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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS VITOR TOFFOLI DESAFIOS PARA TUTELA DO DIREITO AUTORAL NA ERA DIGITAL, RELAÇÕES COM O DIREITO À EDUCAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA, COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DESSES DIREITOS DA PERSONALIDADE: CONFLITOS E POSSÍVEIS SOLUÇÕES CONCILIATÓRIAS MARINGÁ 2013

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ

MESTRADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS

VITOR TOFFOLI

DESAFIOS PARA TUTELA DO DIREITO AUTORAL NA ERA DIGITAL,

RELAÇÕES COM O DIREITO À EDUCAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA, COMO

MEIO DE EFETIVAÇÃO DESSES DIREITOS DA PERSONALIDADE: CONFLITOS

E POSSÍVEIS SOLUÇÕES CONCILIATÓRIAS

MARINGÁ

2013

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TOFFOLI, Vitor. Desafios para tutela do direito autoral na era digital, relações com o direito à educação e o Acesso à Justiça, como meio de efetivação desses direitos da personalidade: conflitos e possíveis soluções conciliatórias. 2013. 208 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2013.

Esta dissertação está licenciada pela licença Creative Commons cc-by-nc-nd (Atribuição-Não Comercial - Sem Derivados 3.0 Não Adaptada)

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Entre em contato com o autor, envie um e-mail para: [email protected] http://vitortoffoli.wordpress.com/dissertacao/

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VITOR TOFFOLI

DESAFIOS PARA TUTELA DO DIREITO AUTORAL NA ERA DIGITAL, RELAÇÕES

COM O DIREITO À EDUCAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA, COMO MEIO DE

EFETIVAÇÃO DESSES DIREITOS DA PERSONALIDADE: CONFLITOS E

POSSÍVEIS SOLUÇÕES CONCILIATÓRIAS

Dissertação apresentada ao Centro Universitário de Maringá, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Jurídicas, subárea de Direitos da Personalidade, linha dois – Instrumentos de efetivação dos direitos da personalidade, sob a orientação do Professor Doutor José Sebastião de Oliveira.

MARINGÁ

2013

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VITOR TOFFOLI

DESAFIOS PARA TUTELA DO DIREITO AUTORAL NA ERA DIGITAL, RELAÇÕES

COM O DIREITO À EDUCAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA, COMO MEIO DE

EFETIVAÇÃO DESSES DIREITOS DA PERSONALIDADE: CONFLITOS E

POSSÍVEIS SOLUÇÕES CONCILIATÓRIAS

Dissertação apresentada ao Centro Universitário de Maringá, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Jurídicas, subárea de Direitos da Personalidade, linha dois – Instrumentos de efetivação dos direitos da personalidade, sob a orientação do Professor Doutor José Sebastião de Oliveira.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA:

_______________________________________________ Prof. Dr. José Sebastião de Oliveira (Orientador) CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ – CESUMAR _______________________________________________ Prof. Dr. Ivan Aparecido Ruiz CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ – CESUMAR _______________________________________________ Prof. Dr. Thiago Lopes Matsushita PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

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Dedico esse trabalho aos meus pais, Pedro e Valéria, e ao meu irmão, Lucas, pelo estímulo, ternura, acalanto e paciência, e à minha família, nas pessoas de meus avós maternos.

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AGRADECIMENTOS

Ao professor Dr. José Sebastião de Oliveira, meus profundos

agradecimentos, sua orientação, disponibilidade no atendimento às dúvidas,

parceria na pesquisa, o empréstimo de centenas de obras (algumas raríssimas),

paciência e sabedoria na orientação, e a profundidade de suas lições, sempre

relacionadas com os momentos históricos, demonstram sua contagiante paixão e

compromisso com a educação, como meio de realização do ser humano, e sua

nobreza em compartilhar e transmitir esse mesmo entusiasmo a este orientado.

Tudo isso permite mais do que uma brilhante orientação em um estudo de pós-

graduação, consubstanciando-se em uma referência para formação do pesquisador

e do ser humano. Pessoa na qual, oportunamente, faço meu agradecimento aos

demais professores do programa.

Ao Juiz de Direito, Alberto Marques dos Santos, meu obrigado, sua

constante compreensão, em especial neste último ano, sua abertura ao debate, seus

conselhos, e seu exemplo ético, a ser seguido, norteiam o ser humano profissional e

pessoalmente.

Ao advogado Fernando Santiago Januncio, colega com quem, por horas a

fio, discuti as mais diversas teses jurídicas, e pude contar nos momentos

necessários.

Aos funcionários do Centro Universitário de Maringá, em especial, à Eloíza e

à Mara, aquela pela ajuda nos diversos trâmites burocráticos junto a Secretaria do

programa de Mestrado, e esta pela atenção outorgada junto à biblioteca central,

pessoas nas quais estendo meus agradecimentos a todos os demais funcionários da

instituição.

Igualmente, agradeço ainda, em especial, a Priscila Bertolini, colega de

mestrado, pela qual, desdobro meus agradecimento aos demais colegas, ainda, as

seguintes pessoas: Simona Busatta, Marco Nussio, Pablo Palaro, Michelle Alves

Lima, Edson Vendrame e Elionora Cardoso, que, juntamente com outras pessoas,

contribuíram substancialmente com a minha formação acadêmica stricto sensu.

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“O sistema econômico, em si mesmo, não possui critérios que

permitam distinguir corretamente as formas novas e mais

elevadas de satisfação das necessidades humanas, das

necessidades artificialmente criadas que se opõem à formação

de uma personalidade madura.”

(Papa João Paulo II, encíclica centesimus annum)

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RESUMO

Esta dissertação aborda o direito autoral, estudando os desafios da tutela de referido direito da personalidade na era digital, relacionando-o com o direito à educação e o Acesso à Justiça, buscando localizar possíveis soluções conciliatórias. Para tanto examina a teoria dos direitos da personalidade, expondo as suas origens históricas, a evolução conceitual, sua previsão no ordenamento jurídico brasileiro e seus principais atributos e características, de modo a embasar a compreensão do Direito Autoral e do Direito à Educação como direitos da personalidade. Analisa a questão do Acesso à Justiça, abordando a crise de legitimidade do Poder Judiciário, evidenciando que não se trata apenas de crise numérica. Compreende o Acesso à Justiça como meio de se tutelar direitos da personalidade, a partir do qual se pode extrair o conceito de efetivo Acesso à Justiça, que supera a questão da celeridade, se transpondo para ser uma resposta material ao cidadão, tratado neste estudo como acesso a uma ordem jurídica justa, em específico, no direito autoral. Estuda o Direito à Educação, expondo os principais pontos históricos que o envolve, a relação entre educação e poder, a previsão legal, e a alocação de tal direito como direito da personalidade. Situa o locus do direito autoral como gênero da propriedade intelectual. Delineia o histórico do direto autoral, para isso estabelece análise do tema a partir do período Pré-histórico até à Idade Contemporânea, cuidando do progresso desse direito, cuja primeira sistematização se deu por meio do Statute of Anne de 10 de abril de 1710, até a proteção conferida no Brasil pela Convenção de Berna e pela Lei Federal nº 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998, principalmente. Expõe os principais sistemas existentes (copyright, copyleft e Russo) e, em seguida, aborda os mais relevantes conceitos e teses sobre sua natureza jurídica. Especifica o objeto da tutela e exalta o livro como meio de emanação e realização da personalidade. Sistematiza os principais aspectos legais relevantes, como a cessão dos direitos autorais, as limitações e formas de violação, ao final compreendendo-se como direito da personalidade. Pesquisa a era digital abordando o advento da informática e do mundo digital, posteriormente pondera sobre internet e suas redes precursoras, para depois expor dados estatísticos sobre a utilização dessa rede no Brasil bem como dados sobre a leitura de livros digitais. Estuda as consequências jurídicas de tal fenômeno no direito autoral e sua tutela. Rechaça as tradicionais e ineficientes soluções consistentes no enrijecimento legal, demonstrando que a atual sistemática não observa os interesses do autor e do leitor, e mantém inalterada a autonomia privada, apesar do fenômeno de constitucionalização do direito. Conclui-se o desenvolvimento do trabalho propondo a remodelagem parcial do sistema de direito autoral, a partir da inserção da reversão parcial de direitos autorais cedidos, bem como dissertando sobre as atuais propostas conciliatórias, consistentes nos sistemas do fair use, da copyleft e do creative commons, e alertando para a necessidade de constante estudo do tema, sob a perspectiva crítica, bem como do despertar de políticas públicas, voltadas à educação a partir do direito autoral. Palavras-chave: Direitos da Personalidade. Direito Autoral. Direito à Educação. Era Digital. Reversão parcial. Copyleft. Copyright. Creative Commons.

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ABSTRACT

This dissertation addresses Copyright Law, studying the challenges of that personality right in the digital age, linking it to the right to education and access to justice, trying to find possible solutions for its problems. For that, it examines the theory of personality rights, exposing its historical origins, the conceptual evolution, its legal provisions on Brazilian law, and its attributes and characteristics, in order to base the understanding of the Copyright Law and the Right to Education as personality rights. It examines the issue of Access to Justice, addressing the crisis of legitimacy of the judiciary, showing that it is not just a crisis of numbers. It comprises Access to Justice as the means to protect personality rights, from which it one can extract the concept of effective access to justice, which surpasses the issue of the quick resolution of a dispute, transposing it so that it can be a material response to the citizen, addressed in this study as access to a righteous legal system, specifically in Copyright Law. It studies the Right to Education by exposing the main historical points that involve the relation between education and power, the legal provisions, and the concretization of those rights as personality ones. It situates the locus of copyright as a genus of intellectual property rights. It outlines the history of Copyright Law. To do so, it analyses the theme from the prehistoric period to the Contemporary Age, observing the progress of this right, and its systematization since the Statute of Anne of April 14th, 1710, until protection afforded in Brazil under the Berne Convention and Federal Law No. 9610 of February 19, 1998, mainly. It outlines the top systems (copyright, copyleft and Russian) and then discusses the most relevant concepts and theories about their legal form. It specifies the subject of the tutelage and brings up the book as a means of emanation and realization of personality. It systematizes the main legal aspects, like cession of copyright, its limitations and forms of violation, wrapping it up to show that it is a personality right. It researches the digital era approaching the coming of computer technology and the digital world, then making considerations about Internet and its predecessors to later expose statistical data on the use of this network in Brazil as well as data on the reading of digital books. It studies the legal consequences of such a phenomenon in Copyright law and its guardianship. It rejects the traditional and inefficient solution of hardening the legal system, demonstrating that the current system does not respect the interests of the author and the reader, and keeps unchanged private autonomy, despite the phenomenon of constitutionalization. It ends the work by proposing a new system, named "partial reversal of copyright", as well as showing current conciliatory proposals, consistent of systems of fair use, the copyleft and creative commons, and stressing the need for constant study of the subject, under critical perspective as well as the awakening of public policies aimed at education, by the copyright. Keywords: Personality Rights. Copyright Law. Right to Education. Digital Age. Partial reversal. Copyleft. Copyright. Creative Commons.

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RIASSUNTO

Questa dissertazione riguarda il diritto d’autore, studiando i dibattiti della tutela del diritto menzionato per la personalita’ nell’ era digitale. Si confronta con il diritto all’ educazione e all’ accesso alla giustizia, cercando di trovare possibili soluzione di conciliazione. Pertanto si esaminera’ la teoria dei diritti della personalita’, esponendo le sue origini storiche, l’ evoluzione concettuale, e la sua previsione nell’ordinamento giuridico brasiliano. Si tratteranno i suoi principali attributi e caratteristiche in modo da chiarire la comprensione sia del diritto d’ autore e sia del diritto all’educazione come diritti della personalita’. In sequenza si intende l’accesso alla giustuzia come mezzo di autotutela dei diritti della personalita’, da questo si puo’ partire per estrarre l’effettivo concetto di accesso alla giustizia come una risposta materiale al cittadino, che e’ stato trattato come accesso ad un ordine giuridico giusto, specificatamente nel diritto d’ autore. Si analizza il diritto all’ educazione dimostrando i principali fattori storici correlati, la relazione fra l’educazione ed il potere, la sua previsione legale e la sua collocazione di tale diritto come diritto della personalita’. Si evidenzia il “locus” del diritto d’ autore come genere della proprieta’ intellettuale, si delinea la storia del diritto d’autore e per questo si stabilisce l’ analisi del tema a partire dal periodo preistorico fino all’eta’ contemporanea. Si pone attenzione al progresso di questo diritto la cui la prima sistemazione fu data per mezzo dello Statute of Anne del 14 aprile 1710, fino alla protezione data in Brasile attraverso la Convenzione di Berna e principalmente tramite la Legge Federale n. 9610 del 19 febbraio 1998. Si espongono il principali sistemi esistenti (Copyright, Copyleft e Russo) e, nella sequenza si discutera’ dei piu’ rilevanti concetti e tesi sulla sua natura giuridica. Si puntualizza l’oggetto della tutela e si esalta il libro come mezzo di emanazione e realizzazione della personalita’. Si organizzano i principali aspetti legali rilevanti come la cessioni di diritti d’ autore, le limitazioni e le forme di violazione; alla fine si capisce come diritti della personalita’. Si ricerca nell’ era digitale studiando l’avvento dell’ informatica e del mondo digitale, dopo si discute su internet e le sue reti precursori dopodiche’ si va ad esporre dati statistici sull’utilizzo di questa rete in Brasile, come dati di lettura di libri digitali. Si studiano le conseguenze giuridiche di questo fenomeno nel diritto d’autore. Si fanno risaltare le tradizionali, ma inefficienti soluzioni, consistenti in un irrigidimento legale, dimostrando che l’ attuale sistemazione, nonostante il fenomeno della costituzione del diritto, non osserva gli interessi dell’ autore e del lettore anche se mantiene inalterata l’autonomia privata. Si conclude proponendo una rimodellazione parziale del sistema del diritto d’autore a partire dall’ inserimento della reversione parziale dei diritti d’autore ceduti, cosi come discutendo delle attuali proposte conciliatorie consistenti nei sistemi del fair use, del copyleft e del creative commons. Si averte la necessita’ di un costante studio di questo tema sotto una prospettiva critica, cosi’ come il risveglio di politiche pubbliche rivolte all’ educazione che viene dal diritto d’autore. Parole chiave: Diritto della personalita’. Diritto d’autore. Diritto all’ educazione. Era digitale. Reversione parziale. Copyleft. Copyright. Creative Commons.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 12 2 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE .............................................................. 18 2.1 CONSTRUÇÃO DA TEORIA .............................................................................. 18 2.1.1 Noções Históricas ........................................................................................ 18

2.2 EVOLUÇÃO CONCEITUAL ................................................................................ 22 2.2.1 A opção por cláusulas gerais ...................................................................... 22 2.2.2 Conceitos ................................................................................................... 24 2.3 PREVISÃO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO: DETALHAMENTO ................ 28

2.4 ATRIBUTOS E CARACTERÍSTICAS: DESCONSTRUÇÃO NECESSÁRIA ....... 31 3 DO ACESSO À JUSTIÇA .................................................................................... 39 3.1 NOTAS INICIAIS ................................................................................................. 39

3.2 MOVIMENTOS E CONCEITO DE ACESSO À JUSTIÇA ................................... 45 3.2.1 Noções Históricas ........................................................................................ 45 3.2.1.1 Noções gerais ............................................................................................... 44 3.2.1.2 A terceira onda de Acesso à Justiça ............................................................. 46 3.2.2 Conceito de Acesso à Justiça: Construção necessária ........................... 49 3.3 O ACESSO À JUSTIÇA COMO MEIO DE CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE .............................................................................................. 53 3.3.1 Relação necessária ...................................................................................... 53 3.3.2 O efetivo Acesso à Justiça .......................................................................... 57

4 DO DIREITO À EDUCAÇÃO ............................................................................... 59

4.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA .................................................................................. 59

4.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ...................................................................... 59 4.2.1 Desenvolvimento geral da educação .......................................................... 59

4.2.2 O direito à educação no Brasil .................................................................... 65 4.2.2.1 Brevíssimas considerações ........................................................................... 64 4.2.2.2 O direito à educação nas constituições brasileiras ........................................ 69 4.3 DIREITO À EDUCAÇÃO COMO DIREITO DA PERSONALIDADE .................... 76

4.3.1 Notas iniciais ................................................................................................ 76 4.3.2 Conflito: direito social e direito da personalidade .................................... 79 5 DO DIREITO AUTORAL ...................................................................................... 83 5.1 LOCUS................................................................................................................ 83

5.2 BREVE HISTÓRICO ........................................................................................... 84

5.2.1 Na pré-história .............................................................................................. 84

5.2.2 Idade Antiga .................................................................................................. 84

5.2.3 Idade Média ................................................................................................... 85 5.2.4 Idade Moderna .............................................................................................. 86 5.2.5 Idade Contemporânea .................................................................................. 88 5.2.5.1 O surgimento no contexto mundial ................................................................ 87 5.2.5.2 O direito autoral no Brasil .............................................................................. 88 5.3 SISTEMAS EXISTENTES ................................................................................... 94 5.4 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA ................................................................ 96 5.5 O OBJETO DA TUTELA ..................................................................................... 99 5.5.1 Aspectos gerais ............................................................................................ 99 5.5.2 O livro enquanto emanação do direito autoral ........................................ 105 5.6 ASPECTOS LEGAIS RELEVANTES ................................................................ 114

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5.6.1 Cessão do Direito Autoral.......................................................................... 114

5.6.2 Limitações ................................................................................................. 118 5.6.3 Formas de violação e sistemas tradicionais de tutela ............................ 120 6 DO DIREITO AUTORAL NA ERA DIGITAL – VIOLAÇÕES E POSSÍVEIS SOLUÇÕES CONCILIATÓRIAS ............................................................................ 129 6.1 A ERA DIGITAL: O TEMPO DOS BITS – NOÇÕES DE ORDEM TÉCNICA .... 129

6.2 O DESAFIO DA EFETIVA TUTELA: UMA NOVA VISÃO SOBRE O PROBLEMA . .............................................................................................................................133 6.2.1 Notas iniciais .............................................................................................. 133 6.2.2 (Re)leituras necessárias, a proposta deste estudo ................................. 145 6.2.2.1 Justificativas teóricas e práticas .................................................................. 144 6.2.2.2 A proposta deste estudo .............................................................................. 158 6.2.3 Sistemas alternativos de tutela ................................................................. 165

6.2.3.1 Fair use.......... ............................................................................................. 164 6.2.3.2 Copyleft……… ............................................................................................ 169 6.2.3.3 Creative Commons ...................................................................................... 172 6.2.4 As bibliotecas digitais ................................................................................ 181

6.2.5 Nota final.... ................................................................................................. 183 7 CONCLUSÃO .................................................................................................... 187

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 191 ANEXO – PROPOSTA DE LEGE FERENDA ......................................................... 207

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1 INTRODUÇÃO

A razão de ser desta pesquisa é a investigação acadêmica da tutela do

direito autoral diante das diversas formas de violação surgidas a partir do

desenvolvimento da informática, em especial, da internet. A solução midiática, de

enrijecimento legal (como, aliás, foi feito no direito autoral, por meio da Lei nº 10.695,

de 1º.7.2003, que alterou o art. 184 do Código Penal) parece demasiadamente

demagógica e refratária à própria essência do mundo virtual, extremamente

dinâmico e tendenciosamente democrático, presente numa realidade imaterial.

O desenvolvimento do conceito de tutela dos direitos, principalmente a partir

da Constituição da República de 1988, está em transformação, de acesso ao Poder

Judiciário, para Acesso à Justiça; fenômenos jurídicos diametralmente distintos. O

Acesso à Justiça exige não apenas a resposta da jurisdição – que é o acesso ao

judiciário – mas retoma a justiça num contexto social de garantia, além do Estado-

Poder Judiciário, se transformando num instrumento de efetivação dos direitos da

personalidade, e por vezes, fora da Jurisdição, e extremamente relacionado com o

direito material, de sorte, ele exige o acesso a uma ordem jurídica justa, aspecto

este priorizado no desenvolvimento deste estudo.

No campo do direito autoral há tempos a autonomia privada plena se

consolidou, e o seu surgimento decorreu, essencialmente, da tutela de interesses

dos editores e dos livreiros, com o caso de 1557, com a outorga por Felipe e Maria

Tudor à Stationer’s Company do direito de exclusividade para publicação de livros,

donde erigia o Copyright alguns anos depois (1710), e a proteção só se voltou

formalmente ao autor com a Revolução Francesa, a partir de normas de 1791 e

1793, aprovadas na assembleia constituinte, e que romperam definitivamente com o

sistema copyright (do ponto de vista formal).

Ainda assim, e decorrente do próprio princípio de liberdade da Revolução

Francesa, apesar da proteção pelo sistema francês, que é adotado pelo Brasil, se

direcionar, formalmente, ao autor, criador da obra estética, o lastro na liberdade da,

exaltada, autonomia privada, impediu que materialmente o interesse dos autores

fossem efetivamente considerados, para efeitos de proteção.

O problema se agrava com a era digital, porquanto diversas são as novas

formas de violação do direito autoral, decorrentes desse novo suporte no qual são

inseridas as criações do espírito, tais como: download de músicas, vídeos, textos

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(livros, revistas, monografias, dissertações, teses, etc) e softwares sem o pagamento

de direitos ao autor (ou autores), conteúdos devassados com inclusão ou exclusão

de partes sem a devida autorização ou respectivo pagamento de direitos,

desenvolvimento de conteúdos digitais sem licença e/ ou distribuição em desacordo

com o contrato e/ou com a lei, utilização de imagens ou vídeos alheios em nome

próprio, enfim, distintos meios que, em tese, aviltam o direito do autoral, mormente

na vertente patrimonial.

Todavia, dada a verticalização desta modalidade de pesquisa, foi necessário

delimitar o objeto de estudo, sob pena de se criar mega hipótese, e correr o risco de

desenvolver trabalho superficial, de insuficiente cientificidade. Para tanto cogente a

restrição do estudo do direito autoral na era digital, com enfoque no direito à

educação, aqui compreendido, tal qual aquele, como direito da personalidade, razão

pela qual foram estudadas somente as violações, ocorridas pelo meio digital, que

consistam na disponibilização, distribuição e obtenção não autorizada de obras

didáticas e literárias.

É interessante considerar que a invenção da imprensa por Gutenberg1 e o

surgimento da Arpanet2, eventos históricos com quase meio milênio de separação,

causaram e continuam provocando efeitos no cotidiano das pessoas; se Gutenberg

facilitou o intercâmbio das ideias por meio da possibilidade de impressão e

distribuição em massa da informação, a Arpanet, facilitou ainda mais o intercâmbio

da informação, criando a transferência instantânea de dados, por sua última

sucessora, a atual internet.

Tal qual como aconteceu quando da invenção de Gutenberg se tornou

economicamente viável, com a democratização da internet, que ainda está em

curso, e que lhe parecer ser inerente, diversos problemas surgem na ordem jurídica,

que no direito autoral se relaciona principalmente, e na abordagem aqui já

delimitada, com a disponibilização, distribuição e obtenção, não autorizada de obras

protegidas. Isso porque a forma de distribuição dessas informações, armazenadas

em códigos binários em servidores e computadores espalhados pelo mundo, torna

muito difícil – ou praticamente impossível do ponto de vista técnico – a real retirada

1 Expurgando-se, por agora, a divergência histórica a respeito, quem imputa aos chineses a obra da

imprensa, porque de pouca importância para o estudo, já que, foi a partir do aperfeiçoamento da máquina de Johannes Gensfleisch zur Laden zum Gutenberg e dos substratos, que a impressão em grandes quantidades tornou-se possível. 2 A Arpanet é uma rede de computadores surgida em 1969 nos Estados Unidos, com fins

eminentemente militares, considerada a precursora da internet.

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do conteúdo violado da rede mundial de computadores, e em muitos casos da

identificação e localização de todos os sujeitos ativos da infração, não obstante,

dificilmente o desenvolvimento da técnica deixará de alcançar, no futuro, os

transgressores, mas, além disso, observe-se que há expressão de um sentimento de

insurreição frente aos altos preços para aquisição de obras escritas, inclusive as

digitais, e consequente dificuldade no acesso à educação (e até mesmo à cultura)

por esse meio, o que facilita a transgressão, conduz a criatividade para se conseguir

novas formas de burla aos sistemas de segurança, e que, em parte é gerado, ou

mais precisamente, facilitado, pela atual sistematização legal do tema, como no

decorrer do estudo se demonstrará.

Vale anotar que a pesquisa cuidou tanto dos casos dos livros digitais como

dos livros digitalizados. Quanto se trata do livro digital, em geral, se tem a ideia de

um livro originalmente digital, isto é, a diagramação e a publicação de determinada

edição (ainda que exista a versão impressa) é inteiramente eletrônica. Quando se

trata de livro digitalizado, deve se entender aquele livro que, ainda que possua

edição digital, foi por meio de um processo físico, digitalizado, isto é, convertido para

o formato digital, em geral em formato de imagem, com ou sem, reconhecimento de

caracteres, em geral, por meio de um scanner ou mesa digitalizadora.

Dados da última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada

e coordenada pelo Instituto Pró-Livro e executada pelo IBOPE Inteligência3 indicam

que da base de 9,5 milhões de usuários de livros digitais, apenas 13% pagou pelo

download, enquanto os outros 87% transferiu o conteúdo da web gratuitamente, de

modo que desse último percentual, 62% afirmou que eram “piratas”, evidenciando a

questão em estudo.

E, principal conflito que a seguir estudado, relaciona o direito autoral com o

uso de obras alheias, em especial didáticas e literárias, no meio acadêmico, aqui

entendido no sentido lato do termo, em outras palavras, é justo ou aceitável ou até

mesmo crime, que obras protegidas por direito autoral, sejam disponibilizadas na

internet, sem o respectivo pagamento de direito autoral?

Em um contexto mais restrito, a facilitação do direito à educação, que, como

já foi dito, é um dos direitos da personalidade, por meio da – já utilizada prática – de

3 INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.). Retratos da leitura no Brasil. 3. ed. Disponível em:

<http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/dados/anexos/2834_10.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2012. p. 138.

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downloads e consulta de conteúdos disponibilizados na internet é uma violação de

direito autoral? Em caso positivo, se trata de uma violação legítima? E, se legítima,

por quê?

Ou, sintetizando todas essas questões: A autonomia privada permanece

intocada (ou intocável) no direito autoral?

Se a resposta dependesse unicamente da interpretação literal da lei ou até

mesmo das diversas formas interpretativas positivistas e da concepção tradicional –

e ultrapassada – dos direitos da personalidade, a resposta seria uma só: a

autonomia privada mantém-se hígida no direito autoral. Nenhum uso ou distribuição

não autorizado, para qualquer fim é lícito, exceto as hipóteses do art. 46 da Lei nº

9.610/1998, que não abrange uma das principais formas de distribuição ilícita, que é

a disponibilização integral de obras. Mas, propõe-se ir além, relacionar conceitos,

oxigenar as concepções, e até mesmo resgatá-las nas suas essências, para verificar

eventuais possibilidades, e condicionantes, ou, até mesmo, apresentar justificativas

para os atuais usos reputados ilícitos, sem, contudo, propor transgressão a norma,

mas sim, verificar a necessidade de remodelação do sistema.

Deve-se recordar que entre os direitos da personalidade, cujo rol puramente

exemplificativo está diluído no Capítulo II do Livro I da Parte Geral do Código Civil

(arts. 11 a 21), se encontra o também direito da personalidade e fundamento da

República Federativa do Brasil denominado dignidade da pessoa humana (art. 1º, III,

CF), que tem caráter multidimensional, sendo ontológicos, histórico-cultural e

negativo-prestacional, que foi capaz de reestruturar boa parte do direito civil, a

exemplo da sistematização atual do direito do consumidor, com a relativização da

autonomia privada, na expressa previsão do atendimento à função social no Código

Civil, entre outros institutos.

Em suma, a intervenção acadêmica estudará quais os caminhos para a

solução da se efetivar a tutela do direito autoral na era digital, angariando elementos

que posteriormente possam servir como fundamento ao aperfeiçoamento do Acesso

à Justiça nessa matéria, evitando, desde já, as usuais soluções, que quase nada

solucionam.

Para tanto, a observação científica examinou o atual sistema de tutela, com

analise paralela e circunstancial da regulamentação do direito autoral no âmbito

internacional, buscando listar e estudar os principais sistemas alternativos, pouco

difundidos no Brasil, bem como propôs o aperfeiçoamento, por meio de medida de

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lege ferenda com o objetivo de remodelar parcialmente o sistema e desencadear

políticas públicas, de modo a garantir o lato Acesso à Justiça dos titulares de ambos

os direitos (autoral e à educação), garantindo, assim, os direitos da personalidade.

Além disso, também forma abordados os sistemas alternativos, como as

doutrinas do fair use e do copyleft, e o sistema creative commons.

O fair use, cuja tradução livre é “uso justo”, que busca uma conciliação entre

os direitos de autor e a coletividade.

O copyleft baseia-se no sistema de plataformas livres (pressupostos:

compartilhamento e a solidariedade).

O sistema Creative Commons, permite o licenciamento modulado de áudios,

imagens, textos, vídeos e materiais voltados à educação, apresentando opções

flexíveis de licenças tutelando a liberdade dos titulares de direitos, mas rompendo

com o copyright, que reserva todos os direitos.

Para tentar alcançar as finalidades acima apresentadas, a pesquisa partiu da

abordagem hipotético dedutiva, com procedimentos histórico, comparativo, tipológico

e funcional. Os métodos investigativos foram o bibliográfico e o documental, com

utilização do método de survey (inquérito) investigatório.

No primeiro capítulo, intitulado DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE,

iniciou-se construindo a própria teoria dos direitos da personalidade, para tanto,

foram levantadas as principais noções históricas, bem como a evolução conceitual, a

previsão no ordenamento jurídico pátrio e os atributos e características, numa visão

crítica, de modo a subsidiar a compreensão do direito autoral e do direito à

educação como direitos da personalidade.

No segundo capítulo, cujo título é DO ACESSO À JUSTIÇA, começou-se

contextualizando o tratamento histórico do termo Acesso à Justiça, de modo a ir

construindo um conceito não fechado da compressão do que é o tal Acesso.

Relacionou-se o Acesso à Justiça com o Direito Autoral e o Direito à Educação,

demonstrando, ao final, que o efetivo Acesso à Justiça é meio de efetivação dos

direitos da personalidade, relacionando-se com uma ordem jurídica justa.

No terceiro capítulo, nominado DO DIREITO À EDUCAÇÃO, principiou-se

delimitando o tratamento dado ao tal direito, que dada a amplitude precisou ser

restringido para demonstrar ao leitor a compreensão de tal direito como direito da

personalidade, e a contribuição do Direito Autoral para a sua efetivação. Para atingir

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esse objetivo, foram abordados aspectos históricos bem como delineado o aparente

conflito entre o direito à educação e os direitos sociais e da personalidade.

No penúltimo capítulo, chamado de DO DIREITO AUTORAL,

preliminarmente se abalizou o locus de tal direito, como gênero da propriedade

intelectual, na sequência, foi sistematizada sua evolução história, da pré-história à

idade contemporânea, depois foram listados os sistemas existentes, bem como o

conceito, a natureza jurídica e o objeto da tutela, com destaque para este. Os

principais aspectos legais relevantes (cessão de direitos autorais, limitações, formas

de violação e tutela tradicional) foram analisados no último item do capítulo.

No último capítulo, designado DO DIREITO AUTORAL NA ERA DIGITAL –

VIOLAÇÕES E POSSÍVEIS SOLUÇÕES CONCILIATÓRIAS COM O DIREITO À

EDUCAÇÃO, de início foram estabelecidos os principais aspectos técnicos e

históricos da era digital, principalmente da internet. Depois, o foco voltou-se para o

desafio da efetiva tutela, seção na qual se propôs uma nova visão sobre o problema,

e na qual foi formulada uma releitura do fenômeno do direito autoral na era digital, e

formulada uma proposta inédita de sistematização, denominada de reversão parcial

de direitos autorais, e ainda, foram estudados profundamente os principais sistemas

alternativos, quais sejam, Fair use, Copyleft e Creative Commons.

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2 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Para sustentar a tese desse trabalho é necessário compreender o direito

autoral e o direito à educação como direitos da personalidade e, o Acesso à Justiça

como meio de concretização desses direitos. Para tanto, no decorrer deste capítulo

será traçada uma visão geral da teoria dos direitos da personalidade.

Antes, contudo, alerta-se, que a presente investigação científica não

abordará a questão dos direitos da personalidade da pessoa jurídica, ou a sua

construção conceitual, sendo que, nesse ponto, o estudo se filia ao entendimento de

Roxana Cardoso Brasileiro Borges, de modo a afastar a incidência dos direitos da

personalidade daquelas pessoas que a tem apenas como ficção legal/ criação

técnica (pessoas jurídicas), in verbis:

Adota-se como pressuposto para a análise aqui desenvolvida a impossibilidade dessa hipótese, ou, no máximo, uma ‘extensão técnica’, como sustentou Gustavo Tepedino, ou uma aplicação analógica, embora possam ser encontrados na doutrina e na jurisprudência alguns posicionamentos favoráveis a tal possibilidade. [...] Neste trabalho, contudo, os direitos de personalidade são abordados como aplicáveis apenas aos seres humanos, inadmitindo-se sua atribuição às pessoas jurídicas, por conta de seu fundamento. Já que o legislador inseriu a expressão ‘no que couber’, entendemos que não cabem ou, no máximo, aplicam-se por analogia, pois, de acordo com Renan Lotufo, ‘os direitos de personalidade devem ser vistos como relacionados à tutela da pessoa humana, essencialmente quanto a sua integridade e sua dignidade’[...].4

Isso se faz necessário para se evitar discussões que deliberadamente não

estão compreendidas pelas bases teóricas aqui adotadas.

2.1 CONSTRUÇÃO DA TEORIA

2.1.1 Noções Históricas

Embora a construção da teoria dos direitos da personalidade seja recente, é

possível se encontrar em escritos antigos manifestações voltadas à proteção da

4 BORGES. Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e autonomia privada. 2. ed. São

Paulo: Saraiva, 2007. p. 12.

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personalidade, Fernanda Borghetti Cantali5 e Elimar Szaniawski6 citam como

exemplo a hybris grega e a iniura romana; a primeira que contribuía para

compreensão do homem como origem e finalidade de direito, atribuindo-lhe, ainda

que por via transversa, novo sentido a personalidade, e a segunda que construiu

uma teoria apta à formação de cláusula geral protetora da personalidade do ser

humano.

Mas, apesar dessas contribuições dos antigos, é com o cristianismo, na era

medieval, que se formula pensamento voltado à proteção da pessoa, sendo que as

ideias de fraternidade, universalidade e inviolabilidade da pessoa inserem o ser

humano no campo da subjetividade.7

Alfredo Emanuel Farias de Oliveira8 afirma que no Cristianismo se percebe a

busca da individualidade e subjetividade, decorrente da autoconsciência, que

permite a aproximação do homem a Deus e revela a essência em si, em razão de

ser a imagem e semelhança do criador, ou seja, a doutrina cristã afirmou o indivíduo

como um valor absoluto, estabelecendo parâmetro de igualdade (perante Deus),

permitindo assim o desenvolvimento teórico da personalidade.

E, a partir desse referencial, que no Século VII a consolidação da teoria dos

direitos naturais (ou referencial teórico do jusnaturalismo) se atribuiu ao homem um

direito natural ou inato da personalidade, que com ele nasce, e que lhe é

preexistente ao seu reconhecimento pelo Estado.9

Um pouco mais a frente, com Kant o fundamento da dignidade, que era o

direito natural, desloca-se para autonomia ética do ser humano; isto é, a liberdade

de optar de acordo com a razão e a de agir conforme o seu entendimento.

E desse movimento, de acordo com Fernanda Borghetti Cantali10, houve a

inspiração vinda da Revolução Francesa, que, por conseguinte contribuiu para a

conformação do constitucionalismo moderno e do Estado de Direito, incorporando os

antes tidos direitos naturais às diversas Constituições, como direitos fundamentais

individuais, inicialmente.

5 CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade: disponibilidade relativa, autonomia

privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 28. 6 SZANIAWSKI, Elimar. Fundamentos dos direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2005. p. 81-134. 7 CANTALI, Fernanda Borghetti, op. cit., p. 32.

8 OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de. O fundamento dos direitos da personalidade. Belo

Horizonte: Arraes Editores, 2012. p. 41. 9 CANTALI, Fernanda Borghetti, op. cit., p. 35.

10 Ibid., p. 36.

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E, na sequência dessa anexação constitucional, que o direito privado passou,

gradualmente, a ser relido. Explica-se: inicialmente o movimento burguês separou os

interesses econômico-privados dos interesses político-públicos, com forte

prevalência do Direito Privado nas relações civis, com apelo à codificação, para, a

partir desta base desenvolver sua releitura, tendo como base a norma central que se

estabelecia nos sistemas.

Fernanda Borghetti Cantali explica que a pessoa era: “[...] identificada com o

sujeito de direito definido como aquele que é capaz de adquirir direitos e contrair

obrigações [...]”11, em outras palavras, como aquele indivíduo que voluntariamente

realiza negócios jurídicos (compra, vende, contrata, etc).

Nesse momento liberal, importante anotar que os ordenamentos, de um

modo geral, não estatuíram um direito geral de personalidade, como é o caso do

Direito Francês e, do Direito Alemão, que, com o Código de Napoleão e o BGB12,

respectivamente, não expressaram um direito geral de personalidade, não obstante,

o Direito Austríaco13, o Direito Suíço14 e o Direito Italiano15, com pequenas

diferenças, regularam tal direito geral. Anote-se, contudo, que diversos outros

ordenamentos jurídicos regularam a seu modo os direitos da personalidade.16

Entretanto, afiança Cantali, que em razão da estrutura normativa liberal, que

prevalecia: “[...] chegou-se a concluir que a proteção dispensada à pessoa humana

cabia tão somente ao Direito Público, sendo impensável ao legislador de então a

possibilidade de tutela da personalidade através do Direito Privado”.17

Com efeito, tem razão a citada autora em suas considerações, e ousa-se

afirmar, foi assim, ao menos no caso brasileiro, até a Constituição de 1988, que

remodelou todo sistema, não obstante mesmo antes da Constituição Cidadã já

existia no ordenamento brasileiro tratamentos dispensados à personalidade humana

e seus direitos.

No entanto, não é possível fixar, de modo uníssono e positivista um marco

para o início dos direitos da personalidade, tanto que, apesar de pouco tempo

11

CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 40 12

Bürgerliches Gesetzbuch, Código Civil Alemão de 1900. 13

Código Austríaco de 1810. 14

Código Suíço de 1907. 15

Código Civil Italiano de 1942. 16

Cf. BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 32-35. 17

CANTALI, Fernanda Borghetti, op. cit., p. 48.

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depois do BGB (repita-se, sem prever uma cláusula geral de personalidade), entrou

em vigor a Constituição Alemã de Weimar18 que é apontada19 como marco inicial da

autonomia dos direitos da personalidade, já que influenciou fortemente as relações

privadas.

É, de fato, nesse período que se pode observar a tendência de transição do

Estado Liberal para o Estado Social, rompendo-se com o sistema jurídico dos

séculos XVIII e XIX.

Nessa perspectiva que se pode falar em repersonalização do Direito Civil,

voltando sua proteção à pessoa, de modo que a então vigente ideia de que os

direitos da personalidade devem ser objeto de tutela apenas pelo direito público, não

mais era válida.

Por evidente que diversos diplomas legais (já que não se abandonou a

tradição da civil law, e que a construção da teoria se deu no contexto desse sistema)

surgiram nesse período trazendo consigo a proteção da dignidade da pessoa

humana, que, em verdade e, de sorte, resgatam e trazem como “pacote” a série

direitos da personalidade. A exemplo citam-se: a) a Declaração Universal dos

Direitos Humanos da ONU de 1948; b) o Pacto Internacional sobre Direitos

Humanos e Civis de 1966; e, c) a Conferência Internacional dos Direitos do Homem,

em Teerã de 1968

E, por mais excepcional que se possa ecoar, foi com a segunda grande

guerra que o mundo ocidental despertou, em diversas áreas, entre elas a do direito,

e em específico no que diz respeito aos direitos humanos, para alocar os direitos da

personalidade como cláusula geral do sistema jurídico, já que esses direitos estão

intimamente ligados com os direitos fundamentais, tão publicamente dilacerados

pelo grau de hostilidade do segundo grande conflito mundial.

Cabe advertir que direitos da personalidade e direitos fundamentais não se

confundem – embora possuam pontos de convergência (como a própria evolução) –

são direitos distintos, mas cuja tutela, felizmente, recai sobre o ser humano; aqueles

exprimem aspectos que não podem deixar de ser conhecidos sem afetar a própria

personalidade humana, enquanto esses demarcam a situação do particular em

relação ao Estado, sendo usualmente segregados em dimensões. No âmbito do

18

Weimarer Verfassung, oficialmente: Constituição do Império Alemão (Verfassung des Deutschen Reichs), vigente no ano de 1919. 19

CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 49.

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direito constitucional pode se afirmar que os direitos da personalidade são tutelados

dentro do gênero direitos fundamentais, e disso pode se extrair a conclusão que

nem todos os direitos fundamentais são direitos da personalidade.20

Registre-se que a construção da teoria dos direitos da personalidade não foi

pacífica, diversas teorias negaram tal categoria de direitos, pelas mais diversas

razões, as quais, contudo, e, de sorte, foram vencidas, e hoje se pode localizar a

personalidade como postulado axiológico do próprio sistema jurídico.

Personalidade, aliás, não se confunde com capacidade, nesse sentido:

[...] direitos da personalidade, não se está identificando esta com a capacidade, mas referindo-se ao entendimento de personalidade para além de uma perspectiva técnico-jurídica, ou seja, como valor que é inerente à condição humana, cujo vínculo com a pessoa é orgânico, que traz encerrado em si um conjunto de atributos, como a vida, a honra, a liberdade, dentre outros.21

Modernamente, se pode afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro adotou

um sistema misto de proteção da personalidade, que tem duas fontes de emanação:

a) a geral, que se extraí do princípio da dignidade humana; e, b) a específica, por

meio do arrolamento de alguns direitos da personalidade e sua proteção.22

Em linhas gerais, a guisa de localização do leitor, é esse o esboço histórico

do desenvolvimento da teoria dos direitos da personalidade.

2.2 EVOLUÇÃO CONCEITUAL

2.2.1 A opção por cláusulas gerais

A previsão dos direitos da personalidade é emoldurada em cláusula geral,

como mais a frente se verificará (denominada, também, de conceito jurídico

indeterminado, ou cláusulas abertas), técnica legislativa oposta ao sistema

fattispecie (ou Tatbestand para os germânicos); para este último sistema, a lei

descreve a conduta, de modo completo, cabendo ao intérprete do Direito subsumir a

20

PIALARISSI, Marli Aparecida Saragioto. Direito à intimidade e infidelidade virtual. 2007. 163 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)-Centro de Ensino Superior de Maringá, Maringá, 2007. p. 50-51. 21

CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 66. 22

Ibid., p. 90.

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conduta apontada no processo ao modelo legal – a uma determinada conduta

corresponde um tipo legal.

Essa clássica técnica legislativa (fattispecie) é fator de rigidez do sistema,

pois seu caráter de determinação ou tipicidade que caracteriza a casuística conduz o

intérprete a uma subsunção quase automática do fato sob o paradigma abstrato, às

disposições definitórias, que têm um caráter de rigidez ou imutabilidade.

Em diametral oposição, aquela outra técnica (cláusulas abertas) possibilita

maior flexibilidade da norma e adequação ao conjunto fático e social, pois se

constrói como uma moldura para os fatos, baseada em princípios, diretrizes,

máximas, que buscam a formulação da hipótese legal mediante o emprego de

conceitos, voluntariamente vagos e abertos, possuindo grande abertura semântica; a

sistemática é objetada: as cláusulas gerais não estão para entregar respostas a

todos os problemas da realidade, mas atuam como metanormas, cujo objetivo é

enviar o intérprete do Direito para critérios aplicativos determináveis ou, então, para

espaços do sistema ou através de variáveis tipologias sociais, dos usos e costumes

dominantes, objetivamente, em determinada ambiência social, para, então, somente

assim, aplicar, contextual e funcionalmente, o Direito.23

Ousa-se afirmar que as cláusulas gerais buscariam extrair um bom-senso do

órgão julgador, contextualizado no próprio sistema normativo, garantindo a

integração do mundo jurídico ao mundo real, dos fatos. Entretanto, pela própria

sistemática das cláusulas gerais, não há como se afastarem as pressuposições de

que a adoção dessas privilegia o ideal de justiça social em detrimento da segurança

jurídica; contra-argumento de peso, todavia, é o fato de que essa técnica não é

aplicável a todas as situações de fato que demandam norma jurídica, de modo que

se cria um sistema ponderado, balanceado: não é engessado, totalmente, pela

fattispecie, nem livre ou impreciso, demasiadamente, pelas cláusulas gerais. De

qualquer turno, no sistema positivista, ainda parece, prevalecer a segurança jurídica,

mesmo na aplicação de cláusulas gerais.

Por ai se vê o porquê da impossibilidade da apresentação de uma exata

conceituação dos direitos da personalidade, numa definição fechada,

exclusivamente positivista, motivo pelo qual se desconhece qualquer norma no

23

COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção” – as cláusulas gerais no projeto do código civil brasileiro. Rev. dos Tribunais, São Paulo, ano 87, n. 753, p. 24-49, jul. 1998. p. 28-29.

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ordenamento pátrio que defina o que é e quais são todos os direitos da

personalidade, o que, por outro lado, não impede que seja traçadas balizas que

permitam conduzir para uma ideia do que são tais direitos, como será visto no item a

seguir.

2.2.2 Conceitos

Poder-se-ia transcrever a dezenas os conceitos encontrados na literatura

específica, mas isso seria mais mecânico que científico, portanto, opta-se por propor

a construção de um parâmetro conceitual, a partir do esboço das principais

concepções.

Adriano de Cupis inicia sua obra Os direitos da personalidade abordando o

conceito de personalidade como sinônimo de capacidade jurídica, afirma que é a

“[...] susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações jurídicas. Não se identifica

nem com os direitos nem com as obrigações, e nem é mais do que a essência de

uma simples qualidade jurídica.”24

Todavia, de acordo com a mesma literatura, a personalidade não se

identifica com os direitos e com as obrigações jurídicas, sendo precondição deles,

numa relação-função de fundamento e pressuposto.25

Mas, do posicionamento clássico que compreendia a personalidade como

“[...] um requisito para que a pessoa ingressasse no mundo jurídico e fosse

reconhecida como sujeito de direitos e deveres [...]” 26, não se conduzia a atribuição

de dignidade ao ser humano, já que ele era visto como “[...] parte numa relação, um

dos pólos num vínculo tecnicamente previsto que ligava um lado a outro [...]”.27

Assim, Adriano De Cupis compreende como direitos da personalidade todos

aqueles direitos que são destinados a dar conteúdo à personalidade, vinculados,

pois, ao direito positivo da mesma forma que os demais direitos subjetivos, desse

modo, o literata afasta a histórica alocação dos direitos da personalidade como

direitos inatos, oriunda do jusnaturalismo, in verbis:

24

CUPIS, Adriano De. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004. p. 19. 25

Ibid., p. 20-22. 26

BORGES. Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 9. 27

CUPIS, Adriano De, op. cit., p. 20-22. 27

BORGES. Roxana Cardoso Brasileiro, op. cit., p. 9.

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Não pode hoje se falar mais de direitos inatos como de direitos respeitantes racionalmente ao homem, devido à sua simples qualidade humana [...]. No entanto, a evolução do Estado moderno deu força jurídico-positiva aos direitos que em outros tempos eram concebidos como preexistentes ao estado social. E, na verdade, o ordenamento jurídico-positivo atribui hoje em dia aos indivíduos, pelo simples fato de possuírem personalidade, determinados direitos subjetivos, os quais, em sentido, podem verdadeiramente dizer-se inatos.28

Entretanto, tal autor, para justificar ou reconhecer a importância dessa

categoria de direitos, afirma existir uma proeminência relativamente aos demais

direitos subjetivos caracterizada por seu objeto, que apresenta dupla característica:

“1) encontra-se em um nexo estreitíssimo com a pessoa, a ponto de poder dizer-se

orgânico; 2) identifica-se com os bens de maior valor susceptíveis de domínio

jurídico”.29

Isso posto, pode se extrair de Adriano De Cupis o seguinte conceito de

direitos da personalidade, partindo da alocação na teoria dos direitos subjetivos e do

atributo autonomia:

[...] os direitos da personalidade constituem uma categoria autônoma no sistema dos direitos subjetivos. Esta autonomia deriva tanto do caráter de essencialidade que lhes é próprio, como da configuração particular do objeto (de que deriva aquele mesmo caráter de essencialidade), como ainda daquele ulterior caráter especial da sua fisionomia que apontamos em último lugar. Só nas mais vastas categorias dos direitos subjetivos (direitos privados, não-patrimoniais, absolutos) podemos integrar os direitos da personalidade; em nenhuma das outras que naquelas se contém podem ser incluídos. Por consequência, deve reconhecer-se a estes plena dignidade de categoria autônoma.30

Limongi França31 denominava de direitos da personalidade as faculdades

subjetivas que tinham como finalidade tutelar os direitos das pessoas, em relação a

si e em relação a sua personalidade.

Orlando Gomes32 afirmava que sob a denominação direitos da

personalidade se compreendem os direitos considerados essenciais ao

desenvolvimento da pessoa humana, preconizados e disciplinados pela literatura

28

CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004. p. 25. 29

Ibid., p. 29. 30

Ibid., p. 38. 31

FRANÇA, Limongi. Institutos de proteção à personalidade. Rev. dos Tribunais, São Paulo, ano 57, n. 391, maio 1968. 32

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979. p. 170-171.

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moderna no Código Civil (referia-se, tal autor, ao Código de 1916), sendo dotados

de caráter absoluto, voltados à proteção da pessoa.

Carlos Alberto Bittar, por seu turno, apresenta conceito um pouco

meticuloso, o qual considera como direitos da personalidade:

[...] os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos do homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.33

Fernanda Borghetti Cantali compreende os direitos da personalidade, como

aqueles “[...] atinentes à tutela da pessoa humana, os quais são considerados

essenciais diante da necessária proteção da dignidade da pessoa humana e sua

integridade psicofísica.”34

Vê-se na autora citada no parágrafo acima um conceito de personalidade

distinto do conceito mais tradicional, nesse estudo representado por Adriano De

Cupis.

Elimar Szaniawski, de outra banda, mas também pertencente a nova

geração de autores do tema, afirma que “[...] a personalidade se resume no conjunto

de caracteres do próprio individuo; consiste na parte intrínseca da pessoa humana

[...]”35, e, justamente por esse motivo, seria o primeiro bem pertencente a pessoa. 36

Acompanhando a lição de Limongi França, Elimar Szaniawski define, como

sendo direitos da personalidade:

[...] ‘as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa ou do sujeito, bem assim, as suas emanações e prolongamentos’; ou ainda, consoante Orlando Gomes: ‘sob a denominação de direitos da personalidade, compreende-se os direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza e disciplina no corpo do Código Civil como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos’.37

33

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 1. 34

CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 28 35

SZANIAWSKI, Elimar. Fundamentos dos direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 70 36

SZANIAWSKI, Elimar, loc. cit. 37

Ibid., p. 71.

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27

Marli Aparecida Saragioto Pialassari afirma que são direitos da

personalidade:

[...] os atributos intrínsecos do indivíduo, exatamente aqueles que lhe possibilitam exercitar todos os seus direitos de proteção: física, psíquica e moral. De um modo geral, a personalidade não é, em si mesma, um direito, nem possui direitos; é sim, fonte de direitos e de deveres, que dela decorrem.38

Silvio Romero Beltrão39 compreende os direitos em questão, como uma

categoria especial de direitos subjetivos, os quais, com fundamento na dignidade da

pessoa humana, voltam-se a garantia do exercício e do respeito do próprio ser, em

todas as suas manifestações.

Há quem defenda, todavia, que os direitos da personalidade ultrapassam a

própria pessoa, pois guardam também as manifestações do ser humano. Alfredo

Emanuel Farias de Oliveira ensina que “[...] os ‘Diretos da Personalidade’ referem-

se, em verdade, também à Pessoa, mas albergam manifestações da existência da

natureza humana (humanistas).”40

O único consenso que parece existir entre os autores é que o cardinal objeto

de tutela dos direitos da personalidade é a pessoa, no mais, múltiplas são as

divergências.

E, esses parâmetros traçados, tem como pressuposto a concepção pré-

normativa de Pessoa, numa visão personalista do ordenamento jurídico, vale dizer,

seguindo o escólio de Alfredo Emanuel Farias de Oliveira: “a Pessoa deve ser

reconhecida pela ordem jurídica na plenitude de sua Substância [...] a personalidade

é noção insusceptível de gradação e mensuração”.41

Não se vislumbra, como outrora foi dito, a possibilidade de exata definição

dos direitos da personalidade, basta se verificar a imensidade dos diversos

conceitos acima considerados, mas parece ser plenamente possível definir

molduras, ou balizas, dentro das quais estão esses direitos, que são variáveis no

38

PIALARISSI, Marli Aparecida Saragioto. Direito à intimidade e infidelidade virtual. 2007. 163 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro de Ensino Superior de Maringá, Maringá, 2007. p. 38. 39

BELTRÃO, Silvio Romero. Direitos da personalidade: de acordo com o Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2005. p. 25. 40

OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de. O fundamento dos direitos da personalidade. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012. p. 7. 41

Ibid., p. 44.

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28

tempo e espaço (tempo cronológico, e espaço cultural), no entanto, que sempre se

identificam com o ser, como sendo aqueles atributos e faculdades que, se do ser

humano retirados, o desfiguram enquanto ser em si, e, de modo reverso, se

colocados a sua disposição e desenvolvidos, o promovem.

2.3 PREVISÃO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO: DETALHAMENTO

Insta destacar a previsão legal dos direitos de personalidade no direito

brasileiro, ao modo de sistematização:

O primeiro estatuto jurídico do Brasil, apesar de sua descoberta em 1500,

foram as Ordenações Manuelinas (1521), precedidas, em Portugal, pelas

ordenações Afonsinas (1446), que, de acordo com Elimar Szaniawski:

“recepcionaram as regras de proteção da personalidade humana do direito romano

justinianeu, adaptado às conjunturas da época e aos costumes e peculiaridades de

Portugal do século XIII [...]”42, sendo que, para mencionado autor, a actio inuriarum

prevista nas Ordenações Filipinas, foi a real origem da tutela da personalidade

humana no Brasil, a qual poderia ser considerada cláusula geral de proteção da

personalidade, perdurando, no sistema de 1532 até pouco antes da vigência do

antigo Código Civil (1916).43

A Constituição Imperial (1824) tinha algumas disposições sobre a

inviolabilidade da liberdade, igualdade e sigilo de correspondência. A primeira

Constituição Republicana (1891) tratou da propriedade industrial e do direito autoral

(§§ 26 e 25 do art. 72, respectivamente).

O Código Civil de 1916 não disciplinou a categoria dos direitos de

personalidade, não obstante já contemplasse a personalidade no art. 2º44, sendo

que, inicialmente a proteção se deu pela tutela penal, mormente em 1940.

Posteriormente a Constituição Federal de 1934, tratou do direito autoral

como espécie do gênero propriedade intelectual nos incisos XVII e XX do art. 113.

42

SZANIAWSKI, Elimar. Fundamentos dos direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 131. 43

Ibid., p. 134. 44

GOMES, Daniela Vasconcellos. Algumas considerações sobre os direitos da personalidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8264>. Acesso em: 26 dez. 2012.

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O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962), a Lei que

dispunha sobre a retirada e transplante de tecidos, órgãos (Lei 5.479/1968), a antiga

Lei de Direitos Autorais (Lei nº 5.988/1973) e, a Lei de Registros Públicos (Lei nº

6.015/1973), foram os primeiros diplomas civis a trataram, em casos específicos da

tutela dos direitos da personalidade, além do Projeto de Código Civil de Orlando

Gomes, que, adepto da sistemática fracionária, dispunha sobre direitos da

personalidade, mas, que nunca se tornou norma.45

A Constituição Federal de 1988 avançou bastante na tutela de direitos

fundamentais, e na proteção da pessoa, como se transcreve:

Em 1988, tem-se um marco no constitucionalismo pátrio, na medida em que a atual Constituição da República consagra, de um modo mais moderno e técnico, inúmeros direitos e garantias fundamentais, dentre eles, o direito à integridade física; à liberdade de manifestação religiosa, artística, cultural e científica; e à inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem. Outro ponto de destaque da atual Constituição da República é a constitucionalização da dignidade da Pessoa Humana.46

Contudo, apesar de tutelar os direitos da personalidade, como outrora

afirmado, não trouxe em seu bojo expressa cláusula geral de proteção da

personalidade.

Nesse sentido leciona Elimar Szaniawski:

Lamentavelmente, a Constituição, de 05.10.1988, não contém uma cláusula geral expressa destinada a tutelar amplamente a personalidade do homem, a exemplo das Constituições da Alemanha e da Itália, que inseriram a cláusula geral, protetora da personalidade em seu articulado. [...].47

Em verdade, como se pode deduzir da leitura do texto constitucional e do que

até aqui já foi exposto, a Constituição Federal tutela de forma geral o direito de

personalidade por meio do princípio da dignidade da pessoa, que é cláusula geral

que torna concreta a proteção e o desenvolvimento do indivíduo, mas não traz

cláusula geral específica de proteção da personalidade.

Em verdade a fixação de um conteúdo de tal norma (dignidade da pessoa

humana, que, como dito, acaba por abarcar a proteção dos direitos da

45

SZANIAWSKI, Elimar. Fundamentos dos direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 135-136. 46

OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de. O fundamento dos direitos da personalidade. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012. p. 56. 47

SZANIAWSKI, Elimar, op. cit., p. 136-137.

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personalidade) é praticamente impossível sem a prática de injustiças ou

desigualdades, de modo que não se pode reduzir a uma fórmula abstrata e genérica

para definição de seu conteúdo, se enquadrando ela na, já mencionada, técnica das

cláusulas gerais.

Ingo Hoffman Sarlet pondera:

[...] onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.48

E, a partir de tal ponderação, ensina que a qualidade inseparável e

característica existente em cada ser humano o faz merecedor de respeito e

consideração por parte do Estado e da comunidade, a partir do que resulta um

complexo de direitos e deveres fundamentais, para assegurar que a pessoa não seja

tratada forma degradante e desumana, bem como lhe sejam garantidas as

condições existenciais mínimas para uma vida saudável, de modo a favorecer sua

participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da

comunhão com os demais seres humanos.49

Assim, vê-se o aspecto multifacetário do conceito de dignidade, ao menos

sob o ponto de vista jurídico.

Elimar Szaniawski o define tal cláusula como “[...] um atributo da pessoa

humana, o ‘fundamento primeiro e a finalidade última, de toda a atuação estatal e

mesmo particular’, o núcleo essencial dos direitos humanos”50 que acaba por

funcionar e atuar “[...] como cláusula geral de tutela da personalidade do ser

humano, tutelando-a em todas as suas dimensões”.51

Nessa linha de pensamento, cita-se o Código Civil de 2002, cujo rol (arts. 11

a 21) é meramente exemplificativo, localizado no Capítulo II do Livro I da Parte Geral

do Código Civil. Não se deve, contudo, mitigar a importância da existência de um

capítulo específico prevendo os direitos da personalidade, como adequadamente

48

SARLET, Ingo Wolfgang. A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 65. 49

Ibid., p. 67 50

SZANIAWSKI, Elimar. Fundamentos dos direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 140. 51

Ibid., p. 143.

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advertiu Clayton Reis, pouco antes do advento do atual Código Civil, o qual,

segundo mencionado literata “[...] consagra uma expectativa de materialização

desses direitos em nosso Ordenamento Civil [...] capaz de assegurar a integridade

de bens de valor da pessoa [...]”.52

Por evidente que existem outros diplomas legais que tratam dos direitos da

personalidade, os quais não serão abordados porque pouco pertinentes para este

trabalho, verticalizado, que, mais a frente se concentrará na análise da Lei de

Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998).

2.4 ATRIBUTOS E CARACTERÍSTICAS: DESCONSTRUÇÃO NECESSÁRIA

Ainda nos tempos atuais alguns atributos e características, lançados nas

lições de Adriano De Cupis, e importantes para o momento em que foram escritos,

receberam aprimoramento doutrinário e adeptos outros, e continuam a ser

compilados em estudos sobre o tema, usualmente difundidos como essenciais

elementos dos direitos da personalidade, que são a53:

a) Intransmissibilidade: que é a impossibilidade de mudança do sujeito;

b) Indisponibilidade: a qual decorre do elemento anterior, sendo que pela

natureza do próprio objeto, nem mesmo a vontade do seu titular leva a transmissão;

c) Irrenunciabilidade: que decorrendo dos atributos anteriores, e ainda da

essencialidade, mesmo que por sua livre, única e exclusiva vontade, impede que o

sujeito renuncie a esses direitos;

d) Impossibilidade de expropriação forçada e sub-rogação: como soma dos

demais atributos, já que os direitos da personalidade: “[...] não estão providos da

faculdade de produzir a transferência para outros sujeitos e, como é evidente, não

se pode executar uma faculdade inexiste”54; e como os direitos da personalidade

devem sempre permanecer na esfera do seu próprio titular, e jamais decaem pelo

decurso de tempo, não se admite sua sub-rogação, sendo o exercício exclusivo do

titular.

52

REIS, Clayton. A proteção da personalidade na perspectiva do novo Código Civil brasileiro. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, v. 1, n. 1, dez. 2001, p. 5-40. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/442/216>. Acesso em: 12 nov. 2012. 53

CUPIS, Adriano De. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004. p. 51-66. 54

CUPIS, Adriano De, loc. cit.

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Acrescentam-se ainda, como características clássicas:

a) São direitos inatos, porque não exigem nenhuma formalidade para sua

aquisição55;

b) São vitalícios, já que nascem com a própria pessoa, são indispensáveis

durante a vida e com ela findam, apesar de serem possíveis efeitos post mortem56

57;

c) São absolutos, uma vez que prevalecem sobre os demais direitos e

admitem oponibilidade erga omnes58;

A palavra absoluto, contudo, também serve para indicar a independência

desses direitos de qualquer pré-relação jurídica entre as partes, de modo que basta

a verificação de uma lesão para o surgimento do direito à reparação.59

Carlos Alberto Bittar apresenta primorosa síntese de tal pensamento

tradicional:

[...] esses direitos são dotados de caracteres especiais, para uma proteção eficaz à pessoa humana, em função de possuírem, como objeto os bens mais elevados da pessoa humana. Por isso é que o ordenamento jurídico não pode consentir que deles se despoje o titular, emprestando-lhes caráter essencial. Daí, são, de início, direitos intransmissíveis e indispensáveis [...]60

Em relação ao direito autoral, compreendido como direito da personalidade,

vários autores, como João Henrique da Rocha Fragoso61, afirmam que, no que se

refere aos direitos morais de autor, se aplicam, especialmente, os seguintes

princípios: perpetuidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade e

impenhorabilidade. Não obstante, como se verá mais detalhadamente no decorrer

55

MIGUEL, Juan Francisco Delgado de. Instituiciones de derecho privado. Tomo I, v. 2. Madrid: Civitas, 2003. p. 332. 56

SOUZA, Paulo André de. A tutela de urgência no direito de família como garantia dos direitos da personalidade. 2008. 132 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá. p. 44. 57

Sobre a proteção post mortem da personalidade humana, conferir: OLIVEIRA, José Sebastião de; MENOIA, Regina Cristina da Silva. Aspectos dos Direitos da Personalidade como Direito Constitucional e Civil. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, Maringá-PR, 9 nov. 2009, p. 505-525. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/1239/823>. Acesso em: 10 jan. 2013. 58

SOUZA, Paulo André de, op. cit., p. 48. 59

SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Responsabilidade civil por danos à personalidade. Barueri: Manole, 2002. p. 12. 60

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 11. 61

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 203-208.

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desse estudo, além da própria divisão de aspecto (ou direito) moral e patrimonial de

autor ser altamente questionável, as qualidades peculiares de alguns desses

atributos, semelham não mais subsistirem na realidade tal qual apresentada na

modernidade, ou ao menos da forma com que são tradicionalmente lecionados, na

qual o ser humano, nas suas relações sociais, parece diluir-se na liquidez da

dinâmica social, e, se aproxima, com rapidez, à figura do homo sacer.

Em verdade, diante do que se chama de constitucionalização,

descentralização e recodificação do direito civil, fenômenos distintos, mas

sucessivos e que, dada verticalização dessa obra, não tem espaço para

aprofundamento, a própria função e essência do direito civil, e até mesmo da quase

intocável teoria dos direitos subjetivos e dos direitos potestativos, foi relida: a

autonomia privada relativizou-se e a concepção do mínimo existencial ganhou

espaço.

E, nesse panorama, quando garantido o mínimo existencial, que, de per si,

já é bastante polêmico e questionável, os demais direitos, desde que respeitados os

de terceiro, poderiam ser exercidos tal qual como deseje o seu titular, numa

exaltação – inconsiderada – da liberdade.

Roxana Cardoso Brasileiro Borges assim escreveu:

Ora, se, no exercício dos direitos de personalidade, determinada atividade não for lesiva a direitos de terceiros (outro indivíduo ou uma coletividade, no caso dos direitos coletivos e difusos), cabe ao direito: a) simplesmente tolerá-la ou permiti-la (não a proibir), considerando-a irrelevante juridicamente ou simplesmente lícita ou b) regulamentá-la, instrumentalizando os interesses individuais das pessoas. Essa concepção individualista do direito é de fundamental importância para a compreensão do que se chama de livre desenvolvimento da personalidade. A autonomia privada é, nesse sentido, o principal instrumento que o ordenamento jurídico oferece aos indivíduos para o exercício positivo (não apenas a tutela negativa) dos seus direitos de personalidade.62

Assim, não se pode admitir a validade de normas jurídicas relacionadas aos

direitos de personalidade se não se justificarem na proteção contra atos de terceiros.

Com efeito, deve se ter cautela para não utilizar o direito como instrumento de

62

BORGES. Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 106.

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opressão, sob o argumento de que o objetivo do sistema é proteger a pessoa contra

si mesmo.63

Partindo de tal tensão, Roxana Cardoso Borges64, conclui que a função

primordial do direito, enquanto conjunto de normas de organização da sociedade, é

impedir a interferência indevida de um indivíduo na esfera jurídica de outro, capaz de

impedir o exercício positivo de seus direitos mais íntimos, de sorte que, a ausência

de interferência na esfera de direitos de terceiros, como regra, deve ser autorizada o

pelo direito ou, no máximo, regulamentada.

Os argumentos da literata, não obstante sejam bem articulados, e conduzam

a uma parcial conclusão razoável: de que aqueles atributos tradicionais, já listados

acima, devem ser vistos com grande relatividade diante da releitura do direito civil, e,

de fato, é o que demonstra acontecer na experiência comum, na qual as pessoas

em sociedade, por exemplo, “compram a sua dignidade” ao adotar determinados

padrões sociais (comportamentos em redes sociais, aquisição de coisas materiais ou

imateriais, etc), tem fundamento dual ou bipolar: a liberdade.

A dualidade ou bipolaridade da liberdade é resultado de sua indeterminação

real, isto é, da impossibilidade de se definir com segurança o que é a liberdade no

contexto de Estado (Social) Democrático de Direito na sociedade apoiada no

sistema capitalista, isto é, não é possível afirmar que toda pessoa goza do mesmo

grau de liberdade, já que a liberdade de que trata a autora citada parece ser

inseparável da capacidade de autodeterminação, e mais, o contrário é válido, cada

pessoa, ou numa visão macro, cada grupo social, de acordo com sua educação, tem

sua autodeterminação diferenciada e por consequência sua liberdade distinta.

Esse discurso de liberdade parece colidir com a dimensão material do

princípio da dignidade da pessoa humana, que como valor guia do ordenamento

jurídico, coloca em pauta os direitos fundamentais da personalidade, alocando a

pessoa como ator do cenário jurídico.

A discussão, contudo, pode ir muito além, a liberdade pode ser produto do

desenvolvimento, mais precisamente, como anuncia o próprio título da obra de

Amartya Sen: Development as freedom (Desenvolvimento como Liberdade).

Oportuno transcrever:

63

BORGES. Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 106. 64

Ibid., p. 107.

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[...] the substantive freedoms that we respectively enjoy to exercise our responsibilities are extremely contingent on personal, social, and environmental circumstances. A child who is denied the opportunity of elementary schooling is not only deprived as a youngster, but also handicapped all through life (as a person unable to do certain basic things that rely on reading, writing and arithmetic) [...] the helpless landless laborer without substantial means of earning an income are all deprived not only in terms of well-being, but also in terms of the ability to lead responsible lives, which are contingent on having certain basic freedoms. Responsibility requires freedom.65 66

Se vê em Amartya Sen outra perspectiva de liberdade, imbricada com a

análise econômica, a qual, não é muito difundida no país, embora seja bastante

interessante e pouco usual.67

Não se pode esquecer que, com a Constituição de 1988 os direitos

fundamentais da personalidade foram colocados “[...] na ordem do dia, merecendo

ser repensados a partir da tutela primordial que deve ser conferida à pessoa e aos

direitos inexoravelmente nelas imbricados”.68

A autonomia privada, antes talvez a chave para a ultrapassada compreensão

dos direitos da personalidade como direitos eminentemente privados recebeu nova

feição com a sua tutela constitucional, vale dizer, resta limitada e repensada.

Daniel Sarmento, de sorte, leciona que a autonomia privada não é absoluta,

reclamando conciliação com: a) o direito das outras pessoas a uma idêntica quota

de liberdade; e, b) com outros valores igualmente relevantes ao Estado Democrático

de Direito, e.g. a autonomia pública, a igualdade, a solidariedade e a segurança.69

Dessa forma, acertadamente, Daniel Sarmento, tem como inevitável a

intervenção do Estado em certos casos, voltada à restrição da autonomia individual,

à proteção da liberdade dos outros indivíduos (semelhante liberdade que ampara a

outra tese), o que se viabiliza por meio da lei, que, editada pelo Parlamento, que

65

SEN, Amartya. Development as freedom. New York: Alfred A. Knopf, 2000. p. 283-284. 66

Em tradução livre: [...] as liberdades substantivas são extremamente dependente de circunstâncias pessoais, sociais e ambientais. Uma criança que é negada a oportunidade de acesso ao ensino fundamental não é só privada como jovem, mas também deficiente por toda a vida (como uma pessoa incapaz de fazer certas coisas básicas que dependem de leitura, escrita e aritmética) [...] os indefesos trabalhadores sem terra, sem meios de obterem renda são todos privados, não só em termos de bem-estar, mas também em termos da capacidade de levar uma vida responsável, são contingentes em ter certas liberdades básicas. Responsabilidade exige liberdade. 67

Cf.: SEN, Amartya. Development as freedom. New York: Alfred A. Knopf, 2000. 68

CANTALI, Fernanda Borghetti. Direitos da Personalidade: disponibilidade relativa, autonomia privada e dignidade humana. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 19. 69

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p.189-190.

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representa o povo na democracia, traduz manifestação da autonomia pública do

cidadão, de modo que tais intervenções harmonizam com a ideia de liberdade lato

sensu.70

Na Constituição Federal de 1988, no que tange à autonomia pública,

sobreveio avanço para além da cláusula de estilo da soberania popular, que prevê

que todo poder emana do povo, dispondo também acerca de garantias a essa

previsão, como o escrutínio secreto, o voto direto e periódico, o sufrágio universal,

adotando mecanismos de democracia participativa. Assim, é possível afirmar que,

politicamente, o Brasil, depois da Constituição de 1988, adotou o regime

democrático, o que, segundo Daniel Sarmento, “[...] é emblematicamente

demonstrado pela recente eleição de um ex-operário, ex-preso político, egresso do

movimento sindical, para o mais alto cargo da Nação [...]”.71

E a própria autonomia privada, foi ao mesmo tempo relativizada e

fortalecida, embora isso possa parecer contraditório. Explica-se: com a incidência de

direitos fundamentais nas relações privadas, e o fenômeno da constitucionalização

do direito civil, disposições antes blindadas por tal autonomia, deixaram de sê-lo, por

outro lado, a “[...] riqueza e extensão do catálogo de direitos fundamentais inscritos,

de modo não exaustivo, no texto constitucional, e dos inúmeros remédios judiciais e

garantias materiais instituídos para a sua defesa” a fortaleceram, evitando

ingerências na liberdade do indivíduo.72

Entretanto, apesar de tais disposições serem facilmente reproduzidas no

meio gráfico, e advogarem à uma bela teoria acadêmica, muitos aspectos da

realidade, que se desenvolve na base capitalista (ou neocapitalista para alguns),

obliteram tais direitos, vezes de forma deliberada, vezes de forma oculta, sob falsas

bandeiras, como mais a frente se explicará.

Por outro lado, a repetição desse discurso, tem também efeitos positivos, em

especial na criação de um movimento voltado à efetivação, que não se realiza pelo

discurso, mas pela implementação dele.

Isso posto, parece não ser adequado defender o caráter absoluto de tais

direitos. Por exemplo, há pessoas que ao adquirirem determinado bem, se sentem

dignas de possuí-lo e por possuí-lo, e, por isso se realizam como pessoas; isso é

70

SARMENTO, Daniel, loc. cit. 71

Ibid., p. 201-211. 72

SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 201-211.

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uma realidade capitalista moderna; outras pessoas satisfazem parte de seu direito

ao lazer, assistindo campeonatos de lutas tele transmitidas, ora, num ou noutro

caso, uma parcela da personalidade está sendo mercantilizada, no último exemplo

do sujeito que se satisfaz mediante o pagamento do canal por assinatura que

transmite a luta, do outro que tem seu direito concretizado pela venda de sua

imagem e de parte de sua integridade física aos agenciadores da luta.

Data venia, é leviano crer em sentido oposto, tentando por centenas de

linhas, como muitos fazem, explicar que o que ocorre nesses casos não é uma

disposição parcial do direito, mas apenas exercício da faculdade, revogável a

qualquer tempo, é o mesmo que afirmar que quando os autores celebram contrato

de cessão integral dos direitos de determinada criação sua, preservam a

integralidade de seus direitos morais de autor, com os atributos acima descritos,

deveria ser assim, mas não é. Em outras palavras, do ponto de vista acadêmico é

uma tese sustentável, mas do ponto de vista pragmático abstrusa é a sua

conservação.

Santos Cifuentes entendia que os direitos da personalidade são os direitos

privados “[...] innatos y vitalícios que tienen por objeto manifestaciones interiores de

la persona y que, por ser inherentes, extrapatrimoniales y necesarios, no puenden

transmitirse ni disponerse em forma absoluta y radical”73 74

A ressalva feita por tal autor, um dos responsáveis pela alocação dos

direitos da personalidade75 para a categoria de direitos subjetivos, parece justificar,

em parte, a questão da disponibilidade de tais direitos, que não é absoluta e radical,

moldando-a à uma realidade comercial.

A ligação do ser humano com o capital é inexorável, essa é uma realidade

posta, quase que um dogma. Não se defende aqui que a dignidade advém do capital

e das coisas decorrentes do poder por esse conferido. Mas não se ignora que – e

esse é um dado altamente subjetivo – quase todos do ocidente e oriente, de acordo

com seu poder aquisitivo compram parcelas de sua dignidade, e constroem a partir

dele a sua personalidade. Acredita-se, como será demonstrado no capítulo

específico sobre o direito à educação, que é este direito que tem o maior potencial

73

CIFUENTES, Santos. Derechos personalísimos. 2. ed. Buenos Aires: Astrea, 1995. p. 200. 74

Em tradução livre: “inatos e vitalícios, que tem por objeto as manifestações interiores da pessoa e que, por serem, inerente, extrapatrimonial e necessário, não podem ser transferidos ou dispostos de forma absoluta e radical (total)”. 75

A tradução literal da obra citada nesta página é Direitos Personalíssimos e não Direitos da Personalidade.

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de levar a concretização da personalidade, fora do dualismo certo ou errado, e para

além do capital.

E, no desenvolvimento do direito à educação, se tem a tradicional questão

do direito autoral, que como será estudado também em capítulo específico, é direito

da personalidade, e que por vezes está em conflito com a realidade digital, e

dificulta, em parte, o direito à educação.

O Acesso à Justiça, a ser estudado mais a frente, é instrumento de

concretização de direitos, estando além do simples direito de petição e de obtenção

de uma resposta do Judiciário.

Esses três grandes temas (direito à educação; direito autoral e Acesso à

Justiça) se sustentam, todos, na teoria dos direitos da personalidade, e serão pautas

para análise dos conflitos existentes com a era digital, de modo a se aventurar a

obter soluções que sejam hábeis a conciliar os problemas jurídicos no âmbito do

direito autoral evidenciados ou causados pelos novos meios de difusão da

informação pela via cibernética, utilizando-se do direito à educação como pauta de

justificação, visando a garantia do Acesso à Justiça em seu sentido mais amplo, e,

em última análise da efetivação dos direitos da personalidade, no contexto de uma

ordem jurídica justa.

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39

3 DO ACESSO À JUSTIÇA

3.1 NOTAS INICIAIS

O estudo do Acesso à Justiça na contemporaneidade, além de ser um tema

de tendência, figura intimamente ligado à ideia de crise, isto é, a impressão que se

tem é que o quase colapso do Poder Judiciário exigiu (e ainda exige) da academia a

investigação científica, de modo a solucioná-lo, o que quase sempre tem sido feito

por meio de mudanças nas normas processuais e, nessas, a criação de filtros de

acesso. Ao menos é isso que a experiência diária tem demonstrado, e mais, quase

sempre se discorreu sobre a crise da justiça relacionando-a com a demora na

prestação jurisdicional, de tal forma que o Acesso à Justiça, se efetivaria com a

rápida prestação jurisdicional.

Essa demora na entrega da jurisdição não é um fenômeno recente, como as

leis mais hodiernas76 parecem tratá-lo, a exemplo, José Afonso da Silva, no ano de

1963, escreveu:

Há muito que se vem pondo em destaque a existência de uma profunda crise no mais alto Tribunal do país. Crise que se traduz num afluxo insuportável de serviços, no acúmulo de processos, naquela alta Côrte, a tal ponto de se proclamar um possível estrangulamento da Justiça nacional. E a gravidade disso se revela no fato de o S.T.F. ser o órgão de cúpula do nosso organismo judiciário e de, em face da elasticidade do Recurso Extraordinário, levar-se a êle parcela enorme das controvérsias judiciais, julgadas pelos demais órgãos da Justiça de todo país.77

Vê-se, assim, que há cinquenta anos, já se discutia a existência, que à

época já era velha, de problemas na prestação jurisdicional e que ainda continuam a

atormentar, sobretudo, os jurisdicionados e os pesquisadores da área.

Há diferenças, no entanto, entre as crises das décadas passadas e da

década atual, até porque as dimensões do Acesso à Justiça envolvidas são

distintas.

Sobre a crise das décadas de 50 e 60, alguns escritores jurídicos modernos,

como José Miguel Garcia Medina, apontam que ela voltava-se muito mais à

76

Por leis mais recentes, deve se entender as últimas reformas na lei processual civil, sobretudo as ocorridas após a Emenda Constitucional nº 45/2004 (Reforma do Judiciário). 77

SILVA, José Afonso. Do recurso extraordinário no Direito Processual brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1963. p. 224.

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instância superior, como resultado da adoção sem as devidas adaptações, pelo

Brasil, do sistema Norte Americano do Judiciary Act, do que era resultado de um

entrave no primeiro grau de jurisdição.78

A literatura jurídica acima referenciada apenas prenuncia décadas de luta

travadas pelo Poder Judiciário na tentativa de solucionar tal crise – focalizada nas

instâncias superiores, e, como mencionado, em normas processuais (e

procedimentais correlatas).

Apenas a título ilustrativo, antes de ser criado o Superior Tribunal de Justiça,

o Supremo Tribunal Federal (é, claro, com a colaboração dos demais Poderes, nas

respectivas competências) adotou as seguintes medidas na tentativa de solucionar a

crise:

a) a promulgação da Lei nº 3.396/1958, passando a exigir motivação do

despacho que admite o recurso especial; b) edição da Emenda Regimental de

28.8.1963, criando a possibilidade de edição de súmulas; c) promulgação da EC nº

16/1965, permitindo ao STF julgar representações de inconstitucionalidade de lei e

atos normativos, podendo assim, retirar do mundo jurídico normas inconstitucionais

das quais emanavam divergências ensejadoras dos recursos extraordinários; d)

promulgação da EC nº 1/1969, aplicando restrições ao cabimento do RE; e) em 1970

o regimento interno criou algumas restrições, posteriormente ampliadas pela

Emenda Regimental nº 3 de 1975, que introduziu a arguição de relevância (a figura

introduzida pela citada emenda regimental foi posteriormente mantida pela Emenda

Constitucional nº 7/1977, mas não adotada pela Constituição Federal de 1988)79; f) a

EC nº 7 de 1977 instituiu a representação de interpretação das leis e consagrou a

arguição de relevância de questão federal; g) em 1980 as hipóteses de restrição ao

recurso foram aumentadas no regimento interno; e, h) com a promulgação da

Emenda Regimental 2/1985 o sistema de restrição foi alterado.

Tais medidas, entretanto, não solucionaram a crise, e os estudiosos do direito

reforçaram a discussão sobre qual seria a melhor solução: aumentar o número de

ministros ou verticalizar mais a competência do STF e criar outro tribunal superior. A

segunda corrente, apoiada por Theotônio Negrão, pelo Ministro Carlos Mário da

78

MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 78-79. 79

BRAWERMAN, André. Recurso extraordinário, repercussão geral e a advocacia pública. Rev. Brasileira de Direito Constitucional, São Paulo, n. 10, p. 149, jul./dez. 2007.

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Silva Velloso80, por José Frederico Marques, Seabra Fagundes, Miguel Reale,

Alfredo Buzaid, entre outros renomados juristas81 ganhou vulto e, apesar de

enfrentar críticas de importantes juristas, como o Ministro Djaci Falcão e o

Desembargador José Renato Nalini82, foi encampada pela Assembleia Nacional

Constituinte e o STJ foi criado pela CF (1988) sendo que a sua instalação ocorreu

por meio da Lei nº 7.746 de 30.3.1989, nos moldes preconizados pela comissão

provisória de estudos constitucionais instituída pelo Decreto nº. 91.450 de

18.7.1985.83

O STJ, contudo, não estava imune à crise, e a mencionada crise do STF, que

também não foi solucionada, reclamou, do Poder Constituinte Reformador e do

legislador ordinário, a adoção de diversas medidas enérgicas, voltadas a redução do

afluxo de recursos para a cortes superiores, e o fortalecimento dos precedentes.

A priori, imperioso anotar que as soluções mais recentes, que a seguir serão

expostas em apertada síntese, partem, quase que exclusivamente, de uma

premissa: que a lentidão na prestação jurisdicional é a causa da crise do Poder

Judiciário; ou seja, a prestação jurisdicional tem um problema matemático simples:

entram mais processos do que saem, gerando um déficit de julgamento, vale dizer,

muitas pessoas acessam o Poder Judiciário, mas nem todas obtém uma resposta

tempestiva da Jurisdição, seja ela qual for, e a “solução” que se mostra mais

aplicada é evitar que tantas pessoas cheguem as instâncias superiores, vinculando

os juízos a quo aos precedentes lá formados, ou, até mesmo, evitando-se o ingresso

das pessoas ao judiciário, por meio dos meios alternativos de solução de conflitos,

supostamente, para, deste modo, se garantir o Acesso à Justiça.

Antes de prosseguir, contudo, um alerta: não se concorda que os meios

alternativos de solução de conflitos – que deveriam ser o ordinário, sendo a

jurisdição o meio alternativo –, sejam utilizados como meio de se reduzir

numericamente os processos em trâmite perante os juízos e tribunais, sob pena de

se desvirtuar a verdadeira finalidade de tais instrumentos, que é garantir o Acesso à

Justiça, por meio da pacificação social.

80

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 77. 81

PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça: teoria geral e admissibilidade. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 48-49. 82

Ibid., p. 50. 83

ASSIS, Araken. Manual dos Recursos. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 772.

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Feito esse aparte, José Henrique Mouta Araújo, discorrendo sobre a

implantação dos Recursos Especiais Repetitivos (Lei nº 11.672/2008), afirmou:

A implantação de mais este filtro de subida recursal tende a gerar verticalização e a própria horizontalização do caso piloto, desestimulando a divergência jurisprudencial no âmbito dos tribunais locais e no próprio STJ. Trata-se de claro desafio do Judiciário nacional: fortalecer o atendimento aos julgados do STJ em contraposição à liberdade de julgamento ainda garantida pelo sistema processual.84

As mencionadas mudanças enérgicas foram tomadas a partir da aprovação

da Emenda Constitucional nº 45/2004, da qual também resultou a celebração do

Primeiro Pacto Republicano de 2004, e que culminou na aprovação de diversas leis

no sentido de garantir celeridade, a exemplo Leis nº 11.277, 11.418 e 11.419, todas

de 2006, e, em 2008 da Lei nº 11.672; em 2009 foi celebrado o Segundo Pacto

Republicano que além da celeridade, passou a prever a necessidade de menor

judicialização e prevenção de conflitos, principalmente, a partir do qual novas ações

foram tomadas, como é o caso, v. g. da Lei Complementar 80 de 1994 (Lei da

Defensoria Pública), que foi substancialmente alterada pela Lei Complementar nº

132 de 7 de outubro de 2009.

Nesse sentido, oportuno citar Anonni:

O auge, todavia, das reformas promovidas em prol do acesso à justiça ocorreu em 2004, com a edição da Emenda Constitucional 45/2004, também conhecida como Reforma do Judiciário. A Emenda Constitucional 45/2004 além de alterar a Constituição Federal, incluindo dentre o rol de direitos e garantias fundamentais, o princípio da duração razoável do processo, criou o Conselho Nacional de Justiça e fomentou o surgimento de dezenas de normas infraconstitucionais voltadas a efetivar o amplo e irrestrito direito de acesso à justiça. Dentre estes instrumentos jurídicos, merece destaque as alterações do Código de Processo Civil em prol da maior participação das partes no processo, da mediação como fase obrigatória do processo e como instrumento permanente de resolução de conflitos e também a ampliação dos deveres das partes e seus procuradores no curso da demanda. Também se deve citar a importância da Lei 11.419/2006, que instituiu o processo eletrônico e da Lei 11.441/2007, que autorizou a realização da separação consensual, do inventário, partilha e divórcio consensual em cartórios.

84

ARAÚJO, José Henrique Mota. Processos repetitivos e o desafio do judiciário: rescisória contra a interpretação de lei federal. Rev. Processo, São Paulo, ano 35, n. 183, p. 152-153, maio 2010.

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Mais recentemente, está em trâmite perante o Congresso Nacional, a

Proposta de Emenda à Constituição nº 209/2012 (Câmara dos Deputados) que

institui a Repercussão Geral no âmbito do Recurso Especial como requisito de

admissibilidade do Recurso Especial.

As justificativas constantes da citada PEC, apenas evidenciam a aparente

digressão acima:

Nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgar, em sede de recurso especial, causas decididas, seja em única ou em última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando decisão recorrida contrarie tratado ou lei federal, ou negue-lhes vigência, julgando válido ato de governo local contestado em face de lei federal, ou quando dê a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. No entanto, ao exercício dessa competência, soerguem-se problemas de congestionamento similares aos que suscitaram estabelecer, no âmbito dos recursos extraordinários (competência do Supremo Tribunal Federal), a introdução do requisito da repercussão geral à sua admissibilidade. Conforme se pôde depreender numericamente no caso da Excelsa Corte, quanto à distribuição processual, de 159.522 (cento e cinquenta e nove mil, quinhentos e vinte e dois) processos em 2007 (ano em que a Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, entrou em vigor, regulamentando infraconstitucionalmente o § 3º do art. 102, da Constituição Federal), reduziu-se para 38.109 (trinta e oito mil, cento e nove) processos em 2011. Resta por necessária a adoção do mesmo requisito no tocante ao recurso especial, recurso esse de competência do STJ. A atribuição de requisito de admissibilidade ao recurso especial suscitará a apreciação de relevância da questão federal a ser decidida, ou seja, devendo-se demonstrar a repercussão geral, considerar-se-á a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Atualmente, vige um modelo de livre acesso, desde que atendidos os requisitos já explicitados como constantes do inciso III, do art. 105, da Constituição Federal. De tal sorte, acotovelam-se no STJ diversas questões de índole corriqueira, como multas por infração de trânsito, cortes no fornecimento de energia elétrica, de água, de telefone. Ademais, questões, inclusive já deveras e repetidamente enfrentadas pelo STJ, como correção monetária de contas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que, nos primeiros 16 (dezesseis) anos de funcionamento do STJ, respondeu por cerca de 21,06% do total de processos distribuídos, um quantitativo de vultosos 330.083 (trezentos e trinta mil e oitenta e três) processos.

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Desta forma, as alterações propostas serão de grande relevância ao bom funcionamento do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que permitirá uma atuação mais célere e eficiente às muitas e importantes questões de direito federal que lhes são apresentadas.85

Entretanto, embora não se negue a importância dessas medidas, já que uma

das dimensões do Acesso à Justiça é a celeridade na tramitação dos processos, tais

feitos se relacionam muito mais a antiga – e já superada – exclusiva dimensão de

acesso à justiça, como Acesso ao Poder Judiciário, isto é, de poder demandar e

obter da jurisdição uma resposta, vale dizer, dada a nova dimensão de Acesso é

imprescindível que se ataque a causa dos problemas que geram entrave na

prestação jurisdicional, e não tão somente números, frise-se Acesso à Justiça e

celeridade processual são conceitos que tem pontos de toque, mas que não se

confundem.

Antes de prosseguir, anote-se, todavia, que em Portugal a expressão Acesso

à Justiça diferencia-se de Acesso aos Tribunais e Acesso ao Direito, cada qual tem

um significado próprio.

A expressão Acesso ao Direito é a mais ampla, englobando o direito à

informação, à consulta jurídica e ao patrocínio jurídico, sendo que “[...] do acesso ao

direito depende, em grande medida, o acesso à justiça”.86

Neste sentido Carlos Alegre, citado por Madalena Duarte escreve que:

[...] como o acesso ao direito constitui um estado pré-judiciário (ou para-judiciário) somente a sua realização e eficácia garantirão uma via judiciária ou um direito à justiça em pleno pé de igualdade.87

Já a expressão Acesso aos Tribunais liga-se ao direito de acessar o Poder

Judiciário, para levar à resolução do conflito de interesses, intimamente ligado a

obrigação estatal de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça por

insuficiência de recursos financeiros, à luz do que dispõe o art. 20, nº 1 da

Constituição da República Portuguesa, in verbis:

85

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição nº 209/2012. Brasília, DF, 2012. 3 p. Disponível em: <http://static.atualidadesdodireito.com.br/camara/files/2012/08/Tramitacao-PEC-209_2012.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2012. 86

DUARTE, Madalena. Acesso ao direito e acesso à justiça: Condições prévias de participação dos movimentos sociais na arena legal. Oficina do CES, n.º 270, Fev. 2007, Universidade de Coimbra. p. 2. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/ficheiros/270.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2013. 87

ALEGRE, Carlos. Acesso ao direito e aos tribunais. Coimbra: Almedina, 1989. apud DUARTE, Madalena. Acesso ao direito e acesso à justiça: Condições prévias de participação dos movimentos sociais na arena legal. Oficina do CES, n.º 270, Fev. de 2007, Universidade de Coimbra.

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A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.88

O Tribunal Constitucional Português assim se pronunciou:

A garantia fundamental do acesso aos tribunais é uma concretização do princípio do Estado de Direito que apresenta uma dimensão prestacional na parte em que impõe ao Estado o dever de assegurar meios tendentes a evitar a denegação de justiça por insuficiência de meios económicos.89

A concepção de Acesso à Justiça, que é necessária para compreensão do

tema objeto deste estudo, pois, equivale, mutatis mutandis, a concepção portuguesa

de Acesso ao Direito. Necessariamente, está além do mero Acesso ao Poder

Judiciário, e muito mais a frente, aliás, da própria vinculação à jurisdição, colocando-

se tal Acesso, como meio de concretização dos direitos da personalidade, vale dizer,

naquela perspectiva de alocação do ser humano com centro e finalidade dos

direitos, trabalhada por ocasião do capítulo primeiro deste texto, o Acesso à Justiça

se efetiva, e passa a ser aparelho para a efetivação de direitos, e, nessa dimensão

imbrica-se com direito material.

A seguir será feita uma breve contextualização histórica acerca da evolução

da dimensão de Acesso à Justiça, bem como se tentará conceitua-lo.

3.2 MOVIMENTOS E CONCEITO DE ACESSO À JUSTIÇA

3.2.1 Noções Históricas

3.2.1.1 Noções Gerais

Há quem relacione o acesso das classes ao poder com o Acesso à Justiça,

afirmando que este movimento é tão antigo quanto aquele.90 91

88

PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Disponível em: <http://dre.pt/comum/html/legis/crp.html>. Acesso em: 23 dez. 2012. 89

PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n.º 273/2012. Processo n.º 116/12. 2.ª Secção do Tribunal Constitucional. Diário da República, 2.ª série, n.º 120, 22 de junho de 2012. p. 22005. 90

FONTAINHA, Fernando de Castro. Acesso à Justiça: da contribuição de Mauro Cappelletti à Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 19. 91

CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública, uma nova sistematização da teoria geral do processo. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 03-04.

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Na Grécia antiga não existiam impedimentos para que os cidadãos

acessassem à justiça, muito embora poucos seres humanos que lá viviam eram

considerados cidadãos (cerca de 10%).92

Em Roma o estudo do tema pode ser dividido em quatro períodos, de acordo

com a evolução de Acesso à Justiça didaticamente esquematizada por Fernando de

Castro Fontainha93:

a. Período da Realeza (meados do século VIII até 510 a.C.): Marcado pela

forte disputa do poder entre a plebe e os gentilis, conseguindo, ao final, os plebeus

acesso às magistraturas públicas.

b. Período da República (510 a.C. até 82 a.C.): Na comitia centuriata havia o

agrupamento em cinco classes divididas de acordo com o patrimônio e com funções.

O consenso entre as classes mais abastadas impediam as demais de votarem, data

a formação de maioria absoluta. Ao final o quórum deliberativo e as decisões

majoritárias conquistaram espaço.

c. Período do Principado (82 a.C. até 284 d.C.): Principal marco desse

período foi o poder centralizado nas lideranças militares.

d. Período do Dominato (284 d.C. até 568 d.C.): No final do império Romano

do ocidente o domínio absolutista foi marcante, levando ao retrocesso político,

entretanto, com avanço da jurisdição, porquanto em tal momento: “[...] o estado

afasta o emprego da justiça privada e passa, por funcionários seus, a resolver os

conflitos de interesses e impor executoriedade às suas sentenças”.94

Na Idade Média, com a ascensão da Igreja Católica e a prevalência do

Direito Canônico, houve mitigação do Direito Romano, nesse período, como já

assentado acima, começou a se desenvolver, a partir das lições de São Tomas de

Aquino e Santo Agostinho a teoria dos direitos da personalidade e o direito natural.

Entretanto é possível se afirmar que:

[...] ainda que de forma absolutamente precária e desconforme com o conceito de justiça dos dias de hoje – o acesso à justiça limitava-se à possibilidade do indivíduo comparecer aos ordálios (juízos de Deus) [...] não apenas a condição de litigante era prejudicada, mas a

92

FONTAINHA, Fernando de Castro. Acesso à Justiça: da contribuição de Mauro Cappelletti à Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 21. 93

Ibid., p. 21-26. 94

Ibid., p. 22.

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própria submissão do indivíduo ao soberano os reduzia a condição quase escrava.95

No momento renascentista, com a crise da Igreja, o paradoxal fortalecimento

do jusnaturalismo, e o advento das grandes declarações de direitos, a igualdade

formal é fortalecida, e, consequentemente o Acesso à Justiça é posto em pauta, não

apenas por tais fatores, mas como consequência da própria consolidação do

capitalismo, e o desenvolvimento econômico.

No período posterior, o positivismo – surgido pouco antes, agora em franca

expansão – foi uma das bases da consolidação da burguesia, mas as mazelas do

sistema sob o qual essa se erigiu – capitalismo – levou, sobretudo, a formação de

um pensamento crítico, que, entre outras coisas, provocou nova acepção da

igualdade: material.

Nesse sentido, justifica transcrever:

[...] o pensamento marxista, e de todos os seus releitores, suas críticas às mazelas do capitalismo e suas reivindicações, foram fundamentais para que se redefinisse o conceito de acesso à justiça diante do ultrapassado e insuficiente princípio da igualdade formal. Marx sem dúvida foi o principal teórico da materialização do direito mencionado no corpo deste texto. Ainda que se persista o sistema capitalista de produção e a luta de classes, uma gama imensa de correntes no direito surge com noções alternativistas, semiológicas e críticas, inovando e ganhando espaço nessa guerra de posições e redesenhando a ciência do direito e do estado.96

Esse pensamento crítico, provavelmente, foi o estopim para o

desenvolvimento de novas acepções sobre o Acesso à Justiça, que o desvincula do

exacerbado abstrativismo processual, como se verá a seguir, com a escola de

Cappelletti.

3.2.1.2 A terceira onda de Acesso à Justiça

Do livro Acesso à Justiça, cujo título original, em inglês, é Access to justice:

the worldwide movement to makes rights effective, publicado em 1978, de autoria de

Mauro Cappelletti com colaboração de Bryant Garth, cuja versão brasileira resultou

95

FONTAINHA, Fernando de Castro. Acesso à Justiça: da contribuição de Mauro Cappelletti à Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 23. 96

Ibid., p. 25.

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da tradução de Ellen Gracie97, se extraem as basilares lições para organização do

tema para a literatura jurídica brasileira, seja pelos aspectos inéditos de boa parte de

seu conteúdo, seja pela – ainda – atualidade de muitos dos seus temas.

Leitura obrigatória para qualquer texto que trate de Acesso à Justiça, já

citado em outros pontos desse trabalho, entre as diversas contribuições de

Cappelletti, estão as ondas de Acesso à Justiça, apresentadas no capítulo III da

mencionada obra, quais sejam: a. A primeira onda: assistência judiciária para os

pobres; b. a segunda onda: representação dos interesses difusos; c. a terceira onda:

do Acesso à representação em juízo em uma concepção mais ampla de Acesso à

Justiça. Um novo enfoque de Acesso à Justiça.98

Dessas três ondas, se destaca a última, pois é dela que se extraí, lançando-

se mão da analogia com a física, a amplitude aqui desejada para correlação entre

direito autoral, direito à educação e conflitos ocasionados pela era digital.

Isso porque, nessa terceira onda que se apresenta o Acesso à Justiça numa

abordagem compreensiva da reforma99, já que, nas palavras do próprio Cappelletti:

[...] essa ‘terceira onda’ de reforma incluiu a advocacia [...], mas vai além. Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir as disputas das sociedades modernas. Nós denominamos ‘o enfoque do acesso à Justiça’ por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas uma série de possibilidades para melhorar o acesso.100

E nessa investida abrangente há exigência, dentre outros, de “[...]

modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua

solução [...]”101, que, consequentemente “[...] vão muito além da esfera de

representação judicial”102, de modo que, o Acesso à Justiça, ultrapassa os limites da

jurisdição, se projetando para todo universo do direito.

Em muito boa parte desse Acesso pode se efetivar/ realizar por meio de

políticas públicas, enquanto categoria jurídica, que programa e legaliza a atuação

pública, conforme os interesses socialmente relevantes.

97 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto

Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. 98

Cf. Ibid., p. 31-74. 99

Ibid., p. 69. 100

Ibid., p. 67-68. 101

Ibid., p. 71. 102

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant, loc. cit.

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Contudo, alerta-se que a percepção aqui defendida de Acesso à Justiça –

como meio de efetivação dos direitos da personalidade – não foi diretamente

trabalhada por Cappelletti, o que, todavia, não impede que de sua literatura, mais

precisamente da amplitude da terceira onda, se extraía um dos fundamentos

desejados para o estudo: que é a possibilidade de modificação do direito material,

para se efetivar o Acesso à Justiça.

Ricardo Castilho explica que, sendo o argumento do Acesso à Justiça

sociológico, a verificação da justeza do direito material, isto é, a investigação o

atendimento ou não das suas finalidades sociais é imprescindível para sua

efetivação.103

Com efeito, parece ser acertada a opinião de Ricardo Testilho, cientes, pois

que se trata de um enfoque, dos diversos possíveis do Acesso à Justiça.

3.2.2 Conceito de Acesso à Justiça: Construção necessária

Por exclusão já se pode afirmar que o conceito de Acesso à Justiça não se

confunde com a celeridade processual, e que, para a perspectiva aqui defendida é

corolário a correlação de justiça à finalidade social.

Sobre justiça, aliás, tomos poderiam ser escritos e centenas, talvez milhares

de lições compiladas, sem se chegar a uma definição do que é Justiça; se buscado

no Latim, a palavra justiça vem de justitia que, de acordo com o Dicionário Priberam

da Língua Portuguesa significa:

justiça (latim justitia, -ae, conformidade com o direito, equidade, bondade) s. f. 1. Prática e exercício do que é de direito. 2. Conformidade com o direito. 3. Direito. 4. Rectidão. 5. Magistrados e outros indivíduos do foro. 6. Poder judicial. 7. Lei penal. 8. Punição jurídica. 9. Uma das quatro virtudes cardeais. de justiça: justo; merecido.

103

CASTILHO, Ricardo. Acesso à justiça: tutela coletiva de direito pelo Ministério Público: uma nova visão. São Paulo: Atlas, 2006. p. 12.

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fazer justiça: obrar ou julgar segundo o que é justo.104

Do dicionário Michaelis as seguintes definições se extraem:

justiça jus.ti.ça sf (lat justitia) 1 Virtude que consiste em dar ou deixar a cada um o que por direito lhe pertence. 2 Conformidade com o direito. 3 Direito, razão fundada nas leis. 4 Jurisdição, alçada. 5 Tribunais, magistrados e todas as pessoas encarregadas de aplicar as leis. 6 Autoridade judicial. 7 Ação de reconhecer os direitos de alguém a alguma coisa, de atender às suas reclamações, às suas queixas etc. 8 Poder de decidir sobre os direitos de cada um, de premiar e de punir. 9 Exercício desse poder. 10 Rel Estado de graça; retidão da alma que a graça vivifica; inocência primitiva, antes do pecado do primeiro homem. 11 Personificação da justiça considerada como divindade. J. de funil: a que é liberal e ampla para uns, restrita e apertada para outros. J. de mouro: crueldade na aplicação da lei. J. distributiva: a que distribui prêmios ou castigos a cada um, segundo o seu merecimento. J. divina: atributo de Deus pelo qual Ele regula com igualdade todas as coisas. J. do trabalho: conjunto de órgãos, com jurisdição própria e específica, regidos pela legislação social e independentes do Poder Judiciário, destinados a dirimir os conflitos de interesses suscitados entre empregadores e empregados. J. militar: a que se pratica nas forças armadas, de acordo com as leis militares. De justiça: justo, merecido. Fazer justiça: justiçar. Fazer justiça a: punir ou premiar eqüitativamente; julgar, sentenciar.105

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define como:

S. f. 1. Conformidade com o direito; a virtude de dar a cada um o que é seu. 2. A faculdade de julgar segundo o direito e melhor consciência. 3. Conjunto de magistrados judiciais e pessoas que servem junto deles. 4. O pessoal dum tribunal. 5. P. ext. O poder judiciário [q. v.].106

As definições trazidas de dicionários poderiam ser colacionadas a centenas,

mas a acima expostas já são suficientes para se verificar a impossibilidade da

definição puramente científica de justiça a partir de dicionários, porque dado o

caráter generalista que têm, impedem a verticalização necessária, muito embora

104

JUSTIÇA. In: DICIONÁRIO Priberam da Língua Portuguesa. Lisboa: Priberam Informática, 2012. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=justi%C3%A7a>. Acesso em: 1º dez. 2012. 105

JUSTIÇA. In: MICHAELIS Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=justi%E7a>. Acesso em: 5 dez. 2012. 106

JUSTIÇA. In: DICIONÁRIO Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 379.

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seja necessário citá-los para demonstrar a diversidade de conceitos, todos corretos,

se relacionados com o respectivo eixo teórico do qual se originam, a exemplo do dar

a cada um o que é seu cuja origem é o suum cuique tribuere dos Romanos.

A guisa de exemplo, na linha de pensamento de Ricardo Castilho107, citam-

se as seguintes noções de justiça:

a. A positivista: identifica justiça com legalidade, de modo que é justo, e

realiza a justiça aquilo que está de acordo com a lei;

b. A Grega: identifica a justiça com a igualdade;

c. A Aristotélica: identifica a justiça como equilíbrio;

d. A Romana: identifica a justiça como ordem pacificadora, com o já citado

suum cuique tribuere;

e. A Religiosa com base na Bíblia: a justiça como obediência à Lei Divina (no

Antigo Testamento) e como amor e respeito ao próximo, como a si mesmo (no Novo

Testamento);

f. A da Lei do Talião: identifica a justiça como princípio retribui-o;

Por evidente que a enunciação acima, como já alertado, é meramente

exemplificativa, apenas para conduzir o leitor a problemática e a dinamicidade dos

conceitos de Justiça.

Sobre essa problemática, aliás, Ivan Aparecido Ruiz e Marcelo Dal Pont

Gazola, com brilhantismo e sensatez escreveram:

O ser humano desde os tempos mais remotos esteve vinculado ao conceito de Justiça, ora aplicada por ele próprio, sobretudo por aqueles que detinham o poder, ora por Deus, por intermédio de pessoas inspiradas por Ele ou, pelo menos, que assim se consideravam, como se observa de relatos históricos e religiosos. Não obstante a evolução dos povos e dos conceitos, a elaboração de uma perfeita definição do termo Justiça ainda é um desafio. Não se vislumbra um único conceito correto de Justiça, pelo contrário, diversos são os conceitos, e praticamente todos com o seu grau de acerto, mormente considerada a evolução histórica, o momento social, enfim as particularidades de cada sociedade.108

E mais, a compreensão de justiça se conecta, necessariamente, com a

compreensão do próprio direito, outro arcabouço infinito de definições e discussões.

107

CASTILHO, Ricardo. Acesso à justiça: tutela coletiva de direito pelo Ministério Público: uma nova visão. São Paulo: Atlas, 2006. p. 12-13. 108

RUIZ, Ivan; GAZOLA, Marcelo Dal Pont. Alguns Aspectos Essenciais da Arbitragem e o Acesso à Justiça. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, Maringá, 10 maio 2010, p. 167-197. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/1512/1004>. Acesso em: 27 dez. 2012.

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Mas isso não é uma justificativa para não abordagem da questão, além do

que, já que tanto se escreveu (e se escreverá) sobre Acesso à Justiça, que é

forçoso, sob pena de a abertura de interpretações não adequadas, externar a qual

função do direito e dimensão de Justiça este estudo se filia.

Neste ponto, pois, se compreende o direito como sistema de pacificação

social, pela regulamentação, e a Justiça como compatibilidade das normas jurídicas

às necessidades sociais; in verbis:

[...] preferimos condicionar a adjetivação ou não de um ordenamento jurídico (ou de algumas normas) como justo ao atendimento ou não das necessidades sociais, pois o Direito nada mais é que um sistema de regulamentação e pacificação da sociedade.109

Assim, o Acesso à Justiça, é visto como acesso à tutela jurisdicional de

normas justas, dois são os elementos necessários: a) possibilidade da tutela

jurisdicional; e, b) normas jurídicas justas (na dimensão de realização social).

Mauro Cappelletti, indiretamente, parece incluir a questão da justiça e da

realização social, no seu conceito de Acesso:

O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.110

A ideia de Acesso à uma ordem jurídica justa é perfilhada, também, por

Kazuo Watanabe.111 112

Fernando Pagani Matos define Acesso à Justiça como:

A expressão “acesso à justiça” pode ser reconhecida hoje como condição fundamental de eficiência e validade de um sistema que vise garantir direitos. Assim, calcado em modalidades igualitárias de direito e justiça, tal instituto deve ser considerado o básico dos direitos fundamentais do ser humano.113

109

CASTILHO, Ricardo. Acesso à justiça: tutela coletiva de direito pelo Ministério Público: uma nova visão. São Paulo: Atlas, 2006. p. 13. 110

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 12. 111

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In: Participação e processo. GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (Coord.). São Paulo, Rev. dos Tribunais, 1988. p. 128. 112

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2000. p. 32-33. 113

MATTOS, Fernando Pagani. Acesso à justiça: um princípio em busca de efetivação. Curitiba: Juruá, 2009. p. 70.

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Pelo exposto, pois, é possível se concluir que o Acesso à Justiça não se

restringe ao Poder Judiciário, tal como expressamente afirmaram Ivan Aparecido

Ruiz e Marcelo Dal Pont Gazola:

É bom ressaltar que o acesso à justiça, entendido como acesso à ordem jurídica justa, não vem somente pelas mãos do Poder Judiciário, mas, também, pelos métodos alternativos de solução de conflitos de interesses, dentre eles, a arbitragem.114

Belmiro Jorge Patto e Ivan Aparecido Ruiz também escreveram:

[...] hoje, perfeitamente possível, pensar no acesso à justiça, com o objetivo de alcançar a pacificação social, escopo último do Direito, sem se utilizar dos serviços jurisdicionais que são prestados pelo Poder Judiciário. Fala-se, então, em acesso à justiça pelos meios alternativos de solução de conflitos de interesses. [...].115

É a partir dessa construção que o será possível, no subitem abaixo o

desenvolvimento do Acesso à Justiça como meio de concretização dos direitos de

personalidade.

3.3 O ACESSO À JUSTIÇA COMO MEIO DE CONCRETIZAÇÃO DOS

DIREITOS DA PERSONALIDADE

3.3.1 Relação necessária

O Acesso à Justiça está presente na Constituição Federal no artigo 5º,

XXXV (também denominado de princípio do Acesso à Justiça ou da inafastabilidade

da jurisdição), que reclama uma resposta instrumental do direito, como meio de se

atender ao mandamento constitucional, que não se restringe na midiática e simples

visão de concretização pela celeridade.

É manifesto que o Acesso à Justiça, também reclama o estabelecimento de

mecanismos que acelerem a prestação jurisdicional, mas cuja cautela na

114

RUIZ, Ivan Aparecido; GAZOLA, Marcelo Dal Pont. Alguns Aspectos Essenciais da Arbitragem e o Acesso à Justiça. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, Maringá, 10 maio 2010. Disponível em: <http://www.cesumar.br/pesquisa/periodicos/index.php/revjuridica/article/view/1512/1004>. Acesso em: Dez. 2012. 115

RUIZ, Ivan Aparecido; PATTO, Belmiro Jorge. A arbitragem como instrumento de efetivação dos direitos da personalidade no contexto do direito da família: ampliação do acesso à justiça nas hipóteses de separação e divórcio litigiosos. In: Anais do XVIII Congresso Nacional do Conpedi, Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 5214-5243.

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implementação deve ser aprimorada, porque a celeridade deve ser uma

consequência reflexa da efetividade, e não um fim em si mesmo, como é a

tendência, vale dizer, celeridade e efetividade são coisas bem distintas.

A falta de celeridade, seja nos juízos de primeiro grau ou nas cortes

superiores não é o problema, é um sintoma da doença que aflige o sistema, basta

observar os breves comentários tecidos nas primeiras linhas deste capítulo, para se

constatar que, quase sempre, apenas o sintoma foi atacado, sendo escassas as

medidas governamentais (lato sensu) que se voltaram as verdadeiras causas.

Daniel dos Santos Rodrigues116 cita como causas da crise comentada três

motivos/ origens: a) exclusão social; b) explosão da litigiosidade; c) o próprio acesso

ao poder judiciário (ampliação do acesso). A essa literatura, acrescenta-se ainda a

vigorosíssima tendência algumas terceirizarem ao Poder Judiciário partes de suas

atividades, como departamentos de atendimento ao consumidor, departamentos

pessoais, como acertadamente Rodolfo de Camargo Mancuso ensina, aliás, dado o

fulgor de suas lições, imperioso transcrevê-las:

Não raro, torna-se cômodo e interessante para os clientes habituais do Judiciário (v.g., Poder Público, empresas de seguro-saúde, entidades de crédito ao consumidor, administradoras de cartão de crédito, empresas de telefonia) deixar que as pendências se judicializem e permaneçam sub judice o maior tempo possível: isso dispensa tais litigantes de investir em recursos humanos e materiais na organização de serviços de atendimento ao público, que, bem manejados, preveniriam pendências e resolveriam as já instaladas. Dado que esse vasto segmento trabalha com economia de escala na sua relação com a Justiça estatal, o custo do acompanhamento dos processos não pesa significativamente, sendo antes um modo inteligente de repassar ao Estado o encargo de gerenciar tais pendências. (grifos no original).117

Mencionado autor, enfaticamente explica que não é surpresa o fato muitas

empresas optarem por adotar uma política de apenas pagar direitos trabalhistas em

Juízo, de modo a poupar o custo que teriam se organizassem o seu próprio

Departamento Jurídico, numa espécie de transferência ao Judiciário do ônus de

analise da relação trabalhista e todos os direitos correlacionados.118

116

RODRIGUES, Daniel dos Santos. Causas e efeitos da crise da jurisdição e da resolução de conflitos no Estado brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1790, 26 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11306>. Acesso em: 1 maio 2012. 117

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 170. 118

Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo, loc. cit.

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Essa litigiosidade habitual, lastreada na economia de escala, foi observada

por Mauro Cappelletti119, ao lado das custas judiciais, dos problemas especiais dos

interesses difusos e de outras barreiras ao acesso, dentro da necessária

diferenciação entre litigantes eventuais e litigantes habituais, estes últimos que

litigam sempre observando a economia de escala.

Assim, parece restar evidente, que aquelas afirmações da Law and

economics, utilizadas em sua maioria para justificarem filtros recursais, se

aproximam muito mais de serem uma bem articulada anedota, à serem um benefício

a todos os jurisdicionados.

Além disso, se acrescente que problemas existem com o próprio direito

material, que em alguns muitos pontos é excludente, ou, ao menos, facilitador de

litígios, como é o caso do direito autoral, que na sua programada obsolescência, não

se adequou, ainda, à realidade Constitucional pela qual se optou em 1988, tal como

se evidenciará no decorrer desta dissertação.

Portanto, o problema do acesso genuinamente efetivo à justiça, qualificado,

não depende tão só das normas de direito processual e do bom aparato jurisdicional,

reclamando que as normas materiais cuidem dos direitos que quer que sejam

tutelados e que exista uma consciência de não transgressão, ou seja, a violação da

norma não pode ser a regra do sistema, como parece ser o fenômeno atualmente

experimentado em alguns setores da economia e do próprio Estado, como é o caso

da tutela do direito autoral na era digital.

É claro, a questão também envolve as políticas legislativas, mormente num

momento em que, o Estado ainda caminha a passos curtos na promoção de

políticas públicas que concretizem os direitos e garantias já normatizados (apesar de

se ter avançado nas duas últimas décadas), preferindo, sobretudo no Poder

Legislativo – cuja atribuição originária de fiscalização, para ter sido abandonada –

em flagrante opção pela nomocracia, criar milhares de leis para, apenas com elas,

solucionar todos os problemas da sociedade, entre eles os enfrentados pelo Poder

Judiciário.

Por tal motivo, que a convencional tentativa de solução da crise de

legitimidade por meio de filtros recursais e mecanismos que impeçam o andamento

de demandas judiciais, ou seja, por sistemas de redução numérica, é paliativa, e não

119

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988. p. 25-26.

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ataca o problema, e ainda mitiga, em parte, o Acesso à Justiça, inclusive na

qualidade que lhe é essencial, como meio de se efetivar os direitos da

personalidade.

Os próprios meios alternativos de solução de conflitos – que deveriam ser os

meios primários, e alternativa a jurisdição – estão sob grande risco de se tornarem

apenas mais uma peça na engrenagem dessa máquina que “já sente a ferrugem lhe

comer...”120 121, porquanto, da forma com que têm sido preconizados e difundidos –

em parte –, apenas atacam a causa, e não o problema em si, ou seja, são colocados

como mais uma forma de desafogar o Poder à garantir direitos dos jurisdicionados,

em verdade, são colocados à serviço dos litigantes habituais – salvo poucas

exceções e iniciativas. Sem se visitar a teoria do conflito, nas lições da sociologia e

psicologia, e sem atentar as políticas públicas de promoção da pessoa humana, com

os sociólogos e sociopolíticos, se estará implantando apenas mais um caro

anestésico ao paciente, que continua a adoecer.

Nesse ponto, remete-se o leitor para obra Acesso à Justiça: condicionantes

legítimas e ilegítimas, de Rodolfo de Camargo Mancuso122, que foi utilizada como

referencial para discussão, até esse ponto, da questão do Acesso à Justiça.

Retoma-se a grande problemática do precário Acesso à Justiça está na

dramática consequência que o não acesso ocasiona, que é impedir, entre outros, o

livre exercício dos direitos da personalidade e, principalmente, o desenvolvimento da

personalidade, direto-pressuposto dos demais; sem o Acesso à Justiça, qualquer

situação ilícita, pode resultar num perecimento dos direito da personalidade, e do

próprio ser humano, consequentemente.

E mais, se pode afirmar hoje, que mesmo as situações comuns e

frequentemente tidas por anormais, se não forem vistas sob a garantia do Acesso à

Justiça, na percepção mais ampla e moderna, podem ser consideradas ilícitas,

inclusive do ponto de vista jurídico-penal, tal qual é o caso do direito autoral frente as

novas formas de difusão de sua produção pelo meio digital.

120

Nas palavras figuradas de Zé Ramalho na canção Admirável Gado Novo. 121

Cf. FARACO NETO, Pedro ; RUIZ, Ivan Aparecido. Mensagem da música Adorável Gado Novo : contribuição do Direito para as pessoas humanas que levam uma vida de gado , em total desrespeito aos Direitos da Personalidade. In: XXI Encontro Nacional do CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, 2012, Uberlândia. Anais do XXI Encontro Nacional do CONPEDI. Uberlândia: Fundação Boiteux, 2012. p. 8228-8251. 122

Cf. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

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As três dimensões acima referenciadas estão todas intimamente ligadas ao

problema da tutela dos direitos autorais na era digital, já que a pirataria tem forte

relação com a exclusão social – apesar de ser praticada em todas as classes –,

pode gerar litigiosidade sem precedentes, diante da conhecida transgressão desses

direitos de autor no meio digital, como em downloads não autorizados de músicas e

filmes, cópias não originais de mídias (CD, DVD, blu-ray, entre outros), e em

especial, na disseminação não autorizada de cópias de livros e textos – estas última

hipótese, que é o foco desse estudo –, e tem potencial de congestionar o acesso

dos próprios titulares dos direitos de autor, e dos titulares de outros direitos ao Poder

Judiciário, mas, por outro lado, a disseminação da informação – ainda que não

autorizada – tem potencial conexão com o direito à educação, que é também direito

da personalidade. Não se pode recorrer a hipocrisia, por exemplo, para se negar a

conhecida prática – inclusive nas grandes academias, e em mesmo em estudos

mais avançados – consistente na utilização de livros digitalizados e distribuídos

livremente pela internet, bem como, resgate-se que todo o direito civil, como mais a

frente será explorado, passou por um fenômeno de releitura e publicização, ao qual

não está imune – felizmente – o direito autoral.

3.3.2 O efetivo acesso à justiça

Posto isso, o Acesso à Justiça deve ser visto nesta dimensão, como meio de

concretização de direitos da personalidade, in casu, o direito autoral e o direito à

educação.

Em outras palavras, para efetivação de ambos direitos personalidade

(autoral e educacional) em face ao conflito deles pelas violações facilitadas pelos

novos meios proporcionados pela era digital, restrita, para esse estudo, a

disponibilização e distribuição não autorizada por meio de uploads e downloads de

conteúdos de obras literárias e didáticas protegidas pelo direito autoral, o Acesso à

Justiça é o instrumento que se apresenta juridicamente viável para a tentativa de

solução desse conflito, influenciando, principalmente, o próprio processo releitura do

direito autoral, e consequentemente do estabelecimento de políticas públicas.

Vale dizer, na moderna visão aqui adotada, o Acesso à Justiça, que se

apresenta como o mais fundamental de todos os direitos, porque aos demais dá

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sentido, é instrumento que está acima do Poder Judiciário, e representa a exigência

de uma ordem jurídica justa, processual e, igualmente, material.

No contexto de um sistema positivista, inevitavelmente, a concepção de

Acesso à uma Ordem Jurídica justa passa pela lei material, pela superação da

incoerências econômicas, e políticas, reclamando, também (e principalmente), o

estabelecimento de políticas públicas.

Infelizmente, ciente se está, que a proposta que mais a frente será

formulada, ainda que seja inédita e enérgica, teve que ser moldada na própria

estruturação do sistema jurídico como um todo, já dito positivista e repulsivo às

perspectivas jusnaturalistas – que semelham mais próximas à Justiça do Acesso à

uma Ordem Jurídica Justa.

De qualquer forma, é essa a acepção de efetivo Acesso à Justiça necessário

para se conferir sentido ao termo de acordo com as exigências da Constituição

Federal de 1988, não apenas nesse trabalho, mas na própria ordem jurídica,

significado do qual parece provir todos os demais.

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4 DO DIREITO À EDUCAÇÃO

4.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

Quando se utiliza a expressão direito à educação as estruturas sociais,

sociológicas, filosóficas, econômicas e políticas (entre diversas outras) são atraídas,

de modo que, sequer com pretensões meramente compilatórias, seria possível tratar

de todos esses temas em obra específica, quanto mais num trabalho tão

verticalizado quanto deve este ser.

Portanto, necessário explicitar, desde já, que a discussão que se dará no

decorrer deste capítulo tem um único objetivo: demonstrar ao leitor que o direito à

educação é um direito da personalidade, de modo a possibilitar a relação com direito

autoral e o Acesso à Justiça.

Para muitos tal demonstração pode se aproximar de uma verdade científica

– provisória e sempre mutável, mas plenamente válida neste momento – para muitos

outros – e isso causa preocupação – a educação, porém, não passa de mais um

direito fundamental.

É claro que, como adiante será visto, até mesmo para educação ser alocada

para categoria de direito fundamental, muito teve que se evoluir, mas ainda se

depara, em encontros científicos de nível nacional, em grupo de trabalho específico

sobre a Educação123, com alguns pesquisadores (e aqui não se generaliza), que não

admitem o direito à educação como direito da personalidade, ou que tem grande

dificuldade de vê-lo como tal.

Sem a compreensão que aqui se exporá – e que não é inédita, mas

relativamente nova e pouco divulgada – se perde um dos fundamentos de validade

dessa pesquisa, já que a tensão existente no direito autoral, passa,

necessariamente, pela questão da educação e pelos direitos da personalidade.

Desta forma, logo mais, serão tecidas algumas considerações históricas,

com o fim de contextualizar o leitor, para então se explicar o direito à educação

como direito da personalidade, cujo núcleo é a dignidade da pessoa humana.

123

Refere-se ao XXI Encontro Nacional do Conpedi/UFU realizado na cidade de Uberlândia nos dias 6 a 9 de junho de 2012.

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4.2 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

4.2.1 Desenvolvimento geral da educação

No Egito antigo, marcado pela organização politica e social hierarquizada, o

conhecimento era sinônimo de autoridade124, apenas para ilustrar, vale transcrever

as valiosas lições de Janine Assa:

[...] ao lado dos escribas ‘reais’ do Palácio, e de todos que tinham, como no Egito, funções administrativas, além dos escribas do Templo, existiam, seja entre os Sumérios, seja na Babilônia, numerosos tabeliães, para redigir as atas e cuidar da contabilidade comercial. Desempenhavam papel muito importante, pois a Justiça não era oral e os litígios submetidos aos tribunais deveriam ser apresentados por meio de documentos escritos. Mas, ainda sendo proporcionalmente maior o seu número, as pessoas instruídas continuam como pequena minoria; constituem um grupo social que participa do exercício do poder e, por isso, considera-se superior.

É possível, nesse período, se estabelecer, ainda que com restrições, relação

entre o desenvolvimento dos direitos da personalidade e o direito à educação.

Na Grécia Antiga, a educação, que estava inserida no ethos, se desenvolvia

por meio do pedagogo, o ser em si, por sua natureza, se inclina à buscar o seu fim

na virtude, na prudência e na felicidade. Novamente adequadas são as lições de

Ivan Dias da Motta e Cássio Marcelo Mochi:

Para os gregos a ação de educar era reservada ao pedagogo, pois se inseria no âmbito do éthos, no movimento interior para o qual o homem, por natureza tende a buscar o seu fim, na virtude, na prudência e na felicidade, conforme nos ensina Aristóteles, na obra Ética à Nicômaco.125

E, foi com Homero, e com os poetas, que surgiram os primeiros educadores

da Grécia, sendo relevante anotar que ele foi o resultado de toda a herança, desde o

período micênico, a passagem pelo Dark Ages126, tendo Homero representado para

124

ASSA, Janine. A antiguidade. In: DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. (Org.). Tratado das ciências pedagógicas. v. 2. História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasceno Penna e J. B. Damasceno Penna. São Paulo: Nacional; Editora da Universidade de São Paulo: 1977. p. 5. 125

MOTTA, Ivan Dias da. MOCHI, Cássio Marcelo. Os direitos da personalidade e o direito à educação na sociedade da informação. In: Anais do XVIII – Congresso Nacional do Conpedi, São Paulo, 2009. p. 8257. 126

Período 1100 e 900 no qual o desaparecimento da civilização Micênica.

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os antigos, o que a bíblia representa para o ocidente na modernidade, podendo ele

ser considerado desde a Antiguidade e pelo mundo antigo, o grande educador.127

Há ainda relatos da educação em Esparta e Atenas. Dessa educação

clássica podem ser citados alguns elementos como: a) o ensino da música, que

provavelmente é o mais antigo ensino coletivo; b) o ensino da ginástica, realizado

pelo mestre de ginástica, com especial atenção às crianças; e, c) a escola do

gramatista, no qual se desenvolviam elementos da leitura, escrita e do cálculo.128

No período Helenístico deve se destacar a sistematização dos estudos, e a

(talvez) consolidação das ideias de Platão e Aristóteles, que manifestaram interesse

na intervenção do estado na educação. Houve a formação de um currículo escolar

(dos sete aos 20 anos). Em Roma, se avulta a educação inicial, a parte dos Gregos,

o subsequente apego à cultura Helenística, e a subsequente fusão com o restante

do mundo ocidental. A adoção, por Roma, do aspecto intelectual helenístico,

passado para o latim, possibilitou a transmissão e divulgação do conhecimento, e

acarretou a multiplicação de escolas elementares.129

Ainda com escólio na valiosa obra organizada por Debesse e Mialaret, o

desenvolvimento da educação na Idade Média pode ser dividido em seis grandes

períodos, três na Alta Idade Média e três na Baixa Idade Média, na Alta, a educação

se divide em: a) antes de Carlos Magno; b) a Renascença; e, c) o período Feudal; e

na Baixa em: a) O período urbano (de gestação); b) o período universitário; e, c) a

desagregação.130

Não convém, contudo, compendiar as principais conquistas e entraves

educacionais nesse período, apenas na obra em questão são quase duzentas

páginas tratando do assunto, fazê-lo aqui, seria sonegar muita informação relevante,

em que, para esta dissertação, não é tão oportuna, razão pela qual remetemos o

leitor para mencionada obra.131

127

ASSA, Janine. A antiguidade. In: DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. (Org.). Tratado das ciências pedagógicas. v. 2. História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasceno Penna e J. B. Damasceno Penna. São Paulo: Nacional; Editora da Universidade de São Paulo: 1977. p. 7-9. 128

Ibid., p. 17-25. 129

DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. Tratado das ciências pedagógicas. v. 2 História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasceno Penna e J. B. Damasceno Penna. São Paulo: Nacional; Editora da Universidade de São Paulo: 1977. p. 43-75. 130

ASSA, Janine, op. cit., p. 43-75. 131

Cf. DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston, op. cit., passim.

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62

Entretanto, algumas notas ainda são necessárias em relação a Renascença,

a Revolução Francesa, e ao início da Contemporaneidade, porque afetas à

construção da educação, como direito da personalidade.

Sobre a Renascença, assenta citar:

André Chastel observa, em seu prefácio à obra de J. R. Hale, que a Renascença é ‘uma das raras épocas da história que a si mesma se denominou’ e isso desde o século XV, aquela Renascita italiana, que ganha, no século seguinte, o Ocidente, da Inglaterra à Moscóvia. Apresenta, como sabe, diversos aspectos, e é lícito, por exemplo, falar sem exagero de uma Renascença pedagógica, tal como se fala da Renascença artística, ou da literária.132

Grandes nomes, ainda – e por sorte – estudados nos bancos escolares

como, Leonardo da Vinci, Leonardo de Roterdão, Niccolò de' Niccoli e Poggio

Bracciolini, entre inúmeros outros fizeram parte desse momento histórico, que criou

sólidas bases para a Revolução Francesa e para a Contemporaneidade.

Houve nesse período histórico (de fins do século XIII até meados do século

XVII) uma nova concepção do homem e da cultura, marcada pelas fases do

Humanismo, da Reforma e da Contrarreforma.

Anote-se, todavia, que, como toda evolução, o fenômeno não aconteceu

instantaneamente, por exemplo, Dante Alighieri, colaborou com o humanismo, num

período pré-renascentista.133

No humanismo há reação contra o dualismo: corpo espírito, e se tenta repor

o ser humano em sua unidade e integralidade, aflora-se desejo pela pesquisa e

estudos da natureza, para além da transformação intelectual: “[...] o humanismo é

verdadeiramente uma maneira de ser, própria das pessoas inteligentes e cultivadas

da Renascença.”134

No século XV a Renascença experimentou seu auge no denominado

Quattrocento. É nesse momento que Florença se firma como centro cultural. Deve

se dar destaque a criação dos colégios de Jesuítas no início do século XVI, que,

aliás, está dentro do período da Alta Renascença (final do século XV, início do XVI),

é desse período também o auge das criações de Michelangelo, Da Vinci e Rafael.

132

DEBESSE, Maurice. A renascença. In: DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. (Org.). Tratado das ciências pedagógicas. v. 2 História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasceno Penna e J. B. Damasceno Penna. São Paulo: Nacional; Editora da Universidade de São Paulo: 1977. p. 189. 133

CAMBI, Franco. História da Pedagogia. Trad. de Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora UNESP, 1999. p. 226. 134

DEBESSE, Maurice, op. cit., p. 195.

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Com os jesuítas houve expansão do ensino e importantíssima contribuição

para o desenvolvimento da educação, nesse sentido:

O êxito do sistema escolar jesuíta no século XVI lê-se nas estatísticas, desde 1585, contavam-se 15 colégios Jesuítas na França e, pela mesma data, havia 20 deles na Alemanha. É na Polônia, pouco alcançada, pela Reforma, que sua multiplicação foi mais rápida: havia deles mais de centena, antes mesmo do fim do século XVI. No total, 144 colégios jesuítas já existiam em 1579, e 245 em 1600. Tal desenvolvimento mostra à evidência que essa forma de ensino e de educação correspondia às exigências da época.135

Acode lembrar, que em 1549 os Jesuítas iniciaram os seus trabalhos no

Brasil, e além da catequese, atuaram na Educação até 1760, quando foram

expulsos do então Brasil Colônia (vale anotar que somente em 1815 foi elevado a

Reino Unido com Portugal), por Pombal, que os acusara de tentar formar um império

próprio.136

No humanismo Inglês (Século XVI) há destaque para preocupação com os

problemas da educação, inclusive da ausência de democratização, sacramentada

pelo então Parlamento Escocês.137 Na França a Reforma e Contrarreforma

influenciaram a reestruturação dos colégios, mas o ensino popular continuou

precário.138

A Revolução Francesa (1789 a 1799), posteriormente expandida para o

ocidente, ocasionou profundas transformações, implantou o ideal republicano,

reformulou o poder (transferindo-os aos burgueses), com base no iluminismo, e

evidenciou – ou de certa forma – criou direitos inalienáveis.139

Com a Revolução houve um surto do ensino popular, que por vezes não foi

simpatizado por alguns filósofos, como Rousseau, Voltaire e Diderot. Nesse sentido:

A bem dizer as atitudes de uns e outros acerca da oportunidade de fazer o povo ascender à cultura são, muita vez, ambíguas. Para Rousseau (1712-1778), ‘o pobre não precisa de educação; a de seu

135

DEBESSE, Maurice. A renascença. In: DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. (Org.). Tratado das ciências pedagógicas. v. 2 História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasceno Penna e J. B. Damasceno Penna. São Paulo: Nacional; Editora da Universidade de São Paulo: 1977. p. 216-217. 136

SILVA, Francisco de Assis. BASTOS, Pedro Ivo de Assis. História do Brasil: Colônia, Império e República. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1983. p. 49-50. 137

DEBESSE, Maurice, op. cit., p. 239. 138

Ibid., p. 257-262. 139

ARRUDA, José Robson de A.. História Moderna e Contemporânea. 17. ed. São Paulo: 1984. p. 157-170.

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estado é forçosa, ele não poderia ter outra’. Voltaire (1964-1778) considera, igualmente mas com razões diferentes, que ‘não é o trabalhador braçal que cumpre instruir, é o bom burguês, habitante das cidades’. Aquilo que, sobretudo, se receia, na extensão da instrução popular, são as veleidades da deserção, ou de promoção, que poderiam germinar no espírito dos trabalhadores manuais. Sem dúvida, Diderot (1713-1784) afirma ‘que um camponês que sabe ler e escrever é mais difícil de oprimir que outro’ e se esforça para acalmar as inquietudes dos contemporâneos com o declarar que ‘cabe ao legislador fazer de sorte que a profissão seja suficientemente tranquila e estimada para que não seja abandonada’.140

No entanto, filósofos outros, como Montesquieu (1689-1755), Turgot (1727-

1781) e Rolland d’Erceville (1734-1794), defendem a educação do povo (aqui

entendido como as massas, os pobres), esses dois últimos a justificando como meio

de manutenção da ordem social e da produtividade do trabalho.141

Na Contemporaneidade (da Revolução Francesa em diante), apesar de o

período envolver dois séculos inteiros (XIX e XX), e o atual, o que, inexoravelmente,

atinge parte da necessária imparcialidade científica, porque, se fala sobre a

realidade inacabada, da qual todos são atores, há influência da cultura humanista. A

moral e a laicidade passam a integrar o ensino, a escola tem flagrante finalidade

ética, a educação passa a ser cívica e social, principalmente na França.142

É esse o esboço da educação, que dá ares ser uma (velha) nova forma de

riqueza143, imaterial e personalíssima. Da antiguidade Grega à Contemporaneidade,

é possível se identificar, vezes de forma dissimulada, vezes aberta, a relação da

Educação com o Poder, temática esta que foi abordada por Francis Bacon, que

defendia que esse poder é capaz de modificar a natureza em benefício da

humanidade, com potencial de levar ao progresso social.144 Michel Foucault

estabelece relação entre o Poder e os mecanismos de controle para proteção dessa

forma de fortuna.145

Ana Manuela Reis Rampazzo, com efeito, tece excelente consideração a

respeito da relação saber-poder:

140

LÉON, Antoine. Da Revolução Francesa aos começos da Terceira República. In: DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. (Org.). Tratado das ciências pedagógicas. v. 2 História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasceno Penna e J. B. Damasceno Penna. São Paulo: Nacional; Editora da Universidade de São Paulo: 1977. p. 337. 141

LÉON, Antonie, loc. cit. 142

VIAL, Jean. A época contemporânea. In: DEBESSE, Maurice; MIALARET, Gaston. (Org.). Tratado das ciências pedagógicas. v. 2 História da Pedagogia. Trad. Luiz Damasceno Penna e J. B. Damasceno Penna. São Paulo: Nacional; Editora da Universidade de São Paulo: 1977. p. 398. 143

FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Rio de Janeiro: Nau, 1996. p. 100-101. 144

BACON, Francis. O progresso do conhecimento. São Paulo: Unesp, 2007. p. 19-26. 145

FOUCAULT, Michel, op. cit., p. 101.

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[...] tem-se que onde há saber, há poder, da mesma forma que: onde há poder, há resistência. Se por uma lado, novos saberes, novas tecnologias ampliam e aprofundam os poderes da sociedade disciplinar em que se vive, de outro, os meios de comunicação em massa podem controlar e manipular os indivíduos não dotados de discernimento para filtrar as informações veiculadas, sempre criativas e renovadas.146

Ainda, destaque-se que o fenômeno da manipulação, narrado por

Rampazzo, pode – e provavelmente atinge – até mesmo os instruídos, no sentido de

esclarecidos e com acesso à educação, porquanto a semiótica envolvida torna o

fenômeno comunicativo tão complexo que nem todos os filtros decorrentes da

educação são capazes de repelir a informação manipuladora, não obstante se está

em notável estado de vantagem em relação àqueles que têm menos saber (ou

acesso a ele).

Por outro lado, essa é apenas uma das manifestações do Poder decorrentes

do saber, mas todas elas, de alguma forma, se relacionam com o capital, já que se

está numa sociedade por ele movida.

E, de qualquer forma, como mais a frente será visto, esse Poder, seja de

não ser manipulado (ou ser menos manipulável), de alcançar o capital, etc, leva a

capacidade de autodeterminação do Ser, e constitui importantíssimo direito da

personalidade, pressuposto para o exercício de tantos outros.

4.2.2 O direito à educação no Brasil

4.2.2.1 Brevíssimas considerações históricas para educação no Brasil

Cabe informar que, além das disposições Constitucionais relacionadas ao

direito à educação, que serão tratadas na próxima seção, diversas são as normas

que abordam a questão da educação no Brasil, a exemplo a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), a Lei nº 12.244/2010, que dispõe

sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País, o Decreto

nº 6.755/2009, que, entre outros assuntos Institui a Política Nacional de Formação

146

RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito autoral. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 58.

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de Profissionais do Magistério da Educação Básica, etc. Enfim, apenas no âmbito

federal, a pesquisa por assuntos no saite do Planalto147 retorna oitenta resultados de

normas (lato sensu) que dispõem sobre educação, que não serão analisadas,

porque, para esse estudo, não guardam pertinência direta.

Incumbe, todavia, resgatar, rapidamente, antes de tratar do tema nas

constituições brasileiras, registrar alguns aspectos históricos do direito à educação

na realidade do Brasil.

O Brasil, colonizado por Portugal no sistema de exploração, a partir de 1530

por expedição chefiada por Martim Afonso de Sousa148, teve por características a

grande propriedade e mão de obra escrava, conduzindo ao isolamento e

estratificação sociais, favorecendo a estrutura do poder com base na autoridade,

sem limites, do dono de terras.149 A sociedade latifundiária e escravocrata, patriarcal,

procurou imitar o modo de vida da Metrópole, e tornou-se, igualmente, aristocrática.

Destaca-se a importância da Companhia de Jesus (Jesuítas) na educação,

que, entretanto, era frequentada por um restrito número de homens. Nesse sentido:

As condições objetivas que, portanto favoreceram essa ação educativa, foram, de um lado, a organização social e, de outro, o conteúdo cultural que foi transportado para a Colônia, através da formação mesma dos padres da Companhia de Jesus. A primeira condição consistia na predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregados e de escravos. Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, em número restrito, porquanto deveriam ser excluídos dessa minoria as mulheres e os filhos primogênitos, aos quais se reservava a direção futura dos negócios paternos. Destarte, a escola era frequentada somente por filhos homens que não os primogênitos. Estes recebiam apenas, além de uma rudimentar educação escolar, a preparação para assumir a direção do clã, da família e dos negócios, no futuro. Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes à classe dominante que estava destinada a educação escolarizada.150

E, em relação ao conteúdo ministrado pelos Jesuítas, apesar de trazerem as

humanidades latinas, não eram adaptados a realidade da Colônia, mas estavam de

acordo com os anseios da Aristocracia rural brasileira.

147

BRASIL. Palácio do Planalto. Legislação por Assunto: Educação. Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-por-assunto/educacao-teste#content>. Acesso em: 6 dez. 2012. 148

SILVA, Francisco de Assis. BASTOS, Pedro Ivo de Assis. História do Brasil: Colônia, Império e República. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1983. p. 23. 149

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 33. 150

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira, loc. cit.

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Com a expulsão dos Jesuítas por Pombal151, o ensino passou, de forma

bastante precária, a ser promovido pelo Estado. Com a independência (1822), a

demanda escolar diversificou-se, a camada intermediária da sociedade, ainda em

formação, via na educação uma forma de ascensão social.152

Com exceção do Colégio Médico Cirúrgico da Bahia e da Escola Anatômica

Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, ambas de 1808, não existiam no Brasil cursos

superiores propriamente ditos, e, ao menos no cenário legislativo do Império, não se

aventava a ideia da criação de cursos jurídicos no Brasil, ao oposto da América

espanhola, que ao final da fase colonial possuía mais de vinte universidades, sendo

certo, de que as duas primeiras, foram instaladas em Santo Domingo de Guzmán,

na atual Republica Dominicana (Universidad Autonoma de Santo Domingo) e em

Lima (tradicionalíssima Universidad Nacional Mayor de San Marcos), no Peru. A

América portuguesa, leia-se: Brasil, não dispunha de nenhuma instituição de ensino

superior, toda formação acadêmica na área do direito, ocorria na Universidade de

Coimbra.153 Foi José Feliciano Fernandes Pinheiro (formado em Direito por Coimbra)

quem propôs na Assembleia Constituinte, em 14 de junho de 1823, pela primeira

vez, a criação de cursos jurídicos no Brasil.154

A justificativa inicial dos que advogavam a criação de cursos jurídicos no

país, era a necessidade de “tirar os brasileiros da penosa necessidade de irem

mendigar as luzes nos países remotos”.155

José Sebastião de Oliveira156, em estudo sobre o tema, ressaltou questão da

formação em Coimbra, com destaque a aplicação das Ordenações:

As Ordenações do Reino de Portugal, ou seja, o Código Filipino de 1603, no Título XLVIII, do seu Primeiro Livro, que prescrevia in verbis:

151

SILVA, Francisco de Assis. BASTOS, Pedro Ivo de Assis. História do Brasil: Colônia, Império e República. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1983. p. 49-50. 152

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 37. 153

NASPOLINI SANCHES, Samyra. H. D. F.; BENTO, F. A História do Ensino do Direito no Brasil e os avanços da portaria 1886 de 1994. In: XVIII Congresso Nacional CONPEDI, 2009, São Paulo. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009. v. 1. p. 6187. 154

BRASIL; Congresso; Câmara dos Deputados; Centro de Documentação e Informação. Criação dos cursos jurídicos no Brasil. Brasília; Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, 1977. p. 3. 155

REALE, Ebe. Faculdade de Direito do Largo São Francisco: a velha e sempre nova academia. 2. ed. Rio de Janeiro: AC&M; São Paulo: Saraiva, 1997. p. 7. 156

OLIVEIRA, José Sebastião de. O perfil do profissional do Direito neste início de século XXI. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 208, 30 jan. 2004. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4745>. Acesso em: 19 mar. 2012.

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‘Mandamos, que todos os Letrados, que houverem de advogar e procurar em nossos Reinos, tenham oito annos de studos cursados na Universidade de Coimbra em Direito Canonico, ou Civel ou em ambos.’ Sob penas severas de multas, prisão, desterro ou degredo para os infratores.”

Mas, antes da dos cursos em São Paulo e Olinda, não se pode sonegar que

em 9 de Janeiro de 1825 decretou o imperador, a criação provisória de um curso

jurídico na Corte, na cidade do Rio de Janeiro, o qual, não obstante tenha sido

regulamentado em 2 de Março de 1825, com a publicação do Estatuto de Visconde

da Cachoeira – importante documento que posteriormente veio a embasar,

sobretudo os aspectos metodológicos e científicos do ensino do direito no Brasil –

jamais fora implantado.

Anote-se que tal documento, posteriormente utilizado nos cursos de direito,

demonstra a grande influência universalista (legado dos Jesuítas) e humanista da

formação que o Império se propôs a dar.157

Fato é que em 11 de agosto de 1827, sexto ano da independência do

Império, após acalorados debates sobre onde seriam instalados os cursos, foi

promulgada a Lei que criou os dois primeiros cursos de direito no Brasil, em Olinda e

São Paulo. Os cursos se instalaram, em 1º de março, em São Paulo, no Mosteiro de

São Francisco, e na cidade de Olinda em 15 de maio de 1828, no Mosteiro de São

Bento, e acabaram utilizando o do Estatuto de Visconde da Cachoeira como matriz

curricular.

Dado que não pode passar despercebido é o de que os cursos se instalaram

em prédios pertencentes à Igreja, o que demonstra, entre outros aspectos, a

carência do Estado independente, que estruturalmente não dispunha de locais para

os cursos, e a ingerência da Igreja em assuntos estatais, o que pode até ser,

herança dos Jesuítas e sua vocação para o ensino.

E, foi a partir dos dois cursos de direito que o Brasil formou seu

aparelhamento estatal, e novos rumos para o ensino começaram a se projetar.

Interessante registrar que apenas em janeiro de 1901, as mulheres passaram a ser

admitidas no curso de direito, demonstrando, assim a forte carga aristocrática ainda

remanescente, e a dificuldade dos valores mais elementares do iluminismo

penetrarem no Império, quase República.

157

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 39.

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Pouco antes dessa possibilidade, com a Constituição de 1891 houve a

descentralização do ensino, fato que também influiu, positivamente. E, já nesse

período se tinha consciência dos problemas enfrentados pelo ensino, tanto que por

meio do Decreto nº 1.242H de 2 de janeiro de 1891, se tentou implantar a Reforma

Benjamin Constant, que conseguiu, até certo ponto, romper com a antiga tradição

do humanismo, mas não foi cuidadosa o suficiente, a ponto de não prever uma

adaptação a realidade social do país.158

Com o federalismo e a confusa – para o Brasil – autonomia dos entes

federados, parte do ensino passou para estes (conforme se verá no próximo item, ao

se tratar das constituições).

Anote-se que ainda na Primeira República, que a primeira Universidade

oficial foi criada no Brasil, a Universidade do Rio de Janeiro (atual Universidade

Federal do Rio de Janeiro – UFRJ), por meio do Decreto nº 14.343 de 7 de setembro

de 1920159, apesar da Universidade Federal do Paraná defender ser a mais antiga

Universidade do país.160

Na Primeira República, pois, as características do Brasil, acabaram por

modelar o ensino para sua realidade, não obstante, quando comparado à realidade

de outras colônias de próxima ocupação, tal quais as vizinhas espanholas, um déficit

se verifica.

Com a queda de Washington Luiz, e a Revolução de 1930, o país

experimentou uma realidade política e social distinta, iniciada numa crise, advinda

também da crise mundial de 1929 (Grande Depressão161), iniciada na Black

Tuesday162 (29 de outubro de 1929), que levou a reformulação do aparelhamento

estatal.

Ocorreram diversas reformas no ensino no Brasil. Francisco Campos foi

nomeado Ministro da Educação e Saúde Pública, e inicia uma série de decretos,

reformulando boa parte do sistema educacional (Decreto nº 19.850/1931 – Criou o

Conselho Nacional de Educação; Decreto nº 19.851/1931 – Adota no Brasil o regime

universitário; Decreto nº 19.852/1931 – Dispõe sobre a Universidade do Rio de

158

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 42. 159

OLIVEIRA, Antonio José Barbosa de. Uma breve história da UFRJ. Disponível em: <http://www.sibi.ufrj.br/Projeto/ufrj_historia.html>. Acesso em: 10 mar. 2013. 160

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ. A mais antiga do Brasil. Disponível em: <http://www.ufpr.br/portalufpr/a-mais-antiga-do-brasil/>. Acesso em: 10 mar. 2013. 161

THE LIBRARY OF CONGRESS. Depression & WWII (1929-1945). Disponível em: <http://www.americaslibrary.gov/jb/wwii/jb_wwii_subj.html>. Acesso em: 10 mar. 2013. 162

THE LIBRARY OF CONGRESS, loc. cit.

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Janeiro; Decreto nº 19.890/1931 (já existente desde o 1920) – Dispõe sobre o ensino

secundário; Decreto nº 20.158/1931 – Organiza o ensino comercial e regulamente a

profissão de contador; e Decreto nº 21.241/1932 – Consolida disposições sobre

organização do ensino secundário).

Todas essas medidas, que contribuíram para o ensino e proporcionaram

nova organização para o tema no país, foram exigência de uma realidade

econômica que começou a se manifestar com a industrialização do Brasil, sobretudo

na segunda fase, por outro lado, essa reforma não deu atenção ao ensino primário e

normal, mantendo, portanto a elitização do ensino.163

É importante ressaltar, por fim, que a partir desse período, até o hiato do

regime militar, manifestações, tal qual o Manifesto dos Pioneiros da Educação

Nova164, cobraram do Estado ações voltadas à realização da educação, e como se

verá logo mais, provocaram alterações importantes nas constituições brasileiras,

seguidas, quase sempre de manifestação legislativa infraconstitucional voltada a

efetivação. E, talvez, outro importante movimento na educação, aconteceu (e está

ainda em curso) a partir da Constituição Federal de 1988.

4.2.2.2 O direito à educação nas constituições brasileiras

A Constituição de 1824 (Constituição Imperial) tratou do direito à educação

no art. 179, XXXII, dispondo que a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos,

e XIII, dispondo sobre os colégios e universidades.165

A Constituição de 1891 tratou do direito à educação no art. 35, dispondo que

incumbe ao Congresso, não privativamente:

[...] 2º) animar no Pais o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais”; 3º) criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados; 4º) prover a instrução secundária no Distrito Federal.166

163

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 141-142. 164

Ibid., p. 142-153. 165

BRASIL. Constituicão Politica do Imperio do Brazil (de 25 de Março de 1824). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 24 dez. 2012. 166

Id. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de Fevereiro de 1891). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao91.htm>. Acesso em: 6 dez. 2012.

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A questão do ensino primário ficou no âmbito de competência dos estados,

de acordo com art. 65, nº 2, num sistema de competência residual.

A Constituição de 1934 avança no tema, prevendo no art. 34, XIV, a

competência privativa da União para “[...] traçar as diretrizes da educação

nacional”167. O Título V trouxe o Capítulo II, arts. 148-158, tratando especificamente

da educação e da cultura. Dentre tais dispositivos se destaca o art. 149, in verbis:

Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana.168

O ensino primário gratuito passou a ser obrigatório, conforme parágrafo

único do art. 150, que também previu a tendência de gratuidade dos outros níveis de

ensino, e diversas diretrizes foram traçadas.

A Carta Constitucional de 1937 (Constituição Polaca) também trouxe seção

exclusiva para educação e cultura, tratando do direito à educação nos arts. 128 a

134. O ensino primário continuou a ser obrigatório e gratuito, com destaque para a

solidariedade no custeio do sistema (art. 130), e da declaração de tal direito, como

sendo subjetivo, conforme art. 129, in verbis:

Art 129 - A infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.169

A Constituição de 1946 cuidou da educação no Título VI, Capítulo II, arts.

166 a 175. O art. 166 manteve o direito à educação como direito subjetivo e

reforçou o ideal solidário. O ensino primário continuar a ser obrigatório e gratuito (art.

167

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de Julho de 1934). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 6 dez. 2012. 168

Ibid. 169

Id. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de Novembro de 1937). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 6 dez. 2012.

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168), e houve notável espaço para a liberdade científica (art. 173), espírito este de

toda a Constituição, notadamente liberal, em contraposição a Carta anterior.170

A Constituição de 1967 atentou-se para educação no Título IV, juntamente

com a Família e a Cultura, em específico nos arts. 168 a 171. Mantido o ensino

primário obrigatório e gratuito (art. 168, §3º, I e II), com inspiração da solidariedade,

a constituição inovou ao prever no inciso III, do §3º do art. 168, o ensino gratuito

ulterior ao primário:

[...] III - o ensino oficial ulterior ao primário será, igualmente, gratuito para quantos, demonstrando efetivo aproveitamento, provarem falta ou insuficiência de recursos. Sempre que possível, o Poder Público substituirá o regime de gratuidade pelo de concessão de bolsas de estudo, exigido o posterior reembolso no caso de ensino de grau superior; [...].171

Em seguida, por meio do exercício do arbítrio dos ministros da Marinha de

Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, diante de uma situação de exceção,

cujo início se deu com o Golpe de 31 de março de 1964, invocando as atribuições

que lhe foram conferidas pelo art. 3º do Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro de

1969, combinado com, art. 2º, §1º do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de

1968, aproveitando-se de uma conjectura fática e jurídica (recesso do Congresso

Nacional e consequente autorização do Poder Executivo para legislar sobre todas as

matérias), foram efetuadas emendas modificativas, supressivas e aditivas à

Constituição de 1967, que foram institucionalizadas na Emenda Constitucional nº 1 à

Constituição de janeiro de 1967, emenda esta que foi promulgada de 17 de outubro

de 1969, entrando em vigor no dia trinta do mesmo mês.172

A Constituição de 1967, com a redação da mencionada emenda, dispôs

sobre o direito à educação no Título IV, que tratava também da família e da cultura.

As disposições eram semelhantes as da redação original da Constituição de 1967,

mas duas restrições importantes foram criadas a do art. 176, VII e a do art. 179,

caput, in verbis:

170

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de Setembro de 1946). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 24 dez. 2012. 171

Id. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: 06 dez. 2012. 172

OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos constitucionais do direito de família. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. p. 67.

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[...] VII - a liberdade de comunicação de conhecimentos no exercício

do magistério, ressalvado o disposto no artigo 154. [...] Art. 179. As ciências, as letras e as artes são livres, ressalvado o disposto no parágrafo 8º do artigo 153 [...].173

O art. 154, por seu turno dispunha:

Art. 154. O abuso de direito individual ou político, com o propósito de subversão do regime democrático ou de corrupção, importará a suspensão daqueles direitos de dois a dez anos, a qual será declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador Geral da República, sem prejuízo da ação cível ou penal que couber, assegurada ao paciente ampla defesa [...].174

E o § 8º do art. 153 tinha a seguinte redação:

[...] 8º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.175

Vê-se, da simples leitura dos dispositivos parcialmente transcritos, que,

apesar de dispor da educação, proclamando-a livre, tanto no que se refere ao

conteúdo, como no exercício, o regime estabelecido pelo Golpe de 1964, mantido,

mas gradualmente enfraquecido até 1985, em muito desrespeitou a liberdade,

aplicando ressalvas que serviram para a restrição da liberdade, sobretudo, no

âmbito das academias, mas não restritas a elas.

E, por fim, a Constituição de 1988 (Constituição Cidadã), arrola a educação

como direito social em sua redação original, o que foi mantido pelas duas emendas

constitucionais (EC) posteriores que alteraram o caput do art. 6º (EC 28/2000 e EC

64/2010). Entre as competências comuns da União, Estados e Municípios, está a

promoção da educação (art. 23, XII), sendo também competência legislativa

concorrente entre União e Estados (art. 24, IX), ficando transferida aos Municípios a

manutenção, com a cooperação técnica e financeira da União e dos Estados,

173

BRASIL. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 17 mar. 2013. 174

Ibid. 175

Ibid.

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programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental (art. 30, VI, que com a

redação dada pela EC 56/2006, redenominou tais programas, para educação infantil

e de ensino fundamental).176

A educação, em específico, passou a ser tratada no Título VIII (Da Ordem

Social), Capítulo III (Da Educação, Da Cultura e Do Desporto), Seção I (Da

Educação), arts. 205 a 214.177

Há proeminente progresso em relação aos textos anteriores. O princípio da

solidariedade, e a educação enquanto direito subjetivo público, foram consagrados,

conforme redação do art. 205, in verbis:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.178

A sistematização do direito à educação melhorou bastante. Diversos

princípios foram arrolados (art. 206), dentre os quais se destaca o da “[...] liberdade

de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”179; a

universalização do ensino passou a ser meta, e diversas normas voltadas à

efetivação do direito à educação foram estabelecidas.

A título breve sistematização, é esse, em apertada síntese, o quadro que se

pode delinear sobre o direito à educação nas Constituições Brasileiras.

Para os fins desse estudo, dois pontos merecem destaque:

I.A primeira regulamentação constitucional prevendo a educação como

direito da personalidade pode ser extraída da interpretação do art. 149 da

Constituição de 1934.180

II.A Constituição de 1988, além de manter o direito à educação como direito

da personalidade, não só pelo disposto no art. 205, mas como decorrente de todo o

sistema constitucional, inclusive do princípio da dignidade da pessoa humana (Art.

1º, III), reforçou a base solidária da educação, impondo-a como dever de todos, e

176

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 dez. 2012. 177

Ibid. 178

Ibid. 179

Ibid. 180

SILVA, Fábio de Sousa Nunes. Análise crítica quanto efetivação do direito fundamental à educação no Brasil como instrumento de transformação social. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/artigo_fnunes_edu.doc>. Acesso em: 2 dez. 2012.

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normatizou princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar (art.

206, II).

Importante registrar que independentemente da existência de uma lei, em

sentido estrito, que preveja a educação como direito da personalidade (o mesmo é

válido para outros direitos da personalidade), tal classificação jurídica prescinde de

uma norma a declarando.

Como se pode ver nas linhas do tópico anterior a este e, como será visto no

tópico a seguir, a consideração do direito à educação como direito da personalidade

é inerente à própria educação; é fenômeno que se projeta muito mais no mundo

antropológico, sociológico e filosófico, do que no mundo jurídico, porque é inerente à

condição humana a educação para o desenvolvimento do Ser, em todas essas

ciências.

Por outro lado, não se pode repugnar a importância da norma, afinal, apesar

de muito se dizer sobre o esquecimento do positivismo, a sociedade ainda é – e

provavelmente será, por muito tempo – apoiada no positivismo, como meio de

concretizar juridicamente os direitos.

E, de qualquer sorte, é papel, também do operador do direito, estudar esse

fenômeno, que, para o caso, se projeta no direito autoral e na realidade provocada

pelo mundo digital, em tese, paralelo ao real.

Por fim, não se pode sonegar a informação, de que há quem defenda, como

Aníbal Ponce181, autor argentino, de referencial Marxista, cuja obra Educação e Luta

de Classes foi publicada originalmente em 1937, mas só recebeu versão em

português no ano de 1963, que no campo da educação só ocorreram duas

revoluções: uma na sociedade primitiva, quando ocorreu a divisão em classes da

sociedade, e outra quando a burguesia do século XVIII substituiu o próprio sistema

Feudal.

Essa respeitável concepção, cujo debate não pode aqui se desdobrar,

deriva, como se pode ver, do ideal socialista do autor, mas, independentemente

disto, apresenta valiosa contribuição para compreensão do direito à educação, ousa-

se afirmar, que se pode estar caminhando para um terceiro momento revolucionário,

já que, de fato, à exceção dos dois momentos mencionados no item anterior, não se

vê, mesmo na história contemporânea, com tantos avanços, inclusive os

181

PONCE, Anibal. Educação e luta de classes. Trad. José Severo de Camargo Pereira. 5. ed. São Paulo: Cortez Autores Associados, 1985. p. 163.

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proporcionados pela velocidade da informação, inversão na base do Poder, e talvez

o que falta para desencadear essa nova e boa revolução, sejam novos referenciais

para o direito autoral, como, no último capítulo se articulará.

4.3 DIREITO À EDUCAÇÃO COMO DIREITO DA PERSONALIDADE

4.3.1 Notas iniciais

A educação está intimamente ligada a transmissão do conhecimento,

característica marcante da humanidade, que pode se dar, basicamente, por dois

meios: pela experiência e pela sistematização.182

Émile Durkheim, afirma que: “A educação não é, pois, para a sociedade,

senão o meio pelo qual ela prepara no íntimo das crianças, as condições essenciais

da própria existência [...]”183, e isso, por evidente, pode ser compreendido como

formação da personalidade, ou seja, a educação é essencial – também – para o

constante desenvolvimento e manutenção da personalidade.

Além disso, ensina ainda o mesmo pensador que “cada tipo de povo tem um

tipo de educação que lhe é próprio, e que pode servir para defini-lo, tanto quanto sua

organização moral, política e religiosa. É um dos elementos de sua fisionomia”.184

A existência, no Brasil, do direito à educação é inequívoca, basta o leitor

reconduzir ao escrito nos últimos parágrafos do capítulo imediatamente anterior para

se observar os diversos textos legais (da Constituição e tratados internacionais, até

leis ordinárias (de todos os entes) e regulamentos administrativos) declaram esse

direito à educação.

De acordo com José Carlos Libâneo185 a educação é um fenômeno social e

universal, consistente numa atividade humana imprescindível a existência e ao

funcionamento de todas as sociedades. Libâneo ainda apresenta dois sentidos à

educação, um amplo e outro restrito; o primeiro “[...] compreende os processos

formativos que ocorrem no meio social, nos quais os indivíduos estão envolvidos de

182

NAZARETH, Lissa Cristina Pimentel. Direito à educação e responsabilidade civil do educador. In: Responsabilidade Civil em face da violação dos direitos da personalidade: uma pesquisa multidisciplinar. REIS, Clayton. (Org.). Curitiba: Juruá, 2011. p. 169. 183

DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia: com um estudo da obra de Durkheim pelo Prof. Paul Fauconnet. Trad. Lourenço Filho. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1965. p. 41. 184

Ibid., p. 79. 185

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. p. 16.

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modo necessário e inevitável pelo simples fato de existirem socialmente”186, e o

segundo, compreende a educação que “[...] ocorre em instituições específicas,

escolares ou não, com finalidades explícitas de instrução e ensino mediante uma

ação consciente, deliberada e planificada.”187

Esses dois sentidos do direito à educação não podem passar

despercebidos, porque existe certo consenso popular que restringe à educação aos

bancos escolares, quase que reduzindo tal direito apenas à sua manifestação

didática, que é assaz importante, mas que corresponde apenas a uma parcela desse

direito.

Gerson Marinho Falcão, na obra Psicologia da Aprendizagem, destinada

para área da educação, ao tratar da aprendizagem, um dos fenômenos da

educação, ensina que: “A pessoa, na verdade, é um todo cognitivo-afetivo-motor, e a

modificação de um dos aspectos, afeta os demais. Daí dizer, muitas vezes que a

aprendizagem é global”188, sendo que desses aspectos (cognitivo, afetivo e motor),

surgem produtos com a mesma denominação.189

Otaíza de Oliveira Romanelli190 explica ainda duas dimensões do processo

educativo, uma dimensão que é o gesto criador que resulta do fato de o homem

estar no mundo, o qual não se distingue do gesto criador da cultura; outra dimensão

que é o gesto comunicador que o homem executa, por meio da transmissão a outra

pessoa dos resultados de sua experiência, numa manifestação de solidariedade e

continuidade.

Nesse rumo, conclui Otaíza Romanelli que:

[...] na medida em que se transforma pelo desafio que aceita e que lhe vem do meio para o qual volta sua ação, o homem se educa. E, na medida em que comunica os resultados de sua experiência, ele ajuda os outros homens a se educarem, tornando-se solidário com eles.191

O lastro desse direito, como não poderia deixar de ser, tal qual a maioria dos

direitos da personalidade (sobretudo aqueles que são também direitos

fundamentais) é a mega norma da dignidade da pessoa humana (sobre a qual já

186

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. p. 16. 187

LIBÂNEO, José Carlos, loc. cit. 188

FALCÃO, Gerson Marinho. Psicologia da aprendizagem. São Paulo: Ática, 1984. p. 109. 189

Ibid. p. 110. 190

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da Educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1978. p. 23. 191

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira, loc. cit.

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foram tecidos comentários em momento anterior), porque sem tal direito a pessoa

humana tem potencial de ser reduzida a condição de objeto.192 193

A previsão legal, todavia, não garante a efetividade desse direito, basta, para

isso, retomar o conceito de educação, cujo objetivo é estabelecê-la como um ideal

“[...] constituinte da própria essência do ser humano, e que se realiza quando todas

as condições mínimas necessárias se materializam, e se colocam à disposição do

homem”.194

Vê-se na Grécia, tal qual já exposto, a presença da educação como meio de

construção do próprio homem para a vida, e um pouco mais a frente em Roma a

virtude por meio do conhecimento, o cristianismo, posteriormente, cujos chefes

conheciam que o Poder vem do Conhecer, dele tiraram proveito.

Ajustadas são as lições de Ivan Dias da Motta e Cássio Marcelo Mochi195

que ensinam que o mundo clássico grego já tinha determinado a educação como

uma construção do homem e de sua história, sendo ela instrumento eficiente e

singular para a transformação dos homens em cidadãos, com a virtude e preparação

necessárias a vida em sociedade, que é conflituosa.

Advertem tais autores196 que as preocupações da educação eram objeto de

discussão entre inúmeros literatos como Homero, Hesíodo, Sófocles, bem como

entre Platão e Aristóteles, para quem o homem, zoonpolitikon, além da necessidade

de viver em sociedade, também tem o desejo e a necessidade de conhecer.

Contudo, por vários motivos, tal conhecimento não foi transferido para o mundo

jurídico da cultura grega. No mundo romano, Cícero na obra Dos Deveres, adverte

que o homem público virtuoso precisa estar em contato também com o

conhecimento, de modo a obter, a partir do contato com os clássicos, uma formação

universalista.197

192

MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 85. 193

NAZARETH, Lissa Cristina Pimentel. Direito à educação e responsabilidade civil do educador. In: Responsabilidade Civil em face da violação dos direitos da personalidade: uma pesquisa multidisciplinar. REIS, Clayton. (Org.). Curitiba: Juruá, 2011. p. 172. 194

MOTTA, Ivan Dias da. MOCHI, Cássio Marcelo. Os direitos da personalidade e o direito à educação na sociedade da informação. In: Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2009. p. 8257. 195

Ibid., p. 8264-8265. 196

MOTTA, Ivan Dias da. MOCHI, Cássio Marcelo, loc. cit. 197

MOTTA, Ivan Dias da. MOCHI, Cássio Marcelo, loc. cit.

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Oportuno transcrever:

Na medievalidade, tendo o cristianismo como centro de todas as relações políticas, econômicas, militares e sociais, a educação ficara restrita a uma pequena elite pertencente ao clero, e com menor extensividade à nobreza. O cristianismo já tinha se apercebido muito cedo de que ‘conhecer é ter poder’, premissa essa que a modernidade e pós-modernidade saberá muito bem como tirar proveito, conduzindo o ‘conhecimento’, conforme os interesses que agora tem como prevalência, um Estado Moderno e regulador da grande maioria das atividades da vida do homem. Embora a contribuição jurídica da medievalidade seja incontestável, nem o direito à personalidade, e tão pouco o direito à educação assumiram as preocupações necessárias no mundo jurídico. Épocas distintas,

preocupações diversas, contextos ímpares.198

E a Era dos Direitos, inaugurada pela Modernidade, o projeto Francês da

Revolução (1789) trouxe consigo um movimento de declaração de direitos,

influenciadas pela forma positivista e de natureza claramente burguesa, tais normas

se apresentaram – em grande parte – como programas, protocolo de intenções,

objetivos a serem alcançados, e não direitos efetivos propriamente ditos.

A crítica aqui, entretanto, deve ser branda, sob pena de se desabar no

imediatismo, comum, a muitos do Direito; não se deve esquecer que foi a custo de

muito sangue, e de correntes filosóficas e sociológicas históricas que as declarações

puderam ser escritas, não se pode esquecer que o fenômeno da humanidade

respeita a universal lei do tempo, própria da natureza desta espécie.

Isso, porém, não confere (deveria conferir) ao pesquisador comodidade.

Apesar da lenta evolução no início da modernidade, que, repita-se, colocou a

realização do homem do centro de atenção, as diversas declarações não impediram

a ocorrência das duas grandes guerras. Devem-se ser procuradas respostas das

quais alguma efetividade possa se extrair.

Dai porque, esse estudo adota a corrente literária que nega o início da pós-

modernidade, porque a modernidade é ainda um projeto inacabado, as estruturas

implantadas na modernidade ainda não foram rompidas.

A liberdade necessária para o rompimento estrutural e o avanço para uma

próxima etapa depende da educação transformadora, que possibilita ao ser humano

198

MOTTA, Ivan Dias da. MOCHI, Cássio Marcelo. Os direitos da personalidade e o direito à educação na sociedade da informação. In: Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, São Paulo, 2009. p. 8265.

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resgatá-lo ontologicamente, talvez não permanecer na liquidez a que se refere

Zygmunt Bauman.199

Há, entretanto, um conflito pouco visualizado, que não é, exatamente, o foco

desta pesquisa, mas cuja importância reflexa, demanda a evidenciação, será vista

logo mais.

4.3.2 Conflito: direito social e direito da personalidade

Como visto, a Constituição Federal de 1988 apresenta expressamente o

direito à educação como direito social fundamental, nesse sentido Fábio de Sousa

Nunes da Silva, afirma, que “[...] a efetiva inclusão educacional será aquela que

além de permitir que todos tenham acesso ao ensino, permita ao indivíduo o pleno

desenvolvimento de suas potencialidades [...]”.200

Sobre a disposição constitucional do direito à educação como direito

fundamental, Zélia Luiza Pierdoná assevera que há forte relação ente os objetivos

constitucionais da educação e sua relação com os fundamentos do Estado

brasileiro, e nesse rumo, defende que, constitucionalmente a educação presta: a) ao

pleno desenvolvimento da pessoa; b) ao preparo da pessoa para o exercício da

cidadania; e, c) a qualificação da pessoa para o trabalho.201

Grandes literatas, como Carlos Bittar202 e Limongi França203, afirmam que o

direito à educação é um direito da personalidade, munido de elementos que assim o

caracterizam, como absoluto, oponibilidade erga omnes, etc.

Ana Manuela Reis Rampazzo, afirma:

O direito à educação encontra-se disciplinado tanto na esfera pública, como na privada, considerado como direito fundamental e da

199

Cf. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. 200

SILVA, Fábio de Sousa Nunes. Análise crítica quanto efetivação do direito fundamental à educação no Brasil como instrumento de transformação social. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/artigosc/artigo_fnunes_edu.doc>. Acesso em: 2 dez. 2012. 201

PIERDONÁ, Zélia Luiza. Objetivos Constitucionais da Educação e sua Relação com os Fundamentos do Estado Brasileiro. In: Direito Educacional em Debate. v. 1. Dâmares Ferreira (Coord.). São Paulo: Cobra, 2004. p. 122-128. 202

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Direito e ensino jurídico: legislação educacional. São Paulo: Atlas, 2001. 203

FRANÇA, Rubens Limongi. Instituições de direito civil. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

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personalidade vez que é indispensável à pessoa e a sua formação pelo simples fato dela existir e pertencer ao gênero humano.204

Ademais, parece inarredável que a educação vincula-se também a própria

realização do ser, estando albergada pelo mínimo existencial.

E nesse rumo é indissociável a classificação da educação como direito da

personalidade, pois permite ao indivíduo tornar-se senhor de seu próprio destino,

resistir, com melhores armas, a manipulação, que, aliás, decorre, do próprio domínio

da educação.

Há autores, como a já citada Ana Manuella Reis Rampazzo, que classificam o

direito à educação como direito da personalidade, e afirmam ser ele responsável

pela construção da cidadania205, posição literária a qual se filia, e como afirma a

própria autora, com base nas lições de Thomas Humphrey Marshall.206

Do ponto de vista quase que empírico, é fato, que a educação, mormente no

Brasil, país ainda em desenvolvimento, além de ser meio de se alcançar o poder, é

verdadeiro instrumento de liberdade e ascensão social.

Diante do exposto, é perfeitamente possível considerar a educação como um

direito da personalidade, fundamental e social. Tal classificação não é de menor

importância. A alocação desse direito nessas três categorias, embora a princípio não

apresente incongruência, deve ser bem esclarecida.

É que a consideração em tais três grandes categorias de direitos traz consigo

uma série de implicações relevantes; como direito da personalidade apresenta – de

acordo com a literatura clássica – aqueles atributos defendidos por Carlos Bittar207, e

é extremamente privado; como direito fundamental, exige abstenção e ação estatal,

a primeira num sentido de liberdade e escolha e de manifestação, e a segunda num

caráter prestacional; e como direito social, projeta-se para o coletivo, fazendo

prevalecer sobre o interesse individual, o interesse público.

Sobretudo entre a primeira e terceira classificações (direito da personalidade

e direito social), há importante ponto de tensão, que é, justamente, um dos objetos

desse estudo, que aliado a nova leitura do direito autoral faz prevalecer o direito à

204

RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito autoral. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 24. 205

Ibid., p. 24-33. 206

MARSAHALL, Thomas Humphrey. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro, Zahar, 1967. 207

Cf. BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

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educação e, em última análise os direitos da personalidade, como será articulado,

oportunamente.

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83

5 DO DIREITO AUTORAL

5.1 LOCUS

O direito autoral pode ser compreendido como uma espécie do gênero

propriedade intelectual, que protege tudo aquilo que puder ser considerado como

arte ou técnica.208 Dentro desse gênero, também está compreendida a propriedade

industrial, a qual não será aqui estudada.

Manuella Santos assim clarifica:

Depreende-se, pois, que a propriedade intelectual cuida das criações do ser humano em todas as suas formas e compreende dois ramos: o direito industrial e o direito autoral. O direito industrial cuida dos bens industriais, ou seja, marcas, patentes e modelos de utilidade, e é o objeto de estudo do direito comercial ou empresarial. [...] O direito autoral abrange os direitos de autor, os direitos conexos e os programas de computador (software), sendo estudado pelo direito civil [...].209

O objeto dos direitos autorais é a obra do espírito, isto é, o vínculo existente

entre a obra e o autor, que, nessa perspectiva é extrapatrimonial, e surge com o ato

criacional, não dependendo, pois de registro, que se for efetuado tem como efeito

principal apenas uma declaração de algo que já existe210, como, aliás, prevê o art.

18 da Lei nº 9.610/1998.

Advém transcrever os comentários de Jaury Nepomuceno de Oliveira e João

Willington:

Reafirma-se, explicitamente, o princípio geral vigente na Convenção de Berna. Basta ao autor a mera publicação justapondo seu nome ao título para ser identificada a autoria. É explicitamente recomendada pela convenção de Berna a isenção das formalidades na constituição do direito de autor. 211

208

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 258. 209

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 3. 210

MORATO, Antonio Carlos. Direito do autor em obra coletiva. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 45. 211

OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: Lei nº 9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 49-50.

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Assim, o direito autoral, cuja tutela da obra do espírito independe de prévia

verificação e registro do estado, deve ser entendido como espécie do gênero

propriedade intelectual.

5.2 BREVE HISTÓRICO

O nascimento do direito autoral passa por diversas fases. A seguir serão

sintetizadas cada uma delas.

5.2.1 Na pré-história

No período compreendido entre o aparecimento do homem na terra e o

advento da escrita, a cuneiforme aproximadamente em 3.000 a.C. na Mesopotâmia,

por evidente, não se falava em direito autoral, todavia se evidenciava a atividade

criativa do ser humano, com a produção de diversas obras de arte com inestimável

valor cultural.

Essa magnífica produção artística e até mesmo o início do uso dos recursos

naturais, com a modificação do meio ambiente, sobretudo no período Neolítico e na

Idade dos Metais, mais a frente na história da humanidade, com o surgimento (ou

para alguns, aperfeiçoamento) do conceito de propriedade, conduzirão ao que será

chamada propriedade intelectual.

5.2.2 Idade Antiga

A Idade Antiga tem início no fim da Idade dos Metais, com o aparecimento

da grafia, e se estende até a queda do Império Romano do Ocidente, no Século VI,

em razão de sua invasão pelos Bárbaros.

Nessa idade a sociedade humana sofreu evolução em passos largos, várias

foram as invenções, até hoje mencionadas e estudadas, que manifestavam o

espírito criador do ser humano. Com efeito, Manuella Santos escreve:

Em 3000 a.C. os escritos cuneiformes dos sumérios deram início ao registro da História no Oriente Médio; em 1750 a.C. Hamurábi unificou a região mesopotâmica, estabeleceu o Império Babilônico e criou o Código de Hamurábi; em 338 a.C. Filipe II da Macedônia derrotou os gregos e anexou a Grécia ao Império Macedônico; seu

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filho Alexandre, o Grande, por volta de 330 a.C. conquistou povos em várias regiões, dando início ao maior império já visto pela humanidade.212

Em Roma, em razão da actio injuriarum se pode vislumbrar, não um direito

autoral, como mais a frente será definido, mas, ao menos um direito moral, que a par

de boa sistematização era admitido para tutela dos interesses da personalidade213, e

a presença da dike kakegorias na Grécia214, instituto semelhante à actio injuriarum.

Aliás, o direito de ação evoluiu da actio romana, que o compreendia como

extensão do próprio direito, ao direito de agir como direito abstrato, sendo que nesse

percurso as teorias de Windscheid e Muther possibilitaram a Degenkolb, Plósz,

Wach e Chiovenda215, a abstração do direito de ação do direito material.

5.2.3 Idade Média

A Idade Média se inicia em 476 d.C., com a queda do Império Romano do

Ocidente, e termina com a tomada de Constantinopla em 1453, pelos turcos-

otomanos.

Sobre referido período, interessantes são as considerações de Manuella

Santos:

Durante o Renascimento, a Idade Média foi considerada o tempo do primitivismo, do atraso e do empobrecimento da cultura europeia, a ponto de os ingleses terem lhe dado a expressão que se tornou famosa para designar o período: Dark ages ou Idade das Trevas. A pergunta que se faz é: é aceitável a ideia de que durante todo esse período o mundo ficou coberto por um manto de trevas culturais? Os historiadores vêm entendendo que não, e isso se deve principalmente ao fato de que a Idade Média é uma periodização que está circunscrita ao continente europeu e não a toda humanidade. 216

Até mesmo no direito, o domínio do cristianismo na Idade Medieval, trouxe

importantes obras, desqualificando parcialmente a designação inglesa de Idade das

Trevas, isso porque o embrião dos direitos da personalidade, mais próximo da

212

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16. 213

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 12. 214

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. v. 1, 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 116. 215

MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil, volume 1: teoria geral do processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 175-180. 216

SANTOS, Manuella, op. cit., p. 21.

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concepção atual, como visto no primeiro capítulo deste estudo, apesar de algumas

divergências, foi lançado com o Cristianismo, do qual pode se afirmar que derivou o

jusnaturalismo, cuja base foi a literatura de Santo Agostinho, e mais tarde a de São

Tomás de Aquino: o homem é criado a imagem e semelhança de Deus, sua

dignidade é qualidade diferenciada do mundo humano dada por Deus217, logo é ele

portador de direitos naturais que lhe são inatos a tal qualidade, entre eles os da

personalidade.

Inexoravelmente, apesar dos atrasos em muitas áreas, há relevante

contribuição dessa época para a criação da doutrina dos direitos da personalidade,

que, posteriormente, aperfeiçoada, serviu como alicerce para o afloramento do

direito autoral.

5.2.4 Idade Moderna

Da tomada de Constantinopla, capital do Império Romano do Oriente, pelos

turcos-otomanos até a queda da Bastilha em 1789, o continente europeu inaugurou

novos tempos, que se estenderam por boa parte do mundo. Novos mundos foram

descobertos, desbravados, e até mesmo se tornaram independentes, revoluções no

campo das ideias e das artes e, principalmente, do trabalho se operaram. Os dois

movimentos centrais; renascimento e iluminismo são as provas mais que evidentes

dessas mudanças.

Um ano após a tomada de Constantinopla, isto é, em 1454, a impressão

com tipos móveis de metal foi criada por J. G. zum Gutenberg, possibilitando o que

até então era feito exclusivamente por copistas em escala infinitamente menor: a

reprodução de uma mensagem; a partir de Gutenberg, de acordo com as lições de

Silvana Gontijo, tornou-se possível a difusão ilimitada e fiel da mesma ideia,

mensagem.218

Noel Osborne destaca duas grandes mudanças que subsidiaram o

desenvolvimento do direito autoral, a invenção da prensa e a reforma, nesse sentido

justifica transcrever:

217

Cf. ZENNI, Alessandro Severiano Vallér. A crise do direito na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2006. p. 16-17. 218

GONTIJO, Silvana. O livro de ouro da comunicação. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 167-168.

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This Guild was incorporated as the Company of Stationers of London by the royal Charter – granted by Philip of Spain and Mary Tudor – of 4 May 1557. The significance of a charter at that time can be appreciated when we recognize that, in the intervening century and a half since the formation of the Guild, two seismic shocks had marked the beginning of our modern world: first, the introduction of printing into England in 1476 made it possible to produce books for a mass, lay audience. Secondly, the Reformation brought in new ways of thinking.219 220

É claro que demorou algum tempo entre a invenção de Gutenberg e a

produção em série de obras se iniciar, isso pela própria necessidade de se modificar

a forma com que as coisas eram vistas, sendo que existiu por parte de alguns

resistência (temporária) à adoção da reprodução tipográfica, além dos custos iniciais

serem elevados e dependerem da melhoria do preço dos insumos.

As clássicas lições de Carlos Alberto Bittar são claras, pois demonstram que

os antigos problemas envolvendo direitos autorais surgiram de sobremaneira nessa

época, sendo também nesse período histórico que o primeiro diploma reconhecendo

um direito de autor foi outorgado:

Com a descoberta da imprensa, nasceram privilégios concebidos aos editores, pelos monarcas, para exploração econômica da obra, por determinado tempo. Consistiam em monopólios de utilização econômica da obra, conferidos por 10 anos. A insuficiência do sistema e a necessidade de assegurar-se remuneração aos autores fizeram com que aparecesse o primeiro texto em que se reconhecia um direito, em 10.4.1710, por ato da Rainha Ana, da Inglaterra (Copyright Act) para incremento da cultura.221

E continua o autor, explicando que norma na Constituição dos EUA, de

1783, precedida de regras estaduais, também hastearam o direito autoral.

Essa concepção externada nas mencionadas leis de Copyright, no entanto,

não veio para tutelar os direitos autorais, mas, em verdade, tutelar interesses

econômicos dos editores (impressores), e, de certa forma, dos distribuidores, novos

219

OSBORNE, Noel. The Stationers’ Company and Copyright: a brief introduction. Disponível em: <http://copyright-debate.co.uk/?p=184>. Acesso em: 16 dez. 2012. 220

Em tradução livre: Este Grêmio foi incorporado como Companhia de Papelarias de Londres pela Carta Régia – concedida por Filipe de Espanha e Maria Tudor – de 4 de Maio de 1557. A importância de uma carta nesse momento pode ser apreciada quando reconhecemos que, em meio século de formação do Grêmio, dois abalos sísmicos marcaram o início de nosso mundo moderno: primeiro, a introdução da possibilidade, na Inglaterra, em 1476, de imprimir, tornou possível a produção de livros para uma massa, um público leigo. Em segundo lugar, a Reforma trouxe novas formas de pensar. 221

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 12.

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integrantes da cadeia do livro, que, de acordo com Manuella Santos222 foi aliado ao

lucro por parte dessas pessoas (impressor e livreiro), a grande mudança.

Sobre isso, expõe Noel Osbone:

The first Copyright Act of 1709 gave the Stationers the maximum of theoretical authority and the minimum of practical power. Nonetheless, Copyright is the unique strand of overwhelming importance within the Stationers’ Company. When the Copyright Act of 1911 came into force on 1 July 1912 it brought to an end the practice of record-keeping which the Stationers of the 16th century invented for their mutual protection, which Parliament adopted and modified through a series of Acts over two centuries, and which in modern times has given the Company a unique piece of international fame: the invention of copyright.223 224

O excerto acima transcrito demonstra que a tutela do direito autoral em

verdade surgiu como tutela do editor, atribuindo pouca ou nenhum valor ao autor, e

como e pode interpretar da leitura, só veio a receber, ao menos na Inglaterra,

alguma proteção após 1912, já na idade contemporânea.

5.2.5 Idade Contemporânea

5.2.5.1 O surgimento no contexto mundial

A partir da queda da Bastilha até os dias presentes, a Idade Contemporânea

é, sem dúvida, o período em que as transformações têm ocorrido com maior

velocidade, e sobre as quais não é possível formular considerações isentas de

paixão, já que, nela todos estão inseridos.

Nesse período o mundo enfrentou duas grandes guerras (1914 e 1945), uma

guerra fria, genocídios, a inauguração de uma nova ordem econômica mundial, cujo

estágio atual é liberal capitalista, e um sem número de transformações se operaram

e continuam a ocorrer no campo de todas as ciências.

222

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 27. 223

OSBORNE, Noel. The Stationers’ Company and Copyright: a brief introduction. Disponível em: <http://copyright-debate.co.uk/?p=184>. Acesso em: 16 dez. 2012. 224

Em tradução livre: A primeira Lei de Direitos Autorais de 1709 deu aos Stationers o máximo de autoridade teórica e o mínimo de poder prático. Não obstante, Copyright é o único elemento de extrema importância dentro da Stationer’s. Quando a Lei de Direitos Autorais de 1911 entrou em vigor em 1º de Julho 1912, pôs fim à prática de manutenção de registros que os Stationers do século 16 inventaram para sua proteção mútua, que o Parlamento aprovou e modificou através de uma série de atos por mais de dois séculos, e que em tempos modernos, tem dado aos Stationers uma peça única de fama internacional: a invenção de direitos de autor.

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Sobre a Idade Contemporânea, mormente quanto à primeira fase da

revolução industrial, destaque se dê as suas rápidas e profundas transformações

tecnológicas, entre elas, a invenção da máquina a vapor, por Thomas Newcomen

(aperfeiçoada por James Watt), que, posteriormente, serviu à impressão de jornais,

revistas e livros, desenvolvendo as comunicações e promovendo a difusão cultural,

que, consequentemente, conduziu ao surgimento de novas técnicas e invenções.225

Nas fases subsequentes da revolução industrial e no atual momento da pós-

modernidade muitos outros avanços ocorreram, e, no que se refere ao direito autoral

não é diferente, novos meios da difusão das criações do espírito humano surgiram e

se expandiram, não mais se limitando ao meio estritamente físico, isto é, o papel:

radiodifusão, televisão, internet, fotografia digital, etc, são exemplos facilmente

captáveis.

No campo do direito, aliada ao desenvolvimento de teorias sobre todo o

sistema, como o positivismo de Hans Kelsen, leis esparsas surgem no direito

autoral, a título de exemplo citam-se: a) a edição do Federal Copyright Act nos

Estados Unidos em 31.05.1790; b) as leis francesas de 1791 e 1793; c) em 1794 o

Código de Direito Territorial Prussiano; e, d) em 1886 a famosa convenção de Berna

na Suíça.

5.2.5.2 O direito autoral no Brasil

No caso específico do Brasil, de acordo com a classificação adotada por

Antônio Chaves226, a história do direito autoral pode ser divida em três fases: a) De

1827 a 1916: primeiro diploma legal a fazer referência ao direito de autor no Brasil;

b) De 1916 a 1973: publicação do Código Civil de 1916; c) De 1973 em diante:

publicação da revogada lei de Direitos autorais em 1973.

Todavia, Manoella Santos227 divide o estudo do direito autoral em cinco

etapas:

Primeiros diplomas legais até a Constituição Federal de 1891: i) Com a lei

que criou os cursos de direito no Brasil em 11.8.1827 adveio a primeira previsão de

225

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 38-39. 226

CHAVES, Antônio apud SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 43-44. 227

SANTOS, Manuella, op. cit., p. 44-71.

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proteção dos direitos autorais, já que o art. 7º do referido diploma legal previa o

privilégio exclusivo da obra por 10 anos aos lentes que escrevessem compêndios

aprovados pelo Governo; ii) O Código Criminal do Império em 1830 no art. 261228,

previu crime de prisão para quem praticasse as condutas lá descritas violadoras do

aspecto moral do autor, e nos arts. 342 a 345 se regulou o respeito à propriedade

literária e científica;

Tratamento constitucional: i) a Constituição de 1824 não fazia menção ao

direito de autor, apenas a parte do direito de propriedade industrial, referente aos

seus inventores; ii) a Constituição da República de 1891, conferiu tratamento

específico no art. 72, §26229, conferindo proteção formal aos autores no que se

refere a reprodução das obras literárias e artísticas; iii) a Constituição de 1934, no nº

20 do art. 113230, que acrescentou a normatização anterior a proteção também as

obras científicas; iv) a Constituição de 1937 não dispôs sobre direitos autorais; v) a

Constituição de 1946 dispôs no art. 141, §19231 praticamente reproduziu o texto da

constituição de 1934 suprimido pela Constituição do Estado Novo; vi) a Constituição

228

Art. 261. Imprimir, gravar, lithographar, ou introduzir quaesquer escriptos, ou estampas, que tiverem sido feitos, compostos, ou traduzidos por cidadãos brasileiros, emquanto estes viverem, e dez annos depois da sua morte, se deixarem herdeiros. Penas - de perda de todos os exemplares para o autor, ou traductor, ou seus herdeiros; ou na falta delles, do seu valor, e outro tanto, e de multa igual ao tresdobro do valor dos exemplares. Se os escriptos, ou estampas pertencerem a Corporações, a prohibição de imprimir, gravar, lithographar, ou introduzir, durará sómente por espaço de dez annos. (BRASIL. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim-16-12-1830.htm>. Acesso em: 18 ago. 2012). 229

Art. 72. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 26 - Aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzi-Ias, pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar [...]. (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de Fevereiro de 1891). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao91.htm>. Acesso em: 18 ago. 2012). 230

Art. 113. A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] 20) Aos autores de obras literárias, artísticas e científicas é assegurado o direito exclusivo de produzi-Ias. Esse direito transmitir-se-á aos seus herdeiros pelo tempo que a lei determinar [...]. (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de Julho de 1934). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 18 ago. 2012). 231

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 19 - Aos autores de obras literárias artísticas ou científicas pertence o direito exclusivo de reproduzi-las. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei fixar. (BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de Novembro de 1937). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 18 ago. 2012).

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de 1967 com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969, tratou dos

direitos autorais no art. 153, §25232, substituindo o termo reproduzir por utilizar, mais

abrangente, e, em tese, mais protetivo; vii) a Constituição de 1988, no art. 5º, incisos

XXVII e XXVIII233, com redação muito mais compreensiva passou a prever o direito

exclusivo de utilização, publicação e reprodução aos autores, além de outras da

proteção específica da imagem e voz em obras coletivas e o direito de fiscalização

do aproveitamento econômico.

Legislação infraconstitucional: i) apesar da proteção conferida pela Lei de 11

de agosto de 1827, o primeiro diploma específico sobre direito autoral foi a Lei nº

496 de 1º de agosto de 1898234 que tutelou as obras de autores nacionais ou

residentes no país; ii) Lei nº 2.577 de 17 de janeiro de 1912235, que ampliou o âmbito

de proteção para incluir expressamente as obras editadas em países estrangeiros;

iii) Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916), que revogou a Lei

nº 496/1828 e regulamentou os direitos autorais nos arts. 649 a 673; iv) Lei nº 5.988

de 14 de dezembro de 1973, que derrogou completamente os arts. 649 a 673 do

232

Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes: [...] § 25. Aos autores de obras literárias, artísticas e científicas pertence o direito exclusivo de utilizá-las. Êsse direito é transmissível por herança, pelo tempo que a lei fixar [...]. (BRASIL. Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc01-69.htm>. Acesso em: 19 ago. 2012). 233

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII - são assegurados, nos termos da lei: a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; [...]. (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 19 ago. 2012). 234

Art. 1º. Os direitos de autor de qualquer obra litteraria, scientifica ou artistica consistem na faculdade, que só elle tem, de reproduzir ou autorizar a reproducção do seu trabalho pela publicação, traducção, representação, execução ou de qualquer outro modo. A lei garante estes direitos aos nacionaes e aos estrangeiros residentes no Brazil, nos termos do art. 72 da Constituição, si os autores preencherem as condições do art. 13. (BRASIL. Lei nº 496 de 1º de agosto de 1898. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-496-1-agosto-1898-540039-publicacaooriginal-39820-pl.html>. Acesso em: 19 ago. 2012) 235

Art. 1º. Todas as disposições da lei n. 496, de 1 de agosto de 1898, salvo as do seu art. 13, são igualmente applicaveis ás obras scientificas, litterarias e artisticas, editadas em paizes estrangeiros, qualquer que seja a nacionalidade de seus autores, desde que elles pertençam a nações que tenham adherido ás convenções internacionaes sobre a materia, ou tenham assignado tratados com o Brazil, assegurando a reciprocidade do tratamento ás obras brazileiras. (BRASIL. Lei nº 2.577 de 17 de janeiro de 1912. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=53811>. Acesso em: 19 ago. 2012).

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Código Civil de 1916 e passou a regulamentar por inteiro os direitos autorais, com

muita semelhança normativa à Convenção de Berna; v) Decreto nº 75.699 de 6 de

maio de 1975 que ratificou a Convenção de Berna no Brasil, e o Decreto nº 76.905

de 24 de Dezembro do mesmo ano que ratificou a revisão de Paris da Convenção

Universal sobre Direitos de Autor ocorrida em 1971; vi) Lei 9.610 de 19 de fevereiro

de 1998 (atual lei de direitos autorais) cuja ementa é: “altera, atualiza e consolida a

legislação sobre direitos autorais e dá outras providências”236, conferindo ampla

proteção aos direitos autorais, em sintonia com as Convenções de Berna e de

Roma, com notória abrangência as novas formas de manifestação dos direitos

autorais, inclusive o meio digital (Art. 7º237); vii) Lei nº 10.695 de 1º de Julho de 2003

que alterou a redação do caput do art. 184, do Código Penal, bem como dos §§1º a

3º e incluiu o §4º238, no mesmo dispositivo, com o fim de tipificar também a violação

por via digital; e, viii) Lei nº 10.753 de 31 de outubro de 2003, que institui a Política

Nacional do Livro.

Tratados internacionais: i) Decreto nº 9.190 de 1911 que promulgou a

convenção concluída no Rio de Janeiro em 23 de agosto de 1906; ii) Decreto nº

11.588/1915 que promulgou as convenções assinadas pelos delegados na IV

236

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 237

Art. 1º. Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos. [...] Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: [...] (BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012). 238

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. § 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. § 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (BRASIL. Lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.695.htm>. Acesso em: 24 dez. 2012).

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Conferência Internacional Americana ocorrida em Buenos Aires nos meses de julho

e agosto de 1910; iii) Decreto nº 23.270/1933 que promulgou a Convenção de Berna

com a revisão de Roma de 2 de Julho de 1928; iv) Decreto nº 26.675/1949 que

promulgou a Convenção Interamericana sobre direitos do autor em obras literárias,

científicas e artísticas, firmada em Washington em 22 de junho de 1946; v) Decreto

nº 34.954/1954 que publicou a Convenção de Berna, com a revisão de Bruxelas de

26 de Junho de 1948; vi) Decreto nº 57.125/1965, que promulgou a Convenção

Internacional para Proteção dos Artistas Intérpretes ou Executantes, aos Produtores

de Fonogramas e aos Organismos de Radiodifusão; vii) Decreto nº 75.541/1975 que

promulgou a Convenção que instituiu a Organização Mundial da Propriedade

Intelectual; viii) Decreto nº 75.699, promulgou a Convenção de Berna, revista em

Paris em 1971; ix) Decreto nº 75.906/1975, que promulgou a Convenção sobre

Produção de Protetores de Fonogramas com a sua reprodução não autorizada; e, x)

Decreto nº 1.355/1994, que promulgou a ata final que incorpora os resultados da

Rodada Uruguai de negociações do GATT (General Agreement on Tariffs and

Trade239).

Projetos de lei em tramitação: a consulta ao saite da Câmara dos

Deputados240 retornou quase 300 projetos de lei sobre direito autoral, e a consulta

ao saite do Senado241 apresentou 30 projetos, alguns, inclusive tratando sobre o

tema direitos autorais na internet.

Do histórico apresentado já se pode extrair duas conclusões intermediárias:

a primeira de que, de uma forma geral, todas as fases da história da humanidade

contribuíram para formação do direito autoral, sendo, contudo, nas Idades Moderna

e Contemporânea que se concentram as maiores inovações nesse campo, não

obstante, pelo que será adotado a seguir, enquanto conceito e natureza jurídica do

direito de autor se evidencie a importância da Idade Média, em razão do

desenvolvimento inicial da teoria dos direitos da personalidade; a segunda acerca

polêmica do tema direitos autorais na era digital, que essencialmente trata do

sistema de cópias compreendidas como ilegais e da pirataria, sua causa não advém

da carência legal, justamente porque não há deficiência, seja pelas diversas

239

Em tradução livre: Acordo Geral de Tarifas e Comércio ou Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio. 240

BRASIL. Câmara Dos Deputados. Projetos de lei e outras proposições. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/default.asp>. Acesso em: 10 ago. 2012. 241

BRASIL. Senado Federal. Portal atividade legislativa projetos e matérias. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/>. Acesso em: 10 ago. 2012.

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convenções do qual o Brasil é signatário, da própria proteção genericamente

abarcante da Constituição Federal, e das últimas alterações surgidas na legislação

infraconstitucional, ocorridas quando a internet já estava em avançado estado de

difusão, e das centenas de projetos de lei sobre direitos autorais em geral.

5.3 SISTEMAS EXISTENTES

De acordo com a classificação proposta por Carlos Alberto Bittar242, baseada

nos sistemas legislativos, cujas principais bases são a cultura e política, o direito de

autor pode ser dividido em três grandes sistemas:

a) Sistema Individual: Denominado também de sistema continental, europeu

ou francês, tem como principal diploma legal a Convenção de Berna, volta-se à

proteção do autor, tendo como duas de suas principais características: i) a

exclusividade outorgada ao autor (primordialmente subjetivo), com possibilidade dele

participar em todas as fases da proteção econômica; e, ii) a outorga da proteção

independentemente do registro;

b) Sistema Comercial: Conhecido ainda por copyright, o qual surge na

Inglaterra, e se desenvolve também nos Estados Unidos da América, tem aspecto

mais objetivo, porque a proteção volta para a obra em si. Carlos Alberto Bittar

explica que “[...] o copyright é concedido ao titular, mas, para efeito de expansão da

cultura e da ciência, exigindo-se formalidades para o gozo da exclusividade,

conforme, inclusive, definido no contexto da Convenção de Genebra (1952)”.243

c) Sistema Coletivo: Chamado igualmente de sistema Russo, tem sua

legislação baseada na Convenção de Berna, com o ponto diferencial de que o

sistema de proteção do direito autoral é visto como elemento essencial para

expansão da cultura do país e o progresso do socialismo.

Manuella Santos244 escreve no mesmo sentido de Bittar245, destacando que

a palavra copyright, traduzida como direito de cópia, tem como principal objeto da

proteção a reprodução de cópias, tanto é assim, que seu início se dá no ano de

1557, com a outorga por Felipe e Maria Tudor à Stationer’s Company do direito de

242

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 9. 243

BITTAR, Carlos Alberto, loc. cit. 244

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 39. 245

BITTAR, Carlos Alberto, op. cit., p. 9.

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exclusividade para publicação de livros. Por outro lado, o sistema francês, baseado

no droit d’auteur, traduzido livremente como direito de autor, tem origem com a

Revolução Francesa, a partir de normas de 1791 e 1793, aprovadas na assembleia

constituinte e que romperam o sistema copyright, o qual, como visto, concedia

(concede, ainda) privilégio aos editores.

Os sistemas acima expostos são primordialmente ocidentais, e, por

evidente, como já assentado acima, são resultado de elementos culturais de suas

origens. Existem outros sistemas que tratam do direito autoral. Apenas a guisa de

exemplo, registre-se que na China o sistema de direito do autor é bastante distinto,

tanto do copyright como do droit d’auteur, sobretudo, pelo elemento cultural,

existindo, principalmente, proteção apenas do Estado, no sentido de censura, isto é,

apenas se regula a matéria na medida em que a sua veiculação possa envolver

questões de interesse do Estado chinês.

Nesse sentido Manuella Santos explica:

De toda sorte, verifica-se que em território chinês não se desenvolveram instrumentos jurídicos semelhantes ao direito de autor do mundo ocidental. Isso se deve sobretudo à cultura chinesa, que tem no ato de copiar e reproduzir um grande elogio, uma honra que se presta a criação do autor. Para os chineses, o autor não cria, apenas reproduz, à sua maneira, a herança cultural do povo chinês.246

Em premiada tese de doutoramento Rosana Pinheiro-Machado reforça essa

concepção chinesa, de que nos séculos XIX e XX, as cópias, além de não serem

malvistas, eram estimuladas pelo próprio governo, com o fim de nacionalizar o

estrangeiro.247

Ainda de acordo com a citada escritora248, fontes históricas noticiam que

muito antes, o imperador Huizong da Dinastia Song (960-1279), visando difundir a

sua excelência na pintura, determinou que fosse criada uma acadêmica

especializada em copiar a sua própria obra de arte.

A partir disso, pode-se aventar, não seria esse também – apesar da

disposição, sempre em contrário da Lei – o espírito do povo brasileiro ao encarar a

propriedade intelectual, como um bem comum, algo público? A legislação

246

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 41. 247

PINHEIRO-MACHADO, Rosana. Made in china: (informalidade, pirataria e redes sociais na rota China-Paraguai-Brasil). São Paulo: Hucitec; Anpocs, 2011. p. 187-188. 248

PINHEIRO-MACHADO, Rosana, loc. cit.

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incorporada pelo Brasil reflete um aspecto cultural a ser considerado? A resposta a

essas indagações, contudo, não tem espaço para ser aqui desenvolvida, porém

pode ser um dos caminhos para a pesquisa interdisciplinar no direito.

Fato é que o Brasil adotou, desde o princípio, o sistema do droit d’auteur249,

pois sempre concedeu, em tese, e formalmente, ao autor a titularidade dos direitos

de exclusividade sobre a sua criação intelectual.

A seguir serão abordados alguns aspectos do direito de autor, à luz, portanto

do sistema europeu.

5.4 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Os conceitos de direito autoral (ciente de que não se adota aqui a

diferenciação entre tal designação e direito de autor) poderiam ser reproduzidos a

dezenas, todavia, os seguir expostos já bastarão para o escopo deste estudo e a

adequada compreensão.

Carlos Alberto Bittar assim define:

Em breve noção, pode-se assentar que o Direito de Autor ou Direito Autoral é o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e utilização econômica de obras intelectuais, estéticas e compreendias na literatura, nas artes e nas ciências.250

Para Antônio Chaves o direito de autor pode ser definido como um conjunto

de prerrogativas que podem ser de ordem não patrimonial e de ordem pecuniária

que são atribuídas ao criador das obras do espírito (literárias, artísticas e científicas)

que tenham originalidade, implicando em aproveitamento, por qualquer meio, pelo

criador, durante sua vida, e pelos sucessores, no prazo legal.251

Eduardo Salles Pimenta e Eduardo Salles Pimenta Filho assim lecionam:

[...] podemos definir o conceito de direitos autorais como o conjunto de prerrogativas jurídicas atribuídas, com exclusividade, aos criadores e titulares de direitos sobre obras intelectuais (literárias, científicas e artísticas) de gestar e opor a todo atentado contra essas prerrogativas exclusivas, como também aos que lhe são difusos e conexos (intérprete ou executante, produtores fonográficos e

249

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. v.4. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 268. 250

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 8. 251

FRANÇA, R. Limongi (Coord.). CHAVES, Antonio. Direito de autor. In: Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 26, p. 107.

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empresa de radiodifusão) aos direitos do autor, aos quais, para efeitos legais, aplicar-se-ão as normas relativas ao direito de autor.252

A questão envolvendo a natureza jurídica do direito autoral é um pouco mais

complexa, sendo que existem, ao menos, nove correntes doutrinárias distintas a

esse respeito253:

Manzini e De Boor: O direito de autor é um direito da coletividade: para eles

o pensamento é uma propriedade social, que pertence ao povo, como representação

e expressão da cultura nacional.

Köhler, Escarra, Dabin e Josserand: O direito de autor é um direito real de

propriedade. Trabalham tais doutrinadores com a ideia que há uma nova dimensão

do direito de propriedade, para além da propriedade enquanto posse, afirmando a

existência da propriedade como criação.

Bertand e Tobias Barreto (no Brasil): O direito de autor é emanação do

direito de personalidade. Com base nas teorias de Kant e Otto Von Gierke, a obra

tutelada pelo direito de autor é um prolongamento de sua personalidade, de modo

que se justifica, por exemplo, a limitação de direitos dos credores.

Códigos Civis da Colômbia e do Chile: O direito de autor é direito real de

propriedade. Afirma que o direito de autor, enquanto coisa incorpórea tem natureza

de propriedade.

Picard, Escarra, Rault, Mouchet e Hepp: O direito de autor é um direito sui

generis. Esse direito está inserido num novo grupo de direitos, que se denomina

direitos intelectuais, o qual não é comportado pela classificação tripartida clássica de

origem romana (direitos pessoais, reais e obrigações).

Roubier: O direito de autor é um direito de clientela. Tendo como objetivo o

proveito econômico, esse direito se insere no fundo de comércio.

Lei Italiana: O direito de autor é um direito pessoal e patrimonial (dúplice

caráter real). O direito pessoal é o direito moral, consistente na proteção da obra e

da personalidade do autor nela prolongada, bem como direito patrimonial, ante o

valor econômico e a negociabilidade.

252

PIMENTA, Eduardo Salles; PIMENTA FILHO, Eduardo Salles (Org.). A limitação dos direitos autorais e a sua função social. Direitos autorais: estudos em homenagem a Otávio Afonso dos Santos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 73. 253

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 74-80.

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Edmundo Pizarro D’Ávila: O direito de autor é direito pessoal de crédito.

Trata-se de direito pessoal alienável com dois atributos: i) direito moral ou de

merecimento; e, ii) direito socioeconômico.

Planiol e Ripert: O direito de autor é um direito de aproveitamento. Por ser

construído a partir de ideias, as quais não podem ser objeto de apropriação, o autor,

ao publicar seu pensamento o socializa, fazendo com que ele passe a pertencer a

todos.

Goffredo Telles Júnior assim escreve:

Sendo expressão de um pensamento, a obra intelectual, assim exteriorizada, é manifestação própria de quem teve o pensamento, o revelou. É obra do manifestante. E, por ser obra própria, ela é propriedade do autor. As esse tipo de propriedade nada deve ao Direito. Ela é qualidade, uma certa maneira de ser, manifestada na obra produzida. É uma propriedade que não poder adquirida e alienada, não poder objeto de normas jurídicas. A obra intelectual é propriedade do autor como o bater de asas e o voo são propriedades do pássaro.254

Manuella Santos compreende o direito autoral no [...] âmbito dos direitos da

personalidade, que pode inclusive abranger direitos de ordem patrimonial.”255

Adota-se, pois, essa perspectiva, do direito de autor como direito da

personalidade, e, tal direito como sendo o conjunto de direitos inerentes à criação

intelectual, que conferem ao autor a possibilidade, em caráter exclusivo, de gerir e

levar à tutela estatal todo atentado a esse conjunto de direitos, o qual pode ser

transmitido a terceiros, mas, com a possibilidade de retomada parcial. No mais,

remetendo o leitor às linhas lançadas no primeiro item desse trabalho acerca da

compreensão dos direitos da personalidade.

De um modo bastante tradicional a LDA divide os direitos de autor em duas

categorias, os direitos morais, previstos no art. 24 e, os direitos patrimoniais,

previstos no art. 28, o qual se equipara, por força do art. 3º da LDA a bem móvel,

sendo, portanto, direito real.

Tradicionalmente se afirma que:

Os direitos patrimoniais do autor podem ser livremente transferidos, a título oneroso ou gratuito, em caráter universal, definitivo, irrevogável

254

TELLES JÚNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 300. 255

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 80, 83.

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e irretratável. Já, os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis, sendo o interesse jurídico tutelado de caráter personalíssimo, relacionando-se à personalidade do autor, emanando da própria criação e não vinculando-se a fatores econômicos.256

Essa concepção, resumida por Déborah Nigri257, está em consonância com

o art. 27 da Lei nº 9.610/1998. Entretanto, necessário registrar, que os direitos da

personalidade, sobretudo na pós-modernidade, tem passado por constante

transformação e transmutação, os tradicionais atributos, tais quais como defendidos

por Adriano de Cupis258 (intransmissibilidade, indisponibilidade, irrenunciabilidade,

entre outros), são objeto de constante relativização e, se entende, com respeito à

teoria defendida por aqueles que afirmam se trata de relativização apenas do

exercício e não do direito, que a própria atual e gradual reestruturação do sistema

jurídico, a partir de releituras filosóficas como a do Homo Sacer de Giorgio

Agamben259, reclama uma nova visão sobre o ordenamento enquanto todo, incluindo

os direitos da personalidade.

5.5 O OBJETO DA TUTELA

5.5.1 Aspectos gerais

Apesar das divergências na literatura jurídica, sobretudo na estrangeira, o

consenso no Brasil sobre a natureza jurídica do direito de autor, como direito de

personalidade, pode levar a errônea preconcepção de que a tutela jurídica sempre

teve (tem) o escopo de proteger o autor, que em sua obra prolonga a si.

Retome-se que o direito de autor surge inicialmente para tutelar e proteger

as relações jurídicas comerciais dos editores e não dos autores, no contexto do

poder de controlar e censurar ideias, é justamente esse o objeto da tutela que foi o

estopim do Copyright (1557, com a outorga por Felipe e Maria Tudor à Stationer’s

Company do direito de exclusividade para publicação de livros).

Com o surgimento da imprensa, inicialmente foram concedidos privilégios

heterogêneos pelos monarcas (com base em razões de ordem política), sobretudo

256

NIGRI, Deborah Fisch. Direito Autoral e a Convergência de Mídias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 26. 257

NIGRI, Deborah Fisch, loc. cit. 258

Cf. CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. Campinas: Romana, 2004. p. 51-65 259

Cf. GIORGIO, Agamben. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

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na Inglaterra e até mesmo na França, para que os impressores pudessem controlar

e ter a exclusividade sobre a veiculação de obras, não existindo proteção ao autor,

tanto que as primeiras regulamentações (Copyright e droit d’auteur,

respectivamente) lá surgiram. Já nessa época, consequência do monopólio, foi o

surgimento da pirataria, que paralelamente oferecia obras a preços mais acessíveis,

o que causou o já conhecido fenômeno de endurecimento das leis, com diplomas

legais mais rígidos como o editado na Itália em 1603 e o na Inglaterra em 1662, os

quais ignoravam o autor, e tinham como objeto a proteção do livreiro e dos

interesses do governo.

Algum tempo de depois, a tendência foi de afrouxar o controle estatal e

reconhecer direitos aos autores, como ocorreu com o famoso Statute of Anne de 10

de abril de 1710, que foi o primeiro diploma legal a conferir importância (ao menos

na perspectiva formal) ao autor, estabelecendo a necessidade de um contrato de

cessão para se publicar, reproduzir e distribuir as obras, sendo que nos anos

seguintes diplomas em diversos outros países passaram a conferir importância e

reconhecimento (também do ponto de vista econômico aos autores), como na

França em 1777, Espanha em 1778, Estados Unidos em 1787 e 1783.260

No Brasil, basta uma breve leitura na Lei nº 9.610 de 19 de Fevereiro de

1998 (Lei de Direitos Autorais), para se constatar, principalmente por força dos arts.

11, 22, 23, 24 et seq, que são tutelados, em especial os direitos do autor, criador da

obra protegida, ao menos do ponto de vista formal.

À luz da Lei nº 9.610 e do sistema francês, se pode afirmar que as criações

regidas pelo direito autoral (que, portanto, são objeto da tutela) são as estéticas.

Carlos Alberto Bittar esclarece que criações estéticas são também

conhecidas como “[...] ‘obra’, ‘obra de engenho’, ‘obra intelectual’, ‘criação’ ou

‘produção de espírito’, e outras, inclusive com a especificação de seu conteúdo, a

saber: ‘obra literária, artística e científica’”.261

260

Cf. SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 29-37. 261

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 19.

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João Henrique da Rocha Fragoso ressalta que o objeto obra é princípio

fixado pela Convenção de Berna, e replicado em convenções multilaterais e demais

textos legais.262

O art. 7º no seu caput específica quais são as criações humanas protegidas

pelo direito autoral, e arrola em seus 13 incisos, de forma exemplificativa, as

principais obras do espírito protegidas, in verbis:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais; IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais, tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. § 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. § 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras. § 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.263

262

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 111. 263

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012.

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Jaury Nepomuceno de Oliveira e João Wellington explicam que a lei, ao

definir o que é obra intelectual protegível, aumenta a tutela do direito autoral para

utilização de diferentes suportes nos quais a criação humana se manifesta, seja este

suporte tangível ou intangível (virtual), além de possibilitar a contemplação de outras

formas de suporte que possam surgir.264

Discute-se, até mesmo, os direitos autorais em relação a obra psicografada,

neste sentido Renata Soltanovitch escreve: “em linhas gerais, a obra psicografada

terá sua proteção autoral como qualquer outro livro, quadro ou música, justamente

por se tratar de uma criação intelectual”.265

As disposições do artigo L112-1 do Code de la propriété intellectuelle

Francês, são semelhantes:

Les dispositions du présent code protègent les droits des auteurs sur toutes les oeuvres de l'esprit, quels qu'en soient le genre, la forme d'expression, le mérite ou la destination.266 267

Por outro lado, algumas criações não são alcançadas pelo direito autoral, as

obras utilitárias e/ou industriais, bem como os as obras decorrentes de

considerações religiosas, políticas, de ofício público268 entre algumas outras não se

sujeitam ao mencionado regime.

O art. 8º da Lei em comento, de forma taxativa269, apresenta as exceções:

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei: I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

264

OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: lei nº 9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 16. 265

SOLTANOVITCH, Renata. Direitos autorais e a tutela de urgência na proteção da obra psicografada. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2012. p. 30. 266

FRANCE. Code de la propriété intellectuelle. Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=F785F7A413A01E42C38C51294CE76404.tpdjo06v_2?idSectionTA=LEGISCTA000006161634&cidTexte=LEGITEXT000006069414&dateTexte=20121216>. Acesso em: 16 dez. 2012. 267

Em tradução livre: As disposições deste código protegem os direitos dos autores em todas as obras do espírito, de qualquer tipo, forma de expressão, mérito, ou finalidade. 268

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 20. 269

OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João, op. cit., p. 18.

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III - os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções; IV - os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; V - as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas; VI - os nomes e títulos isolados; VII - o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras.270

Como se vê da referida disposição legal, entre outras obras, não são

protegidas pelo direito autoral as ideias, estando excluídas as ideias, em total

consonância com o Acordo TRIPS271 (Parte II, Seção 1, Art. 9, 1-2) e a Convenção

de Washington (Artigo IV), mas, interessante é que mesmo aquelas obras que

mesmo consideradas de baixo valor intelectual, permanecem protegidas.272

Um dos requisitos elementares para a proteção é a originalidade, que

reclama que a obra seja intrínseca e extrinsecamente diferente de outras que já

estão introduzidas num suporte, qualquer que seja este. Anote-se que essa

originalidade é relativa: “[...] não se exigindo, pois, novidade absoluta, eis que

inexorável é, de um ou outro modo, o aproveitamento, até inconsciente, do acervo

cultural comum.”273

A Lei nº 9.610 apresenta no art. 5º distinção normativa explicativa, contendo

vários conceitos importantes, in verbis:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se: I - publicação - o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo; [...] IV - distribuição - a colocação à disposição do público do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse; [...] VI - reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;

270

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 271

A sigla TRIPS significa, na língua inglesa: Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, ou, no português: Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio. 272

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 22. 273

Ibid., p. 23.

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VII - contrafação - a reprodução não autorizada; VIII - obra: [...] d) inédita - a que não haja sido objeto de publicação; [...] f) originária - a criação primígena; g) derivada - a que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação de obra originária; [...] X - editor - a pessoa física ou jurídica à qual se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no contrato de edição; XI - produtor - a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado; [...]274

Opta-se pela transcrição parcial do dispositivo dada a importância de tais

conceitos para compreensão desse próprio estudo. Dos conceitos dos incisos I, IV,

VI, VII, VIII (alíneas f e g), X, XI, neste momento, especial destaque deve ser dado

aos conceitos de obras originárias e obras derivadas.

A literatura ao tratar do assunto não dissente da definição legal, apenas

explica de forma mais detalhada; as obras originais, também podem ser

denominadas de primígenas, ou autônomas, porque nascem desvinculadas de

qualquer outra; as obras derivadas, retomam, em parte ou no todo, obra já existente,

por meio de diversos procedimentos de elaboração intelectual, tais como

transformação, incorporação, complementação, redução, junção, reunião, etc.275

As obras derivadas precisam ter diretiva própria, sob pena de carecerem da

proteção legal, e. g. coletânea de diversos textos legais, com simples remissões,

não são, a princípio, obras protegidas.276

Pede-se licença, ainda, para mencionar a interessante contenda envolvendo

as petições (aqui entendidas como peças produzidas por advogados habilitados), se

estão ou não protegidas pelo direito autoral. Tal altercação dada à amplitude das

diversas teses envolvidas poderia ser desenvolvida como tema de dissertação. Mas

para, desde já, incentivar a investigação, pode se afirmar que existem, basicamente,

duas correntes de pensamento, uma que prevê a proteção das petições, sobretudo

as iniciais e, outra que afasta qualquer proteção.

274

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 275

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 26. 276

BITTAR, Carlos Alberto, loc. cit.

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A tendência da jurisprudência, sobretudo do STJ, a partir do julgamento do

REsp 351.358, de relatoria do Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 4.6.2002, DJ

16.9.2002, é que só haverá proteção se a petição inicial constituir criação literária,

neste sentido é a ementa:

Direito Autoral. Petição inicial. Trabalho forense. Por seu caráter utilitário, a petição inicial somente estará protegida pela legislação sobre direito autoral se constituir criação literária, fato negado pelas instâncias ordinárias. Súmula 7/STJ. Recurso não conhecido.277

Talvez o enquadramento da petição inicial como criação literária, pode

ocorrer, na prática, caso tal peça se enquadre como livro, tal qual descrito mais a

frente, fato é, que ao menos do ponto de vista do STJ, dada a interpretação restritiva

adotada, em regra, as peças processuais não gozam de proteção do direito autoral.

De qualquer forma, à luz do que dispõe o inciso V do art. 34 do Estatuto da

Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/1994), assinar qualquer

escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou

em que não tenha colaborado, constitui infração disciplinar.

Por fim, cientes de que diversas discussões a respeito da abrangência das

hipóteses de proteção, bem como de exclusão do âmbito de proteção do direito

autoral existem, e este estudo se filia a corrente literária que entende, como exposto

no decorrer deste item, que a regulamentação existente na LDA já é suficiente para

tutelar qualquer manifestação do intelecto humano que possa ser compreendida

como estética, independentemente do meio físico ou virtual do suporte.

5.5.2 O livro enquanto emanação do direito autoral

Como a proposta desse estudo focaliza a violação do direito autoral na

utilização e/ ou disponibilização e obtenção não autorizada de obras protegidas, em

especial, os livros, sejam eles didáticos ou não, necessário trazer à baila a própria

compreensão do que é um livro.

De acordo com Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, livro é:

S. m. 1. Reunião de folhas ou caderno, soltos, cosidos ou por qualquer outra forma presos por um dos lados, e enfeixados ou

277

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 351.358/DF. Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 04/06/2002, DJ 16/09/2002, p. 192.

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montados em capa flexível ou rígida. 2. Obra literária, científica ou artística que compõe, em regra, um volume. 3. Seção de um texto ou uma obra, contida num tomo, e que pode estar dividida em partes. 4. Registro para certos tipos de anotações, sobretudo comerciais: livro de contas. 5. Fig. Aquilo que instrui como um livro. 6. Coleção de peças diplomáticas relativas na uma questão, publicadas para um governo para o conhecimento do público. Livro brochado. Livro cosido a fio têxtil ou metálico, e coberto com capa de papel ou cartolina; brochura [q. v.]. Livro de cabeceira. O livro predileto. Livro de horas. Livro litúrgico, que contém as preces das horas canônicas e outras matérias de culto. Livro de ponto. Livro em branco onde os empregados apõem suas assinaturas para assinalar a presença. [Tb. Se diz apenas ponto]. Livro em branco. Livro encadernado, de páginas pautadas, utilizados para registros em diversas firmas comerciais. Livro encadernado. Aquele cuja capa, em geral de papelão, é forrada de couro, pano, percalina, pergaminho, etc., e cujos cadernos são costurados e bem firmemente presos à cobertura. Livro fiscal. Cada um dos livros de escrituração prescritos por lei, que possibilitam o controle exato do cumprimento das obrigações tributárias impostas pelo Estado.278

O Dicionário Digital Priberam, de origem Portuguesa, apresenta as seguintes

definições de livro:

livro (latim liber, libri) s. m. 1. Conjunto de folhas de papel, em branco, escritas ou impressas, soltas ou cosidas, em brochura ou encadernadas. 2. Obra organizada em páginas, manuscrita, impressa ou digital (ex.: livro escolar, livro infantil, livro técnico). 3. Cada uma das partes de uma obra. 4. O que serve de instrução. 5. Conjunto de mortalhas de cigarros envoltas em capa. 6. [Zoologia] Terceira cavidade do estômago dos ruminantes. = FOLHOSO, OMASO livro das quarenta folhas: baralho de cartas. livro de bolso: livro de pequeno tamanho ou de tamanho mais pequeno em relação à edição original. livro de cabeceira: livro preferido ou de leitura frequente. livro de ponto: registo das entradas e saídas dos empregados de uma repartição, fábrica, empresa, etc., ou das actividades lectivas. livro electrónico: edição em formato digital do texto de um livro. [Religião católica] livros canónicos: os livros da Bíblia.279

278

LIVRO. In: DICIONÁRIO Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 86. 279

LIVRO In: DICIONÁRIO Priberam da Língua Portuguesa. Lisboa: Priberam Informática, 2012. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/default.aspx?pal=livro>. Acesso em: 26 dez. 2012.

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A versão Britânica do Dicionário Cambridge conceitua livro como sendo:

[C] a set of pages that have been fastened together inside a cover to be read or written in I took a book with me to read on the train. She wrote a book on car maintenance. [C] one of the parts into which a very long book, such as the Bible, is divided the book of Job [C] a number of one type of thing fastened together flat inside a cover a book of stamps/tickets/matches.280 281

A versão Norte Americana do mesmo léxico, por seu turno, oferece os

seguintes conceitos:

an object consisting of a number of pages of text or pictures fastened together along one edge and fixed inside two covers: The artist’s sketch books filled several shelves. A book is also a number of similar items fastened together inside a cover: a book of matches/stamps.282 283

A UNESCO entende por livro: “[...] todo impresso que, sem ser periódico,

reúna em um só volume, 48 ou mais páginas, excluindo as capas”284. A ABNT

considera como livro: “publicação não periódica que contém acima de 49 páginas,

excluídas as capas, e que é objeto de Número Internacional Normalizado para Livro

(ISBN)”.285

Isabel Chaves Araújo Mesquita e Mariana Guedes Conde, abordando o livro

num viés mais histórico, apresentam o livro como:

[...] um registro gráfico de informações, não periódico, capaz de ser estudado ou interpretado e com profunda significação cultural. As manifestações gráficas ao longo da história da humanidade

280

BOOK. In: CAMBRIDGE Dictionaries Online. Disponível em: <http://dictionary.cambridge.org/dictionary/british/book_1?q=book>. Acesso em: 10 dez. 2012. 281

Em tradução livre: [C] um conjunto de páginas que foram presas juntas dentro de uma capa para ser lido ou escrito em. Eu levei um livro comigo para ler no trem. Ela escreveu um livro sobre a manutenção do carro. [C], uma das partes em que um livro muito longo, tal como a Bíblia, é dividida. O livro de Jó. [C] um número de um tipo de coisa colada (afixada) em folhas, dentro de uma capa. Um livro de selos/ bilhetes/ jogos. 282

Id., disponível em: <http://dictionary.cambridge.org/dictionary/american-english/book_1?q=book>. Acesso em: 10 dez. 2012. 283

Em tradução livre: Consiste em um objeto com certo número de páginas de texto ou imagens mantidas (presas) juntas em uma borda e fixada dentro de duas capas: Os livros do artista encheram várias prateleiras. Um livro é também um número de itens (coisas) semelhantes mantidas juntas dentro de uma capa: Um livro de selos. 284

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA. CID. Livro. Disponível em: <http://www.cid.unb.br/publico/setores/000/89/materiais/2007/1/Livro.doc>. Acesso em: 10 dez. 2012. 285

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6029. Rio de Janeiro: 2006.

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passaram por diversos estágios até chegar à forma atual do livro e a evolução desses processos reflete características socioeconômicas e culturais de suas épocas.286

As sete definições apresentadas acima contém vários elementos distintos,

umas são mais abrangentes que outras, em algumas pode se identificar elementos

menos formais para caracterização de um livro, em outras se exigem mais de um

requisito, mas, seja pelo critério da existência de capas ou do número de páginas, é

fácil se identificar o que é um livro.

Quanto se trata do livro digital, em geral, se tem a ideia de um livro

originalmente digital, isto é, a diagramação e a publicação de determinada edição

(ainda que exista a versão impressa) é inteiramente eletrônica. Quando se trata de

livro digitalizado, deve se entender aquele livro que, ainda que possua edição digital,

foi por meio de um processo físico, digitalizado, isto é convertido para o formato

digital, em geral em formato de imagem, com ou sem, reconhecimento de

caracteres.

A diferença entre os dois formatos costuma ser grande, no caso do livro em

formato originalmente digital o número International Standard Book Number (ISBN) é

distinto da versão física, possui formato de arquivo ePub, iBook (Apple), KF8

(Kindle), Mobipocket e Portable Document Format (PDF)287, e em regra o arquivo

tem melhor qualidade de visualização e menor tamanho quando comparado com o

livro digitalizado; o livro digitalizado é a cópia digital da edição impressa, obtida por

meio de digitalização, e por isso possui o mesmo número ISBN, em regra possui

formato de arquivo PDF, ou imagem (em geral JPEG, mas pode utilizar a tecnologia

GIF, PNG ou outra), os arquivos, quando comparados ao livro originalmente digital,

quase sempre tem qualidade de visualização inferior, apesar de, em alguns casos,

se igualarem em predicado, se a digitalização for efetuada em aparelho profissional

e existir tratamento por software, e. g., o tamanho do arquivo também é maior, em

regra.

Os livros digitalizados (e também parte dos originalmente digitais), podem

ser digitalizados ou empregado tratamento por software com a tecnologia Optical

286

MESQUITA, Isabel Chaves Araújo. CONDE, Mariana Guedes. A evolução gráfica do livro e o surgimento dos e-books. In: X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – São Luis, MA – 12 a 14 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2008/resumos/R12-0645-1.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2012. 287

Diversos outros formatos, alguns descontinuados ou sucedidos podem ser visualizado no saite: <http://en.wikipedia.org/wiki/Comparison_of_e-book_formats>. Acesso em: 10 dez. 2012.

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character recognition (OCR), que permite reconhecer os caracteres a partir de um

arquivo de imagem, ou mapa de bits, caso os documentos sejam escritos à mão,

datilografados ou impressos, e formatá-los para um editor de texto288, como o

Microsoft Word, permitindo sua edição e salvamento em outro formato, como .doc,

.docx, .rtf, .pdf, entre diversos outros, além de facilitarem a localização por meio dos

mecanismos de busca.

Independentemente de serem originalmente digitais, ou digitais por

digitalização, são eles livros, não apenas porque este estudo adota o conceito mais

amplo possível de livro, mas porque, num ou noutro, a manifestação da criação

humana é exatamente a mesma.

Existem registros pictográficos datados de aproximadamente 4.000 a. C.,

que apresentam desenhos das primitivas civilizações, com linguística própria e com

suporte na pedra ou madeira. A partir de 2.400 o suporte de uma escrita já mais

desenvolvida passa a ser o Papiro, e é dele que vem a expressão volumens que

eram os cilindros de papiros. Por volta do Século XI a.C., o pergaminho surge,

substituindo gradualmente o papiro, sendo que por volta do Século I, d.C., as folhas

do pergaminho passam a ser organizadas, por agrupamento, com numeração e

amarração em tábuas de madeira, quando então se tem os primeiros livros numa

acepção mais próxima da de hoje. No século XII o papel passa ser empregado na

produção.289

O advento do papel foi importantíssimo para o desenvolvimento dos livros,

Robert Darnton290, no ensaio O que é a história do livro? destaca a importância que

o papel teve para a disseminação do livro, inclusive sua influência sobre a opinião do

leitor e as agitação do mercado.

288

HOLLEY, Rose. How Good Can It Get? Analyzing and Improving OCR Accuracy in Large Scale Historic Newspaper Digitization Programs. In: D-Lib Magazine, v. 15, n. 3/4, March/April 2009. Virginia, US. Disponível em: <http://www.dlib.org/dlib/march09/holley/03holley.html>. Acesso em: 10 dez. 2012. 289

MESQUITA, Isabel Chaves Araújo. CONDE, Mariana Guedes. A evolução gráfica do livro e o surgimento dos e-books. In: X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – São Luis, MA – 12 a 14 de junho de 2008. Disponível em: < http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2008/resumos/R12-0645-1.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2012. 290

DARNTON, Robert. “O que é a história do livro?” revisitado. Trad. Lília Gonçalves Magalhães Tavolaro. In: ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 155-169, jan.-jun. 2008.

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Nesse sentido:

As cartas dos próprios fabricantes de papel abriram uma outra perspectiva. Elas são repletas de conversas sobre o clima: “o clima está se tornando malevolente”. “maldito clima”. Por quê? Porque caso chovesse muito, a água ficaria barrenta, estragando a matéria-prima (água misturada com a polpa de fibra) que ia no papel. Se não chovesse o suficiente, o moinho não giraria adequadamente. Além disso, clima ruim proporcionava uma desculpa para falhas no fornecimento de lotes de papel a tempo. Desse modo, ocorria que editores frequentemente comissionavam lotes especiais de papel, ou “campanhas”, como as chamavam, quando assumiam trabalhos importantes. Eles definiam seu calendário de produção — e às vezes a contratação e demissão de trabalhadores — conforme datas de entrega especificadas pelos contratos com os fornecedores de papel.291

A expansão do livro ocorreu, com mais amplitude, após a invenção da

imprensa, com Gutenberg. Todavia, não se deve ocultar, que há quem atribua aos

Chineses a invenção da imprensa no ano 105 d.C., afirmando que a invenção de

Gutenberg apenas aperfeiçoou a chinesa, tornando-a viável economicamente.292

Oportuno transcrever:

Throughout the centuries both movable type and blocking printing existed side by side in China. The Muslims knew about the technology but didn't use it. It is uncertain when the printing was introduced to the Xinjiang area; however the printing material in several languages was found in Turfan, dated as early as the 13th century. When Marco Polo visited China in the 13th century, he must have seen printed books. It is possible that he or some other Silk Road travelers brought that knowledge to Europe, which later inspired John Gutenberg to invent printing in the West. In 1456, Gutenberg printed a new edition of the Bible, using movable type.293 294

291

DARNTON, Robert. “O que é a história do livro?” revisitado. Trad. Lília Gonçalves Magalhães Tavolaro. In: ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n. 16, p. 155-169, jan.-jun. 2008. 292

TOSSIERI, Oliver. Gutenberg não inventou a imprensa. In: História Viva, ed. 76, fev. 2010. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/gutenberg_nao_inventou_a_imprensa.html>. Acesso em: 12 dez. 2012. 293

SILKROAD FOUNDATION. Printing. Disponível em: <http://www.silk-road.com/artl/printing.shtml>. Acesso em: 12 dez. 2012. 294

Em tradução livre: Ao longo dos séculos, tanto dois tipos de impressão existiram lado a lado na China. Os muçulmanos sabiam sobre a tecnologia, mas não a utilizavam. É incerto quando a impressão foi Introduzida na área de Xinjiang. No entanto, o material de impressão em vários idiomas foi encontrado em Turfan, datado de início do século 13. Quando Marco Polo visitou a China no século 13, ele deve ter visto livros impressos. É possível que ele ou alguns viajantes de outra estrada de seda trouxeram esse conhecimento para a Europa, que mais tarde inspirou Gutenberg a inventar a impressão no Ocidente. Em 1456, Gutenberg imprimiu uma nova edição da Bíblia, usando o tipo móvel.

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De grande relevância histórica a discussão sobre o real inventor da impressa

só repercute para o tema no aspecto prático: foi a partir de Gutenberg295 que a

imprensa tornou-se viável, que os livros passaram a serem produzidos em série, e

os problemas do direito autoral surgiram.

Como já assentado acima, a invenção de Gutenberg possibilitou, após o

barateamento dos insumos, sobretudo do papel, a difusão em massa da informação,

sendo possível, no âmbito do direito autoral, afirmar que há um antes e um depois

da invenção de Gutenberg.296

Os principais regimes de direito de autor surgiram após a invenção da

prensa de tipos móveis, já que a partir dela e da produção em massa – por evidente

em moldes bem menos amplos que os atuais – ocorreu efetiva mercantilização do

direito autoral, ou em outras palavras, é com a progressão tecnológica provocada

pela imprensa que surge a efetiva necessidade social de se tutelar o direito autoral.

Nesse rumo Eduardo J. Vieira Manso leciona que: “[...] somente após o

advento da imprensa [...], no século XV, é que surgiu a concreta necessidade de

legislar sobre a publicação das obras, sobretudo literárias.”297

Interessante anotar que inicialmente os livros impressos por meio da

invenção de Gutenberg imitavam as versões manuscritas, o que foi gradualmente

mudando, para reduzir o gasto de papel e diminuir o custo.298

Duas grandes ações impulsionaram, pós Gutenberg, a propagação do livro,

as traduções das obras, de um modo geral, e uma tradução em especial: a da bíblia

ao Alemão por Lutero.299

A partir daí, dá-se um salto na história, porque, além dos fenômenos sociais

e econômicos que facilitaram a expansão e democratização do livro, novas

tecnologias de impressão surgiram, como o offset, que baratearam ainda mais a

impressão em larga escala e reduziram o preço dos livros, e novas técnicas de

295

GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 26. 296

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 95. 297

MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é o direito autoral. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 13. 298

RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito autoral. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 76. 299

RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis, loc. cit.

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cópias como a fotocópia, mas que mantiveram no papel o suporte da informação,

mas mantiveram no papel o suporte da informação.

No entanto, antes de prosseguir para a análise final, deve se registrar o

invento da fotocópia, que apesar de não ter revolucionado originariamente a

impressão e distribuição do livro, desempenhou importante papel na difusão da

informação, e também na violação de direito autoral.

A máquina de fotocópias mais próxima da conhecida hoje foi

comercialmente apresentada em 1939, mas o uso comercial só foi possível a partir

de 1960, com a versão automatizada das máquinas de 1939 e 1950 aprimoradas

pela Haloid’s Xerox em 1960 (Xerox 914). Desta data em diante, o número de

fotocópias cresceu em progressão geométrica, a título de informação, em 1960

estima-se que 70 milhões de cópias foram feitas, ao passo que, vinte e cinco anos

depois, estima-se que o número de cópias chegou a 500 bilhões.300

Kitty Nicholson, no ano de 1989, escreveu, abordando também a questão do

impacto dessa tecnologia, inclusive sobre o mundo da arte:

The impact of the photocopier is not just in archival and library collections. Artists too have discovered the almost instantaneous images of the photocopier. In the early 1960's some of the first American artists began to use photocopies. The possibilities for artists are many. Photocopies can be used as collage elements. Solvents will transfer copier images to other surfaces including the lithographic stone. Artists' papers of reasonable weight, such as Strathmore charcoal paper, can be run through the machine, if cut precisely. If the paper will not go through the feed, the image can be transferred onto the desired paper or other support (textiles, etc.,) using a specially-coated heat transfer paper. One of the landmark exhibitions of photocopier art was the Electroworks exhibition, sponsored by the Xerox Corporation, which was displayed at the International Museum of Photography at George Eastman House and the Cooper-Hewitt Museum in 1980.301 302

300

NICHOLSON, Kitty. Photocopier Hazards and a Conservation Case Study. In: The book and paper group. Annual, v. 8, 1989, The American Institute of Conservation. Cincinnati, Ohio, US. Disponível em: <http://cool.conservation-us.org/coolaic/sg/bpg/annual/v08/bp08-05.html>. Acesso em: 12 dez. 2012. 301

Ibid. 302

Em tradução livre: Em 1960, cerca de 70 milhões de cópias já haviam sido feitas. Vinte e cinco anos mais tarde, cerca de 500 bilhões de cópias já haviam sido feitas. Estes números significam, entre outras coisas, que mais dos papéis que as pessoas vão optar por salvar nos próximos anos será fotocópias. O impacto da copiadora não é apenas em coleções de arquivos e bibliotecas. Artistas também descobriram as imagens quase instantâneas da fotocopiadora. No início de 1960 está alguns dos primeiros artistas americanos começaram a utilizar fotocópias. As possibilidades para os artistas são muitas. Fotocópias podem ser usadas como elementos de colagem. Solventes irão transferir imagens da copiadora para outras superfícies, incluindo a pedra litográfica. Trabalhos de artistas de peso razoável, como papel de carvão vegetal Strathmore, pode ser executado através da máquina, se

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A fotocópia, ou Xerox, como é usualmente conhecida, gerou bastante

controvérsia e agitação no âmbito do direito autoral, porque possibilitou que diversas

cópias fossem realizadas sem a autorização do autor, do editor, e em infringência à

lei, sobretudo no caso do Brasil.

Na sequência, deve se destacar a questão do livro digital, já feita a devida

diferenciação entre livro digital e livro digitalizado. Não há uma data exata do

surgimento dos livros digitais, mas há certo consenso de que no ano de 1971,

Michael Hart, disponibilizava livros na antecessora da internet em formato txt., no

que denominava Projeto Gutenberg, podendo tais livros serem lidos em

computadores de mesa, entretanto os primeiros dispositivos portáteis leitores de

livros digitais foram lançados quase trinta anos depois, no ano de 1998.303 Mas

como para leitura de livros digitais, e igualmente de livros digitalizados independe,

em regra, de um leitor específico, como o Kindle, ou qualquer outro do gênero, tem-

se, para esse estudo que a partir de 1971 teria surgido essa tecnologia.

Apesar da morte de seu fundador em 2011, o projeto Gutenberg continua

ativo, podendo ser acessado pelo seguinte endereço <http://www.gutenberg.org>, no

qual estão disponíveis mais de 40.000 livros digitais para download, com todos os

títulos legalizados de acordo com a lei norte americana (pelo decurso do prazo para

o domínio público ou autorização dos autores e/ou editores).

Evidentemente, essa facilitação de acesso ao livro, que em muito se liga ao

próprio desenvolvimento da informática, em especial da internet, possibilitou a

democratização e disseminação do livro, e por consequência, da informação e da

educação, cultura, etc. Por outro lado, trouxe consigo novas formas de violação do

direito autoral, mais dinâmicas, e potencialmente lesivas (na visão mais tradicional

do tema), as quais serão estudadas no próximo capítulo.

Do exposto neste item, podem ser destacados três grandes momentos na

história do livro com repercussão direta no direito autoral: i) a invenção da prensa

cortado com precisão. Se o papel não vai passar pela badeja de alimentação, a imagem pode ser transferida para o papel desejado ou outro suporte (têxteis, etc), utilizando um papel especialmente revestido de transferência de calor. Uma das exposições de arte copiadora marco foi a exposição Electroworks, patrocinado pela Xerox Corporation, que foi exibido no Museu Internacional de Fotografia da George Eastman House e do Museu Cooper-Hewitt, em 1980. 303

MESQUITA, Isabel Chaves Araújo. CONDE, Mariana Guedes. A evolução gráfica do livro e o surgimento dos e-books. In: X Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – São Luis, MA – 12 a 14 de junho de 2008. Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/regionais/nordeste2008/resumos/R12-0645-1.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2012.

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por Gutenberg; ii) a invenção da máquina fotocopiadora; e iii) a invenção do e-book

(que é resultado de uma das formas de manifestação da internet).

Esses três grandes inventos se apresentam numa linha gradual, mas cuja

manifestação é a cada passo mais veloz. Explica-se, é como se estivesse correndo

ao redor de um objeto e cada vez mais se aproximando dele: a cada passo a

evolução ocorre de forma mais rápida. Demoraram-se milênios para se chegar a

prensa de Gutenberg, alguns séculos para se chegar à fotocopiadora, e algumas

poucas décadas para os e-books com a internet.

5.6 ASPECTOS LEGAIS RELEVANTES

Sem esgotar a regulamentação do direito autoral no Brasil, a seguir serão

expostos alguns dos principais aspectos legais e jurisprudenciais que envolvem o

direito autoral no Brasil e tenham relevância para a discussão principal.

5.6.1 Cessão do Direito Autoral

A fração patrimonial do direito de autor, nos termos do caput do art. 29 da

Lei nº 9.610/1998, depende do exercício da autonomia privada por parte do autor:

“Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra,

por quaisquer modalidades, tais como: [...]”.304

As hipóteses de cessão e transferência estão dispostas nos incisos do art.

29 e no art. 49, da Lei nº 9.610/1998:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I - a reprodução parcial ou integral; II - a edição; III - a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; IV - a tradução para qualquer idioma; V - a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em

304

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012.

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um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: a) representação, recitação ou declamação; b) execução musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas análogos; d) radiodifusão sonora ou televisiva; e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de freqüência coletiva; f) sonorização ambiental; g) a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satélites artificiais; i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; j) exposição de obras de artes plásticas e figurativas; IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero; X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita; III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos; IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário; V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato; VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.305

De acordo com a literatura306, por força do art. 50 do diploma legal em

questão, o termo cessão é um gênero, utilizado para designar o contrato oriundo das

hipóteses dos arts. 49 e 50, que são as diversas espécies de contratação

305

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 306

FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Direito de autor: proteção e disposição patrimonial. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 97.

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possíveis307, sendo a cessão negócio jurídico autônomo, do qual se originam direitos

e obrigações.308

João Henrique da Rocha Fragoso ensina que: “o que caracteriza a cessão

de direitos é o aspecto de sua definitividade (como na propriedade industrial), e de

exclusividade”309, estando a caracterização da cessão condicionada a esses dois

elementos, já que sem eles outro será o negócio celebrado.310

A cessão pode se dar de várias formas: a) cessão total e a título universal:

abrange o conjunto de direitos patrimoniais e destina-se a todas as modalidades de

utilização; b) cessão total e a título singular: incide sobre todos os direitos

patrimoniais, mas somente sobre uma ou algumas formas de utilização; c) cessão

parcial e a título universal: abrange um ou alguns direitos patrimoniais, mas todas as

formas de utilização; e, e) cessão parcial e a título singular: abrange um ou alguns

direitos patrimoniais, e uma ou algumas formas de utilização.

O art. 51 da lei em comento admite a cessão sobre obras futuras,

consistindo uma obrigação de fazer, personalíssima.

A cessão, como os demais negócios jurídicos, se sujeita aos requisitos

estampados no Código Civil para sua validade (art. 104, et seq, CC).

Carlos Alberto Bittar esclarece que o direito autoral é passível de negociação

pelas vias comuns aos direitos de cunho real, podendo ser dado em garantia,

dispostos em testamento, etc.311

É importante registrar que existem outras teorias envolvendo a questão da

cessão de direitos autorais, não como negócio jurídico, mas, como, e. g., renúncia

parcial, como expõe o italiano Carlo Cristofaro312, as quais, contudo, não foram

adotadas no Brasil, e ao que parece nem mesmo na Itália. Nesse sentido escreve

Giovanni d'Ammassa:

L'autore di un'opera dell'ingegno ha il diritto esclusivo di utilizzarla economicamente in ogni forma e modo originale o derivato, secondo

307

FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Direito de autor: proteção e disposição patrimonial. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 97. 308

MANSO, Eduardo Vieira. Contratos de direito autoral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989. p. 45. 309

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 350. (Sem destaques no original). 310

FRAGOSO, João Henrique da Rocha, loc. cit. 311

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 106. 312

CRISTOFARO, Carlo. apud FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Direito de autor: proteção e disposição patrimonial. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 94.

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quanto stabilito dall'art. 12 della legge sul diritto d'autore. L'utilizzazione consiste nell'esercizio dei diritti di utilizzazione economica, quali la riproduzione, l'esecuzione, la distribuzione e tutte le altre forme riconosciute all'autore agli artt. da 12 a 19 della legge. La legge disciplina il traseferimento dei diritti di utilizzazione dell'opera dell'ingegno fornendo alcune regole di carattere generale agli artt. da 107 a 114: a) a norma dell'art. 107, solo i diritti di utilizzazione economica e i diritti connessi aventi carattere patrimoniale possono essere acquisiti, alienati e trasmessi in tutti i modi e forme consentiti dalla legge; b) la cessione di uno o più esemplari dell'opera non comporta, salvo patto contrario, la trasmissione dei diritti di utilizzazione economica (art. 109); c) al fine della prova di tale trasmissione si richiede la forma scritta del contratto di cessione (art. 110); d) i diritti di utilizzazione non possono essere sottoposti a pegno, sequestro, e a esecuzione forzata, se non nel caso in cui l'autore li abbia ceduti a terzi, ma possono essere oggetto di tali provvedimenti i proventi derivati e gli esemplari dell'opera (art. 111); e) infine essi possono essere motivo di espropriazione per pubblica utilità da parte dello Stato (artt. 112/114).313 314

Existe, ainda, de acordo com a literatura, outras modalidades de

despojamento de direitos, que são os previstos na lei comum, como: a) o abandono

do bem; b) o extravio do exemplar único e inédito; e, c) a renúncia.315

O direito autoral tem também uma face extrapatrimonial, a qual usualmente

a literatura jurídica relaciona com os direitos da personalidade, sobre a qual,

modernamente, e com restrições, se permite incidir a autonomia privada.316

313

D’AMMASSA, Giovanni. Il Trasferimento dei Diritti di Utilizzazione Economica. 3 jan. 2009. Disponível em: <http://www.dirittodautore.it/page.asp?mode=Page&idpagina=68&nome=La%20cessione%20dei%20diritti>. Acesso em: 12 dez. 2012. 314

Em tradução livre: O autor de uma obra intelectual tem o direito exclusivo de utilizá-la economicamente em qualquer forma, seja um original ou derivado, de acordo com o art. 12 da lei de direitos autorais. O uso consiste no exercício dos direitos de exploração econômica, tais como reprodução, execução, distribuição e, todas as outras formas reconhecidas nos artigos 12 a 19 da citada lei. A lei regula a transferência de direitos de utilização da obra intelectual, fornecendo algumas regras gerais dos arts. 107-114: a) nos termos do art. 107, apenas os direitos de exploração e dos direitos conexos com um caráter patrimonial podem ser adquiridos, vendidos e transmitidos por todos os modos e formas permitidas pela lei; b) o fornecimento de um ou mais exemplares da obra não, salvo acordo em contrário, a transferência dos direitos de exploração (art. 109); c) a finalidade da prova de tal transmissão exige a forma escrita do contrato de venda (art. 110); d) os direitos de uso não podem ser objeto de penhora, sequestro, e execução forçada, e, exceto no caso em que o autor os transferiu a terceiros, mas podem ser objeto de tais medidas os produtos dos exemplares da obra (artigo 111); e) Finalmente, eles podem ser objetos de expropriação por utilidade pública, por parte do Estado (art. 112/114). 315

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 107.

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5.6.2 Limitações

As limitações dos direitos autorais estão dispostas nos arts. 46 a 48 da Lei

nº 9.610/1998, e também podem ser ampliadas pelo contrato de cessão317, sempre,

de qualquer sorte, atualmente lastreado na autonomia privada.

Advém transcrever mencionados dispositivos:

Capítulo IV Das Limitações aos Direitos Autorais Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: I - a reprodução: a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos; b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza; c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros; d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários; II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra; IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou; V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização; VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

316

FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Direito de autor: proteção e disposição patrimonial. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 104-106. 317

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 352-355.

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VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa; VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores. Art. 47. São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.318

O inciso I do art. 46 da LDA, em consonância com o art. 1; 8 da Convenção

de Berna respeita à utilização de notícias pela imprensa, relacionando-se, portanto a

própria liberdade de informação. Para João Henrique da Rocha Fragoso319, deve

ainda existir um uso justo320 dessa reprodução.

O inciso II do mesmo dispositivo, é um das mais severas liberdades

concedidas pela lei, isso porque, restringe com grande amplitude o uso privado de

cópias, sem fins lucrativos.

Da redação do referido dispositivo, o download de uma obra integral,

constituiu uma violação do direito autoral – embora, como já se pode constar e como

será melhor esclarecido no decorrer deste estudo, com isso não se concorde –,

posição esta que diverge da de João H. R. Fragoso321, que entende que só comete o

ilícito quem disponibiliza, e não quem copia o conteúdo para seu computador.

O inciso VIII, também em consonância com a Convenção de Berna (art. 9;

2), resguarda o direito de citação, tão utilizado no meio acadêmico. Novamente J. H.

da R. Fragoso, afirma que esta forma de utilização deve respeitar o uso justo322.

As outras limitações (previstas nos demais incisos, e nos outros dois artigos)

não serão aqui analisadas, porque de menor importância para o foco do estudo.

A questão dos direitos autorais na era digital, com vistas aos outros limites

(fair use, copyleft, creative commons, entre outros) será estudada no último capítulo.

318

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 319

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 315-316. 320

A questão do uso justo ou fair use, será objeto de estudo no último capítulo deste trabalho. 321

FRAGOSO, João Henrique da Rocha, op. cit., p. 319-320. 322

Ibid., p. 335-327.

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5.6.3 Formas de violação e sistemas tradicionais de tutela

Como regra, dada a sistemática legal, a proteção dada ao direito autoral é a

mais ampla possível, tanto as limitações, como as próprias exceções aos direitos

autorais são vistas de forma restritiva.

Não há como listar, de forma exaustiva, todas as formas de violação do

direito autoral, tal qual a criatividade inspira a própria atividade criadora e não

permite, por sua própria natureza, a enumeração; também as violações são criativas

e assumem as mais variadas formas.

Carlos Alberto Bittar, já observando esse aspecto multifacetário das

violações, divide em dois grandes gêneros: violações contratuais (com ou sem

violação de normas de proteção) e violações extracontratuais.

Neste sentido:

Pode-se, no entanto, resumir as violações às ações refratárias a direitos do titular em relações de ordem contratual, ou a normas que a protegem, como as consistentes no descumprimento total ou parcial da avença (falta de remuneração; ausência de prestação de contas; extrapolação dos limites de exemplares permitidos; falta de numeração de exemplares editados), ou nas relações extracontratuais, encontráveis basicamente no uso indevido de obra alheia (ações que ferem a exclusividade do titular, ou seja, de reprodução ou representação de obra, sem autorização do autor, pelas diferentes modalidades possíveis). Além disso, no âmbito contratual, as lesões podem ocorrer, desde a prática de atos preparatórios para o ajuste até depois de exaurida a respectiva execução (nas edições ou tiragem clandestinas, realizadas depois de esgotado o estoque convencionado).323

O direito autoral é tutelado nas três grandes esferas – administrativa, civil e

penal – e aquele que viola o direito autoral, pode cometer o ilícito lato sensu em uma

ou mais competências e sofrer sanções de forma independente, sucessiva ou

cumulada.324

Em relação as violações civis a Lei nº 9.610/1998 prevê as sanções nos arts.

102 a 110, se aplicando, ainda, no que couber, o regime geral dos atos ilícitos,

sobretudo o disposto nos artigos 186 e 187 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002).

323

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 132. 324

Ibid., p. 131.

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Das referidas sanções, destacam-se o art. 102, 104 – 106, 107, IV, in verbis:

Art. 102. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível. [...] Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior. Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro. Art. 106. A sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o fim ilícito, sua destruição. Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação [...] IV - distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização.325

Especial destaque se dê o art. 107, que ao prever a proteção de forma geral,

abarca as violações das mais diversas formas, incluindo aí, as cujo suporte seja

exclusivamente digital, ou que a violação ocorra por esse meio.326

325

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 326

OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: lei nº 9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 148.

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122

No mais, os dispositivos legais são autoexplicativos, mesmo em obras como

de Jaury Nepomuceno de Oliveira e João Willington que tecem comentários artigo

por artigo da lei327, como na consagrada obra de Carlos Alberto Bittar328, a literatura

se restringe a tecer anotações gerais e praticamente cópias do próprio texto.

Quando se está diante de uma violação com relevância no direito penal,

dado o princípio da taxatividade – que exige clareza dos tipos penais, de modo a

afastar dúvidas sobre o objeto da tutela – as condutas, embora mais amplas, são

objetivas, pois complementadas pela Lei de Direitos Autorais. O objeto material do

delito é a obra violada e o jurídico a propriedade intelectual.329

Mas nem sempre foi assim, a tutela penal só foi inserida no sistema jurídico

pátrio com o Código Criminal do Império de 1830, que dispunha sobre o direito

autoral, como modalidade de furto (art. 261). Mais tarde, em 1890, a tutela passou a

dar-se em Capítulo próprio (capítulo V do título XII), nos arts. 345 a 350. A

Consolidação das Leis Penais de 1932 repetiu fórmula semelhante ao Código de

1890. Em 1940 o atual Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848 de 7.12.1940), passou a

tutelar o direito autoral.330

Os tipos penais estão previstos na Parte Especial do Código Penal, Título III

– Dos Crimes contra a Propriedade Imaterial, Capítulo I – Dos Crimes Contra a

Propriedade Intelectual, arts. 184-186.

A redação do referido dispositivo sofreu três grandes alterações legislativas,

nesse sentido:

Com o advento da Lei 6.895, em 17 de dezembro de 1980, a redação do caput do art. 184 se tornou mais ainda simplificada. Com efeito, foram retirados os termos ‘obra literária, científica ou artística’, restando apenas a expressão ‘violar direito autoral’. Entretanto, essa não foi a única alteração introduzida; também substituiu-se o parágrafo único por dois parágrafos, com o acréscimo de novas figuras delitivas. Em 1993, a Lei 8.635, de 16 de março, conferiu nova redação ao dispositivo. No §1.º, houve a substituição da expressão ‘para fins de comércio’ por ‘com o intuito de lucro’, conferindo maior amplitude ao dispositivo. No §2.º, além da introdução dos núcleos ‘aluga’,

327

OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: lei nº 9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 145-149. 328

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 139-140. 329

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 900. 330

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial, arts. 121 a 249. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 665-668.

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‘empresta’, e ‘troca’ à descrição de conduta típica, também se substituiu o termo ‘para o fim de venda’ por ‘com o intuito de lucro’. A Lei 10.695, de 1.º de julho de 2003, introduziu significativas alterações na redação do art. 184 e nos §§ 1.º a 3.º [...]331

Para esse estudo, duas são as principais formas de violação relevantes: a)

cópia não autorizada de livros, periódicos, escritos, artigos científicos; e b)

disponibilização e/ou distribuição não autorizada das criações citadas no item

anterior, deliberadamente se excluí da análise o plágio e a usurpação de nome ou

de pseudônimo.

Dispõe o art. 184 do Código Penal:

Violação de direito autoral Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) § 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) § 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) § 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

331

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial, arts. 121 a 249. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 668.

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§ 4º O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003).332

O tipo pode ser enquadrado como uma norma penal em branco, isto é, que

reclama complementação com as normas que protegem o direito autoral.333 O

núcleo do tipo é a conduta violar cujo significado é ofender ou transgredir, tendo

como objeto o direito de autor à sua produção intelectual.

A transgressão ao direito autoral, segundo Guilherme de Souza Nucci,

“pode dar-se de variadas formas, desde a simples reprodução não autorizada de um

livro por fotocópias até a comercialização de obras originais, sem a permissão do

autor.334

Destaque-se que o disposto no §4º do dispositivo em comento, não afasta a

ilicitude prevista no caput do artigo, apenas o isenta da aplicação do disposto nos §§

1º a 3º. 335

Por outro lado, adverte a literatura mais moderna, que aquele que reproduz

um livro esgotado, para seu uso próprio, não pratica o ilícito, pois o exemplar não

está no comércio, caracterizando fato atípico, havendo hipóteses também de

aplicação do princípio da insignificância ou bagatela. Calha transcrever o seguinte

excerto literário:

No mais, também podem ser resolvidas algumas situações peculiares por outros mecanismos, como ocorre, v. g., no caso de produção de um livro esgotado pelo copista, até porque o direito autoral estaria preservado, pois o exemplar está fora do comércio, o que caracterizaria fato atípico. Em outras hipóteses, pode-se levantar a tese do crime de bagatela, quando alguém copia um CD musical de um amigo para uso doméstico e exclusivo seu, sem qualquer ânimo de lucro.336

Apenas a título de registro, anota-se que a tutela administrativa é de menor

importância no caso brasileiro, já que aqui não se adota o registro como medida

332

BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 333

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. v. 2. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 364. 334

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 898. 335

NUCCI, Guilherme de Souza, loc. cit. 336

Ibid., p. 898-899.

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obrigatória para a concessão da proteção, sendo ele apenas facultativo. É

necessário, por outro lado, o depósito, que, tem “[...] em verdade, caráter estatístico,

de controle, e ainda, de preservação da memória nacional”.337 Quanto a

sistematização, existe o Escritório Central de Arrecadação (ECAD), que apesar de

ser instituição privada, exerce papel praticamente administrativo na vigilância sobre

a utilização de obras musicais e fonogramas, e respetiva cobrança.338

O sujeito ativo de tal crime pode ser qualquer pessoa, já o passivo é

qualificado, só pode ser o autor ou aquele que detém a titularidade do direito sobre

àquela produção intelectual, sendo o dolo simples, não admitindo, ademais, a

modalidade culposa.339

Excluem a tipicidade as hipóteses do arts. 46-48 da Lei nº 9.610/1998340, ou

seja, deve-se complementar a norma penal com o disposto na LDA.341

Para fins didáticos, pode mencionado crime, ser classificado como: comum,

formal, de forma livre, comissivo, instantâneo, unissubjetivo, purissubsistente, e

admite tentativa.

A materialidade do crime, em geral, é provada por meio do exame pericial,

devendo o laudo descrever de forma clara a violação342, observe-se que, nem

sempre é fácil a feitura desse laudo quando se está diante de uma violação virtual,

seja por razões de administração policial, pois, por vezes faltam os equipamentos

necessários para o exame, seja por razões de ordem técnica, dado, em alguns

casos, a dificuldade de se obter as informações dos provedores e demais envolvidos

na rede.

337

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 131. 338

“Administrado por nove associações de música para realizar a arrecadação e a distribuição de direitos autorais decorrentes da execução pública de músicas nacionais e estrangeiras, permite que o Brasil seja um dos mais avançados países em relação à distribuição de direitos autorais de execução pública musical. Com sede na cidade do Rio de Janeiro, 28 unidades arrecadadoras, 840 funcionários, 52 escritórios de advocacia prestadores de serviço e 99 agências autônomas instaladas em todos os Estados da Federação, a instituição possui ampla cobertura em todo o Brasil.” Disponível em: <http://www.ecad.org.br/viewcontroller/publico/conteudo.aspx?codigo=16>. Acesso em: 16 dez. 2012. 339

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 899. 340

DELMANTO, Celso et al.. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 667. 341

PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência; conexões lógicas com os vários ramos do direito. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 628. 342

NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit., p. 901.

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A ausência de registro da obra intelectual não conduz a licitude da cópia,

pois o direito autoral surge com a criação da obra e não com seu registro, motivo

pelo qual, a reprodução de obra anteriormente violada também configura o ilícito em

questão.343

Na figura qualificada, prevista no §1º do dispositivo em análise, além do

dolo, exige-se o elemento subjetivo do tipo específico, que consiste em objetivo de

lucro (direto ou indireto)344, a contrario sensu, na figura do caput, não se exige o

elemento lucro.

Na qualificadora do §2º, há igualmente exigência de que o agente tenha o

especial fim de agir visando o lucro. Destaque seja dado ao núcleo do tipo, que é

misto alternativo, já que mesmo que o agente pratique mais de uma conduta

(distribuir, vender, expor à venda, alugar, introduzir no País, adquirir, ocultar, ter em

depósito e alugar), configurará o cometimento de um só delito.345

Sobre o concurso entre a figura do caput e a do §3º, Guilherme de Souza

Nucci explica:

[...] original é a obra primitiva, realizada pela primeira vez; cópia é a reprodução de um original, feita por qualquer forma. Tanto faz para o efeito de punição, que o agente valha de original ou cópia de obra. Entretanto, pode-se ainda verificar que a simples extração de cópia do original constitui crime, previsto no caput, quando sem intenção de lucro. Mas quando tal extração ocorre para o fim de prática da figura prevista neste parágrafo, é natural que o delito qualificado absorva a forma simplificada, que não passou de um crime-meio para atingir o crime-fim.346

A forma qualificada do §3º do art. 184 foi introduzida no Código Penal por

meio da Lei nº 10.695, de 1º.7.2003, além de abarcar nitidamente as violações

praticadas por locadoras de vídeo, abre espaço para a tutela da violação de direito

autoral, com intuito de lucro, por meio de novos meios.

Repita-se que, a distribuição de livros, ou melhor, a disponibilização de livros

para download na internet, sem intuito de lucro, não caracteriza a forma qualificada

343

PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência; conexões lógicas com os vários ramos do direito. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 629. 344

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 902. 345

Ibid., p. 905. 346

NUCCI, Guilherme de Souza, loc. cit.

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prevista no §3º, mas o crime simples previsto no caput347, sendo que essa tutela

geral, prevista no caput do art. 184, deriva da natureza em branco da norma penal,

que não vincula ao suporte (papel, por exemplo) a violação.

Além disso, Luiz Regis Prado ressalta que a Lei nº 10.695/2003 também

majorou no quantum nas penas abstratamente cominadas.348

A natureza da ação penal está prevista no art. 186 do CP, e tem dois

critérios para definição: a) delito praticado, sem levar em conta os sujeitos; e, b)

sujeito passivo, sem considerar o delito. Assim é que: i) no crime previsto no caput

do art. 186, se procede mediante queixa, sendo, portanto, a ação penal de iniciativa

privada (inciso I); ii) na forma qualificada do §3º do art. 184, se procede mediante

representação, sendo, assim, a ação penal é pública condicionada à representação

(inciso IV); iii) nas formas qualificadas dos §§ 1º e 2º do art. 184, a ação é pública

incondicionada; e, iv) caso a vítima seja entidade de direito público, autarquia,

empresa pública, sociedade de Economia Mista, ou fundação instituída pelo Poder

Público, em qualquer hipótese (portanto, nas do caput e § 3º, ambos do art. 184), a

ação penal é pública incondicionada.

Note-se que as autarquias não se incluem entre os ofendidos que tem

facilitação de procedimento, e que a ação pública incondicionada, quase sempre,

nesse crime, se liga à existência de lucro.349

Por fim cabe mencionar que a jurisprudência do STF e a do STJ não

admitem a tese da adequação social para afastar a tipicidade do delito. Nesse

sentido é o Informativo 543/STF350 e o decidido no julgamento do HC 214.978/SP de

relatoria da Rel. Ministra Assusete Magalhães da Sexta Turma STJ.351

347

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 905-907. 348

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial, arts. 121 a 249. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 669. 349

NUCCI, Guilherme de Souza, op. cit., p. 909. 350

A Turma indeferiu habeas corpus em que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo requeria, com base no princípio da adequação social, a declaração de atipicidade da conduta imputada a condenado como incurso nas penas do art. 184, § 2º, do CP [...]. Sustentava-se que a referida conduta seria socialmente adequada, haja vista que a coletividade não recriminaria o vendedor de CD’s e DVD’s reproduzidos sem a autorização do titular do direito autoral, mas, ao contrário, estimularia a sua prática em virtude dos altos preços desses produtos, insuscetíveis de serem adquiridos por grande parte da população. Asseverou-se que o fato de a sociedade tolerar a prática do delito em questão não implicaria dizer que o comportamento do paciente poderia ser considerado lícito. Salientou-se, ademais, que a violação de direito autoral e a comercialização de produtos “piratas” sempre fora objeto de fiscalização e repressão. Afirmou-se que a conduta descrita nos autos causaria enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica e aos comerciantes regularmente estabelecidos. Rejeitou-se, por fim, o pedido formulado na tribuna de que fosse, então, aplicado na espécie o princípio da insignificância — já que o paciente fora

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Tais entendimentos jurisprudenciais, que, no caso, refletem o

posicionamento consolidado nas duas mais relevantes cortes do país, repercutirá,

mutatis mutandis, na verificação da real intenção da LDA, como se verá no último

capítulo desta dissertação.

surpreendido na posse de 180 CD’s “piratas” — ao fundamento de que o juízo sentenciante também denegara o pleito tendo em conta a reincidência do paciente em relação ao mesmo delito. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 583. “Pirataria” e Princípio da Adequação Social. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo583.htm>. Acesso em: 18 dez. 2012. Sem destaque no original). 351

Penal. Habeas corpus. Exposição à venda de CDS e DVDS ‘piratas’. Violação de direito autoral. Art. 184, § 2º, do Código Penal. Princípios da insignificância e da adequação social. Não incidência. Precedentes do STJ. Ordem denegada. I. O Supremo Tribunal Federal manifestou entendimento no sentido de que, para a incidência do princípio da insignificância, é necessária a presença de quatro vetores, a saber: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Isso porque "O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social" (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJU de 19/11/2004). II. No caso posto em análise, trata-se da exposição à venda de 74 (setenta e quatro) cópias contrafeitas de CDs e DVDs de títulos diversos, sem expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. III. Tal conduta não é dotada de mínima ofensividade, inexpressiva lesividade ao bem jurídico tutelado, tampouco de reduzido grau de reprovabilidade, porque, além de violar seriamente o direito autoral, causa grandes prejuízos, não apenas aos artistas, mas também aos comerciantes regularmente estabelecidos, a todos os integrantes da indústria fonográfica nacional e, ainda, ao Fisco. IV. A propagação do comércio de mercadorias "pirateadas", com o objetivo de lucro, revela alto grau de reprovabilidade da conduta do agente, que, embora rotineira, não a torna socialmente adequada e aceitável. Precedentes. V. Ordem denegada. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 214.978/SP. Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 06/09/2012, DJe 26/09/2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=conduta+socialmente+adequada+184&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC2>. Acesso em: 18 dez. 2012).

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6 DO DIREITO AUTORAL NA ERA DIGITAL – VIOLAÇÕES E POSSÍVEIS

SOLUÇÕES CONCILIATÓRIAS

6.1 A ERA DIGITAL: O TEMPO DOS BITS – NOÇÕES DE ORDEM TÉCNICA

No computador o que diferencia um arquivo de áudio, de outro texto, de um

vídeo ou uma imagem são a quantidade e a ordenação de 1 e 0 processadas pelo

hardware e lidas e exibidas ou reproduzidas pelo software e nada mais, sendo o

armazenamento e a transmissão idênticos. São dados armazenados por meio de

dígitos um ou zero, por isso digital.

O hardware pode ser compreendido como a unidade central de

processamento do computador, sua memória e seus dispositivos de entrada e saída,

e respectivos circuitos e unidades. É a parte física do equipamento informático.352

O software é a parte virtual do computador, o sistema. De forma mais

técnica, o Prof. Dr. Jorge H. C. Fernandes define software como:

[...] uma sentença escrita em uma linguagem computável, para a qual existe uma máquina (computável) capaz de interpretá-la. A sentença (o software) é composta por uma seqüência de instruções (comandos) e declarações de dados, armazenável em meio digital. Ao interpretar o software, a máquina computável é direcionada à realização de tarefas especificamente planejadas, para as quais o software foi projetado.353

Nesse sentido, Manuella Santos, citando Negroponte e Siqueira354, ensina:

Nicholas Negroponte esclarece que um bit não tem cor, tamanho ou peso, é capaz de viajar à velocidade da luz. É o menor elemento atômico no DNA da informação. Por razões práticas, considera-se que um bit é 1 ou 0. Por isso se diz que o sistema digital é binário, pois se expressa em dois dígitos, o zero e o um. Ethevaldo Siqueira acrescenta que bit é a menor unidade de informação que um computador pode processar, formada por apenas dois dígitos. Resulta da contração binary digit, ou seja, dígito binário. Embora possa parecer estranho, tudo que circula na Internet ou pelas redes de telecomunicações ou ainda pelos computadores em todo mundo se reduz a combinações intermináveis de zeros e uns.

352

PAESINI, Liliana Minardi. Direito de informática: comercialização e desenvolvimento internacional do Software. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 27-28. 353

FERNANDES. Jorge H. C. O que é um Programa (Software)? Disponível em: <http://www.cic.unb.br/~jhcf/MyBooks/iess/Software/oqueehsoftware.html>. Acesso em: 19 ago. 2012. 354

NEGROPONTE, Nicolas. A vida digital. Trad. Sérgio Tellaroli. Sup. técnica Ricardo Rangel. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2002 apud SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 95.

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Exemplo: o número 73 é representado no sistema binário da seguinte maneira: 1001001.

O conjunto hardware e software pode compor o que se denomina de sistema

informático355, que, na verdade, é o que gerencia e processa, tornando acessível

pelo usuário qualquer informação.

O fenômeno dos bits passa a ser relevante para o estudo em tela com a

criação e expansão da internet, que possibilitou a imediata difusão de conteúdos,

entre eles os tutelados por direito autoral, sem a necessidade do pagamento de

licenças (embora na maioria das vezes isso seja ilegal) e com difícil controle e

rastreamento, para o atual estado da técnica, embora isso já seja possível.

A internet pode ser definida como: “a interligação de milhares de dispositivos

do mundo inteiro, interconectados mediante protocolos (IP, abreviação de Internet

Protocol) [...]”356, que somente é viável porque utiliza o mesmo padrão de dados

informáticos.

Na concepção mais próxima a atual, a internet tem como precursora, a

Arpanet de 1969, surgida nos Estados Unidos, com fins eminentemente militares, no

auge da Guerra Fria na Universidade da Califórnia, interligando os campi de Los

Angeles e Santa Bárbara, além da Universidade de Utah e o Stanford Institute,

sendo utilizada, também, para o tráfego de informações não militares entre os

pesquisadores acadêmicos, o que ocasionou sua cisão, em 1983, na Arpanet e

Milnet, esta última somente para fins militares.

Com a expansão e o desenvolvimento do famoso protocolo de transmissão

de dados TCP-IP em 1978, surgiram nessa década mais duas redes a Csnet e

Bitnet, as quais utilizavam parte da estrutura da Arpanet, e que acabou por gerar a

Arpa-Internet. Em 1990 a Arpanet, tecnicamente obsoleta, foi substituída pela

Nsfnet, vinculada e administrada pela National Science Foundation, que passou a

utilizar o sistema WWW (World Wide Web), desenvolvido no mesmo ano, que em

razão do seu crescimento, sobretudo no mercado corporativo, levou a privatização e

definitiva globalização.357

355

PAESINI, Liliana Minardi. Direito de informática: comercialização e desenvolvimento internacional do Software. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 29. 356

PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 17. 357

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v. 1. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 83-88.

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131

Imre Simon, com a simplicidade que lhe era peculiar, mas sem prejudicar a

cientificidade, explicou que:

Toda a tecnologia da rede é baseada em intercâmbios de pequenos pedaços de informação enviados de um computador para outro. Tais pedaços passam por muitos computadores intermediários através de caminhos intrinsicamente imprevisíveis. Inúmeras cópias dos pedaços de informação são feitas neste processo. Ademais, a tecnologia digital permite fazer cópias absolutamente fiéis de quaisquer dados, documentos, imagens, sons, filmes ou quaisquer combinações destas formas de informação, desde que as informações estejam representadas digitalmente. Mais ainda, o custo econômico de fazer e armazenar as cópias está rapidamente indo para zero. Assim, é viável fazer, a custos baixos, um número ilimitado de cópias sem nenhuma degradação de qualidade.358

No Brasil, de acordo com recentes indicadores do cetic.BR359 para janeiro de

2012, 45% dos domicílios brasileiros possuem computador360, 38% dos domicílios

tem acesso à internet361, 53% da população já acessou a internet ao menos uma vez

na vida362, sendo que desse percentual, ao menos 66% faz uso diário da internet e,

25% ao menos uma vez na semana363, e, de acordo com dados do

IBOPE/NetRatings no mês de Junho de 2012, 41,4 milhões de pessoas navegaram

na internet por meio de computadores no domicilio364, gastando na rede o tempo

médio de 41,4 horas. Em relação às empresas, ao menos 99% usaram

computadores nos últimos 12 meses365, e ao menos 98% utilizaram a internet no

mesmo período.366

Do resumido histórico e das recentes estatísticas acima colacionadas, se

verifica a flagrante presença da internet no cotidiano de boa parte da população, e,

358

SIMON, Imre. A Propriedade Intelectual na Era da Internet. 29 fev. 2000. Disponível em: < http://www.ime.usp.br/~is/>. 19 set. 2012. 359

Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br) é o departamento do NIC.br responsável pela coordenação e publicação de pesquisas sobre a disponibilidade e uso da Internet no Brasil. Esses estudos são referência para a elaboração de políticas públicas que garantam o acesso da população às Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs), assim como para monitorar e avaliar o impacto socioeconômico das TICs. 360

CETIC.BR. Núcleo de informação e coordenação do ponto BR. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2011-total-brasil/rel-geral-01.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012. 361

Id., disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2011-total-brasil/rel-geral-04.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012. 362

Id., disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2011-total-brasil/rel-int-01.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012. 363

Id., disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2011-total-brasil/rel-int-03.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012. 364

Id., disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/ibope/tab02-01-2012.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012. 365

Id., disponível em: <http://www.cetic.br/empresas/2011/c-geral-01.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012. 366

Id., disponível em: <http://www.cetic.br/empresas/2011/c-int-01.htm>. Acesso em: 23 ago. 2012.

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se comparadas tais estatísticas com a de anos anteriores, fica evidente a franca

expansão da internet, e consequentemente a sua larga utilização para difusão da

informação.367

Tal desenvolvimento tecnológico possibilitou aumentar a capacidade de

armazenamento, análise e processamento da informação, de modo que novas

relações surjam pautadas em dados e, isso, traz consigo uma revolução, na medida

em que cria “[...] novos meios de ensinar e aprender desenvolvendo múltiplas

inteligências e determinando a revisão de velhos paradigmas”368, inclusive jurídicos,

como é o caso dos direitos autorais.

Déborah Fisch Nigri explica que essa “[...] nova era de questionamentos

jurídicos como consequência das inovações tecnológicas [...]”369 se nomina

convergência de mídias, nomenclatura que não será utilizada no decorrer deste

capítulo, porquanto tem sentido muito amplo e pouco técnico.

Redes sociais, como Facebook, Twitter e Orkut, redes de negócios como o

Linkedin e o Fairplace, saites de notícias, feeds de informações, saites de

compartilhamento de arquivos, e redes ponto a ponto, são cada vez mais populares

e possibilitam a troca de todo tipo de informação, inclusive as protegidas pelo direito

autoral, o qual, ao menos a partir da visão tradicional é a todo tempo violado.

Liliana Paesini Minardi370, citando Maldonado, afirma que a realidade das

coisas não é somente a material, mas, passa por processo de desmaterialização

para se tornar uma realidade virtual, a qual, além de produzir seus efeitos na

linguagem, incide em fundamentadas teorias jurídicas, como, e. g. na dos títulos de

crédito, parcialmente substituídos por transações eletrônicas.

É interessante que decorrente da introdução do computador – e

posteriormente da rede mundial interligando essa tecnologia – a informação passou

a ser mais bem delineada como mercadoria, nesse sentido:

[...] a informação transforma-se em nova matéria prima, pertence ao gênero especial dos bens imateriais. A organização produtiva transforma-se de unidade de tratamento de materiais em unidade de tratamento de informações.

367

Cf. Pesquisas e indicadores disponíveis no saite do cetic.br. Disponível em: <http://www.cetic.br/pesquisas-indicadores.htm>. Acesso em: 17 fev. 2013. 368

BEHRENS, Fabiele. Assinatura eletrônica e negócios jurídicos. Curitiba: Juruá, 2007. p. 105. 369

NIGRI, Deborah Fisch. Direito Autoral e a Convergência de Mídias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. p. 3. 370

MALDONADO (1992:12) apud PAESINI, Liliana Minardi. Direito de informática: comercialização e desenvolvimento internacional do Software. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 25.

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A informação, para poder ser valorada e valorizada, é submetida a tratamentos sofisticados. Pode ser guardada, manipulada como um objeto, cedida, ou até subtraída ilicitamente.371

E a informação – criação humana – tradicionalmente protegida pelo direito

autoral não resiste do fenômeno da informática, não está isenta as violações

inerentes a esse meio, e, ainda, não escapa da própria transformação material.

6.2 O DESAFIO DA EFETIVA TUTELA: UMA NOVA VISÃO SOBRE O

PROBLEMA

6.2.1 Notas iniciais

É nesse ponto que a discussão deve se estreitar ainda mais, não se

ocupará, pois, da reanálise das já conhecidas violações dos direitos autorais pelas

tradicionais vias – o que, de um modo geral, já foi tratado no capítulo anterior – mas

se tentará propor um novo enfoque na busca de soluções para os problemas que a

digitalização das informações reclama.

O fenômeno informativo, portanto, se liga a questão em comento, já que

cada nova tecnologia amplia as “[...] possibilidades de fixação das criações do

espírito humano (corpus mysticum) em novos suportes comercializáveis (corpus

mechanicum) [...]”372, e é justamente esses novos substratos digitais nos quais se

propaga a criação, que geram os já conhecidos problemas de violações do direito

autoral.

Há quem defenda373 a obsolescência da legislação pátria. De um modo

geral, existe um consenso midiático no enrijecimento da legislação, como, aliás, foi

feito pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003, que alterou o art. 184 do Código Penal,

solução a qual é usualmente tomada em relação a outras infrações penais, e cujas

estatísticas demonstram ser ineficaz.

371

PAESINI, Liliana Minardi. Direito de informática: comercialização e desenvolvimento internacional do Software. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 26 372

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 45-46. 373

Cf. GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital. Rio de Janeiro: Record, 2007.

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Plínio Martins Filho, afirma que:

A internet está criando um verdadeiro caos à medida que rompe qualquer barreira, pois torna a proteção dos direitos autorais – que atualmente é territorial – obsoleta. É preciso, portanto, que se crie um código universal plenamente funcional. Do contrário, vamos continuar nos perguntando ‘de quem é a responsabilidade sobre os direitos autorais na Internet?’, e não dando nenhuma solução satisfatória.374

Aliás, como se ponderou no capítulo anterior, a primeira reação quando

surgiu a pirataria diante do monopólio dos impressores na Europa foi a tentativa de

endurecimento do próprio monopólio e da censura, o que não foi eficaz e ocasionou

a remodelagem parcial do sistema, passando a proteger formalmente o autor e não

o impressor/ livreiro, o que talvez tenha sido uma das origens mais remotas da

divisão entre sistema inglês e sistema francês.

Há quem defenda também, não propriamente o enrijecimento legal, mas a

criação de um microssistema específico para a proteção do direito autoral na

internet, sob o argumento de que “[...] a legislação não avançou de modo

satisfatório, a fim de abarcar novos conceitos, a natureza jurídica de certos institutos

que nascem diariamente, a partir do mundo virtual”.375

Todavia, como já tratado no capítulo anterior, a própria abrangência do art.

7º da LDA, já é bastante para incluir as diversas manifestações do espírito humano,

o que, por outro lado, não significa que é efetiva.

De acordo com Lawrence Lessing a proteção do copyright inglês em 1790

era bastante restrita, abrangendo somente mapas, cartas e livros, afastando as

demais criações humanas, como, v. g., músicas e projetos de arquitetura376, mas,

quase cem anos depois (o que, na cronologia histórica, pouco tempo representa),

por ocasião da Convenção de Berna – a primeira grande convenção em matéria de

direito autoral – mais de trinta suportes para veiculação da informação eram

listados377, e, em caráter exemplificativo, conforme art. 2º, in verbis:

374

MARTINS FILHO, Plínio. Direitos autorais na internet In: Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Brasília. v. 27, n. 2, p. 183-188, maio/ago. 1998. p. 187. 375

DIAS, Thales Lordão. A proteção dos direitos autorais na internet. In: O direito na era digital. MARQUES, Jader; SILVA, Maurice Faria da. (Org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 173. 376

LESSIG, Lawrence. Free culture: The nature and future of creativity. New York, 2005. p. 136. 377

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 46.

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ARTIGO 2º 1) A designação de ‘obras literárias e artísticas’ abrange todas as produções no domínio literário, científico e artístico, qualquer que seja o modo ou a forma de expressão, tais como os livros, brochuras e outros escritos: as conferências, as alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza: as obras dramáticas ou dramático - musicais: as obras coreográficas e as pantominas, cuja execução cênica se fixa por escrito ou de qualquer outra maneira: as composições musicais, com ou sem palavras: as obras cinematográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da cinematografia: as obras de desenho de pintura, de arquitetura, de escultura, de gravura e de litografia: as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao de fotografia: as obras de arte aplicada: as ilustrações e as cartas geográficas; os projetos, esboços e obras plásticas respeitantes à geografia, à topografia, à arquitetura ou às ciências [...].378

Lê-se na redação da mencionada convenção, que, por exemplo,

composições musicais e execuções cênicas, e. g. passaram a fazer parte do âmbito

de proteção do direito autoral.

E de um modo geral a tutela do direito autoral, para acompanhar a evolução

tecnológica – que não é apenas o advento da informática – do barateamento do

papel à maquina de fotocópias, da invenção do gravador de fitas à máquina digital,

vem promovendo diversas modificações legais.

A Convenção de Berna, v. g. foi modificada diversas vezes, justamente com

esse escopo de adequação às novas tecnologias. A primeira grande revisão ocorreu

em Berlim (1908), a segunda em Roma (1928), a terceira em Bruxelas (1948), a

quarta em Estocolmo (1967), e a quinta (e última) em Paris (1971).379

Na Justiça Norte Americana, entre os diversos casos envolvendo o direito

autoral se destaca o Sony Corp. of America vs. Universal City Studios, Inc. (U.S.

417(1984)), lá, popularmente conhecido como, Sony Betamax, no qual, após

grandes discussões a Suprema Corte, decidiu que o videocassete era um produto

legal, pois, apesar das diversas utilizações ilícitas que lhe poderiam ser dadas,

também existiam utilizações lícitas.380

No entanto, e esse parece ser um ponto em comum na histórica batalha

entre tecnologias e direito autoral, tendo como um dos advogados, a indústria ligada

378

BRASIL. Câmara dos Deputados. Legislação Informatizada – Decreto Legislativo nº 59, de 1951 - Publicação Original. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decleg/1950-1959/decretolegislativo-59-19-novembro-1951-367223-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 18 jan. 2013. 379

AFONSO, Otávio. Direito autoral: conceitos essenciais. Barueri: Manoele, 2009. p. 136-137. 380

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 50-51.

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aos editores e as gravadoras, o fato de que mesmo tendo perdendo várias

demandas judiciais: “[...] a indústria da distribuição de conteúdo experimentou

contínuo crescimento, pois a cada novo suporte, a despeito de toda a pirataria,

ampliavam-se as audiências [...]”381 e, consequentemente, surgiam (e surgem)

novas possibilidades exploração lucrativa.

Essa batalha existente entre o direito autoral e as novas tecnologias, de

acordo com Lawrence Lessig, não é recente:

Roughly put, copyright gives a copyright older certain exclusives rights over the work, including, most famously the exclusive right to copy the work. I have a copyright in this book. That means, among other rights, and subject to some import exceptions, you cannot copy this book without my permission. The right is protected to extend that laws (and norms) support it, and it is threatened to extend that technology makes easy to copy. Strengthen the law while holding technology constant, and the right stronger. Proliferate copying technology holding the law constant, and the right is weaker. In this sense, copyright has always been at war with technology. Before the printing press, there was not much need to protect the author’s interest in his creative work. Copying was so expensive that nature itself protected that interest. But as the cost of copying decreased, and the spread of technology of copying increased, the author’s control increased. As each generation has delivered a technology better than the last, the ability of the copyright holder to protect her intellectual property has been weakened.382 383

Não parece, contudo, que as violações surgidas ou facilitadas pelas

tecnologias digitais, proclamarão um vencedor, pondo fim ao embate natural a que

se refere Lawrence Lessig. É preciso ter consciência, para além do entusiasmo da

criação digital, contexto no qual esse estudo é criado, que mutatis mutandis, da ótica

formal, com mais intensidade, a tecnologia digital, aliada à internet, de acordo com

381

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 52. 382

LESSIG, Lawrence. Code version 2.0. New York: Basic Books, 2006. p. 171-172. 383

Em tradução livre: O copyright dá ao autor certos direitos exclusivos sobre a obra, inclusive, o mais famoso o direito exclusivo: de copiar o trabalho. Eu tenho copyright neste livro. Isso significa que, entre outros direitos, e sujeito a algumas exceções importantes, você não pode copiar este livro sem a minha permissão. O direito é protegido para estender que as leis (e normas) o suporte, e está ameaçado, pois a tecnologia torna fácil copiar. Fortalecer a lei, mantendo a tecnologia constante, e tornando o direito mais fraco. Nesse sentido, o autor sempre esteve em guerra com a tecnologia. Antes da imprensa, não havia muita necessidade de proteger o interesse do autor em seu trabalho criativo. O custo da cópia era tão caro que a própria não havia necessidade natural de proteção. Mas, como o custo de copiar diminuiu, e a disseminação da tecnologia de cópia aumentou, o controle do autor aumentou. À medida que cada geração tem uma tecnologia melhor entregue melhor que a última, a capacidade do detentor dos direitos autorais para proteger sua propriedade intelectual foi enfraquecida.

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Alessandra Tridente384, tornou a produção de cópias não autorizadas: a) baratas; b)

de qualidade idêntica ou bastante próxima a original; c) com possibilidade de

distribuição indiscriminada; e, d) a custo zero.

Excetuando-se o atributo custo zero, que não corresponde à realidade, já

que, mesmo que se obtenha o conteúdo sem pagamento, por meio de download de

conteúdo da internet, sempre se tem, ainda que mínimo, um custo, ao menos com a

conexão, com efeito, todos os demais atributos correspondem a essa nova forma de

violação de direito autoral. Pode-se dizer que há uma (grande) facilidade técnica de

violação.385

Isso, por outro lado, apesar de ser fascinante dos pontos de vista técnico,

social e educacional, não implica em dizer que há nova afronta ao direito autoral,

pelo contrário, a ofensa é a mesma, copiar e distribuir sem autorização, a diferença

é a facilidade com que isso pode ser feito, a dificuldade de se coibir esse ilícito, e

agora, o impacto democrático, e na educação, propiciados pela natureza sem

fronteiras da internet.

Se analisado o problema apenas por essa ótica a solução já foi, há anos,

delineada nos Estados Unidos da América, e copiada e adaptada, à tradição

francesa, no Brasil.

Na história da regulamentação Estadunidense do tema, registra-se

poderosíssimo lobby da indústria do ramo de Direito Autoral, pouco antes do ano

2000, encabeçado pelo Escritório de Marcas e Patentes norte-americano, que

elaborou um documento chamado White Paper o qual continha parâmetros para

contornar a suposta crise no direito autoral, ocasionado pela era digital.386

Entre as diversas modificações legais que lá ocorreram (apesar da tradição

Common Law), destaca-se a Lei No Electronic Theft de 1997 (NET Act), que tornou

crime a conduta de reproduzir conteúdo protegido por direito autoral, ainda que sem

fim lucrativo, estabelecendo pena de prisão, além de multas de até 250 mil dólares.

Sean B. Hoar escreve:

The NET Act was signed into law by President Clinton in December 1997, making it illegal to reproduce or distribute copyrighted works,

384

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 54. 385

DINIZ, Pedro Ivo Ribeiro. A tutela internacional dos Direitos Autorais na Era Digital. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 32-33. 386

TRIDENTE, Alessandra, op. cit. p. 54-55.

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such as software programs and musical recordings, even if the defendant acts without a commercial purpose or for private financial gain. If the defendant reproduces or distributes 10 or more copyrighted works that have a total value of more than $2,500, he or she can be charged with a felony, and faces a sentence of up to 3 years imprisonment and a fine of up to $250,000. A defendant who reproduces or distributes one or more copies of copyrighted works with a value of more than $1,000 can be charged with a misdemeanor, and face up to one year in prison and a fine of up to $100,000.387 388

Outros dois diplomas, ainda mais severos que o NET Act foram

implementados na sequência: a) o Digital Millennium Copyright Act (DMCA) em 1998

e o Sonny Bono Copyright Term Extension Act (CTEA) também em 1998.389

Já no novo milênio, há o alastramento da tecnologia p2p, abreviação de

peer-to-peer, que denomina o sistema de software que possibilita o

compartilhamento de arquivos entre usuários interconectados, permitindo, até

mesmo, a circulação da informação de forma anônima390, de modo a evitar que os

conteúdos fiquem armazenados em apenas um local e de forma integral.

Programas de computador como Napster, Grokster, Gnutella, Audiogalaxy, e

mais a frente Limewire e, atualmente, BitTorrent, entre outros, cada qual com sua

limitação, viabilizaram (e ainda viabilizam) o intercâmbio de todo tipo de arquivo

(inicialmente o Napster possibilitava a transferência apenas de arquivos de áudio),

de forma rápida e com total fidelidade da cópia, isto é, sem perda da qualidade.391

A coalizão, liderada pela Associação de Indústria de Gravadoras Norte

Americana (RIAA – Recording Industry Association of America), travou batalha

contra o Napster, por meio de ação penal contra o seu escritor (programador),

387

HOAR, Sean. B. First Criminal Copyright Conviction Under the "No Electronic Theft" (NET) Act for Unlawful Distribution of Software on the Internet. U.S. Department of Justice. Eugene, 1999. Disponível em: <http://www.justice.gov/opa/pr/1999/August/371crm.htm>. Acesso em: 19 dez. 2012. 388

Em tradução livre: A Lei NET foi assinada pelo Presidente Clinton em Dezembro de 1997, tornando-se ilegal reproduzir ou distribuir trabalhos protegidos por direitos autorais, tais como programas de software e gravações musicais, mesmo se o sujeito age sem fins comerciais ou para ganho financeiro privado. Se o réu reproduz e distribui 10 ou mais trabalhos protegidos por direitos autorais que têm um valor total de mais de US$ 2.500, ele ou ela pode ser acusado de um crime, e enfrenta uma pena de até 3 anos de prisão e uma multa de até US$ 250.000. Um sujeito que reproduz e distribui uma ou mais cópias de trabalhos protegidos por direitos autorais, com um valor de mais de US$ 1.000 pode ser acusado de um delito, e enfrentar um ano de prisão, e uma multa de até US$ 100.000. 389

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 57. 390

PEER-TO-PEER. In: WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Peer-to-peer>. Acesso em: 19 dez. 2012. 391

Ibid.

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Shawn Fanning, levando ao banimento do software em 2001, contrariando a

jurisprudência formada no caso Sony Betamax.392

A proibição, entretanto, apenas abriu espaço para o desenvolvimento de

novos softwares (citados na página anterior), que se alastraram de forma mais

rápida que o falecido Napster, e novamente levaram a discussão ao judiciário, que,

no entanto, ao julgar o caso do programa Grokster em sede de recurso no ano de

2004, retomou a jurisprudência do caso Sony Betamax, argumentando que a

“[...] invenção de novas tecnologias sempre ameaça mercados antigos, mas a

inovação tecnológica não pode ser obstada por colocar em perigo uma forma

particular de fazer negócios.”393

No caso do Brasil, apesar de não se visualizar na jurisprudência acalorados

debates como nos Estados Unidos, é possível se concluir, a partir da retrospectiva

histórica delineada no quinto capítulo, que a tutela formal do direito autoral é uma

das mais abrangentes e severas possíveis.

Tal conclusão pode ser extraída, principalmente, pelo fato que desde o

Código Criminal do Império (1830) o direito autoral já era tutelado criminalmente,

sendo que a proteção conferida pelo atual Código Penal, em específico no art. 184,

foi objeto de duas reformas, que ampliaram a conduta típica, aumentaram as penas

(inclusive com figuras qualificadas). Reforçando-se que, desde o princípio, a

configuração do crime independe de qualquer fim especial, como o de lucro.

O mesmo se vê na lei de direito autoral, cujo rol de limitações é taxativo e

bastante restrito, impossibilitando qualquer tipo de cópia integral, ainda que para fins

não lucrativos e unicamente educacionais, por exemplo, afora, num único caso,

quando a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou

outro procedimento em qualquer suporte, para uso de deficientes visuais (art. 46, d,

da Lei nº 9.610/1996).

Esses movimentos de reforma (ou complementação) da legislação sobre

direito autoral devem ser divididos em dois grupos: 1º. As revisões que tem por

objetivo abranger novas plataformas de veiculação da criação autoral; e, 2º. As

revisões cujo escopo é enrijecer a tutela, os quais, quase sempre, se convergem.

392

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 60-61. 393

Ibid., p. 61.

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A preocupação com as novas e atuais formas de violação do direito autoral

não é de menor importância, pois é ele direito da personalidade, parte de elemento

identificador da própria condição humana, entretanto, é necessário frisar que

semelhante fenômeno ocorreu quando da criação e expansão da imprensa por

Gutenberg, nesse sentido:

Com Gutenberg, que inventou a impressão gráfica com os tipos móveis (século XV), fixou-se de maneira definitiva a forma escrita, e as ideias e suas diversas expressões puderam finalmente, e aceleradamente, atingir a divulgação em escala industrial. Aí, sim, surge realmente o problema da proteção jurídica do direito autoral, principalmente no que se refere ao direito de reproduzir e de utilizar suas obras. Começa a surgir também uma certa forma de censura [...]394

O problema da pirataria, aqui estudado, não envolve a difusão de ideias

falsas ou a modificação do conteúdo das obras, mas principalmente a distribuição

não autorizada ou não remunerada pelos meios digitais, isto é a disponibilização

gratuita por outros usuários de conteúdos multimídia (filmes e músicas,

essencialmente), e livros em redes ponto-a-ponto ou servidores específicos, sem

que o autor e a editora sejam remunerados por essa distribuição.

É interessante que, tradicionalmente, o direito do autor sempre pertence

formalmente ao autor, o consumidor do direito autoral, ao adquirir um filme, música

ou livro, não compra o direito do autor, mas tão somente o direito de poder usufruir

daquela produção, ou seja, não é porque o sujeito comprou o livro que ele passa a

ser coautor do texto e pode editá-lo e redistribuí-lo, ou compositor da música, e

assim por diante; ele apenas pode, nos exemplos dados, ler o livro quantas vezes

quiser, ouvir a música gravada no CD, mas nunca comercializar esse conteúdo com

terceiros, a não ser que tenha autorização expressa para isso, ou já esteja o

conteúdo sujeito ao domínio público.

Mesmo nesses casos de violação acima exemplificados, o titular do direito

continua sendo o autor, e a questão ilegal é a distribuição do conteúdo sem a devida

remuneração à aquele que detém o direito autoral.

394

GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 26.

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A história, por outro lado, mostra que o direito autoral sempre acompanhou,

passo a passo, a expansão dos meios de comunicação e os avanços

tecnológicos395, e não parece ser o fim do direito autoral.

E, também, a menos que ignore toda história aqui narrada, não parece que a

intensificação da tutela, seja ela civil ou penal, se apresente como uma solução,

apesar de muitos ainda defender isso.

José Carlos Costa Netto defende que “uma ‘penalização’ que não seja

realmente sentida pelo infrator não servirá ao propósito de reprimir sua prática ilícita,

funcionando, ao contrário, como verdadeiro incentivo à sua comunidade.”396

E continua o mencionado autor:

[...] é inegável o rigor da sanção, no campo penal – com severas penas de detenção e reclusão do infrator –, para as violações ao direito autoral, com, inclusive, a possibilidade de decretação de prisão preventiva, conforme referido. Sem dúvida, do atendimento dessa orientação legal – sem prejuízo, naturalmente das sanções reparatórias civis – com a amplitude necessária para se constituir em desestímulo à prática de ato ilícito resultará a conscientização da gravidade de infrações dessa natureza e o devido respeito aos atributos personalíssimos e patrimoniais dos autores e demais titulares de direitos de autor sobre as obras intelectuais.397

Com toda vênia, tal entendimento, que se coaduna com parte do

entendimento jurídico literário desse assunto, apresenta-se ultrapassado à

modernidade, ataca preceitos fundamentais da Constituição Federal de 1988, e a

história já demonstrou a sua falibilidade e fragilidade.

Registre-se, também, que Marcelo Neves398, já alertou, há algum tempo,

sobre o destrutivo fenômeno da legislação simbólica, que em linhas gerais consiste

na edição de leis para suposta solução de problemas reais, que acaba por apenas

ser um símbolo, quase sempre sem efetividade, primoroso estudo que parece estar

ainda escondido nas prateleiras de muitos escritores jurídicos e legisladores. Leis

estas, em geral, ligadas ao endurecimento e ampliação da tutela penal.

Em alguns casos, as tutelas de urgência podem ser um poderoso

instrumento para restringir ou diminuir o dano patrimonial causado, isso porque, pelo

395

GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à internet: direitos autorais na era digital. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 217. 396

COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. São Paulo: FTD, 1998. p. 201. 397

COSTA NETTO, José Carlos, loc. cit. 398

NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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meio de cognição sumária, empregando-se técnicas antecipatórias ou

assecuratórias rápidas, dada a possibilidade iminente de dano ao direito material

envolvido399, é possível que se alcance se obste a violação, mesmo antes de sua

disponibilização na rede.

E isso sem que se viole o direito da parte contrária, já que é elemento

cogente das tutelas de urgência a indissociabilidade do direito material, que exige,

seja por sua natureza, seja pelas circunstâncias de sua violação iminente ou

presente, a imediata resposta da jurisdição, que, em consequência última garantem

o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal). E

para tanto, parece ser possível tanto a utilização da tutela antecipada, como da

tutela cautelar, esta última baseada, principalmente no poder geral de cautela.

Em muitos casos, porém, a disponibilização do conteúdo na rede, torna

praticamente impossível a tutela jurídica efetiva, pois a informação passa a ocupar

um sem número de computadores, e a proibição por meio de uma decisão judicial,

passa a ser eficaz apenas em relação a grandes empresas e saites, mas o conteúdo

é capaz de se difundir entre os usuários, é, também, um problema de ordem técnica

coibir o compartilhamento.

Ao menos no atual estado da técnica se verifica essa dificuldade, mas,

alerte-se, que recente pesquisa da Universidade de Birmingham, da Inglaterra,

aponta que usuários que utilizam a internet para obter conteúdo via torrent (em

programas como o BitTorrent – baseados em protocolo p2p) podem estar sendo

monitorados. Mencionado estudo afirma que existem cerca de dez empresas

monitorando o tráfego de conteúdo, algumas das quais financiadas por associações

de gravadoras e de estúdios de cinema, não obstante não seja possível concluir se

as informações estão sendo usadas contra os usuários, mas se aventando a

hipótese de que tais dados sirvam como provas em processos futuros.400

Aliás, oportuno mencionar, o resultado do recentíssimo caso Capitol v.

Thomas, na qual a Sra. Jammie Thomas-Rasset, moradora do Estado de Minnesota

(EUA), após longa disputa judicial, teve, na data de 18 de março de 2013, seu

recurso de apelação não recebido (decisão de não recebimento) pela Suprema

399

LAMY, Eduardo Avelar. Flexibilização da tutela de urgência. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2007. p. 37. 400

AGUIARI, Vinicius. Usuários que baixam torrents podem estar sendo monitorados. In: Exame.com, de 5.9.2012, São Paulo, Editora Abril. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/usuarios-que-baixam-torrents-podem-estar-sendo-monitorados>. Acesso em: 6 set. 2012.

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Corte Norte-Americana, mantendo-se, assim, sua condenação ao pagamento da

importância de US$ 225 mil, a título de indenização às gravadoras.401 A lide surgiu

em razão de Jammie Thomas-Rasset ter disponibilizado para download sem

recolhimento de direitos autorais, ilegalmente, portanto, no sistema Kazaa, 24

músicas. Tal caso, anteriormente denominado de Virgin v. Thomas, foi a primeira

disputa judicial na qual a matéria envolvida era a distribuição de músicas pelo

sistema de compartilhamento de arquivos, voltada contra o usuário do software.402

O caso Napster demonstra, com precisão, que a proibição de um software

de compartilhamento de arquivos – muitos deles protegidos por direito autoral –

além de não solucionar o problema, alimentou diversos outros sistemas mais

eficientes que o anterior, e isso, parece, ser uma regra da natureza, da conhecida

capacidade de adaptação do ser humano.

No âmbito internacional existe uma iniciativa interessante, que é o Livro

Verde sobre direitos de autor, apresentado pela Comissão Europeia em 1995.403 A

versão Portuguesa de tal livro, disponível legalmente na internet no saite:

<http://www.acessibilidade.gov.pt/docs/lverde.htm>, ao ponderar sobre a questão da

cópia digital afirma que:

Não existem ainda em Portugal casos de abuso do direito de autor em edição electrónica que tenham terminado os seus julgamentos. Os exemplos internacionais são, contudo, cada vez mais numerosos e poderão servir de guia na avaliação destes problemas. A tecnologia está, também, a responder à situação produzindo novas formas de controlo sobre a circulação de conteúdos, criando processos altamente sofisticados de autenticação para responder aos problemas da facilidade da cópia digital. É preciso não esquecer que, no contexto da sociedade da informação, a questão do controlo é fundamental e o campo da propriedade intelectual e do direito de autor parecer ser uma área

401

KARNOWSKI, Steve. Indústria fonográfica vence nos EUA disputa sobre direitos autorais. Valor Econômico, São Paulo, 19 mar. 2013. Disponível em: <http://www.valor.com.br/brasil/3050254/industria-fonografica-vence-nos-eua-disputa-sobre-direitos-autorais#ixzz2O8850edt>. Acesso em: 20 mar. 2013. 402

CAPITOL V. THOMAS. In: WIKIPEDIA. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Capitol_v._Thomas>. Acesso em: 20 mar. 2013. 403

SANTOS, Manoel J. Pereira dos. O direito autoral na internet. GRECO, Marco Aurélio, MATINS, Ives Gandra (Coord.) In: Direito e Internet: relações jurídicas na sociedade informatizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 155.

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onde as novas tecnologias do controlo podem e devem ser correctamente aplicadas.404

E, para tais contornos, sugere três medidas, transcritas abaixo:

MEDIDA 9.1 – Revisão do Artº 35º da Constituição da República Portuguesa O clausulado do Artº 35º da Constituição deve ser revisto no sentido de afirmar o direito de acesso de todos os cidadãos às redes electrónicas e o dever do Estado promover o acesso universal aos novos meios de comunicação, incentivando a reutilização, partilha e fluxo da informação, sem prejuízo da protecção dos dados pessoais. MEDIDA 9.2 - Actualizar a Legislação Respeitante aos Direitos de Autor e de Propriedade Intelectual Adaptar o enquadramento legal dos Direitos de Autor e de Propriedade Intelectual ao mundo digital, no quadro do Direito Internacional e Comunitário. Definir as condições especiais de acesso e utilização da informação e dos conteúdos em formato digital por parte das escolas, bibliotecas, hospitais e instituições públicas. MEDIDA 9.3 – Ponderar o Enquadramento Jurídico de Violações de Direitos Humanos Através de Redes Electrónicas Estudar e avaliar, no quadro nacional e comunitário, os problemas de enquadramento jurídico decorrentes da necessidade de compatibilizar a liberdade de acesso às redes e a livre expressão com a necessidade de combater violações de direitos humanos e atentados contra menores, com recurso às novas tecnologias de informação e das comunicações.405

No Brasil, o Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação lançou em

setembro de 2000, o Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil, que se

constitui uma proposta de ações voltadas ao Programa Sociedade da Informação.406

Referida obra, que tem o espírito de uma política pública, dispõe sobre a questão do

software livre407, a necessidade de “Promover a regulamentação abrangente de

404

MISSÃO PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO; MIN. DA CIÊNCIA E DA TECNOLOGIA. Livro Verde para a Sociedade da Informação em Portugal. Lisboa: Min. Da Ciência e Tecnologia, 1997. p. 115. Disponível em: <http://www.acessibilidade.gov.pt/docs/lverde.htm>. Acesso em: 23 dez. 2012. 405

Ibid. 406

BRASIL. Ministério da Ciência e Tecnologia. Sociedade da Informação no Brasil - Livro Verde Disponível em: <http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/18878.html>. Acesso em: 23. Dez. 2012. 407

TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. p. 72. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0004/4809.zip>. Acesso em: 23 dez. 2012.

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direitos autorais de publicações eletrônicas de qualquer natureza”408, entre outras

regulamentações na internet, mas como se vê, na prática, a única medida relevante

tomada foi a alteração do art. 184 do Código Penal, pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003,

que foi de encontro às anunciadas boas práticas na sociedade da informação.

Além desse dado histórico, o foco do problema recaí também sobre três

outros aspectos que envolvem o direito autoral: a) o fato dele ser um direito da

personalidade; b) dele se relacionar intrinsicamente com a questão educacional; e c)

da Constituição Federal garantir o Acesso à Justiça de seu titular, bem como dos

usuários das produções.

Apenas dessa exposição multidimensional, se pode extrair que as possíveis

soluções demandam análise mais profunda de todo sistema para, então se delinear

algo que possa ser efetivo, ou, ao menos, tenha o potencial de sê-lo.

Antes, contudo, de serem abordados os principais sistemas alternativos já

existentes de tutela do direito autoral, no próximo item, serão expostas (e

retomadas) algumas leituras sobre todo o fenômeno já narrado, com a tentativa de

contribuição desse estudo para o tema.

6.2.2 (Re)leituras necessárias, a proposta deste estudo

6.2.2.1 Justificativas teóricas e práticas

Parece ter sido esquecido, há algum tempo, no estudo do direito autoral a

revisão epistemológica, questionadora do que está posto, e, até mesmo, das

soluções que, quase sempre, caminham sobre um mesmo viés, em outras palavras,

o simples endurecimento legal ou a criação de sistemas paralelos, como é o creative

commons, mais adiante exposto, não parece, na realidade da civil law na qual se

insere o ordenamento brasileiro, suficiente para a melhorar a questão do direito

autoral, no enfoque dos direitos da personalidade, em especial, dos autores e dos

leitores, com atenção ao direito à educação decorrente, também, do Acesso à

Justiça enquanto Acesso à uma ordem jurídica justa, efetivador dos direitos da

personalidade.

408

TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da informação no Brasil: livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000. p. 72. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0004/4809.zip>. Acesso em: 23 dez. 2012.

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Jean Michel chama a atenção da comunidade jurídica acerca do enfoque

que é dado nos estudos do direito autoral. Para o referido autor – e, este estudo

concorda, com essa posição – tradicionalmente o arsenal jurídico que gravita ao

redor do direito autoral volta-se à proteção do autor e do investidor, ficando ao

consumidor ou usuário apenas o dever de respeitar o direito e, pagá-lo, como

consequência409, acrescentando, apenas, que a proteção do autor está num plano

intermediário, portanto, entre a proteção do investidor (em primeiro plano) e a do

consumidor (em terceiro plano).

Não há dúvida que quase toda controvérsia envolvendo a distribuição, ou

mesmo disponibilização e o download, não autorizados de obras, periódicos, textos,

etc, está relacionada ao aspecto financeiro, por muitas vezes, uma preocupação

muito maior da editora/ distribuidora, do que autor, criador da obra. Veja que os

principais grandes casos envolvendo o tema foram iniciados por associações de

editores e afins.

A seguinte questão é bastante oportuna: Por qual motivo é difícil se observar

autores (sozinhos ou em associação apenas de autores, sem interesses (in)diretos

dos editores/ distribuidores) litigarem contra consumidores ou usuários que violam

direitos autorais? E, uma das possíveis respostas a esta indagação, se tentou

responder no decorrer desse item.

A previsão legal existente no Brasil, nos Estados Unidos, e em diversos

outros países, como já exposto, proíbe a divulgação e/ ou distribuição não

autorizada de cópias de obras lato sensu, qualquer que seja o suporte – físico ou

digital – e, sujeita o infrator, mesmo que este não tenha nenhum escopo lucrativo e

queria a obra apenas para sua recreação, ou mesmo, tão somente, para fins da

própria instrução educacional, é ilícito civil e, também, penal.

Acontece que as concepções já expostas sobre os direitos da personalidade

e do direito à educação, a todos garantido pelo Acesso à Justiça, não mais permitem

tão simples interpretação do fenômeno do ilícito na seara do direito autoral.

Leonardo Macedo Poli, acertadamente explica:

[...] as instituições de Direito Autoral passam por um processo de despatrimonialização e de funcionalização: a obra intelectual deixa de ser o centro gravitacional do Direito Autoral e seu lugar é ocupado

409

MICHEL, Jean. Direito de autor, direito de cópia e direito à informação: o ponto de vista e a ação dos profissionais da informação e da documentação. In: Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Brasília. v. 26, n. 2, p. 140-145, maio/ago. 1997. p. 143.

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pelo princípio da dignidade da pessoa humana, com direito à promoção espiritual, cultural, social e econômica. Trata-se de uma correção do individualismo jurídico que naturalmente é excludente. Daí a necessidade de se interpretar o Direito Autoral na medida de sua funcionalidade, enquanto instrumento de promoção dessa dignidade. Não se propõe uma antítese à concepção liberal clássica, haja visto ter sido esta a proposta do estado social, mas uma síntese.410

O grande desafio, na atualidade, é conciliar todos esses direitos da

personalidade. Tal qual a Crise do Judiciário, tratada no capítulo sobre o Acesso à

Justiça, é imprescindível desmistificar a causa desse conflito que clama por

conciliação.

Não é a pirataria, não são as cópias ilegais obtidas na internet, ou mesmo o

avanço da informática o problema, longe disso, a sistematização do direito autoral, e

a crise de legitimidade dele, cuja característica principal é a exclusão, principalmente

dos usuários/ consumidores de direito autoral, e veladamente dos próprios autores,

é que causa de boa parte dos problemas.

Há uma incompatibilidade flagrante entre a própria essência da

sistematização atual do direito autoral, com o novo viés do direito civil,

principalmente após a Constituição Federal de 1988.

As pressões exercidas pelo mercado editorial, aos consagrados e quase

anônimos autores são conhecidas, esse estudo tentou obter informações sobre os

números de venda de exemplares físicos e virtuais de livros, a repercussão da

pirataria nos negócios editoriais, das principais editoras e saites de vendas online,

além de associações, mas não obteve sucesso, algumas editoras pesquisadas não

retornaram ao contato, outras se recusaram expressamente em fornecê-los, e outras

forneceram dados não relevantes para a pesquisa, e outras, afirmaram,

simplesmente não dispor dos dados solicitados.

Na realidade, no mercado, entre os autores, há grande desconfiança que as

próprias empresas, editoriais ou fonográficas, lancem as obras em duplicatas e por

isso não tem interesse em opor as cautelares que comprovam a pirataria. Por tal

motivo, alguns autores de livros chegam a exigir sua rubrica em todos os volumes

colocados à venda com o objetivo de evitar pirataria.

410

POLI, Leonardo Macedo. Direito autoral: parte geral. Belo Horizonte: Del Rei, 2008. p. 146.

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Das entidades consultadas que não dispõem da informação publicamente,

apenas o IVC – Instituto Veiculador de Circulação, que é uma entidade sem fins

lucrativos cujo objetivo é certificar as métricas de desempenho de veículos

impressos e digitais411, em especial revistas e jornais, que atendeu ao contato e

forneceu os dados disponíveis, que oportunamente serão apresentados.

Esse embaraço na busca de informações estatísticas, também decorre de

outro problema: a questão da imparcialidade científica, isso porque não é raro que

pesquisas de campo e até mesmo livros sobre o tema tenham duvidosas vertentes

teóricas, quase sempre tendentes a examinar apenas uma das faces do problema

do direito autoral: aquele que se volta aos interesses dos livreiros e editores.

Nesse passo, sistematicamente, pode-se afirmar que surgem no horizonte

dois grupos de pessoas cuja proteção efetiva de direitos não parece ter sido

prioritária: os consumidores, tal como Jean Michel já alertou, e os próprios autores,

na medida em que um estudo mais aprofundado da regulamentação do direito

autoral demonstra que o pleno exercício do direito autoral no seu estágio mais

avançado sempre teve consigo um momento jurídico-temporal final: o contrato de

cessão de direitos.

Argumenta-se que o autor cede apenas parte da fração patrimonial de seu

direito, permanecendo com toda parte moral. Mas, essa ficção jurídica, que até tem

razão de existir, é utilizada como tábua de salvação pelas editoras e revendedoras,

para impedir que o autor faça qualquer outra utilização do texto, ou até mesmo de

qualquer criação.

O exemplo do que foi escrito no parágrafo acima aconteceu no Brasil, com o

cantor e compositor Zé Ramalho, que foi impedido de regravar algumas músicas de

sua própria autoria, por tê-las cedido à gravadora EMI no passado, para editá-las e

publicá-las.

Eis a notícia extraída do saite do Consultor Jurídico:

A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro revogou, nesta quarta-feira (31/5), a tutela antecipada concedida em favor da editora musical EMI Songs do Brasil, face ao lançamento do CD e do DVD Zé Ramalho ao Vivo, comemorativo dos 30 anos de carreira do artista. O pedido da EMI se fundamentou na pretensão de, como editor, poder negar o uso de qualquer obra sob o seu controle, mesmo quando o compositor seja o próprio intérprete.

411

IVC – INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO. Disponível em: <http://www.ivcbrasil.org.br>. Acesso em: 2 fev. 2013.

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Ao negar para a BMG a gravação das obras, sem qualquer justificativa, a EMI não considerou os prejuízos que teria, nem os do próprio autor e intérprete Zé Ramalho, além dos de outros autores que constavam dos produtos e da gravadora BMG — com quem mantém outras disputas judiciais alheias ao caso em questão. Com isso, se perderam vários meses de venda dos produtos, inclusive as vendas de Natal, acrescendo-se ao sofrimento moral do autor em ver a sua obra impedida de ser utilizada por ele próprio, um grande prejuízo material. Finalmente, nesta quarta, no AI 2005.002.24136, os desembargadores entenderam pela revogação da medida e, em breve, os produtos voltarão a ser comercializados, enquanto a questão se decide, no mérito.412

Parece ser pouco útil defender a existência de uma vertente moral do direito

autoral, que seria a mais importante, porque inexoravelmente conexa aos direitos da

personalidade do autor, e também do consumidor, se, de outra banda, o poder da

vertente patrimonial seja capaz de, com a bandeira da autonomia privada, sobrepor-

se ao aspecto moral. Em outras palavras, se o autor ao realizar o contrato de cessão

de direitos autorais, o faz com definitividade e exclusividade413, por via transversa

acaba por ceder também os direitos morais.414

No campo do mercado editorial dos livros, é bastante comum para se aceitar

uma publicação, que haja cessão total do direito de publicação da obra, em muitos

casos com cessão total inclusive dos direitos patrimoniais (para os autores pouco

conhecidos, principalmente), sendo, muitas vezes, necessário pacto de

exclusividade. Quando se está diante de publicações científicas em periódicos, a

cessão total do direito patrimonial é ainda mais frequente.

E, diante de tais cessões, é praticamente impossível que a editora autorize,

por contrato, que o autor disponibilize, ainda que gratuitamente, na internet ou em

qualquer outro meio o conteúdo de suas obras, ou parte delas.

Por outro lado obras obtidas por meios atualmente ilícitos estão em franca

expansão na rede mundial de computadores, já que algo que parece ser próprio da

412

CONJUR. Editor deve zelar pela publicação da obra, e não impedi-la. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-jun-01/editor_zelar_publicacao_obra_nao_impedi-la>. Acesso em: 21 dez. 2012. 413

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 350. (Sem destaque no original). 414

Sobre a diferenciação direitos morais de autoria e direitos patrimoniais de autor, cf. SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra, 1995. p. 576-578.

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cultura é sua capacidade de expansão, além de outros fatores, como o custo do

livro, a dificuldade de localização e acesso a algumas obras, e o preço do frete.

Entre as pesquisas encontradas sobre o tema livros digitais e pirataria, a

realizada pelo Instituto Pró-livro pareceu ser a menos parcial de todas, e retratar,

ainda que de forma inacabada, a questão em comento.

A mencionada pesquisa, realizada pelo Instituto Pró-Livro, executada pelo

Ibope Inteligência, com apoio técnico do CERLALC415 e da UNESCO, publicada em

2012, com coleta de dados no ano de 2011, consistiu em pesquisa quantitativa de

opinião.416

Esta foi a metodologia da pesquisa:

Metodologia - informações relevantes: Padrão internacional: A metodologia foi desenvolvida pelo Cerlalc/Unesco, a partir de uma solicitação do Brasil (os dois pilotos foram realizados, entre 2004 e 2006, em Ribeirão Preto (SP) e no Rio Grande do Sul), com a finalidade de ter parâmetros internacionais de comparação entre os países da América Latina. E, de possibilitar construir séries históricas sobre o comportamento leitor. Metodologia/amostra: Pesquisa quantitativa de opinião com aplicação de questionário e entrevistas presenciais “face a face” (com duração média de 60 minutos), realizadas nos domicílios. Universo da pesquisa: População brasileira residente, com cinco anos ou mais, alfabetizadas ou não. Abrangência (Amostra): 5.012 entrevistas domiciliares em 315 municípios de todos os estados e o Distrito Federal. Intervalo de confiança estimado de 95% (ou seja, se a mesma pesquisa for realizada 100 vezes, em 95 delas terá resultados semelhantes). Margem de erro: a margem de erro máxima estimada é de 1,4 para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra.417

Tal pesquisa observou que ao ser formulada a seguinte pergunta: “Você já

ouviu falar de livros digitais, os chamados e-books?”, 45%418 dos entrevistados

afirmaram que nunca ouviu falar; 25% que nunca ouviu falar, mas gostaria de

415

Centro Regional para el Fomento del Libro en América Latina y el Caribe. 416

Os percentuais a seguir apresentados referem-se a seguinte chamada: INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012. 417

INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012. p. 20. 418

Os percentuais tem por base a população brasileira com cinco anos ou mais em 2011 (178 milhões).

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conhecer, e 30% que já ouviu falar. Desse último grupo, que já ouviu falar, 17%419

afirmou que já leu no computador, 1% no celular e 82% que nunca leu.

Dos leitores de livros digitais420, a pesquisa constatou que 7% tem

escolaridade até a 4ª série do ensino fundamental, 13% tem escolaridade de 5ª a 8ª

série do ensino fundamental, 37% tem o ensino médio completo, e o restante, 43%

tem o ensino superior completo.

Quanto a faixa etária, 22% dos leitores tem entre 5 e 17 anos, 29% entre 18

e 24 anos, 13% entre 25-29 anos, 21% entre 30 a 39 anos, 9% entre 40 e 49 anos, e

6% entre 50 e 69 anos.

Quanto a classe social, 53% dos leitores pertencem as classes A e B, 53% a

classe C e 5% as classes D e E.

No que se refere a região do país, o sudeste tem o maior número de leitores

de livros digitais, 47%, seguido o nordeste com 22%, norte e centro oeste, ambos

com 19% e, na lanterna, está o sul, com 12% dos leitores.

Esses dados iniciais demonstram a expansão do livro digital, e a inexistência

de fronteiras e classes sociais, tanto que, apesar da concentração maior de leitores

ser no sudeste, estados do norte e nordeste tem, proporcionalmente mais leitores

que os do sul, e não obstante o número de leitores nas classes A e B seja maior que

nas demais, o livro digital é também acessível a estas pessoas.

E mais, da base das pessoas que nunca leram livros digitais

(aproximadamente 168,5 milhões), ao lhe ser formulada a seguinte questão: “Você

acredita que pode vir a usar essa nova tecnologia de livros digitais, ou acredita que

nunca fará uso dessa tecnologia?”, 48% respondeu que pode vir a usar o livro

digital, 19% que não sabe se usará, e 33% que acredita que nunca fará uso dessa

tecnologia.

Como se vê dos percentuais expostos no parágrafo anterior, há grande

potencial de crescimento dos e-books.

Do universo de leitores digitais (9,5 milhões), 87% dos leitores afirmou que

baixou o livro gratuitamente pela internet, ou seja, apenas 13% pagou pelo

download. Entre os que baixaram gratuitamente pela internet (aproximadamente 8,3

milhões), 62% afirmaram que o material era “pirata” e 38% declararam que não.

419

Os percentuais tem por base a população brasileira com cinco anos ou mais em 2011 (178 milhões) que já ouviu falar, portanto 53 milhões. 420

A base, neste caso, é de 9,5 milhões.

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Reforçando que se trata de pesquisa de opinião, na qual o usuário responde

a uma questão, sem que o examinador prove a veracidade da resposta, o número

de pessoas que baixaram livros “piratas” pode ser muito maior.

O IVC dispõe somente dos dados das edições de jornais digitais a partir de

Janeiro de 2012, são, portanto, dados ainda preliminares, mas que indicam também

grande circulação de edições digitais de jornais de circulação paga. A média de

circulação de Janeiro a Setembro de 2012 foi de 138.690 edições.421 Para o mesmo

período do ano 2012 o número de edições físicas foi de 4.589.351, o que significa

que, das edições pagas que circularam, aproximadamente 3% são digitais. Apesar

do tipo da pesquisa desenvolvida periodicamente pelo IVC ser bastante diferente, o

só fato do tradicional instituto passar a auditar também a circulação de jornais na

internet, já é indicador da importância que esse meio está ganhando.

Portanto, o problema do direito autoral na era digital, e, em específico o caso

dos livros digitais (o que se aplica, mutatis mutandis, também para outras mídias

antes escritas e agora digitais), parece estar apenas no início, e tende a piorar com

a democratização da internet e dos próprios livros digitais, o que pode se apresentar

como potencial violador também do Acesso à Justiça, também numa vertente

quantitativa, já que uma onda de ações pode surgir nos próximos anos.

Basta fazer uma projeção422: se hoje 62% dos leitores de livros piratas

afirmam que as obras foram obtidas sem o recolhimento dos direitos autorais,

significa dizer que 5,8 milhões de usuários são criminosos; agora, se todos que

responderam positivamente a questão se utilizariam o livro digital no futuro, isto é,

aproximadamente 112,8 milhões de leitores, utilizarem do livro digital da mesma

forma que os atuais leitores, significará dizer que, ao menos, 69,9 milhões de

usuários futuros de e-books, serão criminosos.

Já se demonstrou que do ponto de vista técnico a repressão é

extremamente complicada, sobretudo nas redes p2p, e que, até agora o

agravamento da tutela penal e civil não repercutiu efeito, nem aqui, nem fora do

Brasil423, onde, supostamente, a lei é mais exigida da população.

421

IVC. Posição Participação e Evolução das Publicações [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 20 nov. 2012. 422

A projeção realizada no parágrafo referenciado toma por base os dados da pesquisa da seguinte chamada: INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012. 423

Tomando por base o exemplo Norte-Americano.

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Por outro lado, os tribunais pátrios, já sinalizaram que a simples reiteração,

aceitação, e por vezes, condescendência, até mesmo estatal, com a conduta

criminosa, que, nos casos analisados, tinha vertente social (princípio da adequação

social), não lhe retira a ilicitude, e não afasta a sanção penal.424

A conjuntura desta pesquisa, todavia, é outra: a violação do direito autoral,

por meio do download e a disponibilização de livros protegidos por tal direito, sem a

finalidade lucrativa, atende ao direito à educação, como direito da personalidade, e

reflexamente possibilita o Acesso à Justiça, numa de suas vertentes mais remotas,

pois evita diversas demandas em potencial, bem como numa de suas vertentes mais

modernas, que é o Acesso a uma ordem jurídica justa. Isso conduz à realização do

Ser, fundamentado e se coadunando com a nova visão do direito civil, à luz da

dignidade da pessoa humana, que faz crescer todos os demais direitos da

personalidade, com notável relativização da autonomia privada, que deve incidir,

inclusive, sobre o direito autoral e sua cessão.

É claro, como já restou evidente, que ainda assim, se está diante de um ato

ilícito, já que, o Brasil, baseado no sistema da civil law (sistema de direito romano-

germânico), prevê, como exaustivamente se demonstrou, a ilicitude penal e civil

dessas condutas, e até que se encontra um fundamento, que é a suposta proteção

do autor, de seu direito da personalidade.

Ocorre que esse fundamento é parcialmente válido, porque, a proteção,

como traçada hoje, além de privilegiar o aspecto econômico do direito autoral em

relação ao editor, não permite que o autor exerça livremente a sua vontade, vale

dizer, depois de cedidos os direitos de publicação de sua obra (e repita-se, muitas

vezes gratuitamente). Nessa comum e normal hipótese, o autor não pode

disponibilizar, por vias alternativas, e sem fins lucrativos, a mesma obra, se o fizer é

ele quem (também) estará cometendo o ilícito.

O autor fica sem saída. Se não cede o direito de publicação seus escritos

não serão conhecidos, se reserva uma divulgação alternativa, não tem seu texto

aceito para publicação, no campo editorial, se cede o direito de publicação da obra

não pode mais divulgá-la, se o editor cobra demasiadamente pela obra, e isso é

424

Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 583. “Pirataria” e Princípio da Adequação Social. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo583.htm>. Acesso em: 18 dez. 2012 e BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 214.978/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 06/09/2012, DJe 26/09/2012. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=conduta+socialmente+adequada+184&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC2>. Acesso em: 18 dez. 2012.

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comum no Brasil, suas ideias podem não ter a repercussão que em potencial

poderiam ter, etc. E, do ponto de vista do usuário, se não quiser cometer o ato ilícito,

deverá pagar pela obra, ou se sujeitar ao risco da persecução penal, caso opte por

não comprar a obra, ou caso não tenha recursos para comprá-la, e efetue a cópia

virtual.

E, por outro lado, aqueles que não podem pagar por uma obra – ou

dependendo da pesquisa, por várias obras, sem prejudicar outras áreas de sua vida

– pratica o ilícito e corre o risco de sofrer não apenas a persecução civil, mas

também a penal.

Aliás, sobre o preço do livro no Brasil, há um exemplo emblemático “Na

França, um dos volumes com as aventuras de Asterix (vendidos em livrarias, não em

bancas) sai pelo equivalente a R$ 8,95. Aqui, custa R$ 17,00”425, ou seja, quase o

dobro do valor.426

Quanto a distribuição do preço do livro, Marco Chiaretti, aponta os seguintes

percentuais:

Papel Menos de 5% Às vezes é transformado no vilão da história. O custo subiu — depois do Real, o preço da tonelada de papel branco passou de cerca de 600 para 1 100 reais —, mas não significa nem 5% do preço de um livro. Editor Cerca de 25% O editor fica com algo em torno de 25% do preço de capa. Esse valor paga os custos de funcionamento da editora, a tradução, revisão, paginação e o lucro. Autor De 7% a 12% Recebe em média 10% do preço de capa de um livro, mas essa porcentagem varia. O valor inclui todos os custos de seu trabalho. Na maioria dos casos, o autor não recebe adiantamentos.

425

CHIARETTI, Marco. Porque o livro é caro no Brasil: Como é distribuído, em porcentagem, cada parcela do preço de capa de cada livro no Brasil. In: Superinteressante, n. 90, março 1995. São Paulo: Abril. Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/livro-caro-brasil-441088.shtml>. Acesso em: 21 dez. 2012. 426

Para valores atuais, para o dia 17.3.2013, uma pesquisa no saite da livraria Saraiva (<http://www.livrariasaraiva.com.br/>. Uma das maiores do Brasil) retornou o valor de R$ 36,00 para um dos exemplares das Aventuras de Asterix, a mesma pesquisa no saite da FNAC (<http://www.fnac.com/> - Uma das maiores da França) retornou o valor de 7,65€, que, no câmbio de 15.3.2013 equivale a R$ 19,88, ou seja, o livro aqui é aproximadamente 80% mais caro, mantendo o semelhante percentual da pesquisa referenciada, que é de 1995.

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Gráfica Cerca de 8% O custo de impressão de um livro comum, sem ilustrações impressas em papel especial, é da ordem de 8% do preço de capa, sem incluir o preço do papel. Distribuidor Cerca de 15% A maior parte do preço de capa do livro fica na distribuição e venda. O distribuidor atacadista fica com 15%. Livraria 40% A livraria fica com 40% do preço de capa do livro, em média.427

Outra pesquisa mais recente (dezembro de 2010), desenvolvida por Cláudia

Neves Nardon, Consultora Legislativa da Área XV - Educação, Cultura, Desporto,

Ciência e Tecnologia, da Câmara dos Deputados, apontou que em 2005 o preço

médio do livro brasileiro era de R$ 26,00, o triplo do preço de um livro no Japão e na

França, in verbis:

O trabalho dos dois pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro revelou ainda que, no País, o preço do livro era muito alto para as condições econômicas da nossa população, ou seja, “não cabia no bolso do brasileiro”. O livro publicado no Brasil – cujo preço médio de mercado, à época, era de aproximadamente R$ 26,00 – custava três vezes mais que um livro publicado na França ou no Japão. O mesmo estudo também demostrou que o mercado editorial vivia um processo de desnacionalização em duas áreas estratégicas: livros didáticos e gráficas. Os pesquisadores concluíram que esses setores caminhavam para uma concentração de empresas que não contribuía para o desenvolvimento da produção de livros no país. Outro problema identificado foi o fato de que as editoras nacionais eram subcapitalizadas e a maioria trabalhava de forma amadora, o que tornava a competição com os grandes conglomerados extremamente desigual.428

427

CHIARETTI, Marco. Porque o livro é caro no Brasil: Como é distribuído, em porcentagem, cada parcela do preço de capa de cada livro no Brasil. In: Superinteressante, n. 90, março 1995. São Paulo: Abril. Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/livro-caro-brasil-441088.shtml>. Acesso em: 21 dez. 2012. 428

NARDON, Cláudia Neves. O preço do livro no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6824/preco_livro_nardon.pdf?sequence=1>. Acesso em: 21 dez. 2012. p. 11.

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Note-se que uma das várias causas do alto preço do livro no Brasil é a falta

do hábito de leitura429, além disso, no caso dos livros comercializados diretamente

pela internet, os chamados e-books, o preço das obras é praticamente o mesmo do

livro físico, as vezes é até mais caro.

Por exemplo, em consulta ao saite, a Livraria Saraiva, na data de 21 de

dezembro de 2012, a obra Direito Constitucional - Col. Esquematizado - 16ª Ed.

2012, do autor Pedro Lenza, editado pela editora Saraiva, custava R$ 103,20 à

vista430, a mesma obra, mas no formato digital (e-book do tipo ePub), saia por R$

115,00 à vista431, resultando numa diferença de R$ 11,80, ou quase 12% a mais;

uma outra obra, não didática, como o livro Steve Jobs - A Biografia da Editora Cia.

das Letras, de autoria de Walter Isaacson, no mesmo saite, em pesquisa na mesma

data, no formato tradicional saia por R$ 32,80432, no formato digital (e-book do tipo

ePub) custava R$ 32,50, uma diferença de R$ 0,30433, ou seja, o livro digital é

aproximadamente 1% menos caro que o livro físico.

As editoras, contudo, afirmam que os livros digitais custam, em média, 30%

menos que os livros impressos, o que, entretanto, não parece corresponder a

realidade. Nesse sentido é a reportagem do Jornal O Globo:

Depois do alvoroço, a decepção. Na semana passada, o mercado nacional de e-books ficou em evidência com a entrada de dois grandes players internacionais, Google e Amazon – a Apple, outra gigante no setor, já vende livros digitais no país desde outubro. Mas o consumidor, que esperava promoções arrebatadoras com o acirramento da concorrência, ficou decepcionado. Os preços cobrados pelas novas lojas virtuais são quase os mesmos que já eram praticados por outras livrarias na rede, como Cultura e Saraiva. O best-seller 50 tons de cinza, por exemplo, custa os mesmos R$ 22,41 na Amazon, Google Play e nas livrarias Cultura e Saraiva. Só na loja da Apple o preço é diferente: só que mais caro. Em média, segundo as editoras, os livros digitais são 30% mais baratos que as versões impressas. Para o professor da UFRJ e coordenador do laboratório da Economia do Livro, Fabio Sá Earp, o modelo é cartel. Segundo ele, os e-books poderiam custar entre um terço e metade do preço dos livros de papel. “O livro digital não paga impressão, papel, armazenamento,

429

Cf. NARDON, Cláudia Neves, loc. cit. 430

LIVRARIA SARAIVA. Disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3979405/direito-constitucional-col-esquematizado-16-ed-2012/>. Acesso em: 21 dez. 2012. 431

Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4053610/direito-constitucional-esquematizado-16-edicao/>. Acesso em: 21 dez. 2012. 432

Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3672260/steve-jobs-a-biografia/>. Acesso em: 21 dez. 2012. 433

Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3681891>. Acesso em: 21 dez. 2012.

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não se desgasta. Esse acordo de preços é um exemplo clássico de cartel. Os preços deveriam ser determinados pela livre concorrência.” A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, rebate as críticas. Segundo ela, o tratamento isonômico dado aos revendedores é um ganho do mercado editorial brasileiro, pois impede que as lojas virtuais fixem os preços, diminuindo o lucro das editoras. “Essa foi a grande briga das editoras brasileiras. Lá fora, a política de preços da Amazon acabou com o mercado editorial”, afirma Karine.434

O preço, contudo, não deslumbra os lucros dos autores, recente artigo

jornalístico publicado no jornal O Estado de São Paulo, pela colunista Lúcia

Guimarães narra o problema enfrentado pelos músicos, e também pelas gravadoras

– em parte – que tem seus conteúdos legalmente executados a partir de saites de

streaming435. O saite iRadio da Apple, que ainda será lançado, pagará às

gravadoras 6 centavos de dólar por cada 100 execuções, enquanto o Pandora e o

Spotify, serviços já existentes e populares, pagam 12 centavos e 35 centavos de

dólar, respectivamente. A tendência, segundo a colunista, é que tal descapitalização

das gravadoras – e, quem dirá dos autores –, passe ao mercado editorial.436 Se isso

acontecer, a tese logo mais defendida, só será reforçada, porque se criará, em

verdade, uma cadeia de dependência e sujeição, hoje dos autores às editoras, e

amanhã, desses dois últimos às empresas de mídia digital, enquanto, sob bandeiras

da legalidade, os direitos da personalidade, em especial dos autores e dos leitores,

ficam restritos as declarações.

Não parece, pois, existir mais espaço para justificar a tutela penal e civil do

direito autoral, quando a violação (aqui compreendida apenas o download não

autorizado de livros) não é para fins comerciais.

Acrescente-se ainda, o alerta dado por Andreas Wiese, em artigo intitulado

Information als Naturekraft publicado na prestigiada revista alemã GRUR em abril de

434

MATSUURA, Sérgio. Preço de e-books decepciona consumidores brasileiros. O Globo, São Paulo, ed. 724, 11 dez. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/preco-de-books-decepciona-consumidores-brasileiros-6990902#ixzz2Fi17Zyqc>. Acesso em: 21 dez. 2012. 435

Streaming, para o idioma português, é fluxo de mídia. Trata-se de uma forma de distribuir informação multimídia, por meio de pacotes de dados. Esta tecnologia é utilizada para distribuir conteúdo multimídia através da Internet. As informações recebidos pelo usuário não são, em regra, gravadas definitivamente no computador, há um fluxo contínuo de dados que permite que a mídia seja reproduzida à medida que chega ao computador. (STREAMING MEDIA. In: WIKIPEDIA. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Streaming_media>. Acesso em: 17 mar. 2013). 436

GUIMARÃES, Lúcia. Um bolo sem fatias. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. D8, 11 mar. 2013.

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1994, acerca do perigoso movimento de crescente monopolização e privatização da

informação e do saber.437

Nesse sentido, atentamente José de Oliveira Ascenção escreve:

Os interesses instalados forçam constantemente as fronteiras da liberdade, criando novas zonas de exclusivo. Por exemplo, nas bases de dados, a criação do direito sui generis traz uma ameaça latente de um domínio sobre o próprio dado informativo – quando o princípio até hoje incontestado era o da liberdade de informação.438

Por oportuno, vale registrar a recentíssima decisão do CADE – Conselho

Administrativo de Defesa Econômica, que em julgamento em 20 de março de 2013,

condenou o ECAD – Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, mais seis

associações representativas de direitos autorais que dele fazem parte, ao

pagamento de multa de R$ 38,2 milhões, por formação de cartel, consubstanciada

na fixação de preços para atividades do mercado musical, bem como fechamento de

mercado439. A disputa foi iniciada em abril de 2010, pela ABTA – Associação

Brasileira de Televisão por Assinatura, cujos argumentos, acolhidos pelo CADE,

acusavam o ECAD e suas associadas de abuso do poder legal, porque, fixavam, em

acordo entre concorrentes, valores abusivos, cobrados das empresas do mercado

televisivo. Aliás, sobre o ECAD e as associações que o compõem, inclusive, recaem

acusações de “[...] fraudes, falta de transparência, cobranças excessivas e falta de

repasse aos artistas.”440

É flagrante que há tempos o objeto jurídico da tutela, que era o direito

autoral, deixou de sê-lo, para proteção voltar-se a um aspecto quase que

unicamente econômico, voltando-se à origem do copyright, vale dizer, em prol da

proteção hipertrofiada da indústria editorial, se está restringindo ambos os direitos da

personalidade, tanto do autor, como, como do leitor, em ainda, o direito à educação.

437

WISE, Andreas. Information als Naturkraft. In: GRUR, n. 4, abr. 1994, 233-246, p. 245 apud ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p. 86. 438

ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p. 86. 439

O processo administrativo foi autuado sob nº 08012.003745/2010-83 e, pode ser consultado no saite do CADE: <http://www.cade.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2013. 440

AGOSTINI, Renata. CADE condena ECAD e associações de músicos por cartel e aplica multas de R$ 38,2 milhões. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 mar. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1249486-cade-condena-ecad-e-associacoes-de-musicos-por-cartel-e-aplica-multas-de-r-382-milhoes.shtml>. Acesso em: 20 mar. 2013.

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Em outro estudo, José de Oliveira Ascenção com maestria afirma que “[...]

definitivamente: não parece ter sido a criação dos direitos autorais que resolveu a

problemática da subsistência econômica e consequente autonomia dos autores”441,

citando, como contexto, na sequência, que recentemente os Estados Unidos

prolongaram por 20 anos os prazos dos direitos autorais, ampliando a proteção para

95 anos, sendo que, coincidentemente, os bonecos da Disney, cuja criação data do

início do século XX, estavam para cair no domínio público. Pela nova legislação,

pelo jeito, não caíram.

Ana Manuella Reis Rampazzo, com razão, defende:

[...] a disponibilização de obras no meio digital, cujo alcance é indiscutivelmente maior que no meio físico, deve ser vista e regulamentada não como óbice ao acesso ao conhecimento, nem tampouco como desrespeito aos direito autorais, mas sim, como tentativa de obtenção de informação, seja ela atual ou antiga.442

Para um país que se propôs a erigir a pessoa humana ao centro do sistema

jurídico, e garantir isso por meio do Acesso à Justiça, manter ilícita a conduta em

questão, em prol do interesse privado, mormente diante da ausência de liberdade no

exercício da autonomia privada não mais subsiste.

Não se pode negar, porém, que existe, dentro dessa parcela patrimonial

envolvendo a vertente patrimonial do direito autoral cedido uma parcela, ainda que

pequena, de direito autoral, que, por agora, deve ser respeitada. A seguir será

exposta a proposta deste estudo.

6.2.2.2 A proposta deste estudo

O primeiro passo, pois, parece ser retirar do âmbito da tutela penal a

violação do direito autoral consistente na realização de qualquer um dos núcleos do

tipo no que se refere a livros e demais escritos, mantendo-se a tutela penal apenas

para as violações que envolvam o intuito de lucro.

441

ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p. 21. 442

RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito autoral. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 94.

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Para isso, basta acrescentar ao núcleo do tipo, no caput, o elemento

subjetivo especial: com o fim de lucro.

Com isso, se retoma a necessária ultima ratio do direito penal, e deixa de se

penalizar condutas que, em verdade, promovem a pessoa e os direitos da

personalidade, sendo essas exigências da nova dinâmica e transformações, à luz da

dignidade da pessoa humana.

O segundo passo, talvez mais importante que o primeiro, é reconhecer a

vulnerabilidade e a hipossuficiência do autor na relação com o editor, e possibilitar à

ele um controle parcial de sua produção intelectual depois de cedidos os direitos

autorais. Controle este que necessariamente deve servir também aos leitores, de

modo a se adequar ao que foi defendido até aqui.

Novamente, apenas para recordar que: “[...] os direitos exclusivos são, na

sua justificação e apresentação legal, direitos dos autores; na sua realidade prática,

direitos das empresas”443, e isso, partindo da análise da situação em Portugal e da

regulamentação Norte-Americana, e, entende-se, também brasileira.

Nesse sentido, abandonando a visão idealizada e disfarçada da lei, deve ser

possibilitado ao autor algum controle depois de cedida a obra à editora, o qual

poderá, caso queira, disponibilizar o conteúdo da obra, na internet, desde que sem

nenhuma finalidade lucrativa e não utilizada a formatação da editora, tudo isso sem

nenhuma sanção, a esse fenômeno, dá-se o nome de reversão parcial de direitos

autorais (cedidos).

No entanto, para não tolher o direito do editor, já que há importância do

aspecto patrimonial, as publicações devem ser divididas em duas classes de acordo

com a importância da novidade: 1. as quais a novidade é requisito essencial para

venda; e, 2. as quais a novidade não é muito relevante.

Para a primeira classe, nas quais se enquadram os artigos publicados em

periódicos, os livros didáticos que se destinam a concursos, etc. a reversão parcial

do direito autoral cedido pelo autor, só ocorreria após decurso de determinado lapso

temporal; para a segunda classe, nas quais se enquadram as demais publicações,

cuja novidade tem menos relevância, a reversão parcial, ocorreria no próprio

momento da cessão, podendo ser exercida tão logo a edição seja lançada pelo

443

ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p. 87.

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editor, observando-se o prazo previsto para publicação. Não ocorrendo a publicação

no prazo determinado seria lícito ao autor exercer seu direito.

Ainda, observando o direito dos editores, em qualquer hipótese, o autor não

poderá: a) utilizar, salvo disposição contratual em contrário, a diagramação e as

revisões do texto, e demais melhoramentos, realizadas pela editora; b) disponibilizar

a obra em página que não lhe seja própria; c) promover, por qualquer meio

publicitário, a obra por ele disponibilizada, exceto mediante link no verso da

contracapa; d) restringir, por qualquer meio, ainda que meramente cadastral, o

download da obra; e) receber quaisquer quantias ou valores, ainda que doações, em

razão da obra por ele disponibilizada. E deverá, indicar, com destaque, que aquela

obra também está disponível em meio físico pela editora que com ele contratou. A

obra disponibilizada em meio digital deverá sê-lo pela licença CC by-nc-nd444, de

modo a, previamente, abonar parte desses requisitos.

Para que essa sistemática seja garantida, reafirmando-se a vulnerabilidade

do autor em face do editor, e protegendo-o de qualquer represália, é necessário que,

à semelhança da disposição do art. 51 do CDC, que a lei declare nulas, de pleno

direito, as cláusulas contratuais relativas aos contratos de cessão de direitos

autorais, e similares ou com mesmo fim, que limitam o direito do autor, de publicar,

em saite próprio, nas condições acima delineadas, as obras que foram cedidas ao

editor.

Um esclarecimento necessário: apesar de durante o trabalho se criticar o

movimento da legislação símbolo, parece necessário, para garantir todos os direitos

que estão em análise nessa alteração legislativa, cujo anteprojeto está anexo a este

estudo, isso porque, tal alteração legal, deve ser o estopim para o desencadeamento

de políticas públicas voltadas à promoção da educação, e consequentemente do

direito autoral.

É inseparável a relação entre direito à educação e direito autoral, não

apenas porque emanam de um mesmo grupo de direitos, mas porque na relação de

interdependência existente, o crescimento de um leva a garantia de outro.

Como já mencionado acima, uma das causas do alto custo do livro no Brasil

é o pouco número de leitores, por outro lado, num ciclo vicioso, o alto custo do livro

444

Trata-se de uma licença Creative Commons, melhor explicada no item 5.2.3.3, abaixo.

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é também um desestímulo à leitura, e, se esse ciclo não for rompido, dificilmente

haverá progresso.

A autonomia privada tem sido relativizada em tantos institutos do direito civil,

em relações dos consumidores com os prestadores de serviços, nas relações entre

particulares, quando não atendem a função social do contrato, e em inúmeras outras

situações. Não relativizá-la, também, e principalmente, no direito autoral, do qual

vários outros direitos, por via transversa, são alimentados, como o direito à

educação, e tantos outros direitos da personalidade, vai de encontro a toda estrutura

do sistema.

A proposta aqui, original, pode, em primeira leitura, parecer extremista e

colocar toda a culpa do problema nas editoras. Mas esse não é o objetivo, e, como

se demonstrou não existe um culpado a ser apontado, senão a própria estrutura

formada pouco após o nascimento do direito autoral, mais precisamente, do

copyright.

Se a criatividade humana foi capaz de materializar o conhecimento por meio

dos livros, e por séculos conduzir a humanidade a evolução, isso, ao menos até a

internet, foi possível também porque as editoras possibilitaram a distribuição do

conhecimento.

No momento atual, no qual a sociedade está em constante aceleração, a

própria democratização, redistribuição e disseminação do conhecimento, reclama

transformação não apenas no meio no qual as ideias são veiculadas – e isso já

aconteceu na prática, basta se observar os dados estatísticos – é imprescindível ao

Estado e à própria sociedade privada, realocar seus papéis, numa constante

transformação, e é isso que tem ocorrido, e a isso, acredita-se, que a proposta vem

acrescentar.

Apesar de Jonathan Zittrain, não formular tal proposta, a sua obra The

Future of the Internet – And How to Stop It, impressa, publicada pelas editoras Yale

University Press e New Haven & London, está licenciada pelo tradicional sistema

Copyright, sendo que no verso da folha de rosto, a própria editora e o autor

informam que no saite dele, o mesmo texto está disponível (inclusive com a mesma

formação do livro físico445) com licença Creative Commons by-nc-sa446, o que é mais

o proposto.

445

Cf. jz.org. Disponível em: <http://futureoftheinternet.org/static/ZittrainTheFutureoftheInternet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2012.

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O exemplo norte-americano a partir do caso Sony Betamax é muito

esclarecedor, a possibilidade dos usuários gravarem os programas e filmes,

aumentou a lucratividade das empresas de mídia, porque novas formas de

exploração comercial surgiram.

A situação, mutatis mutandis, é a mesma, essa nova possibilidade de

reversão dos direitos autorais, acrescida da retirada da tutela penal na forma acima

especificada, em médio prazo tem potencial de promover o direito à educação e o

direito autoral, e criar novos mercados a serem explorados, além de, com a

promoção da educação, ser possível elevar o nível conscientização e reduzir a

própria criminalidade, não apenas em relação ao direito autoral, mas quanto a vários

outros crimes.

Sobre a relação entre as causas sociais, o progresso econômico e a

educação, Alberto Marques dos Santos escreve:

[...] as causas sociais estão entre as mais relevantes na geração de crimes. Justiça social é o remédio mais eficiente para vencer a maior parte da criminalidade violenta e contra o patrimônio. A redução das desigualdades sociais e econômicas bastaria para reduzir sensivelmente os índices de furtos, de uso e tráfico de drogas, de roubos e homicídios. A propósito deste item, e do que vem a seguir, é desagradável constatar que a redução da criminalidade pressupõe avanços na solução de outros problemas maiores, crônicos, estruturais, cinco vezes centenários, e ainda mais difíceis de resolver, acerca dos quais esperança de vitória escasseiam. Mas negar essa constatação seria incorrer na mesma hipocrisia que desorienta os malsucedidos esforços do Estado no combate ao crime. [...] Progresso econômico: uma redução sensível na taxa de desemprego e um incremento significativo na renda das classes mais baixas seriam suficientes para minimizar duas das causas mais importantes do crime. [...] Investir em educação. O crime causa um prejuízo equivalente a 10% do PIB nacional, e todos os gastos do Brasil em educação não chegam a 5,3% do PIB. Essa equação precisa ser invertida. 447

Em suma, a proposta aqui feita não é milagrosa, antes de tudo, visa

desencadear uma série de políticas públicas, que atendam a promoção humana.

Reverter parcialmente o direito autoral cedido, e afastar a tutela penal na forma

preconizada, é um instrumento idôneo para concreção desses direitos da

personalidade.

446

ZITTRAIN, Jonathan. The Future of the Internet – And How to Stop It. Yale University Press e New Haven & London, 2008. 447

SANTOS, Alberto Marques dos. Criminalidade: causas e soluções. Curitiba: Juruá, 2006. p. 105.

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164

Para as obras já editadas é preciso estabelecer uma regra de transição que

seja capaz de não gerar grande insegurança jurídica, e, ao mesmo tempo, evitar

burla à lei. Para tanto, em alusão ao prazo prescrição para reclamar direitos

patrimoniais de autor, propõe-se para tais obras, o prazo de três anos448 a partir da

publicação da modificação legal estabelecendo a reversão parcial para os contratos

celebrados até a entrada em vigor da lei, e, de metade de tal prazo para os contratos

prorrogados até a vigência da lei, para se poder exercer o direito de reversão parcial

dos direitos autorais (cedidos). Além disso, previu-se, também, período de vacatio

legis.

Quanto as demais formas de violação, sobretudo as relacionadas ao lucro,

as disposições existentes permanecem plenamente válidas. O criminoso que

disponibiliza a obra protegida pelo direito autoral com fim lucrativo, em geral o faz

por meio de saites que redirecionam para grandes servidores, e é sobre esses

servidores que a tutela deve recair, e pode sê-lo, com efetividade, por meio, por

exemplo, de uma ação de obrigação de não fazer, contudo, se propõe alterar,

também, a modalidade da ação penal, para pública condicionada para todas as

condutas do art. 184 do CP, adequando-se, assim, à realidade patrimonial do objeto

da tutela.

Caso o servidor esteja localizado no Brasil, há uma facilitação da tutela, pois

é mais fácil, sob pena de astreintes, que o réu deixe de disponibilizar o conteúdo. No

caso dos servidores fora do país, existe uma dificuldade um pouco maior, porque

não é fácil localizar o réu, e muito menos compeli-lo a deixar de fazer a conduta

ilícita, dependendo, muito, da complexa cooperação internacional, e do avanço da

técnica.

Duas observações se impõem:

1ª. Por razões de delimitação teórica a proposta aqui formulada,

necessariamente, se restringe à ordem jurídica nacional, não se aplicando, sem

alterações, a outros sistemas jurídicos. Vale dizer, para aplicar o que foi aqui

proposto à outros ordenamentos é necessário que se faça um processo adaptativo,

mormente no que se refere à lege ferenda;

448

Aplica-se o prazo prescricional geral de três anos, previsto no art. 206, §3º, V do CC, conforme assentado pelo STJ no julgamento do REsp 1168336 (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Decisão: Prescrição em ação por plágio conta da data em que se deu a violação, não do conhecimento da infração. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=101617>. Acesso em: 17 mar. 2013.

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2ª. Para possibilitar, efetivamente, a viabilidade da proposta e sua

compatibilização com o sistema jurídico do país, como já dito essencialmente

positivista, foi necessário manter, com o autor, a faculdade sobre sua obra, ou seja,

a reversão parcial só é possível caso assim queira o autor. Não obstante, isso

reduza, com vigor, a possibilidade de disseminação da educação.

Além dessa proposta aqui formulada em caráter inédito, existem outros

sistemas de alternativos, cada qual com suas características, que visam abrandar

essa tensão existente entre o direito autoral, o direito à educação, com abordagem

um pouco distinta da realizada neste item, mas muito interessante, e infelizmente

pouco difundida no Brasil.

6.2.3 Sistemas alternativos de tutela

Já surgiram alguns sistemas alternativos para proteção e tutela desses

direitos, como as doutrinas do fair use e do copyleft, e o sistema creative commons.

6.2.3.1 Fair use

O fair use, cuja tradução livre é uso justo, tem origem na jurisprudência dos

Estados Unidos449 e busca uma conciliação entre os direitos de autor e a

coletividade. Para esse sistema existem basicamente dois tipos de uso: o uso justo e

o injusto (violador de direito autoral). Basicamente o fair use permite o acesso a

obras sem a necessidade de adquiri-las, em geral se para fins de ensino e pesquisa.

Relaciona-se com o princípio de livre uso das criações intelectuais, cuja

origem é a necessidade da livre circulação das ideias, anunciando um elemento

comum a todos os seres humanos, participantes de um mesmo destino cósmico,

sendo “[...] resultado da inteligência e encontra-se arraigado no inconsciente coletivo

da humanidade”.450

449

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 305. 450

FRAGOSO, João Henrique da Rocha, loc. cit.

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166

De certa forma, essa necessidade de circulação de ideias, em aspecto mais

restritivo, é um dos fundamentos da prior restraint doctrine de William Blackstone451,

amplamente aplicada em questões envolvendo a liberdade de imprensa, tendo como

um de seus substratos a teoria do marketplace of ideas, de John Stuart Mill.452

De acordo com J. S. Mill, o mercado de ideias é o local onde se põe a prova

a ideia, pois permite que ela chegue ao menos uma vez ao público, e lá seja

debatida, e com isso se alcance a verdade, no sentido de possibilitar ao público de

se autogovernar.453

Embora a teoria de circulação de ideias que alimenta o fair use não seja a

desenvolvida por J. S. Mill, parecem existir pontos de toque entre tais teorias, que

prelecionam a ideia como elemento comunitário, até mesmo, porque, há relação

com o liberalismo econômico.

De acordo com Manuella Santos, por meio do fair use:

[...] o direito norte-americano harmoniza as tensões entre princípios constitucionais da proteção autoral e de acesso à criação intelectual, bem como a liberdade de expressão, autorizando o uso de obras intelectuais para paródias, obtenção de cópias privadas, citações para o fim críticas ou estudos. Assim, mostra-se um importante instrumento na preservação de acesso à informação naquela sociedade, bem como equilibra os interesses individuais do autor e da coletividade.454

Outra definição dada por João Henrique da Rocha Fragoso455, pondera que

em razão do fair use os bens intelectuais, antes de serem um privilégio absoluto de

seus criadores, devem ser garantidos certos direitos de uso por todos, em

circunstâncias controladas, para permitir a livre circulação, atendendo ao bem

comum, de interesse público.

A Universidade de Stanford mantém saite específico sobre o fair use456. Lá

se define fair use como:

451

BLACKSTONE, William. Commentaries on the Laws of England: Books 1-4 (1765-1769). Michigan, USA, disponível em: <http://www.lonang.com/exlibris/blackstone/bla-411.htm>. Acesso em: 26 dez 2012. 452

MILL, John Stuart. On liberty. Disponível em: <http://www.bartleby.com/130/2.html>. Acesso em: 2 ago 2012. 453

Ibid. 454

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 135. 455

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 305. 456

STANFORD UNIVERSITY LIBRARIES. Copyright & Fair use. Disponível em: <fairuse.stanford.edu>. Acesso em: 26 dez. 2012.

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Fair use is a copyright principle based on the belief that the public is entitled to freely use portions of copyrighted materials for purposes of commentary and criticism. For example, if you wish to criticize a novelist, you should have the freedom to quote a portion of the novelist’s work without asking permission. Absent this freedom, copyright owners could stifle any negative comments about their work. Unfortunately, if the copyright owner disagrees with your fair use interpretation, the dispute may have to be resolved by a lawsuit or arbitration. If it’s not a fair use, then you are infringing upon the rights of the copyright owner and may be liable for damages. The only guidance for fair use is provided by a set of factors outlined in copyright law. These factors are weighed in each case to determine whether a use qualifies as a fair use. For example, one important factor is whether your use will deprive the copyright owner of income. Unfortunately, weighing the fair use factors is often quite subjective. For this reason, the fair use road map can be tricky to navigate. [...]457 458

Até por essa definição que alguns autores não consideram o fair use como

um sistema alternativo de proteção, mas, tão somente, como mais um princípio que

se constitui uma exceção à regra geral de proteção.

Nos Estados Unidos o §107 do Copyright Act apresenta os critérios legais

para averiguação da prática do uso justo ou da violação ao direito autoral, tal qual

mencionado no excerto acima, in verbis:

Notwithstanding the provisions of sections 106 and 106A, the fair use of a copyrighted work, including such use by reproduction in copies or phonorecords or by any other means specified by that section, for purposes such as criticism, comment, news reporting, teaching (including multiple copies for classroom use), scholarship, or research, is not an infringement of copyright. In determining whether

457

STANFORD UNIVERSITY LIBRARIES. Copyright & Fair use overview. Disponível em: <http://fairuse.stanford.edu/Copyright_and_Fair_Use_Overview/chapter9/index.html>. Acesso em: 21 dez. 2012. 458

Em tradução livre: O uso justo é um princípio de direito autoral com base na crença de que o público tem o direito de usar livremente partes de materiais protegidos para fins de comentários e críticas. Por exemplo, se você quiser criticar um romancista, você deve ter a liberdade de citar uma parte do trabalho do romancista, sem pedir permissão. Ausente esta liberdade, os proprietários de direitos autorais podem sufocar qualquer comentário negativo sobre o seu trabalho. Infelizmente, se o proprietário dos direitos autorais não concorda com a sua interpretação do uso justo, a disputa pode ter que ser resolvida por uma ação judicial ou arbitral. Se não é um uso justo, então você está infringindo os direitos do proprietário dos direitos autorais e pode ser responsabilizados por danos. A única orientação para o uso justo é fornecida por um conjunto de fatores descritos na lei de direitos autorais. Estes fatores são ponderados em cada caso, para determinar se um uso se qualifica como uma utilização justa. Por exemplo, um fator importante é se o seu uso irá privar o proprietário dos direitos autorais de renda. Infelizmente, a verificação os fatores de uso justo muitas vezes é bastante subjetiva. Por este motivo, o roteiro uso justo pode ser complicado se compreender.

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the use made of a work in any particular case is a fair use the factors to be considered shall include (1) the purpose and character of the use, including whether such use is of a commercial nature or is for nonprofit educational purposes; (2) the nature of the copyrighted work; (3) the amount and substantiality of the portion used in relation to the copyrighted work as a whole; and (4) the effect of the use upon the potential market for or value of the copyrighted work. The fact that a work is unpublished shall not itself bar a finding of fair use if such finding is made upon consideration of all the above factors.459 460

O fair use, ao menos tal como preconizado pelos estadunidenses, não foi

adotado pelo Brasil, com a devida vênia, àqueles autores que pensam o contrário,

como João Henrique da Rocha Fragoso461, sustentando que o art. 46 da LDA se

veste com o mencionado princípio.

Isso porque, a diretiva do fair use pressupõe a regulação por meio de uma

cláusula aberta, não taxativa como a brasileira, que trace apenas as balizas para a

configuração (ou não) do uso justo, sempre relacionados a uma finalidade não

comercial, voltada à educação não lucrativa, considerando a natureza do trabalho, a

quantidade do conteúdo protegido copiado e o efeito comercial da conduta. Como

analisado em item próprio, o art. 46 da LDA é verdadeira limitação ao direito autoral,

muito mais restritiva que a americana, não se enquadrando no que se denomina de

fair use.

Na jurisprudência do STJ, só se encontra um acórdão com a expressão fair

use462, o qual, contudo, não o utiliza em sua definição original, pois reconhece a

459

USA. Copyright Law of the United States of America. Disponível em: <http://www.copyright.gov/title17/92chap1.html#107>. Acesso em: 10 out. 2012. 460

Em tradução livre: Não obstante as disposições das secções 106 e 106A, o uso justo de um trabalho com direitos autorais, incluindo a utilização por reprodução em cópias ou gravações, ou por qualquer outro meio especificado por essa seção, para fins tais como relatórios de crítica, notícia, comentário, ensino (incluindo múltiplas cópias para uso em sala de aula), estudo ou pesquisa, não é uma violação de direitos autorais. Para determinar se a utilização de uma obra em qualquer caso particular, é um uso justo dos fatores a serem considerados incluem-(1) o propósito e o caráter do uso, incluindo se tal uso é de natureza comercial ou para fins educativos não lucrativos; (2) a natureza do trabalho protegido por direitos autorais; (3) a quantidade e substancialidade da parte usada em relação à obra como um todo; e (4) o efeito do uso sobre o mercado potencial ou valor do trabalho protegido por direitos autorais. O fato de que um trabalho é inédito não se deve barrar uma constatação de uso justo, se tal constatação é feita mediante a consideração de todos os fatores acima. 461

Cf. FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 305-327. 462

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 983.357. Rel.: Min. Nancy Andrighi. j. 3.9.2009, DJe 17.9.2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200702178187&dt_publicacao=17/09/2009>. Acesso em: 21 dez. 2012.

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abusividade do exercício de um direito do autor em restringir a realização de cópias

de determinado conteúdo, a partir de uma licença pública prévia obtida do ECAD. No

caso o ECAD sustentou que, antes da radiodifusão, a parte contrária reproduz as

obras protegidas por direito autoral, gravando-as em seleção pré-determinada, para

posterior transmissão da música ambiente aos clientes que a recebem em aparelhos

receptores, gravação esta que seria ilícita, o que foi rechaçado pelo Tribunal, com

base no fair use.

Nesse sentido é excerto do acórdão:

É abusivo, sem dúvida, o exercício de um direito de autor como forma de vedar a realização de cópias privadas, feitas a partir de uma licença de uso regularmente adquirida e que não têm qualquer impacto sobre o mercado potencial das obras reproduzidas. Ao contrário, a conduta da recorrida está abrangida no uso razoável (“fair use”) que se pode esperar da licença de divulgação ao público que a recorrida obteve junto ao ECAD.463

Data venia, essa utilização analisada pelo STJ muito mais se liga a uma

consequência do próprio contrato de cessão do que com o uso justo, basta se

verificar que a hipótese não se subsume, em nada, as balizas definidoras do fair

use.

A adoção expressa do fair use pelo sistema brasileiro, poderia ser feita em

conjunto com a proposta da reversão parcial formulada no item anterior, pois além

de complementá-la, permitiria que a jurisprudência, com base na casuística,

definisse o fair use no Brasil, e evitasse que condutas justas, continuem na ilicitude,

promovendo, por via indireta, diversos outros direitos conexos.

Por fim, cabe mencionar, que o sistema do fair use pode ser adotado de

forma independente da teoria proposta por esse estudo, o que, todavia, tem

potencial mais restrito de concreção dos direitos da personalidade em xeque, por

não propor uma ruptura do sistema, deixando de deslocar a proteção ao autor e ao

leitor/ usuário.

463

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 983.357. Rel.: Min. Nancy Andrighi. j. 3.9.2009, DJe 17.9.2009. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200702178187&dt_publicacao=17/09/2009>. Acesso em: 21 dez. 2012.

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6.2.3.2 Copyleft

“Copyleft—all rights reversed.”464

O copyleft, também denominado de cultura livre, retoma a ideia de

plataformas livres, que permitem aos usuários de conteúdos copiá-los e modificá-los

de forma livre, tendo como pressupostos o compartilhamento e a solidariedade.

De acordo com Liliana Minardi Pesani465, o copyleft deriva do fair use e se

opõe ao copyright, preconizando a disseminação generosa de informações, de modo

gratuito e especialmente voltado à educação, com o escopo de entre quem tem e

não tem acesso à informação.

Seu surgimento retoma o ano de 1984, quando Richard Stallman fundou a

Free Software Fundation para divulgação do projeto General Public License, com o

objetivo de disseminação dos softwares abertos466, muito embora, há informação de

que o engenheiro de software Li-Chen Wang, foi quem, em 1976, ao publicar

programa sobre o microprocessador Intel 8080 no Dr. Dobbs Journal, incluiu a

expressão “@COPYLEFT ALL WRONGS RESERVED”467, que em tradução livre

significa: “@ COPYLEFT (copia inversa) todos os erros reservados”, sendo que o

termo copyleft foi copiado por Roger Rauskolb ao melhorar o programa criado por Li-

Chen Wang em 1976.468

De acordo com Ronaldo Lemos e Sérgio Vieira Branco Júnior, a significativa

contribuição de Richard Stallman foi a abertura do código-fonte. Nesse sentido:

O grande passo dado por Richard Stallman foi, na verdade, manter o código-fonte do software aberto. Dessa maneira, qualquer pessoa poderá ter acesso a ele para estudá-lo e modificá-lo, adaptando-o a suas necessidades. São as chamadas quatro liberdades fundamentais do software livre: (i) A liberdade de executar o programa, para qualquer propósito; (ii) A liberdade de estudar como o programa funciona, e adaptá-lo para as suas necessidades; (iii) A liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao seu próximo e (iv) A liberdade de aperfeiçoar o programa, e liberar os

464

THE GNU PROJECT. Disponível em: <http://www.gnu.org/gnu/thegnuproject.html>. Acesso em: 22 dez. 2012. 465

PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 56. 466

THE GNU PROJECT. Disponível em: <http://www.gnu.org/gnu/thegnuproject.html>. Acesso em: 22 dez. 2012. 467

COPYLEFT. In: WIKIPEDIA. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Copyleft#cite_note-6>. Acesso em: 13 out. 2012. 468

Ibid.

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seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie.469

Do saite do projeto GNU, se extrai a seguinte definição: “Copyleft is a

general method for making a program (or other work) free, and requiring all modified

and extended versions of the program to be free as well.”470 471

E, do mesmo saite, se extraem as seguintes justificativas:

The simplest way to make a program free software is to put it in the public domain, uncopyrighted. This allows people to share the program and their improvements, if they are so minded. But it also allows uncooperative people to convert the program into proprietary software. They can make changes, many or few, and distribute the result as a proprietary product. People who receive the program in that modified form do not have the freedom that the original author gave them; the middleman has stripped it away. In the GNU project, our aim is to give all users the freedom to redistribute and change GNU software. If middlemen could strip off the freedom, we might have many users, but those users would not have freedom. So instead of putting GNU software in the public domain, we “copyleft” it. Copyleft says that anyone who redistributes the software, with or without changes, must pass along the freedom to further copy and change it. Copyleft guarantees that every user has freedom.472 473

Vê-se, pois, que a ideia principal do copyleft é a outorga da permissão de

execução, cópia, modificação e distribuição, inclusive de versões modificadas,

469

LEMOS, Ronaldo; BRANCO JÚNIOR, Sérgio Vieira. Copyleft, Software Livre e Creative Commons: A Nova Feição dos Direitos Autorais e as Obras Colaborativas. p. 7. Disponível em: <http://hdl.handle.net/10438/2796>. Acesso em: 22 dez. 2012. 470

THE GNU PROJECT. What is copyleft? Disponível em: <http://www.gnu.org/copyleft/copyleft.en.html>. Acesso em: 22 dez. 2012. 471

Em tradução livre: Copyleft é um método geral para desenvolver um programa (ou outros trabalhos) livre(s), que exige que todas as versões modificadas e estendidas do programa sejam livres também. 472

THE GNU PROJECT. What is copyleft? Disponível em: <http://www.gnu.org/copyleft/copyleft.en.html>. Acesso em: 22 dez. 2012. 473

Em tradução livre: A maneira mais simples de fazer um programa de software livre é colocá-lo em domínio público, sem copyright. Isso permite que as pessoas compartilhem o programa e suas melhorias, se elas assim o desejarem. Mas também permite que pessoas que não cooperaram transformem o programa em software proprietário. Eles podem fazer mudanças, muitas ou poucas, e distribuir o resultado como um produto-proprietário. As pessoas que recebem o programa em forma modificada, que não tem a liberdade que o autor original deu-lhes, o intermediário as retirou. No projeto GNU, o nosso objetivo é dar a todos os usuários a liberdade de redistribuir e modificar o software GNU. Se intermediários pudessem retirar a liberdade, nós teríamos muitos usuários, mas esses usuários não teriam liberdade. Então, em vez de colocar o software GNU em domínio público, nós o colocamos no ‘copyleft’. O copyleft diz que qualquer um que distribui o software, com ou sem modificações, tem que passar adiante a liberdade de copiar e modificar novamente. Copyleft garante que cada usuário tenha liberdade.

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restringindo, contudo, a própria restrição.474 Nesse sentido, se pode afirmar que o

direito de obter um software livre é um direito de todos, inalienável.

No Brasil esse sistema tem ganhado espaço principalmente nos projetos de

software livre, adotados por grandes corporações e por parte de algumas estruturas

governamentais, de forma bastante positiva475, sem que isso implique em uma não

remuneração dos criadores, que é feita por vias alternativas, como a prestação de

suporte ao software, a possibilidade de publicidade, entre outras.

Como exemplo de softwares livres no Brasil, se pode citar: o BR-Linux, Linux

Educacional, Prefeitura Livre, Curupira, e-ISS, GP-Web, Sigati, Minuano, Cocar,

utilizáveis nos mais diversos segmentos da sociedade, como bancos, escolas,

supermercados, entre diversos outros.476

Apesar de existir divergência, o sistema copyleft477 parece não sobreviver

sozinho, reclamando uma diretiva para as licenças, isto é, uma espécie de

especificação, algo semelhante a relação gênero-espécie. Nesse sentido, se pode

dizer que diversas modalidades de licenças complementam o copyleft.

Todavia, não é correto dizer que o sistema Creative Commons complementa

no todo o copyleft, isso porque, como será visto no próximo item, o Creative

Commons funda-se na modulação de licenças, o que confronta com um dos

princípios do copyleft, que é a irrevogável autorização de modificar. E, nesse

sentido, o sistema alternativo, mais se aproxima de um princípio geral.

O copyleft não foi adotado pela LDA, tampouco pela Lei nº 9.609/1998,

conhecida como Lei do Software, todavia, sua adoção pelo Brasil é legal a partir da

utilização das licenças “GNU Lesser General Public License”478 e “Licença Creative

Commons GNU GPL [Brasil]”.479

Apesar de ser bastante relevante para o mercado de softwares, o copyleft

tem menor aplicação e utilidade prática na expressão do direito autoral enfocada

nesse estudo, já que, em geral, as violações não se ligam propriamente à

474

THE GNU PROJECT. What is copyleft? Disponível em: <http://www.gnu.org/copyleft/copyleft.en.html>. Acesso em: 22 dez. 2012. 475

Cf. BRASIL. Software Livre no Governo do Brasil. Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/>. Acesso em 26 ago. 2012. 476

BRASIL. Portal do Software Público Brasileiro. Disponível em: <http://www.softwarepublico.gov.br/ListaSoftwares>. Acesso em: 12 dez. 2012. 477

COPYLEFT. In: WIKIPEDIA. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Copyleft#cite_note-6>. Acesso em: 13 out. 2012. 478

BRASIL. Software Livre no Governo do Brasil. Disponível em: <http://www.softwarelivre.gov.br/Licencas/LicencaCcGplBr/>. Acesso em: 22 dez. 2012. 479

BRASIL, loc. cit.

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modificação do conteúdo, tampouco esse é o interesse dominante dos leitores, o

problema, mesmo, relaciona-se a cópia e distribuição não autorizadas.

6.2.3.3 Creative Commons

Por fim, para encerrar o item referente aos sistemas alternativos, será

tratado, a seguir, sobre o Creative Commons, todavia, por uma questão de

desambiguação, dados os diversos sentidos do termo Creative Commons,

necessário observar o alerta feito por Alessandra Tridente480:

a) No sentido de Organização Norte-Americana Creative Commons, o termo

designa a mencionada organização estadunidense, sem fins lucrativos, fundada por

Lawrence Lessig, voltada ao desenvolvimento de métodos e tecnologias que

facilitem o compartilhamento de obras (artísticas ou científicas) com o público;

b) No sentido de Projeto Creative Commons, a expressão nomina o projeto

desenvolvido pela organização mencionada no item a, acima, visa efetivar a missão

da própria organização, por meio do licenciamento, pelos próprios autores, dos

direitos que regerão suas criações;

c) No sentido de Licenças Creative Commons, serve para designar as

modalidades de licença possíveis de acordo com a regulamentação do projeto;

d) No sentido de bens licenciados como Creative Commons, indica que

aqueles bens estão sujeitos à regulamentação, por meio das licenças Creative

Commons que especificarem.

O projeto Creative Commons, tem origem na Universidade de Stanford nos

Estados Unidos, a partir de estudos de Lawrence Lessig, e é aplicável a todas as

áreas, permitindo o licenciamento modulado de áudios, imagens, textos, vídeos e

materiais voltados a educação, sendo que a organização Creative Commons foi

fundada em 2001, e a versão 1.0 do licenciamento foi liberada no ano seguinte.

Sua abrangência é bastante superior a dos outros dois sistemas anteriores,

e a do próprio sistema proposto por esse estudo, não obstante, as frentes de

“ataque”, como já alertado, sejam diferentes, e, de certa forma complementares.

O objetivo do projeto Creative Commons é disponibilizar opções flexíveis de

licenças que garantem proteção e a liberdade para os titulares de direitos,

480

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 119-123.

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quebrando a ideia do copyright que reserva todos os direitos, para modular essa

reserva, para apenas alguns direitos.

João Henrique da Rocha Fragoso, afirma que esse sistema é um fenômeno

que estabelece uma divisão que, de alguma forma é “[...] um apoio para o futuro,

algo que pode vir a ser parte de uma base para algum equilíbrio entre tendências

conflitantes, possibilitando ao mesmo tempo a cooperação e a competição”.481

De acordo com as informações mais recentes, que datam de 2009,

disponíveis na página do projeto Creative Commons, estima-se que no mencionado

ano, ao menos 350 milhões de trabalho estavam licenciados em alguma das

modalidades Creative Commons. Entre esses, cita-se, por exemplo, o caso da

Wikipédia cujo conteúdo é regido pela licença representada pela imagem a seguir482

(cujo significado será explicado nas páginas seguintes):

No mundo existe uma necessidade de adaptação das licenças a legislação

local, o que se tornou possível a partir da versão 3.0, que se alinhou com as

principais convenções internacionais sobre o direito autoral. Nos países de língua

portuguesa além do Brasil, Portugal também incorporou a possibilidade desse

licenciamento, sendo que lá o projeto de adaptação foi desenvolvido pela UMIC –

Agência para a Sociedade do Conhecimento, em parceria com a Faculdade de

Ciências Empresariais e Económicas da Universidade Católica Portuguesa e a Inteli

– Inteligência em Inovação, no ano de 2006.483

No Brasil o projeto é gerido pela Faculdade Getúlio Vargas, eis as principais

licenças Creative Commons de acordo com informações oficiais divulgadas pelo

saite do projeto no Brasil:484

481

FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 385. 482

WIKIPEDIA. In: WIKIPEDIA: TEXT OF CREATIVE COMMONS ATTRIBUTION-SHAREALIKE 3.0 UNPORTED LICENSE. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:CC-BY-SA>. Acesso em: 22 dez. 2012. 483

CREATIVE COMMONS PORTUGAL. Disponível em: <http://creativecommons.pt/cms/view/id/16/>. Acesso em: 22 dez. 2012. 484

CREATIVE COMMONS BRASIL. Disponível em: <http://www.creativecommons.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=26&Itemid=39>. Acesso em 25 ago. 2012.

Page 176: DESAFIOS PARA TUTELA DO DIREITO AUTORAL NA ERA … · COM O DIREITO À EDUCAÇÃO E O ACESSO À JUSTIÇA, ... a ser seguido, norteiam o ser humano profissional e pessoalmente. Ao

175

a) Licença: Atribuição (by).

Definição:

Esta licença permite que outros distribuam, remixem, adaptem ou criem obras derivadas, mesmo que para uso com fins comerciais, contanto que seja dado crédito pela criação original. Esta é a licença menos restritiva de todas as oferecidas, em termos de quais usos outras pessoas podem fazer de sua obra.485

Símbolo:

b) Licença: Atribuição – Compartilhamento pela mesma Licença (by-sa).

Definição:

Esta licença permite que outros remixem, adaptem, e criem obras derivadas ainda que para fins comerciais, contanto que o crédito seja atribuído ao autor e que essas obras sejam licenciadas sob os mesmos termos. Esta licença é geralmente comparada a licenças de software livre. Todas as obras derivadas devem ser licenciadas sob os mesmos termos desta. Dessa forma, as obras derivadas também poderão ser usadas para fins comerciais.486

Símbolo:

c) Licença: Atribuição – Não a Obras Derivadas (by-nd).

Definição:

Esta licença permite a redistribuição e o uso para fins comerciais e não comerciais, contanto que a obra seja redistribuída sem modificações e completa, e que os créditos sejam atribuídos ao autor.487

485

Id., As licenças. Disponível em: <http://creativecommons.org.br/as-licencas/>. Acesso em: 22 dez. 2012. 486

CREATIVE COMMONS BRASIL. As licenças. Disponível em: <http://creativecommons.org.br/as-licencas/>. Acesso em: 22 dez. 2012. 487

CREATIVE COMMONS BRASIL, loc. cit.

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Símbolo:

d) Licença: Atribuição – Uso Não Comercial (by-nc).

Definição:

Esta licença permite que outros remixem, adaptem, e criem obras derivadas sobre a obra licenciada, sendo vedado o uso com fins comerciais. As novas obras devem conter menção ao autor nos créditos e também não podem ser usadas com fins comerciais, porém as obras derivadas não precisam ser licenciadas sob os mesmos termos desta licença.488

Símbolo:

e) Licença: Atribuição – Uso Não Comercial – Compartilhamento pela

mesma Licença (by-nc-sa).

Definição:

Esta licença permite que outros remixem, adaptem e criem obras derivadas sobre a obra original, desde que com fins não comerciais e contanto que atribuam crédito ao autor e licenciem as novas criações sob os mesmos parâmetros. Outros podem fazer o download ou redistribuir a obra da mesma forma que na licença anterior, mas eles também podem traduzir, fazer remixes e elaborar novas histórias com base na obra original. Toda nova obra feita a partir desta deverá ser licenciada com a mesma licença, de modo que qualquer obra derivada, por natureza, não poderá ser usada para fins comerciais.489

Símbolo:

488

CREATIVE COMMONS BRASIL. As licenças. Disponível em: <http://creativecommons.org.br/as-licencas/>. Acesso em: 22 dez. 2012. 489

CREATIVE COMMONS BRASIL, loc. cit.

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177

f) Licença: Atribuição – Uso Não Comercial – Não a Obras Derivadas (by-nc-

nd).

Definição:

Esta licença é a mais restritiva dentre as nossas seis licenças principais, permitindo redistribuição. Ela é comumente chamada ‘propaganda grátis’ pois permite que outros façam download das obras licenciadas e as compartilhem, contanto que mencionem o autor, mas sem poder modificar a obra de nenhuma forma, nem utilizá-la para fins comerciais.490

Símbolo:

As licenças são autoexplicativas, sendo ocioso tecer comentários sobre cada

uma delas. O que se pode verificar, todavia, é que todas as licenças derivam da

combinação das quatro grandes classes by, nc, nd e sa, abaixo tabuladas com as

definições no original (não adaptadas):

Símbolo Nome Sigla Conteúdo

Attribution by

Licensees may copy, distribute, display and perform the work and make derivative works based on it only if they give the author or licensor the credits in the manner specified by these.

Noncommercial nc Licensees may copy, distribute, display, and perform the work and make derivative works based on it only for noncommercial purposes.

No Derivative Works nd Licensees may copy, distribute, display and perform only verbatim copies of the work, not derivative works based on it.

Share-alike sa Licensees may distribute derivative works only under a license identical to the license that governs the original work.

Tabela adaptada do saite http://en.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons_license491.

O sistema share-alike492 se aproxima do sistema copyleft, por permitir a

distribuição dos trabalhos somente se a licença dada a este for idêntica à licença

que regula o trabalho original.

490

CREATIVE COMMONS LICENSE. In: WIKIPEDIA. Disponível em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Creative_Commons_license >. Acesso em: 22 dez. 2012.CREATIVE 491

COMMONS BRASIL, loc. cit. 492

Em tradução livre: compartilhar do mesmo modo ou, compartilhar semelhantemente.

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É interessante anotar o licenciamento creative commons é simples e

gratuito, podendo o autor escolher, no momento do licenciamento, feito por simples

passo-a-passo na página <http://creativecommons.org/choose/>, se deseja que sua

licença tenha jurisdição internacional, ou se valha apenas para um país ou

determinados países.

No momento de licenciamento existe uma sétima opção, que é a opção

todos os direitos concedidos, ou também denominada de domínio público, cujo

código é CC0 – No rights reserved.

O símbolo desta licença é:

Algumas licenças foram descontinuadas, tendo sua aplicação desencorajada

pelo projeto Creative Commons, entre elas a denominada Developing Nations

License493 (DevNations), cujo símbolo era:

Tal licença, prevista na versão 2.0, permitia compartilhar e remixar os

conteúdos somente em nações consideradas em desenvolvimento do banco Mundial

– que é o caso do Brasil, nas demais nações tal licença não tinha validade. Ela

poderia ser utilizada juntamente com outras licenças.494 Foi descontinuada em 2007,

conforme comunicado que informou que a demanda atual (aproximadamente 0,01%

das licenças eram deste tipo), e os outros tipos de licenças concedidas, não mais

justificavam a permanência dessa licença no sistema.495 Como exemplo de

utilização dessa licença tem-se o livro Someone comes to town, someone leaves

town, de Cory Doctorow.

A violação do sistema creative commons conduz a violação também da

legislação brasileira, já que se estará diante de um uso não autorizado da obra

493

Em tradução livre: Licença nações em desenvolvimento. 494

CREATIVE COMMONS. Developing Nations License. Disponível em: <http://creativecommons.org/licenses/devnations/2.0/>. Acesso em: 22 dez. 2012. 495

LESSIG, Laurence. Retiring standalone DevNations and one Sampling license. 4. Jun. 2007. Disponível em: <http://creativecommons.org/weblog/entry/7520>. Acesso em: 22 dez. 2012.

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protegida pelo direito autoral, e isso pode conduzir a aplicação de todas as medidas

já existentes, de natureza civil e penal.496

De acordo com Manuella Santos o sistema em exame apresenta diversas

vantagens, tais como: a) constitui-se um contrato entre o titular do direito e aqueles

que pretendem utilizar a obra; b) estabelece padrões que facilitam a identificação da

licença concedida e, por consequência, dos usos lícitos; c) apresenta opções

flexíveis de licenciamento, garantindo proteção aos autores e liberdade para a

sociedade; d) são válidas em todos os países que adotam o sistema

(aproximadamente 40); e) concede ao autor o direito de gerenciar sua criação; f) é

incentivo a criação intelectual; e, g) de um modo geral, possibilita o uso de obras

alheias sem que exista a prática do ilícito.497

Acrescente-se, ao rol, a observação tecida por Alessandra Tridente, de que

independem que haja mudança legislativa para serem implementadas:

As licenças públicas creative commons representam, no seio do debate sobre o futuro dos direitos de propriedade intelectual, uma forma de flexibilização dos direitos autorais que independe de mudança legislativa, porque funcionam ‘de baixo para cima’. Não atribuem, assim, nenhum direito novo aos autores, mas apenas criam uma ferramenta que viabiliza o exercício de prerrogativas que eles já possuem de acordo com a legislação vigente.498

Por outro lado a mesma autora aponta que existem duas críticas ao sistema

Creative Commons: a) que ele pretende substituir o direito autoral; e, b) o autor nega

seus direitos patrimoniais.499

As críticas, com efeito, não procedem, tal como Manuella Santos500,

pontualmente as rechaça, já que o sistema Creative Commons mantém a

regulamentação do direito autoral já existente, e, ainda, permite a remuneração dos

autores, mas, é imperioso registrar que, do ponto de vista pragmático o Creative

Commons tem uma grande limitação: não reconhece, ou ao menos, não tutela a

hipossuficiência e vulnerabilidade dos autores.

Em outras palavras, parece difícil o mercado editorial – ao menos na

realidade brasileira – aceitar publicar determinada obra sob o licenciamento Creative

496

SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 152. 497

SANTOS, Manuella, op. cit., p. 149. 498

TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 124-125. 499

SANTOS, Manuella, op. cit., p. 151. 500

Ibid., p. 151-152.

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Commons. Para autores que já saíram do anonimato e cujos livros são obras

consagradas, pode até ser que a editora aceite a modulação de parte dos direitos,

por outro lado, para compensar o que pode perder em vendas entre uma ou outra

edição regida por tal sistema.

De forma alguma, se retira o mérito e a funcionalidade para muitas

criações do direito autoral que hoje tem seu conteúdo regido pelo Creative

Commons, veja, e. g. o já citado caso da Wikipédia, cujo conteúdo é regido pela

licença CC-by-sa, e, além de ser gratuita, possui mais de 3,89 milhões de artigos,

contra 65 mil artigos da consagrada Encyclopedia Britannica501, além do que, alguns

estudos apontam que a sua precisão é igual502 ou superior503 a própria Britannica. E

essa admirável fonte de conhecimento, só é juridicamente viável em razão do

modelo flexível e inteligente que é o licenciamento Creative Commons.

Pedro Ivo Ribeiro Diniz, abordando o direito autoral na era digital sob a

perspectiva da tutela internacional, apesar de concluir de forma bastante diversa da

deste estudo, sobre esse sistema escreve:

As estratégias apontadas pela Creative Commons não são descritas aqui como a solução definitiva para os problemas dos direitos autorais na Internet, e sequer se caracteriza-se como um sistema de governança supranacional. Esse exemplo é relevante, contudo, para expor perspectivas coerentes e significativas adotadas pela instituição perante os dilemas do contexto atual que devem ser consideradas em qualquer modelo supranacional que venha a ser desenvolvido para a tutela dos direitos autorais.504

De todos os sistemas já existentes, o mais amplo, abrangente e moderno, é

o Creative Commons, e de certa forma, abrange tanto parte do fair use como do

copyleft, e na perspectiva que aqui se adota de Acesso à Justiça (com os três

elementos reversos: a) não exclusão social; b) contenção positiva da litigiosidade; c)

acesso ao poder judiciário), esse sistema não retira o poder das camadas menos

privilegiadas acessarem a informação, e evita a litigiosidade em massa.

501

SILVERMAN, Matt. Encyclopedia Britannica vs. Wikipedia. Disponível em: <http://mashable.com/2012/03/16/encyclopedia-britannica-wikipedia-infographic/>. Acesso em: 22. dez. 2012. 502

TERDIMAN, Daniel. Study: Wikipedia as accurate as Britannica. Disponível em: <http://news.cnet.com/2100-1038_3-5997332.html>. Acesso em: 22 dez. 2012. 503

RELIABILITY OF WIKIPEDIA. In: WIKIPEDIA. Disponível em:<http://en.wikipedia.org/wiki/Reliability_of_Wikipedia>. Acesso em: 22 dez. 2012. 504

DINIZ, Pedro Ivo Ribeiro. A tutela internacional dos Direitos Autorais na Era Digital. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 121.

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Sérgio Vieira Branco Júnior, em obra física, publicada pela editora Lumen

Juris, com licença CC by-nc-sa – algo quase que inédito no Brasil, sobretudo no

mercado editorial jurídico – acrescenta que:

Ainda que o Creative Commons seja um sistema passível de críticas, acreditamos que possibilita o uso de obras alheias se o risco de violação de direitos autorais. Além disso, incentiva a criação intelectual e permite que o mundo globalizado trabalhe de maneira mais solidária.505

Ainda existem lacunas que não são complemente solucionadas por tal

sistema, principalmente de ordem remuneratória, e como outrora mencionado, da

questão da hipossuficiência/ vulnerabilidade do autor.

A outra solução, proposta no item 6.2.2.2, acima, pode se somar ao Creative

Commons, e remodelar parte do direito autoral, conciliando autor, editor e leitor/

consumidor. Sobretudo, porque, a proposta formulada nesse estudo, ainda não

alcança de forma satisfatória os interesses dos leitores.

Apesar de aquela solução ter uma ruptura um pouco mais forte, tem

potencial de redesenhar parte da remuneração do direito autoral, realocando-a para

outras formas cuja máxima do laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui même

liberal, e tão capitalista, cuidará de traçar novos rumos, como, por exemplo, com

cobrança por palestras feitas aos leitores, anúncios publicitários em páginas da

internet, etc.

6.2.4 As bibliotecas digitais

Apesar de não ser um meio alternativo propriamente dito, deve-se

mencionar a existência das bibliotecas digitais, que, em geral, baseadas em

software copyleft ou sob licença Creative Commons, desempenham importante

papel na difusão do conhecimento pela rede mundial de computadores, realizando,

ao seu modo, o direito à educação.

Ana Manuela Reis Rampazzo506, entende que a biblioteca digital é um

ferramenta de auxílio a efetivação do acesso à informação, por que:

505

BRANCO JÚNIOR, Sérgio Veira. Direitos autorais na internet e o uso de obras alheiras. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 168. 506

RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito

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a) São provedores de informações que possibilitam o acesso a diversas

fontes de dados e conhecimentos digitalizados;

b) Possibilitam que o usuário tenha acesso a um grande número de serviços,

com comunicação otimizada;

c) Possibilitam novas formas de texto, diferentes tipos de documentos;

d) Revolucionam os meios de acesso, distribuição e armazenamento de

informações, os quais podem ser realizado a qualquer tempo e lugar.

A citada autora, em seu trabalho dissertativo, ainda faz referência a diversas

iniciativas de bibliotecas digitais, dentre as quais se destacam: a) a pesquisa de

livros do Google; b) a biblioteca brasiliana digital; c) portal domínio público; d)

Biblioteca Digital da Unicamp; e) Biblioteca virtual da Unesco; f) o já citado Projeto

Gutemberg, ente diversas outras507, como por exemplo a biblioteca digital do STJ508,

que contém vários títulos e trabalhos que podem ser legalmente acessados sem a

infringência aos direitos autorais.

Tais projetos, por evidente, promovem a educação e o acesso ao

conhecimento, conforme explica a primorosa dissertação que embasou esse

subitem, em aproximadamente duzentas laudas, a qual remete-se o leitor.509

Todavia, muitos dos conteúdos que poderiam ser disponibilizados em

bibliotecas digitais, gozando de todas as facilidades a ela inerentes, não o são,

justamente, porque, na letra fria da LDA, consistiriam em violação do direito autoral,

por isso se entende que as bibliotecas digitais não são, propriamente, um meio

alternativo, mas, indubitavelmente constituem importante instrumento na realização

da educação, na difusão do conhecimento, e no próprio desenvolvimento da

personalidade humana.

autoral. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 107. 507

RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito autoral. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 107-122. 508

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Biblioteca Digital Jurídica. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br>. Acesso em: 26 dez. 2012. 509

Cf. RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis, op. cit., passim.

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183

6.2.5 Nota final

Por evidente, o que restou até aqui exposto expõe forte tensão existente

entre diversos direitos e garantias fundamentais (que in casu são também direitos da

personalidade), passando o alívio dessa, pelo princípio da proporcionalidade, como

escreveu Santiago Guerra Filho:

Para resolver o grande dilema que vai então afligir os que operam com o Direito no âmbito do Estado Democrático contemporâneo, representado pela atualidade de conflitos entre princípios constitucionais, aos quais se deve igual obediência, por ser a mesma a posição que ocupam na hierarquia normativa, é que se preconiza o recurso a um “princípio dos princípios”, o princípio da proporcionalidade, que determina a busca de uma “solução de compromisso”, na qual se respeita mais, em determinada situação, um dos princípios em conflito, procurando desrespeitar o mínimo ao(s) outro(s), e jamais lhe(s) faltando minimamente com o respeito, isto é, ferindo-lhe seu “núcleo essencial”, onde se encontra entronizado o valor da dignidade humana. Esse princípio, embora não esteja explicitado de forma individualizada em nosso ordenamento jurídico, é uma exigência inafastável da própria fórmula política adotada por nosso constituinte, a do “Estado Democrático de Direito”, pois sem a sua utilização não se concebe como bem realizar o mandamento básico dessa fórmula, de respeito simultâneo dos interesses individuais, coletivos e públicos.510

Princípio este, necessariamente, aplicado para se obter parte das “soluções”

expostas durante o estudo.

Por fim, é essencial ter à lucidez e não recorrer à hipocrisia e esperar que

todos os problemas envolvendo o direito autoral na era digital, e sua conciliação com

outros direitos, sobretudo o à educação e o Acesso à Justiça, se resolvam por uma

só via.

Como se pôde ler nesse item, e de algum modo, durante todo o estudo,

além da evolução jurídica, tal qual a evolução da humanidade, ser gradual, o direito

– e principalmente a lei – não alcançam a efetividade na solução de todos os

problemas, muitos dos quais são imprescindíveis para a própria evolução do mundo,

isso porque o direito é um elemento – de grande importância, mas não o único – na

dinâmica social.

510

GUERRA FILHO, Willis Santiago. O Princípio da Proporcionalidade em Direito Constitucional e em Direito Privado no Brasil. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/anexos/15533-15534-1-PB.htm>. Acesso em: 1º maio 2013.

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Por isso que não se faz adequado tratar o fenômeno do direito autoral, como

uma crise, cujo futuro próximo é a sua morte, o cenário, com efeito, é de notável

instabilidade – não fosse isso, não se estaria pesquisando essa temática –, mas

essa oscilação muito mais é resultante de um momento de evolução do direito

autoral, conexo a evolução da sociedade, em outras palavras, a transmutação da

própria forma de distribuição dos tão importantes conteúdos por esse direito

protegidos, que nos parece inevitável, e consequência da própria globalização e

democratização do conhecimento e da cultura; apenas para contextualizar, a

escravidão, foi oficialmente abolida no Brasil há aproximadamente 125 anos,

apenas.

Não se pode perder de vista – e, mais precisamente, se deve resgatar – que

a informação é um bem cultural e social, um valor de progresso e cultura, cujo

enriquecimento se dá justamente pelo intercâmbio, razão pela qual a

regulamentação jurídica não deve cuidar – como historicamente se tem projetado, a

cada momento com maior rigor, infeliz e indevidamente – principalmente dos

interesses comerciais, de curto prazo511, como se as criações do espírito humano

fossem, antes de tudo, um bem comercial. A proteção, por tudo que foi exposto,

deve-se voltar ao ser humano, à efetivação dos direitos da personalidade.

Imre Simon, há cerca de 12 anos, já questionava, com toda razão, não

somente a flexibilização da restrição ao direito de cópia – que, em linhas gerais, é

aqui o que se propõe, a partir de uma mudança estrutural –, mas a concessão total

do direito de cópia:

Em particular, a restrição ao direito de cópia pode estar obsoleta diante da realidade da Internet. A cópia é uma operação extremamente importante e poderosa no mundo digital. A natureza preserva a vida há um bilhão de anos através da operação da cópia digital! Usando a cópia de símbolos como operação principal uma máquina de Turing é capaz de implementar qualquer procedimento algorítmico! Esta mesma idéia foi aproveitada pelo computador IBM 1620, do início dos anos 60. Neste computador até mesmo a soma e a multiplicação eram realizadas pelo uso engenhoso da cópia da informação. Aristóteles já havia enunciado que no homem é o maior mímico de todos os animais. De fato, a cópia é um mecanismo essencial para a nossa existência social, para a nossa aprendizagem e para a nossa evolução. Já vimos também que a cópia no contexto

511

MICHEL, Jean. Direito de autor, direito de cópia e direito à informação: o ponto de vista e a ação dos profissionais da informação e da documentação. In: Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Brasília. v. 26, n. 2, p. 140-145, maio/ago. 1997. p. 144.

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da Internet pode levar a resultados significativos e até mesmo surpreendentes. Será que restringir a cópia é ainda o melhor mecanismo de incentivar a produção intelectual?512

E mais, não se pode perder de vista o que Norberto Bobbio, enunciou,

mutatis mutandis: “O problema fundamental dos direitos do homem, hoje, não é

tanto o de justifica-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não

filosófico, mas político”.513

O desenvolvimento de políticas públicas, como dissolvido no decorrer deste

texto, sem dúvida, é o meio com maior potencial para se alterar a situação posta, se

espera que a proposta de lege ferenda formulada, seja apenas a partida para um

movimento de releitura do direito autoral. Por meio das políticas públicas é possível

se programar, a longo prazo, a releitura de todo o sistema, transpondo os limites do

positivismo. O direito autoral, tal qual o direito à educação e o Acesso à Justiça,

transpõem à norma, vale dizer, extrapolam os limites do juspositivismo, e, projetam-

se num estado antecedente, que, por agora, parece só poder ser vislumbrado a

partir de uma modificação legal, desencadeadora.

Num contexto diferente, mas adaptável ao dos direitos autorais, escreve

Amartya Sen:

Public policy has a role not only in attempting to implement the priorities that emerge from social values and affirmations, but also in facilitating and guaranteeing fuller public discussion. The reach and quality of open discussions can be helped by a variety of public policies, such as press freedom and media independence (including the absence of censorship), expansion of basic education and schooling (including female education), enhancement of economic independence (especially through employment, including female employment), and other social and economic changes that help individuals to be participating citizens. Central to this approach is the idea of the public as an active participant in change, rather than as a passive and docile recipient of instructions or of dispensed assistance.514 515

512

SIMON, Imre. A Propriedade Intelectual na Era da Internet. 29 fev. 2000. Disponível em: <http://www.ime.usp.br/~is/>. Acesso em: 19 set. 2012. 513

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 23. 514

SEN, Amartya. Development as freedom. New York: Alfred A. Knopf, 2000. p. 281. 515

Em tradução livre: A política pública tem um papel, não só na tentativa de implementar as prioridades que emergem de valores sociais e afirmações, mas também no sentido de facilitar e garantir a mais ampla discussão pública. O alcance e a qualidade das discussões abertas podem ser ajudados por uma série de políticas públicas, tais como a liberdade de imprensa e a independência da mídia (incluindo a ausência de censura), a expansão da educação básica e da própria educação (incluindo a educação feminina), o aumento da independência econômica (especialmente através do

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Antes de ser uma solução, a proposta de lege ferenda, e a sistematização

que se procurou estabelecer no item 6.2.2.2, vem para servir à um estado

intermediário, para possibilitar a transição para um sistema que, verdadeiramente,

realoque o direito autoral como “fonte de outros direitos”.

Por evidente que, problema aqui abordado restringiu-se a uma parcela da

discussão, uma das formas de violação, cientes, contudo, que existem diversas

outras questões envolvendo a violação de direito autoral, como por exemplo, o

plágio (que ocorre também pelo meio digital), a falsificação, mas, que aqui, por uma

razão de delimitação teórica, e formato, deixaram de ser objeto do estudo.

emprego, incluindo o emprego feminino), e outras mudanças sociais e econômicas que ajudam os indivíduos a serem cidadãos participantes. O centro desta abordagem é a idéia do público como um participante ativo na mudança, ao invés de como um sujeito passivo e dócil de instruções ou de assistência.

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7 CONCLUSÃO

Verificou-se a evolução da teoria dos direitos da personalidade,

demonstrando que sua construção mais próxima da atual tem origem a partir das

lições de São Tomas de Aquino e Santo Agostinho, não obstante, a hybris grega e a

iniura romana; de certa forma construíram a base para uma cláusula geral protetora

da personalidade humana.

Demonstrou-se que decorrente da própria evolução histórica dos direitos da

personalidade, o Brasil optou pelo sistema de cláusulas abertas, de modo que a

tutela não fica restrita a operação de subsunção.

Construiu-se um conceito balizador de direitos da personalidade, como

sendo aqueles atributos e faculdades que, se do ser humano retirados, o desfiguram

enquanto ser em si, e, de modo reverso, se colocados a sua disposição e

desenvolvidos, o promovem.

Em seguida, demonstrou-se que o Acesso à Justiça não pode ser

compreendido como o simples direito de petição e de celeridade na tramitação de

processos, pois, como meio de garantia de efetivação de direitos da personalidade,

o efetivo acesso, além da celeridade, demanda democratização, na perspectiva de

universalização, qualidade técnica do serviço público prestado, oferta de

instrumentos para seu exercício amplo, não apenas no meio litigioso, já que é ele

também se expressa parte da dignidade da pessoa humana, bem como Acesso à

ordem jurídica justa.

Estudou-se que a evolução do direito autoral, foi acompanhada do paulatino

progresso da humanidade da Pré-História à Idade Contemporânea, sendo que,

mesmo no inicio da espécie, o ser humano já criava e produzia, sobretudo do

período Neolítico em diante, externalizando sua personalidade, o que, muito tempo

depois, veio a ser o objeto do direito autoral.

O direito à educação foi evidenciado como direito da personalidade, porque

além de possibilitar o desenvolvimento da pessoa, relaciona-se substancialmente

com a estrutura de poder: a máxima saber é poder, na sociedade de informação é

vista como uma realidade.

Examinou-se o surgimento dos primeiros diplomas que tutelavam o direito

autoral na humanidade, em específico o Copyright Act da Rainha Ana de 10.4.1710

na Inglaterra, o Federal Copyright Act nos Estados Unidos em 31.05.1790, as leis

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francesas de 1791 e 1793, o Código de Direito Territorial Prussiano em 1974, a

famosa convenção de Berna da Suíça em 1886, bem como a evolução do direito de

autoral no Brasil tomando por base duas classificações, uma mais tradicional que

dividia a história desse direito no país em três fases, e outra mais moderna que

aponta, ao menos, cinco momentos distintos, destacando-se a Constituição Federal

de 1988, a Lei de Direito Autoral (Lei nº 9.610/98), e a Lei nº 10.695 de 1º de Julho

de 2003 que alterou a redação do caput do art. 184, do Código Penal, tudo isso com

toques com a regulamentação no âmbito internacional e, em outros países.

Analisou-se a natureza do direito autoral, expondo as nove principais teorias,

e adotando a teoria que os compreende como direito da personalidade, bem como

se fixou conceito compatível com sua natureza jurídica.

Demonstrou-se que a atual regulamentação, não apenas em ordenamento

jurídico sujeito ao sistema copyright, mas também no caso do Brasil, e outros

ordenamentos, sujeitos ao sistema droit d’auteur, que, em tese, protege o autor,

valoriza substancialmente a autonomia privada, e, em efetivo, tutelam os interesses,

quase sempre, dos cessionários (editores e livreiros), impedindo, não apenas o

efetivo exercício do direito autoral pelos autores, mas o alcance da criação humana

na efetivação do direito à educação, e em última análise violando a ordem jurídica

justa, e fazendo a autonomia privada se sobrepor a própria dignidade da pessoa

humana.

E isso, a partir do estudo de apenas uma das formas de violação,

consistente na obtenção ou disponibilização, sem o intuito de lucro, de livros sem o

recolhimento de direito autoral, fato tipicamente previsto como crime, além, por

evidente, de ser ilícito civil.

Após discorrer sobre a era digital, como o tempo dos bits, no qual todo e

qualquer tipo de informação (seja áudio, vídeo, imagem, texto, ou outro conteúdo),

se restringe a sequências de números binários, bem como sobre o desenvolvimento

e expansão da internet, com dados estatísticos sobre a atual utilização da rede,

abordou-se problemática da tutela efetiva do direito autoral, indicando que em

alguns casos as técnicas da tutela de urgência podem ser úteis.

Na sequência, demonstrou-se que para casos nos quais a tutela pela via

tradicional é praticamente impossível do ponto de vista técnico (ao menos nesse

exato momento da técnica), bem como para o caso específico de utilização e

disponibilização de obras literárias ou científicas sem o objetivo de lucro, o sistema

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deve ser reestruturado, para que, de modo real – e não somente formal – a proteção

seja também, e principalmente, do autor e do leitor.

Para tanto, a partir da releitura da sistematização do direito autoral, propôs-

se, por meio de medida lege ferenda (cujo projeto está anexo a esse texto), a

descriminalização do uso de obras alheias sem o intuito de lucro, bem como a

criação, na Lei de Direitos Autorais, do sistema de reversão parcial dos direitos

autorais (cedidos), de modo a possibilitar que o autor, dentro de certos limites e

parâmetros, disponibilize sua obra em meio digital, independentemente de restrição

contratual, sob licença Creative Commons, de modo a possibilitar a difusão do

conhecimento, a realização da educação, bem como do próprio direito autoral,

enfim, buscando, a partir da garantia do exercício de uma faculdade de disposição

ao autor, o Acesso a uma Ordem Jurídica Justa, limitada, de qualquer sorte, pelas

balizas do sistema positivista.

Além disso, foi averiguada a existência de sistemas alternativos, como o fair

use que, na maioria dos casos, permite o acesso a obras sem a necessidade de

adquiri-las, se para fins de ensino e pesquisa; o copyleft que permite aos usuários

de conteúdos copiá-los e modificá-los de forma livre, em geral mais útil no que se

refere à distribuição de softwares, e o Creative Commons que permite disponibilizar

opções flexíveis de licenças conciliando proteção e a liberdade para os titulares de

direitos, sem o copyright que reserva todos os direitos.

Quanto as demais formas de violação, em decorrência da intensidade da

propagação na rede mundial dos computadores, com efeito, permanecem sendo

ilícitos, e não se inserem nessa releitura proposta, reclamam uma tutela jurisdicional

rápida, para que se evitar o aumento do dano, como também para que ele não se

torne praticamente irreversível, além da necessidade da tutela preventiva, a qual,

aliás, pode ser feita pelos sistemas do fair use, copyleft e Creative Commons, e da

releitura da forma remuneratória dos autores, sendo que tais propostas somente se

concretizam se compreendidas num contexto do Acesso à Justiça como meio de se

garantir direitos da personalidade.

Por fim, em verdade, o tema é inesgotável, mormente em razão das milhares

de implicações de ordem social, cultural, política, etc, envolvidas, além é claro, do

seu distinto tratamento internacional. Antes de tudo, se pretende, não esgotar,

tampouco promover soluções únicas e milagrosas, mas, nomeadamente,

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impulsionar o processo de transformação, visando, sempre, a efetivação dos direitos

que fomentam o ser humano em sua essência.

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ANEXO – PROPOSTA DE LEGE FERENDA

PROJETO DE LEI ____, DE 2013

Acrescenta dispositivo à Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998,

altera o art. 184 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940,

e dá outras providências.

O Congresso Nacional decreta e a Presidente da República sanciona a

seguinte Lei:

Art. 1º. Esta Lei acrescenta o art. 52-A à Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de

1998:

Art. 52-A. Independentemente da modalidade de cessão de direitos autorais, o autor

poderá, nos termos deste artigo, exercer o direito de reversão parcial dos direitos cedidos.

§1º. Reversão parcial é a retomada parcial, pelo autor, de parcela do direito autoral

cedido, permitindo-lhe distribuir sua obra em meio digital, independentemente de

autorização e remuneração do cessionário.

§2º. A reversão é admitida apenas para livros e periódicos.

I – Livro é toda publicação em meio físico ou digital, sem ser periódica, que reúna em um

só volume, 48 ou mais páginas, excluindo as capas;

II – Periódico é toda publicação em meio físico ou digital, realizada em intervalos de

tempo regulares, podendo tratar de um assunto específico ou de assuntos vários.

§3º. A reversão parcial poderá ser exercida nos seguintes termos:

I – No caso de livros, cuja novidade da publicação seja relevante para a comercialização

pelo cessionário, a reversão parcial poderá ser exercida pelo autor, decorrido seis meses da

publicação da edição;

II – No caso de periódicos a reversão parcial poderá ser exercida no dia subsequente ao

da publicação da edição imediatamente posterior a qual foi veiculada a criação do autor, ou

decorridos seis meses desta, o que ocorrer primeiro.

III – Nos demais casos a reversão poderá se dar concomitantemente a publicação.

IV – Em qualquer hipótese, se decorrido o prazo de publicação previsto no contrato, o

autor poderá exercer imediatamente o direito de reversão.

§4º. Para o exercício do direito de reversão no autor deverá indicar, com destaque, no

saite em que disponibilizar o conteúdo, que aquela obra também está disponível em meio

físico pela cessionária.

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§5º. Fica vedado ao autor

I - utilizar, salvo disposição contratual em contrário, a diagramação e as revisões do

texto, e demais melhoramentos, realizados pela cessionária;

II - disponibilizar a obra em página que não lhe seja própria;

III - promover, por qualquer meio publicitário, a obra por ele disponibilizada na internet;

IV - restringir, por qualquer meio, ainda que meramente cadastral, o download da obra;

V - receber quaisquer quantias ou valores, ainda que doações, em razão da obra por ele

disponibilizada.

§ 6º. A obra disponibilizada em meio virtual pelo autor, resultante do exercício deste

direito, seguirá obrigatoriamente e integralmente a licença creative commons 3.0 “Atribuição

– Uso Não Comercial – Não a Obras Derivadas - by-nc-nd”

§ 7º. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao

contrato de cessão, contratos com mesma finalidade, contratos anexos e acessórios, que

impossibilitem, restrinjam ou onerem o exercício do direito de reversão parcial estabelecido

neste artigo.

Art. 2º. O art. 184 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa

a vigorar com a seguinte redação:

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos, total ou parcialmente, com

intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual,

interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista

intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º Na mesma pena incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui,

vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou

cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do

direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda,

aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos

titulares dos direitos ou de quem os represente.

§ 2º Na mesma pena incorre quem, oferece ao público, mediante cabo, fibra ótica,

satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra

ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem

formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa,

conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma,

ou de quem os represente:

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao

direito de autor ou os que lhe são conexos, bem como reversão parcial, em conformidade

com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

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Art. 3º. O art. 186 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa

a vigorar com a seguinte redação:

Art. 186. Nos crimes previstos no art. 184, se procede mediante ação penal pública

condicionada à representação.

Art. 4º. O disposto no art. 1º desta Lei (art. 52-A da Lei nº 9.610, de 19 de

fevereiro de 1998) aplica-se a todos os novos contratos de cessão e similares, bem

como prorrogação de contratos já vigentes.

§1º. Para os contratos celebrados até o dia imediatamente anterior a entrada

em vigor desta lei, o direito a que se refere o dispositivo mencionado no caput,

poderá ser exercido pelo autor ou seus sucessores, após três anos da data da

entrada em vigor desta lei.

§2º. Para os contratos resultantes de prorrogação, celebrados até o dia

imediatamente anterior a entrada em vigor desta lei, o direito a que se refere o

dispositivo mencionado no caput, poderá ser exercido pelo autor ou seus

sucessores, após o decurso de metade do prazo previsto no parágrafo anterior.

Art. 5º. Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação,

revogando-se as disposições em contrário.

JUSTIFICATIVA

Não parece, pois, existir mais espaço para justificar a tutela penal e civil do

direito autoral, quando a violação (aqui compreendida apenas o download não

autorizado de livros) não é para fins comerciais.

Deve-se evitar, com isso, o perigoso movimento de crescente

monopolização e privatização da informação e do saber.

É flagrante que há tempos o objeto jurídico da tutela, que era o direito de

autoral, deixou de sê-lo, para proteção voltar-se a um aspecto quase que

unicamente econômico, vale dizer, em prol da proteção hipertrofiada da indústria

editorial, se está restringindo ambos os direitos da personalidade, tanto do autor,

como, como do leitor, em especial, o direito à educação.

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Há, no meio digital, disponibilização de obras, cujo alcance é

indiscutivelmente maior que no meio físico, deve ser vista e regulamentada não

como óbice ao acesso ao conhecimento, ou como meio de desrespeito aos direito

autorais, mas como tentativa de obtenção de informação, que se coaduna com o

direito a educação.

Desde a Constituição Cidadã, o Brasil se propôs a erigir a pessoa humana

ao centro do sistema, o direito civil recebeu forte carga valorativa e institutos

consagrados foram relativizados, a exemplo do que aconteceu quando do advento

do Código de Defesa do Consumidor, temperando a autonomia privada. A

propriedade deixou de ser absoluta, e volta-se ao atendimento de uma finalidade

social, não existe razão para o direito autoral permanecer imune a essas mudanças.

Na atual sistematização, manter ilícita a conduta em questão, em prol do

interesse privado, mormente diante da ausência de liberdade no exercício da

autonomia privada viola frontalmente a Constituição Federal, e isso deve ser revisto,

sendo este o escopo deste projeto, que passa a considerar uma realidade prática: a

hipossuficiência e vulnerabilidade materiais do autor, frente aos grandes mercados

editoriais.

Por outro lado, os consumidores, dos quais tanto os editores como os

autores são dependentes, nunca figuraram com a devida atenção, com respeito aos

seus direitos, sendo o direito desses também garantido.

Há um conflito de interesses, porque dentro da parcela patrimonial do direito

autoral cedido há também uma parcela de direito moral de autor, que, frente o poder

econômico, costuma não ter espaço, e por outro lado existe também o interesse

econômico que, dentro da estrutura social, é necessário para manutenção da ordem.

Por fim, para conciliar os interesses esta lei prevê períodos de exclusividade

do cessionário, e, ainda, regra de transição, tomando por norte, para esta última, o

art. 206, §3º, V do Código Civil para os contratos já existentes e celebrados durante

a vacatio legis, e de metade de tal prazo (18 meses) para os contratos resultantes

de prorrogação, até a entrada em vigor da lei, este último reduzido, de modo a evitar

manobras.

Além disso, passou a se exigir, para todas as modalidades de violação

previstas no art. 184 do Código Penal, ação penal pública condicionada a

representação, para adequar ao interesse protegido, eminentemente patrimonial.

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Assim, nos termos acima delineados, os direitos das três partes envolvidas

foram devidamente sopesados e harmonizados, e a sistematização adequada a

Constituição Federal de 1988, garantindo-se, assim, o Acesso a uma ordem jurídica

justa, promotora dos direitos da personalidade.

Brasília, 24 de março de 2013.

NOME DEPUTADO(A) FEDERAL

DEPUTADO(A) FEDERAL - LEGENDA