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Determinação das castas em Scaptotrigona postica (Latreille) (Hymenoptera, Apidae, Meliponini): diferenciação do ovário Thaís da Cruz Alves dos Santos 1, 2 Carminda da Cruz-Landim 1 ABSTRACT. Cas te determination in Scaptotrigona postica (Latreille) (Hymenop- lera, Apidae, Meliponini): Tlle ovarian differentiation. Bot h cas l' es of ScoplOlrigo- 110 pO.l'lica (Latrei lle, 1 804) possess four ovariol es in each ovary. Qu een a nd wo rkers have the same ovari an development during the larval lif e, but in the late l ar val stage the queen ovary beco me larger. During pupation a hi gher ral e of ce)) di vi sion i observed in qu een ovarioles a nd a hi gher rate of ce)) death in workers. ew l yemerged workcrs have short ovariol es wi th differentiated germarium a nd vitell arium while queens have very long ovarioles with onl y germarium . Caste determination in thi. speci es of bee is Irop hi c, but the food does not diff er in quality, onl y in quantity. Th e food differences onl y beco me effecti ve by theend oflar val stage when the queen larvae havc lhe opportunity of eal more. In thi s way the ovary diff erentiation, between workers and queens, in lhis species, onl y occurs fram lhe end of l arval s tage, mainly during pupalion . AIlhough lhe ovaries of wo rkers are Illaller, they are precocious in relalion to queens, since nurse workers, 5 to 20 days, old Illay l ay eggs. The eggs laid by lhe wo rkers Illay be lrophic 0 1' function al. These eggs ll1ay be di stingui shed by th e aspecl of the yolk. Ol der forager wo rkers ha ve degeneral ed ovaries . KEY WORDS . Slingl ess bee. caSl es , ovary diff erenlimion, cell di vi ion, cell death Nas co ni as de abe lh as eu ssociais ocorre uma di vi ão do trabalho repr o du- tivo e ntre as m eas, seg und o a qual a rainha é r espo nsável pela produção de novos indivíduos e as operári as por todos os serviços necessário s par a a manuten ção e defesa da co ni a ( RI BBANDS 1953 ; MICHENER 1974; FREE 1980). As di ferenças que se es tabelecem entre rainh as e o perári as, para o exercício dessas funções, são de vár i as naturezas e abran gem a mo rf ol og ia, a fisi ol ogia e o comport ame nt o, e r es ultam em um dim orfismo acentuad o entre as duas cast as . O desenvolvime nt o dif erenc ial dos o vários é uma da s mais mar ca ntes caractestica s deste d im o rfi smo (SNO DGRASS 1 956 ; R EG INATO & CRu z -LANDIM 1998 ). Na maio ri a das espécies de abelha s eussoc iais o determi n ante visível da diferenciação d as cast as é a diferente alimentação das l arvas de rainhas e operári as. A ação da aliment ação dif ere ncial nos tecid os deve se dar at r avés de m ecanismos fisio l óg i cos, en vo lvend o ação hormonal , sendo mai s conhecida a atuação do hor- ni o j u veni l, que funciona co mo um ho rm ô ni o m orfogen ético ( DI XON & SH UEL 1963; BEETSMA 1979; R EMBOLD 1987; RACI SKY & H ARTFELDER 1 990 ; 1991 ; RACHINSKY & E GELS 1995). 1) Departamento de Biologia, Instituto de Biociências de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista. Caixa Postal 199, 13506-900 Rio Claro, São Paulo, Brasil. E-mail: tcsantos @yahoo.com; cclandim @rc.unesp.br 2) Bolsista CNPq. Revta bras. Zool. 19 (3): 703 - 714, 200 2

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Determinação das castas em Scaptotrigona postica (Latreille) (Hymenoptera, Apidae, Meliponini): diferenciação do ovário

Thaís da Cruz Alves dos Santos 1, 2

Carminda da Cruz-Landim 1

ABSTRACT. Caste determination in Scaptotrigona postica (Latreille) (Hymenop­lera, Apidae, Meliponini): Tlle ovarian differentiation. Both casl'es of ScoplOlrigo-110 pO.l'lica (Latrei lle, 1804) possess four ovarioles in each ovary. Queen and workers have the same ovarian development during the larval life, but in the late larval stage the queen ovary beco me larger. During pupation a higher rale of ce)) di vision i observed in queen ovarioles and a higher rate of ce)) death in workers. ewlyemerged workcrs have short ovarioles wi th differentiated germarium and vitellarium while queens have very long ovarioles with only germarium. Caste determination in thi . species of bee is Irophic, but the food does not differ in quality, only in quantity. The food differences only beco me effecti ve by theend oflarval stage when thequeen larvae havc lhe opportunity of eal more. In this way the ovary differentiation, between workers and queens, in lhis species, only occurs fram lhe end of larval stage, mainly during pupalion . AIlhough lhe ovaries of workers are Illaller, they are precocious in relalion to queens, since nurse workers, 5 to 20 days, old Illay lay eggs. The eggs laid by lhe workers Illay be lrophic 0 1' functional. These eggs ll1ay be distinguished by the aspecl of the yolk. Older forager workers have degeneraled ovaries. KEY WORDS. Slingless bee. caSles, ovary differenlimion, cell di vi ion, cell death

Nas colônias de abelhas eussociai s ocorre uma di v i ão do trabalho reprodu­

tivo entre as fêm eas, segundo a qual a rainha é responsável pela produção de novos

indivíduos e as operári as por todos os serviços necessários para a manutenção e

defesa da colôni a (RI BBANDS 1953; MICHENER 1974; FREE 1980). As di fe renças que se estabelecem entre rainhas e operári as, para o exercíc io

dessas funções, são de vári as naturezas e abrangem a m orfo log ia, a fisi o logia e o

comportam ento, e res ultam em um dimor f ismo acentuado entre as duas cas tas . O desenvolvimento diferenc ial dos o vários é uma das m ai s m arcantes características

deste d imorfi sm o (SNODGRASS 1956; R EG INATO & CRuz -LANDIM 1998). Na m aiori a das espécies de abelhas eussoc iais o determi nante v isível da

diferenciação das cas tas é a diferente alimentação das larvas de rainhas e operári as.

A ação da alimentação diferencial nos tecid os deve se dar através de m ecanismos

fisio lóg icos, envolvendo ação hormonal , sendo mais conhecida a atuação do hor ­

m ônio j uveni l , que funciona com o um horm ôni o m orfogenético (DIXON & SH UEL

1963; BEETSMA 1979; R EMBOLD 1987; RACI SKY & H ARTFELDER 1990 ; 1991 ; RACHINSKY & E GELS 1995).

1) Departamento de Biologia, Instituto de Biociências de Rio Claro, Universidade Estadual Paulista. Caixa Postal 199, 13506-900 Rio Claro, São Paulo, Brasil. E-mail: tcsantos @yahoo.com; cclandim @rc.unesp .br

2) Bolsista CNPq.

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A maneira de alimentar as larva, bem como o alimento fo rnecido, é diferente emApis mellifera (Linnaeus, 1758) e nos Meliponini . EmA. mellifera, a alimentação das larvas é progressiva e aquelas destinadas a serem rainhas são alimentadas com geléia real , enquanto as que serão operárias, após o segundo ou terceiro dia recebem mistura de mel, pólen e geléia real. Esta diferença alimentar provoca, em A. mellifera, degeneração dos ovári os a partir do terceiro dia de vida larval (REGINA TO & CRuz-LA DIM 200 I, 2002). Em alguns Meliponini , e.g. Scaplotrigona postica (Latreille, 1804), a alimentação é massiva e a diferença entre operária e rainha é determinada pela quantidade de al imento ingerida a qua l é maior na rainha, c só se concreti za no final do desenvolvimento Im·val.

Por outro lado, em A. mellifera as operárias adul tas não de envo lvem os ovários na presença da rainha (RIB BANDS 1953; FREE 1980), mas na mai or parte das espécies de Meliponini estas podem desenvolvê- los e botar ovos mesmo na presença de ta (SAKAGAMI et ai. 1963; SAKAGAM I & ZUCCHI 1966). Alguns desses ovos, os ovos tróficos, servem de alimento para a rainha (SAKAGAM I et ai. 1963; SAKAGAM I 1982) enquanto outros, os ovos funcionais, se desenvolvem e originam machos (BEIG 1972; SILVA 1977; BEGO 1982; SAKAGAM I 1982; SOMMEIJER ela /. 1990, 1999; VAN VEE et ai. 1990; SOMMEIJER & BURE 1992).

Em A. mellifera as larvas de operári as e rai nh as têm, a princípio, o mesmo número de ovaríolo nos ovários, mas muitos destes degeneram resultando que as rai nhas ad ultas apresentam centenas de ovaríolos por ovário e as operári a 2 a 12 apenas . Em S. postica, tanto as operári as como as rai nhas têm quatro ovarío los por ovário, mas o da rainha são muito mais longos que os das operárias (CRuz-LA DIM 2000).

Tendo em vista o exposto, o objeti vo do presente trabalho fo i in vestigar em que momento se estabelecem as dife renças no desenvo lvimento ovariano entre operári as e rai nhas de Scaptolrigona postica, se durante a vida larval ou durante a pupação e quais os mecanismos que levam a essas di fe renças.

MATERIAL E MÉTODOS

Os espécimes de Scaptotrigona postica foram coletados de colôni as manti­das no Biotério do Instituto de Biociências da Uni vers idade Estadual Paulista, Rio Claro, São Paulo.

Uti li zaram-se operárias em diferentes estágio de desenvolvimento: larvas em último e tágio, pré-pupas, pupa de olhos branco, rosa, vermelho, marrom e preto, pupas com pigmentação corporal, ad ultas recém-emergi das, nutridoras e campei ras. Para rainhas foram coletados os estágios de larvas , pré-pupas, pupas de olho marrons e adultas recém-emergidas. A pigmentação das pupas, primeiro dos olhos e posteriormente do restante do corpo foi utilizada como medida do avanço do desenvolvimento.

Os abdomes das pupas e indivíduos adultos fo ram separados do resto do corpo e fixados em Dietrich por 24 horas. As larvas e pré-pupas fo ram fixada ' inteiras no mesmo fixador, pelo mesmo tempo. Em seguida o materi al fo i desidra­tado em série alcoólica de concentrações crescente até 95%.

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A inclusão foi fe ita em histores ina Leica, seguindo o protocolo do fab ri cante, para preparação de lâminas histológicas . Secções com a espessura de 5 11 m foram coradas com Hematoxilina de Harris e Eosina aquosa e montadas em bálsamo do Canadá, observadas e fotografadas em fo tomicroscópio.

RESULTADOS

Desenvolvimento do ovário nos imaturos Os resultados mostraram que, durante a vida larval, rainha e operári a têm o

mesmo desenvolvimento ovariano. No último estágio larval de ambas as castas os ovários já estão constituídos pelos quatro ovaríolos bem diferenciados. Nestes pode-se distinguir um pedúncul o basal, fu turo ov iduto lateral, formado por células finas e longas, com núc leos basais, as quais fo rmarão o epitélio dos ovidutos. Nos cortes longitudinais estas células aparecem di spostas em camadas transversais, superpostas, com os núcleos locali zados na peri fe ri a (Fig. 1 A). Na região apical dos ovaríolos estão presentes células arredondadas, com núcleos grandes consideradas como células germinativas, intercaladas por células com núcleos pequenos, as células somáticas. Os quatro ovaríolos são conjuntamente envoltos por camadas de células somáticas achatadas formando uma cápsula.

Durante o desenvolvimento dos ovários nas pupas, tanto de operári as como de rainhas , observam-se divisões celulares e morte celular. Estas divisões e mortes ocorrem tanto nas células germinati vas como nas somáticas (Fig. IA, B). As divisões celulares nos ovários das operárias nos estágios de pupas de olhos rosa e marrom podem ser vistas nas células do pedúnculo do ovaríolo (Fig 1 A) e nas célul as no interior deste (Fig. I B). Contudo, na região ap ical dos ovaríolos a taxa de morte celular representada por células com núc leos picnóticos é maior do que a taxa de divisões (Fig. IB).

Até a pré-pupa os ovários de operári as e rainhas são bastante parecidos, mas a partir daí os da rainha apresentam-se bem mais longos.

Nos ovaríolos de pupas de operárias com olhos marrons já se distinguem na base do ovário cistos ovarianos (Fig. I C) e células ovocítica (Fig. I C, D). E ta condição é ainda mais acentuada nas pupas com pigmentação no corpo onde em alguns casos o ovócito já pode ser distinguido das células nutridoras, caracterizando o início da diferenciação do vitelário.

Nas rainhas a diferenciação do ovário segue o mesmo padrão, mas o cresci­mento dos ovaríolos é maior e estes tendem a enovelar-se na reg ião apical (Fig. 2A). Nestas é também possível observar divisões celulares no pedúnculo do ovaríolo (Fig. 2B) e no interior deste (Fig. 2C), mas a taxa é maior que nas operárias e não se observa morte celular no seu interior. Algumas células com núcleos picnóticos podem ser observadas no pedúnculo ou na membrana peritoneal do ovaríolo (Fig. 2B).

A tabela I mostra comparativamente as diferenças no desenvo lvimento ovariano de operárias e rainhas durante a fase imatura.

Desenvolvimento dos ovários pós-emergência Na rainha recém-emergi da os ovaríolos aparecem muito longos, mas a maior

parte destes é constituída pelo fil amento terminal, apical , que não contém células germinativas no interior (Fig. 3A). Somente a região basal e mediana contém estas

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Fig. 1. Ovários de operárias de Scaptotrigona postica. (A) Porção basal do ovário de pupa de olho rosa vendo-se o contato entre os ovaríolos (ov) e o seu pedúnculo (p). Notar no ovaríolo, células germinativas (cg) e somáticas (cs) e no pedúnculo (p) divisões celulares (setas) ; (8 ) porção apical de ovaríolos vendo-se morte celular (a) e divisões celu lares (setas); (C) porção basal de ovaríolos de pupa de olho marrom vendo-se cistos (c) de células germinativas; (D) células germinativas (cg), células somáticas (cs) e morte celular (a) intra ovariolar em pupa de olho marrom. (g) Corpo gorduroso, (ca) cápsula, (m) membrana peritoneal dos ovaríolos, (n) células nutridoras.

cé lulas (Fig. 3A, B, C). Nesta fase observam-se, principalmente na reg ião mediana, muitas células em divisão (Fig. 3B). Na região basal dos ovaríolos estão presentes numerosos cistos (Fig. 3C).

Quando se comparam os ovários de operári as e rainhas reeém-emergidas verifica-se a ausência nas primeiras do fil amento terminal longo (Fig. 4A) e no interi or do ovaríolo, várias célul as com núcleos picnóti cos, indicando morte celul ar (Fig. 4A,

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Fig. 2. Ovários de rainha de Scaptotrigona postica. (A) Ovário de pupa de olho rosa vendo-se o início do enrolamento distai (setas) dos ovaríolos (ov); (8 ) porção basal do ovário de pupa de olho rosa vendo-se divisões celulares (setas) no pedúnculo (p); (C) porção apical de um ovaríolo de pupa de olho marrom vendo-se divisões celulares (setas). (ca) Cápsula, (m) membrana peritoneal , (ovi) oviduto, (a) morte celular.

B). Entre as células em processo de morte, encontram-se também células germinati vas em di visão (Fig. 4B). Nas rai nhas não se observam mortes celulares (Fig. 4C).

Em algumas operári as recém-emergidas os ovaríolos já apresentam germário e vitelário diferenciados, neste úl timo as câmaras nutridoras e ovocíticas apresentam-se bem ev identes. No entanto, as operárias recém-emergidas ainda não apresentam ovóc itos vitelogênicos. Estes estão presentes nas operári as nutridoras e campeiras.

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Fig . 3. Ovários de rainha de Scaptotrigona postica recém-emergida. (A) Ovário com ovaríolos muito longos e convolutos vendo-se a porção basal dos ovaríolos (b) , a região mediana (m) e a maior parte constituída pelo filamento terminal , apical (ap) ; (8) região mediana de um ovaríolo mostrando divisões celulares (setas) e início da formação dos cistos (asteriscos); (e) região basal dos ovaríolos vendo-se numerosos cistos (setas). (tr) Traquéias, (g) corpo gorduroso, (fi) filamento terminal.

Nas operárias nulridoras alguns ovócitos vitelogênicos , praticamente madu­ros, apresentam os grãos de vitelo dispersos e vacuolizados, ou seja, com reg iões não coradas geralmente centrais (Fig. SA) , enquanto outros os apresentam mais concentrados e sem vacuoli zação.

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Em geral, os ovários das operan as campeiras, apresentam-se em fase de regressão, mas em algumas operári as desta cl asse ainda apresentaram ovócitos pré-vitelogênicos (Fig. SB) e vi telogênicos (Fig. SC). Nestas operári as os ovócitos vitelogênicos contêm vitelo formado por grânulos de tamanho vari ado, não vacuo­lizado, contornos bem definidos e em grande quantidade (Fig. SC).

Nas operárias campeiras sempre se encontraram, na base do ovári o, corpos lúteos (Fig. SB, C) que resu ltam da degeneração das células fo li culares, pós-ovulação.

A tabe la I mostra as diferenças entre os ovári os das cas tas no adul to.

Tabela I. Comparação entre o desenvolvimento dos ovários em operárias e rainhas de Scaptotrigona postica.

Fases Operária Rainha

Desenvolvimento ovariano - Cont inuo - Continuo, maiores em relação à operária

- Ficam estacionários ou sofrem decréscimo - Crescem e se enovelam nas exlremidades distais

Divisão celular - Taxa baixa - Taxa alta - Maior ocorrência na parte basal dos ovaríolas - Presente ao longo de todo o ovaríolo

Morte celular - Taxa alta - Taxa baixa - Maior ocorrência no ápice dos ovaríolos - Raramente presente ao longo dos

ovaríelos - Presente em células somáticas

Comprimento dos ovários - Crescimento contínuo até o fim da fase larval - Crescimento contínuo até o indivíduo emergir

- Regressão ao longo da pupação - Continua após a emergência

Diferenças no adulto - Recém-emergidas com um ou dois folículos - Recém-emergidas sem folículos desenvolvidos diferenciados. sem diferenciação do

vitelário. Com numerosos cistos no

- Amadurecimento precoce dos folículos

- Ovos maduros na nutridora

- Produção de dois tipos de ovos (tróficos e funcionais) . Um ou dois ovos durante a vida

- Ovário degenera na operária campeira

DISCUSSÃO

ovário

- Ovariolos longos

A determinação das castas nesta espécie de abelha é o'ófica, tanto q uanto em Apis mellifera, no entanto, o alimento dado às larvas de operári as e ra inhas não difere em qualidade, mas apenas em quantidade. Os alvéolos onde são cri adas as rainhas são maiores e, portanto, contém mais alimento. Como O total do alimento está à disposição da larva desde o início, quando as larvas de operáriajá esgotaram suas reservas, as de rainha ainda não, o que faz com que a d ife renciação alimentar, diferentemente de A. mellifera, na q ual ocorre a partir do segundo ou terceiro di a de vida larval , seja neste caso, tardio, apenas no último instar.

Em Apis mellifera as rainhas têm ovári os com muitos ovarío los longos (cerca de cento e oitenta por ovário) e as operárias com poucos ovaríolos curtos (de do is a doze por ovário). Nesta espécie o desenvolvimento ovariano começa igual em operárias e rainhas e mortes celulares provocam o desaparecimen to de ovaríolos ao longo da vida larval da operária (REG INATO & CRuz-LANDIM 200 1, 2002).

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Fig. 4. Ovarios de operarias e rainhas de Scaptotrigona postica recém-emergidas. (A) Ovario de operaria recém-emergida vendo-se células ovocíticas (co) e regiões de morte ce lular (a); (8) ampliação da região apical de um ovaríolo de operária, mostrando detalhes das cé lulas; (C) porção basal de um ovaríolo de rainha vendo-se células ovocíticas (co). (ca) Cápsula, (m) membrana peritoneal, (setas) divisão celular.

No caso de S. postica, o desenvo lvimento é igual até o fim da fasc larval, quando termina a fase de alimentação e se caracteriza a maior ingestão de alimento pela rainha. Portanto, em Apis os ovári os das rainhas e operárias começam a se d iferenciar precocemente porque as diferenças na alimentação começam cedo e em

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Fig. 5. Ovários de operárias nutridoras e campeiras de Scaptotrigona postica. (A) Porção do vitelário do ovário de uma operária nutridora mostrando um ovócito praticamente maduro (om) e outro em desenvolvimento vendo-se a cãmara ovocítica (cov) e a câmara nutridora (cn); (8 ) porção do ovário de uma operária campeira vendo-se um corpo lúteo (cl) e um ovócito em crescimento com câmara ovocítica (cov) e câmara nutridora (cn).; (C) ovócito maduro (om) em operária campeira. (cf) Células foliculares.

S. postica a diferenciação é tardia porque a diferença na al imentação só acontece no fim da vida larva!.

As taxas de morte e divisão celulares são as responsáve is pela diferença entre os ovários nas castas deS. postica a partir da pupação. A taxa de divisão celularé maior

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nas ra inhas e a de morte celular nas operári as. E nquanto em A. mellifera a morte cel ular promove O desaparecimento de ovaríolos, em S. postica a morte celular ocorre quando os ovaríolos já estão diferenciados atingindo a células apicais destes nas larvas de operári as, provocando seu encurtamento, enquanto na rainha o crescimento prossegue. Mesmo assim , nota-se que nas pupas de olhos marrons e adultos recém-emergidos de rainhas, o maior comprimento dos ovaríolos deve-se ao fil amento te rminal mui to longo. Contudo, como as di visões celul ares continuam nas rainhas recém-emergi das, o interior dos filam entos terminais vai sendo preenchido.

Outra dife rença entre A. mellifera e S. postica é que nesta úl tima espécie. as operári as sempre põem ovos, os quais são dados como alimento à ra inha (ovos trófi cos) ou se desenvo lvem em machos (ovos funci onais), enquanto em A. melLifera isto raramente ocorre. Ass im os ovários das operári as de S. pos fica sempre são Funcionais não apresentando a rainha um efe ito inibidor sobre o desenvolvimento ovari ano das operári as (CRuz-LANDIM 2000).

O ovári o das abelhas é do tipo mero ísti co poli trófico, no qual os ovarío los apresentam três reg iões di stintas do ápice para a base : fil amento te rminal, germ ári o e vite lári o. O vite lári o dos ovári os politróficos se caracte ri za por seus fo líc ul os serem constitu ídos por ovóc itos e células nutridoras, os quais nas abe lhas ocupam câmaras di stintas: câmara ovocíti ca e câmara nutridora.

Quando a rainha emerge, aparentemente ai nda não há nenhum fo lÍcu lo diferenciado no seu ovári o, isto é, ainda não se diferencia um vite lári o no ovarÍolo, apenas o germ ári o está presente, contendo numerosos c istos. Nos ovári os das pupas pigmentadas de operári as, j á se observam fo lícul os di fe renc iados nos ovarÍolos , portanto, desde esta fase, vite lário e germári o j á estão dife renc iados, talvez porque as operári a sempre desenvolvem seus ovári os e reali zam postura durante a fase de nutridora que se inic ia por vo lta de c inco di as de vida adulta.

A operári a, em geral, possui um único I'o lícul o em estág io de desenvo lvi­mento avançado, às vezes dois, um em cada ovári o, sendo capaz de produzir somente poucos ovóé itos. A operári a pode produzir um ou dois ovos em sua vida, sendo que o número de ovos tráficos é maior do que o de ovos funcionais. Quando dois ovócitos estão se desenvolvendo em ovaríolos opostos e les provavelmente serão do ti po alimentar ou um será trófico e o outro funcion al (STAUR ENGO-DA-C UNHA 1977).

Os ovos tráficos são morfologicamente di fe rentes dos funcionais (KOEDAM e f alo 1996) e possuem também um conteúdo dife rente. Estes ovos aparentam ser menos maduros do que os ovos fun cionais (CRuz-LANDIM & CRuz-HOFLlNG 197 1; KOEDAM et aI. 1996). Os ovócitos com vite lo mais di sperso e vacuo lizado , são provavelmente ovos tróficos . O córi on fin o, menos estruturado, frág il e com alterações no form ato pode fac ilitar a di gestão ou liberação do conteúdo do ovo para diges tão (CRuz-LAND IM 2000) .

Segund o STAU RENGO- DA-C UN HA ( 1977) o maior desenvolvimento dos ovári os e também a poss ibilidade das operári as botarem ovos acontece quando estas trabalham na área de cri a, com a função de aprovisionar os alvéo los onde a ra inha botará seus ovos (operári as e nutridoras) , condi zendo com os resultados de SAKA­GAM I & ZUCCHI ( 1963), BEIG ( 1972). No entanto, neste trabalho veri ficou-se que

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ovócitos presentes em algumas operárias campeiras apresentavam vite lo mais compactado indicando a formação de um ovo funcional.

Seri a lógico esperar que operárias nutridoras , mais jovens , quando sob innuência da rainha, fossem estimuladas a botar ovos tróficos para alimentação desta, enquanto , operárias mais velhas poderiam desenvolver ovos fun cionais. Esta visão está de aco rdo com achados de CRuz-LANDIM & HOFLI NG ( 197 1) e KOEDAM et aI. ( 1996) que ver i ficaram que os ovos tróficos têm características de imatur idade e com a presença de ovócitos , provavelmente funcionais, nas operá­rias campeiras. Trabalho não publicado de KOEDAM & VEL THIUS mostra que em Melipona bicolor (Lepeleti er, 1836, Apid ae) as operárias que botam ovos funci­onais são as que operculam os alvéo los depois da postura da ra inha. Pode acontecer que estas operárias sejam ligeiramente mais ve lhas que aquelas que fazem o ap rovisionamento e se achem na transição das tarefas internas do ninho, para as ex ternas (campeiras). Essa interpretação é reforçada pelo fa to das operá­rias campeiras velhas apresentarem ovários com ovaríolos di sformes, onde a distinção entre os di ferentes tipos celulares é imprec isa, característica da degene­ração de todo o órgão.

Neste estudo fo i também possível observar, em operárias nutridoras e campeiras a presença de corpos lúteos, os quais se formam a partir da degeneração das células fo li cul ares, depois da ovulação, confirmando a reali zação de postura por estas operári as.

As diferenças entre A. mellifera e S. postiCCl quanto ao momento de diferen­ciação dos ovári os e provavelmente outras características das castas respondem pelo res ultado obtido com a aplicação de hormônio juvenil em operárias de último estágio, a qual leva ao aparecimento de rainhas em S. POStiCCl (CAMPOS et aL. 1975 ) e não tem o mesmo efeito em A. mellifera, produzindo quando muito intercastas (MICHENER 1974).

AGRADECIMENTOS. As autoras agradecem ao C Pq pelo suporte financeiro.

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Recebido em 11.111.2002; aceito em 06.VII.2002.

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