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ARTIGO

DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS,GERÊNCIA DE QUALIDADE E CULTURA DAS

,..., ;'

ORGANIZAÇOES DE SAUDE• Ana Maria Malik

Professora do Departamento de Administração Geral eRecursos Humanos da EAESP/FGV.

* RESUMO: Administração da Qualidade começa a ser dis-cutida na área de saúde, no Brasil. Por isto, a discussão a res-peito da aplicabilidade dos conceitos ao setor, bem como desuas limitações, parece oportuna. Qualidade enquanto con-ceito é indissociável de alterações na cultura organizacionale de desenvolvimento de recursos humanos, além de precisarconsiderar aspectos técnicos e parâmetros específicos da ges-tão setorial. O pequeno número de experiências existentes emserviços de saúde no Brasil e seu curto tempo de desenvolvi-mento permitem trabalhar mais com dúvidas que com certe-zas a respeito das perspectivas futuras para este campo deconhecimento.

32 Revista de Administração de Empresas

* PALAVRAS·CHAVE: Administração da qualidade, admi-nistração de saúde, cultura organizacional.

* ABSTRACT: TQM - Total Quality Management - is newto Brazilian health organizations. It is important to try tohighlight its feasibility and its boundaries within the sector.It is also necessary to point out the strong relationshipbetween TQM, organizational culture and human resourcesdevelopment, as well as the need for new parameters relatedto throughputs and outcomes. There are still more doubts thanactual knowledge related to the ongoing Brazilian experiencesin the field.

* KEY WORDS: TQM, health admínístratíon, organízatíonalculture.

São Paulo, 32(4): 32-41 Set./Out. 1992

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS ...

INTRODUÇÃO Os limites de aceitabilidade são confu-sos e o conceito é amplo o suficiente paraque este atributo seja apregoado com re-lativa impunidade em relação a qualquercoisa oferecida ao público consumidor.Esta impunidade talvez esteja atualmentereduzida, até mesmo na realidade brasi-leira, pode-se dizer que muito mais emfunção do Código de Defesa do Consumi-dor e de alguns movimentos de consumi-dores específicosque da consciênciade queé direito de qualquer cidadão o acesso abens ou serviços "de qualidade". Ou seja,numa sociedade em que se tem a vaganoção de que os serviços de saúde não têma qualidade esperada (desejada?), conso-me-se o que há ou o que é possível obter.No entanto, como não se trabalha sobreconceitos ou medidas de qualidade, comomudar este quadro?

Mesmo assim, no Brasil dos anos 90, énecessário algum grau de otimismo paraque se possa aceitar o conceito de consu-midor quando se fala de saúde, principal-mente na área de assistência médico-hos-pitalar. Embora o acesso universal estejaentre os preceitos constitucionais desde1988,este é muito mais um anseio que umarealidade. Portanto, para a maioria da po-pulação, o consumo em saúde precisariaprimeiro existir, para depois ser qualifica-do. No entanto, isto certamente não inva-lida a busca da qualidade na área. A rigor,apenas obriga a que, entre os objetivosparciais a atingir, esteja o acesso.

Inegavelmente, os três conceitos que sepretendem analisar neste trabalho estãointerligados. Pode-se criar uma culturaorganizacional que favoreça a busca in-cessante da qualidade, e esta é indis-sociável não apenas das necessidades detreinamento mas, principalmente, daque-las de desenvolvimento de 'recursos hu-manos. Desta forma, imaginar que qual-quer destes aspectos possa ser trabalhadode forma isolada no mundo real da admi-nistração é ilusório. Na teoria, cada umacostuma ser vista como área de especiali-dade. No entanto, como o mundo da ad-ministração é o mundo real, caso a teoriainsista em manter a análise dos conheci-mentos específicos, a prática termina porgerar algum tipo de síntese. O que se ob-serva na realidade atual é um somatório devisões não confluentes de conhecimentos.Afinal, a teoria é gerada em função de fatos

Entre as questões relativas à "moder-nidade" da administração de saúde estãocertamente aquelas voltadas ao desenvol-vimento de recursos humanos, culturaorganizacional e qualidade. Algumas de-las, no que diz respeito à administração demaneira geral, estiveram em moda há al-guns anos. Sua chegada ao setor saúde foimais tardia e, até hoje, se mantêm basica-mente como assuntos de debate, não ten-do chegado ainda à operacionalízação.'

Como sempre, é necessário distinguir oque é "modismo" ou "receita" de suaoperacionalização ou real aplicabilidadepara o longo prazo. Desta forma, é de-sejável,por exemplo, considerar as condi-ções de contorno mais amplas nas quais seinsere a organização a respeito da qual sediscute qualquer alternativa gerencial, sejaela inovadora ou não. Assim, o discursogeral de desenvolvimento de recursos hu-manos na área de saúde pode parecerutópico frente às condições nacionais denão priorização do setor ou a sua faixa deremuneração e/ ou valorização socialfrente a outros setores, por mais indispen-sável que ele sejaconsiderado dentro e forada área, por políticos, técnicos e usuários.A rigor, caberia perguntar indispensávelpara que, para cada uma destas categorias.

Cultura organizacional, por sua vez,como boa parte dos temas de moda (e, en-quanto tal, bastante divulgados), aparecedisseminada nos discursos de profissio-nais, embora talvez pouco conhecida emseu significado teórico real. Como tantosoutros aspectos da teoria organizacional,ela é vista mais como um dado relativa-mente fixo da realidade, a ser levado emconta e a ser possivelmente superado, quecomo um instrumento gerencial. Ou seja,aparece como restrição com muito maisfreqüência que como algo passível de sertrabalhado, se e quando entendido nassuas reais fronteiras de potencialidades elimitações.

Finalmente, qualidade é palavra de do-mínio público, trabalhada dentro dos am-plos limites daquilo que se considera sensocomum. Afinal, mesmo se poucos sabem oque o termo significa, "todo mundo sabereconhecê-la quando está diante dela" ou"todo mundo sabe quando ela está ausentede determinado produto ou serviço".

1. Por exemplo, uma nota intitulada"A hora e a vez da cultura orga-nizacional', de autoria de SérgioBatistaZacarelli (Prof. Titularda FEA- USP) foi publicada na Revista deAdministração, 21 (3): 58-9, 1986.Desenvolvimento de Recursos Hu-manos está presente no discurso eaté nas estruturas do setor saúdepelo menos desde a metade dosanos 80, mas sente-se a falta desuas práticas em qua~uer diagnós-tico atualizado do setor. Finalmente,embora os escritos de Deming eJuran referentes à Administração daQualidade também tenham sido di-vulgados nos Estados Unidos hámais de cinco anos, artigos e livros-texto sobre sua aplicação à saúdemesmona literaturanorte-americanapassaram a ser publicados basica-mente a partir de 1990.

33©1992, Revista de Administração de Empresas I EAESP I FGV, São Paulo, Brasil.

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2. AQUINO, C.P. de. Desenvolvi·mento:treinamento, planejamentodecarreira e promoção. In: AQUINO,C.P. de. Administração de RecursosHumanos: uma introdução. SãoPaulo, Atlas, 1979, p. 172.

3. PIZARRO, P.R. de G. Prefácio. In:BOOG, G.G. (Org.) Manual de Trei·namento e Desenvolvimento, SãoPaulo, McGraw HiII/Associação Bra-sileira de Treinamento e Desenvolvi·mento, 1980.

4. GARCIA, R.M. A base de umaadministração autodeterminada: odiagnósticoemancipador. RevistadeAdministraçãoPública, 1~3):120·39,1984. Neste artigo, o autor aproximaconceitos de Paulo Freire e de An·tônio Guerreiro Ramos, com vistas aoferecer uma alternativa aos mode·los funcionalistas tradicionais de selidar com a organização.

5. NOGUEIRA, R.P. Dinâmica doMercado de Trabalho em Saúde noBrasil, Brasília, OrganizaçãoPanamericana da Saúde, 1986.

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ou dados observados, seja para explicá-losou para modificá-los.

DESENVOLVIMENTO DE RECURSOSHUMANOS

A grande maioria dos livros-texto deAdministração de Recursos Humanos,mesmo aqueles escritos há mais de dezanos, define Desenvolvimento de Recur-sos Humanos como algo diferente de trei-namento, no sentido de que busca desen-volver os indivíduos não apenas para seumelhor desempenho nas tarefas que lhesão atribuídas pela organização mas tam-bém para suas condições de crescimentopessoal. Por exemplo, lê-se: "É necessárioproporcionar ao funcionário oportunidades dedesenvolvimento pessoal e profissional e con-dições satisfatórias de trabalho em todos ossentidos" .2

•••••••••••••••••••••••Numa área como a de saúde, a

omissão frente a aspectos referentes aodesenvolvimento dos recursos

humanos é tender à negligência naprestação de qualquer dos tipos de

serviços.•••••••••••••••••••••••

Certamente não é nova a discussão so-bre o assunto, nem mesmo na realidadebrasileira. É de 1980 a frase transcrita aseguir: "O treinamento e desenvolvimento derecursos humanos no Brasil, reconhecidamen-te, ainda não constitui preocupação prioritáriana maioria das empresas ..." 3 A área de saú-de, que não prima por ser das primeiras aincorporar as inovações administrativas,não foge à regra.

Neste contexto, a definição de adminis-tração como o processo de "conseguircoisas através de pessoas" termina por seraplicada, de maneira praticamente acrítica,nas práticas do setor. Aparentemente estadefinição, que pode ser considerada comoutilitária, contradiz a proposta de desen-volvimento em seu sentido mais amplo.Com isto, a situação mais freqüentementeobservada nas organizações do setor é atentativa de ajustar indivíduos ou grupo àssuas necessidades (conseqüentemente,consideram-se quaisquer condutas pouco

satisfatórias como desviantes e passíveis deretificação frente àquelas ditadas pela or-ganização).

Na verdade, uma análise organizacionalum pouco mais aprofundada deve levarem conta as imagens dos recursos huma-nos em relação ao seu trabalho, a sua visãode futuro, a seu conceito de autoridade e aoseu "modelo de homem".' Os diagnósti-cos de situação atual sobre a questão dodesenvolvimento (e de todas as demaispolíticas) de recursos humanos não fazemmais que refletir as opções, conscientes ounão, feitas internamente a cada organiza-ção. No caso da saúde, isto chega até asopções do setor, feitas interna e, princi-palmente, externamente a ele, que se re-fletem nas políticas de financiamento, naimagem vendida pelos meios de comuni-cação e até, freqüentemente, nas priorida-des setoriais. As denúncias feitas pelo Sr.Ministro da Saúde, no início de sua gestão,no primeiro semestre de 1992,a respeito dopapel das empreiteiras na formulação daspolíticas de saúde são um bom exemplo dodescrito.

O quadro não é animador. Salvo algu-mas experiências como o chamado "Pro-grama de Larga Escala", incentivado peloMinistério da Saúde sob a orientação inicialde técnicos da Organização Panamericanada Saúde, poucos são os esforços realiza-dos com os trabalhadores da saúde nosentido de sua capacitação além dos limitesestritos da técnica (pode-se até dizer que aspropostas de capacitação estritamentetécnicas estão aquém da suficiência). Res-salvem-se, naturalmente, algumas das ex-periências de desenvolvimento gerencialem curso (mais uma vez, tema de moda naárea), que são de interesse imediato dasorganizações e cuja população alvo costu-ma ter acesso a outras alternativas. Amassa dos trabalhadores da saúde temescolaridade baixa (em 1980,mais de 50%do chamado pessoal de enfermagem, ca-tegoria que representa perto de 30% dospostos de trabalho do setor, tinha cursoprimário incompleto)", ganha mal, temmais de um emprego e pouca aderênciapara com seu trabalho.

Existeuma visão otimista de mundo queaponta para aqueles que optam pelo setorsaúde como uma vocação, o que garantiriao aspecto de compromisso. No entanto, istose dá quando a possibilidade real de opção

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS ...

subjacente é que pode ser diferente, ou seja,pode-se esquecer da condição humanadeste trabalhador, considerando-o comoum insumo semelhante a qualquer outro.

profissional existe. Para a mão-de-obramenos qualificada, a rigor, o setor saúde éapenas uma grande fonte de empregos.Quanto aos profissionais universitários,pode-se dizer que o momento do apos-tolado já passou, bastando para isto ob-servar as estatísticas a respeito da escolhade especialidades na área médica por par-te dos récem-formados, Alguns autores,mais críticos, chegam a afirmar que a op-ção se faz à luz das tabelas de honoráriosvigentes.

Este tipo de quadro permite desenharduas grandes linhas alternativas: ou dizerque as condições atuais não permitem quese pense em desenvolvimento de recursoshumanos ou partir para o que é possível,criando condições para atividades cada vezmais abrangentes, dentro de um planeja-mento (compromisso?) de longo prazo. Aprimeira alternativa é imobilista, emborareflita, infelizmente, a conduta maiscomumente observada. Apesar de ser amais comum, sob princípios éticos e hu-manos é inaceitável. Faz parte do papel dequalquer administrador a mudança estra-tégica nas condições da organização, demodo a torná-la mais apta a desenvolversuas tarefas técnicas e a manter sua sobre-vivência, não de qualquer modo mas simatendendo cada vez mais e melhor as ne-cessidades de sua população usuária.Numa área como a de saúde, na qual apopulação apresenta necessidades in-questionáveis, seja sob o ponto de vistatécnico, seja considerando aquilo que elabusca junto ao setor, a omissão frente a as-pectos referentes ao desenvolvimento dosrecursos humanos é tender à negligênciana prestação de qualquer dos seus tipos deserviço que lhe são potencialmente atri-buíveis.

No fundo, é mister lembrar que só pro-gramas ligados à educação não esgotamem absoluto as preocupações de desen-volvimento de recursos humanos. Estedeve levar em conta as condições em queo trabalho é exercido. Trata-se aí de con-dições técnicas, sem dúvida, mas tambémdas relações entre a organização e seucorpo vivo, o que significa algum grau depreocupação com as condições de vida notrabalho, ou seja,carreira, salário, aceitaçãodo trabalhador, antes de tudo, como serhumano. Na verdade, causa espécie ouvir-se esta última hipótese, pois a premissa

CULTURA ORGANIZACIONAL

Até o início dos anos 80, cultura orga-nizacional era estudada por antropólogose sociólogos como refletindo situações es-pecíficas. Em 1984surge uma "nova" defi-nição, com um caráter muito mais voltadoà prática administrativa. Para Schein, cul-tura organizacional é o conjunto estru-turado de pressupostos básicos que umdeterminado grupo inventou, descobriu oudesenvolveu ao aprender a lidar com osproblemas de adaptação externa e deintegração interna. Se estes pressupostosforam validados pela prática, devem serensinados aos membros da organizaçãocomo a forma correta de perceber, pensare sentir com relação àqueles problemas,"

Entendendo-se que a Teoria das Orga-nizações seja influenciada pela práticagerencial, pode-se assumir que tambémesta necessidade de uma nova abordagempara a questão seja a resposta a problemasgerenciais identificados no cotidiano. Defato, observa-se que ela surge tentandoenfatizar idéias comuns, valores e formasde se trabalhar com alguma identidade,como resposta, portanto, aos fenômenosobservados de desintegração. Em últimainstância, como a sociedade se apresentadesintegrada, mas é muito difícil influirsobre ela, a organização pode e deve buscaralternativas de harmonização, por meio doconsenso e da solidariedade,"

Desta forma, assumindo uma orientaçãoprescritiva, as organizações se preparampara lidar com seus ambientes interno eexterno utilizando instrumentos básicoscomo missão, objetivos concretos, realiza-ção em função destes, acompanhamento ereparo. Grosseiramente, pode-se dizer queestes intrumentos permitem que os indi-víduos, nas organizações, tenham claro oque justifica seu trabalho, aquilo para o quetrabalham, por que trabalham, como o fa-zem e onde. Para garantir o funcionamen-to destes instrumentos, tornam-se neces-sários mecanismos comuns de compreen-são, como linguagem compartilhada, de-finição clara e consensual a respeito doslimites da organização (no mínimo, quem

6. SCHEIN,E. Coming to a newawareness 01organizational culture.Sloan Management Review, Winter,1984.

7. FLEURY, M.T.L. Cultura Organi·zacional - os modismos, as pesqui·sas, as intervenções: uma discus·são metodológica. Revista de Ad-ministração, 24(1}:3·9, 1989.

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8. MALlK, A.M. & NEUHAUSER, D.Comportamento organizacional paraadministração de serviços de saúde.Revista de Administração de Empre-sas. 23( 1) :67-72, 1983.

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dela faz parte e quem não), alternativasinternas de identificação de autoridade estatus, critérios específicos de punições erecompensas e mecanismos organizacio-nais para lidar com imprevistos,"

Ou seja, além de se constatar, comodado de realidade, que as organizaçõestêm culturas, é possível interferir sobreelas. A simples constatação do fato podegerar imobilismo, como é comum observarem organizações mais estáveis; cujosmembros têm um passado de convivênciae de criação comum de significados e devalorização de eventos ocorridos. Nestescasos, freqüentemente se menciona quequalquer mudança é difícil, pois a culturajá está estabelecida, é aceita e até "pratica-da". Na verdade, este é mais um mecanis-mo de defesa do grupo que definiu ospressupostos vigentes contra a necessida-de de se reverem os mesmos frente a novasfacetas da realidade. A validação destespressupostos se deu, certamente, frente auma dada realidade, mas esta mudou e, arigor, junto com ela, podem mudar as re-lações de poder já confortavelmenteestabelecidas, conhecidas e reconhecidas,frente às quais os atores organizacionaisdefiniram mecanismos de sobrevivência.

•••••••••••••••••••••••Todo O processo de produção pode

- e deve - ser administrado, a rigor,desde antes de seu início.

•••••••••••••••••••••••Ao mesmo tempo, é forçoso reconhecer

que diversas organizações, entre elasaquelas da área de saúde, têm mais de umacultura ou subcultura. Trata-se de reco-nhecer as diferentes maneiras pelas quaisos componentes das organizações se rela-cionam com o universo interno. Nas or-ganizações de saúde, como hospitais, porexemplo, verifica-se que as relações entreáreas-fim e áreas-meio são bastantedíspares desde a própria compreensão deseu papel na organização. Não é incomumencontrarem-se profissionais da área deadministração de recursos que se esque-cem da especificidade da assistência mé-dico-hospitalar, exceto no que diz respeitoa considerar "rebeldes" grupos profissio-nais hegemônicos quando se trata decumprir normas estabelecidas. Da mesma

forma, há profissionais voltados à ativi-dade assistencial que partem da premissaque a administração, por definição, servepara obstar os atos da nobre arte de salvarvidas, impondo constantemente limites erestrições sem sentido (para eles).

É necessário lembrar que a compreensãode cultura como categoria de análise oucomo instrumento gerencial parte das op-ções do gerente. Desta forma, cabe o reco-nhecimento, alternativo, da cultura, sejacomo mais um entre os diferentes subsis-temas que conformam a organização, sejacomo um determinante de todos os demaiscomponentes. Além disto, é preciso levarem conta qual o papel da cultura organi-zacional e de sua eventual utilidade nosentido de se preverem os comportamen-tos emergentes da organização, frente àimplantação de uma nova política internaou de se desenhar e obter os comporta-mentos desejados para a viabilização damesma.

Mais uma vez, como tema de "moda" naliteratura gerencial, a cultura organi-zacional vem sendo vendida como umamaneira de se melhorarem os resultados daorganização. Desta forma, cultura pode servista como um instrumento estratégico nosentido de garantir o alcance dos objetivos .Neste caso, qualquer mudança pode seradministrada, desde que se reconheça queela deve passar pelo consenso e pode serfacilitada por atividades de desenvolvi-mento de recursos humanos na direçãodesejada. Não é plausível esperar que asmudanças possam ocorrer a curto prazo,mas é desejável que se assuma o fato deque a mudança é variável sempre presen-te no mundo.

Finalmente, percebendo que a conduçãoda mudança por meio dos instrumentos decultura pode ser útil no sentido de dimi-nuir as incertezas e inseguranças dos atoresorganizacionais (atuando, portanto, comoum potencial redutor na emergência deconflitos), é fundamental a noção crítica doprocesso. Ou seja, é inegável que a culturacomo instrumento tem uma forte função decontrole, seja dos comportamentos dosrecursos humanos organizacionais, seja atémesmo no seu modo de pensar. A consci-ência dos trabalhadores não pode ser aba-fada a bem de uma nova política orga-nizacional, por mais legitimada interna-mente que esta seja.

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS ...

Sem dúvida, é à população que se des-tinam os trabalhos e, conseqüentemente, osprocessos do setor saúde. No mundo dasorganizações, porém, há clientes internos,não apenas da organização como um todomas de todas as suas partes componentes.Assim, um serviço que lida com vigilânciasanitária tem como clientes imediatosaqueles que devem (ou deveriam) traba-lhar segundo as normas existentes etraçadas. Se estas normas forem poucoclaras, como se pretende que elas sejamcompreendidas? No próprio processo dedefinir as normas existem diversos clientesintermediários, que vão de algum modoparticipar de sua elaboração, de sua im-plementação ou do controle de seu cum-primento.

Neste caso, passa-se a entender a orga-nização como uma série de consumidorese fornecedores sucessivos. Afinal, cada vezque se identifica um cliente, identifica-sesimultaneamente um fornecedor de pro-dutos ou serviços para eles.

Outra mudança de perspectiva neces-sária é a de que espera-se que as organiza-ções - e, portanto, seus gerentes - se po-nham a buscar, além de problemas a so-lucionar (geralmente voltados para o curtoprazo), oportunidades de melhorar a qua-lidade de seus processos internos (o quesignifica, basicamente, expandir o hori-zonte de tempo com o qual se trabalha).Fundamentalmente, passa-se a ter a noçãode que qualidade deixa de ser a responsa-bilidade de poucos atores organizacionaise passa a ser atribuição da organizaçãocomo um todo.

Mais importante, deixa de ser um termovago (como "Oferecer serviços da melhorqualidade possível") para tornar-se umconjunto de objetivos mensuráveis e bus-cados pela organização."

Numa fase em que qualidade é o termoda moda, diversos autores se debruçamsobre ela para desenhar o novo paradigma.Na verdade, não se pode falar de novidadenas bases teóricas reais que norteiam osconceitos. Analisando os pressupostos daquestão, verifica-se que, a rigor, eles reto-mam praticamente tudo o que já foi escritosobre as Teorias de Administração eenfatizam alguns dos chamados métodosestatísticos de controle (de maneira atébastante simples, não fugindo, em seusaspectos básicos, daquilo que se denomi-

No entanto, devido aos aspectos de cria-ção de consensos e de tentativa de unifor-mização de valores, a cultura orga-nizacional cai, freqüentemente, na utiliza-ção de instrumentos de educação que ul-trapassam os cognitivos e psicomotores,atingindo os afetivos. Esta tentação, de terfuncionários intrinsecamente comprome-tidos com a organização, por vezes é mui-to forte para os gerentes. Isto só pode sersuperado por meio da crítica (e autocrítica)constante.

QUALIDADE

Discutir sobre qualidade, hoje em dia,parte da premissa de que se sabe sobre oque se está falando. No entanto, isto não énecessariamente verdade. Uma das defi-nições associadas ao que atualmente sedenomina Administração da Qualidadeparte do conceito de que qualidade é for-necer ao "cliente" aquilo que ele deseja.Surge, porém, um novo problema: quem éo cliente?

Existe uma grande diferença entre osconceitos tradicionais de avaliação e con-trole de qualidade e aquele que trabalhaadministração ou gerência de qualidade. Onovo pressuposto é que não se espera terpronto um produto ou serviço para, de-pois, aferir se ele tem ou não qualidade.Pelo contrário, todo o processo de produ-ção pode - e deve - ser administrado, arigor, desde antes de seu início, partindoda premissa que se sabe o que se vai pro-duzir ou oferecer enquanto serviço.

Para este tipo de gerência, a identifica-ção do(s) cliente(s) e de suas expectativasé básica. No setor saúde, é comum chamar-se, genericamente, cliente ao usuário finaldos serviços produzidos, ou seja a popu-lação ou "os pacientes". No entanto, estadefinição é, no mínimo, abrangente de-mais. Tomar "os pacientes" como um todoé assumir que trata-se de categoria homo-gênea, com as mesmas necessidades, emtodos os âmbitos possíveis.

Este processo de despersonalização re-presenta, ao mesmo tempo, uma das críti-cas mais comuns à maneira pela qual osistema de saúde trata seus usuários euma negação daquilo que os profissionaisdo setor alegam em sua defesa quando setenta normatizar seu trabalho, o popularchavão "cada caso é um caso".

9. BERWICK, D.M.; GODFREY,A.B.& ROESSNER,J. Curing HealthGare. San Francisco, Jossey·Bass,1991.

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10. DEMING, W.E. Qualidade: a re-volução da administração, Rio deJaneiro, Marques-Saraiva, 1990.

11. GUERREIRO RAMOS, A. Mode-los de homem e teoria administrati-va. Revista de Administração Públi-ca. 18(2):3-12,1984

12. CAMPOS,A.M. Accountability:quando poderemos traduzi-Ia para oPortuguês? Revista de Administra-ção Pública, 24(2):30-50, 1990.

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nam medidas de tendência central).A grande "inovação" está em tomarem-

se todas as teorias de forma integrada.Assim, trabalhando com um entre os au-tores mais citados na área, tomando-se os14pontos de Deming'", verifica-se que elesabordam planejamento e administraçãoestratégica (quando se referem ao hori-zonte de tempo, à coerência entre as açõese às alternativas de implantação e via-bilização). Ao mesmo tempo, retornam àchamada administração científica, quandoanalisam o processo em busca da "melhormaneira" de se trabalhar e quando se de-bruçam sobre aspectos fundamentais detreinamento e retreinamento técnico e paraa qualidade. No caso, a grande diferença énão assumir a priori o conhecimento destamelhor maneira, mas sim dar-se conta deque os trabalhadores envolvidos nos pro-cessos são quem melhor condição apre-sentam de aprimorá-los (emprestando, dealgum modo, as premissas dos Círculos deControle de Qualidade). A escola de Rela-ções Humanas também é objeto de aten-ção, por meio de afirmativas como a de queé necessário afastar o medo reinante entreadministradores e trabalhadores técnicos.As teorias de motivação têm seu lugarquando se trata de "eliminar as barreirasao orgulho da execução".

A Teoria Geral de Sistemas tem lugar dedestaque no desenho da proposta, uma vezque um de seus termos-chave é processo.Mais uma vez, porém, aparece uma dife-rença básica com seu entendimento maisusual. Neste caso, o processo deixa de se-quer poder ser entendido como uma caixapreta, pois é de seu conhecimento emprofundidade que partem as mudançaspretendidas. Ou seja, altera-se o conceitotradicional de que importa basicamenteatingir os objetivos, seja por que processofor, uma vez que se percebe que a conse-cução dos objetivos depende direta e ine-quivocamente da maneira pela qual foremconduzidos os processos.

Finalmente, é necessário apresentar umacaracterística que nem sempre é levada emconta nas discussões a respeito da admi-nistração da qualidade. Afinal, é subjacenteao seu discurso o respeito pelo ser humano,seja enquanto consumidor (no caso dasaúde, real ou ainda potencial) seja en-quanto ator organizacional, assumindo um"modelo de homem" racional, dono de seu

próprio destino dentro e, principalmente,fora da organização e de quem depende aqualidade daquilo que se produz." Comisto, este modelo torna-se tentador emfunção de seus aspectos de nova relaçãoentre trabalhador e organização.

Por outro lado, porém, todas as premis-sas administrativas sobre as quais se as-senta o modelo são voltadas à redução decustos, à diminuição das perdas e do des-perdício por intermédio da eliminação danecessidade de retrabalho frente à correçãodos erros que levam ao trabalho mal feito.Ou seja, por mais que se diga que não setrata de buscar culpados, eles ainda sãofreqüentemente encontrados e tratadoscomo tal. A rigor, a teoria é mais atraenteque sua aplicação na prática, principal-mente em organizações de grande porte,nas quais não existe a real garantia de en-tendimento das propostas, conforme pre-conizado no modelo, por toda a organiza-ção.

DESENVOLVIMENTO DE RECURSOSHUMANOS, GERÊNCIA DE QUALIDADE ECULTURA DAS ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE

Frente às colocações acima, é impossívelfalar de gerência de qualidade sem consi-derar, em primeiro lugar, desenvolvimen-to de Recursos Humanos. As organizaçõesque se conhecem, envolvidas no processode implantação deste tipo de atitude (en-tendendo, portanto, gerência de qualidadeacima de tudo como atitude), defrontam-secom a necessidade de desenvolver umnovo "pacto" interno, em que a valorizaçãodo trabalhador é um passo inicial e pré-requisito para qualquer seguimento. Destaforma, também se conhecem organizaçõesque não conseguem desencadear o pro-cesso por recearem os investimentos ne-cessários.

De fato, uma das primeiras constataçõesnecessárias para se implantar a adminis-tração da qualidade é que Recursos Hu-manos devem passar a ser vistos comoinvestimento e não apenas, como é tãocomum observar no setor saúde, comomais um item de custeio. A segunda seprende a uma nova noção de responsabi-lidade social (accountability)12, ou seja, àalteração da cultura do setor.

Na verdade, a saúde é uma das áreas emque os técnicos consideram menos neces-

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ção diagnóstica que lhes são oferecidas,quando o serviço cessa de tomar decisõesem seu nome, sem conhecer suas reais ex-pectativas. Alguns serviços, enquadradosna categoria da assistência médica suple-tiva, como autoprogramas, apregoamcomo grande vantagem na racionalizaçãodo consumo de serviços por parte de seusbeneficiários o conhecimento que estespossuem a respeito de preços de diferentesprocedimentos.

sário justificar quaisquer atitudes, uma vezque as organizações consideram deter oconhecimento, sendo cada área a donaabsoluta de sua expertise. Desta forma, osmédicos herdam o poder de seus pares e seassumem, em última instância, como res-ponsáveis pela vida (nem sempre pelobem-estar) de seus pacientes. Os enfer-meiros respondem pelos procedimentosrealizados e, em nome da qualidade, qua-se sempre se consideram abaixo do nú-mero ideal de profissionais de que neces-sitariam para melhorar o serviço prestado .

Desta forma, pode parecer que qualida-de é função de quantidade de recursoshumanos, sendo seu déficit um fator deimobilismo. Quadros de pessoal aumen-tados, em qualquer área, porém, nem ga-rantem qualidade nem são vistos comosatisfatórios. Pode-se até mesmo dizer quechegam a ser um obstáculo a um serviçomais adequado, pois favorecem a ato-mização do trabalho e a perda da visão dotodo (sempre dentro de limites, bem en-tendido, pois existem de fato condiçõesde inaceitabilidade observadas com algu-ma freqüência nas organizações do setor).

Tirando o foco dos hospitais, as infor-mações a respeito de saúde dirigidas àpopulação em geral não costumam atingirseu alvo. Por isto, por exemplo, a necessi-dade de campanhas de vacinação, maci-çamente divulgadas e caras, para suprir adeficiência de programas de sensibilizaçãoem relação à imunização como necessida-de e como atividade rotineira (mais umavez, ressalvados os aspectos técnicos es-pecíficos voltados à imunização). O mesmose pode dizer com relação a aleitamentomaterno, direitos em relação à saúde etc.Cabe ainda lembrar que o termo "popula-ção em geral" inclui boa parte dos traba-lhadores da área, que freqüentemente ig-noram o que não seja diretamente relacio-nado a suas tarefas específicas.

Assim, o novo conceito de responsabili-dade social prende-se ao fato de os profis-sionais do setor assumirem seu papel nainformação à população, com dados reaise numa linguagem acessível. Isto pode serconsiderado óbvio. No entanto, entra aítambém a questão dos custos. Estudosnorte-americanos mostram que consumi-dores bem informados passam a optarconscientemente entre diversas alternati-vas de conduta médica e até de investiga-

•••••••••••••••••••••••Seguir receitas é arriscado, quandonão danoso. A criatividade deve ser

a bússola da organização, se equando esta considerar oportunomudar sua cultura para oferecer

serviços mais adequados àsnecessidades percebidas.

•••••••••••••••••••••••O grande motivador deste processo de

informação (ou de, no mínimo, prestaçãode contas) nos Estados Unidos são osfinanciadores da área da saúde, que pas-sam a querer saber pelo que pagam." NoBrasil, onde o maior financiador da assis-tência médica continua a ser a Previdência,não se pode ainda dizer que os critérios deremuneração passem pelo conhecimentodos procedimentos prestados, salvo emalgumas iniciativas isolàdas como é o cãsodos centros de excelência envolvendo áreascomo Oncologia, Traumato-Ortopedía eCardiologia.

Estas ponderações valem também paraos financiadores privados que, embora te-nham sistemas de controle mais eficazes,não necessariamente entram no mérito dareal necessidade dos procedimentos reali-zados. Até que ponto, no entanto, as nor-mas existentes resolvem o problema? Atéque ponto os responsáveis pelas normasconsideram seus usuários como clientes?Pelo contrário, são bastante usuais os pro-testos dos profissionais, principalmente osmédicos, no sentido de considerarem asnormas como "padrões mínimos", impe-dindo-os de utilizar todos os avanços daciência médica a serviço do paciente ...

Passa-se aí a ter que considerar questõesrelativas à ética,.cujos limites são extrema-

13. BERWICK, 0.1.1.; GODFREY,A.B. ROESSNER, J. Op.c~, p.4.

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ma ARTIGO

14. DONABEDIAN, A. A guide tomedicaI care administration. VaI. 11.Washington, AUPHA, 1975.

15. COUCH, J.B. (Org.) Heaffh carequality management for the 21'tcentury. Tampa, American College01Physician Executives, 1991.

16. BURMESTER, H. &BERTOLUCCI, R. O programa deavaliação da qualidade do atendi·mento médico·hospitalar do Estadode São PaulodaAssociação Paulistade Medicina. mimeo, 1991.

17. PROAHSA· Programa de Estu·dos Avançados em AdministraçãoHospitalar e de Sistemas de Saúde.Manual de organização €I procedi·mentos hospitalares. São Paulo, Po-neira, 1987.

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mente delicados. Este não é um aspectopassível de ser considerado em poucas li-nhas e portanto, só está sendo apontadocomo lembrança. De qualquer forma, estescontornos já foram trabalhados, com bas-tante ênfase, há décadas, por Donabedian,autor tradicional do campo de conheci-mento da Avaliação em Saúde."

Por outro lado, nos EUA já há um fortemovimento no sentido de tentar viabilizara administração da qualidade como práti-ca corrente na área de saúde, seja para ra-cionalizar custos, seja para manter / ad-quirir mercado, seja apenas para evitarprocessos legais. O Colégio Americano deExecutivos Médicos (American College ofPhysician Executives) publicou, em 1991,um livro no qual tenta enxergar até o sé-culo XXI, no qual se preocupa com forçasambientais que afetam a gestão da quali-dade, com a emergência e com a formula-ção de novos parâmetros e apresenta si-tuações concretas de implantação da novafilosofia."

No Brasil, também se verifica a preocu-pação das associações médicas com estaproblemática. Em São Paulo, a AssociaçãoPaulista de Medicina, por intermédio daSociedade Médica Paulista de Adminis-tradores de Saúde, desenvolveu um Pro-grama de Avaliação da Qualidade doAtendimento Médico-Hospitalar do Esta-do de São Paulo (CQH - Controle deQualidade Hospitalar) que, embora não seapóie claramente nas linhas tradicionais deadministração de qualidade, certamentetrabalha questões da cultura dos hospitais.Um dos primeiros sintomas a este respeitoé que se trata de um programa voluntário,que busca a adesão das instituições quedesejem trabalhar a questão. Em segundolugar, vem a tentativa de não visar a clas-sificações, mas sim de buscar a sistemati-zação de instrumentos de medida de qua-lidade, ainda em desenvolvimento e cer-tamente não consensuais. O terceiro (emais estranho à realidade brasileira) vemcom a premissa de que, se a preocupaçãocom a qualidade existe, não se corre o ris-co de haver, por parte das organizaçõesque aderirem à proposta, qualquer tipo demanipulação de dados."

Esta é, sem dúvida, uma nova forma dese olhar para a qualidade abandonando apostura policial externa de avaliação/au-ditoria, controlista e punitiva, em favor

de uma atitude interna, prospectiva, auto-avaliativa e, fundamentalmente, educativa.Uma das formas de se tentar trabalhar es-tes aspectos está, por exemplo, na manua-lização. Manuais não são novidade naprática administrativa, mas sua utilizaçãocostuma estar longe daquela teoricamentepreconizada. Já existem propostas genéri-cas de manuais de organização e rotinashospitalares à disposição daqueles que seinteressam por modelos."

No entanto, não se trata, certamente, detomar manuais já prontos e copiá-los, ati-tude não incomum em nosso meio. Pelocontrário, quer-se propor que se veja naelaboração de rotinas um mecanismo paraestudar aquelas já existentes, à luz de suaadequação a cada situação e, eventual-mente, a aspectos técnicos apresentadosnos manuais teóricos. A elaboração coleti-va de rotinas, sua utilização no dia-a-dia eem programas de educação e treinamentodentro da organização, além de sua atua-lização sempre que necessário, tendem amudar a prática. Atualmente, quando hámanuais atualizados, verifica-se sua utili-zação basicamente como mecanismo deavaliação / cobrança. A nova visão assumeque o instrumento pode estar pouco ade-quado, sendo, portanto, passível de corre-ção e adaptação.

A rigor, isto traz em si uma noção pou-co usual no setor saúde, voltada para"administração de desempenho", a sercontraposta à avaliação de desempenho,atomizada, periódica e, freqüentemente,realizada sobre critérios obscuros, se nãopara o avaliador certamente para o avalia-do. A explicitação de critérios organiza otrabalho, oferece direção ao trabalhador epermite que se perceba o conceito de"parceiros" intra-organizacionais, talvezmais claro que o de clientes internos. Aquantidade de hospitais onde diferentesserviços são vistos, uns pelos outros, comoobstáculos e não como facilitadores falamuito a favor da necessidade de se opera-cionalizarem novas relações de trabalho.

CONCLUSÕESDesta maneira, administração da quali-

dade em saúde implica em mudança nacultura do setor. Como qualquer mudançade cultura, seu horizonte de tempo é olongo prazo. Mais que isto, trata-se de um

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS HUMANOS ...

com este rótulo a tentativa de se reverteraquilo que, neste momento, não satisfaznem aos trabalhadores do setor nem a seususuários.

Por isto, seguir receitas é arriscado,quando não danoso. A criatividade deveser a bússola da organização, se e quandoesta considerar oportuno mudar sua cul-tura para oferecer serviços mais adequadosàs necessidades percebidas. As técnicas jádesenhadas são, sem dúvida, úteis, masnão são mais que técnicas. Neste caso, ofundamental são os princípios, entre osquais os éticos, que devem sair dos dis-cursos e chegar às práticas.

Um dos pontos de Deming aponta jus-tamente para isto: trata-se de adotar de fatoa nova filosofia, e não brandi-la corno umestandarte de comportamento adequado, .apenas para abrir novos segmentos demercado, obter novos financiamentos ecooptar seus novos e antigos trabalhado-res.

Administradores do setor saúde devemassumir que a necessidade por qualidadecorno entidade definível existe e que fazparte de seu papel a criação de um ambi-ente que facilite sua obtenção. Em últimainstância, isto significa interferir sobre acultura da organização de modo a partilharcom todo seu corpo vivo a responsabilida-de pela qualidade. Ou seja, qualidade setorna indelegável."

Na verdade, isto ainda requer urna dosede humildade, no sentido de reconhecer aignorância que existe a respeito. Até omomento, não se pode falar a respeito detodas as competências necessárias nem detodos os componentes da qualidade emsaúde, porque se conhecem poucas expe-riências, estas tendem a ser diferentes en-tre si e seu período de desenvolvimentopode ser considerado curto. Ou seja, ele-mentos que permitam discriminar o que sedeve a o que, em termos de sucesso ou defracasso, não estão claros.

O que certamente está claro é que setrata de um processo de longo prazo, parao qual quase todos os esforços estão por serdesenvolvidos. Discutir questões admi-nistrativas sem estabelecer (novos)parâmetros assistenciais ej ou de resulta-dos será aplicar de forma parcial um ins-trumento e mais urna vez defender a falá-cia de que a tecnologia administrativa nãoé aplicável! aplicada ao setor saúde. O

compromisso a ser conduzido constante-mente.

Em última análise, é a busca de ex-plicitar urna aliança teoricamente tácitaentre o setor (por intermédio de suas or-ganizações) e a população, que necessitapassar por um processo aberto interno àsorganizações. Diz a teoria que administra-ção da qualidade não deve ser implantadaem partes isoladas da organização. Pelocontrário, sem o compromisso da cúpuladirigente pouco será alcançado. Mais urnavez, segundo os livros-texto, é imprescin-dível envolver toda a organização, de seusescalões superiores até os inferiores.

A realidade observada, principalmenteno setor saúde, no Município de São Pau-lo, mostra que estes dogmas podem serrelativizados. Em um dos hospitais quevem trabalhando com esta idéia, a movi-mentação partiu dos médicos e vem se es-palhando, de maneira atomizada, pela or-ganização, que já começou a trabalhar coma perspectiva de adequar sua política derecursos humanos à nova realidade. Nou-tro, o programa surgiu por iniciativa doórgão de Recursos Humanos, que prepa-rou um programa preliminar em fase denegociação com a administração superior.Noutro ainda, se está trabalhando em urnadas áreas-meio, na tentativa de se obter umefeito demonstração que convença os diri-gentes a desencadearem alguns dos esfor-ços necessários para que a idéia torne cor-po. Em organizações voltadas à produçãode insumos, nas quais a racionalidade ad-ministrativa é diferente daquela prevalentenos serviços, já se têm compromissosinstitucionais e processos muito mais avan-çados no tempo, contando com anos deevolução.

Qualquer iniciativa parece válida, nestemomento inicial. É mais fácil entender-se alógica dos princípios da gerência de quali-dade em fábricas, pois em organizações deserviços, a rigor, os produtos são muitomenos precisos. Por isso, a área de presta-ção de assistência à saúde e, dentro dela ade assistência médico-hospitalar, vemsendo abordada com mais cautela.

A administração da qualidade não é re-ceita, nem deve ser encarada corno modis-mo. Por mais que seus princípios, cornotantos outros, não pareçam inovadores atodos, por mais que se tenha a impressãode que tudo já foi tentado, reveste-se hoje

18. FILERMAN, G.L. & GELMON,S.B. Teaching managementcompetencies for qualityimprovement. Association ofUnivarsity Programs in HealthAdministration,mmso, 1992.

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