desafios a construção de políticas publicas culturais balanço da gestão gilberto gil - lia...

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O Minc, a gestão Gilberto Gil e os desafios na construção de políticas culturais, Lia Calabre Revista Proa , nº 01, vol. 01. http://www.ifch.unicamp.br/proa 293 DESAFIOS À CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS CULTURAIS: balanço da gestão Gilberto Gil Lia Calabre Lia Calabre ([email protected]) é doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora e coordenadora do Setor de Estudos de Política Cultural da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB). Ainda hoje, para falarmos de políticas culturais em nosso país, temos de assinalar sua ausência. O que se vê, na maioria dos casos, são grupos de ações empreendidas pelo poder público na área da cultura. A presença da cultura no campo das políticas públicas, tanto no nível estadual quanto no municipal, é muito recente – tivemos uma experiência pioneira, mas isolada, em São Paulo, com Mário de Andrade, entre 1935 e 1937. Um dos principais problemas a ser enfrentado, portanto, é o da real institucionalização da área da cultura no conjunto das políticas públicas. Ao analisarmos a história do Ministério da Cultural verificamos que ela é constituída por um sucessivo processo de descontinuidades administrativas: entre março de 1985 e dezembro de 1994, a pasta foi ocupada por dez titulares. Sem esquecer que, em 1990, durante o governo Collor, o Ministério foi extinto, transformado em Secretaria de Cultura - sendo recriado em 1992. O primeiro período de efetiva estabilidade ocorreu na gestão do Ministro Francisco Weffort, que ocupou a pasta de 1995 a 2002. Foi o momento no qual o Presidente Fernando Henrique Cardoso implementou uma política de Estado mínimo, fato, que para um ministério que mal havia sido recriado, acarretou enormes dificuldades operacionais. Ao terminar a gestão Weffort, o Minc tinha como principal atividade aprovar os processos que seriam financiados por meio da Lei de Incentivo à Cultura. Havia sido desperdiçada uma grande oportunidade de fortalecimento da área da cultura dentro do campo das políticas públicas.

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Análise sobre o tema de políticas culturais no Brasil, por Lia Calabre.

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  • O Minc, a ges to Gilberto Gil e os desafios na construo de polticas culturais , Lia C alabre Revista Proa , n 01, vol. 01.

    http://www.ifch.unicamp.br/proa

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    DESAFIOS CONSTRUO DE POLTICAS CULTURAIS: balano da gesto Gilberto Gil

    Lia Calabre

    Lia Calabre ([email protected]) doutora em Histria pela Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora e coordenadora do Setor de Estudos de Poltica Cultural da Fundao Casa de Rui Barbosa (FCRB).

    Ainda hoje, para falarmos de polticas culturais em nosso pas, temos de

    assinalar sua ausncia. O que se v, na maioria dos casos, so grupos de aes

    empreendidas pelo poder pblico na rea da cultura. A presena da cultura no campo

    das polticas pblicas, tanto no nvel estadual quanto no municipal, muito recente

    tivemos uma experincia pioneira, mas isolada, em So Paulo, com Mrio de Andrade,

    entre 1935 e 1937. Um dos principais problemas a ser enfrentado, portanto, o da

    real institucionalizao da rea da cultura no conjunto das polticas pblicas.

    Ao analisarmos a histria do Ministrio da Cultural verif icamos que ela

    constituda por um sucessivo processo de descontinuidades administrativas: entre

    maro de 1985 e dezembro de 1994, a pasta foi ocupada por dez titulares. Sem

    esquecer que, em 1990, durante o governo Collor, o Ministrio foi extinto,

    transformado em Secretaria de Cultura - sendo recriado em 1992. O primeiro perodo

    de efetiva estabilidade ocorreu na gesto do Ministro Francisco Weffort, que ocupou a

    pasta de 1995 a 2002. Foi o momento no qual o Presidente Fernando Henrique

    Cardoso implementou uma poltica de Estado mnimo, fato, que para um ministrio que

    mal havia sido recriado, acarretou enormes dificuldades operacionais. Ao terminar a

    gesto Weffort, o Minc tinha como principal atividade aprovar os processos que seriam

    financiados por meio da Lei de Incentivo Cultura. Havia sido desperdiada uma

    grande oportunidade de fortalecimento da rea da cultura dentro do campo das

    polticas pblicas.

  • O Minc, a ges to Gilberto Gil e os desafios na construo de polticas culturais , Lia C alabre Revista Proa , n 01, vol. 01.

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    Em termos gerais, podemos dizer que os primeiros quatro anos de gesto do

    Ministro Gil (2003-2006) foram de empenho para a construo real de um Ministrio

    da Cultura. Ocorreram avanos signif icativos no sentido de colocar a cultura dentro da

    agenda poltica do governo, fazendo com que ela deixasse de ter um papel

    praticamente decorativo entre as polticas governamentais. O presente texto se prope

    a tecer algumas consideraes gerais sobre a gesto pblica da cultura, para em

    seguida refletir sobre os rumos dos acontecimentos desde a posse de Gilberto Gil, a

    partir da anlise de alguns fatos concretos.

    Polticas culturais: questes do tempo presente

    Vivemos um momento em que a cultura passa finalmente a ser encarada

    enquanto direito, como verdadeiramente o . O direito cultura est garantido na

    Constituio Federal, nas constituies estaduais e em muitas das leis orgnicas

    municipais. O desafio que se impe transformar a lei em realidade.

    Contudo, dentro de um quadro de constante escassez de recursos financeiros,

    na administrao pblica, a rea da cultura , muitas vezes, considerada menos

    importante ou mesmo suprflua. Tal viso, que dificulta a estruturao do setor, vem

    sendo gradativamente alterada. Hoje presenciamos, sobretudo no mbito municipal,

    um processo crescente de institucionalizao da rea, com a criao de secretarias

    (mesmo conjuntamente com outras polticas), de conselhos de cultura, de fundaes,

    de fundos de financiamento e de busca de formao mais qualificada para seus

    gestores.

    Cabe ressaltar que esse um campo profissional novo, que demanda

    conhecimentos mltiplos, interdisciplinares, algumas vezes ultraespecficos, outras

    muito diversificados. A disponibilidade de cursos e de centros de formao prof issional

    para gestores culturais ainda pequena, concentrada nas capitais, sobretudo no

    Sudeste do pas. A qualificao dos trabalhadores da rea da gesto cultural

    fundamental para a efetivao das prprias polticas setoriais, que necessitam da

    criao de ferramentas de planejamento e de avaliao prprios, que devem poder

    contar com diagnsticos para serem melhor elaboradas, buscando atingir um maior

    grau de eficcia e de permanncia.

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    A problemtica da permanncia ou da descontinuidade outro dos obstculos

    enfrentados pelas polticas culturais; na verdade, pela maioria das polticas pblicas no

    Brasil. Polticas so processuais, levam algum tempo para gerar resultados visveis,

    que possam ser medidos, avaliados. Mas as administraes pblicas que se sucedem

    costumam alimentar a m tradio de desvalorizar a priori as realizaes e os

    processos implementados pela gesto anterior e de buscar impor uma marca nova

    administrao atual. Terminamos por assistir a um processo contnuo de desperdcio

    de recursos oramentrios e fsicos. No caso da cultura, tal prtica administrativa

    desastrosa. Processos culturais so gestados em um tempo mais longo. Estmulos

    diversificao e revitalizao das prticas culturais no costumam gerar frutos

    rapidamente; so na verdade processos, e no aes de resultados imediatos.

    Outra preocupao presente no cenrio contemporneo a ampliao dos

    processos participativos. Polticas culturais so definidas como fruto de aes

    implementadas pelo governo e pela sociedade civil em suas mais diversas formas de

    representao. As polticas implementadas tendero a se efetivar quanto maior for o

    grau de pactuao com o pblico por ela atingido. O desafio que se apresenta criar e

    manter canais de dilogo e formas de representao que permitam a construo de

    polticas de modo colaborativo. Um desses canais a criao de conselhos de cultura,

    no mnimo paritrios, com a participao ampliada dos diversos segmentos da

    sociedade civil.

    As questes aqui levantadas institucionalizao do campo, formao de

    pessoal, continuidade e participao ampliada funcionam, em conjunto, para permit ir

    alcanar um objetivo maior, ou seja, visam a garantir a diversidade cultural. O maior

    desafio, hoje, das polticas culturais transformar nossas desigualdades histricas de

    acesso e de manifestao em diferenas que permitam a efetiva existncia,

    convivncia e preservao da rica diversidade cultural brasileira.

    Diversidade cultural e democracia cultural

    Uma poltica cultural atualizada deve reconhecer a existncia da diversidade de

    pblicos, contemplando as vises e os interesses diferenciados que compem a

    contemporaneidade. No caso brasileiro, premente reverter o processo de excluso da

    maior parcela do pblico das oportunidades de consumo e de criao culturais. Nstor

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    Canclini utiliza o conceito de hibridizao cultural como uma ferramenta para demolir a

    concepo do mundo da cultura em trs camadas: culta, popular e massiva. O conceito

    de hibridizao abrange diversas mesclas interculturais, e no apenas as tnicas, que

    se costumam encaixar no termo mestiagem, ou as preponderantemente religiosas,

    categorizadas enquanto sincretismos.

    A promoo de polticas de carter universal deve se dirigir, segundo Pierre

    Bourdieu e Alain Darbel, contra a desigualdade natural das necessidades culturais.

    Para os estudiosos franceses, necessrio ter cautela na aplicao mecnica e

    simplista de uma poltica de acesso. Ao analisar a questo do pblico dos museus de

    arte em diferentes cidades da Europa, os autores alertam para o fato de que,

    [...] se incontestvel que nossa sociedade oferece a todos a possibilidade pura de tirar proveito das obras expostas no museu, ocorre que somente alguns tm a possibilidade real de concretiz-la. Considerando que a aspirao prtica cultural varia como a prtica cultural e que a necessidade cultural reduplica medida que esta satisfeita, a falta de prtica acompanhada pela ausncia do sentimento dessa privao (BOURDIEU & DARBEL, 2003, p. 69).

    A poltica de franqueamento das diversas atividades culturais ao conjunto da

    sociedade tem como desafio o compartilhamento dessas mltiplas linguagens com esse

    mesmo conjunto. Segundo Tereza Ventura, o desaf io que se impe combinar

    processos culturais particulares com direitos de cidadania universais (VENTURA, 2005,

    p. 88).

    A ao na rea da cultura tem sido frequentemente pensada por meio de uma

    viso limitada ao acontecimento episdico, ao evento, inclusive por muitos dos

    gestores da rea pblica. Qualquer processo de gesto requer diretrizes,

    planejamento, execuo e avaliao de resultados, e com a cultura no diferente. As

    aes pblicas tm de demonstrar minimamente coerncia entre o que se diz buscar e

    as aes postas em prtica. No entanto, no podemos perder de vista que, na maioria

    dos casos, no existe relao diretamente mensurvel entre causa e efeito no campo

    da ao cultural, o que torna complexa a avaliao. Parte das aes interage com o

    campo das mentalidades, das prticas culturais enraizadas, necessitando de um tempo

    mais longo para gerar resultados visveis. Nesse caso, o grande desafio criar projetos

    que no sejam desmontados a cada nova administrao, gerando um ciclo contnuo de

    desperdcio de recursos e de trabalho.

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    Um dos possveis caminhos a serem seguidos nesse processo de construo de

    polticas de longo prazo o do envolvimento dos agentes atingidos por tais polticas. O

    pas vive hoje um movimento contnuo de construo de projetos coletivos de gesto

    pblica nas mais variadas reas. So cada vez mais atuantes os conselhos que contam

    com a participao efetiva da sociedade civil. Os produtores, os agentes, os gestores

    culturais, os artistas, o pblico em geral tambm vm buscando formas de participar e

    de interferir nos processos de deciso no campo das polticas pblicas culturais.

    Ressurgem movimentos de valorizao das manifestaes culturais locais que

    incentivam tanto a redescoberta dos artistas da comunidade, quanto de novas formas

    de produo artstico-culturais. Aumentam as demandas pela formao e pela

    especializao dos agentes culturais locais em todos os nveis, do arteso aos

    responsveis pelas atividades burocrticas, que devem implementar seus projetos

    buscando uma autonomia cultural.

    A base de um novo modelo de gesto est no reconhecimento da diversidade

    cultural dos distintos agentes sociais e na criao de canais de participao

    democrtica. A tendncia mundial aponta para a necessidade de mais racionalidade no

    uso dos recursos, buscando obter aes ou produtos (centro de cultura, museu,

    biblioteca, curso de formao) capazes de se transformar em multiplicadores desses

    ativos culturais. a falncia do modelo de uma poltica de pulverizao de recursos,

    como foi o caso do Programa de Ao Cultural da dcada de 1970, que, mesmo

    cobrindo vastos espaos territoriais, no evitou a falta de integrao entre eventos que

    foram percebidos e vivenciados de maneira isolada, ou seja, mobilizou uma grande

    soma de recursos com um resultado pequeno, mas que ainda vem sendo

    insistentemente utilizado por algumas administraes.

    No caso brasileiro, encontramos, nos diversos nveis de governo, rgos

    responsveis pela gesto cultural. Em todos eles esto presentes os problemas da

    carncia de recursos. fundamental definir as relaes que podem e devem ser

    estabelecidas entre os vrios rgos pblicos de gesto cultural nos mbitos federal,

    estadual e municipal, e destes com outras reas governamentais, com as instituies

    privadas e com a sociedade civil. Existe uma srie de competncias legais comuns

    Unio, aos Estados e municpios, dentre as quais podemos destacar a funo de

    proteger os documentos, as obras e outros bens de valores histrico, artstico e

    cultural, os monumentos, as paisagens naturais e os stios arqueolgicos.

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    Uma conseqncia visvel disso a existncia de um conjunto de instituies

    como museus, centros culturais, galerias de arte, bibliotecas e teatros, sob a

    administrao indistinta da Unio, dos Estados e dos municpios. Essas instituies

    possuem acervos similares e promovem, muitas vezes, atividades idnticas sem ao

    menos buscar uma integrao ou um planejamento partilhado. No existem polticas

    nacionais, por exemplo, de gesto desses acervos. No existe tampouco um lugar que

    centralize essas informaes, permitindo ao governo um real conhecimento da atual

    situao, subsdio indispensvel para a elaborao de polticas. H, portanto, a

    necessidade de realizar algumas partilha de tarefas entre os diversos nveis de

    governo, evitando duplicidades ou, ao contrrio, a omisso de aes, como

    comumente ocorre na rea dos bens tombados.

    A diversidade cultural pe em pauta a questo da democracia cultural. Um

    processo contnuo de democratizao cultural deve estar baseado em uma viso de

    cultura como fora social de interesse coletivo, que no pode ficar dependente das

    disposies do mercado. Numa democracia participativa, a cultura deve ser encarada

    como expresso de cidadania. Um dos objetivos de governo deve ser, ento, o da

    promoo das formas culturais de todos os grupos sociais, segundo as necessidades e

    os desejos de cada um, procurando incentivar a participao popular no processo de

    criao cultural, promovendo modos de autogesto das iniciativas culturais. A

    cidadania democrtica e cultural contribui para a superao de desigualdades, para o

    reconhecimento das diferenas reais existentes entre os sujeitos em suas dimenses

    social e cultural. Ao valorizar as mltiplas prticas e demandas culturais, o Estado est

    permit indo a expresso da diversidade cultural.

    A gesto de Gilberto Gil no Ministrio da Cultura

    A escolha de Gilberto Gil, um artista consagrado, para o posto de Ministro da

    Cultura foi recebida com uma certa reserva por intelectuais e artistas. Desde o

    lanamento do programa de governo A imaginao a servio do Brasil, foram

    geradas muitas expectativas sobre os rumos da poltica de cultura no pas. O programa

    garantia que estariam na pauta do governo as seguintes questes: a) cultura como

    poltica de Estado; b) Economia da Cultura; c) Gesto Democrtica; d) Direito

    memria; e) Cultura e comunicao e, f) Transversalidade das polticas culturais.

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    No primeiro ano da gesto do Ministro Gil, foi elaborado um plano de extensa

    reformulao da estrutura do MinC e de ampliao de seu campo de atuao. Logo de

    incio, ainda para o primeiro mandato, estavam previstas alteraes profundas na lei

    de incentivo, que no ocorreram. Antes de elaborar o projeto de mudana da Lei

    Rouanet, o Ministrio realizou uma srie de consultas sociedade atravs dos

    seminrios Cultura para todos, que percorreram os estados do Rio de Janeiro, So

    Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Par e Pernambuco, e de fruns com a

    participao de diversos segmentos da rea artstica e da sociedade em geral. Ficaram

    evidenciadas, tanto as distores acarretadas pela forma da aplicao da lei, quanto a

    sua extrema importncia para o setor artstico-cultural. Os objetivos das mudanas

    tinham por base princpios de democratizao e regionalizao da distribuio de

    recursos. Estavam abertos os primeiros canais de dilogo entre o MinC e a sociedade

    civil.

    Ao longo da gesto Gil, algumas medidas foram tomadas no sentido de

    minimizar as distores existentes, tais como a do investimento no processo de

    seleo de projetos atravs de editais, tanto internos, quanto por intermdio dos

    maiores investidores na Lei, como o caso da Petrobras. Houve ainda iniciativas de

    estmulo apresentao de projetos por reas e regies tradicionalmente menos

    presentes nas demandas Lei. O fluxo nacional de projetos apresentados cresceu

    consideravelmente, porm as distores se mantiveram.

    Internamente, foi planejada a criao de novas secretarias, buscando gerar

    agilidade operacional e racionalizao do trabalho, e promovendo uma melhor

    definio do papel do prprio Ministrio dentro do sistema de governo. Com a

    reformulao aprovada em 12 de agosto de 2003, atravs do Decreto n 4.805, foram

    criadas a Secretaria de Articulao Institucional, a Secretaria de Polticas Culturais, a

    Secretaria de Fomento e Incentivo Cultura, a Secretaria de Programas e Projetos

    Culturais, Secretaria do Audiovisual e a Secretaria de Identidade e Diversidade

    Cultural. Estava formada uma nova estrutura administrativa para dar suporte

    elaborao de projetos, aes e de polticas diferenciados.

    Pela primeira vez, o Ministrio buscava empreender uma poltica de

    aproximao com outros ministrios, estados e municpios, alm de outras entidades e

    rgos com finalidades pblicas (Sesc, Sesi, Senai, etc.) esta a principal funo da

    Secretaria de Articulao Institucional - SAI. J a Secretaria de Polticas Culturais -

    SPC foi a responsvel pelos convnios com o IBGE e com o IPEA que resultaram em

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    pesquisas e estudos estatsticos, bem como na formulao de indicadores, subsdios

    fundamentais para a elaborao de polticas pblicas. Entre as funes da SPC est a

    da elaborao do Plano Nacional de Cultura. Enfim, todas as secretarias

    empreenderam aes inovadoras, muitas vezes atingindo um pblico que sempre

    esteve margem das aes ministeriais.

    Outra ao de destaque dentro da gesto do Ministro Gil foi a realizao, em 2005,

    da 1 Conferncia Nacional de Cultura, algo indito em termos da participao social

    mais ampla. As conferncias municipais, estaduais e interestaduais possibilitaram, em

    todas as regies do pas, a instalao de diferentes espaos, de reflexo, debate

    nacional sobre a situao da cultura, avaliando perspectivas, levantando possibilidades

    de avano e propondo novas formas de atuao. Formalmente, a CNC foi uma das

    etapas do processo de elaborao do Plano Nacional de Cultura - instituda atravs da

    Emenda Constitucional n 48 de 1 de agosto de 2005 - coletando propostas de

    diretrizes. A Emenda Constitucional prev que o Plano Nacional de Cultura conduza

    defesa e valorizao do patrimnio cultural brasileiro; produo, promoo e difuso

    de bens culturais; formao de pessoal qualif icado para a gesto da cultura em suas

    mltiplas dimenses; democratizao do acesso aos bens da cultura; e valorizao da

    diversidade tnica e regional.

    Foram ainda estabelecidos canais de dilogos com as administraes municipais e

    estaduais, com o objetivo de criar um Sistema Nacional de Cultura. Nesse processo

    tambm esto envolvidos representantes da rea artstico-cultural e da sociedade civil

    em geral. Sua continuidade implica na delimitao real de direitos e deveres de cada

    um dos grupos participantes, que devem se tornar parceiros e co-responsveis.

    A gesto atual do Ministrio da Cultura, portanto, realizou avanos signif icativos

    no sentido de colocar a cultura dentro da agenda poltica do governo, fazendo com que

    ela deixasse de ter um papel praticamente decorativo entre as polticas

    governamentais. Contudo, novas questes se colocam. As reformas realizadas

    forneceram as condies mnimas de funcionamento para o Ministrio. Esto abertos

    novos campos de atuao, nos quais os tcnicos da rea da cultura tm sido chamados

    para participar de alguns fruns de deciso. Resta, agora, transformar esse complexo

    de aes em polticas que possam ter alguma garantia de continuidade nas prximas

    dcadas.

    Gilberto Gil alterou a agenda poltica do Ministrio da Cultura, abriu inmeras

    frentes de trabalho e de discusso sobre o papel da cultura, da gesto pblica e das

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    polticas na sociedade contempornea. Falta consolidar uma nova cultura dentro da

    gesto pblica da cultura (e a redundncia na afirmativa necessria). Ainda

    necessrio empreender esforos para a consolidao de aes e efetivao de polticas

    no frtil campo j semeado.

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