dificuldades de aprendizagem específicas: estudo … resumo neste estudo abordamos aspectos...
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I
Dificuldades de Aprendizagem Específicas: Estudo de caso sobre dislexia DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
Florismundo Augusto da Silva Costa MESTRADO EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Orientador: Professora Doutora Ana Antunes
II
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Ana Antunes, pelo rigor, empenhamento, organização e partilha
do conhecimento, que como orientadora deste estudo, o tornou possível.
À Dra. Maria José Camacho, Directora Regional Educação Especial e Reabilitação
que simpaticamente me proporcionou o acesso à documentação que fundamentou a
investigação.
Ao Diogo que aguçou ainda mais em mim o gosto pela Psicologia, inspirando-me
para todos os dias poder vir a ser um melhor pai.
À Susana com quem compartilho diariamente os interesses e motivações por temas
desta natureza.
III
Resumo
Neste estudo abordamos aspectos relacionados com as dificuldades de aprendizagem
específicas designadamente a dislexia, debruçando-nos sobre a questão conceptual, sua
tipificação, etiologia e processos de avaliação e intervenção. A dislexia é uma dificuldade da
aprendizagem da leitura que não se pode explicar por um défice cognitivo nem sensorial, nem
por um ambiente social ou familiar desfavorável, nem por métodos de ensino desajustados.
O estudo empírico que desenvolvemos, consiste na caracterização de um grupo de alunos
com o diagnóstico de dislexia bem como no levantamento dos procedimentos mais usuais em
termos de avaliação e reabilitação. A recolha de dados foi realizada num Centro de Apoio
Psicopedagógico da Madeira, através da consulta de documentos constantes dos processos
dos alunos diagnosticados com dislexia/disortografia e inscritos na educação especial e da
realização de entrevistas a psicólogas do mesmo centro. A amostra é constituída por 52
alunos distribuídos pelos vários ciclos escolares do ensino básico e do ensino secundário a
frequentarem 15 escolas do concelho adstritas ao CAP. Para a organização da informação
recolhida através da análise documental, utilizámos uma grelha de registo e na condução das
entrevistas utilizámos um guião que contempla, genéricamente, questões relacionadas com a
etiologia, despiste e reabilitação da dislexia. Os resultados do estudo, apontam para um maior
número de rapazes com diagnóstico de dislexia do que raparigas, diagnósticos um pouco
tardios, sobretudo nos grupos de alunos mais velhos, alguma heterogeneidade na utilização
de instrumentos de avaliação nos diferentes casos e alguma dificuldade em estruturar medidas
educativas específicas e direccionadas a esta problemática. Neste sentido, tecemos algumas
considerações face à necessidade de um diagóstico atempado, uma maior sensibilização e,
formação dos vários técnicos envolvidos no diagnóstico e na intervenção, bem como,
propomos sugestões para o desenvolvimento de estudos posteriores que permitam o
aprofundamento e um maior conhecimento sobre esta problemática.
Palavras-chave: dificuldades de aprendizagem, dislexia, avaliação, intervenção.
IV
Abstract
In this study we consider several aspects connected to learning disabilities, namely
dyslexia, and we deal with the conceptual matter, its tipification, etiology and evaluation
processes and intervention. Dyslexia is a disability in learning how to read which cannot be
explained neither by a cognitive or sensorial deficit, nor by an unfavorable social or familiar
environment, nor by inadequate learning methods. The empirical study here developed,
consists both on the characterization of a group of students with a dyslexia diagnosis and on
analyzing the most common procedures in terms of evaluation and rehabilitation. The
gathering of the data took place at Centro de Apoio Psicopedagógico da Madeira (CAP) and
it was made by analyzing the documents included in the students´ files and to whom
dyslexia/disortography had been diagnosed and who had been previously enrolled in schools
that considered students with special educational needs. The psychologists working in these
schools were also interviewed. The sample is composed by 52 students distributed along the
several levels of the basic and secondary education, enrolled in 15 schools located in the
same district under the CAP supervision. A registration chart was made in order to organize
the information gathered by means of documentary analysis. To conduct the interviews, we
employed a guide which, generically, deals with matters connected to the etiology, the early
diagnosis, and the rehabilitation of dyslexia. The results of the present study indicate that
more boys have a diagnosis of dyslexia than girls, the diagnosis were made not soon enough,
mainly in what concerns to older students, some heterogeneity in the use of evaluation
instruments in the several cases, and some difficulty in structuring specific and educational
measures directed to this matter. Thus being, we present several considerations connected to
the need of an earlier diagnosis, a larger sensitization and an adequate preparation of the
several technicians involved in the process of diagnosis and intervention. We also present
several suggestions to be considered in future studies as to allow a wider and more complete
study of this matter.
Key words: learning disabilities, dyslexia, evaluation, intervention.
V
Índice
Introdução 1
Capítulo I – Dificuldades de aprendizagem específicas 2
Dislexia: O conceito 6
Avaliação das dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita 8
Intervenção nas dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita 16
Capítulo II - Metodologia 21
Objectivos e questões 21
Procedimentos 21
Amostra 22
Instrumentos 23
Capítulo III – Apresentação e discussão dos resultados 24
Dados recolhidos através da consulta de documentos 24
Caracterização do grupo de alunos com dislexia 24
A avaliação da dislexia 27
A reabilitação da dislexia 30
Dados recolhidos através da realização de entrevistas 33
Caracterização da população disléxica 33
Critérios e instrumentos utilizados na avaliação 33
Medidas e técnicas adoptadas na reabilitação 34
Conclusão 36
Bibliografia 39
Anexos 42
VI
Lista de quadros
Quadro 1 – Amostra 22
Quadro 2 – O Diagnóstico em referência à idade cronológica e ao ano de escolaridade 24
Quadro 3 – Instrumentos utilizados para o diagnóstico da dislexia 28
Quadro 4 – Provas relacionadas com a avaliação da leitura e da escrita 29
Quadro 5 – Medidas referenciadas nos PEI e relatórios 30
VII
Lista de figuras
Média da idade em que foi feito o diagnóstico por ciclo escolar 25
Média do ano de escolaridade em que foi feito o diagnóstico por ciclo escolar 26
1
Introdução
A aprendizagem da leitura é uma peça representada
por três actores. O actor principal é sem dúvida o
aprendiz e os outros dois a família e a escola.
(Morais, 1997, p.271)
Há algum tempo, vimos dedicando o interesse pelo estudo das dificuldades da leitura
e da escrita nomeadamente a dislexia, por constituirem dificuldades da aprendizagem
específicas, inibidoras do normal desenvolvimento escolar, que necessitam de uma pedagogia
diferenciada e de uma intervenção adequada (Cruz, 2009). De entre outras, estas dificuldades
são certamente responsáveis por um considerável insucesso escolar.
Para o insucesso escolar concorrem variáveis diversas, de entre as quais as
dificuldades de aprendizagem da leitura e da escrita são determinantes. Com referência aos
estudos de Matos (2009) as variáveis relacionadas com o insucesso escolar podem ser de
diversas naturezas, designadamente orgânicas (doenças congénitas do sistema nervoso
central, crónicas), perturbações do desenvolvimento (autismo, border line, síndrome de
asperger, perturbação de hiperactividade com défice de atenção), perturbações específicas da
aprendizagem (dislexia, disgrafia e discalculia). As perturbações do desenvolvimento causam
insucesso escolar através da disrupção específica nos processos cognitivos que estão na base
das aquisições académicas.
A mesma autora refere que a leitura é uma habilidade/competência não natural de
evolução da linguagem recente (existe há cerca de 5000 anos), logo, não determinada de
forma filogenética. Assim, ao contrário da linguagem falada, que é natural e aprendida por
todos os indivíduos da espécie de forma inconsciente, a leitura é um processo artificial,
ensinado explicitamente para ser aprendido de forma eficaz. Para que uma criança aprenda a
ler necessita de pré requisitos cognitivos íntegros, nomeadamente a cognição verbal, a
integridade do processamento fonológico, boa memória auditivo-verbal, memória visual,
lateralização definida e capacidade de manter a atenção.
No que toca à Dislexia, embora em Portugal não existam estudos de prevalência,
estima-se uma taxa de incidência em todo o mundo, entre 5 e 17,5% (Teles, 2004). Por outro
2
lado, Serra e Estrela (2007) referem estarem as dificuldades da leitura associadas a
dificuldades em outras áreas de aprendizagem, condicionando todo o percurso escolar.
Neste trabalho, debruçámo-nos sobre a problemática da dislexia, procurando articular
o estudo da arte com a prática educativa. Assim, o trabalho será organizado em três partes:
uma primeira parte abordando as dificuldades de aprendizagem específicas, o conceito a
avaliação e a intervenção em dislexia; uma segunda parte referente à metodologia da recolha
de dados; e, uma terceira parte onde fazemos a apresentação e discussão de resultados. O
estudo termina com uma conclusão onde se reunem os principais contributos bem como se
levantam sugestões para estudos futuros.
Capitulo I
As dificuldades de aprendizagem (específicas)
Importa porém definir dificuldades de aprendizagem o que não se torna tarefa fácil
dado constituir um conceito pouco consensual e muito controverso. Na opinião de Garcia
(1998), citado por Serra e Estrela (2007), as dificuldades de aprendizagem centram-se nos
processos implicados na linguagem e nos rendimentos académicos e a sua causa encontra-se
numa alteração emocional ou numa disfunção cerebral.
Também Lopes (2010) aborda as dificuldades que a falta de consenso acerca da
definição de dificuldades de aprendizagem e as consequências que daí decorrem para ajuizar
um diagnóstico e a partir dele atribuír ou não apoios especializados. Para este autor, o
conceito de dificuldades/problemas de aprendizagem é normalmente utilizado para sujeitos
que denotam uma significativa discrepância entre o que é esperado para a sua idade e aquilo
que é capaz de realizar em termos académicos. O termo tem vindo a ser utilizado para
crianças que apresentam um quociente intelectual normal mas que todavia apresentam
dificuldades numa determinada área, como por exemplo a matemática. No que toca à questão
da utilização de testes de QI para determinar as dificuldades de aprendizagem, o autor
considera que a contestação existente se prende com a circunstância, de entre outras, de
alunos que apresentam discrepância entre QI médio ou alto e baixa realização académica e
alunos que não apresentam discrepância que têm QI baixo e fraca realização académica não
se distinguem quer na realização académica nem em provas cognitivas que avaliam aspectos
fonológicos.
3
Para Correia (2004), a definição mais abrangente e mais consensual é a do National
Joint Committee of Learning Disabilities, que diz o seguinte: “Dificuldades de aprendizagem
é um termo genérico que diz respeito a um grupo heterogéneo de desordens manifestadas por
problemas significativos de aquisição e uso das capacidades de escuta, fala, leitura, escrita,
raciocínio ou matemáticas. Estas desordens, presumivelmente devidas a uma disfunção do
sistema nervoso central, são intrínsecas ao indivíduo e podem ocorrer durante toda a sua vida.
Problemas nos comportamentos auto-reguladores, na percepção social e nas interacções
sociais podem coexistir com as DA, mas não constituem por si só uma dificuldades de
aprendizagem. Embora as dificuldades de aprendizagem possam ocorrer concomitantemente
com outras condições de discapacidade (por exemplo, privacidade sensorial, perturbação
emocional grave) ou com influências extrínsecas (tal como diferenças culturais, ensino
inadequado ou insuficiente), elas não são devidas a tais condições ou influências .” (1994, pp
65-66).
Segundo o DSM-IV (2006), o conceito equivalente – Perturbações da Aprendizagem,
“são diagnosticadas quando o rendimento individual das provas habituais de leitura,
aritmética ou escrita for substancialmente inferior ao esperado para a idade, para o nível de
escolaridade ou para o nível intelectual. Os problemas de aprendizagem interferem
significativamente com o rendimento escolar ou com as actividades da vida quotidiana que
exigem aptidões de leitura, aritmetica ou escrita. …” (p. 49).
Segundo Correia (s.d.) “o termo dificuldades de aprendizagem serve para descrever
uma desordem de origem neurobiológica que tem como fundamento uma estrutura ou um
funcionamento cerebral diferentes. Esta desordem afecta a forma como a criança processa a
informação resultando em problemas quanto à sua capacidade de falar, escutar, ler, escrever,
raciocinar, rechamar informação, ou de fazer cálculos matemáticos…” (p. 2).
Mais recentemente, Correia (2007) propõe a sua definição de DA que lhe adiciona o
termo específicas no sentido de afastar a confusão que o termo provoca no nosso país, como:
“ … as DAE dizem respeito à forma como o indivíduo processa a informação – a recebe, a
integra, a retém e a exprime – tendo em conta as suas capacidades e o conjunto das suas
realizações. As dificuldades de aprendizagem específicas podem, assim, manifestar-se nas
áreas da fala, da leitura, da escrita, da matemática e/ou da resolução de problemas,
envolvendo défices que implicam problemas de memória, perceptivos, motores, de
linguagem, e/ou metacognitivos. Estas diculdades, que não resultam de privações sensoriais,
deficiência mental, problemas motores, défice de atenção, perturbações emocionais ou
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sociais, embora exista a possibilidade de estes ocorrerem em concomitância com elas, podem
ainda, alterar o modo como o indivíduo interage com o meio envolvente”(p. 8).
No que toca às dificuldades de aprendizagem específica, constata-se que a definição
avançada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 33/2009/M no seu artigo 6.º i), baseia-se em
parte na definição de dificuldades de aprendizagem, enunciada pelo Comité Nacional
Americano de Dificuldades de Aprendizagem, atrás referida. Segundo este diploma,
Dificuldades de Aprendizagem Específica (DAE) é uma:
“expressão que se refere a um grupo heterogéneo de perturbações, manifestada por
dificuldades significativas na aquisição e uso da compreensão auditiva, linguagem verbal e
não verbal, raciocínio ou habilidades matemáticas; estas dificuldades são intrínsecas e
presumivelmente devem-se a disfunções do sistema nervoso central que normalmente
acompanham o indivíduo ao longo da vida; são consideradas dificuldades de aprendizagem
específicas: a dislexia, a disgrafia, discalculia, disortografia, dispraxia, problemas de
percepção visual e problemas de memória.”
Todavia também neste conceito, de DAE surge a dificuldade de obter consensos,
dificuldade que para Serra e Estrela (2007) reside na sinalização insuficiente, na
consequência do diagnóstico, na etiologia nebulosa onde convergem diversos factores
biossociais. Recentemente numa linha mais neurológica, Deahenne (2007) sugere que o
cérebro dos disléxicos apresenta uma certa desorganização do lobo temporal, sendo a sua
activação no decurso da leitura insuficiente, verificando-se também uma subactivação do
córtex frontal inferior esquerdo (região de Broca) durante a leitura. Por outro lado,
comprovou uma forte componente genética implicada e quatro genes de susceptibilidades
foram identificados (O gene DYX1C1 no cromossoma 15, os genes KIAA0319 e DCDC2 no
cromossoma 6 e o gene ROBO1 no cromossoma 3).
A aprendizagem da leitura é uma das aprendizagens mais importantes na medida que
é a chave que permite o acesso a todos os saberes. Segundo Teles (2004) a leitura e a escrita
são formas de processamento linguístico sendo a aprendizagem da leitura uma competência
complexa que no entanto é acessível à maioria das pessoas. Todavia, um número
considerável de pessoas manifesta dificuldades na aprendizagem da leitura, não obstante
possuir um nível de inteligência médio.
Para que a leitura se verifique e se processe a informação, torna-se necessária a
existência de um conjunto sistémico de competências cognitivas tais como a atenção,
percepção e memória, sendo fundamental a correlação entre a habilidade fonológica e a
aprendizagem da leitura. A consciência fonológica (conversão de grafemas em fonemas) é
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essencial para a aprendizagem da leitura uma vez que por regra, a cada letra do alfabeto
corresponde um fonema.
Segundo Fonseca (2004) citado por Serra e Estrela (2007), a leitura é um processo
complexo, envolvendo a linguagem, a psicomotricidade, a percepção auditiva e visual, o
comportamento emocional, a cultura, o nível socio-económico, entre outros, sendo que a
linguagem escrita é entendida como a extensão da linguagem oral e para que ocorra
adequadamente torna-se necessário que o sujeito perceba correctamente os sons durante a sua
produção.
Não existe uma teoria compreensiva sobre a aquisição da leitura que integre
coerentemente as várias dimensões psicológicas, sociais e pedagógicas investigadas ao longo
das últimas décadas (Ribeiro, 2005). Existem modelos desenvolvimentistas de leitura que
defendem que este ocorre numa série de etapas e outros modelos compreensivos de leitura
que percepcionam esse desenvolvimento como um processo contínuo.
Encontramos em Deahenne (2007) que a leitura apela aos mecanismos neuronais da
visão, localizados no córtex temporal inferior que não mudaram ao longo da evolução do
homem. Colectivamente estes neurónios formam um alfabeto de formas elementares, cujas
combinações são capazes de representar qualquer objecto, respondendo mesmo a formas
próximas de letras como, por exemplo, o T, o Y e o L, sendo essenciais no contorno de
objectos. Segundo o mesmo autor e admitindo a hipótese da “reciclagem neuronal”, logo que
aprendemos a ler, uma parte desta hierarquia neuronal, converte-se a fim de reconhecer a
forma das letras e das palavras.
Para Coltheart (2005), citado por Carreteiro (2007), existem três fases essenciais pelas
quais as crianças passam no processo de aprendizagem da leitura: a) fase da discriminação-
rede em que a criança tende a identificar as palavras de acordo com as características do
estímulo (associação do tamanho da palavra ao tamanho do objecto); b) fase da recodificação
fonológica em que a criança começa a aprender a relação entre as letras e os respectivos sons;
e c) fase do reconhecimento das palavras como um todo ou seja, aprender a aceder rápida e
automaticamente a entradas do léxico a partir da palavra impressa.
No que toca aos modelos de leitura existem diversos que procuram explicar o
respectivo processo. Todavia existe algum consenso de que o sistema de leitura apresenta
basicamente duas formas bem diferentes de leitura. O modelo de dupla via – uma dita
fonológica ou não lexical que opera através da correspondência grafema - fonema e a outra
denominada lexical, visual, ortográfica, ou acesso directo (Carreteiro, 2003; Siegel, Share, &
Geva, 1955, citados por Carreteiro, 2007).
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Segundo Sim-Sim (2001), a aprendizagem da leitura, porque esta não faz parte da
nossa herança evolucionária (invenção cultural com apenas 5.000 anos de existência) é um
processo complexo e demorado que exige motivação, esforço e treino por parte de quem
aprende e constitui um desafio estimulante para quem ensina, sobretudo se o formador
interiorizar o efeito catalisador de que dispõe ao proporcionar um melhor conhecimento da
língua que dá acesso ao património escrito, que constitui um arquivo vivo da experiência
cultural, científica e tecnológica da humanidade, legado por diferentes épocas e sociedades.
Dislexia: O conceito
Da revisão da literatura, a dislexia é uma dificuldade de aprendizagem da leitura
desproporcionada que não pode ser atribuída a um défice cognitivo, sensorial, ou a um
ambiente familiar e escolar desfavoráveis (Dhaene; 2007; Farrel; 2008; Rocha, 2008).
Segundo Marceli (2005) a dislexia “ caracteriza-se por uma dificuldade em adquirir a
leitura na idade habitual, sem que haja qualquer debilidade sensorial, associando-se
dificuldades de ortografia” (p.150).
Para Critchlei (1970), citado por Torres e Fernandez (1997), trata-se de “uma
perturbação que se manifesta na dificuldade em aprender a ler, apesar de o ensino ser
convencional, a inteligência adequada, e as oportunidades socioculturais suficientes. Deve-se
a uma incapacidade cognitiva fundamental, frequentemente de origem constitucional” (p.11).
Outra definição pertence à Associação Portuguesa de Dislexia, referida por Rocha
(2008) e diz que a dislexia é “uma dificuldade duradoura da aprendizagem da leitura e
aquisição do seu automatismo em crianças inteligentes, escolarizadas, sem quaisquer
perturbações sensoriais e psíquicas já existentes” (p.42).
Após a revisão da literatura verificamos que, se por um lado, existem várias
definições de dislexia, por outro, também existem diversos tipos de dislexia. Por exemplo,
consultando Carreteiro (2007) encontramos vários tipos:
a) Dislexia profunda: os pacientes apresentam lesões no hemisfério esquerdo,
traduzindo-se no cometimento de erros semânticos na leitura em voz alta (por exemplo,
mala/pasta; canário/papagaio); também cometem erros visuais, como angel/angle e
morfológicos, designadamente quando uma palavra é derivada por prefixação ou sufixação, a
raiz da palavra é lida correctamente mas o prefixo ou o sufixo é lido de forma errada;
palavras funcionais como “e” ou “ou” apresentam índices de leitura pobre; as pseudopalavras
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não são lidas; a escrita e o soletramento podem estar comprometidos. Todas as dislexias
profundas têm origem em lesões cerebrais (dislexias adquiridas). Também podem ocorrer
erros visuais (são/pão; maqueta/maleta). Trata-se de dificuldades provavelmente devidas,
pelo menos em parte, à impossibilidade de evocar a imagem mental baseada na experiência
sensorial (forma, textura, cor, etc.). Do ponto de vista do modelo de leitura com duas vias, os
sujeitos são incapazes de utilizar a via fonológica – conversão grafema em fonema (o que
impede a leitura das palavras desconhecidas e das pseudopalavras). Alguns autores admitem
também o comprometimento da via semântica devido à deterioração das representações na
memória semântica;
b) Dislexia fonológica: ocorrem os chamados erros semânticos e dificuldade na leitura
de palavras desconhecidas e pseudopalavras. Trata-se de uma lesão funcional da via
fonológica, sendo a via semântica preservada;
c) Dislexia ortográfica: a leitura não apresenta as dificuldades anteriores, pois os
sujeitos lêem ao mesmo nível palavras frequentes, pouco frequentes e pseudopalavras e
apresentam maior facilidade na leitura das palavras que se lêem tal como se escrevem e
menos facilidade nas que se lêem de forma diferente da escrita como por exemplo em
“guitarra” em que o “u” não se lê.
Carvalhais e Silva (2007) centram-se na distinção entre dislexia adquirida e dislexia
de desenvolvimento, sendo que a primeira também conhecida por alexia resulta da perda de
capacidade para descodificar e compreender a linguagem escrita, em consequência de uma
lesão cerebral. Quanto à segunda dislexia – de desenvolvimento, estes autores adoptam, entre
outras, a definição da International Dyslexia Association (IDA) que refere:
“…um distúrbio específico da linguagem de origem constitucional e caracterizada por
dificuldades na descodificação de palavras isoladas, usualmente reflectindo insuficientes
competências de processamento fonológico. Estas dificuldades são inesperadas em relação à
idade e a outras capacidades cognitivas e académicas. A dislexia manifesta-se em múltiplas
dificuldades em diferentes formas de linguagem e inclui juntamente com os problemas de
leitura, problemas na aquisição de proficiência na escrita e ortografia (tradução a partir de
Orton Dyslexia Society Research Committee, 1994).”
No que concerne à etiologia da dislexia, Carvalhais e Silva (2007) apontam para
teorias cognitivas, de base neurobiológica, teorias genéticas e hereditárias. Para a
compreensão de uma desordem de base neurológica com origem genética, invocam os
autores estudos de Fisher e DeFries (2002) que verificaram a incidência da dislexia entre
gémeos monozigóticos de 68% e em dizigóticos de cerca de 8%. Explicam ainda como causa
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da dislexia de desenvolvimento o défice fonológico consubstanciado na dificuldade de
segmentação fonológica e dificuldades no processamento visual dos grafemas.
Também no que respeita à etiologia da dislexia e numa perspectiva neurológica,
Dehaene (2007) faz referência ao facto de praticamente todos os estudos de imageologia
cerebral apontarem para uma sub-activação da região temporal posterior esquerda do cérebro
dos disléxicos, observada nos adultos e também nas crianças dos 8 aos doze anos, o que
nestes e em função da amplitude da referida sub-activação pode predizer a severidade das
dificuldades da leitura. Também o córtex frontal inferior esquerdo (região de Broca) dos
disléxicos é frequentemente sub-activado durante a leitura e outras tarefas fonológicas.
Ainda numa perspectiva neurológica, Horwitz, Rumsey e Donohue (1998) referem
em homens com dislexia de desenvolvimento, a existência de uma conexão disfuncional entre
o giro angular esquerdo e outras regiões visuais do hemisfério esquerdo, designadamente a
área de Wernicke e a zona do córtex frontal inferior, o que não acontece com os
normoléxicos.
Importa referir uma posição marcadamente diferente da neurológica, que não busca na
organicidade as causa da dislexia. Referimo-nos a Lopes (2010) que considera estranho que
se atribua uma origem orgânica a um produto cultural – a escrita, que é recente na história da
humanidade. Refere o autor que noutras habilidades nem todos têm as mesmas competências,
caso contrário falaríamos de “dismusia” para quem não aprende a tocar um instrumento
musical ou “disbasquetebolia” para quem tem dificuldades no basquetebol. O mesmo autor
compara as maiores taxas de incidência da dislexia na Inglaterra ou nos Estados Unidos com
as menores em Portugal Espanha e Finlândia concluindo que não pode haver uma explicação
que se prenda com uma maior vulnerabilidade neurológica das crianças dos primeiros países,
mas tão só as dificuldades inerentes à complexidade das línguas (No Inglês há 44 fonemas,
no Castelhano 35). No que se refere aos estudos de imageologia funcional que demonstram
uma sub-activação neuronal dos disléxicos durante a leitura, o autor contrapõe os resultados
de um programa de treino intensivo da leitura de Blachman (2004) em que antes da
intervenção os alunos mostravam uma menor activação das áreas do hemisfério esquerdo
associadas à leitura do que depois da intervenção.
Avaliação das dificuldades da aprendizagem da leitura e da escrita
Tendo em conta o conceito de Dislexia, ou seja, uma dificuldade desproporcionada da
aprendizagem da leitura que não se pode explicar por um atraso mental, nem por um défice
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sensorial, nem por um ambiente social ou familiar desfavorável, a avaliação deve contemplar
os seguintes parâmetros: história clínica (despiste sensorial - visão e audição); capacidades
cognitivas; percurso da aprendizagem (ambiente familiar e escolar); competências de leitura e
escrita.
Variados estudos apontam ser possível verificarem-se progressos perante as
dificuldades de leitura, desde que ocorra uma sinalização precoce, a realização de
diagnósticos precisos e uma intervenção com programas adaptados ao tipo de problemática
(Fayol, David, Dubois & Rémond, 2000 citados por Ribeiro, 2005). Porém, um problema
vem subsistindo, designadamente a falta de provas adaptadas à população portuguesa que
permitam descrever e prever dificuldades ao nível da aprendizagem da leitura (Ribeiro,
2005).
Também no que toca à precocidade da avaliação com vista à intervenção urgente,
Lopes (2010) refere, que infelizmente, raramente é observada e até algumas vezes hostilizada
com o fundamento da estigmatização o que considera um falso argumento pois julga que
nunca pode prejudicar pois não se trata de uma “overdose” de medicamentos mas quanto
muito uma “overdose” de ensino, considerando sim um diagnóstico mais tardio de dislexia,
esse sim será algo estigmatizante. O autor refere ainda no que toca aos instrumentos de
avaliação que os mesmos se devem pautar por critérios de validade e fiabilidade e comenta o
surgimento em Portugal, nos últimos anos de algumas provas com propriedades
psicométricas aceitáveis, mas considera-as manifestamente insuficientes.
Todavia, a precocidade do despiste está condicionada pela necessidade das crianças
submetidas às necessárias provas possuírem algumas competências de leitura o que
normalmente só se verifica no fim do 1.º ano de escolaridade (7/8 anos). Porém, para
minimizar aquela dificuldade poder-se-á procurar avaliar precocemente dificuldades na
consciência fonológica como é disso exemplo uma investigação/acção (longitudinal), em
curso na RAM, “Do berço às Letras”, com a colaboração, entre outros, da Professora Doutora
Margarida Pocinho, com os seguintes objectivos: Diagnosticar, em crianças com 5 anos de
idade e que frequentam estabelecimentos de educação pré-escolar da RAM, os seus níveis de
consciência fonológica; Formar educadores, na área do desenvolvimento da prevenção
precoce das dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita, nomeadamente no diagnóstico
e na aplicação de programas específicos de desenvolvimento da consciência fonológica;
Implementar um programa de treino da consciência fonológica e estudar os efeitos da
aplicação deste programa, no final do 1.º ano de escolaridade, existindo já resultados
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significativos ao nível da leitura e menos significativos no que se refere à escrita (Pocinho &
Correia, 2008).
Encontramos em Shaywits (2006) um alerta para certos indícios a que é preciso estar
atento, designadamente um atraso na fala, as dificuldades na pronúncia (o que se chama a
“conversa de bebé”, por volta dos 5/6 anos), não falar os sons iniciais das palavras e inverter
sons das palavras.
A avaliação psicológica neste contexto, deve contemplar a avaliação das capacidades
cognitivas, sendo instrumentos indicados as matrizes progressivas de Raven (Raven, 2001) e
a WISC-III (Wechsler, 2006) sendo que, a partir do QI poder excluir-se o nível cognitivo
como causa do fracasso na leitura e na escrita (Torres & Fernandez, 1997). Contudo, nos
trabalhos de Ribeiro (2005) encontramos referência aos trabalhos de Thomson (1992) em que
o desempenho de disléxicos na WISC-R aponta para desempenhos baixos em “aritmética”,
“memória de dígitos” e “códigos”. Também Rebelo (1993), citado por Ribeiro (2005) aponta
para baixos resultados nos subtestes de informação, código, vocabulário, aritmética e dígitos.
No que toca aos processos perceptivos, designadamente a percepção visuomotora,
podemos utilizar o teste neurológico “BENDER” (Bender, 2007), sendo assim possível
avaliar a integridade do sistema visuoespacial na organização dos estímulos (Torres &
Férnandez, 1997).
No que se refere à avaliação dos processos lexicais ou de reconhecimento de palavras,
distinguem-se duas formas – a via léxical, visual ou directa e a via não léxical, fonológica ou
indirecta (já referidas a propósito da via dupla da leitura). Para tal utiliza-se a leitura em voz
alta de palavras isoladas (para evitar o seu reconhecimento no contexto). Com referência aos
estudos de Ribeiro (2005) devem ainda realizar-se a avaliação dos processos sintácticos com
recurso à avaliação da memória a curto prazo, funcionamento das chaves simbólicas e
correcção de orações; e, avaliação dos processos semânticos, com recurso a medidas em
tempo real e medidas em tempo diferido.
No que respeita aos instrumentos utilizados no despiste das dificuldades na
leitura/dislexia e face à inexistência de provas aferidas à população portuguesa, recorre-se
com frequência às chamadas provas informais. Todavia existem provas que estão a ser
objecto de estudo (ainda não aferidas) e que podem dar algum contributo. A este propósito
Sim-Sim e Viana (2007) elencam um conjunto de 18 provas analisadas cujos resultados são
os seguintes: 12 provas sem estudos de validação; duas provas com a validação circunscrita á
região de Lisboa (uma das quais é a PADD, a seguir descrita); duas provas com amostra
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limitada e não representativa; uma prova com amostra de conveniência; uma prova sem
resultados normativos.
A PADD – Prova de análise e despiste da dislexia da autoria de Carreteiro (2005),
que é constituída por quatro subtestes: a) Consciência articulatória – que pretende analisar a
sensibilidade do sujeito no que se refere à articulação dos órgãos fonéticos na produção da
unidade formal e abstracta dos sons (fonema); b) Consciência fonética – que pretende
analisar a sensibilidade do sujeito para o fonema, através da subtracção de fonemas, fusão de
fonemas e inversão de fonemas; c) Leitura de palavras (palavras curtas e frequentes, palavras
curtas pouco frequentes, palavras compridas frequentes, palavras compridas pouco
frequentes, pseudopalavras curtas e pseudopalavras compridas). Cada uma destas listas
apresenta duas colunas, uma para as palavras regulares e outra para as palavras irregulares; d)
Memória auditiva, com carácter suplementar, fundamentado no subteste da memória de
dígitos de Wechsler que pretende verificar eventuais deficiências ao nível da memória
auditiva que influenciem negativamente a leitura. A amostra de validação desta prova foi
constituída apenas por crianças da região de Lisboa.
A PROLEC-R – Bateria de Avaliação dos Processos de Leitura, da autoria de Cuetos,
Rodriguez, Ruano e Arribas (2007), adaptada à língua portuguesa (Carreteiro, 2007), cujo
objectivo é avaliar os processos de leitura mediante nove índices principais (nome de letras,
igual-diferente, leitura de palavras, leitura de pseudopalavras, estruturas gramaticais, sinais de
pontuação, compreensão de orações, compreensão de textos e compreensão oral) e três
índices secundários (precisão, velocidade e habilidade leitora). Esta prova não está validada.
Viana (2002), construiu uma prova – Teste de Identificação de Competências
Linguísticas (TICL) com o objectivo de identificação das competências linguísticas,
analisando o seu contributo para identificar crianças em risco de aceder à leitura, avaliando
também o papel da educação pré-escolar enquanto facilitadora do futuro acesso à leitura. Este
estudo surge no seguimento da tradução e adaptação de uma prova oriunda dos E.U.A., o
Bankson Language Screening Test (Bankson, 1977). O T.I.C.L.( publicado pela Edipsico em
2004) é uma prova destinada a crianças dos quatro aos seis anos, de linguagem expressiva
que pretende identificar quatro varáveis das competências linguísticas: a) o conhecimento
lexical; b) o domínio das regras morfológicas básicas; c) a memória auditiva para material
verbal; d) a capacidade para reflectir sobre a linguagem oral. O teste é composto por 129
items, distribuídos pelas seguintes partes: conhecimento lexical, regras morfológicas,
memória auditiva e reflexão sobre a língua/reconhecimento global de palavras.
12
Também a partir da PROLEC (versão espanhola de 2000), Viana, Pereira e Teixeira
(2003) adaptaram à língua portuguesa a prova que denominaram PROCOMLEI que pretende
avaliar a compreensão leitora de crianças que frequentam o 1.º ciclo de escolaridade (com
idades compreendidas entre os 6 e os 10 anos). A prova avalia capacidades como a
identificação de letras, identificação de palavras, identificação de unidades frásicas de
significado, a localização de informação e a inferência de informação. É constituída por três
partes, designadamente, processos perceptivos e processos léxicos, processos sintáctico-
semânticos e processos de identificação e de inferência de informação textual. Trata-se de um
instrumento em fase de reformulação com vista á sua validação.
Carvalhais (2010), para a sua tese de doutoramento, construiu a Bateria de Avaliação
da Dislexia de Desenvolvimento. No seu estudo analisam-se os processos implicados na
aprendizagem da leitura e da escrita e os processos afectados em crianças disléxicas (de
desenvolvimento), designadamente a consciência fonológica, memória fonológica de
trabalho, leitura e velocidade, escrita sob ditado, cálculo matemático, compreensão de frases,
memória de curto e longo prazo e sequências. Refere a autora, a este propósito, a carência em
Portugal de testes estandardizados e validados para a população portuguesa, ao contrário do
que acontece em outros países como os E.U. a Inglaterra e a França. A bateria, contudo é
considerada um instrumento válido, face aos bons resultados obtidos, e é constituída pelos
seguintes subtestes: consciência fonológica, reconhecimento de palavras, velocidade, leitura
de pseudopalavras, escrita sob ditado, compreensão leitora, cálculo matemático, esquerda e
direita, nomeação e nomeação invertida de meses, repetição de dígitos (ordem directa e
invertida).
Segundo Carpeli, Germano e Cardoso (2008), para a formação de uma representação
fonológica adequada existe uma relação entre habilidades auditivas e fonológicas, o que
sugere que os processos auditivos interferem na percepção dos sons, quer nos aspectos
acústicos, temporais e sequenciais. De acordo com o mesmo estudo os alunos com dislexia de
desenvolvimento apresentam dificuldades de atenção, codificação, organização e integração
de informações auditivas que põem em causa a utilização de habilidades fonológicas,
designadamente a atenção, análise, síntese e memória de trabalho.
Lopes (2010), preconiza uma avaliação por áreas, para as dificuldades de
aprendizagem, em função do ano e ciclo de escolaridade. Assim, consoante o ano escolar
(pré-escolar, 1.º e 2.º ano do 1.º ciclo e 3.º e 4.º ano do 1.º ciclo) defende tês grelhas distintas
de avaliação em que todas têm em comum um primeiro passo – a entrevista com os pais com
vista a apurar a história de desenvolvimento da criança e o seu percurso escolar e diversas
13
provas, designadamente: de nomeação e definição verbal (Sim-Sim, 1997); de avaliação da
consciência fonológica através da prova de rimas (Lopes, 2003); de síntese e análise
fonológica (Sim-Sim, 1997); de linguagem técnica da leitura/escrita (Martins, 2000); de
velocidade de acesso ao léxico (Viana, 2002); e de definição verbal (Rebelo, 1993).
No que toca à avaliação das dificuldades de escrita, Festas, Martins e Leitão (2007)
propõem um modelo psicolinguístico que permite uma análise detalhada das dificuldades que
ultrapasse as limitações dos exames mais clássicos que não fornecem, segundo os autores,
qualquer elemento relativo aos processos e componentes particulares que estão na origem das
dificuldades. O modelo proposto é fundamentado numa arquitectura cognitiva sólida,
realçando a singularidade da escrita no conjunto das actividades linguísticas. A prova – PAL-
PORT – apresenta três testes que analisam diferentes vias e processos implicados na escrita.
Um dos subtestes exige a repetição de pseudopalavras ouvidas, incidindo sobre a conversão
auditivo-fonética e sobre a activação das unidades fonológicas no buffer de saída avaliando
assim um dos dois processos sublexicais que intervêm na escrita. O subteste de ditado avalia
a conversão fonema/grafema permitindo averiguar a integridade da via lexical,
designadamente o léxico ortográfico de saída. No que toca à intervenção do léxico semântico
na activação da forma ortográfica da palavra utilizam o subteste da escrita de nomes
representados por gravuras. Os autores consideram a prova capaz de mostrar uma ideia clara
dos pontos fortes e fracos dos diversos circuitos e dos processos específicos do indivíduo que
experimenta esta dificuldade específica.
A memória abrange os processos de aquisição de novas informações e corresponde à
persistência, à retenção das informações ou dos conhecimentos adquiridos através da
aprendizagem ao longo da vida. Envolve a codificação (tratamento da informação), o
armazenamento e a recuperação (Fiori, 2009).
Para Viana (2002) a memória humana utiliza diversos códigos que permitem a
representação interna das informações do mundo exterior, podendo estes códigos ser visuais,
fonológicos ou semânticos. Desta feita, uma criança para nomear uma figura, transforma o
estímulo visual no seu equivalente fonológico. Porém, no que toca à leitura o acesso ao léxico
é mais complexo, pois a partir da representação ortográfica torna-se necessário criar um meio
que permita o acesso ao léxico interno (considerando o modelo de leitura da dupla via,
referimo-nos à via lexical/ortográfica). No processamento fonológico é a memória de
trabalho que intervém na manutenção da informação fonológica por breves períodos de
tempo. Também a memória de trabalho tem um papel importante na actividade cognitiva,
14
permitindo a retenção da informação pelo tempo necessário à activação dos códigos
previamente armazenados.
Serra e Vieira (2006) associam a problemática do erro ortográfico a uma memória
auditiva e visual fracas, confirmado por testes de memória de curto prazo (sistema de
armazenamento e tratamento de informação que intervém durante as fases aprendizagem,
raciocínio e de compreensão, cujo armazenamento permite alcançar um objectivo de longo
prazo) em que a amplitude da memória é inferior para o nível etário em crianças
disortográficas. Segundo as autoras citando Pinto (1997) a memória de curto prazo ou
memória de trabalho é limitada em termos de número de items armazenados (capacidade de
sete mais ou menos dois), em termos de duração dos items e em termos de recursos mentais
para executar operações da MCP. Para estas autoras o erro ortográfico tem várias tipologias
(fonológicos, morfológicos, de sintaxe e lexicais).O sistema nervoso das crianças com esta
dificuldade, não recebe, não organiza, não armazena e não transmite informação visual,
auditiva e quinestésica do mesmo modo que as crianças sem esta dificuldade. Ocorrem com
frequência distorções de ordem, omissões de palavras, erros de concordância
masculino/feminino e plural/singular, utilização incorrecta de tempos verbais, de entre outras
falhas na transcrição das palavras. Os processos cognitivos implicados na escrita e dado que
esta é uma forma visual e concomitantemente fonológica o respectivo processo, tal como o da
leitura, adopta geralmente a teoria do duplo canal (como referido anteriormente a propósito
da revisão teórica sobre a leitura): a via fonológica (marcada pela regularidade e garantindo a
escrita de palavras reais, conhecidas ou não, de pseudopalavras, inadequada para palavras
regulares) e a via visual ou lexical (apoiada no léxico grafémico, utilizada para palavras
conhecidas e frequentes regulares e irregulares e inadequada para pseudopalavras).
Segundo Carvalhais (2010) a memória intervém de forma acentuada nos processos de
leitura e escrita e isto no que toca à descodificação, armazenamento, compreensão e
produção. A memória de trabalho, entendida como a capacidade de armazenamento e
processamento simbólico da informação, tem um papel fulcral no que se refere à
compreensão textual pelo que no que diz respeito ao campo de leitura, a memória de trabalho
permite ao leitor armazenar informação lida recentemente, estabelecendo-se relações
coerentes e relacionando essa informação com a que estava armazenada na memória de longo
prazo. Também aquilo que se denomina de processos sublexicais, como analisar um grupo de
grafemas, implicam a memória de trabalho, uma vez que a informação fonológica deve ficar
retida. Por outro lado, ler, implica a procura de palavras análogas o que necessariamente
apela à memória de trabalho. Para a mesma autora, a escrita também envolve a memória de
15
trabalho para a retenção da informação e subsequente manipulação dos seus constituintes.
Assim, os diferentes mecanismos lexicais envolvem diferentes tipos de retenção, seja no grau
em que o fonema se relaciona com cada grafema, seja na retenção da informação que associa
grafemas para formar palavras, seja ainda no que se refere à informação contextual das
palavras que permitem saber o significado específico. Cita a autora um estudo de Torgen e
Houk (1980) que comparou resultados de testes de memória de dígitos aplicados a crianças
disléxicas, verificando-se que a diferença dos resultados não se relacionavam com falta de
esforço ou de estratégias de memorização mas antes com o tipo de material utilizado na
memorização, designadamente, se o mesmo já era conhecido das crianças era memorizado
com mais facilidade em comparação com palavras desconhecidas. Também cita a mesma
autora, Oakhiill (1998), que resume que vários estudos apontam para o facto de a diferença
entre os bons e maus leitores estar relacionada com a eficiência do código fonológico na
memória de trabalho. Menciona ainda que a memória de curto prazo pode ser avaliada
através da Wechsler Inteligence Scare for Children (WISC), através do subteste da memória
de dígitos que consiste na repetição pela ordem directa e inversa de sequência de números.
Para a memória de longo prazo preconiza-se a nomeação de conteúdos verbais,
designadamente números, letras meses e cores.
Alternativamente, descrevem-se e sugerem-se outras provas de memória tais como:
A PMI4-Prova de memória imediata, (Sá, 2006), que utiliza estímulos visuais e que
possibilita a avaliação das capacidades mnésicas sendo constituída por quatro provas que
envolvem a memorização de estímulos múltiplos de cores e palavras, memorização de texto,
memorização de dígitos e memorização de figuras, cores e localizações. Trata-se de uma
prova aferida à população portuguesa de aplicação individual por computador e que fornece
quatro indicadores: memória discriminativa, memória de texto, memória de números e
memória de localização espacial;
Preconiza-se ainda a Tomal – Teste de memória e aprendizagem da autoria de
Reynolds e Bigler (1994), com adaptação espanhola de Goikoetxea (2001) que avalia
diversos aspectos da memória verbal e não verbal e da aprendizagem e que inclui subescalas
de memória de histórias, memória de caras, recordação selectiva de palavras, recordação
selectiva visual, recordação de objectos, memória visual abstracta, dígitos em ordem directa,
memória sensorial visual, recordação de pares, memória de lugares, imitação manual, letras
em ordem directa, dígitos em ordem inversa e letras em ordem inversa.
16
Intervenção nas dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita
Pese embora a inexistência de respostas empiricamente validadas relativamente ao
melhor tipo de intervenção para os diversos tipos de dificuldades especificas das crianças, é,
todavia certo, que a eficácia da intervenção está associada à avaliação da precocidade da
mesma (Ribeiro, 2005). Por outro lado, e no que se refere concretamente à dislexia e porque
existem diversos tipos da mesma, não se pode optar por uma intervenção única, pois cada
intervenção deve ser orientada à individualidade de cada aluno (Ribeiro, 2005).
Uma questão a ter em conta prende-se com o quadro psicológico que normalmente as
crianças com dificuldades de leitura e escrita, podem apresentar designadamente,
desequilíbrio afectivo, sentimentos de inferioridade, timidez, baixa auto-estima, ansiedade,
agressividade, falta de colaboração (Rocha, 1991, citado por Ribeiro, 2005). Assim, torna-se
fundamental uma intervenção individualizada e específica que tenha em consideração estes
aspectos, sendo que outro aspecto relevante, prende-se com dificuldades que podem estar
relacionadas com a percepção visuo-motora pelo que poderá ser importante intervir no
esquema corporal, da lateralidade e da orientação espácio-temporal.
Teles (2008), propõe o método fenomínico (fonético e multidimensional) que visa o
desenvolvimento de competências fonológicas e reeducação da leitura e da escrita. Partindo
da letra prepara-se a criança para o correctivo necessário que consiste em privilegiar a relação
mais abstracta entre grafema e fonema. Introduz variações físicas na forma e na cor da letra
ou adiciona diacríticos, que abrem caminho à compreensão daquela relação abstracta.
A intervenção, para Matos (2009), deve ser baseada no treino fonológico associado à
reeducação da leitura com método fónico. Para a mesma autora os métodos globais
(puramente visuais, global clássico, método das 28 palavras) não produzem qualquer eficácia
na dislexia. A autora defende que quando uma criança chega ao fim do 2.º período do 1.º ano
de escolaridade sem saber as letras, ou sabendo-as não sabe ler algumas palavras ou sílabas,
deve ser sinalizada com vista a um diagnóstico precoce. Deve ter-se em atenção a tipologia
dos erros de leitura e escrita e se forem causados por confusão fonológica, a suspeição deve
ser alta. Já não se deve fazer o diagnóstico de dislexia quando os erros derivarem de confusão
visual pura.
Para Torres e Fernandez (1997) um programa de intervenção na consciência
fonológica deve ter como principais objectivos o seguinte: consciencializar o aluno para a
estrutura fonética da fala; desenvolver as habilidades de processamento fonológico essenciais
na aquisição de competências de leitura (sensibilidade fonológica, consciência silábica e
17
consciência fonémica); desenvolver a capacidade para explicitar segmentos sonoros da cadeia
falada ao nível das sílabas e dos fonemas; realizar actividades que desenvolvam a
discriminação, análise e síntese auditivas; promover a correspondência fonema-grafema;
desenvolver operações mentais inerentes ao uso da estrutura fonológica, permitindo uma
melhor aprendizagem e descodificação da língua no plano oral (leitura) e escrito.
Shaywitz (2006) defende que os pontos essenciais para uma intervenção consequente
envolvem o ensino sistemático no que se refere à consciência fonémica (perceber, identificar
e manipular os sons da linguagem oral); à fónica (como as letras e os grupos de letras
representam os sons da linguagem oral, descodificação das palavras-ortografia, leitura de
palavras à primeira vista, vocabulário e conceitos, estratégias de compreensão de leitura); à
prática na aplicação das habilidades de leitura e escrita; treino da fluência; e experiências
linguísticas enriquecedoras (ouvir e falar sobre diversos assuntos e contar histórias).
Serra e Alves (2008) propõem o desenvolvimento das competências da leitura e da
escrita através da recordação dos casos especiais da leitura, o completamento de frases e
palavras, a identificação de palavras pelo som inicial, escrita de palavras cruzadas, leitura de
frases com compreensão do sentido, ordenação de palavras e frases, percepção de elementos
estranhos à palavra, descoberta de palavras, recordar regras ortográficas, efectuar
crucigramas e distinguir palavras semelhantes.
Serra, Nunes e Santos (2010) desenvolveram um trabalho que pretende fornecer pistas
para uma intervenção educativa em alunos do 1.º e 2.º ciclos, com dificuldades específicas de
aprendizagem começando numa primeira parte pela avaliação/diagnóstico, que estabelece a
correlação entre as áreas básicas de desenvolvimento, as realizações académicas básicas e as
dificuldades de aprendizagem especificas supostas. Num segundo momento, estabelecem as
autoras o que denominam programa educativo individual, onde estabelecem uma série de
tarefas conducentes a atingir determinados objectivos nas áreas atrás aludidas. Num terceiro
ponto, sugerem provas informais de avaliação compreensiva de alunos com DEA.
Lopes (2010) propõe sessões de intervenção para alunos com dificuldades de
aprendizagem da leitura e da escrita que não devem ultrapassar os 45 minutos por sessão, 3 a
5 vezes por semana, e que devem ter lugar num período alargado de tempo. As sessões
devem ser compostas por tarefas como: leitura de texto em voz alta pelo professor; treino de
reconhecimento de letras, sílabas e palavras; escrita de letras, sílabas e palavras treinadas na
leitura; ensino de funções de sinais convencionais e demais conhecimentos da escrita;
iniciação à análise morfológica de palavras; treino de leituras repetidas, identificação rápida
de palavras do texto, constituição de palavras da mesma família (produção oral seguida de
18
escrita de palavras); produção e escrita de sinónimos e antónimos, perguntas de interpretação
(literal e inferencial) e resumo do texto por escrito.
Um estudo algo inovador de Paiva (2009) recorre às tecnologias de informação como
instrumento de intervenção terapêutico-pedagógica na dislexia e disortografia. Como é sabido
da literatura os alunos disléxicos fazem um esforço suplementar e muitas vezes penoso, em
relação aos normoléxicos, quando em contexto de reabilitação e mesmo meramente escolar
lhes são exigidas tarefas, muitas vezes rotineiras, de leitura e escrita (Fonseca, 1995). Para
estes alunos, constituem actividades concorrentes e normalmente do seu agrado e motivantes,
as que implicam a utilização do computador, designadamente para navegar na Internet e
sobretudo para conversarem em aplicações de “instant messaging”, que é um sistema que
permite, a dois ou mais utilizadores de computador, a troca de mensagens escritas em tempo
real. Segundo Bates (1995) citado por Paiva (2009) as novas tecnologias de informação
podem e devem ser utilizadas na promoção de situações de aprendizagem, nas quais os
estudantes tenham um papel mais activo e participativo. O estudo em apreço, partiu destas
constatações para criar um instrumento de intervenção terapêutico pedagógica à distância,
através de “instant messaging”, destinado a alunos com dislexia e disortografia do 1.º e 2.º
ciclos. O programa foi constituído por 10 sessões e os exercícios contemplaram: texto
seguido de questões interpretativas; formação de frases criativas onde foram dadas palavras
que obrigatoriamente constariam da frase; colocação de palavras no singular/plural ou
masculino/feminino; completamento de palavras com falta de letras; pesquisa de palavras no
dicionário; ordenação de palavras para formação de frases, sequenciação de palavras por
ordem alfabética; escrita de palavras com ditongos específicos.
As principais conclusões do estudo apontam para o seguinte: incremento da
motivação dos alunos para tarefas de reabilitação; aumento da motivação para a leitura e
escrita; não se verificou dificuldade na execução das tarefas uma vez que as mesmas eram
familiares porque idênticas às das sessões presenciais; os alunos foram pontuais, não
utilizaram abreviaturas nem calão e procuraram responder com frases completas e coerentes;
da análise dos dados não foi possível estabelecer correlação entre causa e efeito sobre a
diminuição de erros à medida que as sessões se desenrolavam e isto porque os aludidos erros
não seguiram nenhuma tendência, havendo sim alguma irregularidade; o estudo revelou um
aumento da autonomia dos alunos uma vez que tinham obrigatoriamente de percepcionar o
código linguístico para poderem executar as tarefas propostas; o autor considera que este tipo
de apoio não deve ser exclusivo mas antes complementar das sessões presenciais; por último
e no que toca à disgrafia considera-se que a escrita digital colmata esta dificuldade. Ocorre-
19
nos adiantar, que este método de “instant messaging” poderá incluir a vídeo conferência
através da Webcam o que poderia enriquecer o programa, aproximando o terapeuta/técnico
dos sujeitos e fornecendo códigos fonológicos audíveis.
Um estudo de Serra e Vieira (2006), partindo da premissa da possibilidade transversal
da “modificabilidade cognititiva estrutural” pretende confirmar a relação entre dificuldades
de expressão escrita, traduzida em quantidade de erros e uma memória de trabalho (auditiva e
visual) pouco desenvolvida e intervir em alunos com vista a melhorar a memória auditiva e
visual. Para tal desiderato avaliaram os alunos no que se refere à memória de curto prazo
tendo encontrado uma amplitude de memória abaixo da média esperada para a idade. De
seguida, passaram à intervenção através da aplicação de exercícios de memória visual em que
o aluno começa por ler o enunciado alto e deter-se de seguida na observação da ilustração,
registando na memória, sendo de seguida convidado a reproduzir as imagens observadas,
devendo o professor explicar o que se esperava da conclusão da tarefa que não tenha sido
conseguida. No que se refere aos exercícios tendentes a melhorar a memória auditiva, o
professor apresenta a sequência, ao ritmo de um por segundo, devendo para crianças de mais
ou menos 10 anos, começar por séries de quatro elementos até uma falha de 3 vezes
consecutivas. A avaliação final far-se-á pela comparação da média de erros dos primeiros 10
testes com a média de erros dos últimos 10 testes.
Verificamos que a intervenção nas dificuldades de leitura e escrita implicam um
correcto diagnóstico e que os professores e técnicos tenham conhecimento quer dos critérios
de diagnóstico quer das formas de reabilitação. Assim, parece-nos que ao nível da sinalização
e da intervenção importará alguma reflexão sobre as práticas nas escolas portuguesas. Por
exemplo, Cruz (2009) realizou uma investigação sobre a percepção do conhecimento pessoal
sobre a dislexia e sobre a articulação e actuação, ao nível das estratégias e actividades com
alunos disléxicos, designadamente com o professor titular da turma, num grupo de
professores das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) de uma escola básica do 1.º
ciclo da região do Porto. Nesta investigação verificou que os conhecimentos que os
professores das AEC(s) têm sobre a dislexia são claramente insuficientes; os professores das
AEC(s) e os professores titulares de turma conferem muita importância ao conhecimento
sobre a dislexia; a articulação docente é rara, mas há indicadores que revelam que os docentes
das AEC(s) desejam um trabalho colaborativo; o plano curricular de turma é um documento
importante de flexibilização curricular e um orientador da articulação docente e pedagogia
diferenciada; o contributo das AEC(s) na intervenção diferenciada em dislexia é deficitário.
20
Um outro exemplo chega-nos através de um estudo de caso sobre as consequências
sociais e emocionais da dislexia de desenvolvimento (Carvalhais & Silva, 2007). Este
trabalho teve como base duas entrevistas a uma criança portuguesa disléxica (denominada
“Joana”) e à sua encarregada de educação, de 9 anos de idade, a frequentar o 4.º ano de
escolaridade. Os aspectos que reputamos mais relevantes deste estudo são os seguintes: no
que toca à atitude dos docentes face às suas dificuldades, considerou a Joana que apesar de
entenderem o que é a dislexia, nunca a procuraram ajudar nem prepararam actividades
diferentes das dos demais colegas de turma; referiu que o professor do 1.º e 2.º ano de
escolaridade insultava os alunos e devido à dislexia nomeou-a de “estúpida” em voz alta,
aquando de um erro na execução de um exercício; considerou a “Joana” que o facto de ter
sido diagnosticada como disléxica não constituiu um problema, tendo servido para
compreender as dificuldades que evidenciava comparativamente com os seus colegas. A
discussão deste estudo aponta para os seguintes aspectos: a “Joana” não obteve da parte dos
docentes o apoio desejado, atribuindo-se o facto à falta de formação dos mesmos na área das
dificuldades da leitura e escrita.
No que respeita à visão da “Joana” face à dislexia, considera ter consciência das suas
dificuldades, encarando-as com naturalidade devido ao facto de terem sido diagnosticadas e
de ter tido apoio psicológico. De referir a relevância do diagnóstico precoce no caso da
“Joana”, circunstância que concorreu para evitar o insucesso escolar e assim evitar
sentimentos de inferioridade e fracasso tantas vezes associados a défices de auto-estima.
No que toca às relações entre a “Joana” e os professores, a mesma foi alvo de
discriminações, tratamento desadequado, negligência e humilhação e apesar disso reagiu bem
ao diagnóstico de dislexia e às dificuldades correspondentes. Os mesmos autores e com base
num seu estudo de 2006 a 25 professores do Ensino Básico em Portugal, consideram a
atitude dos professores face à dislexia, de resistência, pois apesar de considerarem a dislexia
de desenvolvimento um factor condicionante da progressão escolar dos alunos, poucos têm
formação para trabalhar com alunos disléxicos..
Concluem os autores que o estudo, embora sem possibilidades de generalização,
permite por um lado analisar comportamentos de uma criança disléxica em contexto familiar
e escolar, e por outro que o diagnóstico da dislexia de desenvolvimento mostra-se
fundamental, não tanto para rotular, mas fundamentalmente para intervir e evitar o insucesso
escolar.
21
Capítulo II
Metododologia
Objectivos e questões
Os objectivos do presente estudo contemplam a caracterização da população
estudantil com dificuldades de leitura e escrita, nomeadamente a dislexia, e caracterização
das práticas de avaliação e intervenção face a esta problemática. Espera-se também poder
contribuir, num sentido mais lato, para a reflexão e sensibilização dos agentes educativos para
esta temática, alertando para a relevância de uma intervenção precoce e estruturada. Partindo
destes objectivos, formularam-se as seguintes questões de investigação:
1. Como se caracteriza a população com dificuldades de leitura e escrita?
2. Que critérios e instrumentos são utilizados no diagnóstico?
3. Que medidas e técnicas são adoptadas na intervenção?
Procedimentos
Como já referimos, esta investigação tem como objectivos principais caracterizar a
população estudantil sinalizada/diagnosticada com dislexia/dificuldades específicas da leitura
e escrita, recolhendo dados sobre os critérios utilizados na avaliação nas suas vertentes
cognitiva, sensorial e da dificuldade específica bem como as práticas (instrumentos e
técnicas), sugeridas na respectiva reabilitação.
O estudo tem uma natureza quantitativa e qualitativa (Flick, 2005; Almeida & Freire,
2003), sendo que a metodologia para a obtenção dos dados necessários à investigação passou
fundamentalmente pela consulta de documentos (processos individuais da educação especial
onde constam fundamentalmente o Plano Educativo Individual, e relatórios de avaliação e
intervenção) com vista ao levantamento na RAM, junto da DREER-Direcção Regional de
Educação Especial e Reabilitação, do estado actual destas dificuldades na população
estudantil, incidindo nos parâmetros atrás enunciados.
Para este desiderato contactámos a Directora Regional da DREER, solicitando
autorização para a consulta dos processos dos alunos dos diversos graus de ensino (1.º, 2.º e
3.º ciclos e secundário) da RAM, sinalizados com dislexia e dificuldades de aprendizagem
específica relacionadas com a leitura e escrita, tendo sido garantida a confidencialidade e as
demais questões deontológicas, autorização que nos foi dada. A consulta dos processos
22
individuais dos alunos, foi articulada com o coordenador do Centro de Apoio
Psicopedagógico e os dados foram anotados na folha de registo e posteriormente introduzidos
e analisados através do programa estatístico SPSS, versão 17. Com vista a obtermos
informação qualitativa acerca do estado actual do tema na Região Autónoma da Madeira,
realizámos entrevistas dirigidas a três psicólogas do CAP. Para a análise das informações
fornecidas pelas entrevistas, citamos Bell (2008), que refere: “ Os dados em estado bruto,
provenientes de inquéritos, esquemas de entrevistas (…) têm que ser registados, analisados e
interpretados. Uma centena de informação solta não terá qualquer significado para um
investigador ou para um leitor se não tiverem sido organizados por categorias. O trabalho do
investigador consiste em procurar continuamente semelhanças e diferenças, agrupamentos,
modelos e questões de importância significativa” (p.183).
Amostra
Neste ponto referimo-nos à caracterização dos sujeitos da amostra, por ciclo, idade e
género.
O quadro 1 espelha as características da amostra.
Quadro 1 - Amostra
Ciclo N Idade Género
Média dp Min-Máx Masc Fem
1.º 7 9.1 1.35 7 - 11 5 2
2.º 15 13.3 1.49 11 - 17 14 1
3.º 23 14.7 1.22 12 - 17 16 7
Sec 7 17.3 1.11 15 - 18 4 3
Total 52 13.9 2.59 7 - 18 39 13
A amostra é constituída por 52 alunos do 1.º, 2.º, 3.º ciclos e secundário (do 2.º ao
12.º ano de escolaridade) com idades compreendidas entre os 7 e 18 anos de idade,
pertencentes a 15 escolas da RAM, sinalizados com diagnóstico de dislexia/disortografia,
inscritos na educação especial e cujos processos deram entrada na DREER, desde o ano
lectivo 2003/2004 até ao ano lectivo de 2009/2010, inclusivé.
Em linha com grande parte da literatura que refere, uma maior taxa de incidência no
género masculino - o DSM IV (2006) refere uma prevalência do sexo masculino entre 60 e
80% - a diferença encontrada (39 elementos do sexo masculino - 75% e 13 do sexo feminino
– 25% ) é significativa [X2(1,52)=13,000;p<.001]. No que se refere à diferença entre o
número de sujeitos em cada ciclo, também é estatisticamente significativa [ X2
23
(3,52)=13,538;p<.05], ou seja, o número de alunos diagnosticados com dislexia, difere
estatisticamente de ciclo para ciclo escolar.
Segundo Almeida e Freire (2003), a nossa amostra porque não é probabilística assume
mais uma natureza de “grupo”, pois não assume a probabilidade de representar uma
população, o que podemos considerar uma vantagem para o estudo do nosso caso, pese
embora perder-se a possibilidade de generalização dos resultados, o que vem conferir a este
estudo um cariz exploratório.
Instrumentos
Para o registo da informação recolhida através da análise documental (PEI’s e
relatórios) construímos uma grelha de registo (Anexo 1) com os seguintes items: n.º de
ordem, idade, sexo, ano de escolariadade, instrumentos utilizados na avaliação, data e nome
do diagnóstico e instrumentos utilizados na reabilitação.
Conforme já referido, tendo como objectivo obtermos informação qualitativa acerca
da percepção sobre o estado actual do tema na Região, realizámos entrevistas dirigidas a
três psicólogas do CAP.
Segundo Fontana e Frey (2005) a entrevista é das formas mais comuns e poderosas
para perceber os outros. Entrevistar, inclui uma larga variedade de formas e uma
multiplicidade de métodos, envolvendo a mais comum, a troca verbal (face a face), feita
individualmente, podendo contudo ser feita em grupo e também pela via telefónica, neste
caso sob a forma de inquérito.
Para a consecução das entrevistas, utilizámos a entrevista semi-estruturada (anexo 2),
que, segundo Flick (2005) deve incorporar perguntas fechadas e abertas no guião, que
permitam que o entrevistado responda livremente e exponha os pontos de vista subjectivos
atinentes ao objectivo da investigação e assim não impôem a ordem (quando e por que
ordem) e de que modo os temas devem ser tratados o que acontece nos questionários e nas
entrevistas estruturadas, que segundo o autor obscurecem e pouco clarificam a perspectiva do
entrevistado. Podemos considerar, que as nossas entrevistas se incluem naquilo que Meuser e
Nagel (1991), citados por Flick (2005), denominam “A entrevista a especialistas” (na medida
em que entrevistámos apenas psicólogas) em que o entrevistado é incluído no estudo não
como caso único mas como representante de um grupo (perito específico), sendo o guião
mais directivo relativamente à exclusão de temas irrelevantes, ou naquilo que Flick (2005)
24
denomina de “Entrevista centrada no problema”, cuja característica fundamental é a
centração no problema – orientação do investigador para um problema social relevante.
Assim, não fomos “escravos” do guião, permitindo respostas a perguntas
subsequentes que deixámos de formular de novo, considerando-se que as entrevistadas não
se dispersaram, e pudemos proteger o guião das incertezas da conversa aberta e indefinida.
Na entrevista abordámos a caracterização a avaliação e a reabilitação da dislexia, no
sentido dos dados procurados na consulta dos documentos e dos objectivos da investigação.
Capítulo III
Apresentação e discussão de resultados
Passamos à apresentação e análise interpretativa dos dados recolhidos, tendo como
referência o quadro conceptual, bem como os objectivos que orientaram a investigação.
A apresentação dos dados está repartida por duas partes, a saber: dados recolhidos
através da consulta de documentos e dados obtidos através das entrevistas.
Dados recolhidos através da consulta de documentos
Caracterização do grupo de alunos com dislexia
Como já referimos, ao caracterizarmos a amostra (Quadro 1) o grupo de alunos em
estudo é constituído por 52 elementos, repartidos pelos vários ciclos escolares, com
predominância do género masculino (39) em relação ao género feminino (13).
Partindo deste grupo de alunos, apresentamos no quadro 2 a idade e o ano de
escolaridade em que se realizaram os diagnósticos da dislexia.
.
Quadro 2 - O Diagnóstico em referência à idade cronológica e ao ano de
escolaridade
Ciclo N Idade Ano escolaridade
Média d.p. Min-Max Média d.p. Min-Max
1.º 7 8.4 .79 7 - 9 2.3 .49 2 - 3
2.º 15 11.3 1.58 9 - 15 4.7 1.18 3 -7
3.º 23 12.5 1.78 8 - 17 5.8 1.70 2 - 8
Sec 7 13.6 1.81 11 - 16 7.3 1.70 4 - 9
Total 52 11.7 2.18 7 - 17 5.2 2.00 2 - 9
25
Consultando o quadro 2, constata-se que a idade cronológica em que se verifica o
diagnóstico, em termos médios ocorre por volta dos 12 anos, verificando-se no mínimo aos 7
anos e no máximo aos 17 anos. Analisando cada um dos ciclos escolares verificamos uma
tendência para diagnósticos mais precoces nos alunos que frequentam actualmente o 1.º ciclo
(M1.ºciclo= 8.4; M2.ºciclo=11.3;M3.ºciclo=12.5;Msec=13.6). Procurando ilustrar esta evolução
apresentamos na figura 1 o gráfico com os valores médios das idades com referência ao
diagnóstico.
Figura 1 – Média da idade em que foi feito o diagóstico, por ciclo escolar
Analisando o gráfico 1, verifica-se que há um declive mais acentuado na linha o que
significa uma diferença visível entre a idade dos alunos que frequentam agora o 1.º ciclo
comparativamente com os alunos que frequentam o 2.º e o 3.º ciclo e o secundário. Aliás,
parece haver uma certa associação ao ciclo que frequentam e a idade de diagnóstico, facto
que provavelvente se pode justificar pela circunstância dos técnicos estarem hoje mais
sensibilizados e habilitados para esta problemática ou seja das designadas especificamente
por dificuldades de aprendizagem que os alunos manifestam, neste caso a dislexia.
Continuando a análise do quadro 2 no que toca ao ano de escolaridade do diagnóstico,
verifica-se em média no 5.º ano, no mínimo no 2.º ano e no máximo no 9.º ano,
(M1.ºciclo=2.3;M2.ºciclo=4.7;M3.ºciclo=5.8;Msec.=7.3) constatando-se, como já referimos, que os
Idad
e
26
casos diagnosticados se distribuem por todos os ciclos de escolaridade, embora com uma
maior incidência no 3.º ciclo, sendo que a diferença do número de sujeitos por ciclo escolar
se revela estatisticamente significativa [X2
(3,52)=13,538; p<.05]. O facto do ano mínimo de
escolaridade ser o 2.º e não o 1.º, pensamos, poder atribuir-se à circunstância dos alunos com
dificuldades nesta área, no 1.º ano, não terem ainda competências de leitura que permitam um
diagnóstico consequente. Todavia, importa considerar a este propósito, a questão da
necessidade do diagnóstico precoce, que vários autores têm defendido, no sentido de prevenir
a progressão e acentuação das dificuldades (Carvalhais & Silva, 2006, Lopes, 2010, Saywits,
2006).
A figura 2 permite-nos visualizar graficamente a distribuição do ano de escolaridade
em que foi feito o diagnóstico da dislexia em relação ao ciclo escolar frequentado pelos
alunos.
Figura 2 – Média do ano de escolaridade em que foi feito o diagnóstico por ciclo escolar
Pela análise do respectivo gráfico (figura 2), pode verificar-se que à semelhança do
que acontecia em relação à idade do diagnóstico também se constata uma associação entre o
ano de escolaridade do diagnóstico e o ciclo actual de frequência. Tal ocorrência remete-nos
An
o d
e e
sco
lari
dad
e
27
de novo para a consideração de que efectivamente os técnicos estarem actualmente mais
sensibilizados e habilitados para esta problemática.
Os dados parecem apontar para uma tendência no sentido de uma avaliação cada vez
mais próxima do início da escolaridade o que nos parece constituir um preditor de uma
intervenção que conduza a melhores desempenhos escolares. No que toca à precocidade do
despiste e consequente intervenção, de acordo com Rodriguez (1991) citado por Ribeiro
(2005) se uma criança com dificuldades nesta área começar a beneficiar de apoio antes do 3.º
ano, existe uma probabilidade de 80% de superar o problema. Se o diagnóstico for efectuado
até ao 5.ºano as probabilidades de recuperação baixam 40% e se a intervenção for feita até ao
7.ºano as possibilidades ficam reduzidas a 5%.
Também quanto à precocidade do despiste Rodriguez (1991), citado por Ribeiro
(2005) refere que as crianças com estas dificuldades devem beneficiar de apoio antes
dentrarem no 3.º ano de escolaridade para aumentar a probabilidade de sucesso. Já Shaywits
(2006) alerta para a necessidade de se estar atento a alguns indícios que ocorrem muito cedo e
que são preditores de dificuldades futuras, designadamente atraso na fala, inversão e omissão
de sons das palavras e dificuldades na pronúncia. Parece então necessária uma atenção
cuidada e preventiva face a esta problemática que poucas vezes é observada e até algumas
vezes hostilizada com o fundamento da estigmatização (Lopes, 2010). Por exemplo, Correia e
Pocinho (2008) desenvolveram um programa (“Do berço às letras”), cujo objectivo é
diagnosticar em crianças com cinco anos de idade, a frequentar a educação pré-escolar, os
seus níveis de consciência fonológica com vista a uma intervenção atempada. ). Também o
estudo de Carvalhais e Silva (2007), refere, conforme já aludido, que a “Joana” considera
estar consciencializada das suas dificuldades e que as encara com naturalidade, uma vez que
a sinalização, proporcionou não só a reabilitação como também o apoio psicológico de que
foi alvo. Assim, o diagnóstico precoce, neste caso, concorreu para evitar o insucesso escolar,
evitando sentimentos de inferioridade e fracasso quase sempre associados a défices de auto-
estima.
A avaliação da dislexia
Tendo em conta a definição da dislexia - dificuldade de aprendizagem
desproporcionada da aprendizagem da leitura não atribuível, à falta de capacidades
28
cognitivas, a défice sensorial e a ambiente familiar e social desfavoáveis - procurámos saber
os recursos utilizados no diagnóstico da dislexia.
O quadro 3 representa as diversas provas utilizadas no despiste /diagnóstico da
dislexia que são referenciadas nos documentos consultados.
Da documentação consultada e conforme espelha o quadro 3, constata-se a existência
de relatórios audiométricos em apenas 11,5% da nossa amostra e relatórios da visão somente
em cerca de 3,8%. Admite-se que os processos consultados possam não revelar a verdadeira
frequência dos despistes sensoriais na realidade feitos. A este propósito, ou seja, no que
concerne aos aspectos sensoriais da audição e da visão, Fonseca (2004) citado por Serra e
Estrela (2007) refere que a leitura é um processo complexo que envolve a linguagem, a
psicomotricidade, a percepção auditiva, a percepção visual (…) Dehaene (2007) por seu
turno, define a dislexia “como uma dificuldade desproporcionada da aprendizagem da leitura
que não se pode explicar por um atraso mental, nem por um défice sensorial, nem por um
ambiente social ou familiar desfavorável” (p. 312).
No que se refere à percepção visuomotora, o quadro indica-nos uma percentagem de
19,2% de alunos submetidos ao teste guestáltico visuomotor – Bender (Bender, 2007).
29
Considerando que a leitura é um processo que apela à percepção visual, como atrás referido,
e que Torres e Fernadez (1997) no que toca aos processos perceptivos desigmadamente à
percepção visuomotora, recomendam aquele mesmo teste neurológico para avaliação da
integridade do sistema visuoespacial na organização dos estímulos, quer-nos parecer, que a
importância desta variável não estará a ser devidamente considerada.
A documentação consultada e o quadro 3 indicam que 67,3% dos alunos foi
submetida a provas de inteligência o que nos parece uma percentagem razoável, se
admitirmos que alguns alunos podem ter sido avaliados nesta vertente, circunstância que
pode estar omitida na documentação. Socorrendo-nos mais uma vez da definição de dislexia,
sabemos que esta não pode ser atribuída a dificuldades intelectuais. Segundo Torres e
Fernandez (1997) a avaliação psicológica deve iniciar-se pela avaliação das capacidades
cognitivas, mostrando-se instrumentos privilegiados as matrizes progressivas de Raven e a
WISC-III, sendo que, a partir do QI poder excluir-se o nível cognitivo como causa da
dificuldade.
O quadro 4 respeita à natureza das provas (formais e informais) utilizadas no despiste
da dislexia, referenciadas no quadro 3 como Provas de leitura e escrita.
Quadro 4 - Provas relacionadas com a avaliação da leitura e da escrita
(*) Consideram-se provas formais de avaliação e despiste da dislexia as provas estudadas ou validadas
e informais as que não são suportadas por qualquer estudo empírico.
No que toca às provas de leitura e escrita, os dados recolhidos revelam-nos que apenas
em 44,2% dos casos houve administração de provas de despiste da dislexia (quadro 3) e
destes, 19,2% com recurso a provas formais, como por exemplo a PADD (Carreteiro, 2005) e
Prova de Definição Verbal (Rebelo, 1993), 25% a provas informais e que 55.8% da
população, não consta do respectivo processo, terem sido submetidos a qualquer prova de
despiste não obstante ter sido diagnosticada com dislexia (quadro 4).
Na avaliação dos processos lexicais distinguem-se duas formas, a avaliação da via
léxical, visual ou directa e a via fonológica devendo recorrer-se à leitura de voz alta de
palavras isoladas a fim de evitar-se o seu reconhecimento no contexto. Para Ribeiro (2005)
Provas N Percentagem
Formais (*) 10 19.2
Informais (*) 13 25.0
Sem referência 29 55.8
Total 52 100.0
30
deve ainda realizar-se a avaliação dos processos sintácticos recorrendo à avaliação da
memória de curto prazo, funcionamento das chaves simbólicas e correcção de orações e
avaliação dos processos semânticos com recurso a medidas em tempo real e medidas em
tempo diferido. Torres e Fernandez (1997) preconizam para esta avaliação, testes de
funcionamento psicolinguístico como o TVIP (1981), ITPA (1986), testes de leitura como as
Provas de leitura de La Cruz (1980) e de leitura e escrita TALE (1980). Porém estas provas
não se encontram adaptadas e muito menos aferidas à população portuguesa.
Refira-se por último, que nenhuma da documentação consultada alude à utilização de
provas específicas da memória e mesmo no que se refere aos alunos aos quais foi aplicada a
WISC III (Wechsler, 2006), pois os resultados no subteste de memória de dígitos não são
evidenciados, apesar de ser um parâmetro a avaliar segundo alguns autores, dada a sua
importância no processamento fonológico (Viana, 2002) e nos processos de leitura e escrita
no que se refere à descodificação (Carvalhais, 2010). Se para Viana (2002) é a memória de
trabalho que intervém no processamento fonológico, e para Carvalhais (2010) a memória
intervèm acentuadamente nos processos de leitura e escrita no que se refere à descodificação,
armazenamento, compreensão e produção, porventura os técnicos que intervieram na
avaliação, não têm valorizado a memória no mesmo sentido.
A Reabilitação da dislexia
O quadro 5 indica o tipo de medidas preconizadas para a intervenção na dislexia,
designadamente, algumas de natureza genérica e outras concretas e que se consideram
especificamente aplicáveis a esta problemática.
Quadro 5 - Medidas referenciadas nos PEI e relatórios
Tipo de medidas Frequência Percentagem
Medidas genéricas 17 32.7
Medidas concretas 22 42.3
Nenhuma medida 13 25.0
Total 52 100.0
Pela análise de conteúdo quer dos relatórios de psicólogos quer dos planos educativos
individuais verifica-se que em 32.7% dos casos, são preconizadas para reabilitação, medidas
31
genéricas, não aplicáveis exclusivamente a esta problemática, que não deixando de ser
importantes não especificam tarefas a desenvolver. São exemplo dessas medidas, trabalho
com pares; reforços positivos; responsabilização dos alunos; melhorar capacidade de
comunicação; desenvolver estratégias metacognitivas; desenvolver raciocínio lógico;
antecipação e reforço da aprendizagem de conteúdos; desenvolver a lateralidade; desenvolver
a psicomotricidade; trabalhar a auto-estima; métodos de ensino diferenciado; reeducação da
escrita e leitura. .
Em 42,3% dos casos, e globalmente os PEI e relatórios psicológicos indicam, medidas
objectivas e concretas para a reabilitação, designadamente: a) No que respeita à reeducação
da leitura e escrita e interpretação é sugerido, o treino específico da leitura e escrita,
exercícios de expressão verbal e encerramento gramatical, inventários e ficheiros
cacográficos, exercícios de regras gramaticais e de pontuação, fichas auto-correctivas,
audição da leitura oral do professor, antecipar palavras, distinção de sinónimos e antónimos,
narrar acontecimentos, contar histórias, leitura em voz alta, descoberta de significados,
consulta de dicionário, completamento de frases, construção de diálogos, refazer palavras,
construir diálogos e seguimento da leitura com o dedo. b) Com vista a melhorar a consciência
fonológica são preconizadas medidas tais como, divisão silábica, audição e reprodução de
sons, invenção de rimas, análise de unidades fonéticas e decomposição de palavras em sílabas
e fonemas. c) No que se refere ao treino multissensorial aponta-se para o treino perceptivo-
motor, treino de associação visual e auditiva, descoberta de labirintos, identificação de
esquerda/direita, identificação de partes do corpo e formulação de pedidos e ordens. d)
Fomenta-se ainda o desenvolvimento do raciocínio lógico-dedutivo através do
completamento de gravuras e construção de puzles. e) É ainda sugerida a utilização de
cadernos específicos da leitura e escrita, bem como o Pefono-Programa de estimulação
fonológia (Carreteiro, 2007) e nalguns casos sentar o aluno perto do professor. Todavia,
estas medidas foram elencadas de forma global, ou seja correspondem a alguns elementos da
amostra a quem foram preconizadas medidas.
Em 13% dos casos não são preconizadas quaisquer medidas nem nos PEI, nem nos
relatórios psicológicos, ressalvando-se e admitindo-se de que na realidade os alunos são alvo
de medidas interventivas.
Todos os PEI estabelecem, segundo o D.L. n.º 3/2008 (antes) e o D.L.R. 33/2009, (mais
recentemente), no respectivo formulário, genéricamente, medidas educativas de adequação
curricular, de adequação da avaliação e de apoio pedagógico personalizado (não especifcando
medidas concretas).
32
A este propósito, refira-se que no estudo atrás referenciado (Carvalhais e Silva, 2007),
a percepção da aluna em relação à atitude dos docentes face às suas dificuldades era de que
apesar de entenderem a dislexia, nunca a procuraram ajudar, nem prepararam actividades
diferentes das dos restantes colegas de turma o que constitui além do mais o incumprimento
da legislação em vigôr, designadamente no que concerne à adequação curricular enquanto
instrumento de inclusão, como direito inalieanável e universal com vista à reabilitação de
crianças e jovens com necessidades especiais. Também Cruz (2009), como já foi referido,
considera que as actividades de enriquecimento escolar numa escola básica do 1.º ciclo da
região do Porto na intervenção diferenciada, em dislexia, é deficitária.
Da revisão da literatura e fazendo uma súmula, evidenciamos alguns contributos.
Teles (2008) propõe o método fenomínico que partindo da letra prepara-se a criança para o
correctivo necessário que consiste em privilegiar a relação mais abstracta entre grafema e
fonema, cuja compreensão é feita introduzindo variações na forma e cor da letra ou
adicionando diacríticos. Para Torres e Fernandez (1997) um programa de intervenção na
consciência fonológica deve ter como principais objectivos consciencializar para a estrutura
fonética da fala, desenvolver habilidades de processamento fonológico (sensibilidade
fonológica, consciência silábica e consciência fonémica), desenvolver a capacidade para
explicitar segmentos sonoros ao nível das sílabas e dos fonemas, realizar actividades para
desenvolvimento da discriminação, análise e sínteses auditivas e promover a correspondência
grafema-fonema.
Já Shaywitz (2006) defende que os aspectos fundamentais para uma intervenção
adequada passam pela sistematização do ensino da consciência fonémica (perceber,
identificar e manipular os sons da linguagem), da fónica (como as letras e grupos de letras
representam os sons da linguagem oral, descodificação das palavras na ortografia, leitura de
palavras à primeira vista, vocabulário e conceitos e estratégias de de compreensão da leitura),
da prática na aplicação das habilidades de leitura e escrito, do treino da fluência e
experiências linguísticas enriquecedoras (ouvir e falar sobre diversos assuntos e contar
histórias).
Serra e Alves (2008) propõem o desenvolvimento da leitura e da escrita através das
seguintes tarefas: recordação dos casos especiais da leitura, completamento de frases e
palavras, identificação de palavras pelo som inicial, escrita de palavras cruzadas, leitura de
frases com compreensão do sentido, ordenação de palavras e frases, percepção de elementos
estranhos à palavra, descoberta de palavras, recordar regras ortográficas, efectuar
crucigramas e distinguir palavras semelhantes.
33
Lopes (2010) preconiza sessões de 30 a 45 minutos (3 a 5 vezes por semana) que
incluem leitura de texto em voz alta, interpretação de texto, escrita de letras, sílabas e
palavras, análise morfológica de palavras, identificação rápida de palavras no texto,
constituição de palavras da mesma família, produção escrita de sinónimos e antónimos,
perguntas de interpretação e resumos de texto por escrito. Note-se, que a periodicidade das
sessões defendidas por este autor é demonstrativa do elevado tempo e recursos necessários
para intervir nesta problemática. É do nosso conhecimento pessoal que o trabalho de
reabilitação da dislexia em contexto escolar, em geral, se confina a uma sessão semanal.
Dados recolhidos através da realização de entrevistas
Para a apresentação e discussão dos dados inerentes à análise das entrevistas
efectuadas às tês psicólogas do CAP, usámos o critério de organização correspondente aos
objectivos deste estudo, ou seja, a caracterização da população estudantil diagnosticada com
dislexia/dificuldades específicas da leitura e escrita, a recolha de dados sobre os critérios
utilizados na avaliação bem como as práticas utilizadas na respectiva reabilitação.
Caracterização da população disléxica
As três entrevistadas não adiantaram números de incidência na R.A.M sendo que uma
referiu que em cada 10 disléxicos 8 eram rapazes e as outras duas disseram que havia mais
incidência nos rapazes, não adiantando percentagens. As três entrevistadas consideram a
dislexia condicionante do sucesso escolar, sendo que a maioria dos alunos com esta
problemática tem um desenvolvimento escolar insuficiente. Duas entrevistadas referem o
défice de atenção, e a baixa auto-estima como factores associados. Uma das entrevistadas
refere a frustração e o cansaço e outra alude às dificuldades que se repercutem noutras áreas
designadamente a Matemática.
Critérios e instrumentos utilizados na avaliação
As entrevistadas utilizam na avaliação da dislexia instrumentos informais (não
suportadas por estudos específicos e adaptadas pontualmente) e formais, tais como a
anamnese, Prova de definição verbal (Rebelo, 1993), a PADD (Prova de análise e despiste da
dislexia Carreteiro, 2005), procedendo ao despiste dos aspectos sensoriais (visão e audição)
e das capacidades intelectuais através de provas como a WISC-III (Wechsler, 2006) e as
34
Matrizes Progressivas de Raven (Raven, 2001), avaliando a percepção visuomotora através
da bateria de Bender (Bender, 2007).
No que toca aos instrumentos disponíveis para a avaliação, duas entrevistadas dizem
existir bastantes mas que, todavia, não estão aferidos à população portuguesa. Uma das
entrevistadas refere a este propósito, existirem lacunas na formação dos técnicos, questiona
quais os técnicos competentes para avaliar (psicólogos ou médicos ?) e defende equipas
multidisciplinares para a avaliação. Outra entrevistada releva a avaliação qualitativa e a
última, diz conhecer os instrumentos, mas não ter experiência de avaliação psicológica nesta
área.
As três entrevistadas respondem afirmativamente à necessidade de previamente se
avaliarem as capacidades cognitivas, considerando factor de exclusão quando estes resultados
são baixos, remetendo uma das entrevistadas para os critérios do DSM-IV e acrescentando o
despiste de factores ambientais e pedagógicos. Uma das entrevistadas concorda que se
verifica mais o recurso a instrumentos informais por falta de formais aferidos. Outra
entrevistada diz que se recorre a ambos o que considera acertado. A terceira, considera que a
explicação do recurso a instrumentos informais se deve por um lado à falta de aferição e por
outro a algum desconhecimento acerca dos instrumentos formais existentes. Duas
entrevistadas consideram haver lacunas na formação nesta área e uma delas acrescenta o
receio de rotular e o desconhecimento da existência dos instrumentos.
Medidas e técnicas adoptadas na reabilitação
Uma das entrevistadas considera existirem muitos materiais mas critica a falta de
medição de resultados após as intervenções. As restantes entrevistadas referem para a
intervenção os cadernos de reeducação da leitura e da escrita de Paula Teles (2008) e os de
Helena Serra (2008).
Todas as entrevistadas realçam a escassez dos meios materiais no sistema educativo
realçando uma das entrevistadas que em alguns casos, os espaços físicos de atendimento e
acompanhamento poderiam ser melhorados. No que se refere aos meios humanos
consideram, todas, serem suficientes. Uma das entrevistadas defende equipas
multidisciplinares para intervirem nesta problemática, sendo que a opinião em relação aos
professores especializados é divergente, pois duas entrevistadas consideram os professores
35
especializados, em geral, bem preparados para a intervenção na dislexia e uma entrevistada
considera-os, em geral, mal preparados para a intervenção nesta problemática.
Duas entrevistadas reconhecem que a legislação é adequada mas falta por vezes
aplicá-la. Uma das entrevistadas conhece a legislação mas não tem opinião sobre a mesma.
No que toca ainda à preparação dos psicólogos envolvidos nesta problemática, uma
das entrevistadas, alude à circunstância dos psicólogos em contexto escolar, face à
multiplicidade de problemáticas, acabarem por ser generalistas o que dificulta a
especialização. A este propósito uma das entrevistada refere que a formação e a auto-
formação dos psicólogos escolares decorre em função das vivências e necessidades que
ocorrem no dia a dia profissional, considerando em geral os psicólogos bem preparados.
Shaywitz (2006) alude, de que para um programa de intervenção resulte, torna-se necessário
um programa de desenvolvimento profissional intensivo dos técnicos envolvidos na
reabilitação.
Depois da leitura e análise dos dados recolhidos através da consulta de documentos e
dos dados recolhidos através da realização de entrevistas, encontramos alguns pontos de
convergência dos quais salientamos os seguintes: a) Existe uma maior incidência de dislexia
no género masculino do que no feminino; b) As provas preconizadas pelas psicólogas para
reabitação, são em geral as mesmas que estão referenciadas nos PEI e relatórios psicológicos,
tais como Bender (2207), Matrizes Progressivas de Raven (2001), WISC (2006) e PADD
(2005); c) Defendem o despiste dos aspectos sensoriais como a audição e a visão; d) No que
toca à reabilitação são comuns intrumentos como os cadernos de reeducação da leitura e da
escrita (Teles, 2008; Serra, 2008); e) Existe insuficiência de instrumentos validados no que
toca à avaliação e à reabilitação; f) Os técnicos envolvidos na prolemática estão hoje mais
preparados técnicamente do que no passado; g) A legislação existente é adequada, mas nem
sempre é aplicada. Por outro lado, as entrevistadas consideram a dislexia como uma
condicionante do sucesso escolar, o que vem sendo referido pela literatura e que abordámos
na introdução a este estudo. Referem ainda como comportamento associado à problemática –
a baixa auto-estima a que Carvalhais e Silva (2007) aludem a propósito de um estudo de caso,
como atrás foi referido. Por último, não defendem na avaliação, provas da memória, como
por exemplo a PMI-4 (Sá, 2006) e TOMAL (Goikoetxea, 2001), sabendo-se, como já foi
referido, que autores como (Carvalhais, 2010; Fiori, 2009; Serra & Vieira; 2006; Viana,
2002) associam dificuldades naquela estrutura cognitiva com a dislexia.
36
Conclusão
A leitura é um produto cultural, relativamente recente na história da humanidade, não
transmitido filogeneticamante como o é a linguagem e que tem de ser ensinada formalmente.
Alguns, apresentam dificuldades nesta aprendizagem.
É hoje do nosso conhecimento e segundo o contributo de autores como Shaywitz
(2006) e Deahene (2007), de entre outros, que a dislexia de desenvolvimento (a mais comum)
não constiui uma situação irreversível e que intervenções precoces, adequadas e eficazes ao
nível da leitura resultam numa recuperação cerebral ou seja as dificuldades podem ser
ultrapassadas dado que os sistemas neuronais implicados na leitura podem ser activados. A
literatura enfatiza o primado da intervenção precoce adequada para tornar uma criança
disléxica num bom leitor (Lopes, 2010; Ribeiro, 2005) . Encontramos em Shaywits (2006)
um alerta para certos indícios nas crianças a que é preciso estar atento, designadamente um
atraso na fala, as dificuldades na pronúncia, não falar os sons iniciais das palavras e inverter
sons de palavras. No nosso estudo podemos referir as principais conclusões:
No nosso estudo, em primeiro lugar, para alguns grupos de alunos, o diagnóstico
parece ter sido feito tardiamente ou seja em termos médios por volta do 5.º ano de
escolaridade e em termos de média da idade cronológica próximo dos 12 anos. Admite-se que
num futuro próximo estes valores possam baixar, pois traduzem, um passado não muito
distante em que o tema era menos conhecido e não existiam meios para colmatar as inerentes
dificuldades, designadamente no que se refere a uma avaliação consequente e a uma
intervenção ajustada.
No que se refere ao despiste dos aspectos sensoriais (audição e visão), a
documentação consultada espelha um número diminuto de sujeitos diagnosticados. Já no que
se refere à utilização de provas que avaliam capacidades intelectuais uma boa parte da
amostra foi submetida às mesmas. Verificamos que no que concerne à avaliação da memória
de trabalho, nenhum elemento foi submetido a qualquer bateria formal específica.
Relativamente à utilização de provas formais para o despiste da dislexia, constatamos, que
apenas 19,2% da amostra foi submetida às mesmas, em 25% houve recurso a provas
informais e em 55,8% não há referência de recurso a qualquer prova. Por fim, e no que toca a
medidas concretas preconizada para a reabilitação, consignadas nos PEI e nos relatórios
psicológicos, mais de metade destes, evidenciam as mesmas.
Sublinhe-se que a intervenção nesta problemática deve envolver recursos e tempo
considerável sem os quais a reabilitação pode estar comprometida.
37
Quanto à percepção das psicólogas do CAP acerca do tema, concluímos que utilizam
na avaliação da dislexia instrumentos formais e informais, assegurando o despiste dos
aspectos sensoriais (visão e audição) e das capacidades intelectuais e avaliam a percepção
visuomotora. Consideram a dislexia como um factor condicionante do progresso escolar. No
que toca à avaliação e à intervenção referem a falta de instrumentos aferidos. Aludem
também a alguma falta de formação dos técnicos envolvidos nesta problemática. Quanto aos
meios disponíveis no sistema educativo, consideram haver mais meios humanos do que
materiais.
Os objectivos deste estudo, parecem ter sido atingidos, pretendendo-se assim
sensibilizar para a importância do tema no percurso escolar dos alunos com estas dificuldades
e porventura ajustar algumas práticas de acordo com o que a literatura vem enunciando.
Com um espaço de tempo mais alargado, para um estudo nesta área poder-se-ia fazer
o levantamento de toda a população disléxica da RAM, o que não foi o caso, o que nos
levaria necessariamente a resultados mais abrangentes e mais caracterizadores desta
população, bem como ao conhecimento mais efectivo dos critérios de despiste e das técnicas
de intervenção. Por outro lado, obter-se-ia também uma taxa de incidência desta problemática
na Região, que seria importante para avaliar a sua dimensão e repercussões no insucesso
escolar. Uma questão importante trata-se de poder vir a fazer correlações entre os casos de
dislexia e o insucesso escolar o que consideramos ser um tema pertinente a abordar em
estudos futuros. Consideramos também pertinente para o futuro, fazer estudos com grupo
experimental ao qual fossem aplicados os critérios de diagnóstico e uma intervenção
sustentada de acordo com que vêm sendo preconizado na literatura, comparando
posteriormente os resultados da reabilitação com um grupo de controlo previamente
submetido aos mesmos critérios de diagnóstico.
As implicações do estudo que consideramos mais relevantes prendem-se por um lado
com a necessidade do diagnóstico precoce que passa pela sensibilização e formação dos
agentes educativos (em especial dos escalões etários mais baixos), com inclusão dos pais, de
molde à intervenção também poder ser feita o mais precocemente possível. Por outro, o
estudo pretende alertar para a circunstância da falta de instrumentos estandardizados e
validados para o despiste e reabilitação da dislexia que abranjam items como a literacia, a
memória, a lateralidade, a motricidade e a consciência fonológica, o que não acontece em
países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra e a Espanha (Carvalhais, 2010). Urge
assim, para o futuro, construir tais instrumentos.
38
Com este estudo esperamos ter contribuído para uma sistematização e
aprofundamento do estudo das dificuldades de aprendizagem específicas, mais concretamente
a dislexia. Procurámos articular conhecimentos teóricos e de investigação com a prática
profissional e a intervenção, e esperamos contribuir para um maior conhecimento sobre a
dislexia e, assim, contribuir também para o sucesso educativo dos alunos diagnosticados com
esta problemática.
39
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42
Anexos
Anexo 1-Grelha de Registo
N.º
Ordem Idade Sexo Escolaridade
Instrumentos
de avaliação
Ano de
escolaridade
do
diagnóstico
Data do
diagnóstico
Instrumentos
de
reabilitação
Obs.
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Anexo 2-Entrevista semi-estruturada
Idade: Sexo: Função:
1. No exercício da actividade profissional como psicólogo (a) escolar já teve que avaliar
casos de dislexia? Em caso afirmativo que instrumentos utilizou para fazer um
diagnóstico?
2. Quais as consequências da dislexia no percurso escolar dos alunos, que pode enumerar?
3. Qual a sua percepção sobre o nível de incidência da dislexia na população escolar na
R.A.M.? Pensa que essa incidência é maior nos rapazes ou nas raparigas?
4. Considera que na literatura, a dislexia como dificuldade de aprendizagem específica
existe consenso em relação à etiologia, despiste e reabilitação?
5. Considera existirem instrumentos fiáveis e com fundamento científico para o despiste da
dislexia? Em caso afirmativo enumere alguns.
6. Considera existirem instrumentos fiáveis e com base científica para a reabilitação da
dislexia?
7. Considera importante, quando da suspeita de um caso de dislexia, avaliar a priori aspectos
sensoriais (visão e audição) e as capacidades cognitivas? Porquê?
8. E no que toca à reabilitação, que instrumentos já utilizou?.
9. Está de acordo que quer no despiste quer na reabilitação se recorre a instrumentos
informais? Em caso afirmativo porquê? Há falta de instrumentos formais ou
desconhecimento da sua existência?
10. Qual a sua percepção em relação à preparação dos técnicos, e especificamente dos
psicólogos, em relação à dislexia? Considera haver mais necessidade de formação nesta área?
11. E no que se refere aos professores da educação especial, considera-os, em geral, bem
preparados para intervirem na reabilitação da dislexia?
12. Considera que o sistema educativo e as escolas em particular, dispõem de meios materiais
e humanos para enfrentar esta problemática? Considera o D.L.R. n.º 33/2009 como um
instrumento jurídico capaz de dar resposta à mesma? O que sugere ?
13. Sobre este tema – a dislexia, quer referir algum aspecto relevante que não lhe tivesse sido
perguntado?