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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DISCIPLINA: FAMÍLIA E ESCOLA POR UM MESMO IDEAL
MARTHA VALENTE DOMINGUES DOS SANTOS
ORIENTADOR: Nelsom J. V. de Magalhães
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
FEVEREIRO DE 2002
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
DISCIPLINA: FAMÍLIA E ESCOLA POR UM MESMO IDEAL
MARTHA VALENTE DOMINGUES DOS SANTOS
Trabalho monográfico apresentado como
requisito parcial para obtenção de Grau
de Especialista em Supervisão Escolar
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
FEVEREIRO DE 2002
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
MARTHA VALENTE DOMINGUES DOS SANTOS
DISCIPLINA: FAMÍLIA E ESCOLA POR UM MESMO IDEAL
TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO REQUISITO PARCIAL
PARA OBTENÇÃO DE GRAU DE ESPECIALISTA EM SUPERVISÃO ESCOLAR
__________________________________
Martha Valente Domingues dos Santos
APROVADO POR: ____________________________
Nelsom J. V. de Magalhães
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
FEVEREIRO DE 2002
“Liberdade é poder fazer aquilo que a gente quer muito, muito mesmo. (...)
E há homens e mulheres, centenas, milhares, que passam a vida inteira sem
fazer o seu desejo mais profundo, aquilo que nos faz felizes. Só sabem fazer a
vontade dos outros. Eles não aprenderam a liberdade. Foram domesticados.”
Rubens Alves
Dedico este trabalho a todos
aqueles que são livres, que sabem
fazer da sua vida a verdadeira
tarefa de ser feliz. Em especial, à
minha pequena Carolina, que
nunca será alguém domesticado e
sim, um pássaro sempre a voar.
i
Agradeço, primeiramente, a Deus, a quem pertence a minha vida, minha alegria
de hoje e todas as incertezas de amanhã; jamais poderei ser suficientemente
grata.
Agradeço ao meu marido César, que compartilha comigo os mesmos ideais,
incentivando-me a prosseguir sejam quais forem os obstáculos.
Agradeço aos meus pais Celestino e Iracema, aqueles que me fizeram sua filha,
por opção e amor, se doando por inteiro e renunciando, muitas vezes, a seus
sonhos para que eu pudesse realizar os meus.
Agradeço ao meu irmão Marcio por todas as vezes que me ouviu e me deu seu
apoio.
Agradeço a todos os meus parentes e amigos que, de uma forma ou de outra,
estiveram presentes em mais essa conquista.
Agradeço aos professores da Universidade Candido Mendes, em especial ao
professor Nelsom J. V. de Magalhães, por terem mais que ensinado; por terem
feito crescer em nós um grande desejo de aprender.
Agradeço a todos os colegas que concluem comigo esse curso e espero que
nossa despedida seja um até breve, jamais um adeus.
ii
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
RESUMO DO TRABALHO MONOGRÁFICO APRESENTADO COMO
REQUISITO PARCIAL PARA OBTENÇÃO DE GRAU DE ESPECIALISTA EM
SUPERVISÃO ESCOLAR
MARTHA VALENTE DOMINGUES DOS SANTOS
DISCIPLINA: FAMÍLIA E ESCOLA POR UM MESMO IDEAL
ORIENTADOR: Nelsom J. V. de Magalhães
A disciplina na sala de aula e na escola tem sido uma preocupação
crescente nos últimos anos entre os educadores. Pesquisas pedagógicas têm
mostrado o quanto se perde de tempo em sala de aula com questões de
disciplina, em detrimento da interação do aluno com o conhecimento e com a
realidade.
Manifesta-se no corredor, no pátio, nas imediações da escola, nas festas e
eventos promovidos pela escola e, principalmente, na sala de aula. Apresenta-se
nas mais diversas situações: conversas paralelas, dispersão, esquecimento de
material, depredação do patrimônio, desrespeito ao uso do uniforme,roubos,
furtos, ironias, atitudes agressivas...
É claro que tudo isto perturba e muito o educador, mas se esta indisciplina
for comparada com a indisciplina social – fome, mortalidade infantil, desemprego,
tráfico de droga, corrupção... – até que a indisciplina escolar não parece tão
grave.
iii
Diante da presença e da dificuldade em enfrentar a situação, chegamos a
ouvir de educadores que o problema da disciplina sempre existiu na escola, que
não é um problema novo e que sempre vai existir. Isto é lamentável, pois leva a
uma posição de conformismo e comodismo. É semelhante a dizer que a pobreza
sempre existiu e que, portanto, sempre continuará existindo.
Este trabalho estabelece um conceito de disciplina e desenvolve uma
retrospectiva da postura da família e da escola através dos tempos – o que
mudou e o que sempre esteve presente. Assim, pode auxiliar família e escola no
desenvolvimento do limite disciplinar na Primeira Infância.
RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL
FEVEREIRO DE 2002
iv
LISTA DE TABELAS
01. Indisciplina atrapalha ensino nos EUA ......................................................... 16
v
LISTA DE ANEXOS
01. Da necessidade da Disciplina.................................................................... 34
02. Criança, trocada em miúdos ..................................................................... 35
vi
ÍNDICE
Capítulo I – Introdução ........................................................................................ 08
Capítulo II – A origem do problema
2.1. Introdução - O conceito de disciplina ........................................................... 11
2.2. A caça aos culpados .................................................................................... 15
2.3. A crise dos sentidos e dos limites ................................................................ 20
2.4. Conclusão .................................................................................................... 22
Capítulo III – Participação consciente, coletiva e interativa
3.1. Introdução ..................................................................................................... 23
3.2. Papel da escola ............................................................................................ 25
3.3. Papel da família ............................................................................................ 28
3.4. Conclusão ..................................................................................................... 30
Capítulo IV – Conclusão ...................................................................................... 32
Anexos ................................................................................................................. 34
Referências Bibliográficas ................................................................................... 36
vii
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
1.1. Assunto – Psicologia
1.2. Tema – Limite disciplinar
1.3. Delimitação do tema – Imposição de limites disciplinares na Primeira Infância
1.4. Justificativa – Tendo em vista a dificuldade das famílias e das escolas em
lidar com o crescimento e com o desenvolvimento das crianças, esse trabalho
busca conhecer melhor a realidade da criança na Primeira Infância e estabelecer
o conceito de disciplina, além de analisar a situação da família e da escola ao
longo dos tempos; a fim de auxilia-las na imposição de limites disciplinares.
“Algumas pessoas acham que dar limites aos filhos é uma questão de opção,
mas essas pessoas não sabem que há uma progressão de problemas que podem
derivar da falta de limites.” 1
______________________________
1. ZAGURY, Tânia, Limites sem trauma, p.31.
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
1.5. Objetivo
OBJETIVO GERAL – Verificar que a imposição de limites disciplinares é de
responsabilidade tanto da família quanto da escola; além de ser fundamental na
formação do caráter da pessoa.
OBJETIVO ESPECÍFICO – Mostrar que o ser humano precisa de limites para
construir sua personalidade e que a imposição de tais limites não pode recair
somente sobre a família ou sobre a escola; é de responsabilidade de ambas as
partes em consonância.
1.6. Problema – Como a família e a escola, integradas, podem impor limites na
criança de Primeira Infância?
1.7.Hipótese – Família e escola devem compreender as reais necessidades da
criança, a fim de tornarem-se coadjuvantes na vida desta e não, autoritárias e
ditadoras.
1.8. Metodologia – A presente pesquisa emprega dados bibliográficos com base
histórica e contemporânea, bem como dados estatísticos dispostos em tabelas,
para auxiliar na interpretação das informações.
1.9.Fundamentação teórica – A imposição de limites disciplinares é de
fundamental importância na formação do caráter da criança. Limites disciplinares
(ou disciplina) não devem ser compreendidos como atos de autoritarismo ou
mesmo de violência física e mental; eles são regras básicas de conduta social. Na
imposição de limites devem ser trabalhadas noções de igualdade, direito,
respeito, compreensão, tolerância, necessidade, insatisfação, privacidade ...
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
O objetivo geral é fazer com que os pais readquiram a percepção de que
seu principal papel é de formar cidadãos, pessoas capazes de, pela postura ética,
transformar a sociedade, fundamental para evitar a marginalização. Nesse
processo, vale ressaltar a importância da escola, no auxílio à família; apenas
como auxiliar pedagógico, nunca tomando o lugar que é da família. Numa
conjunção, onde cada papel é compreendido e assumido, a educação que
queremos pode de fato acontecer.
1.10. Conteúdo do trabalho
No capítulo II, é feita uma abordagem histórica sobre a origem do
problema disciplinar. Conceituo disciplina. Apresento um histórico sobre as
mudanças ocorridas no seio da família e da escola e escrevo sobre a crise dos
sentidos e dos limites.
No capítulo III, desenvolve-se a idéia de participação consciente, coletiva e
interativa. O estudo versa sobre o papel da escola e da família.
O capítulo IV está reservado às conclusões, comentários e sugestões
sobre o tema abordado, com suas principais contribuições e seus possíveis
desdobramentos contínuos e futuros, contextualizando-os em nossa realidade
cotidiana.
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
CAPÍTULO II
A ORIGEM DO PROBLEMA
2.1. INTRODUÇÃO – O CONCEITO DE DISCIPLINA
Aparentemente, a questão da disciplina escolar é muito simples: “disciplina
escolar é conseguir que os alunos prestem atenção à aula e não perturbem seu
bom andamento”. Na verdade, o problema é muito complicado, pois envolve a
formação do caráter, da cidadania e da consciência do sujeito. No fundo, surge
sempre a questão: Que tipo de homem se quer formar? Por que alguém deve
obedecer a ordens de outras pessoas?
A questão da disciplina é bastante complexa, uma vez que um grande
número de variáveis influencia o processo ensino-aprendizagem. No entanto,
apesar dessa complexidade, é verdade que sem disciplina não se pode fazer
nenhum trabalho pedagógico significativo. Resta saber o que entendemos por
disciplina.
Wallon, em seu livro Disciplina e Perturbações do Caráter, entende
disciplina “segundo a tarefa do mestre como de puro ensino ou de educação e
segundo o aluno, como uma simples inteligência a guarnecer de conhecimentos
ou como um ser a se formar para a vida.” 2
______________________________
2.WALLON, Henri, Disciplina e Perturbações de Caráter, p.367.
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
Já Aurélio Buarque de Holanda, em seu dicionário, a define como “regime de
ordem imposta ou mesmo consentida; ordem que convém ao bom funcionamento
duma organização; relações de subordinação do aluno ao mestre; submissão a
um regulamento.” 3
Numa primeira abordagem da disciplina, pode-se dizer que,disciplinar significa
participar do esforço de civilização de um povo e a escola nada mais faria que
colaborar com este esforço de todos. Ocorre, no entanto, que esta é uma visão
idealista, uma vez que, na verdade, não existe civilização em geral, mas formas
históricas de civilização; portanto, no sentido geral, disciplina corresponde à
adaptação à sociedade existente.
“O que é importante é equiparmos nossos filhos com um instrumental de
relacionamento social que lhes permita interagir positivamente com o mundo. Que
eles compreendam que, se trabalharem e produzirem, poderão usufruir de suas
benesses; que, por outro lado, se somente esperarem que tudo lhes chegue
pronto às mãos, provavelmente terão poucas chances de conseguir o que
almejam” 4
Em princípio, é com este processo que a escola é chamada a colaborar, ou
seja, participando do adestramento social às condições de exploração da lógica
capitalista.
Sabemos que a escola é determinada socialmente, mas dentro de sua
contradição, dentro de seu espaço de autonomia relativa, o que vem fazendo?
Para a formação de que tipo de sociedade está colaborando? Se o professor
pensa em simplesmente conseguir o silêncio de seus alunos para poder falar,
______________________________
3. HOLANDA,Aurélio Buarque de, Dicionário Aurélio Buarque de Holanda.
4. ZAGURY,Tânia, Limites sem trauma, p. 46.
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
está tendo uma visão muito restrita. O professor, por pressão, pode conseguir
certas atitudes dos alunos, mas que se esvaem quando não estão mais em sua
presença; trata-se da grande farsa colocada pelo sistema de educação: não se
está preocupado com o futuro do educando, mas em apenas sobreviver como
instituição ou como educador, não tendo sua imagem muito abalada pelos
eventuais atos de indisciplina.
Que conceito de disciplina tem a maioria dos educadores? Geralmente,
disciplina é entendida como a adequação do comportamento do aluno ao que o
professor deseja. Só é considerado disciplinado o aluno que se comporta como o
professor quer; o aluno indisciplinado é caracterizado como desobediente. Que
comportamento deseja o professor? Freqüentemente, o desejo do professor é que
o aluno fique quieto, ouça as explicações que ele tem para dar – que muitas
vezes são xerox do que diz algum livro - , faça direitinho os exercícios e pronto.
Se isto acontecer, estará realizado.
“... a representação de competência profissional está associada ao bom
domínio de classe, seja ele obtido por métodos autocráticos, seja através de
atitudes persuasivas.” 5
O conceito de disciplina associado à obediência está muito presente no
cotidiano da escola, mais ou menos conscientemente; isto porque há uma
verdadeira “luta” em sala da aula, onde o professor está procurando sobreviver,
num contexto de tantos desgastes: má formação, má remuneração, falta de
tempo para preparar as aluas, falta de apoio administrativo da escola ... O
trabalho do educador é estressante; ele procura um pouco de paz para poder
____________________________
5. BARRETO, Elba de Sá, Professores de Periferia:soluções simples para
problemas complexos, p. 305
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
respirar; daí, querer um comportamento passivo do aluno. É claro que esta
expectativa se coloca a partir do mundo de alienação em que vive. Querendo
resolver o problema, acaba por agrava-lo se isolando, não entrando em
comunicação com os alunos, que passam a rejeitar sua postura. Este
posicionamento é desumano, pois nega a existência do outro, tentando
transforma-lo em simples objeto. Há necessidade de sairmos desse ciclo vicioso.
Onde fica o comportamento do professor? E o desejo do aluno? Este seria
um caminho crítico. Cairíamos, provavelmente, numa educação liberal-
- espontaneísta, onde disciplina é seguir os impulsos, fazer o que tiver
vontade. A responsabilidade é da classe. O professor acaba tendo que recorrer
sempre a este discurso, pois não convence ninguém.
Precisamos colocar o problema no seu devido lugar. Mais uma vez, a
contradição comportamento / desejo do aluno x comportamento / desejo do
professor é falsa. Não se trata de medir forças. Isto é o que muitos professores
têm feito ultimamente, infantilmente. Trata-se de analisar o problema, que está, de
fato, na organização do trabalho coletivo em sala de aula, para se realizar a
construção do conhecimento, a educação.
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
2.2. A CAÇA AOS CULPADOS
Antes de mais nada, para poder enfrentar o problema da disciplina, é
necessário compreende-lo, ou seja, entender o que está acontecendo hoje com a
disciplina na sala de aula, na escola e na sociedade. Certamente, uma série de
fatores influencia, mas deve-se analisar como ocorre concretamente. No processo
de análise é que irão emergindo os determinantes fundamentais do problema em
estudo.
Está muito difícil conseguir a disciplina na escola. Vemos muitos
professores perplexos, angustiados e pensando até mesmo em desistir da
profissão, pois além dos baixos salários, do prestígio social, ainda têm que
agüentar desaforos e desrespeito dos alunos em sala de aula. Nas séries iniciais,
o problema parece menor, mas isto pode ser, de fato, só aparência, pois pode
ainda não ter se manifestado em função da pouca idade. Por outro lado, temos
ouvido cada vez mais queixas também destes professores. Se há alguns anos o
grande problema de disciplina era, por exemplo, da quinta série em diante;
atualmente, já existe reclamação de professores de pré-escola.
Desde o momento em que começa a se relacionar, primeiro com os pais,
depois com outros membros da família e por último, no grupo escolar, a criança
na Primeira Infância precisa muito se sentir amada e necessária; receber cuidado,
proteção e segurança; fazer parte do grupo; ter a oportunidade de explorar,
brincar e aprender a cuidar de si mesma. Para atender as necessidades citadas,
os pais podem ajudar muito. Para tanto, é preciso, porém, que tenham um eixo
direcionador – algumas atitudes que, tomadas sistematicamente, ajudam a
criança a crescer, a tornar-se independente e equilibrada emocionalmente.
Segundo muitos professores, nunca a situação em sala de aula esteve tão
difícil como agora. Teria a disciplina piorado nas últimas décadas? A tendência é
dizer que sim, principalmente se considerarmos em termos do nível de decibéis
15
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
de ruído em sala de aula. De que tipo de indisciplina estamos falando: da ativa ou
da passiva? O fato é que a indisciplina que normalmente preocupa o professor é a
ativa e este objetivamente parece ter aumentado.
Observe os elementos de uma pesquisa realizada nos Estados Unidos
sobre a indisciplina na escola, que comprovam o aumento da indisciplina e uma
crescente necessidade de um resgate desta.
PERCENTUAL PROFESSORES
49 %
44 %
29 %
20 %
Tiveram aulas afetadas por indisciplina
Acham que a indisciplina cresceu nos últimos cinco anos
Querem deixar de dar aula por causa da indisciplina
Já foram agredidos por alunos
Fonte: US Education Department (Folha de São Paulo – 25/11/91)
Diante deste fato, partiu-se para uma verdadeira “caça aos culpados”: o
problema é da família, a escola é que mudou ou foi a sociedade que se
transformou?
Atualmente, o grande foco da crítica e da atribuição de responsabilidade
pelos problemas de indisciplina na escola está sendo o aluno e, especialmente,
sua família. De fato, percebemos muitas famílias desestruturadas, desorientadas,
com hierarquia de valores invertida em relação à escola, transferindo
responsabilidades suas para a escola. Tudo isto é verdade. Objetivamente, a
família não está cumprindo sua tarefa de fazer a iniciação à civilização:
estabelecer limites, desenvolver hábitos básicos. Neste sentido, os educadores
têm razão em levantar esta falha.
A pergunta que pouca gente faz é por que a família está do jeito que está?
Ao não fazermos esta pergunta, corremos o risco de enveredar por uma crítica
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
quase que moral, como se a família estivesse assim porque decidiu de livre e
espontânea vontade. Os professores poderiam pensar um pouco sobre sua
própria situação: acaso estão dando aula do jeito que estão – sem preparar muito,
sem aprofundamento, sem clareza dos objetivos, sem renovação metodológica,
sem articulação interdisciplinar, sem relacionar os conteúdos com as
necessidades dos educandos – porque decidiram livremente? Ao procurarmos
entender o que está se passando com a família, poderemos entender muito do
que está acontecendo com a escola e com os próprios professores, já que está
tudo relacionado. Além disto, esta compreensão poderá nos ajudar a estabelecer
um relacionamento menos acusativo com os alunos e suas famílias, possibilitando
uma autêntica busca de assumir as respectivas responsabilidades, superando o
“empurra-empurra”.
O que aconteceu, então, com a família? A antiga família paternalista,
opressora e autoritária criou uma geração em que as crianças eram obrigadas a
seguir o desejo dos pais. Essas crianças cresceram contrariadas, buscando
mudar tudo isto. Surgem os adolescentes rebeldes, oprimidos por uma forte
Ditadura. Quando se vêem pais, não querem seguir os exemplos dados por seus
pais. Então, criam seus filhos com uma liberdade excessiva e falta de limites. Os
pais de hoje, não tiveram o direito de se expressar no passado e, no presente,
pela postura excessivamente psicológica que adotaram, tornaram-se tímidos e
sem autoridade, permitindo que, em muitos casos, seus filhos se transformassem
em “pequenos tiranos”. O risco maior são as graves conseqüências a que essa
postura poderia conduzir os jovens: à marginalização, à falta de responsabilidade
social e de projetos de vida. Hoje, numa sociedade em que os valores estão
invertidos, os pais saem de casa de manhã e só regressam à noite, as mães
necessitam trabalhar para ajudar no sustento da casa, assustamos o assustador
envolvimento de adolescentes em atos de indisciplina. O que fazem? Repassam
esse seu compromisso para a escola, livrando-se da culpa pelos maus feitos de
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Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
seus filhos. Os pais precisam readquirir a percepção de que seu principal papel é
o de formar cidadãos, pessoas capazes de, pela postura ética, transformar a
sociedade.
A escola mudou? O professor anda confuso com tudo aquilo que vem
acontecendo com ele, com a escola e com a sociedade. Há uma profunda
mudança na relação escola-sociedade e parece que não nos demos conta disto.
Nossa perspectiva é compreender para superar e não para cair no
saudosismo.
É importante fazermos uma análise histórica para compreender a
realidade, o problema em toda sua dimensão. O que mudou na escola nas últimas
décadas? O que aconteceu com o professor? Há algumas décadas tínhamos
uma valorização social da escola, uma formação mais consistente do professor e
uma remuneração mais condizente, apoio incondicional da família à escola. Nas
últimas décadas no Brasil, podemos apontar alguns indícios das transformações
da escola: deterioração qualitativa, aumento da oferta nas escolas públicas –
expansão quantitativa, fragmentação e esvaziamento do curso de formação de
professores, diminuição drástica dos salários dos professores, condições
precárias de trabalho – instalações inadequadas, falta de equipamentos e material
didático.
Outro fator fundamental para a crise da disciplina na escola e na sala de
aula está na desmistificação da ascensão social através da escola. Até há alguns
anos atrás, a escola não era também um espaço agradável, mas os alunos ainda
tinham a motivação da ascensão social. Atualmente, com a queda deste mito, fica
muito mais difícil para o professor conseguir a disciplina de seus alunos.
À medida que a análise se aprofunda, percebemos a ligação dessas
mudanças à mudança da sociedade como um todo. Mais recentemente podemos
observar uma crise ética, concentração de renda, economia recessiva, altas taxas
de desemprego e sub-emprego. Ao mesmo tempo Está muito difícil conseguir a
18
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
disciplina na escola. Vemos muitos professores perplexos, angustiados e
pensando até mesmo em desistir da profissão, pois além dos baixos salários, do
prestígio social, ainda têm que agüentar desaforos e desrespeito dos alunos em
sala de aula. Nas séries iniciais, o problema parece menor, mas isto pode ser, de
fato, só aparência, pois pode ainda não ter se manifestado em função da pouca
idade. Por outro lado, temos ouvido cada vez mais queixas também destes
professores. Se há alguns anos o grande problema de disciplina era, por exemplo,
da quinta série em diante; atualmente, já existe reclamação de professores de
pré-escola.
19
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
2.3. A CRISE DOS SENTIDOS E DOS LIMITES
Sempre que se pensa em disciplina, vem à mente a idéia de limite, mas
não limite pelo limite, qual seja, o limite está sempre associado a algum sentido, a
alguma finalidade. A questão da disciplina, portanto, não pode ser entendida sem
falarmos de sentido e de limite.
Há uma desorientação geral hoje na sociedade: quer se superar o velho,
mas teme-se o novo. Há a crise da racionalidade, crise dos projetos sociais, das
utopias, do sentido para viver, crise da autoridade em nível mundial. As agências
produtoras de sentido – partidos políticos, igrejas, família, escola, ciência – estão
em crise. É a crise da disciplina no contexto da modernidade. A tarefa da escola
não é das mais interessantes e para participar dela, o sujeito precisa ver sentido
em tudo isto. Com a crise da identidade da escola, este sentido não está
socialmente bem definido. A crítica à forma de organização da escola não é nova,
mas estava restrita à dimensão pedagógica; posteriormente, foi apontado o papel
político e social da escola. Qual é, afinal, o papel da escola? Falta perspectiva
para o jovem: estudar para quê? Nesse mundo, muitos letrados vivem pelas ruas
mendigando; enquanto outros, de pouco estudo, envolvem-se em negócios
escusos – tráfico de drogas, corrupção – ou usam seu corpo para progredir –
jogadores de futebol, modelos – e acabam tendo melhores oportunidades de vida
do que aqueles que tanto tempo permaneceram na escola. Tempo que parece
gasto inutilmente.
Afirma-se que a função da escola é a formação do homem novo e da nova
sociedade. Este homem novo deve ter capacidade de auto-governo; toda ação do
professor, da escola, da família e da sociedade deveria ajudar a formar este auto-
governo. O que está ocorrendo é que tanto o professor quanto à escola e a
família não estão com seus auto-governos definidos, ficando o aluno desorientado
também. Esta crise consentida e até incentivada pela classe dominante tem como
20
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
objetivo a disseminação da permissividade, visando o consumismo. A liberação
do consumo de bens supérfluos é uma exigência do sistema capitalista. Assim,
percebe-se que quem manda hoje na criança não é tanto o pai ou o professor,
mas o mercado materializado nas propagandas de marcas e griffes. Descobriu-se
um filão enorme de consumo: as crianças; basta ver o número de produtos
voltados para elas. Os estudiosos descobriram as crianças para a pedagogia e a
mídia para o consumo.
“... os anunciantes (...) estão atrás de um mercado de dimensões
gigantescas: os miniconsumidores americanos na faixa de 03 a 12 anos gastaram
no ano passado US$7,3 bilhões das suas próprias mesadas e influenciaram suas
famílias a comprar mais...” 6
Verificada a crise tanto nos sentidos quanto dos limites, fica evidente a
dificuldade em se superar o problema. Assim, a questão não cabe apenas à
escola e/ou à família, mas à sociedade como um todo.
______________________________
6. EMERICH,Harold, Amarrando o consumidor infantil, p.2-4.
21
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
2.4. CONCLUSÃO
Numa primeira abordagem da disciplina, pode-se dizer
que,disciplinar significa participar do esforço de civilização de um povo e a escola
nada mais faria que colaborar com este esforço de todos. Ocorre, no entanto, que
esta é uma visão idealista, uma vez que, na verdade, não existe civilização em
geral, mas formas históricas de civilização; portanto, no sentido geral, disciplina
corresponde à adaptação à sociedade existente.
Que conceito de disciplina tem a maioria dos educadores?
Geralmente, disciplina é entendida como a adequação do comportamento do
aluno ao que o professor deseja. Só é considerado disciplinado o aluno que se
comporta como o professor quer; o aluno indisciplinado é caracterizado como
desobediente. Que comportamento deseja o professor? Freqüentemente, o
desejo do professor é que o aluno fique quieto, ouça as explicações que ele tem
para dar – que muitas vezes são xerox do que diz algum livro - , faça direitinho os
exercícios e pronto. Se isto acontecer, estará realizado.
Está muito difícil conseguir a disciplina na escola. Vemos muitos
professores perplexos, angustiados e pensando até mesmo em desistir da
profissão, pois além dos baixos salários, do prestígio social, ainda têm que
agüentar desaforos e desrespeito dos alunos em sala de aula. Nas séries iniciais,
o problema parece menor, mas isto pode ser, de fato, só aparência, pois pode
ainda não ter se manifestado em função da pouca idade. Por outro lado, temos
ouvido cada vez mais queixas também destes professores. Se há alguns anos o
grande problema de disciplina era, por exemplo, da quinta série em diante;
atualmente, já existe reclamação de professores de pré-escola.
Sempre que se pensa em disciplina, vem à mente a idéia de limite, mas
não limite pelo limite, qual seja, o limite está sempre associado a algum sentido, a
alguma finalidade. A questão da disciplina, portanto, não pode ser entendida sem
falarmos de sentido e de limite.
22
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
CAPÍTULO III
PARTICIPAÇÃO CONSCIENTE, COLETIVA E INTERATIVA
3.1. INTRODUÇÃO
Se a culpa dos problemas disciplinares é da relação social, é necessário
transforma-la, na escola e na sala de aula. Criar uma nova relação educacional
entre os agentes da comunidade. É esta nova relação que vai gerar novos
homens. À participação alienada e passiva devemos, pois, opor a participação
consciente e interativa, numa coletividade organizada.
O aspecto coletivo da participação deve ser visto não como um processo
despersonalizador mas, pelo contrário, como o principal instrumento de
construção da individualidade. Se a realização da humanidade das pessoas
acontece quando elas sentem que contribuem para a construção da felicidade
coletiva; se a felicidade nunca pode ser encarada como um bem individual, mas
sim como um bem coletivo; se o “mal” não reside nas pessoas, mas nas relações
entre as pessoas; então, a construção de coletividade, onde estas relações se
transformam, perdendo seu caráter embrutecedor, onde as pessoas se respeitam
francamente, onde o relacionamento não seja intermediado por preconceitos e
agressões, onde o homem deixe de ser uma coisa, é o meio mais eficaz de se
formar indivíduos participantes, de forma ativa e responsável.
Ao professor cabe, pois, dirigir o processo de construção da coletividade
em sala de aula. E esta direção não pode ser guiada pelos parâmetros da
contradição liberdade / repressão, mas sim pelos da consciência / alienação. O
professor como coordenador do processo não pode ser omisso, mas
profundamente interativo. Atento às diferenças entre os alunos na sala de aula,
23
Domingues dos Santos Disciplina: Família e Escola por um mesmo ideal
deve buscar combina-las . Assim, diz-se que o professor é vítima da “engrenagem
maior”, desconsiderando que a maior vítima dessa situação é o aluno, que sofre a
pressão da família e da escola e, muitas vezes, ainda não está maduro para
compreende-la.
A separação brutal dos indivíduos e a sua passividade mecânica são
processos objetivos que brotam diretamente do organismo social. As pessoas
isoladamente não são culpadas – a culpa se encontra na relação social, que
estrutura as pessoas sob violência.
Ao não perceber que a alienação é um processo social, que se dá nas
relações entre as pessoas, o educador sucumbe. Passa a ver nos alunos a culpa,
ao invés de compreende-los como vítimas, encontram-se triturados e amortecidos
pela “morte em vida” da alienação. Não consegue perceber que embora o inimigo
esteja no aluno, ele não é o próprio aluno. A partir daí, o educador tende a cair de
cabeça nesta inconsciência coletiva. Já não consegue distinguir entre liberdade e
desrespeito coletivo, não se interessa mais em mobilizar os alunos. Porém,
educar é romper com este círculo vicioso de alienação, é ativar o físico e o
mental, é desenvolver todas as potências lógicas e afetivas, é colocar em
funcionamento cada um dos seus neurônios, verdadeiros poços de criatividade.
O caminho, pois, não é ficar a procura de um culpado. Isto é desgastante e
só provoca reações de ataque e defesa entre todos os envolvidos – alunos,
professores, equipe administrativa, família. Não podemos também cair na
omissão. O que se vislumbra é o compromisso de cada setor com suas
responsabilidades, dentro de uma visão de totalidade, articulado com os demais,
cobrando e exigindo que cada parte assuma suas respectivas responsabilidades.
Com esse comprometimento, a transformação social virá como conseqüência,
tirando a escola do domínio das classes dominantes e articulada segundo seus
anseios.
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3.2. PAPEL DA ESCOLA
É preciso mudar a relação educativa, mas isso não se alcançará sem
mudar a instituição escolar. Só uma revisão das estruturas dessas instituições
permitiria uma mudança na relação pedagógica. A escola, enquanto equipe, pode
colaborar para construção da disciplina através de práticas concretas.
Um dos grandes impasses que se coloca para a escola hoje é a definição
de sua função social. Escola, para quê? Diante da crise de identidade, é
fundamental que a comunidade educativa procure recuperar o sentido da escola,
do estudo, elaborando e explicitando sua proposta educacional. O aluno deve ver
um sentido na escola. A escola já não consegue dar a recompensa – ascensão
social - , levando ao desinteresse pelo esforço. É necessário ter consciência de
que nossa sociedade é excludente e, que ele deve estudar não só para ter seu
lugar assegurado nessa sociedade; mais do que isso, seu estudo valerá para
transformar essa sociedade. O aluno deve compreender o mundo, usufruir do que
esse mundo tem para lhe oferecer e, finalmente, transformar este mundo,
tornando-o mais justo e solidário. Se não houver uma finalidade, a disciplina
também fica vazia de sentido. Para se alcançar a disciplina, é fundamental que se
tenha objetivos comuns. Fica-se empregando energia pensando em formas de
controle da disciplina, ao invés de pensar em melhores maneiras de despertar no
aluno formas de participar ativa e responsavelmente da construção do seu próprio
futuro.
Quando o professor entre em sala de aula, não entra sozinho; traz consigo
toda a instituição por ele representada. Que imagem da escola os alunos têm? O
problema da disciplina, geralmente, não é de um professor em particular, mas de
toda uma equipe. É necessário procurar construir uma postura comum entre os
educadores e educandos, através de parâmetros únicos para a escola. Constata-
- se que normalmente os problemas de indisciplina são encarados de forma
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autoritária pela escola, que procura reprimi-los. Outras vezes, há falta de firmeza
por parte da escola. As normas devem ser bem claras e condizentes com os
objetivos.
Para se construir uma linha de ação comum, são necessárias algumas
condições de trabalho. A escola deve investir prioritariamente na formação
permanente e no serviço do professor, para que possa ter melhor compreensão
do processo educativo e dos métodos de trabalho mais apropriados. O espaço de
reunião é privilegiado para uma inter-ajuda entre os profissionais. No caso da
disciplina, as permanentes interações se fazem essenciais.
O currículo deve estar atento para as necessidades, a fim de evitar
problemas de disciplina. É preciso coragem, competência, trabalho coletivo para
se rever as propostas e enfrentar as pressões, tendo em vista o ensino
transformador que se almeja. Na proposta da escola, deve ser levada em conta a
necessidade de atividade do educando. A criança, em fase de crescimento e
desenvolvimento, precisa de participação ativa, de movimento. À medida que as
aulas forem mais participativas, em espaços mais direcionados, a possibilidade
da criança se envolver fica cada vez maior. Quando as atividades ficam todas
concentradas na sala de aula, a probabilidade de indisciplina é maior, pois suas
necessidades não estão sendo atendidas.
As relações entre a família e a escola têm mudado... A escola mudou, a
família mudou, a sociedade mudou... Cada vez mais os alunos vêm para a escola
com menos limites disciplinares trabalhados pela família. Muitos pais chegam a
passar toda a responsabilidade para a escola. A escola precisa investir no
trabalho de formação e conscientização dos pais, esclarecendo a concepção de
disciplina da escola, minimizando as diferenças entre esta e a disciplina familiar.
Um trabalho maior com os pais das crianças de Educação Infantil pode ser muito
produtivo, pois estes são mais presentes, abertos à ajuda e ficarão por muitos
anos ainda na escola – tendo em vista as séries subseqüentes que os filhos irão
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cursar. Uma das melhores formas de se atingir a família é através dos filhos; daí a
necessidade de um trabalho participativo, significativo, em que realmente o aluno
se envolva e entenda o que está sendo proposto a ele. Assim, o próprio filho terá
argumentos para ajudar os pais a compreenderem a proposta da escola.
Devemos lembrar também que se a participação é pequena, o trabalho não pode
enfraquecer; estes funcionarão de “janela” para que outros pais se cheguem e
amplia a possibilidade de contatos mais abrangentes.
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3.3. PAPEL DA FAMÍLIA
Na prática cotidiana das famílias hoje, um grande entrave é a falta de
diálogo, causada pelo “vício televisivo”. É importante sermos capazes de impor
limites e estabelecer horários, que não atrapalhem a reunião familiar. Os pais
devem ajudar os filhos a estabelecerem uma postura crítica diante dos meios de
comunicação, derrubando o consumismo exagerado.
Viver para quê? Construir valores de vida evita que o filho caia nas
tentações do mundo moderno – álcool, drogas, bandidagem, depressão,
violência. Transformar o mundo se torna mais fácil, quando somos pessoas
competentes e solidárias. Oriente seu filho a acreditar que ele é capaz e pode
vencer; a falta de confiança vem atingindo nossos alunos desde cedo. A
inferiorização é outro forte fator de crise; não o deixe se menosprezar por ter
problemas familiares, crises financeiras, por errar – não acoberte os erros .
Na atual sociedade, os pais trabalham fora e se culpam por estarem pouco
tempo com os filhos. Se o seu tempo pouco, faça da qualidade dele a melhor
possível. Em tempos em que se fala de “Qualidade Total”, empregue essa política
na educação de seu filho; deixe que ele participe ativamente da construção da
sua própria vida, delegue responsabilidades, não faça por ele e sim, faça com ele.
Quanto aos limites disciplinares, essa sociedade que já viu a repressão ou
a permissividade excessiva, torna-se perdida. Que caminho seguir? Nem de mais,
nem de menos... Limites disciplinares na dose certa. O diálogo é a chave desse
caminho... Faz com que estabeleçamos e cumpramos os limites, não
“castiguemos por castigar”- a fase dos porquês não se acaba e deve ser
entendida e respondida - , estimulemos a participação em atividades onde ele
possa testar seus limites. Na argumentação com a criança, a verdade se perde
diante de tantos argumentos, use o principal deles e seja convincente pela razão.
Evite a permuta esforço / recompensa, prêmio / castigo – Se você se comportar,
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te levo para passear. Não troque seu dever por um prêmio.
“A criança deve ganhar disciplina, assumir a disciplina paterna
independentemente de a mãe estar ou não presente” 7
A família deve valorizar a escola e o estudo; superar a visão da escola
como fator de ascensão social. O gosto pelo conhecimento deve ser contínuo, a
curiosidade da criança não pode ser sufocada em nenhuma ocasião. Acompanhe
a vida escolar do seu filho de perto, saiba elogia-lo quando acerta e não
repreenda diretamente o erro, encare-o como tentativa na busca do seu acerto e
não, incapacidade ou desinteresse. Encare a avaliação como parte do processo
educativo; ela virá como conseqüência de um processo de aprendizagem bem
elaborado. A orientação da família nos estudos é importantíssima; faça com que a
criança encare o estudo como compreensão, nunca decoreba. Apóie as decisões
da escola e em caso de dúvidas ou questionamentos, não critique na frente da
criança, procure esclarece-las junto aos responsáveis legais. Mostre ao seu filho
que ele é importante para você e que você se preocupa com tudo o que acontece
na vida dele. Sentir-se amado é o primeiro passo para que a disciplina aconteça;
ele não terá porque ser indisciplinado, já que sua atenção já está voltada para ele.
______________________________
7.FREIRE, Paulo, Disciplina na escola, p. 05.
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3.4. CONCLUSÃO
As causas da indisciplina podem ser encontradas em diferentes níveis: na
família, na escola – instituição, professor, aluno-, na sociedade. Estes níveis são
apontados mais para uma orientação de investigação, para facilitar o estudo; no
entanto, é preciso tomar cuidado com uma certa tendência de ver estes aspectos
isoladamente um do outro; na realidade, estão profundamente entrelaçados.
Entendemos que a raiz do problema encontra-se na atual organização da
sociedade, base de todas as outras indisciplinas. Entretanto, esta determinação
mais geral não se concretiza por si só, qual seja, ela é concretizada pela
mediação de diferentes agentes – professores, pais, alunos, governantes. Esta
tomada de consciência abre espaço para a luta, para a resistência, para a busca
de auto-determinação.
O que fazer para propiciar a construção da disciplina na escola e na
família? Há que se buscar, em cada realidade, qual a forma necessária e possível
de ação, articulando todas as frentes de luta.
Não pode haver ilusão e se achar que o trabalho é fácil. A disciplina não
está pronta; é uma construção coletiva. Trata-se de uma luta, onde os que
querem uma sociedade diferente colocam-se na contra corrente do sistema
dominante. Vai ser preciso interagir com os alunos, lutar com sua alienação, com
as forças desumanas que trazem dentro de si como fruto de toda a sua história de
vida. Há necessidade da escola se organizar a fim de possibilitar ao educador
condições de embutir no educando um forte desejo, um compromisso com uma
aprendizagem sólida e duradoura. Há necessidade da participação, do
envolvimento de todos para enfrentarmos o problema.
“Propusemos organizar o próprio sistema de disciplina, envolvendo os pais
e os alunos.Não adianta a escola desenvolver todo um trabalho, se não tiver a
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Continuidade na família. A disciplina na escola tem que ser construída por
todos os elementos envolvidos, senão não vai dar frutos positivos.” 8
Construir a disciplina na sala de aula não é uma tarefa fácil. É importante a
construção coletiva na prática pedagógica. Neste processo, os sujeitos que não
estão entendendo ou concordando com a linha assumida podem ajudar o grupo,
sem obscurecer suas dúvidas ou indignações, levando a uma reflexão profunda.
O fator primordial para a disciplina na família e na escola é o amor e a
dedicação, num trabalho em equipe. A união faz a força.
_____________________________
8. D’ANTOLA, Arlete, Disciplina na escola: Autoridade versus autoritarismo,
p. 09.
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CAPÍTULO IV
CONCLUSÃO
O que queremos em termos de disciplina? Buscamos construir uma nova
disciplina, que deixe de ser a expressão das relações sociais alienadas.
Basicamente, podemos dizer que o objetivo é conseguir um processo educativo
de sujeitos participantes e, dessa forma, as condições necessárias para o
trabalho em sala de aula, onde haja o desenvolvimento da autonomia e da
solidariedade, condições para uma aprendizagem significativa, crítica, criativa e
duradoura. Almejamos uma disciplina consciente e interativa, marcada pela
participação, pelo respeito, pela responsabilidade, pela construção do
conhecimento e pela formação do caráter e da cidadania.
Disciplina é a capacidade de comandarmos a nós mesmos, de nos
impormos aos caprichos individuais; enfim, uma regra de vida. É a consciência
das necessidades livremente aceita, ao compreender-se o seu significado. A
disciplina não deve ter fim em si mesma, deve estar relacionada aos objetivos
maiores da família e, principalmente, da escola. Objetivos estes de formar alunos
capazes de pensar, de estudar e de analisar e transformar o mundo em que
vivem. A realidade é triste, mas pode ser mudada; a partir da experiência
educativa, o aluno está se educando para uma mudança social mais ampla. A
experiência de impotência vai levando a um estado de apatia, de descrença no
mundo, facilitando a entrada de subterfúgios – drogas, álcool, jogos de azar...
“Nossa disciplina deve ser sempre uma disciplina consciente. Nossa
disciplina, como fenômeno moral e político, deve vir acompanhada de
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consciência, isto é, de uma noção do que é disciplina e para que a
necessitamos.” 9
A disciplina se constrói pela interação do sujeito com outros e com a
realidade, até chegar ao autodomínio.
“Ninguém disciplina ninguém. Ninguém se disciplina sozinho. Os homens
se disciplinam em comunhão, mediados pela realidade.” 10
O educador, num primeiro momento, pode assumir a responsabilidade pela
disciplina, levando a turma a assumi-la progressivamente. Mas cuidado, quando
se está sob um regime de tirania, as pessoas se rebelam, se indisciplinam. O
sujeito precisa se adaptar a uma série de valores, costumes culturais, que devem
vir de berço. A importância da família na disciplinarização do indivíduo é
fundamental, visto que esse é o primeiro grupo social em que ele está inserido. O
zelo, o respeito às individualidades e o acompanhamento no processo de
crescimento e desenvolvimento da criança devem ser o cunho do trabalho
familiar.
A disciplina consciente e interativa é o processo de construção da auto-
regulação do sujeito, que se dá pela interação social e pela adaptação às
transformações, tendo em vista atingir conscientemente um objetivo.
_______________________________
9. MAKARENKO, A., A coletividade e a educação da personalidade, p. 175.
10. VASCONCELLOS, Celso dos Santos, Disciplina – Construção
consciente e interativa em sala de aula e na escola, p. 41.
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Anexo 01
Da necessidade da disciplina
- O que seria de um prédio, se cada operário assentasse o tijolo do seu jeito?
- A disciplina é necessária!
- O que seria de uma orquestra, se cada músico tocasse o que quisesse?
- A disciplina é necessária!
- O que seria de um terminal de ônibus, se as pessoas não respeitassem a fila?
- A disciplina é necessária!
- O que seria do inspetor autoritário se os alunos se rebelassem?
- A disciplina é necessária!
- O que seria do orientador que só pensa em papel, se os professores se
recusassem?
- A disciplina é necessária!
- O que seria do professor que não preparou bem a sua aula se os alunos
reclamassem?
- A disciplina é necessária!
- O que seria do mercado, se as pessoas deixassem de comprar o que é
supérfluo?
- A disciplina é necessária!
- O que seria dos políticos, se a população não elegesse mais gente corrupta?
- A disciplina é necessária!
- O que seria dos meios de comunicação se as pessoas não acreditassem mais
em suas mentiras?
- A disciplina é necessária!
- A disciplina é necessária?
- Que disciplina?
Autor desconhecido
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Anexo 02
CRIANÇA, TROCADA EM MIÚDOS
O dia-a-dia da sala de aula prepara certas armadilhas para o professor.
Para evita-las, convém estar atento a algumas orientações mínimas, mas
fundamentais:
• Não repreenda o aluno na frente da classe; chame-o em separado para
conversar
• Nunca humilhe o aluno, com atos ou palavras
• Se alguém for motivo de riso por parte da classe, interrompa tudo e discuta
com a turma o motivo desse comportamento, até que todos concordem que
não se deve rir dos outros (é uma falta de respeito!)
• Evite a todo custo ter um “queridinho”na classe
• Não discrimine ninguém por sua aparência, origem social ou mesmo
comportamento inadequado
• Seja sincero, franco e aberto
• Certifique-se de que todos compreenderam e assimilaram as regras
estabelecidas; seja bem claro
• Dê-lhes a oportunidade de se manifestar durante a aula.
Observe neste trecho das Recomendações Disciplinares, de 1922, o ideal
de comportamento na escola antiga: “Os alunos devem se apresentar na
escola muito antes das 10 horas, conservando-se em ordem no corredor da
entrada, para daí descerem ao pátio, onde entoarão o cântico. Formados dois
a dois, dirigir-se-ão depois às suas classes acompanhados de suas
respectivas professoras, que exigirão deles que se conservem em silêncio e
entrem nas salas com calma, sem deslocar as carteiras. Devem andar sempre
sem arrastar os pés, evitando balançar os braços.”
( Revista Nova Escola – Jun/ 98)
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BARRETO, Elba se Sá. Professores de periferia: soluções simples para
problemas complexos. São Paulo, T.A . Queiroz Editor, 1982.
DANTAS, Heloysa. A infância da Razão – uma introdução à psicologia da
inteligência de Henri Wallon. São Paulo, Manole Dois, 1990.
D’ANTOLA, Arlete. Disciplina na escola: Autoridade versus Autoritarismo.
São Paulo, EPU, 1989.
FREIRE, Paulo. Disciplina na escola. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1983.
____________ . Pedagogia do oprimido. 7ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1981.
HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de
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relacionamento professor-aluno em tempos de globalização. São Paulo,
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VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Disciplina – Construção consciente e
interativa em sala de aula e na escola. Cadernos Pedagógicos do Libertad,
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ZAGURY, Tânia. Limites sem trauma. 25ª ed. Rio de Janeiro, Record, 2000.
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