas,

varrer todos os dias os cômodos da casa, também iria

fazer a feira, que, segundo ela, seria poucas compras e

que o almoço era por conta dela. Depois do almoço, en-

tão, é que eu poderia estudar, e não seria tratado diferen-

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No tomda palavra

te dos demais. Assim, fui submetido aos serviços domés-

ticos em troca de cultura.

Varri, lavei, limpei, dei brilho, por fim, almocei sozi-

nho numa sala isolada, para não comer perto dela, foi à

ordem. Comi pouco, porque a comida era pouca no meu

prato, mas ainda bem, não era do meu agrado. Terminei,

lavei os pratos. Fui indicado para ficar na sala aguardan-

do. Quando todos chegaram sem atrasos, iniciou a aula.

Tudo parecia correr bem até que chegou o dia de fa-

zer compras na feira volante. Ela comprava o necessário

para o uso durante a semana. Deu-me uma lista onde se

lia vários itens, um deles: um quilo de carne verde (eu

detestava carne), mas não disse nada sobre os meus gos-

tos. Apenas fui às compras na feira livre da praça e com-

prei a contento. A feira era distante uns quarenta minu-

tos andando. No primeiro dia até gostei da caminhada,

mas na volta o peso das compras me fatigou.

Semana seguinte tive que ir à feira para novas com-

pras. A lista tinha a carne verde (quando ela botava em

meu prato sempre escondia dentro da roupa para depois

jogar para o cachorro). Perguntei o que deveria fazer se

não encontrasse um bom pedaço de carne, e eu mesmo

sugerir se poderia comprar a carne salgada ou peixe, ela

concordou. Comprei: charque, bacalhau, fígado salgado...

só não a carne verde. Quase sempre fazia assim. Depois

de um tempo, percebi que trabalhava muito e estudava

pouco e ainda sofria os castigos quando errava a lição.

Um dia que era dia de feira, a professora me deu a

lista. Fui pelo caminho entretido no meu pensamento,

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Diversidade eConvivência

querendo de Deus uma solução para sair daquela situa-

ção sem ser malcriado. Quando dei por mim estava na

feira. Vi um agrupamento de pessoas no canto da feira;

aproximei para ver do que se tratava. No aglomerado

que formou uma roda após outra, tinha crianças, idosos,

jovens. Fui chegando! Chegando! Consegui infiltrar e,

passei para frente, era a primeira roda.

Olhei, e vi do que se tratava: um cara alto e vistoso,

com roupa e chapéu pretos, a camisa um primor! Era

uma camisa de mangas longas, de um tecido fino e re-

quintado. Disseram na roda que ele era cigano, parecia,

pois tinha cara e jeito de cigano. Até então ele não tinha

me visto, quando de repente, olhou para mim, mas des-

viou a vista. Continuei com os olhos fixos nele.

Ele tinha nas mãos duas cartas, como as do baralho,

na sua frente uma mesinha de mais ou menos meio metro

de largura, era quadrada, a altura ia nele até o umbigo.

A mesa era de abrir e fechar, os pés dela era em forma de

xis. Procurei chegar o mais perto possível, fui aproxi-

mando tanto que o povo ficou para trás e eu já estava

bem perto dele, parecia que era um imã que me atraia, ou

pelas cartas ou pela cantoria do cigano.

Ele embaralhava as cartas rapidamente num movi-

mento mágico! Depois as jogava sobre a mesa e melodiava

com voz firme (como um canto de coruja) para o público

presente repetindo o refrão várias vezes:

– Esta ganha, esta não ganha!...

– Apostem! Apostem!...

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No tomda palavra

Aquela voz tão determinada parecia um convite a

uma nova vida, uma tentação para pessoas insatisfeitas

com a sorte. Um sujeito de aparência séria e distinta apro-

ximou-se da mesa, e batendo com a mão no centro da

mesa disse:

– Eu quero apostar cigano!

Houve gritaria e aplausos! O cigano pediu que ele

colocasse na mesa a quantia que queria apostar, o ho-

mem tirou da carteira várias cédulas e depositou sobre a

mesa. O cigano por sua vez fez o mesmo. Houve silêncio

no recinto! O cigano pegou as cartas da mesa e mostrou

para o público, o montante do dinheiro ficou à parte. Na

mão direita a carta com a figura de uma coroa cor de

ouro, era a da fortuna, na esquerda a do símbolo da for-

ca, era a da derrota.

Após a cantoria, colocou as cartas sobre a mesa e

disse:

– Escolhe Garjão (nome dado a qualquer pessoa).

O homem pegou a carta e mostrou para o público

que gritou com grande grita e aplausos. A carta tirada

por ele era a da fortuna. O homem pegou o dinheiro e já

ia se retirando, mas o cigano, quase suplicando, pediu

para que ele jogasse de novo e dobrasse a aposta; também

pediu o coro do povo.

– Continua, continua!...

O homem depois de tanta insistência aceitou e apos-

tou tudo que tinha nos bolsos. Por várias vezes ele apos-

tou e ganhou, até que na última ele jogou menos e perdeu.

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Diversidade eConvivência

Mas saiu com uma boa quantia e foi embora. O cigano fez

novos convites:

– Quem joga agora? Quem joga?

Passou pela minha mente algo que não poderia ter

passado, uma vontade de apostar tudo que tinha. Não,

foi pensamento de tolo, de pessoa sem doutrina, sem ca-

ráter definido, sem religião. Jamais ousaria tocar no que

não era meu, foi assim que fui educado. Mas, parece que

o cigano leu os meus pensamentos, e quando já ia sair

sua voz chegou aos meus ouvidos.

– Jogas o que tens no bolso Garjãozinho. Aproveite o

seu dia de sorte. Hora de realizar sonhos de mudar de

vida. Virei, era comigo que falava.

Todos gritavam concordando, joga, joga! Aquela gri-

taria me deixava tonto. Agora as ideias estavam embara-

lhadas, resolvi de repente atender aos apelos da maioria.

Se eu ganhasse de primeira, faria as compras e ainda

sobraria uma quantia para, quem sabe fazer a viagem

para a metrópole. Mas os meus princípios falavam mais

alto, onde ficaria a educação recebida. Depois de tanto

apoio joguei. Joguei e ganhei, Joguei de novo tornei a ga-

nhar. Mas, na última jogada perdi tudo.

– O Garjão perdeu tudo! Gritaram.

Sai dali desesperado. Sem argumentar, passei pelo

meio do povo empurrando, de cabeça baixa não sabia o

que fazer. Contudo, ainda pude ouvir a voz do cigano con-

vidando e, a de alguns que diziam: coitado! Corri até não

vê uma só pessoa, senti as pernas cansadas, Sentei no

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No tomda palavra

meio do caminho para pensar, lembrei-me da professora,

tão severa; era o meu fim.

Lembrei dos meus pais, o que seria de mim, aí a dor

foi pior; eles me tinham como bom menino seria uma

decepção, eles não iriam suportar tanta vergonha. Que

falha a minha, que deslize! Levantei triste e envergonha-

do, fui andando mais devagar do que nunca, o vento não

soprava, o Sol parecia não sorrir como nos outros dias,

estava triste e envergonhado como eu.

As horas avançaram e eu nem dera conta, havia che-

gado à feira umas nove horas e já agora não fazia a me-

nor noção das horas, nem o Sol conseguia informar a

hora exata. A professora devia estar preocupada, agita-

da como sempre ficava indo de um lado a outro. Que iria

acontecer comigo só Deus para dizer. Perguntei, mas Ele

não respondeu.

Olhei para o céu, dei um grito forte de desespero, fiz

uma invocação mais forte, “Ó céus valei-me”. Logo per-

cebi que já estava bem perto da escola, um vento frio me

bateu na face. Levantei o rosto e olhei em direção à esco-

la. A professora estava em pé na porta se esforçava para

vê se me via: logo outra idéia veio de repente, diabólica,

mas para o momento não tinha outra: Fingi que estava

procurando pelo chão o dinheiro. Ia me chegando e esfre-

gando os olhos, coçando a cabeça, mexendo nos matos.

Fiz toda encenação da teatralidade, do simulacro. Tinha

que dá certo, tinha sim.

Não deu, a professora estirou o seu longo pescoço,

parecia já ter entendido tudo, estava com uma cara ira-

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Diversidade eConvivência

da. Chegando mais perto andei ainda mais devagar, afli-

to. Olhava para o céu e para o chão, queria que ela enten-

desse logo o que ocorreu. Então ela saiu da porta e foi

para a janela deixando a porta livre para eu entrar. Como

eu nunca chegava, pois dava um passo para frente e dois

para trás ela gritou:

– Negro miserável, onde está às compras seu maldi-

to? Fale logo!

Ao ouvir aquelas palavras subiu um queimou das

pontas dos pés até a cabeça, e gritei alto: me deixe em paz

porque eu já perdi todo seu dinheiro. Então ela baixou o

tom da voz e falou toda melodiosamente:

– Não tem importância Zambe, entre, deixe isso pra lá.

Quando fui entrando, ela me agarrou pela camisa e

disse que eu iria pagar velhas e novas. Num ímpeto, des-

viei-me e sai deixando para trás a camisa que saiu pela

cabeça. Então corri para casa, cheguei sem fôlego. Contei

toda a verdade para minha mãe, ela disse que por hora

não iria contar para o meu pai. Só depois que eu fosse

para a metrópole como prometeu me mandar para a casa

de uns parentes. Mas foi na escola se desculpar e ver qual

a melhor forma de pagar o prejuízo. Contaram para a

professora o que de fato aconteceu. Minha mãe contou

para o meu pai que reclamou muito, não apanhei.

Vim para Salvador, estudei, me formei, tirei o ginásio

e virei contínuo da Prefeitura, depois escriturário, o salá-

rio é que continuou o mesmo dificultando minha forma-

ção acadêmica e meu avanço intelectual. Um dia, fui a

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No tomda palavra

uma feira local muito famosa, vi um aglomerado de gente

formando rodas, encostei para observar do que se tratava.

Lá estava o cigano que modificara o meu destino, es-

tava bem vestido, e agindo da mesma forma. Mas para

minha surpresa, também com ele se encontrava aquele

Garjão, o que ganhou um bom dinheiro. Ele fazia parte

do esquema. O Garjão se ofereceu para jogar como

Chamarisco, ganhou, ganhou... por fim perdeu uma par-

te. O Garjão se afastou e apareceu um idiota, um garoti-

nho que caiu como eu na armadilha; eles eram uma du-

pla de falsários. Retirei-me dali, ainda pude ouvir a voz

do cigano gritando:

– Perdeu tudo. O Garjãozinho perdeu!

Ouvi um oh! Um som único de decepção que o povo

sempre deixava escapar para os derrotados.

..

Mulher Negra, aos 54 anos cursa BachareladoInterdisciplinar em Humanidades (BI), no turno Ves-pertino do IHAC-UFBA. É oriunda de escola públi-ca. Sempre sonhou em ser aluna da UFBA e tornar-se escritora.

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No tomda palavra

Quem sou euBrasil Alves

Isso não é um prelúdio para uma auto descrição. Na

verdade é um grande questionamento, e diria que é um

dos meus maiores, tão grande para mim quanto o que

procuro saber sobre o “mistério da criação”. Por falar em

“criação”, me encontro a um fio do conhecimento do ano

primeiro, és que comecei de fato, a estudar o povo da

Bíblia e a “palavra” de Deus, o qual me vem aos poucos,

provando do contrário. Até aqui, estabelecerei uma pe-

quena pausa, e volto ao ponto de início.

Sou extremamente cético, ao mesmo tempo que que-

ro saber de “tudo”.

Já perguntei muito, já me questionei de tudo que tive

acesso! Acho que a experiência “física” está mais próxi-

ma da realidade, por tanto, nos dá mais propriedade so-

bre os fatos. Por isso, já me transportei várias vezes, atra-

vés do tempo, para as grandes civilizações. Pude presenciar

todos os esforços e sapiência dos Egípcios, em suas gran-

des construções ao longo da idade antiga e constatei que

realmente eram negros, pois Cleópatra, em sua face, não

me negou isso (também nunca duvidei de tal fato); tomei

banho nas águas do Eufrates nos tempos de ouro da

Mesopotâmia (eles já usavam suas águas para a irrigação

e essa, muito avançada desde lá), também assisti à “con-

fusão” do grande Zigurate (entendi mais sobre a origem

das línguas, nada começou ali! Gênesis sempre esteve er-

rado). Ajudei o Rei Salomão na construção do 1º Tem-

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Diversidade eConvivência

plo de Jerusalém, há mais 3 mil anos atrás e também o vi

cair (Eh! Fui tão longe quanto o Seixas), um dia, achei

que podia ir ainda mais longe e cheguei na origem da vida,

mesmo onde eu seria o único “evoluído”, e por isso não

tinha muito tempo, pois o oxigênio demoraria a chegar.

Me provei então, da teoria dos coacervados .

Já andei por diversos cenários da humanidade, con-

versando e perguntando o porquê de tudo. Andei queren-

do saber sobre os mais complexos temas que pude alcan-

çar com minha ínfima capacidade de compreensão, mas

me dei conta que o que eu tinha de mais próximo, me

passou desapercebido por muito tempo, anos! O meu

próprio eu. No despertar, ficou claro que o mais “comum”

e palpável me é tão difícil ou quase impossível de “real”

compreensão (tendo em vista a complexidade de cada

objeto de estudo e o pouco tempo que disponho para co-

nhecer-los), quanto os relatos e questões mais distantes

e tão susceptíveis a manipulação humana. Meu maior

problema, então, seria não confiar no outro e ser para

sempre como Tomé! Mas então, por que não tenho habi-

lidade pra me compreender ao âmago?

Pois. Acho que vai ser sempre assim: nunca vou ob-

ter total compreensão dos fenômenos que me rodeiam

por toda existência, muito menos a mim, mas estarei fir-

me na busca, por que o máximo não é suficiente, pois sei

que será o mínimo noutros tempos. Só tenho certeza de

minhas certezas de hoje, que daqui há um pouco, pode-

rão ou não, mudar. Ser mutável também é preciso!

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No tomda palavra

Há ainda quem pense que sou muito seguro de mim

(risos), e sou. Por hora. Mas isso é bom, o ruim é expor

fraquezas, digo isso por que, por muito tempo sofri desse

mal e não me lembro de boas recordações. Mas também

não me encontro em total melindre não (risos).

É isso! Eu não tenho respostas concisas pra “me”

responder e muito menos descrever-me e às vezes até acho

que isso não é preciso, chegando a me confortar com as

emoções, mas volto a me lembrar que sou eternamente

atormentado pela necessidade de resposta e principalmen-

te pela razão. E assim, vivo numa contradição terrível

em mim e isso é tão tão...gostoso de viver.

..

Brasil Alves é o nome artístico e pelo qual é reconhe-cido, Josenildo Alves Santos. É Bacharelando emMedicina Veterinária e morador da Residência Uni-versitária V da UFBA (Serviço de Hospedagem). Écompositor e músico.

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Crônicas

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No tomda palavra

Olhar de um caravaneiro: crônicasde uma viagem indescritível1

Fredson Oliveira Carneiro

Começar. O novo a mim se apresenta, se impõe. Mos-

tra suas faces como que inevitável recorrer ao que ainda

não fiz, não ousei, não vivi. Nem sempre consigo digerir

as mudanças que a vida se encarrega de me proporcio-

nar, mas nunca desisto delas, ainda que represente o fim,

a ruptura do que foi, é, ou possivelmente será. Os refle-

xos da mudança têm melhor se expressado através do

tempo e das temporalidades que de minha vida

entrecruzam-se ao experienciar o espaço de cada territó-

rio que tenho ocupado até aqui.

O mundo ao meu redor me enche de cores, cheiros e

sabores nunca antes vistos ou sentidos. Todas as horas e

datas nos seguem. Não me apego ao tempo, não sei em

que data ou dias estamos, apenas o vento me acompa-

nha. O vento e essa estranha sensação de completude de

um mundo do qual sou ínfima, mas fundamental parte,

estão dentro e fora de mim. Sinto-me desterritorializado

daquilo que me compõe. Como falar de mim sem ser eu?

Sinto-me distante de tudo o que me constituiu até hoje,

lugares, pessoas, razões, estão muito distantes do hoje

em que me fundo. Nada me acompanha, só uma passa-

gem de um forte sopro:

1 A viagem a que me refiro é a Caravana da Integração, promovida pela INULAT – IniciativaUFBA Latina - entre os meses de janeiro e março de 2010. A caravana percorreu, durantedois meses, os nove países de língua espanhola da América do Sul.

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Diversidade eConvivência

“Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste

vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terri-

velmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor

que tem medo da cilada das palavras: as palavras que

digo escondem outras - quais? talvez as diga. Escrever é

uma pedra lançada no poço fundo”. Um sopro de vida -

Clarice Lispector

A desterritorialização de quem vive distante de si

mesmo, daquilo que o constitui enquanto sujeito, do que

caracteriza a sua (in)existente identidade, passa a fazer

parte do pretenso cidadão que percebe a virtualidade da

sua existência formal, logo questionada ao exercer sim-

ples atos da vida como o contemplar, assim como

desejar registrar a realidade ao seu redor. Busco respos-

tas. Mas, as respostas que posso dar, passam necessaria-

mente pela intensidade do viver, do meu viver.

A janela é como um caleidoscópio que gira e me enton-

tece, inquieta e, sobretudo encanta. Mostra como somos iguais

e diferentes. Nesse momento a máxima de um mestre2 me

acompanha: “Temos o direito de ser iguais todas as vezes

que a diferença nos inferioriza, temos o direito de ser dife-

rentes todas as vezes que a igualdade nos descaracteriza.”

Assim é que me sinto: igual e diferente. Igual por todos os

sofrimentos, alegrias, sensações humanas que consigo en-

xergar no rosto daqueles com os quais cruzo pelo caminho.

Diferente por sou eu, simplesmente eu.

A todo o momento visualizo o mundo à minha volta

como algo a ser apreendido. O sujeito que está e se mos-

2 Boaventura de Sousa Santos, 2008.

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No tomda palavra

tra à minha frente é tão sujeito quanto eu e tão explorado

quanto eu por essa lógica societária a nós imposta e intri-

cada nessas veias abertas e sempre latentes de um povo

que teima em superar, nem que seja através da sobrevi-

vência. A América do Sul é estupenda e fantasticamente

intensa. A loucura e a rapidez em que estamos vivendo e

desfrutando-a só torna essa experiência ainda mais

avassaladora do que possa ser.

Vamos comer o Sul, começando por nós mesmos. Quem

sou diante do mundo vasto e complexo que à minha fren-

te, à minha volta e dentro de mim se afigura? Não possuo

respostas, só o doce e desejoso sabor do conhecimento.

Da razão que me atém a portos nem sempre seguros. Mas

que me leva a voar no mais alto das estrelas das noites

inumeráveis que vejo ao longe. Que o cruzeiro do sul me

guie para novos rumos, novas epistemologias, novos mo-

vimentos, novas racionalidades. A sede e a fome de viver

esse mundo subalterno, em toda a sua glória e desgraça

me encoraja a seguir em frente. Mas o que é o viver diante

de todo o sufoco de existência avistado pelas janelas de

minha alma? Não sei, não sei.

“Quero viver muitos minutos em um só minuto”. Tal-

vez por essa necessidade de vida é que nunca me canso de

multiplicar-me. Vejo o mundo à minha volta com a profun-

da necessidade de sentir a vida que pulsa em tudo o que vive

e compõem o reflexo do mundo que também sou eu.

Falar sobre o meu ser e o seu correspondente estar e

agir no mundo é uma tarefa nada fácil e que aqui se afigura

como mais um desafio a que me proponho. Como a mais

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Diversidade eConvivência

íntima e reveladora essência do que venho descobrindo acerca

do contra-movimento representado por este que até aqui

vos escreveu.

..

Natural da cidade de Ibititá, no interior do estado daBahia, atualmente mora na Residência Universitária5, é estudante de graduação em Direito pela Faculda-de de Direito da Universidade Federal da Bahia(FDUFBA). Participa do Grupo de Estudos Direito eMovimentos Sociais (GEDMS). É integrante do Ser-viço de Apoio Jurídico (SAJU) da Faculdade de Di-reito da UFBA no Núcleo de Educação Popular (NEP).Faz parte dos quadros de pesquisadores do Grupo dePesquisa “Direito e Cidadania” vinculado à Funda-ção de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia(FAPESB). Integra também a Iniciativa UFBA Lati-na (INULAT) vinculada ao departamento de Ciên-cia Política da UFBA

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No tomda palavra

Um dom especialBruno Almeida dos Santos

Estas palavras são para você... Sim, para você, tava

pensando em como escrever estas palavras, pois irei tra-

tar de assunto especial e de grande importância para

humanidade. Talvez você não se importe com minhas

palavras, ignore e elas possam ser mais umas palavras

em sua vida, porque muitas vezes você não entende as

palavras.

Mas as palavras são importantes, querido leitor, e vejo

o quão pouco você dá valor às palavras, pois neste exato

momento lê este meu discurso. Até hoje me pergunto: o

que seria do ser humano sem o dom das palavras?

Elas são a combinação perfeita da linguagem falada e

escrita,quando bem empregadas, elas nos fazem conquis-

tar o inesperado, aquilo almejado, desejado e impossível.

Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de

toda palavra que procede... Não importa de onde a pala-

vra proceda, da boca de Deus, da minha boca ou da sua,

o que temos que perceber é que a palavra é algo essencial

para vida humana assim como qualquer alimento.

Quando bem combinadas elas podem se tornar fra-

ses, orações, crônicas, contos, versos, poesia, músicas, li-

vros e mais um bilhão de coisas, coisas não palavras. Pala-

vras são sempre palavras, outro dia sentado diante de um

aparelho de TV via uma propaganda de uma cerveja mui-

to famosa, que dizia assim: para um bom entendedor meia

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Diversidade eConvivência

palavra basta. Mas acho que meia palavra é muito pouco

para se entender a vida, e por que usar meia palavra se

temos um mundo composto por muitas delas e todas elas

são para ser usadas, bem usadas e reusadas?

Confúcio diz que sem conhecer a força das palavras é

impossível conhecer as pessoas. Talvez você nunca pen-

sasse na força das palavras, pois elas têm o poder de nos

libertar, oprimir, alegrar, entristecer, fazer viver, fazer

morrer, rir, chorar, aliviar, angustiar, incentivar, esmore-

cer, amar, odiar e assim por diante. Por isso vai aqui uma

dica ande sempre com pessoas que tenham palavras po-

sitivas para que em seu caminho haja o sucesso, pois as

negativas sempre atrasarão sua vida, fazendo você desvi-

ar de todos os seus sonhos, e nunca se esqueça que a pa-

lavra tem um grande poder e através delas podemos co-

nhecer as pessoas que nos cercam.

Tão importante para nossa vida é ela usada para con-

ferir o nosso nome quando nascemos. Até mesmo quando

não falamos nada para o outro falamos para nós mesmo,

e quando não ouvimos o outro escutamos a nós mesmos,

aí está ela presente até mesmo em nosso silêncio.

Na infância aprendemos as vogais,as consoantes e o

alfabeto inteiro e dele começamos a formar as palavras

que sempre usamos,é tão fantástico que com vinte e seis

letras podemos formar tantas palavras e estas tantas ser-

vem para descrever a nossa história, o nosso mundo, os

nossos amigos e nossa própria vida.

Alguém mim disse que as palavras são artigos, subs-

tantivos, pronomes, adjetivos, verbos, numerais, advér-

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No tomda palavra

bios, preposições, conjunções e interjeições. Isso só na clas-

sificação, pois elas são muito mais. Talvez a pessoa que

me ensinou isto apesar de ter sido preparada para traba-

lhar com palavras se limitou apenas a esta pequena visão

do que são elas, pois a grandeza e a diversidade que há

nas palavras não se limitam apenas a estas classes da

língua portuguesa.

Muitas pessoas fizeram das palavras o instrumento

de trabalho de suas vidas por isso ficaram conhecidos e

marcou a história, seja para falar de amor,fazer uma

denúncia, caracterizar o momento em que viviam, seja

para protestar por algo, ou mesmo para falar de suas

vidas. Por isto te dou um conselho: amigo, coloque sua

língua na boca desses autores e sinta o sabor doce de cada

palavra que eles com suas mentes brilhantes estruturaram

para nos trazer uma mensagem e informação, e nunca se

esqueça de mergulhar no mundo fantástico que existe em

cada livro, pois é nele que você vai aprender a usar bem

as palavras, aumentar o seu conhecimento, seu entendi-

mento de vida e aperfeiçoar o seu vocabulário, e quem

sabe ser como uns dessas pessoas de palavras.

É muito bom ler as palavras de Camões, Gregório de

Matos, Castro Alves, José de Alencar, Olavo Bilac, Cruz e

Sousa, Oswald de Andrade, Machado de Assis, Augusto

dos Anjos, Monteiro Lobato, Paulo Coelho, Manuel Ban-

deira, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes,

Cecília Meireles, Clarice Lispector, João Ubaldo Ribeiro,

Pedro Bandeira, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Cora

Coralina, Fernando Pessoa, Manuel de Barros, Érico

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Diversidade eConvivência

Veríssimo, Mário Quintana, Rubem Alves, Ferreira Gullar

entre outros grandes nomes da literatura. Com eles não

tem como não sentir o sabor das palavras, são eles pesso-

as que receberam de Deus um dom especial, o dom das

palavras.Às vezes pergunto a Deus porque poucos têm

este dom? Mas entendo uma coisa, todos nós temos o

dom da palavra, o que nos falta é coragem para fazer

delas um instrumento eficaz para nossa vida, como estes

escritores fizeram. Há pessoas que são boas com pala-

vras porque têm o dom, e têm outras que são boas porque

estudam e se esforçam para entendê-las. E tem as que se

encaixam em ambas as situações – têm o dom, e ainda se

esforçam. Geralmente o último tipo são as melhores, e

mais geniais. Apesar de que tem gente que não se esforça e

é foda, acaba deixando o seu dom morrer e é muito ruim

perder o dom das palavras, pois elas são como uma arma

usada por todos nós na batalha da vida, uma árvore que

nos alimenta e a luz que nos guia diante da escuridão.

Nunca deixe de falar, escrever, usar e conhecer as

palavras, pois quando dominamos as palavras temos uma

grande sensação de liberdade, liberdade esta que nos pos-

sibilita uma melhor escrita, uma boa oralidade e um au-

mento significativo do nosso conhecimento. Eu mesmo

estou sempre saboreando elas, quando estou em uma con-

versa que não sei direito o assunto eu dou uma palavri-

nha, se sei o assunto eu tento usar o maior numero de

palavras para apimentar a discussão e tem algumas ve-

zes que eu saio da linha e uso mesmo é um palavrão. O

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No tomda palavra

que não pode querido leitor é esquecer que mamãe e pa-

pai nos ensinaram a ser homens e mulheres de palavras.

..

Estudante de Biblioteconomia e Documentação daUFBA. Morador da Residência Universitária I, mili-tante do Grupo Gay das Residências-(GGR) e mem-bro do Projeto Conviver – atua na criação do Memorialdas Residências Universitárias da UFBA. É oriundoda cidade de Santo Antonio de Jesus.

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No tomda palavra

Como Ela deve ser e Ela em mimBrasil Alves

Se Ela for como Raul, prefiro ser Russo a ser Renato

(e isso seria o fim)! Mas se perpassar por Ivete, digo que

sou Sã! Um Galo! Já que tenho um topete de Seixas. Às

vezes a chamo de Knowles, pois é tanto glamour e sensu-

alidade! É ousada como Elis, que por sua vez, tem tudo e

nada haver com Rihanna, pois essa é igualmente pene-

trante. Outrora ela parece com o Lulu, já que dizem que

ele é Santo ou seria Santos? Quando em vez, lembra um

Timberlake, o Justin, levando muitos a perderem seus

caminhos (em “Losing my Way”), se estou perdendo meu

caminho?! Pode até ser, mas, certamente não serei o úni-

co a estar sozinho e sei que mesmo os sozinhos poderão

se encontrar em algum tempo de algum lugar.

Alguns acham que Ela deve ser como a Britney, atre-

vida, outros, não tão menos que o “Rei”, aquele que não é

o Rei do Gado, até aí não comento. Pulemos, pois ainda

posso parecer (para alguns), um vassalo e não vou dar a

cara por hora. Mas por que não chama-la de Negra? A Li

cheia de graça, essa mesma! E se eu disser que Ela se

parece com Wilson Aragão? Alguém aí sabe quem ele é?

Pois então, travaremos uma “Guerra de Facão” por isso?

Ah! Mas como eu queria que ela fosse como a Maria,

a Rita!! Um deslumbro já sei que é, sem dúvidas. Ela

está sempre gritando para os quatro cantos: “Pode en-

trar” (acho que mais alguém já disse isso antes), como

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Diversidade eConvivência

uma meretriz de altíssimo nível, se é que isso é possível,

ao meu ver, não são mutuamente exclusivos. Pois então é

isso: hoje o que rola é que Ela mais se parece com aquela

que tanto disse: “Pode entrar”, gosto muito dessa parte,

afinal, nem todos tem essa disposição e energia, apesar

de que dessa vez, novamente não fui convidado (e “Ceteris

Paribus”).

A busca pela classificação é insana e humana. Boba-

gem! Já quis até ser como o Jackson, tempos depois des-

cobri o Carlinhos e quis ser Brown (esse me é mais pró-

prio), inclusive ele mesmo já a chamou de “Dalila”, mas,

novamente renuncio as palavras (Eita língua envenena-

da)! Mas bem que Ela parece ser como o Michael, sempre

se desponta impecável, com uma aura de luz perene e por

vezes confundem-se (em “Music and me”. Pelo menos já

sei que Ela também será pra sempre.

Certa vez um amigo, Tiago Tupinambá, me disse:

“Você não compõe a música. Na verdade a música se com-

põe através de você “, fiquei surpreso por tão célebre fra-

se, me lisonjeou em seguida dizendo que eu havia lhe dito

isso (claro que não com tão belas palavras). Finalmente,

“Ela deve ser como você quiser”, ou como ela mesma de-

sejar, eis que tem vontade própria. Ela pode entreter, ser

utilizada politicamente, ensinar “coisas boas”, pode até

mesmo não passar nada (o que é muito difícil, por mais

simples que possa parecer), pode apenas divertir, Ela só

não pode depreciar, mas há quem a utilize assim (ratos!

Detesto-os)! Tem quem ouse dizer que Ela mais apanha

do que bate mas pra mim, Ela bate tanto quanto apanha.

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No tomda palavra

Passando por lá e cá, num desses caminhos da vida,

avistei-a, como um vislumbro de ser, e quis tocá-la com

uma avidez errante, o mais intrigante é que dei por mim,

que sempre esteve ali, por aqueles mesmos caminhos que

eu tanto passei, só nunca a tinha percebido tão bela. Ao

longo do encontro, percebi que por mais que tentasse, ela

esquivava-se do tato, escorria por minhas mãos antes

mesmo que eu a contesse e não consegui domina-la. En-

tão entendi que não sou eu quem rege o toque, mas sim,

Ela nos permite senti-la lentamente, infinitamente aos

poucos e não precisamos compará-la a Marias, Amados,

Michaels, Reginas, Robertos, Beyonces, Santos ou Santas

(esses apenas a constituem). Afinal, Ela é amorfa e só

toma forma quando toca o outro, que é outro a um tercei-

ro. Ela deve mesmo ser, essa tal de “Metamorfose ambu-

lante”. Eh! Talvez isso a defina de forma bastante

simplista (o que já soa bem complexo).

Assim, me perco num estado tênue entre inebria-

mento e sobriedade, a certeza é que sou dela e Ela se

confunde em mim. Mas já “É hora de ir pra casa”. Devo

pensar que vai ser “Sempre assim”, como já disseram os

poetas (eu mesmo já havia dito isso). Deveras dizer que

Ela e eu, possuímos mínimos múltiplos comuns, mas

também, é bem verdade que não possuímos muitos

máximos denominadores comuns, talvez nenhum.

Por fim, sem saber, mesmo de mim, continuo “Em

busca da felicidade”! E ela me insiste que sou Brasil.

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Brasil Alves é o nome artístico e pelo qual é reconhe-cido, Josenildo Alves Santos. É Bacharelando emMedicina Veterinária e morador da Residência Uni-versitária V da UFBA (Serviço de Hospedagem). Écompositor e músico.

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Histórias de vida

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No tomda palavra

Aos Quarenta na UniversidadeNunca é tarde para começar...Ilmaci Cruz do Carmo

Começo a contar a minha história de vida do lugar

em que estou hoje aos 44 anos de idade. Este lugar é a

Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde estou cur-

sando Filosofia e participando de projetos relacionados à

educação – minha paixão. Começo a contar desse lugar,

pois foi a partir daqui que comecei a me conhecer melhor

e compreender o sentido dessa história, tão cheias de al-

tos e baixos, na verdade mais “baixos” do que “altos”.

Por isso, ao contrário de como a maioria das pessoas dá

inicio as suas histórias, da infância à maturidade, procu-

rarei aqui fazer o caminho inverso, pois sou fascinada

pelas diferenças e procuro ser sempre diferente em tudo

aquilo que faço.

Hoje até eu fico a me perguntar: como consegui pas-

sar nos dois vestibulares das instituições de ensino supe-

rior mais concorridas da Bahia depois de ficar 28 anos

fora da escola, e mais, sem estudar? Teria sido sorte!

Cheguei a pensar. Mas hoje sei que foi resultado de uma

busca incessante por algo que no início não sabia bem o

que era, ou não tive oportunidade de saber, sabia somen-

te que era algo que desse sentido a uma vida completa-

mente sem rumos até aqueles felizes dias, dias em que

recebi a notícia de que eu havia passado no vestibular da

UFBA para o curso de Filosofia e no vestibular da UNEB

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Diversidade eConvivência

para o curso de História. Foi como se uma luz no fim do

túnel se acendesse para mim.

Nesta fase da minha vida eu sentia que estava fal-

tando alguma coisa, então pedi ajuda aos orixás para que

eles me ajudassem a entender aquela sensação de vazio

que me deixava angustiada. Foi quando eu decidi cursar

uma universidade, descobri, ou melhor, os orixás me fi-

zeram entender que aquela constante sensação de vazio

era o sonho não realizado que foi interrompido ainda na

juventude.

A partir desta descoberta é que começa a retrospecti-

va da minha vida, primeiro porque quando pensei em

fazer o vestibular me deparei com dois grandes entraves:

primeiro porque havia parado de estudar há vinte e oito

anos atrás; segundo, eu não havia concluído o ensino

médio. Por repetir o primeiro ano durante dois anos con-

secutivos, abandonei os estudos, pois trabalhava o dia

todo e estudava à noite, quando chegava no colégio Cen-

tral não mais restavam forças.

Ainda assim estava decidida a seguir em frente e

nenhum obstáculo iria me fazer desistir procurei então o

colégio Hamilton Vieira no bairro da calcada e me matri-

culei no Programa Comissão Permanente de Avaliação

(CPA) para fazer as provas nesta época morava no bairro

do Vale das Pedrinhas com uma amiga e seu filho. Ela é

professora de química e tinha cursado sociologia na UFBA,

aproveitei que ela tinha livros com os assuntos do segun-

do grau para estudar e tentar tirar o atrasado. Um dos

desafios neste momento foi voltar para estudar todos os

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No tomda palavra

assuntos do primeiro, segundo e terceiro ano em pouco

tempo. A minha persistência me ajudou a superar este

desafio, pois tinha que sair de madrugada às 3 horas da

manhã de casa e caminhava até a calçada para marcar as

provas no colégio Hamilton, porque a demanda para

marcar o dia para fazer as provas era muito grande e eu

não tinha dinheiro para pagar um taxi e neste horário os

ônibus ainda não estavam circulando.

Chegava no portão antes das 6 horas da manhã, geral-

mente eu era a primeira da fila que começava a se

formar,marcava o dia da prova (não podia marcar todas de

uma só vez), depois ia estudar os assuntos na biblioteca

publica Anísio Teixeira no centro da cidade. Depois de mui-

tas idas e vindas consegui fazer e passar em todas as disci-

plinas. Ufa! Agora eu tinha o segundo grau concluído.

O preparo para o vestibular foi também outro gran-

de desafio apesar do ritmo de estudo que vinha tendo,

sentia a necessidade de fazer um pré-vestibular, pois pre-

cisava passar em uma universidade pública. Em 2006

me matriculei e passei na seleção para o cursinho pré-

vestibular para negros do Stive Biko a sede de conseguir

passar me fez continuar indo estudar na biblioteca dos

Barris, tal atitude motivou meus colegas do cursinho a

formarem um grupo de estudos. Passamos a ir todas as

tardes estudar na biblioteca e à noite juntos íamos para o

cursinho, e como resultado em janeiro de 2007 eu passei

nas duas universidades públicas da minha cidade, na Ufba

para o curso de Filosofia e na Uneb no curso de história.

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Diversidade eConvivência

Desde a minha mais terna infância eu adorava con-

tar histórias e argumentar sobre tudo, tinha um argu-

mento para tudo (talvez hoje eu entenda a minha escolha

em cursar filosofia). Contudo, eu não imaginava que com

esse gosto por contar história um dia eu estaria contando

a minha própria historia. Até os oito anos, vivi uma in-

fância dourada com todas as maravilhas que uma garota

desta idade vive, estudei a primeira série em uma peque-

na escola de bairro muito legal. A partir dos nove, anos

as coisas começaram a mudar, tive que trabalhar para

ajudar minha mãe, além de estudar tinha que sair para

vender nos portões dos colégios. Com isso a rotina do

meu dia-a-dia que antes era as brincadeiras de menina

passou a ter outra prioridade enquanto eu estava na es-

cola pela manhã minha mãe estava em casa fazendo so-

nhos (um bolinho de farinha frito com doce de goiaba

dentro) para depois do almoço eu ir para as escolas ven-

der. Quando chegava em casa já era noite, ficava muito

cansada, só dava tempo de fazes os deveres de casa para

no outro dia começar tudo de novo. Com isso perdi o

interesse pelos estudos, não suportava ver minha mãe

lavando roupa para criar eu e meu irmão, além de dois

irmãos dela que tinham problemas mentais ninguém da

família queria ficar com meus tios, minha mãe passou a

cuidar deles.

Fazendo parte deste cenário, aos dez anos eu só pen-

sava em trabalhar para ajudar a minha família, em 1982

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No tomda palavra

aos dezesseis anos conclui o ensino fundamental no colé-

gio Estadual Luis Pinto de Carvalho no bairro de são Cae-

tano. No ano seguinte fui para o ensino médio no Colégio

Central, no centro da cidade, passei a estudar à noite,

neste período consegui um trabalho para vender plano de

saúde, não era de carteira assinada, ganhava por comis-

são. Lembro de sair andando de porta em porta do bairro

da Calçada à Ribeira para vender plano de saúde e quan-

do chegava a hora de ir para a escola... Cadê o ânimo? O

cansaço tomava conta do meu corpo, chegava na sala e

dormia a aula toda, foram dois anos assim... Trabalhan-

do e tentando estudar, não consegui, perdi o ano por duas

vezes e por isso abandonei de vez os estudos. Mas a mi-

nha paixão pela leitura não me deixou parar de ler. Eu

continuava lendo de tudo.

A maioria das crianças negras amadurecem antes do

tempo comigo não foi diferente, filha de mãe solteira meu

pai depois que eu nasci sumiu, minha mãe estudou até a

4ª série do primário, assim meu irmão também não quis

saber de estudar. Mesmo chegando à universidade aos

quarenta anos de idade sou a primeira da família a cur-

sar a universidade, esta menina que nasceu em salvador,

em 19 de novembro de 1966, hoje aos quarenta e quatro

anos é uma mulher cursando o sétimo semestre do curso

de filosofia e só tem uma coisa a dizer: nunca é tarde

para começar!

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Diversidade eConvivência

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Natural de Salvador, curso filosofia, estudou em es-cola pública, ingressou na UFBA pelo sistema de co-tas. Durante dois anos, participou do Programa Co-nexões de Saberes atuando na comunidade do DiquePequeno, no Projeto Escola Aberta nos finais de se-manas. Ministrava oficinas, abordando diversidade,raça e gênero, na escola Estadual Victor Civita. Estaatuação resultou na apresentação oralmente do tra-balho: Cidadania na Diferença: Atividade de Pesqui-sa-ação na Comunidade do Dique Pequeno no XXVIIISeminário Estudantil de Pesquisa e X Seminário dePesquisa e Pós-Graduação realizado em novembro de2009 na UFBA. Atualmente é bolsista do ProgramaInstitucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID/Filosofia.

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No tomda palavra

De um pequeno povoado para umagrande UniversidadeÍlison Dias dos Santos

Nasci em um povoado composto por menos de vinte

famílias chamado Rio da Caatinga, zona rural do peque-

no município de Entre Rios na Bahia. Um lugar pacato,

porém com sérios problemas sociais e de infraestrutura:

não tem água tratada, o acesso é precário e só conhece-

mos a energia elétrica em 2002. Tem como sua principal

fonte de renda a agricultura de subsistência.

Diante dessa realidade, cursei todo meu primário em

uma escola municipal ali próxima. Porém, ao terminá-lo,

interessei-me em continuar os estudos o que ia de encon-

tro aos pensamentos dos moradores do povoado e de meus

pais, pois, segundo eles, “pra que estudar?” Ainda mais

tendo que andar tantos quilômetros até a escola mais

próxima. “Esse negócio de estudar é só pra quem tem

dinheiro”, indagava meu pai. Eu não podia criticá-lo, afi-

nal em nossa família ninguém jamais havia sequer con-

cluído o Ensino Médio, que dirá colocado os pés em uma

Universidade. Entretanto, mesmo contra tudo e todos,

decidi enfrentar aquele desafio.

Tinha que acordar muito cedo para ajudar meus pais

na roça e ter tempo de estudar um pouco. Nove da ma-

nhã era hora de almoçar e começar minha caminhada

diária de três quilômetros até o ponto onde, já com muita

fome, eu aguardava a chegada do ônibus 11h30min. Com

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Diversidade eConvivência

sua chegada era mais 1h de viagem até a escola pública

na qual eu estudava.

Ao chegar, mesmo com muita fome, eu me dedicava

o máximo possível, como se aquela fosse a minha única

chance de mudar de vida (o que acredito que tenha sido).

Os professores, ao verem minha vontade e determinação

nos estudos consideravam-me um exemplo a ser seguido,

porém os alunos... Nunca entenderam como um “rocei-

ro” como gostavam de pejorativamente me chamar pode-

ria ser tão determinado e ousar sonhar tanto.

Lembro-me que nos intervalos para serem distribuí-

das as merendas da escola, eu pedia refeições para su-

postas duas pessoas, pois um único prato não era sufici-

ente para inibir minha fome até as 8 da noite, quando eu

estaria novamente em casa. Isso era motivo de muitas

gozações e até mesmo humilhações. Tantas foram às ve-

zes que por conta disso chorei aos ombros de Leninha,

minha amiga querida, que sempre esteve ao meu lado,

apoiando e criticando-me, quando necessário.

Muitas vezes me perguntei por que as pessoas não

me deixam em paz e cuidam de suas vidas? Ao invés de

criticarem o fato de um pobre menino (no sentido mais

exato da palavra) não se conformar com sua realidade

miserável e sonhar em mudar de vida. Essa incompre-

ensão por parte de todos, principalmente dos familiares,

começou a me desmotivar, e por pouco não desisti de tudo,

quer dizer, por Nicolle Rafaela. A amiga mais especial

que já tive na vida. Talvez sem seus conselhos, motivações

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No tomda palavra

e compreensões eu não tivesse conseguido nem terminar

o Ensino Médio.

A volta para casa era sempre muito complicada. Eu

chegava ao ponto por volta das 19h estava tudo muito

escuro, eu não enxergava os buracos, a lama, os animais

que deixavam a caatinga à noite e volta e meia, deparava-

me com raposas, cachorros com raiva e cobras, sem con-

tar as quedas que infelizmente eram constantes. Aos pou-

cos, o tempo foi passando e o meu Ensino Fundamental e

Médio chegou ao fim, o que já representava uma enorme

conquista. Mas com seu término veio a pergunta: Como

fazer uma faculdade sem dinheiro? Decidi então fazer

pré-vestibular para poder me preparar para as universi-

dades públicas, entretanto eu não tinha dinheiro e ainda

por cima o pré-vestibular mais próximo ficava em

Alagoinhas, uma cidade bem distante do Rio da Caatinga

na qual eu não conhecia ninguém.

Então consegui um trabalho em um hotel de

Alagoinhas onde eu teria direito a morar nos fundos, as-

sim poderia me manter e fazer o pré-vestibular, contudo

eu tinha que trabalhar das 07h às 19h todos os dias da

semana inclusive sábados, domingos e feriados, tendo

apenas duas folgas semanais em dias alternados, além

disso, o pré-vestibular começava exatamente às 19h e ter-

minava às 22h20min, por isso sempre chegava atrasado.

O salário era pouco e mal dava para pagar o pré-

vestibular, mesmo com o desconto que consegui com o

dono, graças a uma das professoras que contou minha

origem para ele. Por isso eu não podia nem ir ao Rio da

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Caatinga frequentemente ver minha família porque o di-

nheiro não dava. Isso durou todo o ano de 2009.

Na reta final do pré-vestibular e início dos vestibula-

res, vieram as revisões aos finais de semana que eu não

podia deixar de participar já que elas são decisivas na

hora do vestibular. Por isso tentei conversar com a dona

do hotel no qual eu trabalhava para pedir que ela me

liberasse aos sábados e domingos para participar dessas

revisões finais. Ela, no entanto, retrucou: “Não tente me

sensibilizar”. Fui com isso forçado a pedir demissão e

como não tinha nenhum vínculo empregatício saí sem

direito algum.

Sem ter onde ficar e sem dinheiro fui participar da

revisão no pré-vestibular, na saída me despedi dos mais

próximos inclusive a recepcionista do curso que me pro-

meteu levar meu caso ao proprietário. Ao tomar conheci-

mento de minha situação ele me ofereceu uma bolsa para

que eu pudesse terminar o curso. Porem só consegui abri-

go em Entre Rios na casa de uma amiga, o que fez com

que eu gastasse todas as minhas economias para realizar

o vestibular em transporte de Entre Rios para Alagoinhas.

Ao chegar às datas de prestar vestibulares, meus pais,

já convencidos e conscientizados por mim da importân-

cia da educação que poderia ser um determinante para

mudarmos de vida deram-me um apoio muito especial.

Juntaram nossas poucas galinhas caipiras e porcos para

vender na feira de Entre Rios. A venda foi um sucesso! E

o dinheiro foi suficiente para pagar minha estadia e ali-

mentação no local de prova.

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No tomda palavra

Dois meses depois veio o resultado... Positivo. Mi-

nha felicidade foi a maior que já senti. Eu estava aprova-

do no vestibular da Universidade Federal da Bahia! Ao

dar a noticia a meu pai, ele não teve ideia do que isso

significava e com seu jeito todo simples indagou: “Onde é

mesmo isso?”, disse que seria em Salvador e que breve-

mente eu estaria lá, porem não sabia ainda onde ficaria.

Os dias se passaram fiz minha matricula e hoje divi-

do apartamento com minha querida amiga Simone. Es-

tou me adaptando a Salvador, a Ufba e ao projeto de

pesquisa e extensão no qual consegui uma bolsa de inici-

ação científica com apenas 10 dias do início das aulas e

com apenas três meses fui apresentar um trabalho no

colóquio internacional Observatório da vida estudantil

Ufba/Ufrb.

..

Estudou em instituições publicas de ensino. Os paissão agricultores. Atualmente é bolsista de iniciaçãocientifica do projeto de pesquisa e extensão OVE(Observatório da Vida Estudantil UFBA/UFRB) ori-entado pela Professora Sônia Maria Rocha Sampaio.Cursa Bacharelado Interdisciplinar em Humanida-des na UFBA.

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Formato

Tipologia

Papel

Impressão

Capa e Acabamento

Tiragem

15 x 21 cm

Esprit Book 10,5/16

Alcalino 75 g/m2 (miolo)Cartão Supremo 250 g/m2 (capa)

Setor Reprográfico da EDUFBA

Bigraf

500

COLOFÃO

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PNAESPROAE

9 7 8 8 5 2 3 2 0 7 5 3 3

978-85-232-0753-3ISBN