daniela cunha terto - universidade federal do rio grande ... · daniela cunha terto relaÇÕes...

264
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA GESTÃO EDUCACIONAL NO SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO NATAL/RN MARÇO DE 2017

Upload: trinhngoc

Post on 09-Feb-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

  

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO  

 

DANIELA CUNHA TERTO

RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA GESTÃO EDUCACIONAL NO SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

NATAL/RN

MARÇO DE 2017

Page 2: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

DANIELA CUNHA TERTO

RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA GESTÃO EDUCACIONAL NO SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

 

 

 

 

 

 

Tese de Doutorado apresentada à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação do  Centro de Educação da Universidade Federal do Rio  Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Educação.  Linha de Pesquisa: Educação, política e práxis educativa. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Alda Maria Duarte Araújo Castro.

 

 

 

NATAL/RN MARÇO DE 2017

Page 3: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

Divisão de Serviços Técnicos.

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do NEPSA /

CCSA

Terto, Daniela Cunha.

Relações intergovernamentais e o fortalecimento da gestão educacional no

Sistema Municipal de Educação / Daniela Cunha Terto. - Natal, 2017.

263f.: il.

Orientadora: Profa. Dra. Alda Maria Duarte Araújo Castro.

Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação.

1. Educação – Tese. 2. Gestão educacional – Tese. 3. Relações

intergovernamentais – Tese. 4. Plano de Ações Articuladas (PAR) – Tese. I. Castro,

Alda Maria Duarte Araújo. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.

Título.

RN/UF/BS CDU 37.091

Page 4: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

DANIELA CUNHA TERTO

RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO FORTALECIMENTO DA GESTÃO EDUCACIONAL DO SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

Tese de Doutorado apresentada à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Educação do  Centro de Educação da Universidade Federal do Rio  Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em Educação.  Linha de Pesquisa: Educação, política e práxis educativa. 

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________

Prof.ª Dr.ª Alda Maria Duarte Araújo Castro (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

 

_____________________________________________ Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva (Examinador Externo) 

Universidade Federal de Uberlândia – UFU

_____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Jacob Chaves (Examinadora Externa) 

Universidade Federal do Pará

_____________________________________________ Prof.ª Dr.ª Dalva Valente Guimarães Gutierres (Examinadora Externa - suplente) 

Universidade Federal do Pará

_____________________________________________ Profa. Dra. Luciane Terra dos Santos Garcia (Examinadora Interna) 

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 

_____________________________________________ Prof. Dr. Antônio Cabral Neto - UFRN (Examinador Interno) 

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

_____________________________________________ Profa. Dra. Magna França (Examinadora Interna – suplente) 

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN 

Page 5: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

Dedico este trabalho aos meus pais, Maria das Dores e Veronildo. Sem o apoio de vocês eu jamais teria chegado à uma universidade pública e gratuita e nem teria alcançado esse título.

Page 6: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo amor e zelo com os quais conduz minha vida.

A minha família, porto onde posso repousar, apesar das tribulações, pela alegria que sinto quando estamos juntos e em paz.

Ao meu esposo Genivan, pela companhia e parceria de mais de dez anos (e também pelo suporte técnico).

Aos amigos e amigas da Linha de pesquisa Educação, política e práxis educativa, especialmente àquelas que me acompanham desde a época em que éramos Base de pesquisa.

Aos professores e professoras do Centro de Educação da UFRN pelas valorosas contribuições em minha formação profissional, especialmente aos professores Antônio Cabral, Aparecida Queiroz, Dante Moura, Gilmar Guedes, Goretti Cabral, Luciane Terra e Magna França por tanta aprendizagem que não caberia nesse agradecimento.

A minha orientadora, professora Alda Castro, pela competência e rigor com os quais conduziu o trabalho, tornando-se inspiração para a trajetória profissional.

Aos amigos/irmãos e amigas/irmãs do IFRN Campus Currais Novos. Descobri que tenho uma grande (e também muito ouriçada) família no Seridó do Rio Grande do Norte, cuja companhia sempre foi alento, alegria e satisfação.

Aos amigos, parceiros da vida, galera do Puxadinho e da Sextana.

Ao Programa de Pós-graduação em Educação, especialmente ao seu secretário Milton, por sua atenção e esmero.

Aos membros do projeto “Avaliação do Plano de Ações Articuladas (PAR): um estudo em municípios dos estados do Rio Grande do Norte, Pará e Minas Gerais no período de 2007 a 2012” pelo aprendizado durante a construção coletiva do conhecimento e ao OBEDUC/CAPES pelo financiamento da pesquisa.

A todos os entrevistados pela disponibilidade com que nos receberam, proporcionando a realização deste trabalho e ao atual secretário de educação de Riachuelo/RN, Rivaldo Bevenuto, por continuar atendendo nossas solicitações, fundamentais para a conclusão do trabalho.

.

Page 7: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

A gente saiu de lá [Riachuelo] com eles prometendo que iriam fazer isso [o PAR] certo, você notava o olho brilhando, a vontade, a empolgação, o sorriso. E, assim, a gente espera que isso tenha acontecido (ENTREVISTADA 05, 2015).

Page 8: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

RESUMO

A presente Tese analisa as relações intergovernamentais entre a União e o município de Riachuelo/RN no âmbito do Plano de Ações Articuladas – PAR (2007-2011), buscando compreender se o inter-relacionamento pactuado no Plano foi capaz de fortalecer a gestão democrática na rede de ensino do município de Riachuelo. O PAR é uma política de planejamento e gestão dos sistemas de ensino, implementada nos municípios, estados e Distrito Federal em colaboração com a União visando à melhoria da qualidade da educação básica. Essa tese assume como referencial teórico-metodológico o materialismo histórico-dialético. Compreende-se que pensar a inter-relação entre os diferentes níveis de governo na execução de políticas educacionais, implica considerá-las no plano da historicidade e das contradições, como parte de uma totalidade maior, constituída por uma relação inseparável entre o estrutural e o conjuntural. Como procedimentos técnicos de pesquisa, foram utilizados a revisão da literatura, a análise documental e a realização de entrevistas semiestruturadas com membros da equipe técnica local de elaboração do PAR de Riachuelo. Os resultados evidenciam que ainda que o PAR tenha sido concebido sob a perspectiva do regime de colaboração, este Plano se caracteriza mais como uma política induzida pelo governo central, caracterizando assim ingerência da União sob os demais entes da federação. Na trajetória da federação brasileira há um predomínio do governo central, inclusive na proposição de políticas públicas, cuja adesão voluntária dos demais entes federados é reforçada por suas baixas capacidades arrecadatória e técnica, tornando-os dependentes da assistência técnica e financeira da União, o que provoca o desequilíbrio das relações entre os governos nas arenas decisórias. Ao aderir ao PAR, os municípios se comprometem a avaliar a gestão educacional, pactuando ações que visam fortalecer a gestão democrática nas redes de ensino, tais como a criação de órgãos colegiados, de planos municipais de educação, de projetos pedagógicos e escolha de diretores escolares. No município de Riachuelo, concluiu-se que o PAR foi formulado e executado tendo como parâmetro os princípios da gestão gerencial, modelo antagônico à gestão democrática. Foi estabelecido por meio de um contrato de gestão e foram instituídas novas formas de controle da execução do Plano. Apesar de seu caráter gerencial, pode-se concluir que o PAR trouxe melhorias para o sistema de educação de Riachuelo. Alterou a lógica patrimonialista predominante na assistência da União aos municípios e favoreceu, ainda que timidamente, a gestão democrática no município ao instituir mecanismos capazes de ampliar os espaços de autonomia, participação e descentralização do sistema de ensino e das escolas. A contribuição, contudo, ocorreu em pequena escala, pois se consubstanciou em ações fragmentadas e sem a efetiva participação da comunidade escolar. A consolidação da gestão democrática em Riachuelo é, portanto, tarefa que não se esgota com a proposição de uma política de governo pontual como o PAR, pois demanda mudanças estruturais que estão além das possibilidades do Plano.

Palavras-chave: Relações Intergovernamentais. Gestão Educacional. Gestão Democrática. Plano de Ações Articuladas.

Page 9: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

ABSTRACT

This present thesis analyzes the relationship between the Union and Riachuelo/RN city in relation to Plano de Ações Articuladas – PAR (“Articulated Actions Plan”; 2007-2011), searching for understanding if this inter-relationship colluded in that Plan was able to strengthen the democratic management on the teaching network at Riachuelo. PAR refers to politics of planning and management of teaching systems, implemented at cities, states and Federal District in cooperation to the Union aiming to improve elementary and high school teaching quality. This take as theoretical and methodological the materialism historical-dialectical mechanism. We understand that thinking an inter-relation among several levels of the government in the accomplishment of education politics in the case of PAR implies considering it a plan in historicity and in its contradictions as part of a larger entirety, build by an inseparable relationship between the structure and the conjunctural ones. As technical procedures for researching we used the literature review, the documental analyzes and we have made interviews semi-structured with members of the local technical staff that elaborated Riachuelo’s PAR. The results made clear that even if PAR had been made as a cooperative administration perspective between federated parts and this plan, it could be characterized more as a policy incited for the central government with actions that arepredetermined so that the other federative parts do not have the autonomy to change the political design. This way it characterizes a meddling of the Union upon the other federative parts. In Brazilian federative history, there is always a predominance of the central government including in the proposal of public politics, whose voluntary adhesion of the other federative parts is reinforced for its low-income levy and low technical capacity making them dependents of the technical and financial assistance of the Union. This provokes unbalance of relations among government parts on the decisive fields. As they adhere to PAR, cities are committed to evaluate the education management, associating actions that aim to strengthen the democratic management in teaching network, such as the creation of collegial organ, city plans for education, pedagogical projects and the election of school principals. In Riachuelo city, we could conclude that PAR was build and executed having a parameter of the principals of technical management, antagonist model to democratical management. A management contract and was established and it was set new forms of controlling of the plan execution. Despite of its management character we concluded that PAR bought up better quality for the educational system of Riachuelo. The interrelations established between the city and Union by Plano de Ações Articuladas from 2007 to 2011 were positive in the sense they changed the patrimonial logic that predominates at the Union assistance for the cities, and it also strengthen otherwise timidly the democratic management in the city, by imposing arrangements capable of expanding autonomy spaces, partnership and decentralizing of the teaching system and of schools. However, the contribution occurred in a smaller scale, since it substantiated in fragmented actions and without the effective participation of the school community. The consolidation of the democratical management in Riachuelo city as well is therefore a task that is not finished with the proposition of punctual government politics as it is in PAR, because it demands structural changes that are beyond Plans possibilities.

Key words: Government Interrelations. Educational Management. Democratic Management. Articulated Actions Plan.

Page 10: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

RESUMEN

La presente tesis analiza las relaciones intergubernamentales entre el Estado y el municipio de Riachuelo, estado de Rio Grande do Norte, en el ámbito del Plano de Ações Articuladas – PAR (“Plan de Acciones Articuladas”; 2007-2011), procurando comprender si la interrelación pactada en el Plan fue capaz de fortalecer la gestión democrática en la red de enseñanza del municipio de Riachuelo. El PAR consiste en una política de planificación y gestión de los sistemas de enseñanza, implantada en los municipios, estados y el Distrito Federal en colaboración con el Estado y el objetivo de mejorar la calidad de la educación primaria y secundaria. Esta tesis asume como referencial teórico-metodológico el materialismo histórico-dialéctico. Se entiende que el pensar la interrelación entre los distintos niveles de gobierno en la ejecución de políticas educativas, en este caso el PAR, implica en considerarla sobre el plan de la historicidad y las contradicciones, como parte de una totalidad más grande, constituida por una relación inseparable entre lo estructural y lo coyuntural. Como procedimientos técnicos de investigación, se han utilizado la revisión de la literatura, el análisis documental y la realización de entrevistas semiestructuradas con miembros del equipo técnico local de elaboración del PAR en Riachuelo. Los resultados evidencian que si bien el PAR se concibió desde la perspectiva del régimen de colaboración entre entidades federadas, se caracteriza másbien como una política inducida por el gobierno central, con acciones predeterminadas de manera que las demás entidades no poseen autonomía para modificar el diseño de la política, lo que caracteriza, en definitiva, una injerencia del Estado en las entidades de la federación. En la trayectoria de la federación brasileña hay un predominio del gobierno central, incluso en la proposición de políticas públicas, cuya adhesión voluntaria de parte de las demás entidades federadas se ve reforzada por sus bajas capacidades recaudatoria y técnica, que las hacen dependientes del auxilio técnico y financiero del Estado, lo que causa desequilibrio en las relaciones entre los gobiernos en las arenas decisorias. Al adherir al PAR, los municipios se comprometen con la evaluación de la gestión educativa, pactando acciones que objetiven fortalecer la gestión democrática en las redes de enseñanza, como la creación de órganos colegiados, de planes municipales de educación, de proyectos pedagógicos y la elección de los dirigentes escolares. En el municipio de Riachuelo, se concluye que el PAR se formuló y se ejecutó bajo los principios de la gestión gerencial, modelo antagónico a la gestión democrática. Se estableció mediante un contrato de gestión y se instituyeron nuevas formas de control de la ejecución del Plan. Pese a su carácter gerencial, se puede concluir que el PAR comportó mejoras en el sistema educativo de Riachuelo. Las interrelaciones establecidas entre el municipio y el Estado desde el Plan de Acciones Articuladas en el período de 2007 a 2011 fueron positivas en el sentido en que alteraron la lógica patrimonialista predominante en el auxilio del Estado a los municipios y también porque favoreció, aunque tímidamente, la gestión democrática en el municipio, al instituir mecanismos capaces de ampliar los espacios de autonomía, participación y descentralización del sistema de enseñanza y de las escuelas. La contribución, con todo, se dio en pequeña escala, ya que se consubstanció en acciones fragmentarias y sin la efectiva participación de la comunidad escolar. La consolidación de la gestión democrática en Riachuelo es, por tanto, una tarea que no se agota con la proposición de una política de gobierno puntual como el PAR, puesto que demanda cambios estructurales que están más allá de las posibilidades del Plan.

Palabras clave: Relaciones intergubernamentales. Gestión educativa. Gestión democrática. Plan de Acciones Articuladas.

Page 11: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 01 Pirâmide de poder 50

Ilustração 02 Modelo centro-periferia 45

Ilustração 03 O modelo de matriz 45

Ilustração 04 Tipos de relações intergovernamentais 53

Ilustração 05 Organograma da Secretaria Municipal de Educação

de Riachuelo/RN em 2014

171

Ilustração 06 Objetivo estratégico 03 – PES 2007 216

Page 12: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Sujeitos entrevistados 34

Quadro 02 Pontuação das ações do PAR 157

Quadro 03 Tipos de execução das ações do PAR 158

Quadro 04 Pobreza e desigualdade de renda no município de

Riachuelo (2001 a 2010)

169

Quadro 05 IDEB - Riachuelo, RN, Brasil (2005 a 2013) 172

Quadro 06 Indicador: Existência e funcionamento de conselhos

escolares no Plano de Ações Articuladas de

Riachuelo/RN

195

Quadro 07 Indicador: Existência, composição, competência e

atuação do Conselho Municipal de Educação nos

Planos de Ações Articuladas de Riachuelo/RN

201

Quadro 08 Indicador: composição e atuação do Conselho de

alimentação escolar nos Planos de Ações

Articuladas de Riachuelo/RN

204

Quadro 09 Indicador: existência de projeto pedagógico nas

escolas municipais nos Planos de Ações Articuladas

de Riachuelo/RN

209

Quadro 10 Indicador: existência, acompanhamento e avaliação

do Plano Municipal de educação, desenvolvido com

base no Plano Nacional de Educação nos Planos de

Ações Articuladas de Riachuelo/RN

213

Quadro 11 Indicador: critérios para escolha da direção escolar

nos Planos de Ações Articuladas de Riachuelo/RN

220

Page 13: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CAE Conselho de Alimentação Escolar

CE Conselho Escolar

CF Constituição Federal

CME Conselho Municipal de Educação

FMI Fundo Monetário Internacional

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de

Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e

de Valorização do Magistério

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

NGP Nova Gestão Pública

OMC Organização Mundial do Comércio

PAR Plano de Ações Articuladas

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PNE Plano Nacional de Educação

PP Projeto Pedagógico

PPA Plano Plurianual

PPP Projeto Político Pedagógico

RIG Relações Intergovernamentais

SEMEC Secretaria Municipal de Educação

SIMEC Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do

Ministério da Educação

SUS Sistema Único de Saúde

TPE Todos Pela Educação

UFPA Universidade Federal do Pará

Page 14: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFU Universidade Federal de Uberlância

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

Page 15: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

SUMÁRIO  

1.  INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15 1.1 CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA ...................................................................... 15 1.2 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO ................................................................ 22 1.3 OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS ........................................................................ 25 1.4 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA ................................ 26 1.5 DELIMITAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS .............................................. 31 1.6 DELIMITAÇÃO DO CAMPO EMPÍRICO DA PESQUISA ......................................... 35 1.7 ESTRUTURA DA TESE ................................................................................................. 35 2.  FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS ........................................... 37 2.1 FEDERALISMO: CONCEITO E NATUREZA ............................................................. 37 2.2 FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS ................................... 50 2.3 FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO BRASIL ............. 59 2.4 FEDERALISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL ............................................................. 71 3. GESTÃO E PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL NO BRASIL E REPERCUSSÕES NO CAMPO EDUCACIONAL .......................................................... 82 3.1 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: NOVOS DISCURSOS, VELHAS PRÁTICAS ............................................................................................................................ 83 3.2 PLANEJAMENTO E GESTÃO GOVERNAMENTAL NO ESTADO BRASILEIRO: A INDISSOCIABILIDADE DISSOCIÁVEL ......................................................................... 102 3.3 PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL ...................................................... 115 3.4 GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA PÚBLICA ................................................ 121 4.  O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS NO CONTEXTO DO PLANEJAMENTO E DA GESTÃO EDUCACIONAL ................................................. 132 4.1 PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO E PLANO DE METAS COMPROMISSO TODOS PELA EDUCAÇÃO: ORIGENS, BASES DE SUSTENTAÇÃO E IMPLICAÇÕES NA GESTÃO EDUCACIONAL .......................................................... 132 4.2 O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL ............................................................ 152 4.3 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DO PAR ....... 162 5.  RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS ENTRE OS ENTES FEDERADOS NO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS DE RIACHUELO/RN: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ÁREA GESTÃO DEMOCRÁTICA .......................................................... 168 5.1 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE RIACHUELO/RN ................................. 168 5.2 RIGS E AUTONOMIA MUNICIPAL NA ELABORAÇÃO DO PAR DE RIACHUELO/RN ................................................................................................................ 173 5.2.1 A adesão de Riachuelo ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação ....... 175 

Page 16: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

5.2.2 Elaboração do Plano de Ações Articuladas: diagnóstico do município e escolha das ações ..................................................................................................................................... 178 5.2.3 Contribuições do PAR para a organização do sistema municipal de ensino .............. 187 5.2.4 O PAR enquanto instrumento de fortalecimento do regime de colaboração .............. 189 5.3 GESTÃO EDUCACIONAL EM RIACHUELO/RN: ANÁLISE DA DIMENSÃO GESTÃO DEMOCRÁTICA ................................................................................................ 193 5.3.1 Órgãos colegiados no PAR de Riachuelo: espaços de deliberação ou consenso? ...... 194 5.3.2 PPP e PME no PAR de Riachuelo: diferentes concepções de gestão em disputa ....... 208 5.3.3 Escolha de diretores no PAR de Riachuelo: quando critérios político-clientelistas são determinantes ....................................................................................................................... 219 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 226 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 235 APÊNDICES ....................................................................................................................... 257 

 

 

Page 17: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

15  

  

1. INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTUALIZANDO A TEMÁTICA

As mudanças do modo de produção capitalista ocasionadas pela sua crise estrutural ao

final do século XX1 vêm provocando modificações nos âmbitos sociais, políticos, econômicos

e culturais em nível global. A reestruturação do capital visando a reconstituir seu período de

ascensão e a reestabelecer a hegemonia burguesa, provocou o desenvolvimento de uma nova

ordem social e assumiu uma forma globalizada, baseada na evolução das novas tecnologias da

comunicação e informação, afetando não só os processos produtivos, mas também as próprias

relações sociais.

A saída encontrada pelo capital para superação da crise esteve no neoliberalismo2, na

retomada dos princípios liberais de mercado e na ofensiva ao Estado intervencionista e de

bem-estar social. O neoliberalismo, portanto, “[...] deve ser entendido como um novo estágio

do capitalismo que surgiu na esteira da crise estrutural de 1970” (DUMÉNIL; LÉVY, 2014, p.

11). Dessa feita, o neoliberalismo constitui-se não apenas como uma saída econômica,

possuindo também um viés político e social global, com isso fundamentando um projeto

político de sociedade. Tal projeto expandiu-se a partir dos anos 1970 para os países

capitalistas, quer fossem para aqueles do centro hegemônico quer para aqueles países da

periferia do capitalismo.

A ordem neoliberal internacional – conhecida como globalização neoliberal – foi imposta a todo o mundo, desde os principais países capitalistas do centro até os países menos desenvolvidos da periferia, geralmente ao custo de severas crises, como na Ásia e na América Latina durante as décadas de 1990 e 2000. (DUMÉNIL; LÉVY, 2014, p. 19).

Como se pode perceber, a adoção do neoliberalismo nos países capitalistas não se deu de

maneira linear, de modo que seu desenvolvimento tem sido desigual e marcado por diferenças                                                            1 Duménil; Lévy (2015, p. 29) afirmam que crises estruturais: “[...] são os resultados combinados das contradições internas de cada ordem social e da luta de classes. Marcam rompimentos violentos na história do capitalismo, mas não mudam as evoluções subjacentes”. Os autores destacam quatro crises estruturais do capitalismo, as quais têm como demarcação histórica as décadas de 1890; 1930; 1970; e anos 2000. Conforme os autores, esta última começou com o colapso dos empréstimos subprime em agosto de 2007 nos Estados Unidos. 2 Conforme Anderson (1995, p. 09), o neoliberalismo: “Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar”. Rizotto (2008, p. 275) complementa o conceito afirmando que o neoliberalismo: “Condena toda ação do Estado que limite os mecanismos de mercado, denunciando-as como ameaças à liberdade, não somente econômica, mas também política”. 

Page 18: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

16  

  

territoriais. Os países periféricos inserem-se nessa lógica de maneira subordinada aos

interesses de um pequeno grupo de países hegemônicos e as consequências dessa

subordinação podem ser observadas na exploração da mão de obra e dos recursos naturais

mais baratos e na influência dos organismos internacionais, tais como o Fundo Monetário

Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial, na

política econômica e social, por exemplo.

Uma das orientações do receituário neoliberal para superação da crise foi a redução do

tamanho e da atuação do Estado, tornando-o mínimo. Segundo Minto (2006a, p. 01):

A ideia de Estado Mínimo pressupõe um deslocamento das atribuições do Estado perante a economia e a sociedade. Preconiza-se a não-intervenção, e este afastamento em prol da liberdade individual e da competição entre os agentes econômicos, segundo o neoliberalismo, é o pressuposto da prosperidade econômica.

Nessa perspectiva, o Estado mínimo desponta como remédio para sanar a crise do

capital e embora, na perspectiva neoliberal, ele se mantenha forte em sua capacidade de

romper o poder dos sindicatos e de manter o controle do dinheiro, sua intervenção econômica

e investimentos sociais se dariam de forma ínfima (ANDERSON, 1995). É, portanto, um

Estado mínimo para a classe trabalhadora, entretanto, é máximo para a reprodução do capital.

Como destaca Mészáros (2015, p. 28):

O Estado na sua composição na base material antagônica do capital não pode fazer outra coisa senão proteger a ordem sociometabólica estabelecida, defendê-la a todo custo, independentemente dos perigos para o futuro da sobrevivência da humanidade.

Nesse sentido, é ingenuidade a crença no Estado mínimo e na capacidade de

autorregulação do mercado por meio de sua “mão invisível”, a superação da crise capitalista e

a retomada de sua hegemonia dependem de um Estado extremamente forte. Assim, ainda em

conformidade com Mészáros (2015, p. 27), o envolvimento do Estado é inevitável para o

capital: “Pelo lado do capital, a crise estrutural de nossa época ativa a demanda por um

envolvimento cada vez mais direto do Estado na sobrevivência contínua do sistema, mesmo

que isso seja contrário à automitologia da ‘iniciativa privada’ superior”. Conter a inflação,

desregulamentar a economia, estabelecer compromissos com organismos internacionais

visando ao pagamento da dívida externa e à estabilidade econômica são exemplos de ações

desenvolvidas pelos Estados neoliberais nas últimas décadas para atender ao capital.

Page 19: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

17  

  

Nesse contexto, uma prerrogativa do receituário neoliberal aos Estados dizia respeito a

mudanças nos seus padrões de administração. Produto do pensamento hegemônico de que a

administração pública inspirada no modelo burocrático weberiano era uma das responsáveis

pela crise, ganhava força o movimento pela reforma do Estado e do seu aparelho

administrativo. Assim, ao longo das últimas décadas do século XX, a administração dos

serviços públicos, caracterizada como rígida, normativa e excessivamente burocrática, foi

alvo de críticas por aqueles que preconizavam a ineficiência e ineficácia do Estado no tocante

à prestação dos serviços e que defendem uma reforma no modelo de administração

burocrática em prol da perspectiva gerencial e dos ideais do mercado.

Nessa perspectiva, a solução para superar a crise do Estado e de sua administração

burocrática estaria na diminuição da intervenção do Estado na economia e no gerenciamento

do setor privado, como o modelo ideal a ser seguido, seja em função de sua eficiência,

eficácia, produtividade ou de sua agilidade. O novo modelo de gestão pública deveria criar

condições para um desenvolvimento expressivo tanto da governança quanto da

governabilidade do Estado, embora sob a prerrogativa da diminuição dos gastos públicos.

Produto de uma longa maturação de ideias que fecundam o meio acadêmico desde a

década de 1950 (F. COSTA, 2010), o gerencialismo desenvolveu-se e, ao longo da década de

1980, a Nova Gestão Pública (NGP) ganha força e desponta como solução para a

administração pública, preconizando a flexibilização da gestão e a redução de custos e de

pessoal, bem como a redução do número de atividades exercidas pelo Estado, buscando,

assim, o aumento da eficiência e da governabilidade.

Acerca da NGP e da reforma gerencial do Estado, Bresser-Pereira (2010, p. 114)

destaca:

Em meio a essa onda ideológica neoliberal, surgiu na Grã-Bretanha, na segunda metade dos anos 1980, a Reforma Gerencial do Estado [...], também chamada de Reforma da Gestão Pública. Inspirava-se nas estratégias de gestão das empresas privadas, e sua teoria foi chamada de Nova Gestão Pública; ou seja, uma série de ideias desenvolvidas a partir do final dos anos 1980 que buscavam tornar os administradores públicos mais autônomos e responsáveis, e as agências executoras dos serviços sociais mais descentralizadas.

A Nova Gestão Pública foi concebida para promover um incremento significativo no

desempenho estatal mediante a introdução de formas inovadoras de gestão e de iniciativas

destinadas a quebrar as “amarras do modelo burocrático”, a descentralizar os controles

Page 20: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

18  

  

gerenciais, a flexibilizar normas, as estruturas e os procedimentos, inserindo os princípios do

mercado na organização do Estado. Assim, a NGP contribuiria, também, para a redução do

tamanho do Estado, mediante políticas privatizantes, de terceirização e de parcerias público-

privado, tendo como objetivo alcançar um Estado mais ágil, menor e mais barato

(NOGUEIRA, 2005).

No Brasil, a reforma gerencial da administração pública foi definida no Plano Diretor

da Reforma do Aparelho do Estado de 1995 durante o primeiro governo do presidente

Fernando Henrique Cardoso (1995-1998), sob os cuidados do então ministro da Reforma do

Estado, Luis Carlos Bresser-Pereira. A reforma tinha como objetivo reconstruir o Estado,

aumentando sua governança e limitando suas funções (BRASIL, 1995). Para tanto, a reforma

gerencial brasileira utilizou como estratégias o ajuste fiscal, a privatização das empresas

públicas, a flexibilização e a abertura comercial, a descentralização dos serviços sociais do

governo federal tanto para estados e municípios quanto para as organizações públicas não

estatais. Além disso, houve uma série de reformas, como as da educação, as da previdência e

a tributária.

Para Castro (2007), a adoção de um novo paradigma gerencial, que vem substituindo

gradativamente os modelos de gestão considerados burocráticos, traz profundas modificações

nos diversos setores sociais, inclusive no campo educacional. Essa área passa a ser

considerada estratégica para a inserção dos países no reordenamento do capital mundial

enquanto estratégia de crescimento econômico e social dos países, fomentando a

competitividade entre eles. Para tanto, foi implementada na última década do século XX uma

série de reformas educacionais nos países ocidentais, fundamentadas nas orientações da Nova

Gestão Pública.

Lessard e Carpentier (2016) destacam seis tendências que traduzem as principais

evoluções no campo educacional, as quais são frutos da adoção dos princípios na NGP: maior

autonomia dos estabelecimentos, mas com aumento da responsabilização desses pelos

resultados alcançados; busca de um equilíbrio entre centralização e descentralização,

considerando uma tendência a descentralizar as decisões para os níveis intermediários e locais

e a centralizar os objetivos e currículos; promoção da escolha da escola pelos pais,

intensificando a competição entre elas; diversificação da oferta escolar; aumento da regulação

do controle do trabalho docente e a consequente diminuição da autonomia profissional

decorrente de um maior acompanhamento das práticas docentes; expansão da avaliação

externa dos estabelecimentos e do sistema escolar fruto da ampliação da cultura da avaliação.

Page 21: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

19  

  

Dessa forma, as políticas educacionais vêm sofrendo transformações significativas

face ao processo de reestruturação produtiva do capitalismo global e, dentre as principais

mudanças, destacam-se aquelas relacionadas ao campo da gestão educacional. As reformas

vivenciadas a partir da década de 1990 fundamentaram-se na reforma do Estado, tendo por

base suas diretrizes gerenciais, o que ocasionou mudanças na gestão e na organização da

educação sob a justificativa de alcançar o sucesso e a modernização do sistema escolar,

tornando as unidades escolares mais eficientes, eficazes e produtivas.

Partia-se do princípio, estabelecido por agências internacionais, de que era necessário

transformar a gestão das escolas para adequá-las às demandas oriundas, principalmente, do

setor econômico. Destarte, esse modelo de gestão escolar, cujo foco está no resultado final do

processo, “[...] busca estabelecer uma cultura organizacional firmada nos princípios de gestão

estratégica e do controle de qualidade orientada para a racionalização, a eficiência e a

eficácia.” (CASTRO, 2007, p. 132).

A gestão gerencial, portanto, contrapõe-se a uma perspectiva democrática de gestão,

cujos princípios fundamentam-se na distribuição de poder dentro da comunidade escolar, na

participação desta no processo de tomada de decisões, na autonomia e na descentralização das

escolas e dos sistemas de ensino.

No contexto brasileiro, a gestão democrática tem sido defendida por educadores e por

movimentos sociais que historicamente têm lutado por uma educação pública, gratuita e de

qualidade, socialmente referenciada para todos e todas. Ademais, e em razão dessas lutas, está

estabelecida na legislação como um princípio da educação. É mandamento constitucional,

conforme explícito no Artigo 206: “O ensino será ministrado com base nos seguintes

princípios: [...] VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (BRASIL, 2008a).

Também consta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/1996), no

Plano Nacional de Educação – PNE – em vigência (PNE 2014-2024, Lei nº 13.005/2014),

assim como no anterior (PNE 2001-2010, Lei nº 10.172/2001). No entanto, é preciso ressaltar

que esse é um princípio apenas para o ensino público – excetuando-se a rede privada, portanto

– e que, mesmo para as escolas públicas, a legislação nacional tem sido omissa quanto o

esclarecimento do que vem a ser a gestão democrática e o que caracteriza tal modelo. Dessa

forma, cabem aos sistemas de ensino municipais e estaduais estabelecerem suas normas de

gestão democrática, o que deve ocorrer em conformidade com os Artigos 14 e 15 da LDB ao

tratar: da participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da

escola; da participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes;

Page 22: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

20  

  

de progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e financeira às unidades

escolares públicas de educação básica.

Seguindo uma tendência internacional, a gestão educacional democrática e

participativa no Brasil tem sido subsumida pela gestão gerencial, em conformidade com as

reformas educacionais. Assim, é possível afirmar que a confluência de ambos os modelos tem

causado um hibridismo na gestão das escolas e dos sistemas educacionais, conforme detalha

Castro (2016, p. 11):

Esses modelos de gestão convivem hoje no cotidiano das escolas brasileiras e são, cada vez mais, reforçados pelas políticas adotadas pelo Ministério da Educação que de um lado, aprovam, nos marcos legais, uma gestão democrática, baseada em princípios de maior autonomia, maior participação dos profissionais da educação nas decisões da escola, implantação dos Conselhos Escolares, da elaboração do Projeto Político-Pedagógico e da instalação do processo de eleição para os diretores escolares; e de outro lado, adota e financia programas de natureza gerenciais onde prevalece a lógica da competição da eficiência e da produtividade.

É nessa lógica dual que o governo federal lançou, em 2007, o Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), tendo como objetivo a melhoria da qualidade da

educação brasileira em todos os níveis e modalidades.

A defesa pela melhoria da qualidade da educação brasileira não desponta do PDE, uma

vez que esse já era um objetivo perseguido por diversos setores da sociedade. O discurso da

qualidade sob a égide da reforma gerencial, entretanto, ganhou força nos anos 1990 e, nos

anos 2000, teve no empresariado brasileiro um forte aliado, cujo interesse estava voltado para

a adequação da educação pública aos interesses capitalistas. Além disso, o baixo rendimento

dos estudantes brasileiros nos exames internacionais de avaliação colocou o país na lanterna

do ranking mundial. Dessa feita, num contexto em que a educação despontava como fator de

competitividade internacional, o governo federal brasileiro justificou o PDE como estratégia

para a melhoria dos resultados e para a elevação no ranking, conforme acordos firmados com

organismos internacionais, tais como o Banco Mundial e o FMI.

Para a educação básica, o PDE materializa-se por meio do Decreto 6.094, de 24 de

abril do mesmo ano, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso

todos pela Educação. O Plano de Metas preconiza que a melhoria na qualidade da educação

brasileira ocorrerá mediante o cumprimento de vinte e oito diretrizes, estabelecidas pelo

Ministério da Educação, pelos municípios e pelos estados que aderirem ao Plano. O

Page 23: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

21  

  

cumprimento dessas diretrizes, segundo o Decreto, é um objetivo que demanda a mobilização

social das famílias e da comunidade escolar e a atuação dos entes federados em regime de

colaboração. A melhoria da qualidade será aferida por meio do Índice de Desenvolvimento da

Educação Básica (IDEB), o qual será calculado pelo Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).

Para Camini (2010a), a base legal e a legitimidade conferidas ao PDE/Plano de Metas

estão na Constituição Federal (CF) de 1988, nos objetivos estabelecidos para a educação, ao

requerem a construção da unidade dos sistemas educacionais entre os entes federados –

União, estados e municípios –, como um sistema nacional, considerando a multiplicidade, e

não a uniformidade (ordenação territorial). Compete à União, de acordo com a CF 1988,

exercer, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir a

equalização de oportunidades educacionais e o padrão mínimo de qualidade do ensino,

mediante assistência técnica e financeira aos estados, ao distrito Federal e aos municípios.

Dessa forma, o PDE/Plano de Metas parece ter sido a estratégia apresentada pelo governo

federal para fortalecer as relações intergovernamentais e, por conseguinte, o regime de

colaboração entre União, estados e municípios e para retomar a essência do federalismo: a

unidade na diversidade.

O Decreto traz em seu Art. 9º o Plano de Ações Articuladas (PAR), na condição de

instrumento de planejamento e de gestão dos sistemas de ensino a ser implementado nos

municípios, nos estados e no Distrito Federal em colaboração com a União, que prestará

assistência técnica e financeira aos demais entes para a execução de seus planos de ações

articuladas, visando ao cumprimento das metas estabelecidas. A assistência da União se dará

prioritariamente naqueles municípios com baixos resultados educacionais.

O PDE, assim, concretiza uma nova forma de regulação da educação, tendo os

parâmetros do mercado – eficiência, eficácia, competitividade, controle dos resultados – como

pilares de sustentação dessa política de governo. A assistência técnica do MEC a municípios e

a estados via PAR, mesmo sendo mandamento constitucional, é um exemplo do

fortalecimento do governo central, buscando reforçar a governança do MEC na área

(KRAWCZYK, 2008).

É essa, portanto, a temática que será investigada nessa tese, as relações

intergovernamentais estabelecidas entre União e município na elaboração e implementação do

Plano de Ações Articuladas. Para fins de delimitação, a pesquisa terá como recorte espacial o

município de Riachuelo, no estado do Rio Grande do Norte.

Page 24: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

22  

  

1.2 DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi apresentado à sociedade

brasileira como uma política pública educacional que seria desenvolvida a partir de uma

atuação conjunta entre as diferentes esferas de governo visando a alcançar a melhoria da

educação brasileira em todos os níveis e modalidades. No momento de seu lançamento, o

Ministério da Educação aprovou também o Plano de Ações Articuladas como uma forma de

chegar aos municípios brasileiros, condicionando a concessão de recursos financeiros à sua

elaboração e ampliando sua responsabilidade em equalizar as diferenças educacionais

estabelecidas historicamente. Nessa conjuntura, o PAR se consubstancia como planejamento

estrutural e estratégico de longo prazo com o objetivo de superar a fragmentação das políticas

educacionais, de estabelecer diálogo com os entes subnacionais, fortalecendo o regime de

colaboração.

Tais fatos ressaltam a importância de se estudar essa política e de se analisarem as

relações intergovernamentais nela estabelecidas, sobretudo a partir da Constituição Federal de

1988, na qual é destacado o papel dos municípios na implementação de políticas públicas,

tornando-os protagonistas na execução de diversos programas financiados pelo Ministério da

Educação.

É, portanto, no contexto Plano de Ações que esta tese se insere. Tem como objeto de

estudo o referido Plano e as relações intergovernamentais nele estabelecidas, destacando-se os

seguintes entes federados: União e município de Riachuelo/RN. Como recorte da pesquisa,

será investigada a dimensão da gestão educacional, em sua área 01 – Gestão Democrática:

articulação e desenvolvimento dos sistemas de ensino.

A opção por estudar o PAR, por sua vez, fundamenta-se pela relevância social que tal

Plano ocupava no cenário nacional em 2013, ano em que o projeto de tese foi escrito. Parte-

se, pois, dos estudos desenvolvidos no âmbito do projeto de pesquisa intitulado “Avaliação do

Plano de Ações Articuladas: um estudo nos municípios do Rio Grande do Norte, Pará e Minas

Gerais no período de 2007 a 2012”, financiado pelo programa Observatório da

Educação/Capes, projeto com o qual a autora colaborou desde seu início, primeiro semestre

de 2013, inicialmente na condição de pesquisadora voluntária e posteriormente na condição

de bolsista de doutorado. O referido projeto é realizado em conjunto pela Universidade

Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e

Page 25: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

23  

  

Universidade Federal do Pará (UFPA) e objetiva analisar a implantação do PAR no contexto

das atuais políticas educacionais, tendo como premissa a compreensão de que o

desenvolvimento dessas políticas é conduzido por um processo que se consubstancia em um

determinado momento histórico e contempla vários elementos, por vezes contraditórios, mas

que, de modo geral, respondem ao ritmo e à direção impressos pelo reordenamento do sistema

capitalista.

Cada equipe do projeto pesquisa o PAR em cinco municípios de seus estados –

incluindo a capital, dois municípios de baixo Ideb e dois municípios de alto Ideb –, buscando

identificar e analisar pontos de convergência e de divergência entre as particularidades locais

e o Plano, que fora elaborado de forma centralizada e homogênea para o conjunto dos

municípios e dos estados brasileiros. No Rio Grande do Norte, os municípios pesquisados

são: Natal, capital do estado; Acari e Mossoró, municípios de alto Ideb; e São José do

Campestre e Riachuelo, municípios de baixo Ideb.

A equipe do Rio Grande do Norte é composta por cerca de vinte e cinco

pesquisadores3, entre eles professores da UFRN, professores da educação básica, alunos de

graduação e alunos de mestrado e de doutorado. Dentre as produções decorrentes do projeto

de pesquisa, destacam-se teses e dissertações: Silva (2015) defendeu a tese de doutorado

intitulada “O PAR do município de Natal: o regime de colaboração e a gestão educacional”; e

Aureliano (2016) defendeu a tese de doutorado “O Plano de Ações Articuladas e a formação

de professores: repercussão das ações do município de Mossoró-RN (2007-2011)”.

Foram também produzidas cinco dissertações no âmbito do projeto pela equipe do RN:

“O Conselho Municipal de Educação e o Plano de Ações Articuladas no município de

Riachuelo-RN (2007-2011)”, de autoria de Barbosa (2015); Moura (2015), que defendeu a

dissertação intitulada “As concepções de gestão difundidas por meio do planejamento

educacional promovido pelo Plano de Ações Articuladas (PAR) na rede municipal de Natal,

no período de 2007 a 2011”; Cruz (2015) defendeu a dissertação “A política de avaliação da

aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de Natal no contexto do PAR (2007-

2011)”; Silva (2016) defendeu o trabalho intitulado “A formação continuada de professores

no ensino fundamental: as ações do PAR na rede Municipal de Ensino de São José do

Campestre”; e Santos (2016) concluiu a dissertação “Planejamento educacional: o Plano de

                                                           3 O número de pesquisadores de cada equipe variou durante a execução do projeto em razão dos desligamentos e inserção de novos pesquisadores, sejam eles voluntários ou bolsistas.

Page 26: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

24  

  

Ações Articuladas - PAR (2007-2011) e a elaboração do Projeto Político-pedagógico de

escolas do município de Acarí/RN”.

Ademais, a produção intelectual articulada ao projeto de pesquisa compreende

também a publicação de livros, de capítulos de livros e de artigos em periódicos.

Antes de sua participação no projeto de pesquisa, a autora desta tese desenvolveu

estudos e pesquisas na área da política educacional desde o início de sua participação no

grupo de pesquisa “Políticas e gestão da educação”, pertencente à Universidade Federal do

Rio Grande do Norte, no qual a doutoranda ingressou no ano de 2005 na condição de bolsista

de iniciação científica. A graduação em pedagogia foi concluída em 2007 e, na sequência,

também o mestrado em educação, em 2012, na mesma universidade. Além disso, a atuação

enquanto docente da área de Políticas e gestão escolar no Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte desde junho de 2015 tem contribuído para

aprofundar o interesse na temática. Como se pode perceber, esta tese, portanto, é decorrente

de uma opção prévia de estudo iniciada já na graduação e aprofundada no mestrado, mas

também está relacionada às inquietações políticas, pedagógicas, epistemológicas e

profissionais da autora na atualidade.

Para o desenvolvimento deste trabalho, a primeira etapa da pesquisa foi estabelecer

questões norteadoras da investigação. Como observa Bachelard (1996, p. 18):

Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem, os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.

Assim, as indagações acadêmicas, pessoais e profissionais contribuíram para

consolidar o interesse na temática e para a formulação do problema científico de pesquisa,

qual seja: as relações intergovernamentais estabelecidas entre União e município de

Riachuelo/RN através do Plano de Ações Articuladas (2007-2011) foram capazes de

fortalecer a gestão democrática na rede de ensino do município?

Do problema de pesquisa acima, derivaram-se as seguintes questões de pesquisa.

• O regime político brasileiro instituiu relações intergovernamentais que

consolidaram o regime de colaboração entre os diferentes entes federados?

Page 27: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

25  

  

• As relações intergovernamentais instituídas por meio do Plano de Ações

Articuladas contribuíram para mudanças no paradigma da gestão educacional em

Riachuelo/RN?

• As ações previstas do Plano de Ações Articuladas no município de

Riachuelo/RN contribuíram para consolidar a gestão democrática no município?

Depois de elaborado o problema de pesquisa, a etapa seguinte consiste em elaborar

uma suposição, uma solução possível para o problema central elencado, o qual será

respondido ao longo do trabalho, a fim de ser confirmada ou não pelos estudos desenvolvidos.

A hipótese elaborada para esta tese parte do entendimento de que:

• as particularidades da trajetória do federalismo brasileiro fazem com que esse

sistema político ainda não tenha se desenvolvido plenamente no sentido de se consolidar

como um pacto, uma aliança entre os diferentes níveis de governo;

• em razão disso, as relações intergovernamentais estabelecidas assumem

modelos distintos, em conformidade com o contexto político e social e com a área de atuação

que exigirá relações intergovernamentais horizontais ou verticais;

• a baixa capacidade arrecadatória e técnica da maioria dos municípios

brasileiros, tais como Riachuelo/RN, torna-os dependentes da assistência técnica e financeira

da União, o que desequilibra as relações entre os governos nas arenas decisórias, fortalecendo

o governo central;

• ainda que a legislação nacional assegure o regime de colaboração entre os

entes federados para o campo educacional e determine como competências da União as

funções redistributiva e supletiva no tocante à educação, de modo a garantir a equalização de

oportunidades e um padrão mínimo de qualidade mediante assistência técnica e financeira

deste ente aos estados e municípios, as assimetrias entre os sistemas educacionais persistem,

despontando a fragilidade do regime de colaboração;

• o PAR busca trazer avanços para o campo educacional, entre eles o

fortalecimento da gestão democrática. No entanto, não é suficiente para alterar a lógica

burocrática e patrimonialista que ainda persiste nos municípios, sobretudo naqueles de

pequeno porte, tais como Riachuelo.

1.3 OBJETIVOS GERAIS E ESPECÍFICOS

Page 28: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

26  

  

A partir das questões formuladas, define-se como objetivo geral para a tese: analisar as

relações intergovernamentais estabelecidas entre União e município de Riachuelo/RN

tomando como referência o Plano de Ações Articuladas (2007-2011), buscando compreender

se o inter-relacionamento pactuado no plano foi capaz de fortalecer a gestão democrática na

rede de ensino do município de Riachuelo.

Como objetivos específicos, tem-se:

• estudar o regime político brasileiro e os modelos de relações

intergovernamentais nele estabelecidas;

• analisar o Plano de Ações Articuladas como instrumento de

planejamento e de gestão educacional implementado em regime de colaboração por

União e município de Riachuelo;

• avaliar a elaboração do Plano de Ações Articuladas no município de

Riachuelo/RN e a implementação das ações referentes à área da gestão democrática.

1.4 REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA

O desenvolvimento da pesquisa requer, além do estabelecimento das questões e dos

objetivos, a opção por um método, uma postura teórico-metodológica que conduzirá os

trabalhos. Assim, tendo como finalidade não apenas descrever a realidade analisada, mas

buscar, sobretudo, sua transformação, esse trabalho assume como postura teórico-

metodológica o materialismo histórico dialético, método que busca analisar as múltiplas

determinações do real que se apresenta como móvel, múltiplo, diverso e contraditório

(LEFEBVRE, 1983).

A escolha da postura que orientou o trabalho é uma escolha importante, tendo em vista

que a dimensão da análise a ser desenvolvida, depende da postura adotada, como evidencia

Sanfelice:

O pensamento precisa estar sempre aberto à própria coisa que num claro-escuro se mostra e se esconde. Mas sabemos que este pensamento de um sujeito pesquisador, sempre será um pensamento situado, terá o seu mirante de onde olha e este lhe dá o seu alcance e o seu limite. Mirantes teóricos mais elevados viabilizam um olhar sobre horizontes mais distantes (SANFELICE, 2008, p. 85).

Page 29: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

27  

  

A postura teórico-metodológica adotada durante a pesquisa possibilitou compreender

o Plano de Ações Articuladas, objeto de estudo da tese, no seu inter-relacionamento com os

determinantes políticos, culturais, econômicos e sociais, bem como com condições históricas

que o cercam. Essa postura, segundo Lukács permitirá,

Por um lado, [...] destacar os fenômenos de sua forma dada como imediata, de encontrar as mediações pelas quais eles podem ser relacionados ao seu núcleo e à sua essência e nela compreendidos; por outro, trata-se de compreender o seu caráter e a sua aparência de fenômeno, considerada como sua manifestação necessária. Essa forma é necessária em razão de sua essência histórica, do seu desenvolvimento no campo da sociedade capitalista. Essa dupla determinação, esse reconhecimento e essa superação simultânea dos ser imediato constitui justamente a relação dialética (LUKÁCS, 2012, p. 75-76)

Compreende-se que pensar a inter-relação entre os diferentes níveis de governo na

execução de políticas educacionais, no caso o PAR, implica considerá-lo no plano da

historicidade e das contradições, como parte de uma totalidade maior, constituído por uma

relação inseparável entre o estrutural e o conjuntural. A análise acerca do PAR partirá do

singular para o geral, da realidade dada no município de Riachuelo para, a partir das análises,

chegar-se a uma compreensão mais elaborada, ao concreto pensado.

No contexto do real em que tudo se relaciona mutuamente, este trabalho busca trazer

mais um elemento para análise e compreensão da sociedade, com vistas a contribuir para o

estabelecimento das bases teóricas de sua transformação. Para tanto, nossos estudos partem da

compreensão de que a pesquisa acadêmica é resultado de um processo dialético de

investigação do real no qual o conhecimento construído historicamente não é resultado do

acúmulo, senão das rupturas e das retificações realizadas dialeticamente a partir dos erros

identificados anteriormente (BACHELARD, 1996).

As pesquisas científicas em educação que se fundamentam no materialismo histórico

dialético buscam evidenciar o movimento e a historicidade do fenômeno estudado e suas

relações com a sociedade. Conforme argumenta o próprio Marx (1988, p. 26): “A pesquisa

tem de captar detalhadamente a matéria, analisar as suas várias formas de evolução e rastrear

sua conexão íntima. Só depois de concluído esse trabalho é que se pode expor adequadamente

o movimento do real”. Para tanto, situam o objeto dentro de um contexto da totalidade ao

Page 30: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

28  

  

mesmo tempo em que evidenciam as contradições inerentes a esse fenômeno. Três categorias

teórico-metodológicas, portanto, são centrais para o estudo do fenômeno na perspectiva do

materialismo histórico: totalidade, mediação, contradição e conforme Paulo Netto (2011, p.

58), tais categorias são nucleares para o erguimento do edifício teórico na pesquisa de cunho

materialista histórico-dialética.

A totalidade apresenta-se como um complexo composto em um processo histórico,

sendo relativa e mutável. Pensar a totalidade é uma forma de se alcançar a realidade como

síntese de múltiplas determinações. Para Lukács (2012, p. 78): “A totalidade concreta é,

portanto, a categoria fundamental da realidade”. Nesse trabalho, não se buscará captar a

realidade em sua totalidade, posto ser essa uma tarefa impossível, mas sim, compreender o

objeto de estudo, a gestão democrática no Plano de Ações Articuladas, buscando conexões

entre os diferentes aspectos que constituem a realidade, a partir de um conjunto amplo de

relações e particularidades.

A contradição possibilita a apreensão de que a análise de um determinado fenômeno

não pode seguir uma perspectiva linear. Segundo Politzer; Besse; Caveing (s/d, p. 73) a

contradição é o princípio do desenvolvimento, ela é interna, ou seja, não é exterior ao

movimento, mas sim sua essência; ela também é inovadora, pois ela se resolve quando o novo

supera definitivamente o velho aparecendo assim o caráter inovador, a fecundidade das

contradições internas.

A mediação é uma categoria fundamental para o estabelecimento de relações entre o

fenômeno estudado e a totalidade. Por meio da mediação será possível apreender os

movimentos, as determinações reais que constituem o fenômeno, relacionando as partes com

o todo, conforme destacam Politzer, Besse e Caveing (2002, p. 95):

Uma boa análise dialética assenhora-se, pois, do caráter específico de determinado processo; mas, isso só será possível se ela não isolar esse processo do movimento de conjunto que condiciona sua existência. O específico não tem valor se não em relação ao universal. O específico e o universal são inseparáveis.

O estudo do objeto à luz do método materialista histórico-dialético considerando a

totalidade, a contradição e a mediação necessárias para sua análise, permitirá, portanto,

avançar da realidade observada, para o concreto pensado, análise do objeto a partir do esforço

Page 31: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

29  

  

de síntese das diversas determinações que constituem a realidade observada. Como destaca

Marx (2008, p. 258):

O concreto é concreto porque a síntese de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso, o concreto aparece no pensamento como o processo de síntese, como resultado, não como ponto de partida, embora seja verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.

Além das categorias teórico-metodológicas universais do método foi necessário

estabelecer algumas categorias de análise da tese, as quais dizem respeito à especificidade do

objeto investigado e as finalidades da investigação. Para esse trabalho, foram selecionadas as

seguintes categorias: federalismo, relações intergovernamentais, gestão educacional e gestão

democrática. Convém mencionar que essas categorias não se estabelecem como algo posto a

priori pela pesquisadora, mas são historicamente determinadas, em uma realidade concreta. A

realidade concreta, entretanto, foi sendo melhor compreendida à medida que as determinações

foram sendo desveladas pela pesquisa e relacionadas entre si de modo a não permanecerem

estáticas.

Para a delimitação da primeira categoria, federalismo, parte-se do conceito de Daniel

Elazar (1987) que a define como um sistema político no qual os diferentes governos

constituem um pacto que tem como base a autonomia desses governos concomitantemente a

sua interdependência. O federalismo se caracteriza pela existência de múltiplos centros de

poder, tais como os subníveis de governo e os poderes legislativo e judiciário bem como

diferentes arenas de tomadas de decisão. Assim, o poder não fica concentrado em uma única

esfera do governo, mas há diferentes arenas de decisões política com maior ou menor

abrangência, não havendo predominância de uma instância sobre a outra.

No caso do federalismo brasileiro, entretanto, permanecem tensões relativas às

desigualdades sociais e regionais, as quais afetam seu desenvolvimento. Assim, ainda que os

governos subnacionais estejam desempenhando papel importante na questão social, o

enfrentamento das desigualdades regionais continua em segundo plano, ausente das políticas

Page 32: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

30  

  

públicas4 (SOUZA, 2001), de modo que o federalismo brasileiro possui pontos divergentes do

modelo apresentado por Elazar (1987).

Além de Elazar (1987), autores como Almeida (2001), Arretche (2001) e Souza (2008;

2001), entre outros, foram fundamentais para a compreensão da gênese e desenvolvimento do

federalismo.

Por sua vez, relações intergovernamentais – RIGs, são entendidas como interações

entre as diferentes esferas do governo, visando o curso de ação das políticas públicas. Para

estudo da categoria, utilizaram-se como aporte, principalmente, as ideias de Wright (1974;

1978; 1988), o qual destaca três modelos de RIGs: modelo de autoridade independente, o qual

se caracteriza por uma relação de total independência ou autonomia entre os diferentes níveis

de governos; modelo de autoridade inclusiva ou hierárquica, modelo no qual a atuação dos

governos subnacionais depende das decisões tomadas pelo governo central; modelo de

autoridade interdependente ou sobreposta, o qual é caracterizado pela relação de

interdependência e compartilhamento entre os entes da federação. Esse terceiro modelo é o

que mais relaciona-se com a teoria do federalismo como um pacto por assentar-se na

perspectiva da autonomia e interdependência entre as esferas do governo.

Essa é uma categoria relevante para esse estudo, uma vez que nos países como o

Brasil, cujo regime de governo é o federalismo, as políticas públicas demandariam relações

intergovernamentais de autoridade interdependente para sua formulação, execução e

avaliação, sobretudo no caso da educação, área na qual sua responsabilidade é compartilhada

entre as três esferas do governo. Entretanto, as análises do texto evidenciarão que em razão

das assimetrias observadas no federalismo brasileiro desde sua constituição em 1889 e no

inter-relacionamento entre os entes federados, as relações intergovernamentais vêm sofrendo

transformações por conta dos diferentes contextos políticos, sociais e econômicos, da

transição entre regimes autoritários e democráticos.

Quanto à gestão educacional, compreende-se que esse é um pilar estruturante para

determinar a organização e o funcionamento da educação, assim como o direcionamento que

será dado para a ação educacional. É uma atividade-meio que deverá lançar as bases para a

atividade-fim da educação: a aprendizagem e formação dos alunos. Para Lück (2006, p. 35) a

gestão educacional é: “[...] um processo de mobilização da competência e da energia de

                                                           4 No campo educacional, o PDE foi apresentado pelo governo federal tendo como objetivo superar a desigualdade: “A razão de ser do PDE está precisamente na necessidade de enfrentar estruturalmente a desigualdade de oportunidades educacionais.” (BRASIL, 2008, p. 05)

Page 33: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

31  

  

pessoas coletivamente organizadas para que, por sua participação ativa e competente,

promovam a realização, o mais plenamente possível, dos objetivos educacionais”.

A gestão educacional, contudo, é uma construção histórica permeada por contradições

e conflito de interesses e resultante de transformações econômicas, políticas e sociais. Assim,

essa gestão tem assumido diferentes contornos nas últimas décadas, tendo ora um padrão

patrimonialista, ora burocrático, ora esteja mais relacionado aos interesses do mercado, ora da

sociedade. A gestão educacional tem avançado, não de maneira linear e sem recuos, rumo a

um padrão democrático.

O debate em torno da democratização da gestão educacional tem crescido bastante nos

últimos anos e parte desse debate tem sido incorporado às políticas educacionais bem como

aos dispositivos constitucionais, embora esse modelo ainda não tenha conseguido se efetivar

na prática cotidiana dos sistemas de ensino e das escolas. Alguns aspectos constituem-se

como entraves para a democratização da gestão, tais como a tradição patrimonialista dos

governos, sobretudo os locais e uma escassa participação e formação política dos sujeitos que

fazem a escola. A gestão democrática tem como principais pilares de sustentação a divisão do

poder entre os membros da comunidade escolar, a participação desses sujeitos nas tomadas de

decisão. Para estudo dessas categorias, os principais autores estudados foram Dourado (1998);

Paro (2008; 2010a, 2010b); Castro (2009); Cabral Neto (2009).

1.5 DELIMITAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS TÉCNICOS

Para alcançar os objetivos de nossa pesquisa, além da opção teórico-metodológica, é

necessário elencar os procedimentos técnicos utilizados. Optou-se, assim, pela análise da

literatura, análise documental e entrevista semi-estruturada.

Conforme Demo (1985), a revisão da literatura constitui-se principalmente de livros e

artigos científicos, o que propiciou eleger as fontes que fundamentaram a análise. O

conhecimento da bibliografia pertinente ao tema é fundamental, pois permite que se tenha

conhecimento da produção existente, podendo aceitá-la, rejeitá-la e, com ela, dialogar

criticamente. A análise dos trabalhos teóricos, juntamente com as discussões nos seminários e

disciplinas cursadas ao longo do curso de doutorado, possibilitou uma compreensão maior

acerca do objeto de estudo. A contextualização do objeto a ser estudado é uma das

Page 34: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

32  

  

características da pesquisa materialista histórico-dialética. Nesse sentido, reitera-se a

importância da revisão da literatura produzida acerca do objeto de estudo. Como afirma

Frigotto (1989, p. 88), “[...] no trabalho propriamente de pesquisa, de investigação, um

primeiro esforço é o resgate crítico da produção teórica ou do conhecimento já produzido

sobre a problemática em jogo”.

Quanto à análise documental, esta etapa possibilitou a compreensão dos marcos

política educacional brasileira. Tais documentos são fruto das relações sociais que permeiam a

política educacional vigente, por isso, as análises de documentos:

Constituem também uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidencias que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação. Não são apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).

Os principais documentos estudados que tratam da legislação nacional foram: Lei

9394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional; Constituição Federal de 1988;

Decreto 6094/2007 que Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso

Todos pela Educação, pela União Federal, em regime de colaboração com Municípios,

Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade, mediante

programas e ações de assistência técnica e financeira, visando a mobilização social pela

melhoria da qualidade da educação básica; Lei n° 010172, de 09 de janeiro de 2001 que

aprova o Plano Nacional de Educação (2001-2010); Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014

que aprova o Plano Nacional de Educação (2014-2024); além de notas técnicas e resoluções

que normatizam o PAR: Orientações gerais para elaboração do Plano de Ações Articuladas

(PAR) dos municípios, versões de 2009 e 2013; Resolução n. 029, de 20 de junho de 2007;

Resolução n. 047 de 20 de julho de 2007.

Também foram estudados documentos específicos da legislação municipal de

Riachuelo: Lei nº 329 de 29 de março de 1995, que dispõe sobre a criação do Conselho de

Alimentação Escolar; Lei nº 363 de 27 de agosto de 1998 que dispõe sobre a Criação e

funcionamento do Conselho Municipal de Educação; Plano de Ações Articuladas 2007-2011

e Plano de Ações Articuladas 2011-2014; e Lei nº 573/2015 que aprova o Plano Municipal de

Educação (2015-2025).

Page 35: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

33  

  

Acerca dos documentos, Ramos (2016, p. 4) afirma que “[...] um instrumento jurídico

e/ou normativo – leis, decretos, resoluções, etc. – assim como documentos oficiais, expressam

dimensões da luta social e de concepções em disputa, mas não se equiparam a realidade em

si”. Assim, para compreender melhor a gestão democrática e o PAR em Riachuelo, essa

pesquisa também adotou como instrumento de coleta de dados empíricos, a realização de

entrevistas. Considera-se que esse instrumento foi necessário para se analisar a compreensão

dos gestores municipais, equipe local responsável pelo PAR no município e demais atores

sociais envolvidos acerca do Plano, sua implementação, execução e avaliação. Assim, optou-

se por este instrumento por ele permitir uma relação maior entre o pesquisador e os sujeitos de

pesquisa. A entrevista é entendida como “[...] a técnica em que o investigador se apresenta

frente ao investigado e lhe formula perguntas, com o objetivo de obtenção dos dados que

interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma de investigação social” (GIL,

2002, p. 11). Além disso, ainda para o autor, “[...] a grande vantagem da entrevista sobre

outras técnicas é que esta permite a captação imediata e corrente da informação desejada,

praticamente com qualquer tipo de informantes e sobre os mais variados”.

Esta tese utilizou como roteiro da entrevista parte dos instrumentos elaborados pela

equipe de pesquisadores envolvidos na pesquisa “Avaliação do Plano de Ações Articuladas:

um estudo nos municípios do Rio Grande do Norte, Pará e Minas Gerais no período de 2007 a

2012”. Os roteiros utilizados tiveram como eixos: o processo de elaboração e

acompanhamento do PAR; federalismo e regime de colaboração; organização e

funcionamento da secretaria municipal de educação e mecanismos de gestão democrática

contemplados no PAR, conforme pode ser observados na seção Apêndice deste trabalho.

Acerca das entrevistas, além do roteiro que seria utilizado, outra etapa importante foi a

seleção dos sujeitos que seriam entrevistados. A seleção foi realizada com base no

envolvimento destes com o objeto de estudo, com o PAR na cidade de Riachuelo e com a

gestão educacional municipal. Dessa feita, foram selecionados cinco sujeitos, sendo quatro

servidores da secretaria municipal de educação de Riachuelo, membros tanto do da equipe

técnica local de elaboração do PAR quanto do comitê local de acompanhamento do PAR e

uma assessora técnica contratada pelo MEC para atuar na assessoria aos municípios norte-rio-

grandenses durante a elaboração do PAR, que é servidora da secretaria estadual de educação

do Rio Grande do Norte. A distribuição dos sujeitos e a nomenclatura utilizada ao longo desta

tese podem ser conferidas no quadro abaixo:

Page 36: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

34  

  

Quadro 01: Sujeitos entrevistados

ENTREVISTADO(A) FUNÇÃO NO COMITÊ LOCAL DO PAR (2007)

ENTREVISTADO 01

Secretário municipal de educação de Riachuelo (no período

de 2005 a 2015)

ENTREVISTADA 02 Representante do sindicado dos professores e coordenadora

pedagógica

ENTREVISTADA 03 Assessora Técnica da Secretaria

ENTREVISTADA 04 Gestora escolar

ENTREVISTADA 05 Assessora Técnica do MEC

Fonte: elaborado pela autora

Acerca das entrevistas, em que pese sua relevância para o desvelamento do objeto de

estudo ao possibilitar o inter-relacionamento entre seu texto e contexto, buscando a dinâmica

do objeto na particularidade municipal, é preciso ressaltar uma dificuldade encontrada pela

equipe responsável pela coleta de dados no município, qual seja a escassez de informações

nos relatos das entrevistadas 02, 03 e 04. Muitas das respostas às perguntas do roteiro foram

dadas de forma curta e vaga, dificultando e até mesmo impossibilitando a análise de parte das

transcrições pelos pesquisadores. Assim, ao longo do quarto capítulo, é visível a

predominância das falas do entrevistado 01 na composição desse texto. Esse dado pode ser,

inclusive, um indicativo de centralização das informações na figura do secretário de educação.

Os procedimentos técnicos adotados possibilitam o desvelamento de informações

relevantes para a compreensão do objeto de estudo e para a construção da tese. Dessa forma,

pôde-se refletir por meio de um contexto particular – O PAR no município de Riachuelo/RN

– como se situam as atuais políticas educacionais no processo de reestruturação econômica e

política da sociedade capitalista, as quais apresentam contradições em sua construção em

razão da correlação de forças de um determinado momento histórico.

Page 37: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

35  

  

1.6 DELIMITAÇÃO DO CAMPO EMPÍRICO DA PESQUISA

Para a realização de um trabalho de cunho histórico-crítico, compreende-se que é

necessário delimitar o recorte histórico e geográfico de análise do objeto de estudo. Isso não

significa que a pesquisa consista em isolar os fatos, uma vez que compreendemos a realidade

enquanto um todo estruturado, o que implica afirmar que no contexto do real nada é isolado.

Esse recorte é necessário e nos permite compreender o objeto não isoladamente, mas inter-

relacionado com a totalidade, no tempo e no espaço. Como afirma Lefebvre (1983, p. 237)

“[...] entre o universal e o concreto é impossível suprimir a mediação do particular”. Assim,

este trabalho busca compreender, particularmente, as relações estabelecidas entre União e

município no contexto do federalismo brasileiro.

Em relação ao nosso objeto de estudo, o recorte estabelecido delimita para análise o

Plano de Ações Articuladas do município de Riachuelo, estado do Rio Grande do Norte para

o período de 2007-2011. A escolha do campo empírico ocorreu com base no IDEB do

município, um dos mais baixos do estado, o que o credenciou a ser um dos municípios

prioritários para execução do PAR podendo assim contar com assistência técnica e financeira

da União.

1.7 ESTRUTURA DA TESE

A tese está estruturada em quatro capítulos, além da introdução e das considerações

finais. O primeiro capítulo, intitulado “Federalismo e relações intergovernamentais na

implementação das políticas educacionais”, versa sobre o federalismo e sustenta-se no

pressuposto basilar do federalismo enquanto pacto. Discute o regime político adotado no

Estado brasileiro, as relações intergovernamentais nele estabelecidas e sua repercussão no

campo educacional.

O segundo capítulo, “Reforma da administração pública: gestão e planejamento

governamental e repercussões no campo educacional”, se propõe a discutir a evolução da

administração pública, com ênfase no planejamento e gestão governamental brasileiro ao

longo do século XX e início do século XXI, os quais redefiniram as relações entre os

diferentes níveis de governo e modificaram a gestão educacional.

Page 38: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

36  

  

O terceiro capítulo, chamado “O Plano de Ações Articuladas no contexto do

planejamento e da gestão educacional” se propõe a apresentar e discutir o PAR enquanto

instrumento de planejamento e gestão dos sistemas de ensino, implementado nos municípios,

estados e Distrito Federal em colaboração com a União. Para tanto, iniciou-se a discussão no

capítulo pelo Plano de Desenvolvimento da Educação, Plano apresentado pelo governo

federal brasileiro em 2007, o qual é operacionalizado pelo Decreto 6094/2007, o Decreto

Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Em seu Art. 9, o Decreto institui o PAR

como instrumento para recebimento de assistência técnica e financeira da União aos demais

entes.

O quarto e último capítulo, intitulado “Relações intergovernamentais entre os entes

federados no Plano de Ações Articuladas de Riachuelo/RN: uma análise a partir da área

gestão democrática” analisa o processo de elaboração e execução do Plano de Ações

Articuladas do município de Riachuelo/RN para o período de 2007-2011, estudando as

relações intergovernamentais estabelecidas entre Ministério de Educação e Secretaria

Municipal de Educação e as ações propostas para a dimensão da gestão democrática na área

01 – gestão educacional, especificamente no tocante aos indicadores referentes aos órgãos

colegiados, ao PPP e PME e a eleição de diretores a fim de compreender se essas ações

possibilitaram o fortalecimento da gestão democrática no sistema municipal de educação.

Por fim, têm-se as considerações finais da tese nas quais os principais resultados da

pesquisa serão apresentados. Os resultados devem ser considerados, no entanto, como parte de

uma totalidade em constante movimento e, por isso, as discussões aqui apresentadas

constituem-se como provisórias, inseridas em um campo aproximativo e sujeitas a novos

entendimentos.

Page 39: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

37  

  

2. FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS  

O objetivo deste capítulo é empreender uma discussão acerca dos conceitos de

federalismo e relações intergovernamentais. O Estado brasileiro se caracteriza como uma

república federativa que tem como características, entre outras, a distribuição do poder e a

respectiva autonomia político-administrativa dos entes federados. Para tanto, se faz necessário

o estabelecimento de relações intergovernamentais fundadas na cooperação entre as diferentes

esferas do governo: a federal, a estadual e a municipal. Esse modelo de organização territorial

tem implicações diretas na formulação e implementação de políticas educacionais nacionais.

O capítulo apresenta quatro seções. Na primeira discute o conceito de federalismo. Na

segunda discute o conceito relações intergovernamentais – RIGs – e seus diferentes modelos,

discutindo qual deles mais favorece o federalismo. A terceira seção traz uma breve

retrospectiva do federalismo brasileiro, buscando compreender as RIGs ao longo de sua

constituição. Por fim, a quarta seção discute as políticas educacionais à luz do federalismo

brasileiro.

2.1 FEDERALISMO: CONCEITO E NATUREZA

O Federalismo é uma forma de organização político-territorial no qual coexistem

diferentes níveis de governo que gozam de relativa autonomia. O federalismo, no entanto, não

é a única forma de organização política de um país. Nos Estados unitários, tais como a França,

Uruguai e Portugal, há uma hierarquia de poder e o governo central possui autoridade

exclusiva. Não há divisão territorial do poder político, bem como os governos subnacionais

não detém autonomia política e administrativa.

Outro modelo de organização político-territorial é a confederação. Neste modelo, tem-

se a união de Estados que mantêm sua autonomia e poder sendo, portanto, soberanos. A

formação de países confederados se dá por meio de alianças, acordos entre as entidades

participantes, as quais podem desligar-se da confederação quando convier. Um exemplo de

país confederado seria a Suíça, a qual é formada por Cantões (ou estados) soberanos.

Page 40: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

38  

  

Logo, pode-se observar que o federalismo difere das outras formas de organização por

não existir neste, soberania absoluta por parte de um único governo. Neste sentido, Abrucio

explicita (2001, p. 97):

O federalismo supõe, portanto, uma dupla soberania: a dos governos subnacionais, com poder de autogoverno e responsáveis perante o eleitorado local e a do Poder nacional (ou federal), representante de toda a população do país. Assim, diferentemente do Estado Unitário, constituído por uma linha hierárquica clara e piramidal de poder e por uma soberania indivisível, a estrutura federal tem múltiplos centros de poder.

Na compreensão de Wright (1988), ao visualizar os arranjos político-legais em uma

faixa contínua, o federalismo estaria situado em seu meio e nos extremos estariam, de um

lado, arranjos unitários e, de outro, as confederações. Ou seja, numa posição intermediária.

Em um dos extremos, seria um modelo altamente centralizado ou um arranjo unitário como o

observado em países como França, Itália, Japão e Reino Unido; no outro extremo, do

contínuo seriam observadas as alianças entre nações politicamente soberanas, as quais são

normalmente descritas como confederação.

Conforme Limongi (2006), a origem do federalismo moderno está nos Estados Unidos

e data do século XVIII. No ano de 1787, entre os meses de maio e setembro, na cidade de

Filadélfia, estado da Pensilvânia, foi instituída uma Convenção Federal com representantes

dos estados da confederação, tendo como intuito a revisão da constituição da então

Confederação dos Estados Unidos, após sua independência da Inglaterra. Ainda para o autor,

a intenção de alguns dos participantes, contudo, era a de ratificar uma nova constituição, bem

como estabelecer uma nova forma de governo tendo em vista os problemas causados pela

falta de uma autoridade pública consolidada na Confederação, sobretudo no tocante aos riscos

da tirania e anarquia.

Ao estabelecerem um pacto entre si, as treze colônias autônomas americanas

mantiveram parte de sua autonomia, mas abriram mão de parte de sua independência para

criar uma nova esfera de governo, a União. Conforme Abrucio, “tratava-se, portanto, de

constituir mais um ente político, a União, sem destruir os originários, os estados” (2001, p.

96).

Nesse contexto, a constituição americana é promulgada e se traduz em um pacto

estabelecido entre os estados membros, a fim de garantir uma unidade. Assim, a nova – e

atual – Constituição dos Estados Unidos foi aprovada em 17 de setembro de 1787, e com ela

Page 41: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

39  

  

estabelecem-se as bases do federalismo: “a Constituição proposta defendia a criação de uma

nova forma de governo, até então não experimentada por qualquer povo, ou defendida por

qualquer autor” (LIMONGI, 2006, p. 248).

A fim de convencer a população dos Estados a favor da nova constituição, uma série

de ensaios produzidos por Alexander Hamilton (1755-1804), James Madison (1751-1836) e

John Jay (1745-1829) foram publicados na imprensa de Nova York em 1788 e reunidos

posteriormente em uma publicação intitulada O Federalista. A obra, formada por 85 artigos,

defende a criação de um governo central que possa proporcionar aos estados e cidadãos

segurança e prosperidade política e que possa regular os interesses comuns da nação. No

primeiro artigo do livro é possível analisar seus objetivos:

Proponho-me discutir nesta obra os objetos seguintes: a utilidade da União à nossa prosperidade política; a insuficiência da Confederação atual para mantê-la; a necessidade ao menos de um governo tão enérgico como aquele que se vos propõe; a conformidade da Constituição proposta com os verdadeiros princípios do governo republicano; a sua analogia com a Constituição dos nossos Estados particulares; finalmente, o aumento e a segurança da manutenção desta espécie de governo, da nossa liberdade e das nossas propriedades, que da adoção o projeto proposto deve resultar (HAMILTON, 2003, p. 15-16).

Nota-se, na obra, a defesa por um novo modelo de governo em que coexistam dois

entes estatais, os Estados e a União, tendo na Constituição desta a definição da atuação

daqueles. O federalismo, de acordo com Limongi (2006), nasceu como um pacto político

entre os estados americanos, sendo, contudo, resultado de esforços teóricos e negociação

política entre eles.

Além de lançar as bases do regime federalista, a obra também discute temas

pertinentes e presentes ainda hoje no debate sobre a ciência política, tais como as

características que distinguem as repúblicas, bem como a questão da repartição de atribuições

entre os diferentes poderes por meio de um sistema de pesos e contrapesos5, buscando

                                                           5 No artigo 51 de O Federalista, observa-se a defesa da existência de distintos poderes com autonomia, mas passíveis de controle – tais como executivo, legislativo e judiciário –, visando com que o poder cedido pelo povo seja submetido ao controle tanto do povo quanto dos demais poderes. Estes seriam dispositivos necessários para controlar possíveis abusos do governo, o que se justifica pela própria natureza humana: “Mas o que é o governo em si próprio senão a maior de todas as reflexões sobre a natureza humana? Se os homens fossem anjos nenhuma espécie de governo seria necessária. Se fossem os anjos a governar os homens, não seriam necessários controlos externos nem internos sobre o governo” (HAMILTON, 2003, p. 318). A defesa por um sistema de

Page 42: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

40  

  

construir controles sobre o poder. Em razão disso, os escritos de O Federalista, de acordo com

Gargarella (2006, p. 174) “[...] atravessaram toda a história da teoria política e constitucional

e continuam representando hoje um material de consulta indispensável para aqueles que estão

preocupados por questões de desenho institucional”.

Ao analisar a gênese do federalismo, Arretche (2001, p. 24) destaca que “[...] a versão

moderna de Estado federativo foi uma invenção norte-americana e, portanto, qualquer

interpretação da natureza dos Estados federativos deveria ser construída por referência às

instituições políticas inventadas na Convenção da Filadélfia”. A autora, entretanto, reconhece

que não há consenso na literatura acerca desta afirmação. Mesmo assim, há recorrência aos

fundamentos do federalismo americano ao se tratar da temática. Para Gargarella (2006), o

modelo criado na Convenção de Filadélfia torna-se importante para análise do federalismo ao

redor do mundo, pois estabeleceu ferramentas institucionais importantes para o arranjo

político que merecem ser reproduzidas. De acordo com o autor:

O modelo, em definitiva, contribuiu decisivamente ao desenvolvimento das democracias representativas, promoveu o equilíbrio de poderes como chave principal da Constituição; foi o detonante do modelo de “controle judicial das leis” (cada vez mais expandido no mundo); representou um notável exemplo de como exercer o federalismo; e ilustrou o mundo acerca da importância de incorporar uma declaração de direitos no texto constitucional (GARGARELLA, 2006, p. 181-182).

Mesmo sendo o modelo americano ainda hoje uma referência para análise do

federalismo, a união dos estados para criação de um novo nível de governo não é a única

forma de criação de uma federação. A criação de uma federação se dá de maneiras distintas e,

conforme Stepan (1999), com objetivos também distintos, quer seja com o propósito de unir,

quer seja com o propósito de manter a união entre as partes.

O primeiro caso seria quando as unidades se unem e decidem criar uma federação e,

conforme o autor, tal ação originaria um federalismo do tipo criado para unir – come together.

O exemplo mais claro desse modelo é o caso dos Estados Unidos. O que está em evidência,

neste caso, é a necessidade de somar forças e para tanto é necessário que as unidades já

detenham certa autonomia e poder que possibilitem a barganha entre elas para a criação da

federação. Arretche (2001), no entanto, destaca que a federação dos Estados Unidos é o único

                                                                                                                                                                                     pesos e contrapesos, bem como a separação dos poderes, em O federalista tem seus fundamentos nas ideias de Locke e Montesquieu.

Page 43: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

41  

  

modelo do tipo que pretende manter a união – come together: “A origem da federação norte-

americana pela qual Estados previamente independentes juntaram-se para somar forças

(modelo coming-together) não se repetiu em outras federações. Portanto, [...] o caso norte-

americano seria a exceção e não a regra”.

A autora acrescenta que a maioria das federações democráticas derivaram do segundo

processo de criação de federações o qual seria pela via da descentralização, de modo a

possibilitar a diversidade das partes dentro da unidade da nação, o que Stepan (1999)

denomina de federalismo do tipo hold together. Este tipo de federalismo se justifica em

nações com territórios extensos, ou com uma grande diversidade cultural sob ameaça de

rompimento e cujas unidades não dispõem de tanta autonomia e poder. Contribuindo com

esse posicionamento, Arretche (2001, p. 26 – grifos da autora), destaca que nestes casos “[...]

as unidades subnacionais não eram Estados cuja soberania prévia lhes conferia um poder de

barganha, que pudesse ser comparado à trajetória dos Estados norte-americanos, o que

implicou que os governos regionais tivessem menos soberania e menos poder de barganha em

relação ao governo central”.

A despeito da criação de federações, Souza (2008) elenca três elementos que

justificam a opção por esta forma de organização político-territorial, mesmo considerando que

no federalismo a tarefa de governar torne-se muito mais complexa em razão da autonomia dos

entes e da heterogeneidade da população. São eles: a ameaça militar e, portanto, a necessidade

de proteção; a justificativa econômica, considerando que criar um mercado unificado

facilitaria a circulação de bens e serviços; e uma série de justificativas de ordem política,

como, por exemplo, a necessidade de controle de instituições locais e regionais para juntar

indivíduos e grupos com demandas similares em relação ao fornecimento de serviços.

Souza (2008) ainda argumenta que há na literatura quatro concepções predominantes

sobre federalismo. Uma breve análise destas concepções torna-se importante haja vista que as

definições sobre este conceito costumam divergir de acordo com a área e o objeto de estudo

do pesquisador, sendo os estudos sobre federalismo ainda recentes. Tais estudos tiveram

maior destaque no campo das ciências políticas, no caso brasileiro, após a reforma da

federação promovida pela Constituição de 1988, quando, até então, ocupavam-se do tema

principalmente juristas e historiadores (ALMEIDA, 2001). Em um contexto mais amplo,

Souza (2008) argumenta que a existência de linhas teóricas distintas sobre o federalismo,

deve-se, em parte, pelo fato de o federalismo ter sido adotado sem que houvesse uma

formulação teórica própria clara e acabada. Ademais, os arranjos federativos são instáveis e

Page 44: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

42  

  

mutáveis e, portanto, adaptam-se às demandas políticas e econômicas. As diferentes

abordagens elencadas por Souza (2008) serão discutidas na sequência do texto: federalismo

como descentralização; federalismo e democracia; Federações e federalismos; federalismo

como pacto.

Na primeira abordagem, o federalismo é tratado como um sistema que possibilita a

descentralização das atividades políticas e econômicas para as demais instâncias

governamentais. De acordo com Souza (2008, p. 29-30), a teoria do federalismo como

descentralização “[...] guia, por exemplo, a literatura sobre federalismo fiscal e grande parte

da literatura que trata o federalismo como um sistema que permite a competição entre

mercados políticos, promovendo, portanto, eficiência política e econômica”.

Conforme Franzene (2010), o modelo tem como um dos principais teóricos Willian

Riker, o qual destaca que as principais características do federalismo são a barganha entre os

governos e a descentralização dos partidos políticos. Nessa abordagem, os governos central e

subnacionais tornam-se centros de poder dotados de autonomia. Franzene (2010) afirma que a

definição de Riker aspirava ser minimalista e isto se deve ao fato desta resumir as

características do federalismo à barganha entre as unidades e à descentralização dos partidos

políticos. Para Riker, tudo mais relacionado ao federalismo é “por acaso”, assim, ele

desconsidera elementos importantes, tais como formulação e implementação das políticas

públicas ou mesmo o compartilhamento de regras entre os governos. Essa abordagem é

limitada, pois mantém o foco nas questões econômicas da nação em detrimento de questões

referentes à organização política, por exemplo, além de estimular a competição entre as

diferentes esferas do governo.

Na segunda abordagem, intitulada federalismo e democracia, o federalismo está

associado à democracia, especificamente a democracia constitucional. A constituição torna-se

importante uma vez que define as competências de cada ente e de cada instituição, definindo

assim, as “regras do jogo” e mantendo a soberania da nação. Um dos principais teóricos desta

abordagem é o cientista político Alfred Stepan, para o qual a existência plena de federações só

será possível no seio de um regime democrático, conforme demonstra o autor:

A rigor, somente um sistema que seja uma democracia constitucional pode proporcionar as garantias confiáveis e os mecanismos institucionais que ajudam a assegurar que as prerrogativas legislativas das unidades da

Page 45: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

43  

  

federação serão respeitadas. Em uma democracia, as especificidades da fórmula federativa incorporadas na Constituição estruturam por rotina muitos processos políticos, quais sejam, como adotar na esfera da União e das subunidades a legislação mais importante e como adjudicar e manter as fronteiras jurisdicionais entre a União e as unidades da federação (STEPAN, 1999, p. 1).

Para os defensores dessa abordagem, apenas os sistemas democráticos podem garantir

que as normas definidas na constituição não serão arbitrariamente infringidas. Além disso,

esta concepção de federalismo permite incorporar as minorias por meio da democracia

representativa, o que pode vir a consolidar a democracia em países mais heterogêneos

(FRANZENE, 2010). É necessário destacar, entretanto, que não é possível garantir que o que

está definido na Constituição – a distribuição de poderes entre os governos ou mesmo entre os

sistemas judiciário, legislativo e executivo, por exemplo – seja, de fato, efetivado,

comprometendo-se assim a qualidade da democracia.

Outra abordagem destacada é chamada de Federações e federalismos. Um dos

diferenciais desta é a distinção entre os termos comumente confundidos. De acordo com esta

corrente, federação diz respeito à organização e funcionamento de um tipo específico de

Estado, é algo concreto, palpável que se consubstancia na constituição, nas instituições. Por

sua vez, federalismo pode ser concebido como algo imaterial, fato empírico para garantir a

diversidade na unidade. Federalismo é condição para existência da federação. A fim de

exemplificar, Souza (2008, p. 34) utiliza o caso da União Europeia: “a União Europeia é o

exemplo mais claro, ou seja, princípios federativos existem sem a existência da federação.

Nesse sentido, pode haver federalismo sem federação, mas o contrário não seria possível do

ponto de vista da organização de um Estado”. Contudo, é necessário refletir sobre o respeito à

diversidade enquanto um valor inerente ao federalismo de modo que esta não se torne motivo

de conflito entre as unidades, por interesses distintos.

A última abordagem, a concepção de federalismo como pacto, combina o princípio da

unidade com o princípio da autonomia interna das partes. De acordo com Elazar, principal

teórico desta abordagem:

O termo 'Federal' é derivado do latim foedus, que [...] significa aliança. Em essência, um arranjo federativo é de parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas relações internas refletem o tipo especial de partilha que deve prevalecer entre os parceiros, com base no reconhecimento mútuo da

Page 46: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

44  

  

integridade de cada parceiro e a tentativa de promover uma unidade especial entre eles6 (ELAZAR, 1987, p.5, tradução nossa).

Para este autor o federalismo é um pacto, um tratado de confiança e de respeito

estabelecido entre os entes e composto por regras partilhadas e regras autônomas. Para ele, a

tese central dos regimes federativos é a combinação de autogoverno e governo partilhado.

Assim, cada governo mantém suas regras próprias (self-rules) concomitantes à existência de

regras compartilhadas (shared rules) entre os distintos governos.

Uma característica do federalismo como o pacto é a existência de unidades federadas

distintas com autonomia para formular políticas próprias, bem como influenciar na

formulação das políticas advindas do governo central. Ademais, “[...] uma federação é uma

forma de governo composta de fortes entidades constituintes e um forte governo geral, cada

um possuindo poderes que lhe foram delegados pelo povo e com poderes para lidar

diretamente com os cidadãos no exercício desses poderes7” (ELAZAR, 1987, p. 7, tradução

nossa).

Esta abordagem sobre federalismo servirá como norte para fundamentar esta tese,

assim como Franzene, considera-se que “[...] a teoria do federalismo como pacto serve de

base para estudos cujo foco esteja na interação entre os entes federativos, ou seja, nas relações

intergovernamentais” (FRANZENE, 2010, p. 33).

Um dos argumentos defendidos por Elazar (1987) é a ideia de não-centralização para

analisar a relação entre os entes que formam uma federação. Considerando que, na

descentralização, está implícita a existência de um centro de onde emana o poder, o qual pode

ser descentralizado ou centralizado conforme os interesses do governo central, Elazar (1987)

defende como característica do regime federalista a não-centralização; “[...] isto é, os poderes

do governo dentro deles são difundidos entre muitos centros, cuja existência e autoridade são

garantidos pela constituição geral, em vez de se concentrar em um único centro”8 (ELAZAR,

1987, p.34, tradução nossa). Observa-se que nesta abordagem não há a existência de um único

centro de poder, mas sim de múltiplos centros que se interconectam por uma lei respeitada e

compartilhada pelas partes. Vê-se, portanto, a importância da constituição de uma nação para                                                            6 The term ‘federal’ is derived from the Latin foedus, which […] means covenant. In essence, a federal arrangement is one of partnership, established and regulated by a covenant, whose internal relationships reflect the special kind of sharing that must prevail among the partners, based on mutual recognition of the integrity of each partner and the attempt to foster a special unity among them. 7 A federation is a polity compounded of strong constituent entities and a strong general government, each possessing powers delegated to it by the people and empowered to deal directly with citizenry in the exercise of those powers.  8 That is, the powers of government within them are diffused among many centers, whose existence and authority are guaranteed by the general constitution, rather than being concentrated in a single center.

Page 47: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

45  

  

a formalização do pacto federativo, para a garantia do contrato entre os entes, haja vista que

será este documento que garantirá a existência de centros de poderes distintos dentro de uma

mesma nação.

O autor critica a relação centralização-descentralização de poder dentro dos sistemas

federais, defendendo que todas as unidades governamentais de um país federado devem

possuir autonomia e capacidade para formular regras próprias. Para elucidar sua crítica,

Elazar utiliza duas imagens distintas, sendo uma delas a figura de uma pirâmide e a outra a

figura de dois círculos concêntricos. Tais imagens são utilizadas para ilustrar as relações

baseadas na descentralização de poder, conforme pode ser observado abaixo.

Ilustração 01: Pirâmide de poder

Fonte: Elazar (1987, p. 35)

Nessa ilustração, observa-se que o poder emerge do topo, o governo central, sendo

direcionado de cima para baixo para os níveis inferiores, os quais representam as subunidades

de governo, estados e municípios.

Ilustração 02: O modelo centro-periferia

Fonte: Elazar (1987, p. 36)

Page 48: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

46  

  

A ilustração dois evidencia um padrão no qual o poder é descentralizado do centro,

que representa o governo central, para as margens, para as demais unidades governamentais.

Os modelos representados no texto por meio das figuras de uma pirâmide e de dois

círculos concêntricos denotam uma relação hierárquica de descentralização em que o poder

flui de um nível do governo para o outro, quer seja de cima para baixo, quer seja do centro

para as bordas. Para Elazar (1987, p. 35, tradução nossa), “em sistemas descentralizados, a

difusão do poder é realmente uma questão de graça, não de direito; a longo prazo, é

geralmente tratado como tal9”. Portanto, sendo uma graça, um favor, o poder concedido aos

subníveis de governo pode ser parcial ou temporário, dependendo dos interesses e

necessidades do governo central, sendo-lhes cedido ou retirado a qualquer momento.

Elazar (1987) desenvolve uma proposta chamada de matriz federativa, na qual o autor

defende a não-centralização em detrimento da descentralização. Para este modelo, o autor

utiliza a figura de uma matriz para ilustrar que, nos sistemas federais, o que há, na verdade, é

a não-centralização, conforme pode ser observado a seguir.

Ilustração 03: O modelo de matriz

Fonte: Adaptado de Elazar (1987, p. 37)

Para Elazar (1987), nos sistemas federados, no lugar do poder se concentrar em um

único centro, podendo ser distribuído ou não entre as demais instâncias, ele é difundido entre

vários centros. Nesta perspectiva, na qual ele utiliza a imagem de uma matriz para ilustrar o

relacionamento entre as esferas de governo, não haveria centros com maior ou menor poder,

                                                           9 In descentralized systems, the diffusion of power is actually a matter of grace, not right; in the long run, it is usually treated as such.

Page 49: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

47  

  

como ele afirma: “em uma matriz, não há centro de poderes superiores ou inferiores, apenas

arenas maiores ou menores de tomada de decisão política e de ação10” (1987, p. 37, tradução

nossa). Ao analisar a imagem, pode-se observar que o governo federal estaria representado na

parte externa do quadro e as demais unidades de governo na parte interna. Estes estariam

conectados por meio das linhas com setas que se cruzam, as quais representam o inter-

relacionamento entre as unidades de governo. Pode-se afirmar que neste modelo o governo

central atua em muitas áreas, mas não em todas. Outras unidades do governo dispõem de

autonomia para tomadas de decisões nas áreas especificas que lhe cabem atuação, conforme

determina a constituição de um país. “A Constituição prevê a armação ou esqueleto da

estrutura, que é desenvolvida por acordos institucionais formais e informais, que muitas vezes

se sobrepõem. Neste sentido, as linhas de comunicação servem como os ‘nervos’ do sistema

global11” (ELAZAR, 1987, p. 37-38, tradução nossa).

Identifica-se que neste modelo o poder não fica concentrado em uma única esfera do

governo, mas que há diferentes arenas de decisões política com maior ou menor abrangência,

não havendo, na proposta de Elazar, predominância de uma instância sobre a outra. O desenho

institucional necessário para este tipo de arranjo federativo estaria regimentado na

constituição. Contudo, é importante observar que a carta magna define os direitos dos

pactuantes, mas para garantir que seus princípios sejam cumpridos, se faz necessária a criação

de outras instituições e mecanismos de negociação.

Complementando a ideia de Elazar (1987), Lijphart (2008) destaca alguns mecanismos

de negociação que podem garantir a preservação das características do federalismo:

[...] uma legislatura bicameral dispondo de uma forte câmara federal para representar as regiões componentes, uma constituição escrita difícil de emendar, e uma suprema corte, ou corte especial constitucional, que pode proteger a constituição pelo seu poder de revisão judicial. Essas características estão entre as mais importantes ‘medidas do federalismo’ [...]. A relação delas com federalismo é que todas podem servir como garantia de preservação da divisão federal básica do poder (LIJPHART, 2008, p. 215).

Lijphart destaca ainda que essas são características secundárias do federalismo,

garantias que possibilitam o funcionamento deste sistema político, especialmente quando se

consideram suas características primárias: a divisão do poder e a não-centralização. Assim, o                                                            10 In a matrix, there are no higher or lower powers center, only larger or smaller arenas of political decision making and action. 11 “The constitucion provides the frame or bare bonés of the structure, wichis fleshed out by formal and informal institutional arrangements, often overlapping. In this sense, the linesof communication serve as the ‘nerves’ of the overall system”  

Page 50: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

48  

  

sistema bicameral e a suprema corte são elementos que agem em defesa dos interesses gerais,

consolidando uma estrutura que venha possibilitar a igualdade na diversidade.

Neste sentido, Elazar (1987, p. 12, tradução nossa) chama a atenção para a existência

de instituições que favoreçam a distribuição de poder dentro de um sistema federativo, ao

afirmar que “[...] federalismo é um fenômeno que oferece muitas opções para a organização

do poder político e do poder; enquanto as relações de poder são criadas, uma grande

variedade de estruturas políticas pode ser desenvolvida para que sejam coerentes com os

princípios federais12”. Por isto, observa-se a presença dos poderes legislativo e judiciário no

modelo matricial, enquanto instrumentos que favorecem a comunicação, o controle, bem

como a cooperação entre os entes federados.

A teoria do federalismo como pacto também possui seus limites. Souza (2008)

apresenta um dos limites presentes nesta concepção, qual seja, a possível negação do caráter

conflituoso e instável entre os governos, que pode marcar o interior desse sistema:

Ao tratar a opção complexa do federalismo como um pacto e não como uma barganha em constante evolução, [...] essa linha teórica encobre o caráter altamente conflituoso e instável que marca esse sistema de divisão territorial de autoridade e de governo e apresenta o federalismo como uma situação de equilíbrio entre forças opostas — união versus autonomia, centralização versus descentralização e regra da maioria para preservar a unidade versus direitos das minorias para preservar a diversidade (SOUZA, 2008, p. 32).

O equilíbrio entre as forças opostas citadas pela autora e pelos princípios de autonomia

e interdependência nem sempre estão presentes ao se considerar a realidade dos países

federados. Essas relações fazem parte de uma complexa trama em constante movimento. A

inter-relação entre os distintos níveis de governo não elimina a possibilidade de conflito entre

eles e nem a predominância de uma instância sobre a outra, haverá situações e momentos

históricos em que determinadas unidades de governo ocuparão mais espaços nas arenas de

tomadas de decisão.

Nesse sentido, Grodzins (1966) desenvolveu o conceito de federalismo cooperativo.

Este conceito é um desdobramento do federalismo como pacto e inclui em sua análise a

dinâmica do relacionamento entre os governos, considerando que essa nem sempre será

harmoniosa e de modo algum estática. Entretanto, a cooperação entre as instâncias

                                                           12 […] federalism is a phenomenon that provides many options for the organization of political authority and power; as long as the power relations are created, a wide variety of political structures can be developed that are consistent with federal principles.

Page 51: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

49  

  

governamentais é um elemento necessário ao desenvolvimento das federações e está

fundamentada nos acordos e barganhas, trocas, entre elas.

A inter-relação entre os entes federados é um elemento primordial dentro dos regimes

federativos, sendo fundamental a compreensão acerca da dinâmica federativa, na qual esta

inter-relação nem sempre significará harmonia entre estes. Por vezes, pode até ser antagônica

ou mesmo forçada por uma determinada situação dentro da federação. O que não está previsto

em um regime federal é a total separação e isolamento entre as partes, como destaca Franzene

(2010, p. 38)

[...] observa-se que o adjetivo cooperativo não implica uma interação tranquila e amigável entre as esferas de governo, como poderia sugerir o nome. Quer dizer apenas que os diferentes governos devem funcionar e trabalhar juntos – não por opção, mas pela própria dinâmica estabelecida pelo desenho constitucional federativo.

Essa dinâmica nunca será estática ou padronizada e dentro desta complexa trama que é

a cooperação entre os entes, os arranjos federativos assumem formas distintas e obtém efeitos

distintos, de acordo com o desenho institucional traçado. Assim, a barganha entre os níveis de

governo faz parte do sistema federativo, de modo que cada ente tende a tirar o maior proveito

desta relação.

Ademais, alguns entraves podem ser encontrados no federalismo cooperativo. As

relações verticais estabelecidas entre os entes federados, por vezes, podem ser confundidas ou

até mesmo desenhadas de modo a configurarem-se como verticalização, pendendo esta

relação mais para a subordinação do que para a cooperação.

Almeida (2001), por seu turno, destaca a não-centralização dos sistemas federais e as

diferentes interações que podem existir dentro deste sistema:

Por serem estruturas não-centralizadas, os sistemas federais moldam formas peculiares de relações intergovernamentais, constitutivamente competitivas e cooperativas, e necessariamente caracterizadas tanto pelo conflito de poder, como pela negociação entre esferas de governo. A latitude que há de ter a jurisdição política autônoma do governo nacional e das unidades subnacionais situa-se no cerne daquele conflito de poder (ALMEIDA, 2001, p.14, grifos da autora).

Compreende-se, pois, que o federalismo é uma forma de organização política cujo

fundamento é o compartilhamento de poder entre os níveis de governo, os quais possuem

Page 52: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

50  

  

certa autonomia para elaborar suas próprias regras, mas, ao mesmo tempo, seguem

determinadas regras comuns. Nesses termos, Elazar (1987) argumenta que o federalismo ao

mesmo tempo que difunde o poder político em nome da liberdade, também o concentra em

nome da unidade. Nas federações, o poder central é fruto de um acordo entre as partes, um

pacto estabelecido visando manter a unidade na diversidade.

Tal acordo, no entanto, nem sempre estará pautado pela harmonia entre os entes e

poderá se caracterizar em dados momentos por conflitos de poder, como ressaltou Almeida

(2001). Tais conflitos, no entanto, tendem a enfraquecer o regime federativo, devendo-se

primar por relações intergovernamentais que estejam fundadas na cooperação, como observa

Abrucio (2005, p. 43, grifos do autor), “o fato é que a soberania compartilhada só pode ser

mantida ao longo do tempo caso estabeleça-se uma relação de equilíbrio entre a autonomia

dos pactuantes e sua interdependência”.

2.2 FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

As recentes obras que abordam o tema do federalismo têm incluindo o debate sobre as

relações intergovernamentais, quer seja verticalmente, no âmbito das relações estabelecidas

entre União, estados e municípios, quer seja horizontalmente, entre entes do mesmo subnível

de governo (estado-estado / município-município). Isto porque “[...] o federalismo precisa

igualmente responder à questão da interdependência entre os níveis de governo” (ABRUCIO,

2005, p. 43).

Um dos estudiosos do campo das relações intergovernamentais (RIGs), o americano

Deil S. Wright, destaca que o termo foi utilizado inicialmente nos Estados Unidos com o

advento do New Deal, a partir da expansão das atividades governamentais para combater os

efeitos econômicos e sociais da crise de 1929. O termo era, então, utilizado para se referir à

interação entre as esferas do governo visando o curso de ação das políticas públicas

(FRANZENE, 2010; SANO, 2008).

Wright ressalta que, a partir da década de 1960, o termo relações intergovernamentais

tem experimentado um uso mais amplo, embora haja dúvidas, para o autor, se este termo tem

sido claramente ou adequadamente compreendido. Por isto, tem chamado atenção para a

necessidade de definição do termo, bem como de suas características (WRIGHT, 1974).

Page 53: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

51  

  

Wrigth define que relações intergovernamentais “[..] é um termo que pretende

designar um importante corpo de atividades e interações que ocorrem entre unidades

governamentais de todos os tipos e níveis dentro do sistema federal (dos Estados Unidos)13”

(WRIGHT, 1988, p. 14, tradução nossa).

Na concepção de Elazar (1987, p. 16, tradução nossa), “[...] relações

intergovernamentais tem a ver com os modos e meios particulares de operacionalizar um

sistema de governo – no contexto norte-americano, um sistema federal –, modos e meios que

envolvem amplas e contínuas relações entre os governos federal, estadual e municipal ou

qualquer combinação possível14”. Elazar defende ainda que relações intergovernamentais é

um fenômeno universal, identificado sempre que dois ou mais governos interagem para

desenvolver e executar políticas públicas e programas. Este argumento é relevante, pois não

restringe a existência destas relações à arquitetura político-institucional do Estado, ou seja,

para Elazar, relações intergovernamentais são possíveis também em estados unitários e

confederações, por exemplo. Tal afirmação é observada na seguinte citação:

O federalismo é um conceito anterior e mais abrangente no qual relações intergovernamentais é subsidiário, um termo técnico de grande utilidade em explorar o processo dentro de sistemas políticos em particular, especialmente, mas não exclusivamente, os federais, e de forma mais eficaz, embora não exclusivamente, aqueles que começam com federalista, em vez de uma visão estatista da soberania15 (ELAZAR, 1987, p. 17-18, tradução nossa).

É importante destacar que Wrigth (1974) defende que as relações intergovernamentais

são possíveis apenas dentro dos regimes federativos, sendo uma característica específica deste

tipo de governo. Por seu turno, para Elazar (1987), RIGs podem ocorrer especialmente, mas

não exclusivamente, em sistemas federais. Compreende-se que RIGs podem ocorrer em

                                                           13 “[...] is a term intended to designate an important body of activities or interactions occurring between governmental units of all types and levels within the [United States] federal system”.

14 “[...] ‘intergovernmental relations’ has to do with particular ways and means of operationalizing a system of government – in the American context, a federal system – ways and means that involve extensive and continuing relations among the federal, state, and local governments or any combination thereof”

15 Federalism is a prior and more comprehensive concept to which intergovernmental relations is subsidiary, a technical term of great use in exploring the process within particular political systems, particularly but not exclusively, federal ones, and most effectively, although not exclusively, those that begin with federalist rather than a statist view of sovereignty.

Page 54: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

52  

  

diferentes modelos de governo embora o tipo de relação estabelecida venha a ser diferente,

nos sistemas federais e nos sistemas unitários, por exemplo. O grau de autonomia e

colaboração tende a ser diferenciado.

Sobre o que caracteriza relações intergovernamentais, Wright (1974) desenvolveu

cinco propriedades típicas. São elas:

Todas as unidades envolvidas: diz respeito às unidades governamentais envolvidas,

seja tanto em termos de quantidade como em variedade de governos. Neste caso, as relações

intergovernamentais envolvem diferentes níveis de governo quer seja municipal, estadual ou

federal. Como afirma Wright (1974, p. 2, tradução nossa, grifo nosso), “em suma, RIGs

[relações intergovernamentais] inclui como objetos próprios de estudo todas as permutações e

combinações de relações entre as unidades de governo16”;

Interações entre funcionários: para o autor, se fôssemos pensar estritamente o termo,

observaríamos que não existem relações intergovernamentais. O que existe são relações entre

os funcionários de diferentes níveis de governo. Assim, Wright destaca que uma característica

das relações intergovernamentais é o número e a variedade de autoridades governamentais

envolvidas, não só os membros do executivo, mas também do legislativo e judiciário,

inclusive em termos de relações e comportamentos humanos;

Relações contínuas e cumulativas entre as autoridades governamentais: esta

característica trata da regularidade das relações, de como estas não são pontuais, ocasionais ou

apenas ratificadas em acordos rigidamente fixados por estatutos ou decisões de tribunais. Na

verdade, Wright defende que as relações intergovernamentais acontecem permanentemente,

tanto nas relações formais quanto informais, no cotidiano do governo;

Ações e atitudes das autoridades governamentais: versa sobre a importância da

intencionalidade de cada uma das autoridades governamentais envolvidas, quer sejam as

pessoas do executivo ou legislativo eleitas pela população ou aquelas indicadas por estes.

Como afirma Wright (1974, p. 3, tradução nossa), “a quarta característica distintiva das RIGs

é a sua consciência sobre o papel desempenhado por todos os funcionários públicos. [...] nos

                                                           16 IGR includes as proper objects of study all the permutations and combinations of relations among the units of government.

Page 55: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

53  

  

últimos anos, mais atenção tem sido dada às ações, atitudes e papéis dos administradores

nomeados17”;

Ênfase política: refere-se às políticas públicas no que diz respeito às questões sobre

financiamento, elaboração, implementação. Tem se tornado uma característica relevante à

medida que novas relações entre os governos estabelecem-se, bem como novos padrões de

financiamento e oferta de serviços ao público.

A partir dessas características, Wright (1978) elencou três tipos de relações

intergovernamentais, as quais podem ser observadas a partir das seguintes figuras:

Ilustração 04: Tipos de relações intergovernamentais

(Fonte: adaptado de Wright, 1978, p. 25)

O modelo de autoridade independente caracteriza-se por uma relação de total

independência ou autonomia entre os diferentes níveis de governos sem necessidade, portanto,

de interlocução entre si. Observa-se que fronteiras distintas separam os níveis de governo.

                                                           17 A fourth distinguishing characteristic of IGR is its awareness of the role played by all public officials. […] in recent years more attention has been paid to the actions, attitudes and roles of appointed administrators.

Page 56: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

54  

  

Já o modelo de autoridade inclusiva ou hierárquica é exemplificado quando a atuação

dos governos subnacionais depende das decisões tomadas pelo governo central. Neste

modelo, estados e municípios assemelham-se mais com unidades administrativas do governo

central do que como entes autônomos. As relações intergovernamentais são essencialmente

baseadas em um conjunto hierárquico de relações e salientam o papel predominante do nível

nacional. De certa forma, retomam os modelos hierárquicos propostos por Elazar.

O terceiro modelo, o de autoridade interdependente ou sobreposta, é caracterizado

pela relação de interdependência e compartilhamento entre os entes. De acordo com Wrigth

(1988), a sobreposição dos círculos representa três características do modelo de relações

intergovernamentais: áreas significativas das operações governamentais irão envolver as

unidades nacional, estaduais e locais, simultaneamente; as áreas de autonomia ou jurisdição

única e de independência e total liberdade são comparativamente menores; o poder e a

influência disponíveis para qualquer uma das jurisdições, individualmente, são

significativamente limitados; estes limites produzem um padrão de autoridade que é melhor

descrito como barganha. Assim, um aspecto central neste modelo é a prevalência da barganha,

relacionando-se com o federalismo cooperativo.

O modelo, então, diz respeito ao processo de tomada de decisões em conjunto pelos

entes da federação. O sistema federativo se caracteriza pela autonomia dos entes a qual deve

ser considerada no processo de elaboração das políticas públicas. Estas, para serem aceitas,

devem atender às necessidades e interesses das partes, nem sempre convergentes. Por isso, a

complexidade do relacionamento entre os entes e a necessidade da barganha para a aceitação

de determinada política.

Em 1978, no livro Understanding Intergovernmental Relations, Wright apresentou os

modelos de relações intergovernamentais. Passados mais de trinta anos da primeira edição do

livro, pode-se concluir que Wright proveu uma base conceitual para compreensão das relações

intergovernamentais para além de um modelo estático, rígido, realçando o papel da barganha

entre os entes, bem como a complexidade desta relação. Esta dinâmica acentua-se ainda mais

nos países cujo sistema de governo é o federalismo, o qual demanda uma relação constante de

negociação entre os entes e que busca sempre o equilíbrio na relação entre as regras comuns e

as regras próprias de cada governo.

Na ocasião, o modelo de autoridade interdependente era essencialmente uma nova

forma de retratar as relações intergovernamentais ao representá-las como um conjunto de

Page 57: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

55  

  

sobreposições simultâneas e cujos níveis de governo detém influência sob os demais de

maneira limitada (AGRANOFF; RADIN, 2014). No livro, o autor destaca que o modelo de

autoridade interdependente possui seis características principais: poder limitado e disperso;

áreas modestas e incertas de autonomia; alto grau de interdependência potencial ou real;

competição simultânea e cooperação; relações de negociação e troca; negociação como uma

estratégia para chegar a acordo.

Este modelo de relações intergovernamentais é aquele que mais se aplica à abordagem

do federalismo como pacto, no qual predominam os acordos e as barganhas entre as unidades

governamentais, em detrimento de uma relação de subordinação. Nesse sentido, Wright

(1988) destaca o modelo de sobreposição de autoridade que postula relações

intergovernamentais enquanto relações modeladas, cujos comportamentos são

interdependentes e negociados entre as autoridades nacionais, estaduais e locais. Os contatos e

trocas entre os funcionários dos governos podem ser simultaneamente cooperativos e

competitivos; os fatores determinantes para tanto, podem incluir a questão política, o status

dos funcionários (eleitos ou nomeados), as inclinações partidárias dos participantes, bem

como o eleitorado (local, estadual ou nacional) que está sendo representado.

A dinâmica federativa tem na relação competição/cooperação uma de suas principais

características. A cooperação no sistema federativo recupera a noção de pacto, o qual se

materializa na Constituição e em distintos momentos de acordo e negociação de políticas

entre os governos. Mesmo havendo a separação de algumas funções governamentais entre os

diferentes níveis de governos no regime federalista, nota-se a importância da cooperação

intergovernamental, cada vez mais políticas públicas são formuladas com sua execução sendo

de competência partilhada, necessitando de um trabalho coordenado em sua implementação.

Um exemplo deste tipo de política no caso brasileiro é o Sistema Único de Saúde (SUS) cuja

atuação depende de uma ação coordenada dos estados, municípios e União.

Sendo as unidades de governos entes autônomos, estes têm a opção por aceitar aderir

ou não a determinada política proposta pelo governo central. Neste sentido, convém destacar

que governos federais, estaduais e municipais apresentam diferentes capacidades

arrecadatórias e administrativas as quais podem significar o deslocamento do equilíbrio de

poder (SANO, 2008). Assim, determinados governos, de modo especial, o central, dada a

arrecadação superior, podem utilizar-se do mecanismo de indução das políticas ao prestarem

apoio tanto técnico quanto financeiro aos demais para implementação de um determinado

Page 58: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

56  

  

programa, por exemplo, de modo que a cooperação, neste caso, esteja atrelada a algum

benefício recebido em troca.

Neste caso, a cooperação entre os entes pode ser um fator positivo para combater as

desigualdades regionais, buscando uma maior equidade e simetria no atendimento aos

cidadãos. No entanto, é preciso atentar para a maneira como esta cooperação é compreendida,

podendo até ser confundida com verticalização, sendo este último um mecanismo que vai de

encontro ao princípio da não-centralização proposto por Elazar (1987), bem como denota a

existência de centros de poder.

Por sua vez, a competição entre os governos dentro do regime federalista pode ser um

forte instrumento para favorecer o controle mútuo entre as partes, impedindo a predominância

de uma instância sobre a outra. Além disso, ao compararem o desempenho governamental, os

eleitores estimulariam a busca pela melhoria. No entanto, é necessário analisar os efeitos do

excesso de competição, quando esta vai além do controle mútuo. Neste caso, a competição

pode vir a afastar ainda mais as unidades governamentais, ampliando as diferenças entre elas,

em conformidade com um federalismo do tipo centrífugo18. Conforme Abrucio, o excesso de

competição “[...] reforça tendências centrífugas e assimétricas nas relações

intergovernamentais. Práticas como a guerra fiscal ou a pura autonomização dos governos

locais tendem a aumentar a desigualdade e a diminuir a esperança por simetria, enfraquecendo

os laços federativos” (ABRUCIO, 2001, p. 99-100).

Compreende-se que tanto a cooperação quanto a competição precisam ser bem

dosados para não comprometerem a autonomia de cada esfera governamental ou a

interdependência entre elas. Por outro lado, também não se trata de negar estas características,

mas buscar equilibrá-las em torno de objetivos comuns, da manutenção dos princípios

federativos. Como propõe Wright (1988), os esforços passados para repensar o sistema

intergovernamental têm sido repetidamente prejudicados pela incapacidade de se apreciar o

fato de que, embora haja cooperação dentro do sistema, há também competição, conflito, e

mesmo coerção entre os vários níveis de governo. Segundo o autor, há uma necessidade óbvia

de criação de um processo que facilite o reconhecimento da natureza complexa das relações

intergovernamentais e permita o desenvolvimento de um núcleo de objetivos comuns. Assim,

está posto um desafio aos países federais, qual seja o de encontrar um caminho que

                                                           18 O federalismo centrífugo pode ser caracterizado como aquele que tende a se afastar do centro, de modo que os estados tenham maior autonomia. O federalismo centrípeto pode ser caracterizado como aquele que se dirige para o centro, em que há uma centralização por parte da União.

Page 59: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

57  

  

proporcione o equilíbrio entre competição e cooperação, buscando, nestas estratégias,

possibilidades de fortalecimento do sistema e de eliminação das disparidades.

Destaca-se a relevância da integração e compartilhamento de decisões entre os entes, o

que remete ao conceito de coordenação federativa discutido por autores como Abrucio (2001;

2005) o qual utiliza o termo para destacar o inter-relacionamento entre os níveis de governo

dentro do sistema federal. De acordo com o autor o termo coordenação federativa diz respeito

às “[...] formas de integração, compartilhamento e decisão conjunta presentes nas federações”

(ABRUCIO, 2005, p. 41).

De uma forma geral, para Ariznabarreta (2001), a coordenação pode geralmente ser

definida como o processo de criação ou utilização de regras de decisão pela qual dois ou mais

atores ocupam coletivamente o mesmo campo. Assim, a coordenação se faz necessária devido

a interdependência, devido ao fato de que duas unidades do mesmo ou de diferentes

organismos compartilham o mesmo ambiente de trabalho. Ao relacionar este conceito com os

estudos realizados acerca do federalismo, observa-se que a coordenação é um elemento

fundamental para o sucesso de uma organização política na qual a competência por uma

determinada área é compartilhada por mais de um nível de governo, por exemplo, ou quando

a interdependência é uma prerrogativa deste modelo de governo. Convém destacar que a

interdependência entre as unidades tende a ser maior ou menor conforme a área de atuação ou

mesmo conforme o contexto histórico. Contudo, essa sempre será uma das características dos

regimes federativos, a qual vai requerer coordenação federativa para que não haja prevalência

de uma esfera de governo sobre outra.

Conforme Sano (2008), a adoção de políticas nacionais19 favorece a coordenação

federativa. Para o autor, a articulação entre os governos, visando garantir sua autonomia e

interdependência, seria incentivada no instante em que os governos subnacionais participam

dos processos decisórios acerca de uma determinada política nacional, podendo levar a um

fortalecimento da articulação entre os governos. Assim, de acordo com Sano (2008, p. 29):

“[...] sem uma política nacional é muito difícil estabelecer formas efetivas de coordenação

                                                           19 O autor faz uma distinção relevante entre a política nacional e a política federal. “As políticas nacionais são aquelas que envolvem as três esferas de governo no que se refere às arenas de decisão (1), à normatividade legal (2), às formas de financiamento (3) aos mecanismos de colaboração (4) e, por fim, aos instrumentos de definição dos conflitos (5).” (SANO, 2008, p. 28) “Por sua vez, as políticas federais são aquelas elaboradas pela União, as quais, embora também tenham abrangência em todo o território nacional, resultam exclusivamente de decisões do Executivo federal. Além disso, sua implementação em estados e municípios depende, geralmente, da adesão dessas esferas de governo à política apresentada, mas sem que eles tenham poder legitimo de interferir no desenho da política” (SANO, 2008, p. 29).

Page 60: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

58  

  

numa federação democrática”. O autor ainda argumenta que o desenvolvimento de uma

política nacional é condição necessária, mas não suficiente, para o êxito da coordenação

federativa, sendo esta influenciada por outros fatores, tais como: “a diferença socioeconômica

e de receitas próprias entre os entes, a adequada representação política do plano subnacional

no âmbito central, a qualidade das burocracias, entre outros” (SANO, 2008, p. 29).

Para Abrucio (2005), são possibilidades de coordenação federativa: as regras legais

que obrigam os atores a compartilhar decisões e tarefas; os fóruns e mecanismos políticos de

negociação intergovernamental; o funcionamento das instituições representativas; o papel

coordenador e/ou indutor do governo federal. O autor ainda explicita ainda mais o termo,

afirmando sobre o conceito de coordenação federativa que:

Em primeiro lugar, sua adoção significa sair da dicotomia entre centralização e descentralização, que leva mais ao jogo do cabo de guerra do que a práticas colaborativas que respeitam a autonomia dos entes, sem perder de vista as necessidades nacionais de uma federação. Além disso, a visão coordenadora que vem se instalando em várias políticas públicas não significa dar poder à União para se voltar ao modelo centralizador anterior. Ao contrário, na atual situação vigora, em maior ou menor medida, uma negociação mais constante com estados e municípios mais autônomos, tanto na elaboração quanto na implementação dos programas governamentais, de modo que toda ação federal tem de levar isso em conta (ABRUCIO, 2010, p. 49).

Relações intergovernamentais podem ser definidas como as relações estabelecidas

entre os diferentes níveis de governo dentro de uma divisão político territorial. Estas relações,

dentro de uma federação, são variáveis ao curso do tempo e nem sempre se observa um

equilíbrio federativo, podendo haver prevalência da cooperação em certas situações e em

outras prevalecendo a competição.

Pensar o bom funcionamento do sistema federativo significa pensar sobre as maneiras

de adequar a competição e a colaboração a um bom equilíbrio dentro das relações entre os

diferentes níveis de governo, sejam estas verticais ou horizontais. Um grande desafio à

atuação do governo federal neste caso, portanto, é zelar pela coordenação federativa, ou seja,

encontrar o ponto de equilíbrio entre a autonomia e os direitos originários das partes com as

regras do pacto federativo assumidas por todas as partes envolvidas como forma de preservar

a unidade territorial.

Page 61: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

59  

  

2.3 FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO BRASIL  

No curso da história do federalismo brasileiro, sua dinâmica tem se alterado

significativamente. Uma das primeiras inferências é a alternância entre períodos de

centralização e descentralização do poder, ora concentrado no governo central, ora

fortalecendo os níveis subnacionais. Essa caracterização, que se constitui um movimento

contínuo e regular, traz, no entanto, uma série de equívocos à análise do federalismo

brasileiro. Conforme V. Costa (2010), o aparente dilema da centralização versus

descentralização na história do federalismo brasileiro é, na verdade, resultado de uma tensão

estrutural entre dois processos históricos simultâneos: desenvolver e consolidar

simultaneamente o Estado nacional e o regime democrático. Ainda segundo o autor,

inicialmente, o federalismo no Brasil não esteve associado nem ao desenvolvimento

econômico e nem à implantação da democracia, haja vista o experimento federalista ter sido

deformado e fartamente manipulado pelas elites políticas brasileiras.

Após a independência, em 1822, o Brasil adotou a forma unitarista de governo, cujo

governo central tinha grandes poderes sobre as províncias e municipalidades. Contudo,

mesmo adotando um modelo unitário, dois aspectos ajudam a explicar a heterogeneidade que

marcou a constituição da nação, conforme Abrucio (2010a). O primeiro deles diz respeito ao

imenso território brasileiro, de dimensão continental, ter sido ocupado de maneiras diferentes,

mesmo que pelo mesmo colonizador. Para o autor, “[...] produziu-se, dessa maneira, o que

poderíamos chamar de regionalismos, com costumes diversos, especificidades de linguagem e

elites com formas de reprodução e projetos de poder particulares” (ABRUCIO, 2010a, p. 43).

Outro aspecto destacado foi a fragilidade do modelo fortemente centralizador de governo

adotado no Segundo Reinado, tendo em vista que as elites políticas brasileiras mantinham

padrões políticos fortemente oligarquizados.

A gênese do federalismo brasileiro é frequentemente caracterizada como sendo do tipo

hold together, cujo objetivo é manter a união das partes (ALMEIDA, 2001). No entanto, é

necessário destacar algumas particularidades da trajetória histórica do Brasil e evidenciar

outros fatores que também explicaram a opção por esta forma de governo no país.

Arretche (2001) confronta a classificação brasileira neste modelo, ao destacar que as

condições previstas por Stepan (1999) para classificar o federalismo brasileiro como sendo do

tipo hold together não podem ser identificadas na história:

Page 62: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

60  

  

Embora, por exclusão, pareça atraente classificar o Brasil no modelo holding-together, uma rápida reconstituição do golpe republicano de 1889 sugere cautela na adequação desse conceito ao caso brasileiro. Não havia grupos étnicos com identidade própria reivindicando autonomia, nem ameaça real de disrupção do Estado unitário no final do século XIX (ARRETCHE, 2001, p. 26).

Nesses termos, Arretche elenca outros elementos que impulsionaram o golpe

republicano: o desgaste da monarquia; a perda do apoio das classes médias emergentes, bem

como dos grupos conservadores, por parte da coroa; crise fiscal e incapacidade de atender às

diferentes demandas regionais. Por seu turno, Almeida (2001) reforça esta ideia ao afirmar

que, no Brasil, as elites sempre influenciaram as decisões relativas à agenda política:

“monarquia e república, centralização e descentralização, Estado unitário e federação foram

respostas institucionais, vislumbradas pelas elites, ao desafio de ‘manter junto’ um país, onde

eram fortes as tradições localistas herdadas do período colonial” (ALMEIDA, 2001, p. 15,

grifo nosso). Neste sentido, Regis (2009, p. 2) argumenta que “[...] enquanto outras formas de

federalismo são criadas para acomodar grupos étnicos diferentes dentro do mesmo Estado, o

federalismo brasileiro serviu meramente para conceder maior autonomia às oligarquias

estaduais que eram parte de um território vasto, e, de certa forma, desunido”. Assim, o

federalismo brasileiro nasce para atender aos interesses das casses dominantes, para uni-la, e

não para garantir a unidade na diversidade diante da diversidade cultural da extensa nação,

embora essa seja uma característica da formação brasileira.

Assim, a partir das análises dos autores, conclui-se que a gênese do federalismo

brasileiro não se classifica em nenhuma das duas opções apresentadas por Stepan (1999) e já

discutidas no primeiro item deste capítulo, mas no propósito de atender às necessidades das

elites dominantes, as quais buscavam ampliar seu poder dentro de seus estados, em oposição à

centralização da monarquia.

A federação brasileira surge com a proclamação da república em 1889, mas, conforme

Abrucio (1998, p. 31), “somente com a Constituição de 1891, definidora da nova ordem

republicana, foi adotada a estrutura federativa, rompendo-se com a tradição do unitarismo

imperial”. No entanto, não era ainda característica desse modelo de federalismo o poder

compartilhado entre a instância soberana e os demais entes federados, uma vez que

municípios eram demasiados frágeis e dependentes dos estados, antigas províncias que, até

então, não tinham nenhuma autonomia e que, depois da proclamação da república, tornaram-

se entes da República Federativa Brasileira.

Page 63: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

61  

  

Almeida (2001) destaca ainda a força das elites paulistas na formulação de uma

federação extraordinariamente descentralizada, que resulta da Constituição de 1891. A

atuação deste grupo se deu no sentido de constituir, no estado de São Paulo, um poder público

capaz de oferecer o suporte necessário aos cafeicultores. Observa-se, no entanto, que os

demais estados, com exceção de Minas Gerais, também grande produtor de café à época, não

dispunham de poder e influência nas tomadas de decisões em nível federal, evidenciando a

assimetria das relações intergovernamentais deste período, a qual pode ser explicada em razão

das frágeis condições financeiras e políticas dos demais estados. A Constituição de 1891 não

favoreceu a comunicação entre os diferentes governos, proporcionando a manutenção das

assimetrias entre eles, conforme é explicitado por Camini (2010, p. 04): “a primeira

Constituição da república, promulgada em 1891, desenhou uma Federação isolada no sentido

de que havia poucos canais de comunicação e ligação entre os níveis de governo”.

O federalismo brasileiro na República Velha (1898-1930) foi caracterizado por autores

como Cury (2010) e Abrucio (2010a; 1998) como um federalismo centrífugo, o que remete ao

fortalecimento do poder do estado-membro. Esteve fundamentado no enfraquecimento de

poder dos municípios e do governo federal em detrimento do autonomismo estadual

oligárquico. Acerca da República Velha, Regis (2009) destaca que este período foi

caraterizado pela liberdade das oligarquias estaduais em impor seus interesses em seus

estados sem a intromissão do governo central. Já para Costa (2010, p. 739), “[...] o

federalismo brasileiro nasceu associado ao peculiar republicanismo das elites provinciais

(depois estaduais), e resultou no que se pode denominar de ‘federalismo oligárquico’”.

Destaca-se, no período referido, o poder hegemônico das oligarquias paulistas e

mineiras, bem como a inexistência de um projeto nacional de nação. Assim, tendo em vista

que os demais estados, em sua maioria, não detinham do mesmo poder econômico e político

que os estados de São Paulo e Minas Gerais, pode-se destacar que o federalismo na República

Velha acentuou ainda mais a desigualdade territorial do país, no qual poucos governos

estaduais expandiram suas políticas sociais.

A era Vargas (1930-1945) foi marcada por grandes transformações, sendo a principal

delas a centralização do poder do executivo federal, o que caracteriza o federalismo do

período como um federalismo centrípeto e interventor (CURY, 2010), tendo como

particularidade a intervenção permanente da União nos estados e, por conseguinte, o

enfraquecimento do poder dos governos subnacionais, especialmente após o golpe de 1937.

Page 64: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

62  

  

Há autores que inclusive questionam a permanência do regime federativo neste período, como

é o caso de Régis (2009, p. 3), ao afirmar que “durante esse período, o presidente deteve todo

o poder político, e o Brasil nem foi democrático nem federativo”. O autor faz esta afirmação

em razão da centralização política, administrativa e financeira que caracterizam o período,

embora esta não seja uma razão que justifique tal afirmação. Quanto à centralização política,

cabe destacar que os estados passaram a ser administrados por interventores nomeados pelo

Presidente e substituídos periodicamente a fim de impedir a cooptação destes pelas

oligarquias locais.

Por sua vez, com o fim da era Vargas, o período entre os anos de 1946 e 1964 é

caracterizado pelas mudanças que imprimiram um caráter mais democrático à federação

brasileira. Abrucio (1998, p. 50) argumenta que:

O que aconteceu foi que as relações federativas se tornaram mais equilibradas, pois União e estados se tornaram mais equipotentes. Os estados recuperaram sua autonomia e a União, mediante o arranjo Varguista, aumentou seu raio de ação. [...] Não só as relações entre União e estados ficaram mais equilibradas; as relações entre as unidades da Federação se tornaram também menos desiquilibradas.

Além de um perceptível equilíbrio maior do que em períodos anteriores nas relações

intergovernamentais entre os entes, destacam-se as tentativas, por parte do governo federal,

em reduzir as desigualdades regionais. Além disso, com a Constituição de 1946, observa-se

mais autonomia política e fiscal aos estados.

Com o golpe militar de 1964 há uma retomada do modelo centralizador de

federalismo, o federalismo centrípeto, o qual reduziu a autonomia dos governos estaduais e

municipais, fortalecendo o poder da União. Conforme Régis (2009, p. 4), “de fato, o poder

central exercia uma influência típica dos regimes unitários, impondo restrições orçamentarias

aos estados”. Kulgemas (2001) enfatiza, entretanto, que a centralização do regime autoritário,

embora tenha controlado ferreamente os níveis subnacionais de poder, não foi capaz de

excluir em sua totalidade o poder das elites políticas regionais e manteve em boa medida as

atribuições administrativas das esferas subnacionais.

Durante o regime militar, segundo Abrucio (1998), três aspectos caracterizam as

relações intergovernamentais diante do modelo centralizador de federalismo: o financeiro, o

Page 65: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

63  

  

administrativo e o político. Do primeiro, constata-se que o Executivo Federal manteve

centralizadas, quase que por completo, as receitas tributárias, e, por conseguinte, as

transferências de recursos para os estados e municípios. Com isto, o governo federal utilizou

as transferências de recursos aos governos subnacionais como moeda de troca para fortalecer

sua estratégia de conquistar aliados nos estados. No tocante ao aspecto administrativo,

buscou-se uniformizar a atuação administrativa das esferas municipais, estaduais e federal,

orientadas pelo planejamento central. Quanto ao aspecto da dimensão política, o governo

federal controlou as eleições para os governos estaduais, evitando que a oposição tivesse

alguma conquista, transformando-as posteriormente em eleições indiretas (ABRUCIO, 1998).

Este último aspecto, de modo especial, começa a sofrer alterações com o

desencadeamento do processo de abertura no governo Geisel (1974-1979). A participação das

elites regionais na Aliança Renovadora Nacional, partido que representava o regime, bem

como o aumento nos percentuais destinados aos Fundos de Participação exemplificam esta

situação. No entanto, o fulcro desta mudança será a realização de eleições diretas para os

governos estaduais em 1982, cujos governadores eleitos impulsionaram a campanha pela

eleição direta para presidência (KUGELMAS, 2001).

Além disso, um movimento em prol da redemocratização e da descentralização ganha

força no final dos anos 1970, defendendo a reconstrução das instituições democráticas. Neste

sentido, Farenzena (2006, p. 50) afirma que “a partir desta época e durante os anos 80,

federalismo e descentralização entraram na agenda política, como parte das estratégias que

visavam a romper as relações de poder interestatais consolidadas no modelo autoritário-

burocrático de Estado”.

A abertura política com o fim da ditatura militar inaugura um novo federalismo no

Brasil, o qual é explicitado por Abrucio (2005, p. 46):

Um novo federalismo nascia no Brasil. Ele foi resultado da união entre forças descentralizadoras democráticas com grupos regionais tradicionais que se aproveitaram do enfraquecimento do governo federal em um contexto de esgotamento do modelo varguista e do Estado nacional-desenvolvimentista a ele subjacente. O seu projeto básico era fortalecer os governos subnacionais e, para uma parte desses atores, democratizar o plano local. Preocupações com a fragilidade dos instrumentos nacionais de atuação e com coordenação federativa ficaram em segundo plano.

Page 66: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

64  

  

O novo federalismo tem como marco a Constituição Federal de 1988, que traz

profundas mudanças ao regime político no país. Para Souza (2005, p. 109), “a

redemocratização trouxe como uma de suas principais bandeiras a ‘restauração’ do

federalismo e a descentralização por meio da elaboração de uma nova constituição”. Ainda

para a autora, a Constituição de 1988 mudou profundamente o federalismo brasileiro,

principalmente em seus aspectos fiscal e político (SOUZA, 1997). A crítica à centralização do

período anterior, de certa forma, foi responsável pela crença de que a descentralização

prevista na nova Constituição significasse maior democratização, especialmente em relação

aos governos subnacionais. Contudo, questões relacionadas à coordenação federativa do país,

bem como o equilíbrio entre autonomia e interdependência no inter-relacionamento entre os

entes federados não foram bandeiras defendidas por este projeto de federalismo advindo com

a abertura política. Em verdade, esse equilíbrio ainda hoje enfrenta dificuldades para se

concretizar, como argumenta Abrucio (2010a, p. 42): “os princípios de autonomia e de

interdependência, bem como as noções de controle mútuo e de coordenação

intergovernamental, tiveram uma trajetória tortuosa em nosso País e ainda hoje têm problemas

para realmente se efetivar”.

Segundo Cury (2010), a CF de 1988 recusou tanto um federalismo centrífugo como

centrípeto, e fez a opção por um federalismo cooperativo sob a denominação de regime

articulado de colaboração recíproca, descentralizado, com competências privativas, comuns e

concorrentes entre os entes federativos.

G. Araújo (2010) esclarece que competência, nesse caso, refere-se à capacidade de a

autoridade possuir certas atribuições, a fim de deliberar a seu respeito. As competências dos

entes federados podem ser legislativas ou administrativas. A primeira trata da capacidade de

estabelecer normas e leis em sentido estrito; a segunda, da atuação concreta do ente, ou seja,

dos atos administrativos. Ainda conforme a autora, nas competências privativas à União cabe

legislar sobre determinada matéria, podendo ser delegada essa competência a outro nível de

governo. Por sua vez, as competências comuns não são legislativas, mas sim administrativas.

Assim, todas as unidades subnacionais devem exercer, sem preponderância, atividades

administrativas de forma cumulativa. As competências comuns visam a dar materialidade ao

regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. Já nas

competências concorrentes, não há hierarquia das normas da União sob os demais entes,

considerando que esses são coordenados pela União, mas não subordinados a ela. É nas

competências concorrentes que se materializa a coordenação federativa.

Page 67: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

65  

  

Para Souza (2005), a grande demanda de competências comuns aos três entes previstas

na Constituição, gera debates acalorados sobre qual nível de governo é responsável por qual

política ou serviço público. No entanto, a autora chama atenção para o fato de que, muitas

vezes, os governantes desconsideram a opção dos constituintes por uma divisão institucional

de trabalho entre os entes federativos de forma compartilhada, evidenciando que o

federalismo brasileiro deveria ter um caráter mais cooperativo do que dual ou competitivo.

Se, por um lado, com a nova forma de organização prevista na CF 1988 obtém-se

maior clareza quanto à política tributária, a definição das competências de cada ente no que

tange a oferta de serviços públicos, por outro lado, ainda demanda maiores esclarecimentos. A

Constituição Federal de 1988 está fortemente baseada em competências comuns, o que pode

ser observado em seu Artigo 23, o qual trata dessas competências entre a União, estados,

distrito federal e municípios e, nele, observam-se incisos que tratam da saúde e assistência

social, cultura e educação, proteção ao meio ambiente entre outros. Tal assertiva fundamenta

a análise de Kugelmas (2001, p. 37), ao afirmar que “uma das características do modelo

federativo brasileiro é o grande número de competências conjuntas dos três níveis, sem uma

definição clara das respectivas esferas”.

Destaca-se, contudo, que a existência de competências comuns é uma das

características do federalismo cooperativo, em razão até do tamanho e da diversidade da

federação, o que pode favorecer o equilíbrio e a divisão das tomadas de decisões entre os

entes federados. Sobre esta especificidade brasileira, Souza (2013, p. 99) argumenta que:

Outro mandamento Constitucional que poderia sinalizar que o Brasil estaria caminhando para um equilíbrio de poder decisório sobre políticas públicas entre os entes federados foi a expansão das competências comuns (ou concorrentes) aos três níveis, típica do federalismo cooperativo, em que duas ou três esferas do governo partilham as mesmas funções.

No caso brasileiro, no entanto, a sobreposição de competências observada com a CF

de 1988 resultou, muitas vezes, em repasse de funções, tanto da parte da União para com os

estados, em razão da diminuição de recursos da União ocasionada pela descentralização

fiscal, quanto dos estados para os municípios. Este movimento impulsionou um processo de

competição tanto horizontal quanto vertical e, de acordo com Abrucio (2010a), fez com que

governos estaduais e municipais igualmente estabelecessem comportamentos não

Page 68: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

66  

  

cooperativos ou mesmo de competição. Além disso, fez com que muitos municípios

tentassem assumir, de forma desorganizada, parte das funções governamentais, mesmo sem

que fossem reduzidas a subordinação financeira ou política das cidades em relação às demais

instâncias do governo.

No que diz respeito aos entes federados, a referida Constituição traz grandes mudanças

ao incorporar o município como ente federativo, com autonomia, atribuições e competências

definidas, como determina seu Art. 18: “a organização político-administrativa da República

Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,

todos autônomos, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2008, p. 29). Esta situação é

peculiar, inclusive do ponto de vista internacional, são poucos os países nos quais os

municípios são entes autônomos; além do Brasil, pode-se citar Índia, México e Bélgica.

A situação dos municípios, enquanto entes federados, levou a redefinições da política

tributária de modo a favorecer a descentralização fiscal. Assim, os municípios puderam contar

com a arrecadação de impostos, tais como o Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana

(IPTU) e o Imposto sobre Serviços (ISS), além das transferências da União por meio do

Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Com recursos próprios, esperava-se que estes

entes tivessem autonomia para elaborar e implementar políticas públicas próprias no que

concerne as suas de competência, seja na saúde, educação, meio ambiente, assistência social.

No entanto, a baixa capacidade financeira e administrativa, acentuada nos últimos anos,

evidenciam a dependência da maioria dos municípios brasileiros em relação aos estados e à

União, bem como a dificuldade para elaborar projetos próprios.

Sobre a descentralização de recursos tributários e de poderes políticos impulsionados

pela promulgação da Constituição de 1988, Celina Souza (1997, p. 127) afirma que:

Na esfera federal, os resultados da descentralização são bastante visíveis: o governo federal tem sido particularmente afetado por dificuldades financeiras e tem encontrado impedimentos, embora não intransponíveis, para a montagem e sustentação de coalizões que lhe permitam governar. Na esfera subnacional, todavia, os resultados da descentralização apresentam um alto grau de heterogeneidade devido às desigualdades regionais existentes no país.

Por outro lado, Abrucio (2010a) destaca efeitos positivos no novo poder conferido aos

municípios em relação à políticas públicas próprias, elaboradas por governos locais, inclusive

Page 69: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

67  

  

com a participação da sociedade civil, como é o caso do Orçamento Participativo,

inicialmente na cidade de Porto Alegre/RS e posteriormente adotado em outros municípios,

bem como do programa Bolsa Escola em Campinas/SP e Brasília. Sobre os aspectos positivos

deste processo, Abrucio (2010a, p. 46) afirma que “[...] a municipalização pode aumentar a

eficiência na alocação de recursos e na implementação das políticas, especialmente se tomada

como contraponto da centralização das ações, algo que se torna mais ineficiente diante do

tamanho do país e de suas especificidades locais”. A descentralização observada a partir da

redemocratização e que teve como palavra de ordem a municipalização tende a ser positiva

quando os municípios possuem capacidade administrativa, técnica e financeira adequadas

para formular e implementar políticas públicas e dar conta das demandas dos cidadãos.

No que diz respeito aos estados, Camini (2010) afirma que a Constituição Federal de

1988 destaca a União e os municípios, mas os estados ficaram em uma situação institucional

mal definida e até mesmo esvaziada. Tal situação se deu em razão da crescente polarização

entre o ente de maior estrutura e arrecadação e o ente para o qual foi atribuída a maior carga

de atribuições, tornando-se os estados um intermediário menos credenciado.

Conforme discutido anteriormente, a CF é o mais amplo e originário contrato

federativo de um país que estabelece o federalismo como pacto político-territorial. No caso

brasileiro, a Constituição Federal de 1988 é considerada um marco, o qual proporcionou uma

grande descentralização de poder e recursos financeiros aos entes federados. De acordo com

Souza (1997, p. 127), “a Constituição resultou do compromisso com a institucionalização de

valores democráticos, onde a descentralização política, financeira e administrativa assumiu

papel relevante”.

Outra inovação desta Constituição Federal é a criação de mecanismos de participação

social e a criação de novas arenas públicas para deliberação. Tal fato pode ser compreendido

em razão do centralismo político e do autoritarismo vigente na ditadura militar, o que fez

crescer o anseio por uma maior participação popular, cuja concretização de partes desses

anseios se deu na CF de 1988.

No que diz respeito às políticas públicas, Abrucio (2010a) apresenta cinco grandes

pilares presentes na Constituição de 1988: o primeiro é o da busca da universalização das

políticas, visando obtenção de garantia completa dos direitos sociais; o segundo, a

democratização da gestão estatal, tanto no campo que diz respeito à participação no plano

deliberativo, quanto no controle do poder público; o terceiro é a profissionalização da

Page 70: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

68  

  

burocracia, através de concursos e carreiras públicas, sendo condicionante indispensável para

garantir qualidade no processo de formulação e implementação das atuações governamentais;

o quarto é a descentralização, preferencialmente em prol da municipalização das políticas; e o

quinto, a preocupação com a interdependência federativa, enquanto medida de combate à

desigualdade, de favorecimento da cooperação intergovernamental e da definição de uma

esfera importante de ações federais como agente nacional.

No entanto, o mesmo autor reitera que a efetivação destes cinco fatores ainda não é

realidade no contexto brasileiro, tal qual estabelecia a CF de 1988, sobretudo no que se diz

respeito à descentralização, “processo que significava não só passar mais recursos e poder aos

governos subnacionais, mas, principalmente, tinha como palavra de ordem a municipalização”

(ABRUCIO, 2010a, p. 46) quanto à implementação da interdependência federativa.

Observam-se, assim, as dificuldades para efetivação do federalismo cooperativo no

Brasil, as quais, segundo Souza, existem por duas razões principais: “a primeira está nas

diferentes capacidades dos governos subnacionais de implementarem políticas públicas, dadas

as enormes desigualdades financeiras, técnicas e de gestão existentes. A segunda está na

ausência de mecanismos constitucionais ou institucionais que estimulem a cooperação,

tornando o sistema altamente competitivo” (SOUZA, 2005, p. 112).

Se o federalismo brasileiro sofre significativas mudanças com a CF de 1988, o êxito

do Plano Real e a estabilização da moeda e a redução da inflação iniciam uma nova etapa da

história do federalismo brasileiro, como observam os autores:

Muda expressivamente a correlação de forças entre governo federal e estados, graças a um conjunto de fatores. A vitória sobre a ameaça hiperinflacionária e a eleição do novo presidente fez renascer com redobrada legitimidade a clássica tradição brasileira de presidência forte, esmaecida durante a crise que derrubou o presidente Collor (KUGELMAS; SOLA, 1999, p. 71).

A tônica deste período foi, sem dúvida, a resolução dos desequilíbrios fiscais, o que

impactou sobremaneira as relações intergovernamentais, especialmente no que diz respeito a

maior influência da União sob os demais níveis de governo. Isto porque “de 1982 a 1994,

vigorou um federalismo estadualista, não-cooperativo e muitas vezes predatório” (ABRUCIO,

2005, p. 46). Colaboraram para o enfraquecimento do chamado federalismo estadualista, a

Page 71: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

69  

  

partir de 1994, o auxílio do governo federal aos estados para sanar suas dívidas internas, bem

como ações propostas pelo governo federal que visaram melhorar a coordenação federativa,

em especial em algumas áreas de atuação, como foi o caso da saúde e da educação por meio

do estabelecimento de incentivos financeiros aos subníveis do governo para adesão às

propostas da União.

A tendência de que a União brasileira assuma, cada vez mais, este papel da

coordenação federativa tem sido observada ao longo das últimas décadas, tanto por meio da

redistribuição de recursos quanto pela indução de políticas. Neste caso, destaca-se o processo

de barganha entre aquele nível e os demais, que têm autonomia para aceitar ou não as

políticas induzidas, mas que, por outro lado, muitas vezes dependem do auxílio da União para

provisão e planejamento dos serviços públicos. Franzene e Abrucio (2013) evidenciam esta

tendência e alertam que a União pode obter maior ou menor sucesso neste processo de acordo

com a área da política:

Embora o processo [de transferências de recursos e de grande parte da gestão das políticas sociais] tenha sido iniciado, nos anos 1990, por normas editadas no nível central, a tendência é que as negociações com os governos locais ganhem importância e estes se fortaleçam no jogo da provisão dos serviços, ainda que isso ocorra de forma diferenciada em cada política, de acordo com seu legado, com a estrutura institucional e a forma como o governo federal apostou suas fichas em tal área (FRANZENE; ABRUCIO, 2013, p. 361, grifo nosso).

Na literatura específica, autores como Abrucio (2010b, 2010a), Kugelmas; Sola

(1999), Franzene e Abrucio (2013) destacam as áreas nas quais o governo federal tem

apostado suas fichas e fortalecido a coordenação federativa, quais sejam: saúde, educação e

assistência social. Com isso, observa-se nestas áreas a criação de arenas intergovernamentais

de discussão e deliberação. Convém destacar que tais relações ocorrem não sem conflitos,

sendo estes um elemento presente nos arranjos federativos, embora se tenha buscado, por

meio da barganha, a resolução daqueles. Quanto às áreas nas quais observam-se o

desenvolvimento de políticas públicas de forma compartilhada, a educação, por ser objeto de

estudo desta tese, será mais bem analisada no item seguinte.

A respeito do percurso do federalismo brasileiro, embora, à primeira vista, seja

enfatizada uma dicotomia centralização/descentralização, essa divisão pode ser estabelecida

Page 72: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

70  

  

para fins didáticos e não se pode perder de vista que, na perspectiva analítica, devem ser

consideradas não apenas as rupturas, mas também as permanências do federalismo, o qual tem

assumido arranjos distintos, orientados pelas relações de poder, conforme o contexto

histórico.

Sobre este movimento, Kugelmas e Sola (1999) afirmam que a sedutora metáfora

amplamente utilizada nas análises em torno do regime federativo no caso brasileiro, a da

sístole/diástole, ou seja, a da alternância de períodos de centralização e de descentralização na

história do federalismo no país, é simplista e pode conduzir a equívocos, em razão de alguns

motivos: este possível movimento pendular não possui simetria, haja vista que, em momentos

considerados de centralização, é possível observar características de descentralização e vice-

versa. Além disso, alguns aspectos de continuidade no padrão das relações são detectados em

fases consideradas distintas. Para os autores, portanto, se existe um movimento pendular, ele

certamente não possui regularidade de padrão. Assim, mais do que a oscilação entre

centralização e descentralização, é preciso destacar a mudança nos padrões de relacionamento

entre as esferas do governo.

Por sua vez, Costa (2010), ao analisar o federalismo brasileiro, também busca superar

a ótica dos ciclos de sístole/diástole, defendendo que o dilema centralização/descentralização

pode ser mais bem compreendido “[...] como uma tensão estrutural entre dois processos

históricos simultâneos: desenvolver e consolidar simultaneamente o Estado nacional e o

regime democrático” (COSTA, 2010, p. 737).

A afirmação dos autores retoma o princípio da não-centralização proposta por Elazar

(1987). Para o autor, o federalismo não é considerado sob a perspectiva de um centro do qual

se descentraliza poder, podendo este ser retomado no momento em que for mais conveniente

ao governo central. Para Elazar, a figura que mais explica o federalismo é a matriz, na qual

existem arenas maiores ou menores de tomada de decisão política e de ação.

Assim, as reflexões estabelecidas, até o presente momento, mostram a complexidade

do federalismo brasileiro, no qual a inter-relação entre os entes configura-se de formas

distintas de acordo com o contexto histórico, político e econômico, de modo que as arenas de

tomada de decisão e ação, nas quais se encontram determinados entes, ora podem ser

ampliadas, ora minimizadas. Logo, compreende-se que se deve evitar a análise simplista de

um movimento pendular em torno da dicotomia centralização/descentralização, a qual não

coloca em evidência a complexidade das relações nem as negociações e barganhas

Page 73: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

71  

  

estabelecidas. Esta observação corrobora a constatação de Souza (2013, p. 113) ao analisar o

federalismo brasileiro, a de que “[...] os governos das três esferas nem eram nem são atores

passivos e que a divisão de poder dentro da federação brasileira sinaliza para a existência de

negociações em torno dos seus interesses”.

2.4 FEDERALISMO E EDUCAÇÃO NO BRASIL

Para a compreensão do objeto de estudo, até o momento, buscou-se caracterizar o

federalismo brasileiro e as relações intergovernamentais nele estabelecidas. A partir de então,

se analisarão as especificidades deste modelo de organização no campo educacional, bem

como as relações entre os entes da federação, por vezes contraditórias, e suas implicações

para a política educacional. Assim como Cury (2010, p. 149), firma-se o entendimento de que

“o tratamento e a avaliação das políticas educacionais, no Brasil, exigem, entre outros

critérios e cuidados, o de considerar a opção de sermos uma República Federativa”.

A sequência deste texto pontuará elementos importantes para a compreensão da

maneira como a educação tem se constituído nos diferentes momentos da federação brasileira,

com ênfase no período pós-redemocratização. Essa é uma discussão relevante tendo em vista

que “[...] é muito difícil entender o atual modelo educacional e buscar seu aperfeiçoamento

sem compreender a dinâmica federativa” (ABRUCIO, 2010, p. 39).

No que diz respeito à educação, o modelo unitário de governo, adotado após a

proclamação da independência em 1822, poderia ter sido responsável por criar no Brasil uma

escola pública nacional, tendo em vista a aprovação da Lei das Escolas de Primeiras Letras de

1827, que estabelece em seu Art. 1º: “em todas as cidades, vilas e lugares mais

populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias” (SAVIANI, 2004, p.

26).

A escola pública primária, contudo, não se consolidou em razão do Ato Adicional de

1834, o qual colocou as escolas públicas primárias e secundárias sob responsabilidade das

províncias, além de determinar que caberia ao poder central a responsabilidade pelo ensino

superior, ainda bastante limitado e restrito a uma pequena parcela da elite social. Para Saviani

(2004), com este Ato Adicional observa-se a renúncia, por parte do poder central, a um

projeto de escola pública nacional, muitas províncias ou não detinham poder econômico e

Page 74: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

72  

  

político para ofertar o ensino, ou não tinham o interesse em tornar a educação acessível à

maioria da população. Corroborando esta afirmação, Araújo (2013) afirma que o Ato

adicional realizou uma descentralização do ensino, consolidando ainda mais a omissão do

governo central quanto à instrução elementar e ampliando as desigualdades existentes. Assim,

“[...] o Ato Adicional afastou ainda mais a possibilidade de constituição de um projeto

nacional de difusão da instrução elementar” (ARAÚJO, 2013, p. 191).

Neste sentido, Cury (2008, p. 1197), detalha este processo:

Iniciava-se, em um país imperial e centralizado, uma descentralização educacional e, com ele, uma duplicidade de sistemas de ensino sem a constituição de um sistema nacional. De um lado, os poderes gerais (Corte), com impostos mais elevados, jurisdicionaria o ensino superior, apanágio das elites, e, de outro lado, a instrução primária ficaria a cargo das Províncias, titulares de impostos de menor valor.

Observa-se, portanto, nas origens da organização da educação brasileira, que a

desigualdade educacional já se fazia presente. Ao determinar que as províncias se

responsabilizem pela oferta de uma escolarização inicial, o poder central concentrou os seus –

poucos – recursos investidos em um determinado nível, para atendimento a determinados

segmentos sociais, privilegiados economicamente, diferente de países como a Argentina, cujo

governo central no mesmo período optou por disseminar a instrução a todos para fortalecer a

cidadania (ABRUCIO, 2010a). Ao transferir esta responsabilidade para as províncias, o

Império brasileiro lançou as bases para a duplicidade de redes e para a falta de coordenação

entre os sistemas de educação básica no país, os quais, ainda hoje são problemas carentes de

solução. Apenas com a Constituição de 1988 é que se observa uma tentativa, ainda não

consolidada, por parte do governo brasileiro de resolver tais disparidades.

Em 1889 é proclamada a república Federativa como forma de governo da nação

brasileira. O período entre 1889 e 1930 é conhecido como República Velha ou Primeira

República. Neste período, ficou a cargo dos estados, entes federados que gozavam de

autonomia política, financeira e administrativa, deliberar acerca da gratuidade e

obrigatoriedade do ensino, o que acentuou mais ainda a desigualdade presente no atendimento

educacional entre os estados. O governo central continuou omisso quanto à atuação no

tocante à escolarização inicial, mantendo-se o abandono a esta escolarização por parte da

maioria dos estados. Araújo (2013, p. 198), ao analisar a situação da educação no Brasil após

Page 75: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

73  

  

o fim da monarquia e estabelecimento da república, afirma que “[...] a instituição do

federalismo não representou progresso do País quanto à garantia de oferta estatal de instrução

primária boa e bastante para todos”.

Neste caso, assim como no campo econômico em razão da cultura do café, pode-se

observar também a hegemonia paulista no campo educacional, uma vez que a reforma da

instrução pública paulista implementada entre 1890 e 1896 tornou-se uma referência para os

demais estados, ao longo da primeira república (SAVIANI, 2004).

Ao transferir as responsabilidades em torno da educação primária para os estados, a

Constituição Republicana de 1891 reforçou o atendimento educacional diferenciado, o que

impulsionou, segundo Oliveira e Sousa (2010), o surgimento de dois modelos educacionais

paradigmáticos: um que se manifestou nos estados do Sul e Sudeste, que assumiram a

responsabilidade pelo atendimento educacional e construíram, ao longo do século XX,

sistemas próprios de ensino, recorrendo subsidiariamente aos municípios; outro que se

materializou nos estados do Norte e Nordeste, os quais se omitiram em construir um sistema

de ensino de massas, sendo tal responsabilidade precariamente assumida pelos municípios.

A partir da Conferência Interestadual do Ensino Primário, realizada no Rio de Janeiro

em 1921, observou-se uma iniciativa por parte do governo central em estabelecer um

programa de cooperação com os estados, os quais pressupunham a vinculação de recursos

para oferta da educação primária e estabeleciam que os estados deveriam aplicar 10% de suas

receitas na instrução primária. Tal iniciativa, contudo, não partiu exclusivamente do governo

central, mas é fruto do contexto histórico no qual a educação passa a ser considerada como

fator de transformação social em razão da modernização da produção, da industrialização. No

entanto, passados quatro anos da Conferência, a mensagem presidencial ao Congresso

Nacional lamentava que as condições financeiras do país não tivessem permitido a realização

do programa (MARTINS, 2011).

Sobre a relação entre a conjuntura política e educacional na Primeira República,

Araújo (2013, p. 205) tece uma consistente conclusão:

Enfim, o processo político da constituição do Estado republicano brasileiro pautou-se por um modelo de federação em que prevaleceram os estados e não a União. Dessa maneira, as tendências autonomistas influíram nos rumos da política educacional, com o abandono na instrução primária aos estados,

Page 76: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

74  

  

desconsiderando a sua capacidade técnica e financeira e também com a radicalização do debate sobre a desoficialização do ensino secundário e superior.

Em relação à Era Vargas (1930-1945), o ensino primário continuou sob

responsabilidade dos estados, no entanto, havia maior participação do governo central na

educação, tendo sido criado pelo Governo Vargas o Ministério da Educação e Saúde Pública.

De acordo com Saviani (2004, p. 19), neste período “[...] a educação começava a ser

reconhecida, inclusive no plano institucional, como uma questão nacional”. Com a criação do

ministério, iniciou-se um período de regulamentação da educação nacional.

Em 1932 foi lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O Manifesto,

elaborado por representantes da elite intelectual brasileira, entre eles educadores como

Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, estava dirigido ao povo e ao governo e tinha como

objetivo a reconstrução social por meio da educação e defendia uma educação essencialmente

pública, única, laica, obrigatória e gratuita. O movimento foi responsável por esboçar as

diretrizes para um sistema nacional de educação que abrangesse de forma articulada os

diferentes níveis de ensino, da educação infantil até a universidade (SAVIANI, 2004).

Convém mencionar que passadas quase oito décadas do Manifesto, a construção de

um sistema nacional de educação ainda é uma meta a ser alcançada, cujo debate foi retomado

nos últimos anos em razão das discussões para a elaboração do atual Plano Nacional de

Educação (2014-2024).

O Manifesto também foi responsável por influenciar o debate acerca da educação na

Constituição de 1934, a qual estabeleceu a todos os estados e municípios a instrução primária

gratuita e obrigatória no ensino oficial, a vinculação de impostos para o financiamento, além

de assumir a educação como direito (CURY, 2008).

A centralidade política no período não democrático do governo Vargas, a partir de

1937, pode ser considerada responsável por um retrocesso no que diz respeito à gratuidade e à

obrigatoriedade do ensino público para todos, como argumenta Abrucio: “o fato é que o

enfraquecimento político dos governos subnacionais gerou uma quase extinção da federação,

o que, diante da dualidade existente, contribuiu para o fracasso de uma mudança educacional

nos primeiros níveis de ensino” (ABRUCIO, 2010a, p. 55). Isto porque a Constituição de

1937 isentou o estado da garantia da oferta de educação primária, deslocando esta

Page 77: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

75  

  

responsabilidade para a família e situando-se na condição de colaborador, como pode ser

observado em seu Artigo 125:

Art 125 - A educação integral da prole é o primeiro dever e o direito natural dos pais. O Estado não será estranho a esse dever, colaborando, de maneira principal ou subsidiária, para facilitar a sua execução ou suprir as deficiências e lacunas da educação particular20.

Por sua vez, o artigo 130 redefiniu o termo gratuidade, ao propor o pagamento de

contribuições por parte daqueles ‘menos necessitados’:

Art 130 - O ensino primário é obrigatório e gratuito. A gratuidade, porém, não exclui o dever de solidariedade dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar21.

Observa-se que o segundo período do governo Vargas (1951-1954) manteve uma

estrutura dual para a educação brasileira, sem grandes mudanças positivas quanto à oferta e

sem uma atuação mais consistente do governo central.

No período entre 1946-1964, destacam-se a preocupação, ainda que incipiente, com

uma maior coordenação federativa e com a descentralização, inclusive em relação à defesa do

municipalismo (ABRUCIO, 2010a). Neste período tem-se a aprovação da primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4024 de 1961, na qual constam a

obrigatoriedade e gratuidade da educação, bem como a responsabilidade da União em traçar

as diretrizes para a Educação Nacional e a vinculação orçamentária para a educação.

Alguns avanços marcam a educação no período do regime militar (1964-1985), como

a extensão da obrigatoriedade da educação de quatro para oito anos, criação da pós-

graduação, a expansão das matrículas no ensino superior – mesmo que por via da aprovação

deliberada por parte do Mistério da Educação para criação de instituições de ensino superior

                                                           20 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: 21 de jan de 2015. 21 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm>. Acesso em: 21 de jan de 2015.

Page 78: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

76  

  

privadas. Tais avanços, entretanto, estavam relacionados à necessidade de o governo militar

alcançar legitimidade em suas ações e apoio da população para que continuasse no poder.

Prevaleceram na educação, também, a forte centralização da tomada de decisão, bem

como a uniformização das políticas públicas para toda a federação. As políticas educacionais

nesse período, portanto, foram marcadas por um rígido controle do executivo federal e do

favorecimento clientelista para as transferências voluntárias, as quais tiveram como objetivo a

legitimação do governo por parte da população. Conforme Araújo, os critérios estabelecidos

para repasse de recursos financeiros se constituíam em um mecanismo que “[...] não só

ampliava as históricas desigualdades regionais, como também potencializava as atitudes

predatórias dos entes federados e das localidades, na medida em que estimulava a competição

por recursos e benefícios, prejudicando os que mais precisavam de apoio do governo central”

(ARAÚJO, 2013, p. 230).

Os anos finais do regime militar e, com maior ênfase, aqueles que o sucederam

tiveram como marca a manifestação e participação popular na arena política, bem como uma

maior participação dos estados e município nas decisões políticas. Um dos principais ganhos

do final dos anos 1980, com a abertura política para a federação brasileira, foi a promulgação

da Constituição Federal de 1988. Para Cury (2002), a Constituição Federal compôs um

ordenamento jurídico complexo para dar conta desse modelo federado e cooperativo, no qual

coexistem atribuições privativas, concorrentes e comuns entre os entes.

No caso das políticas sociais, a CF 1988 imprimiu um alto grau de descentralização, o

que requer o aperfeiçoamento da cooperação entre os entes, muito embora a consolidação

deste arranjo complexo de cooperação e colaboração ainda seja um objetivo a alcançar em

nosso pacto federativo.

De acordo com Farenzena; Luce (2013), o texto constitucional foi generoso em

relação à agenda da educação, se contraposto ao passado, ao afirmar princípios e garantias a

serem oferecidas pelo Estado e ampliar os recursos para o setor. Por outro lado, o texto deixou

lacunas quanto às (co)responsabilidades federativas para assegurar o atendimento educacional

com qualidade, considerando o arranjo federativo adotado na própria Constituição. As

responsabilidades federativas na oferta e financiamento da educação estiveram no centro das

discussões da agenda constituinte após a Assembleia Nacional Constituinte. A Emenda

Constitucional nº 14/96, cuja proposição aconteceu via Executivo Federal, em um período de

fortalecimento do Poder Executivo central e de forte enquadramento dos governos

Page 79: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

77  

  

subnacionais, especialmente os estados, na estratégia de ajuste estrutural, estabeleceu a

priorização financeira do ensino fundamental (via Fundef), as funções e objetivos para a

atuação dos entes federados na educação básica.

No contexto educacional, em que pesem as dificuldades para efetivá-lo, existe um

elemento que diferencia este setor em relação aos demais: a proposição de um regime de

colaboração entre os níveis de governo, tendo em vista a oferta de educação básica no

território nacional. Este elemento está estreitamente vinculado ao princípio federativo de

organização do Estado brasileiro.

O regime de colaboração está previsto no Artigo 211 da CF, que afirma:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. § 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular (BRASIL, 2008, p. 137-138).

Buscando efetivar o pacto federativo que se expressa por meio do regime de

colaboração, o Artigo 211 traz a definição e distribuição de competências entre os entes da

federação e tem como pressupostos a constituição de sistemas de ensino pelos entes, bem

como a autonomia de cada um deles e a não subordinação de um sistema ao outro. Observa-

se, no entanto, que as competências da União diferem daquelas estabelecidas aos demais

entes, cabendo a ela prestar assistência a estados e municípios e agir de forma que busque

redistribuir recursos, suprir as necessidades e equalizar as diferenças.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394/96, reitera o

ordenamento constitucional no diz respeito ao regime de colaboração ao afirmar em seu Art.

Page 80: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

78  

  

8º que “a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de

colaboração, os respectivos sistemas de ensino”. Também estabelece as incumbências de cada

uma das esferas de governo no tocante à oferta e suas responsabilidades educacionais.

Conforme Abrucio (2010a), o Artigo 211 da Constituição Federal propõe três

elementos que denotam equilíbrio ao arranjo federativo para a área educacional: o primeiro

diz respeito à divisão de competências mais descentralizadas na execução dos serviços, no

qual os municípios assumem competências específicas; o segundo trata da adoção de

elementos matizadores de uma descentralização centrífuga, o que se torna relevante em razão

das desigualdades no atendimento educacional presentes em nosso país; o terceiro é a noção

de regime de colaboração, cujo objetivo é estabelecer a cooperação entre os níveis de

governo, especialmente na oferta à educação básica.

Para este mesmo autor, o regime de colaboração se torna importante:

Dada a existência de redes duais, particularmente no ensino fundamental, de competências comuns e de ações supletivas da União, seria necessária a cooperação entre os níveis de governo para evitar choques ou ações descoordenadas capazes de provocar uma piora na qualidade da política. Desenha-se, aqui, o federalismo proposto para a área educacional [...] (ABRUCIO, 2010a, p. 60).

Contudo, o ordenamento legal não tem sido capaz de construir um regime de

colaboração que atenda às necessidades educacionais do Brasil e que seja capaz de diminuir

as desigualdades entre os sistemas. A esse respeito, Cury afirma: “o regime de colaboração,

seja em termos de conteúdo, seja em termos de mecanismo, é difícil, lento e necessariamente

negociado. É o que acontece com um Brasil cuja União congrega 27 estados, mais de 5.600

municípios e o Distrito Federal” (CURY, 2010, p. 160). Além disso, é importante destacar a

herança centralizadora dos modelos ditatoriais na história do Brasil, quer seja em relação à

gestão pública de um modo geral, quer seja em relação à gestão dos sistemas educacionais.

Ao longo dos últimos anos, o governo federal vem tentando equacionar o problema da

efetivação do regime de colaboração e, segundo Abrucio (2010a), dois tipos de ações têm

sido desenvolvidos nesse sentido. Uma delas é a criação de fundos federativos, como o caso

do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério), em 1998, e posteriormente do Fundeb (Fundo de Manutenção e

Page 81: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

79  

  

Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), em

2007. Os fundos federativos visam o gerenciamento orçamentário e financeiro vinculados à

educação, implementação de política redistributiva de correção de desigualdades sociais e

regionais, a garantia da transparência na gestão dos recursos para a educação e a valorização

do magistério. Os fundos contábeis, no entanto, não têm promovido a redistribuição dos

recursos financeiros para a educação à contento, haja vista que trazem poucos recursos novos

para o sistema educacional como um todo. O complemento da União aos fundos estaduais em

2006 ficou em torno de menos de 1% da receita nacional no Fundef e, em 2008, menos de 5%

no Fundeb (DAVIES, 2008). Assim, uma das críticas à política dos fundos diz respeito ao

volume de recursos destinados a estes pela União, os quais encontram-se abaixo do necessário

para proporcionar as transformações que necessita a educação básica no Brasil (FERREIRA;

FRANÇA, 2012).

Outro tipo de ação desenvolvida pelo governo federal foi a concepção de programas

federais que têm como objetivo estabelecer parâmetros nacionais e combater as

desigualdades, inclusive utilizando critérios de avaliação para a distribuição de recursos.

Desde o governo Itamar (1992-1994) até o atual governo da presidente Dilma Rousseff (2011-

2016), a criação de programas e a distribuição de recursos por parte da União têm sido uma

estratégia amplamente utilizada a fim de equacionar o problema da falta de coordenação

federativa no campo educacional. Apesar de a assistência da União não ser algo recente na

política educacional, inclusive constando na legislação, esta estratégia vem assumindo

características distintas nas políticas recentes, como afirmam Luce e Farenzena:

O traço misto – clientelista e tecnocrático – da assistência financeira e técnica, que atravessou as décadas de 1960, 1970 e 1980, foi transitando para a oferta de programas universais e para critérios mais objetivamente explicitados, nos anos 1990 e 2000, mas que (ainda) não têm razões distributivas que garantam a ‘igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola’ [CF, art. 206, I] (LUCE; FARENZENA, 2007, p. 12).

O objeto de estudo dessa tese, Plano de Ações Articuladas, pode ser considerado o

mais recente Plano desenvolvido pelo governo federal no sentido de minimizar as

disparidades educacionais. Isso porque, por meio do PAR, os entes federados firmam

convênio com a União para receber assistência técnica e financeira, tendo em vista o

desenvolvimento de ações visando à melhoria da qualidade da educação. No entanto, o PAR e

Page 82: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

80  

  

outros programas, como o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), fazem parte da

função redistributiva e supletiva da União, funções as quais a União tem estado aquém de

efetivar o objetivo proposto de atender com equidade todos os sistemas educacionais

brasileiros.

Ao discutir o tipo de assistência que se espera da União, Farenzena defende que:

[...] o esperado da União, por meio da assistência, não é um mero apoio, ou qualquer apoio, mas apoios capazes de suplementar as capacidades estaduais e municipais, bem como oferecer recursos técnicos e financeiros que tenham poder e efeito redistributivo, com a baliza de oferecer garantias colocadas num patamar elevado: equidade e padrão de qualidade da educação. Esses dois últimos, de meu ponto de vista, são os parâmetros que podem ser levados em conta para avaliar o cumprimento ou não da responsabilidade da União no setor educacional (FARENZENA, 2012, p. 14).

Observa-se que as políticas públicas implementadas na educação, ao longo das duas

últimas décadas, mesmo tendo alcançado a quase universalização do ensino fundamental, por

exemplo, não têm sido capazes de reduzir as disparidades no atendimento a toda população,

no sentido de garantir uma educação com qualidade socialmente referenciada para todos,

assegurando condições de acesso e permanência aos educandos de todo território nacional.

Há, portanto, assimetria entre os entes da federação no que diz respeito ao atendimento

educacional no vasto território nacional. De fato, essa assimetria persiste não apenas na área

educacional, mas é resultado da constituição do federalismo brasileiro que assumiu uma

característica peculiar em relação ao seu desenvolvimento, em razão dos interesses das elites

políticas brasileiras. Tais interesses particulares historicamente têm comprometido a

concretização do pacto federativo no Brasil, alterando a dinâmica nas arenas de tomadas de

decisões.

No campo educacional, os programas e projetos implementados ao longo dos últimos

anos, fundamentados nos princípios da reforma na administração pública vivenciadas ao curso

da década de 1990 e anos 2000, não foram capazes de garantir o direito à educação para a

população brasileira. As mudanças na forma de organizar, planejar e gerir o Estado e, por

conseguinte, na relação entre os entes federados, constituem-se, ainda, como dificuldades na

garantia desse direito, como será discutido no capítulo seguinte.

Page 83: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

81  

  

Page 84: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

82  

  

3. GESTÃO E PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL NO BRASIL E REPERCUSSÕES NO CAMPO EDUCACIONAL

As mudanças pelas quais vem passando a sociedade em geral, nas últimas décadas,

demarcam uma nova conjuntura nos campos político, econômico, social e cultural. Tais

mudanças são fruto, principalmente, de uma reorganização interna dos processos produtivos

com vistas à expansão do lucro.

As repercussões políticas desse processo de reestruturação do capital são inúmeras,

podendo-se destacar a redefinição do Estado e de suas funções. Nesse sentido, o tamanho e a

atuação do Estado passam a ser aspectos criticados pelos defensores da ideologia neoliberal, ,

os quais preconizavam um Estado enxuto, mínimo, porém forte. Assim, ao longo dos últimos

anos, a administração dos serviços públicos, caracterizada como rígida, normativa e

excessivamente burocrática, tem sido alvo de críticas no tocante à prestação dos serviços, e

defendem uma reforma no modelo de administração burocrática em prol da perspectiva

gerencial e dos ideais do mercado. Nesse contexto, ganha força um movimento de reforma

para a administração pública.

Sobre a prática da administração de uma forma geral, quer seja de empresas, quer seja

pública, é importante destacar que as mudanças identificadas em seus modelos e formas

acompanham o desenvolvimento das forças produtivas nos diferentes modos de produção

observados no curso da história, sobretudo no mundo moderno. Na medida em que o

capitalismo emergia, emergia também a necessidade de aperfeiçoar os mecanismos de

administração na busca por maior eficiência e, por conseguinte, de maior acumulação do

capital.

Diante do reconhecimento dessa conjuntura, este capítulo objetiva discutir a gestão e o

planejamento governamental e, especificamente, o educacional. Para tanto, está dividido em

quatro itens, cujo primeiro se propõe a estudar os principais modelos de administração

pública: patrimonialista, burocrático e gerencial. O item seguinte item analisa os modelos de

gestão pública adotados no percurso do federalismo brasileiro à luz do planejamento

governamental. O terceiro item traz reflexões sobre a gestão e o planejamento educacional, ao

passo que o quarto item discute especificamente a gestão democrática da educação pública.

Isso posto, compreende-se que o estudo dos sistemas educacionais brasileiros requer

previamente, ainda que de maneira breve, a apreciação das mudanças nos modelos de

administração pública uma vez que: a “[...] administração escolar não se faz no vazio,

Page 85: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

83  

  

realizando-se, em vez disso, no seio de uma formação econômico-social, e sendo, portanto,

determinada pelas forças sociais aí presentes” (PARO, 2010, p 186).

3.1 EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: NOVOS DISCURSOS, VELHAS

PRÁTICAS

Neste item, pretende-se resgatar brevemente a origem e o desenvolvimento da

administração pública, evidenciando traços dos distintos modelos de administração

observados na história recente, ou seja: o modelo patrimonialista, o modelo burocrático

weberiano e o modelo gerencial.

Convém destacar, entretanto, que, quando se fala em desenvolvimento, não está em

questão um processo linear e contínuo de progresso no qual um padrão é imediatamente

substituído por outro. Dessa forma, ao se analisar o caso da administração pública brasileira,

por exemplo, serão identificados, ainda hoje, fortes elementos da administração patrimonial

em qualquer dos três níveis de governo ou de poderes22. Logo, os modelos de administração

convivem concomitantemente, não sem tensões e embates, embora em determinados

momentos da história haja predominância de um em relação aos demais.

Destaca-se o patrimonialismo como uma prática predominante nos Estados

absolutistas em que não há separação entre os bens privados do monarca e os públicos, sendo

a coisa pública tratada pela autoridade como particular, o que favoreceria o surgimento de

práticas como corrupção, nepotismo e clientelismo. Na administração patrimonial, a

autoridade está na pessoa do rei e de seus descendentes (ou senhor equivalente) e, assim, sua

autoridade é perpetuada sem questionamentos. Para F. Costa (2010), a formação social

condizente com o patrimonialismo caracteriza-se pela prevalência de um sistema de

autoridade “[...] cujo fundamento maior é a tradição, o ‘ontem eterno’ que santifica os antigos

costumes e alimenta o conformismo – assim é porque sempre foi” (F. COSTA, 2010, p. 30,

grifos do autor). Ainda para o autor, no patrimonialismo, afirma-se a vontade do senhor, para

quem os seus servidores, muitas vezes, são propriedade (escravos) ou mantém uma relação de

dependência pessoal. Além disso, ao lado do senhor estaria o seu “quadro administrativo”,

formado por amigos, por parentes e por pessoas de confiança, responsáveis por fazer

acontecer suas ordens e também se beneficiando delas.

                                                           22 O artigo “A luta contra o patrimonialismo” da Revista Carta Capital, de 26/10/2010, ilustra bem essa afirmação. Disponível em <http://www.cartacapital.com.br/politica/a-luta-contra-o-patrimonialismo> Acesso em 02 de março de 2015.

Page 86: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

84  

  

Em pleno século XXI, ainda é possível identificar esse tipo de prática na

administração pública brasileira, não sendo raras as denúncias na mídia de casos de abuso por

parte dos governantes. A escolha de parentes sem competência técnica para assumir

determinados cargos e o uso de verba pública em benefício próprio – tais como passagens

áreas, construção de obras que beneficiam as próprias terras, concursos públicos e licitações

cujos critérios de seleção sejam duvidosos – são alguns exemplos atuais de patrimonialismo

que podem ser observados em diversos países, sendo algo bastante evidente caso brasileiro.

Noutro sentido, o avanço do capitalismo, ao final do século XIX, propiciou as

condições para o desenvolvimento do modelo de administração burocrático, o qual “Contrasta

de forma extrema com a regulamentação de todas as relações através dos privilégios

individuais e concessão de favores, que domina de forma absoluta no patrimonialismo”

(WEBER, 1982, p. 232). Segundo Weber (s/d), a burocracia seria a forma mais eficiente de

uma organização, pois torna a administração mais eficiente e eficaz, o que garante rapidez e

racionalidade ao trabalho.

Em que pese a conceituação de tom pejorativo acerca do termo burocracia observada

nos dias atuais, considerada como o excesso de normas e de regras, bem como de

procedimentos desnecessários ao funcionamento administrativo, quer seja da empresa pública

quer da privada, será adotado o conceito de Motta; Pereira para definir burocracia: “[...]

sistema social em que a divisão do trabalho é sistemática e coerentemente realizada, tendo em

vista os fins visados; é o sistema social em que há procura deliberada de economizar os meios

para se atingir os objetivos” (MOTTA; PEREIRA, 1981, p. 23).

Em relação aos estudos sobre a burocracia, Max Weber, intelectual alemão, foi um dos

principais estudiosos do tema. Para o autor, assim como uma forma de organização

administrativa, a burocracia é uma forma de demonstração do poder, de dominação legítima, a

qual podendo ser definida como “[...] a probabilidade de encontrar obediência pra ordens

específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas” (WEBER, 1991, p. 139). Ou

seja, não basta que alguém queira dominar o outro, é necessário que o outro esteja disposto a

ser dominado, que queria obedecer. Acerca da relação entre dominação e administração, o

autor ainda faz uma observação pertinente, a de que “[...] na vida cotidiana dominação é, em

primeiro lugar, administração” (1991, p. 144).

Weber (1991) elenca três tipos puros de dominação pelos quais os governantes

tornam-se legítimos diante dos governados, excetuando-se aqueles considerados ilegais em

virtude da utilização da força física, como em regimes autoritários: a dominação carismática,

Page 87: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

85  

  

a dominação tradicional e a dominação legal com quadro administrativo burocrático. Cada

um desses diferencia-se dos demais por sua origem e legitimidade.

Ao analisar a dominação, no entanto, o autor faz uma ressalva importante, a de que

“[...] nenhum dos três tipos costuma existir historicamente em forma real ‘pura’, o que não

deve impedir a fixação do conceito na forma mais pura possível” (WEBER, 1991, p. 141).

Com esta afirmação, Weber (1991) destaca que apenas é possível encontrar esses modelos

puros quando isolados no campo da teoria e que, uma vez dispostos na realidade, podem ser

encontrados combinados uns com os outros. É pertinente sua observação de que “Nem de

longe se cogita aqui sugerir que toda a realidade histórica pode ser ‘encaixada’ no esquema

conceitual desenvolvido” (WEBER, 1991, p. 162).

No que se refere à dominação carismática, o poder se legitima pelo carisma do líder,

qualidade pessoal e intransferível, e por sua relação comunitária de caráter emocional. É

irracional, no sentido de não conhecerem regras, de não haver regulamento ou normas

jurídicas e de não possuir funcionários profissionais ou com formação profissional. Uma vez

que o líder tenha perdido seu carisma, perde também seu poder. Ao analisar esse modelo,

Motta; Pereira (1981, p. 27) afirmam que:

A dominação carismática é um poder sem base racional. É instável, arbitrário e facilmente adquire características revolucionárias. Sua instabilidade deriva da fluidez de suas bases. O líder carismático mantém seu poder enquanto seus seguidores reconhecem nele forças extraordinárias e, naturalmente, esse reconhecimento pode desaparecer a qualquer momento.

Outro tipo de dominação discutido por Weber (1991) é a tradicional. Conforme o

autor: “Denominamos uma dominação tradicional quando sua legitimidade repousa na crença

na santidade de ordens e poderes senhoriais tradicionais (‘existentes desde sempre’)” (1991,

p. 148). Em outras palavras, o poder se legitima pela força das tradições e dos costumes e

aquele que exerce a dominação não é apenas um líder, mas um Senhor, o qual deve ser

obedecido e respeitado em virtude de sua dignidade pessoal. Não há qualquer base racional e,

portanto, não tem como preocupação a eficiência e o alcance dos objetivos determinados, mas

a obediência às tradições, ao senhor.

Weber (1991) distingue dois tipos de dominação tradicional: o patriacarlismo e o

patrimonialismo, sendo o primeiro o domínio dos mais velhos, a dominação original

tradicional. Por seu turno, o segundo tipo, o patrimonialismo, surge com o aparecimento de

um quadro administrativo (e militar) puramente pessoal do senhor (MOTTA; PEREIRA,

1981).

Page 88: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

86  

  

O terceiro tipo, a dominação legal com quadro administrativo burocrático, baseia-se na

racionalidade – na adequação dos meios aos fins (objetivos) pretendidos, nas regras e na

impessoalidade. Se nos modelos anteriores imperava o carisma, a devoção ou a tradição, sem

qualquer racionalidade ou fundamento legal, no modelo legal burocrático, o poder advém dos

regulamentos e das leis aplicáveis a todas as pessoas sem favorecimento, ou seja, o poder e a

capacidade de dominação não estão nas pessoas, mas nas normas e nos regulamentos. Ao

comparar os três modelos de dominação, Weber classifica o legal burocrático como o mais

adequado às organizações, em razão de sua superioridade técnica.

Para Torres (2004), as características centrais do modelo burocrático proposto por

Weber são: impessoalidade – as regras e as normas existentes são aplicáveis a todos os

cidadãos – de modo que, como o próprio Weber (1982, p. 251) esclarece, a burocracia

“desenvolve-se mais perfeitamente na medida em que é ‘desumanizada’, na medida em que

consegue eliminar dos negócios oficiais o amor, o ódio, e todos os elementos pessoais,

irracionais e emocionais que fogem ao cálculo”; hierarquia – toda organização burocrática se

estrutura por meio de um sistema ordenado de mando e de subordinação, no qual há uma

supervisão dos postos inferiores pelos superiores, sendo estes imparciais e objetivos; regras

rígidas – a administração é pautada por regras, normas escritas e exaustivas que definem

rigidamente o procedimento a ser executado; especialização – diz respeito à qualificação

profissional verificada mediante prova e certificada por diploma, pois, uma vez que o modelo

burocrático possui uma severa divisão do trabalho, as competências profissionais precisam

ser definidas por critérios técnicos; continuidade e controle – a linha de produção é

continuada e amplamente controlada a fim de verificar se seus fins estão sendo perseguidos,

quanto mais previsível o comportamento, mais fácil é controlá-lo.

Weber (1982) ressalta que o modelo burocrático se desenvolveu plenamente apenas no

Estado moderno. No entanto, tanto o próprio autor (WEBER, 1982) quanto Motta; Pereira

(1981) destacam que as burocracias não se constituem como um fato novo, já que as

organizações burocráticas podem ser observadas na Antiguidade, sendo o Império Novo

egípcio (1580-712 a.C.) seu precursor. Os autores apontam também como exemplos de

antigas burocracias o Império Romano, o Estado Bizantino e a igreja católica, esta como a

mais antiga das burocracias ainda hoje existentes. Esses destaques, entretanto, são

considerados exceções dentro do contexto social de suas épocas, tendo sido o

desenvolvimento da burocracia uma necessidade criada historicamente pelo desenvolvimento

do capitalismo. Em suma: “As burocracias são, portanto, um fenômeno antigo, mas só

modernamente se tornam um fator social dominante” (MOTTA; PEREIRA, 1981, p. 47).

Page 89: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

87  

  

Se hoje o termo burocracia parece tão antiquado e inapropriado aos tempos atuais, é

preciso ter clareza a respeito de seu papel para o aprimoramento das funções administrativas

ao longo do último século, como evidencia Torres:

É difícil imaginar a intensa evolução das relações capitalistas, com a hipertrofia e o gigantismo das corporações multinacionais, sem a criação de uma estrutura burocrática adequada para garantir condições mínimas de administração, controle e planejamento nesse ambiente econômico tão complexo e desenvolvido (TORRES, 2004, p. 19).

 

Como se pode perceber, a emergência da burocracia se dá com a busca por maior

eficiência nas organizações modernas, sendo classificada por Weber como a forma mais

racional de dominação:

A administração puramente burocrática [...] é, segundo toda a experiência, a forma mais racional de exercício de dominação, porque nela se alcança tecnicamente o máximo de rendimento em virtude de precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para os demais interessados –, intensidade e extensibilidade dos serviços, e aplicabilidade formalmente universal a todas as espécies de tarefas (WEBER, 1991, p. 145-146).

O modelo legal burocrático atendia favoravelmente às necessidades de expansão do

capitalismo no instante em que tinha como objetivo principal o aumento da eficiência e da

racionalidade. Diante disso, a expansão da produção mecanizada possibilitou o controle da

produção, analisando fatores como mão de obra e matéria prima no sentido de otimizar os

resultados. Assim, houve uma burocratização do mundo moderno, dado que não só as

empresas se fundamentaram no modelo burocrático mas também o Estado e sua

administração.

Torres (2004) analisa as condições que favoreceram o fortalecimento da burocracia, as

quais, conforme o autor, estão fortemente relacionadas com a expansão quantitativa e

qualitativa das funções administrativas nas esferas pública e privada. Essa discussão torna-se

pertinente a análise do autor, à medida que retoma elementos da história que ampliam a

compreensão sobre os substratos necessários ao desenvolvimento da burocracia, os quais

estão relacionados não apenas ao desenvolvimento do capitalismo, mas, também, à conquista

de direitos.

O autor destaca que a conquista gradual de direitos para os cidadãos no curso dos

séculos XVIII a XX tem como consequência direta o crescimento da burocracia pública.

Page 90: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

88  

  

Destaca que, no século XVIII, observa-se a conquista de direitos civis frente a um longo

processo de luta contra o absolutismo e pelos direitos da humanidade, sendo a Declaração dos

Direitos do Homem resultado desse embate. No século XIX, os ganhos são no campo dos

direitos políticos, destacando-se o incremento das relações capitalistas, por um lado, e, por

outro, a exclusão social da classe operária, o que levou à luta política por parte dos

trabalhadores e ao desenvolvimento de uma classe operária muito mais organizada, tendo

como um dos principais ganhos o direito ao sufrágio universal. Marshall, sociólogo britânico

que se propôs a estudar a evolução da sociedade e da cidadania, destaca outro ganho político

do período: “[...] um dos principais feitos do poder político no século XIX foi abrir o caminho

para o desenvolvimento do sindicalismo ao tornar os trabalhadores capazes de se valerem de

seus direitos civis coletivamente” (MARSHALL, s/d, p. 103).

Acerca da conquista de direitos, especialmente no que se refere ao contexto da Europa

Ocidental, Marshall (s/d) elenca o século XX como aquele em que há uma conquista de

direitos sociais que respondem às necessidades básicas humanas – tais como salário,

habitação, educação, saúde – cujo ápice encontra-se no assistencialismo promovido pelo

Estado aos cidadãos ao fim da Segunda guerra, período em que ficou conhecido como Estado

de Bem-estar Social ou Welfare State23.

Assim, Torres (2004) evidencia que com a conquista de direitos sociais ao longo do

século XX – os quais foram possíveis em razão dos direitos civis e políticos conquistados nos

séculos XVIII e XIX –, identifica-se o aumento do escopo de atuação da administração

pública par atender às demandas crescentes da população. Como explicita o autor:

O fato é que, a cada avanço democrático, com toda a sociedade lutando por espaço político e criando demandas sobre o Estado, a área de atuação da burocracia estatal foi aumentando de maneira exponencial. Assim, para fazer frente a uma avalanche de demandas justas e necessárias, as atribuições da administração pública foram crescendo, abarcando quase todas as esferas da sociedade organizada (TORRES, 2004, p. 27).

Convém destacar que o desenvolvimento da burocracia também não seria possível sem

o processo de expansão do capitalismo, observado principalmente no contexto pós-Segunda

guerra mundial, período em que se observa que os países capitalistas desenvolvidos

                                                           23 O Estado de bem-estar social é uma característica dos países de capitalismo avançado, não se tratando de um modelo uniforme, mas que assume configurações diferentes de acordo com o estágio de desenvolvimento econômico dos diferentes países. No caso brasileiro, país de capitalismo tardio, em que pesem algumas tendências universalizantes das políticas sociais, especialmente a partir de 1964, não é possível afirmar que houve um Estado de Bem-estar Social, pois esse ainda se apresentava distante do modelo social-democrata de Estado de Bem-Estar Social (DRAIBE, 1989).  

Page 91: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

89  

  

assumiram novas funções no setor social, atuando com investimentos públicos em seguridade

social, assistência médica, educação e habitação. Por meio de políticas redistributivas, o

Estado investiu em setores considerados vitais para o crescimento da produção e do consumo

de massa, tais como transportes, equipamentos públicos e estradas. Esse período, de 1945 a

1973, teve como características principais o controle do trabalho, a massificação dos hábitos

de consumo, além do forte intervencionismo estatal ilustrado por meio do Estado de bem-

estar social.

O Estado, ao assumir o papel de provedor social, adotou o modelo de administração

burocrática fundamentado nos ideais de Max Weber, que surge em oposição ao modelo

patrimonialista vigente na Europa entre os séculos quinze e dezoito. A adoção do modelo

burocrático se justifica por alguns fatores, dentre os quais estão os seguintes:

Aplicado ao poder público, o modelo burocrático denota uma reação à arbitrariedade, ao nepotismo, ao clientelismo e ao patrimonialismo por parte de quem controla o governo, introduzindo um elemento de previsibilidade e estabilidade na implementação das atividades estatais, ao mesmo tempo em que instrumentaliza seu controle (CARNEIRO; MENICUCCI, 2011, p. 19).

Na administração pública burocrática, os indivíduos passam a ser contratados em

função de sua competência técnica e de suas qualificações, cada função está subordinada a

normas e a regulamentações específicas, bem como a regras hierárquicas. Na organização,

cada membro está preso a seu cargo e a suas atribuições desde o mais alto nível da hierarquia,

de modo que todos são considerados peças de engrenagem, em uma estrutura que lhes impõe

o caminho a seguir. Bresser-Pereira justifica que a administração pública burocrática foi

adotada “[...] porque, em uma organização grande e complexa como é o Estado, era, conforme

Weber viu com clareza, a única forma possível de coordenar as ações e prever o

comportamento de seus membros” (BRESSER-PEREIRA, 1998, p. 48).

No modelo burocrático de administração, predomina a razão técnica e a despolitização

das decisões, podendo-se afirmar que nesse modelo há uma subordinação da política à lógica

instrumental. Para seu desenvolvimento, era necessário um aparato de ordens e de processos

que pudessem garantir a neutralidade da ação administrativa dentro da gestão estatal e o pleno

funcionamento de normas e regras que assegurassem o desenvolvimento do pessoal, isolado

de influências políticas (ARAÚJO, 2010).

Para seu funcionamento, era necessário manter um padrão de administração rígido e

hierarquizado, com funções bem definidas. Como afirma Castro:

Page 92: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

90  

  

É uma administração formalmente planejada e organizada e se caracteriza pela sua natureza hierárquica, o que faz com que a organização tome a forma de uma pirâmide. É uma administração que define níveis de autoridade vertical e uma divisão de trabalho horizontal em que as diferentes atividades são distribuídas de acordo com os objetivos a serem atingidos (CASTRO, 2007, p. 120).

Foi com esse modelo de administração centrado no burocratismo que o Estado,

considerado mantenedor do bem-estar social, ao assumir a bandeira do pleno emprego e da

ampliação dos direitos sociais, regulava e intervinha no mercado, buscando uma melhor

utilização dos fatores produtivos em defesa da sociedade. Sobre esse aspecto, Przeworski

(1989, p. 53) argumenta que “[...] de vítima passiva dos ciclos econômicos, o Estado tornou-

se quase da noite pro dia uma instituição por meio da qual a sociedade podia regular as crises

a fim de manter o pleno emprego”.

A recessão do capitalismo, em meados da década de 1970, abre espaço para críticas ao

modelo burocrático de administração pública e para postura extremamente rígida e normativa,

incapaz, portanto, de responder às demandas de uma sociedade em constantes mudanças.

Diante da crise do capital, comumente creditada ao Estado por economistas liberais, surge a

necessidade de modificar a gestão dos serviços públicos, modernizando-a. dessa maneira, de

acordo com Castro (2007, p. 122) “Mudar o tipo de organização do Estado e torná-la mais

eficiente e produtiva passou a ser a defesa dos governantes, em todo o mundo”.

As críticas apontavam o setor privado e o seu gerenciamento como o modelo a ser

seguido, seja em função de sua eficiência, eficácia, produtividade ou de sua agilidade. A

solução para superar a crise, aprofundada em 1973, estaria no contexto mundial mais amplo,

no modelo neoliberal, fundado na total liberdade do mercado. O declínio do Estado de Bem-

Estar social, o colapso do socialismo real, cujo símbolo foi a queda do muro de Berlim em

1989, permitiram ampla ofensiva do pensamento neoliberal nas últimas décadas do século

XX.

De acordo com Gentilli (1995, p. 230-231):

[...] o neoliberalismo expressa uma saída política, econômica, jurídica e cultural específica para a crise hegemônica que começa a atravessar a economia do mundo capitalista como produto do esgotamento do regime de acumulação fordista iniciado a partir do fim dos anos 60 e começo dos 70. O(s) neoliberalismo(s) expressa(m) a necessidade de restabelecer a hegemonia burguesa no quadro desta nova configuração do capitalismo em um sentido global.

Page 93: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

91  

  

As modificações vivenciadas nesse período estabeleceram um reposicionamento não

só do setor privado, mas também do setor público. Não obstante, convém destacar, como

ressalva Gentili (1995) ao se referir aos neoliberalismos, que nem o ideário neoliberal nem as

mudanças estabelecidas em decorrência deste se aplicaram da mesma forma e ocorreram da

mesma maneira e com a mesma intensidade nos diferentes países. Tudo isso dependia da

inserção dos países nessa nova configuração, o que, via de regra, estava relacionado à sua

importância econômica no cenário internacional.

As mudanças no setor produtivo, oriundas das transformações no mercado mundial e

do advento de novas tecnologias, colocam em questão a administração burocrática, pois:

“Diante de tantas demandas, o campo da gerência entrou em crise e exigiu um novo

paradigma que pudesse incorporar a incerteza e a complexidade” (ARAÚJO, 2010, p. 31).

Diante disso, o fortalecimento do neoliberalismo enquanto uma nova ordem

econômica construiu um cenário favorável para se repensar o papel do Estado frente ao

agravamento da crise. Nessa nova conjuntura, o Estado se manteria forte em sua capacidade

de romper o poder dos sindicatos e de manter o controle do dinheiro, mas sua intervenção

econômica e investimentos sociais se dariam de forma ínfima (ANDERSON, 1995).

Entre as décadas de 1970 e 1980 tem-se um momento de recomposição econômica,

social e política. O Estado passou por um ajuste estrutural, o que provocou uma

reconfiguração nos gastos sociais e, por conseguinte, a deterioração do serviço público. Passa,

então, a atuar de maneira focalizada, atendendo à população de modo emergencial,

agravando, ainda mais, as condições sociais do povo.

A reestruturação do capital, que buscava reconstituir seu período de ascensão,

fundamentou-se na necessidade de mudança no interior do padrão de acumulação,

configurando-se, assim, uma mudança no paradigma predominante; parte-se do taylorista-

fordista para a acumulação flexível24. Para Antunes (2006, p. 34), o “[...] desemprego em

dimensão estrutural, precarização do trabalho de modo ampliado e destruição da natureza em

escala globalizada tornaram-se traços constitutivos dessa fase da reestruturação produtiva do

capital”.

O modelo de acumulação flexível ocasiona maior intensificação, desqualificação e

desorganização do trabalho e enfraquece as relações entre os trabalhadores quando substitui a

linha de produção pela produção em grupo, aumentando a autonomia do trabalhador e, por

                                                           24 Harvey (2000, p. 140) afirma que a acumulação flexível “[...] é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”.

Page 94: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

92  

  

vezes, até a competição entre seus pares, que nela se envolvem visando à bonificação por

produção. O modelo torna evidente que a fragmentação, outrora predominante, não é a única

maneira de precarizar o trabalho.

Cabe ressaltar que, com o modelo de acumulação flexível, não há uma extinção do

modelo de acumulação taylorista-fordista. Na contemporaneidade, há observância de ambos

os modelos, de forma combinada ou não. Além disso, também é possível identificar pequenas

organizações artesanais, domésticas e familiares, com diferentes maneiras de controlar o

trabalho.

A reestruturação do sistema capitalista vivenciada nas últimas décadas tem

impulsionado uma série de transformações no tocante à atuação do Estado, buscando uma

redefinição de suas funções. Tais mudanças são fruto, principalmente, de uma reorganização

interna dos processos produtivos com vistas à expansão do lucro.

As repercussões políticas desse processo de reestruturação do capital foram inúmeras e

evidenciaram a crítica à organização e ao funcionamento do Estado moderno, sobretudo no

que concerne à intervenção estatal na economia dos países, ao esgotamento do Estado de

bem-estar no atendimento às necessidades básicas dos cidadãos, bem como na administração

pública adotada nesse período (o modelo burocrático weberiano).

É possível destacar, ainda, a crítica realizada por parte dos intelectuais neoliberais25 à

administração dos serviços públicos pautada no modelo burocrático. Isso se dá porque as

transformações e fatos ocorridos no período – a exemplo da crise econômica e fiscal mundial,

da ingovernabilidade dos Estados, da globalização e do aumento de poder das grandes

multinacionais –, bem como o desenvolvimento de novas formulações teóricas no campo da

administração pública, proporcionaram as condições materiais e intelectuais para sustentar a

defesa de um novo modelo de administração pública, chamado modelo de gerencial ou

managerialism (ABRUCIO, 1997).

Para os defensores da administração gerencial, a solução para os problemas

enfrentados estaria no setor privado e em seu gerenciamento como o modelo ideal a ser

seguido, seja em função de sua eficiência, eficácia, produtividade ou de sua agilidade. O

gerencialismo preconiza a diminuição da intervenção do Estado na economia e a

flexibilização de sua gestão, pautando-se na redução de custos e de pessoal, bem como na

                                                           25 O pensamento neoliberal desenvolve-se, inicialmente de maneira tímida, por meio da divulgação de textos como “O caminho da servidão” de Frederich Hayek, de 1944. Na década de 1960 outras publicações se seguiram, dando sustentação a essa perspectiva, como “Os fundamentos da liberdade” de Frederich Hayek, em 1960, e “Capitalismo e liberdade” de Milton Friedman, publicado em 1962 (RIZOTTO, 2008). 

Page 95: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

93  

  

redução do número de atividades exercidas pelo Estado, buscando, assim, o aumento da

eficiência e da governabilidade.

No entanto, é preciso evidenciar que, na perspectiva de instituir um novo modelo de

gestão, surgiram várias tendências nos países desenvolvidos, do que se convencionou

denominar como gerencialismo. Segundo A. Araújo (2010), essas tendências constituem um

grupo de estratégias comuns que englobam muitas preocupações as quais variam desde a

necessidade de reduzir o défict fiscal mediante políticas de privatização e de

desregulamentação até a busca da qualidade na prestação dos serviços públicos, tomando

como referência a adequação dos serviços às necessidades concretas dos cidadãos.

Conforme o Centro Latino Americano de Administração para o Desenvolvimento

(CLAD 1998), a mudança nos padrões da administração pública nas décadas de 1970 e de

1980 para adoção das orientações do modelo gerencial faz parte de uma primeira rodada de

reformas do Estado, as quais são orientadas para o mercado e caracterizadas como neoliberal-

conservadoras. Esse modelo foi implementado inicialmente no Reino Unido, com o governo

da primeira ministra Margareth Tatcher a partir de 1979, e nos Estados Unidos, com o

governo do então presidente Ronald Regan em 1981, sendo posteriormente defendido por

organismos internacionais, adotado e adaptado para diversos países desenvolvidos e em

desenvolvimento.

De acordo com Abrucio (2006), ainda que o gerencialismo tenha obtido certo êxito,

sobretudo na Grã-Bretanha, não se manteve estático, apresentando um alto grau de

transformação, incorporando parte das críticas à sua prática e, assim, modificando seu

arcabouço. O autor destaca, portanto, três visões da administração pública que surgiram nas

décadas de 1980 e de 1990 a partir do debate sobre o managerialism aplicado ao Estado: o

Gerencialismo puro, o Consumerism e o Public Service orientation. Abrucio (1996) destaca

que esses modelos não se excluem, havendo razoável intercâmbio entre suas ideias.

O gerencialismo puro tinha como eixo central o conceito de produtividade e como

principal objetivo a busca da eficiência, sobretudo do ponto de vista financeiro, em um

contexto de crise fiscal e de dificuldade dos governos em financiar seus déficts, no início dos

anos 1980. Para tanto, uma das primeiras ações implementadas foi o corte de custos e de

pessoal, tendo sido o governo britânico o mais bem-sucedido nessa empreitada. Em

contraposição à rigidez do modelo burocrático, o gerencialismo puro propunha a definição

clara das responsabilidades de cada funcionário dentro das agências governamentais; clara

definição dos objetivos organizacionais, analisados em sua substância e não enquanto

processo administrativo; aumento da consciência a respeito do valor dos recursos públicos,

Page 96: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

94  

  

procurando maximizar a relação financeira entre os recursos iniciais e os gastos realizados

para a produção de políticas (ABRUCIO, 1997). Para tanto, foram encontradas duas

alternativas: “No âmbito organizacional, a administração por objetivos e a descentralização

administrativa foram adotadas, o que, na prática, tornou-se uma desconcentração de poderes”

(CASTRO, 2007, p. 127).

Ao sobrevalorizar a produtividade e a eficiência, o gerencialismo puro não considerou

em sua formulação teórica a efetividade e a qualidade dos serviços prestados, tampouco a

satisfação dos anseios dos clientes/consumidores. Esses elementos foram o mote para o

desenvolvimento do modelo seguinte: o Consumerism.

A maioria das críticas ao gerencialismo puro dizia respeito à incorporação de novos

significados à sua prática, como por exemplo, a efetividade das ações. Percebeu-se que a

redução deliberada dos custos poderia levar à redução da qualidade, o que poderia inviabilizar

o alcance dos objetivos propostos. Segundo Abrucio (2006), a busca pela qualidade na

administração pública está vinculada às mudanças ocorridas no setor privado em razão do

aumento da concorrência entre as empresas e do aumento do nível de exigência dos

consumidores. Assim, o autor afirma que “[...] a busca permanente da qualidade tem relação

direta com o direcionamento da produção para o atendimento dos anseios dos consumidores”

(ABRUCIO, 2006, p. 186).

É importante discutir algumas das implicações geradas a partir dessa ressignificação

da sociedade, compreendida, nessa perspectiva gerencial, enquanto sociedade consumidora.

Ao se considerar a realidade dos países em desenvolvimento, é necessário compreender que o

próprio termo consumidor não poderia se adequar às instituições públicas dessas nações, haja

vista que seu significado denota um poder de escolha, de ser possível optar por determinada

prestadora de serviço, o que não acontece na realidade. Nesse sentido, Costa (p.157, 2010b)

afirma que “[...] o perigo aqui reside em cair na tentação de perceber a sociedade como

formadora apenas de consumidores, interessados em maximizar sua satisfação pessoal,

perdendo-se de vista a equidade”. Nesse sentido, corre-se o risco de priorizar os interesses de

determinadas classes sociais em detrimento das camadas mais desfavorecidas

economicamente. Numa tentativa de uniformizar os clientes e seus interesses, deixar-se-ia de

lado o reconhecimento igualitário dos direitos de cada indivíduo.

Em razão dessas limitações, o conceito de consumidor não pôde ser transposto do

âmbito empresarial para o da administração pública e é a partir de tais críticas que se

desenvolve o terceiro modelo, o Public Service Orientation, cuja principal evolução diz

respeito à substituição do conceito de cliente pelo conceito de cidadão, considerando este

Page 97: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

95  

  

último como sendo mais amplo, o qual leva em conta, além da liberdade de escolha dos

serviços, a assunção de direitos e deveres. Duas outras ideias centrais neste modelo são a

equidade na prestação dos serviços e a accountability (CASTRO, 2007).

Acerca da última, Sano (2003) compreende accountability como a obrigatoriedade de

dirigentes públicos prestarem contas de seus atos a um órgão de controle, ao parlamento ou à

própria sociedade. No entanto, o autor faz ressalvas importantes em relação à tradução do

termo no Brasil e na América Latina, haja vista que não existe um vocábulo que exprima todo

o significado que a palavra encerra, o que leva a crer que essa deve ser uma preocupação não

apenas linguística, mas, principalmente, política e cultural. De acordo com Sano (2003, p. 14):

“A conclusão é que a ausência de uma tradução significa que os conceitos não fazem parte do

cotidiano da cultura local, mas que poderiam ser desenvolvidos a partir da percepção de sua

importância e sua incorporação gradativa”. Em que pese a dificuldade de tradução do termo,

sua utilização possibilita o controle e a prestação de contas por parte daqueles que exercem o

poder em nome de outros.

Para Grau (2006), a exigência da prestação de contas traduz a consciência de que, para

que o poder seja democrático, não basta que derive de fontes legítimas, mas precisa que seu

próprio exercício seja também legítimo a partir da possibilidade de sua justificação e

subsequente contestação por outros.

O Public Service Orientation, contudo, também apresenta alguns problemas, os quais

se relacionam com a forma como o modelo foi pensado, a partir dos parâmetros do poder

local, dentro do qual os cidadãos poderiam exercer maior controle sobre a qualidade dos

serviços públicos. Isso ocorre porque, na realidade, o controle exercido pelos cidadãos não é

capaz de resolver os problemas do setor público na esfera social, o que demanda outros tipos

de respostas, mais abrangentes e articuladas (ABRUCIO, 2006).

As críticas ao Public Service Orientation permitiram que fosse evoluindo, de forma

que, em meados dos anos 1990, ganha contorno um novo modelo, o qual se convencionou

chamar de Nova Gestão Pública (NGP). Sobre a NGP, em relação aos modelos anteriores, é

importante observar que: “No percurso, novas questões vão emergindo, em que se destacam a

maior preocupação com a transparência e o reforço dos mecanismos de accountability,

enquanto outras saem de cena” (CARNEIRO; MENICUCCI, 2011, p. 29).

Esse novo modelo de administração, caracterizado não apenas pela busca da

eficiência, mas também da qualidade, da produtividade, da avaliação de desempenho, e pela

flexibilidade gerencial e pelo planejamento estratégico, é o que vem a configurar a Nova

Gestão Pública.

Page 98: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

96  

  

De acordo com Gete (2001), torna-se difícil sistematizar os conteúdos e as ideias

principais da NGP bem como suas raízes, mas é possível afirmar que, com esse paradigma de

gestão pública, busca-se aproximar as formas de produção do setor público com as do setor

privado. Para essa mesma autora “La NGP pretende ser uma alternativa tanto a la gestión

tradicional como al gerencialismo clásico. Aunque sus fuentes de inspiración son muy

diversas, trata de construir um cuerpo de conocimientos y técnicas para el sector público,

orientándolo hacia el rendimento y los resultados” (GETE, 2001, p. 08).

É possível identificar na NGP alguns avanços em relação ao gerencialismo. Para

Carneiro; Menicucci (2011), de uma orientação inicial voltada à busca de eficiência e à

redução do gasto público, o reformismo associado a esse modelo avança em direção a

questões como: foco em resultados; qualidade dos serviços prestados; empoderamento do

cidadão para escolher entre diferentes provedores de serviço e para expressar seu grau de

satisfação como usuário; transparência das ações; accountability.

Acerca deste último item, podemos considerar que passa a ser um elemento central nas

ideias da NGP e, ainda que não haja uma tradução literal do termo para a língua portuguesa,

como destacado anteriormente, esse vem sendo traduzido como responsabilização.

Considerada um dos pilares da NGP, a responsabilização está relacionada ao controle do

desempenho governamental no tocante à oferta dos serviços públicos. Conforme A. Araújo

(2010, p. 131), essa é uma “[...] consequência direta da maior autonomia ao gestor, do foco no

desempenho, da necessidade de instituir formas de controle diferenciadas do controle

burocrático, de cidadãos mais exigentes e da busca de eficiência”. No entendimento do CLAD

(2006, p. 14):

A responsabilização é entendida aqui como um valor (ou meta-valor) que deve guiar os governos democráticos; a prestação de contas à sociedade. A accountability faz parte de um sistema mais amplo, o do regime democrático, cujo objetivo maior é garantir a soberania popular (o poder emana do povo), e que se estrutura, basicamente, por meio de eleições e do controle vertical da população sobre os governantes, que ocorre de tempos em tempos.

Na análise do CLAD, são cinco os mecanismos de responsabilização capazes de

melhorar o desempenho da gestão pública e de relegitimar sua ação perante a sociedade:

responsabilização pelos procedimentos clássicos; responsabilização pelo controle

parlamentar; responsabilização pelo controle de resultados; responsabilização pela

competição administrada; responsabilização pelo controle social.

Page 99: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

97  

  

Na responsabilização pelos procedimentos clássicos, o foco é interno, centrado no

cumprimento das normas existentes e na fiscalização da burocracia e dos governantes.

Constitui-se como um tipo de controle horizontal, ou seja, exercido pelo próprio governo, por

exemplo, quando agências estatais controlam e até punem outras agências também estatais,

pela atuação do judiciário ou mesmo pelo controle dos partidos de oposição.

De acordo com Groisman e Lerner (2006, p. 71),

Podemos denominar clássicos os controles implementados pelo constitucionalismo em suas diversas variantes (constituições escritas e não escritas, rígidas e flexíveis). [...] O que caracteriza os controles clássicos ou tradicionais é a comparação entre os atos, os feitos e as normas, a fim de comprovar se aqueles se ajustam com o que foi prescrito nessas últimas.

É possível estabelecer uma relação entre essa forma de responsabilização com o

princípio da burocracia weberiana que defende a aplicação rigorosa das normas. Goisman;

Lerner (2006) destacam, entretanto, que, embora se deva tornar efetiva a responsabilidade dos

governos por possíveis violações às regras, é preciso atentar para o fato de que não basta

respeitá-las para que se alcancem os objetivos esperados. Ao se considerar apenas a

responsabilização pelos controles clássicos, é possível que se reduza a atuação pública ao

controle das normas sem se vislumbrar os fins objetivados.

Por sua vez, a responsabilização pelo controle parlamentar, também considerada um

mecanismo de controle horizontal, tem como pressuposto o controle do Executivo por parte

do Legislativo. Para Anastasia (1996), as estratégias utilizadas nesse tipo de responsabilização

dizem respeito à separação de poderes, a fim de se evitar a tirania, e ao estabelecimento de

freios e contrapesos institucionais, de modo que os poderes executivo, legislativo e judiciário

possam conviver independente e harmonicamente. Ademais, o controle parlamentar é um

instrumento necessário ao funcionamento da democracia nos interstícios eleitorais.

Já a responsabilização pelo controle de resultados acontece através da avaliação ex

post do desempenho das políticas, com possibilidade de participação da sociedade no

estabelecimento das prioridades, metas, índices de desempenho e formas de avaliação. É

considerada uma forma tanto horizontal quanto vertical de controle, pois além de ter o próprio

governo controlando os resultados, isso também pode ser realizado pela população que tem no

voto – mas não apenas – seu maior mecanismo de controle. De acordo com Quirós (2006),

esse mecanismo de responsabilização não pode ser considerado um fim em si mesmo, mas,

antes, deve ser visto como parte da estratégia de promover a reforma e a modernização do

Page 100: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

98  

  

Estado. Por isso, o autor afirma que: “Um processo de responsabilização pelos resultados

exige uma mudança de atitude dos governantes, dos partidos políticos, dos diretores dos

funcionários públicos e dos usuários. Significa transformar a cultura pública e política,

mudando a forma de pensar, de atuar e de realizar” (QUIRÓS, 2006, p. 166). Observa-se que

a responsabilização pelos resultados vai além de uma estratégia administrativa ou gerencial,

mas está relacionada com a defesa da construção do Estado no sentido de tornar sua

administração mais eficaz e efetiva aos interesses dos cidadãos. Necessita, portanto, da

consolidação de uma cultura pública de participação dos cidadãos, o que ainda é bem

incipiente na realidade brasileira.

Na responsabilização por competição administrada, o controle acontece através da

concorrência estabelecida entre os provedores estatais, privados ou públicos não-estatais. Um

dos argumentos para defesa desse mecanismo é a ideia de que a população passaria a ter mais

alternativas de escolhas, podendo avaliar os serviços oferecidos. Para Abrucio (2006b), a

responsabilização por competição administrada possui três princípios orientadores: o primeiro

é o da lógica da competição, o qual, segundo o autor, difere-se da competição no âmbito das

empresas privadas, haja vista não ter o lucro como objetivo. O princípio da competição na

administração pública manifesta-se na competição interna do setor público o qual sinaliza

quem deve ser premiado ou quais organismos requerem reformulações, na construção de um

modelo pluralista de provisão de serviços públicos e na concorrência entre provedores. O

segundo princípio é o da hierarquia burocrática, no qual os políticos e os altos burocratas são

peças fundamentais na avaliação do desempenho das agências, orientados pelo interesse

público. O terceiro princípio seria o direito de os cidadãos interferirem diretamente na

avaliação dos prestadores de serviços públicos que estão sob competição. Considerados esses

princípios, é importante ressaltar que o contexto brasileiro não favorece esse tipo de

acompanhamento, haja vista que em termos de prestadores de serviço público, dificilmente

temos duas agências públicas atuando e disputando o mesmo serviço.

A responsabilização através do controle social resulta em maior espaço público para

democratização do Estado e para melhoria da produção de suas políticas, além de uma

participação maior dos cidadãos. Considerada estratégia vertical de controle, a

responsabilização pelo controle social permite a regulação dos governantes não apenas nas

eleições, mas também durante o decorrer do governo. Conforme o CLAD (2006) são quatro

as principais qualidades do controle social para a realização do valor da responsabilização. A

primeira é a possibilidade de ampliação do espaço público de modo que os governados

respondam mais aos anseios dos cidadãos no período dos mandatos. No entanto, é preciso

Page 101: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

99  

  

destacar a assimetria entre governantes e cidadãos, no tocante ao acesso à informação, e o

poder de coerção do qual a relação está impregnada. Uma segunda qualidade, é que o controle

social pode vir a reforçar a consciência republicana. Além disso, o controle social evita que as

reformas dos estados limitem-se apenas à melhoria gerencial, ressaltando os problemas e

também os direitos dos cidadãos. Uma última qualidade é que esse tipo de responsabilização

pode vir a fortalecer a modernização do setor público por meio da democratização das

relações entre Estado e sociedade.

Em um modelo de gestão pública que supere o modelo burocrático e fomente um

modelo em que o cidadão possa controlar a qualidade dos serviços públicos, a

responsabilização por competição administrada, por controle pelo resultado e por controle

social sobrepõem-se às demais, na compreensão de que essas estratégias de responsabilização

levam a uma cooperação desinteressada, cujo único foco é voltar-se para o interesse público

(ARAÚJO, 2010). No entanto, destacamos que as cinco formas de responsabilização na

administração pública não são excludentes entre si, ao contrário, são complementares, de

modo que nenhuma se sobrepõe aos demais. Cada uma das formas trata de aspectos distintos

a serem fiscalizados, os quais, quando considerados isoladamente, constituem-se apenas como

uma pequena parte da responsabilização. Nesse sentido, é pertinente a afirmação do CLAD de

que “[...] as formas de responsabilização combinam-se tanto pela harmonia quanto pelo

controle mútuo. A questão é saber até onde pode atuar um controle sobre o outro sem

desequilibrar o sistema como um todo” (CLAD, 2006, p. 63).

A Nova Gestão Pública busca criar condições para um desenvolvimento expressivo

tanto da governança quanto da governabilidade do Estado. Conforme Diniz (2001),

governança diz respeito à capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na

consecução das metas coletivas. Trata da capacidade de inserção do Estado na sociedade,

rompendo com a tradição de governo fechado e enclausurado na alta burocracia

governamental. Por sua vez, governabilidade trata das condições sistêmicas mais gerais sob as

quais se dá o exercício do poder numa dada sociedade, as quais sofrem impacto das

características gerais do sistema político, tais como a forma de governo e as relações entre os

poderes. Além disso, a NGP busca promover um incremento significativo do desempenho

estatal mediante a introdução de formas inovadoras de gestão e de iniciativas destinadas a

quebrar as “amarras do modelo burocrático”, a descentralizar os controles gerenciais, a

flexibilizar normas, estruturas e procedimentos.

Para L. Costa (2010), a NGP é produto de uma longa maturação de ideias que

fecundam no meio acadêmico desde a década de 1950, constituindo-se como uma espécie de

Page 102: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

100  

  

aplicação ao campo da gestão pública dos “ganhos teóricos” da nova economia política e da

ciência política, revestidos de conteúdo ideológico, embora aparente ter caráter pragmático

para evitar as críticas dirigidas aos modelos anteriores. Ainda de acordo com Costa (2010, p.

149), as ideias da NGP “Servem igualmente ao neoliberalismo, à terceira via ou à governança

progressista, pois propugnam soluções ‘racionais’, ditadas por critérios eminentemente

técnicos”.

As ideias da NGP constituem os fundamentos do que o CLAD (1998) denominou

segunda geração de reformas e estão presentes no documento elaborado por esse Centro para

implementação da reforma gerencial no continente latino-americano, intitulado Uma Nova

Gestão Pública para a América Latina. De acordo com o documento, a solução não estaria no

desmantelamento do Estado, mas em sua reconstrução e na recuperação de sua governança.

O documento do CLAD elenca três elementos necessários à implantação da reforma

gerencial na América Latina: a) flexibilização organizacional no intuito de tornar os governos

mais ágeis; b) montagem de uma rede de relações mais democráticas entre a prestação dos

serviços públicos e os cidadãos-consumidores; c) implantação de um modelo contratual e

competitivo de ação estatal, a partir do qual se possa aumentar a eficiência e a efetividade das

políticas (CLAD, 1998, p. 07).

A proposta de reforma gerencial da gestão pública para os Estados latino-americanos,

de acordo com o CLAD (1998), tem entre suas características e objetivos: a)

profissionalização da alta burocracia organizada em carreiras, de modo que essa seja

tecnicamente preparada e motivada, com capacidades de negociação e responsabilização

perante o sistema político. Advogada também no modelo burocrático, a proposta de

constituição de um corpo de funcionários altamente qualificados avança no sentido de que

eles precisam aliar o conhecimento especializado à responsabilidade política, evitando,

portanto, um insulamento da sociedade; b) a administração pública deve ser transparente e

seus administradores, responsabilizados democraticamente perante a sociedade; c)

descentralização dos serviços públicos para os governos subnacionais, desde que

estabelecidos os mecanismos de cooperação entre os níveis de governo a fim de se evitar

competição entre esses; d) em atividades exclusivas do Estado que permanecerem a cargo do

Governo Federal, a administração deve ser baseada na desconcentração organizacional, na

delegação da execução de funções dos órgãos centrais para agências descentralizadas; e) o

foco no controle a posteriori dos resultados em detrimento do controle passo a passo das

normas e dos procedimentos, algo característico do modelo weberiano; f) novas formas de

controle, destacando-se o controle dos resultados, o controle contábil dos custos, o controle

Page 103: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

101  

  

por competições administradas entre as agências públicas e o controle social dos cidadãos

sobre os serviços públicos; g) a descentralização de serviços considerados não exclusivos do

Estado – nas áreas sociais, de educação, de saúde, de pesquisas científicas – para agências do

setor público não estatal; h) orientação da prestação de serviços para o cidadão-usuário, o que

se contrapõe ao modelo anterior em razão de ele ser auto referenciado, voltado mais para a

afirmação do poder do estado e da burocracia estatal; i) modificação do papel da burocracia

em relação à democratização do poder público. Para que todo esse conjunto fosse viável, seria

necessário aumentar o grau de responsabilização do servidor público perante a sociedade, os

políticos eleitos e perante os representantes formais e informais da sociedade que estejam

atuando junto à esfera pública não-estatal. Para o CLAD, com essas características, a reforma

gerencial pretende superar a ineficiência da burocracia, aliando autonomia e eficiência

administrativa ao controle social e à transparência das atividades públicas.

Todos esses elementos estão relacionados não apenas com a reforma da administração

pública e com adoção dos princípios gerenciais em suas diferentes fases, mas também, e

principalmente, à reconstrução do Estado e à melhoria de seu desempenho no tocante à

efetividade dos serviços prestados. Como afirmam Carneiro e Menicucci (2011, p. 12), a

evolução e as críticas recebidas pela NGP e os questionamentos feitos recentemente em torno

da reforma da administração pública “[...] estão associados a constantes movimentos por

reformas do Estado, desta vez com revalorização do seu papel, particularmente enquanto

propulsor do desenvolvimento com inclusão e redução das desigualdades” (CARNEIRO E

MENICUCCI, 2011, P. 12).

Observa-se, outrossim, que, em alguns aspectos, a reforma gerencial mantém certa

continuidade com o modelo burocrático, embora numa outra fase do processo. Por exemplo,

isso ocorre na manutenção de uma burocracia altamente qualificada e com carreiras atrativas,

na divisão entre concepção e execução no instante em que se desconcentra a execução das

ações para agências de governo cuja tomada de decisão já teria acontecido nos níveis

superiores, na permanente divisão do trabalho ou mesmo na necessidade de criação de

mecanismos de controle.

Essa ideia corrobora o pensamento de Lima (2012, p. 129), para o qual é prematuro o

discurso que profere a queda da burocracia assim como também são prematuros os discursos

que garantem a emergência da organização pós-burocrática como alternativa capaz de superar

boa parte das características da burocracia weberiana. Para o autor, no cenário atual seria mais

adequado se referir à emergência da hiperburocratização em vez de se reportar a um modelo

pós-burocrático. Como afirma Lima (2012, p. 130):

Page 104: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

102  

  

Tratar-se-á, em tal caso, de uma burocracia aumentada, resultante de um processo de hibridização que ora perde, ora mantém, certos traços da burocracia weberiana, que associa, eventualmente, novas dimensões ao “tipo-ideal original”, que adquire novas e mais complexas propriedades de extensão e controle, entre outras, induzidas por uma burocracia digital, ou ciberburocracia.

Para o autor, ainda que haja um contexto de reforma do Estado e da administração

pública fundada na reconstrução do Estado para a efetividade de suas ações, o quadro de

referência dominante continua sendo o da racionalidade econômica, para o qual o modelo

organizacional considerado mais racional continua a ser o da empresa privada. Nesse sentido,

a burocratização das organizações permanece e, possivelmente, intensifica-se, embora

adotando novas formas mais flexíveis e híbridos, eventualmente contraditório. A burocracia

clássica, rígida, mecânica e formalista, daria lugar a uma burocracia considerada fluída,

parcialmente desmaterializada, admitindo certo grau de incerteza e de flexibilização, e,

simultaneamente, a elementos de descentralização e a novas formas de centralização e de

controle (LIMA, 2012).

Assim, verifica-se que a trajetória da administração pública é marcada por avanços e

recuos cujas mudanças empreendidas não garantem a ruptura com os modelos de

administração predominantes anteriormente. Na trajetória da administração pública brasileira

também se evidenciam permanências quanto ao modelo burocrático, como será discutido a

seguir.

3.2 PLANEJAMENTO E GESTÃO GOVERNAMENTAL NO ESTADO BRASILEIRO: A

INDISSOCIABILIDADE DISSOCIÁVEL

Planejar e gerir são tarefas, a priori, indissociáveis, posto que, grosso modo, o

primeiro diz respeito à definição antecipada de um conjunto de ações a serem realizadas e o

segundo à execução das ações planejadas.

Ao tratar das funções do Estado contemporâneo, planejamento e gestão são elementos

essenciais para se buscar tanto atender às necessidades da população quanto para o

desenvolvimento econômico e social da nação. Para tanto, essas duas dimensões devem estar

inter-relacionadas, sem predominância de um sobre outro, isso porque, de acordo com

Cardoso Júnior (2011, p. 12), por um lado o “[...] planejamento descolado da gestão corre o

risco de tornar-se um conjunto de estudos, diagnósticos e proposições de objetivos sem

Page 105: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

103  

  

eficácia instrumental, atividade incapaz de mobilizar os recursos necessários de forma

racional, na direção pretendida pelo plano”, por outro, “[...] a gestão, embora seja atividade de

gerenciamento cotidiano da máquina pública, é algo que apenas pode fazer sentido estratégico

[...] se acoplada ou referenciada adequadamente a diretrizes gerais e atividades concretas

emanadas do planejamento governamental”.

Contudo, a análise da trajetória histórica da atuação do Estado brasileiro, desde as

primeiras décadas do século XX, evidencia uma dissociação entre planejamento e gestão, com

alternância na primazia de um elemento diferente do outro em diferentes momentos, conforme

demostra Cardoso Júnior (2011). Põe em relevo, também, que sua construção histórica não se

deu de forma linear, mas, ao contrário, esteve marcada por mudanças e por reveses

relacionados ao contexto específico de cada período, de tal forma que no curso da história, é

possível observar iniciativas de modernização da máquina pública, muito embora, nos dias

atuais, ainda seja possível identificar uma estrutura rígida e fechada em si mesma. De acordo

com Martins (1997), o Estado brasileiro e, especificamente, sua administração pública foram

fundados sob forte influência patrimonialista, herança cultural portuguesa e a tentativa de

substituição da administração patrimonial foi, e continua sendo, marcada pelas

descontinuidades e contradições político-administrativas do Estado brasileiro.

Uma primeira tentativa de modernização da administração pública no Brasil aconteceu

na década de 1930 com o governo Vargas. Até esse período, o Estado brasileiro era

controlado pelos interesses de uma elite agraria formada por aristocratas proprietários rurais.

Assim, essa década demarcou um momento em que o Estado brasileiro despontou como

interventor na economia e como propulsor do desenvolvimento em razão do crescente

processo de industrialização e de urbanização da época, além de por outros fatores sociais e

políticos.

Dentre os eventos significativos para as mudanças ocorridas nos anos 1930, destaca-

se, em âmbito internacional, a Grande Depressão da economia mundial, estimulada com a

quebra da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, que teve como uma das consequências o

colapso do modelo econômico vigente, baseado na exportação de bens primários. No Brasil,

esse fato repercutiu na perda de poder político por parte dos cafeicultores e o país, de base

agrária e de economia primário-exportadora, foi dando lugar a uma sociedade de base urbano-

industrial. Nesse sentido, o Estado brasileiro passou a atender a parte dos interesses de uma

classe social que começava a se organizar, ainda que de forma incipiente, a burguesia.

Reconhecer isso não significa dizer, entretanto, que os grandes proprietários de terras tenham

perdido sua influência, o que pode ser observado mesmo nos tempos atuais.

Page 106: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

104  

  

Nesse contexto de transformações e de novos arranjos políticos, o governo de Getúlio

Vargas empreendeu uma reforma administrativa no Estado brasileiro, instituindo órgãos

voltados para o planejamento governamental, aqui compreendida como a “[...] atividade ou o

processo consciente que antecede e condiciona a ação estatal” (CARDOSO JÚNIOR, 2011, p.

15). São exemplos dessa reforma a criação do Conselho Federal de Comércio Exterior, em

1934, e a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1938. De

acordo com Rezende (2011), ao primeiro competia formular políticas econômicas voltadas

para a redução da dependência externa, podendo, portanto, ser considerado como o primeiro

organismo governamental com funções típicas de um órgão de planejamento.

O DASP, por sua vez, objetivava fornecer elementos para melhoria da máquina

pública e fornecer assessoria técnica ao Presidente da república. Esse órgão teve como

incumbência a elaboração do primeiro plano quinquenal da história do planejamento

brasileiro – o Plano Especial de Obras Públicas e Reaparelhamento da Defesa Nacional

(1939-1943)26. Além disso, o órgão promoveu uma transformação na administração pública

ao empregar tecnologia administrativa de ponta e ao profissionalizar o serviço público

segundo o mérito dos servidores ao instituir, na administração pública, os princípios da

impessoalidade, da obediência às normas rígidas e universalmente válidas. Pode-se afirmar

que, por meio dele, as diretrizes do modelo burocrático weberiano começaram a ser

incorporadas na administração pública brasileira. No entanto, para Martins (1997, p. 176), o

avanço daspiano, em relação às práticas patrimonialistas, foi parcial: “Não porque tenha se

concentrado exclusivamente nos meios, no aspecto da eficiência, mas, sobretudo, porque as

forças tradicionais de índole patrimonialista continuaram latentes e preponderantes, tanto na

administração pública quanto na política”.

Do ponto de vista do planejamento, Cardoso Junior, Pinto e Linhares (2010)

argumentam que, na década de 1940, os governos latino-americanos desenvolveram planos e

desenharam políticas setoriais como resposta a vários problemas, tais como o fornecimento de

energia, a infraestrutura de transporte e as condições da saúde pública. Para os autores, porém,

é na década de 1950 que se observam grandes avanços em relação ao planejamento dos

países, no continente. Assim:

É nos anos 1950 que começam a ser elaborados os relatórios que reuniam as características dos planos nacionais de desenvolvimento; ou seja, os estudos que continham diagnósticos e proposições de políticas com objetivos e

                                                           26 De acordo com Rezende (2011, p. 178), este Plano e outros criados no governo Vargas, não passavam de um rearranjo orçamentário, com o reforço de verbas e de controles sobre a execução dos projetos ali incluídos.

Page 107: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

105  

  

opções definidas para o conjunto da economia do país, com o propósito de guiar as decisões de alocação de recursos públicos e o uso de instrumentos para influir nas decisões privadas. Durante essa década, criaram-se, em vários países, organismos técnicos para elaborar este tipo de estudos, além de instituições para decidir sobre as propostas que estes continham (CARDOSO JUNIOR; PINTO; LINHARES, 2010, p. 95).

Essa citação corrobora a afirmação de Cardoso Júnior (2011), em relação ao cenário

brasileiro, de que os anos 1950 podem ser considerados como um momento áureo do

planejamento no Brasil, ainda que a estrutura da gestão pública mantenha-se no hibridismo

entre a patrimonialista e a burocrática, sendo desse período o Plano de Metas do governo

Juscelino Kubitschek (1956-1961), a partir do qual se estabeleceu uma tradição no Brasil de

que cada governo apresentasse um programa de ação (FERREIRA; FONSECA, 2011), ainda

que poucos tenham se preocupado com seu cumprimento. O Plano de Metas, considerado

bem-sucedido, priorizou cinco áreas: transporte, energia, alimentação, educação e indústria de

base. Todavia, seus investimentos concentram-se principalmente na região sudeste, gerando

ainda mais desequilíbrio econômico entre as regiões. Dentre suas 31 metas, estava a

construção da nova capital federal, Brasília, inaugurada em abril de 1960.

No que concerne à gestão, foram poucas as ações que buscaram modernizar a

administração pública no período democrático de 1956-1964, podendo ser citada a tentativa

de reforma administrativa proposta pela Comissão Amaral Peixoto durante o governo Goulart

(1961-1964), a qual foi abortada pelo golpe civil-militar de 1964.

Com o golpe, ganhou força um planejamento do tipo autoritário e tecnocrático,

sobretudo no que se refere ao planejamento econômico. Após a tomada do poder pelos

militares, em um momento em que o país vivia uma estagnação econômica e aceleração

inflacionária que afetava o país desde o início dos anos 1960, uma das primeiras medidas

tomadas foi o lançamento do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) durante a

administração do presidente Castello Branco (1964-1966), o qual contou com uma política

recessiva de combate à inflação. Além disso, o governo deu início a uma ampla mobilização

de recursos técnicos para elaborar um plano de longo prazo para o desenvolvimento nacional,

sendo criado o Plano Decenal de Desenvolvimento para o período 1967-1976. Embora o

Plano não tenha sido executado em razão das constantes mudanças nas relações de forças que

controlavam o poder à época, constituiu-se como a mais abrangente proposta de planejamento

econômico e de rigor técnico jamais feita no Brasil, bem como lançou as bases para que novos

Planos fossem criados (CARDOSO JUNIOR; PINTO; LINHARES, 2010).

Page 108: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

106  

  

Também é do ano de 1967 o Decreto-lei nº 200, o qual dispõe sobre a organização da

administração federal e estabelece diretrizes para uma reforma administrativa. Uma breve

análise do Decreto27 evidencia que cinco princípios fundamentais, relacionados no Artigo 6º,

irão nortear a administração pública federal. Tais princípios são: planejamento, coordenação,

descentralização, delegação de competência e controle.

Quanto ao planejamento, será voltado para a promoção do desenvolvimento

econômico-social e para a segurança nacional. Ao estabelecer que sejam elaborados planos de

governo, programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual, orçamento-programa

anual e programação financeira de desembolso, observa-se uma preocupação maior com

questões orçamentarias e financeiras em detrimentos de outros elementos igualmente

importantes para a administração pública. Quanto à coordenação, o Art. 8º diz que as

atividades da Administração Federal e, especialmente, a execução dos planos e programas de

governo, serão objeto de permanente coordenação, exercida principalmente pela chefia de

cada órgão. A descentralização é destacada no decreto como princípio basilar para a execução

das atividades da administração federal, embora uma leitura mais atenta do Artigo 10º

evidencia que se trata mais de desconcentração do que de descentralização. Casassus (1990, p.

17) esclarece as distinções entre os termos desconcentração e descentralização:

A desconcentração reflete processos cujo objetivo é assegurar a eficiência do poder central, enquanto que o outro, a descentralização, é um processo que procura assegurar a eficiência do poder local. Assim, desconcentração refletiria um movimento ‘de cima para baixo’ e a descentralização um movimento ‘de baixo para cima’.

Assim, no referido Artigo, observa-se uma nítida separação entre tomada de decisão e

execução, conforme pode ser observado no § 2°: “Em cada órgão da Administração Federal,

os serviços que compõem a estrutura central de direção devem permanecer liberados das

rotinas de execução e das tarefas de mera formalização de atos administrativos, para que

possam concentrar-se nas atividades de planejamento, supervisão, coordenação e controle”.

Tal forma de administrar, contudo, está em consonância com a tecnocracia do governo

militar. A delegação de competências surge como uma possibilidade de aproximar aos fatos

problemas a resolver, aqueles que tomam as decisões, sendo esses determinados pelo

presidente da república ou por outra autoridade da administração pública. O controle, por sua

vez, é determinado para todos os níveis e órgãos do governo.

                                                           27 Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm> Acesso em 25 de maio de 2015.

Page 109: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

107  

  

Esses princípios estão relacionados, todavia, aos anseios de fortalecimento e de

aperfeiçoamento dos mecanismos de controle do governo, os quais estavam orientados por

uma racionalidade econômica e tecnocrática sob os fundamentos da modernização da gestão,

muito embora as práticas patrimonialistas ainda estivessem presentes, sobretudo na troca de

cargos por apoio político.

No que concerne ao desenvolvimento econômico, entre os anos de 1968 e 1973 tem-se

o chamado “milagre econômico brasileiro”, período em que o percentual do Produto Interno

Bruto (PIB) cresceu a uma taxa média de mais de 10% ao ano. Sob o comando do então

ministro da fazenda Delfim Netto, as políticas econômicas do período foram responsáveis não

apenas pelo “milagre” do crescimento econômico, mas também por manter baixa a taxa de

inflação e o equilíbrio nas relações de exportação e importação por um período de seis anos

consecutivos. Ações que, de certa forma, tentaram justificar o golpe militar perante a

sociedade, bem como convencer que o governo militar seria melhor para o país do que o

governo deposto (MARTINS, 1997). No entanto, se por um lado houve um crescimento

expressivo do PIB, por outro, o milagre econômico contribuiu para um grande aumento na

concentração de renda, mantendo-se a pobreza da população brasileira. Ou seja, os benefícios

do crescimento econômico ficaram restritos a uma pequena camada da população,

aprofundando a desigualdade socioeconômica brasileira.

Destaca Cardoso Júnior (2011) que os anos 1970 encerram o período de auge do

planejamento no Brasil, iniciado na década de 1940. Conforme o autor, nesse período tem-se

a primazia desse elemento sobre a gestão, mesmo com a ressalva de que nessa fase tenha

predominado um planejamento sem gestão; ou seja, o conjunto de estudos e de proposições

apresentados não possuía eficácia instrumental e foi incapaz de mobilizar os recursos

necessários de forma racional visando a atender aos fins propostos pelos planos.

De acordo com Martins (1997), uma das razões para o insucesso dos planos diz

respeito à perda da noção política do planejamento, posto que as estruturas que o concebiam

especializaram-se em formular planos que dissociavam burocracia de política, perdendo,

assim, sua eficácia. Essa dissociação, na verdade, é uma característica da administração

tecnocrática militar e também do contexto histórico do momento em que parte da população,

desacreditada dos políticos, apoiava o estilo de gestão dos militares, inclusive em razão do

“milagre econômico” vivenciado no início do regime. Ainda de acordo com Martins (1997, p.

178): “A própria noção de tecnoestrutura supõe uma relação funcional entre estado e

sociedade alheia à política, em parte, pelo espaço preenchido pela forca do regime, em parte

devido a um processo de esvaziamento da elite política”. Assim, mesmo situando-se no auge

Page 110: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

108  

  

do planejamento no Brasil, conforme Cardoso Junior (2011), os inúmeros planos dos

governos militares, insulados em sua tecnocracia e racionalidade, não foram suficientes para

promover mudanças significativas no campo da administração pública brasileira com

repercussões positivas para a sociedade, sendo o patrimonialismo ainda uma marca dessa

gestão.

Com o segundo choque do petróleo e novo aumento em seu preço, em 1979, o Brasil

acentuou o processo de endividamento externo, o qual já vinha sendo processado a partir do

final dos anos 1960. Devido às altas taxas de juros em âmbito internacional, o Brasil e os

demais países do chamado Terceiro Mundo colocaram em prática um ajuste recessivo,

buscando honrar o pagamento da dívida externa, dando início a um longo período de

estagnação econômica e sucessivo aumento da inflação. Ferreira (2013) sintetiza bem o

cenário que propiciou tal mudança:

Em meio à execução dos planos, os sintomas da crise econômica e política já se apresentavam no final da década de 1970, erodindo com a capacidade gestora do Estado. A desaceleração do ritmo de crescimento que a economia brasileira mantinha desde os anos 1940 provocou uma recessão e uma aceleração inflacionária sem precedentes na história brasileira. Essa crise atingiu a capacidade de reprodução do Estado, além de atrofiar, de forma progressiva, os mecanismos estatais de decisão e sustentação de políticas de longo prazo (FERREIRA, 2013, p. 60).

Tal contexto leva a mudanças, inclusive no campo da administração pública, as quais,

nesse caso, conforme Cardoso Junior (2011), alteram a relação entre planejamento e gestão,

iniciando o período de declínio do planejamento, que perdura durante as décadas de 1980 e de

1990, segundo o mesmo autor. Além da crise econômica (embora diretamente relacionada a

ela) e da crise política (período de transição democrática), outro fator que proporcionou o

declínio do planejamento no Brasil foi a ascensão do ideário neoliberal e sua defesa pelo

Estado mínimo, limitando assim as funções de planejamento do Estado brasileiro. Isso se deu

porque, em um cenário de inflação e de aumento da dívida externa, as orientações

internacionais foram adotadas nos países periféricos sem muita resistência. Tais orientações

previam, grosso modo, redução da atuação dos Estados nacionais e adoção dos princípios

gerenciais para a administração pública.

Dessa forma, a emergência de um modelo de gestão pública fundamentado naqueles

princípios fez com que houvesse primazia da gestão gerencialista sobre o planejamento.

Cardoso Junior (2011, p. 08) explica melhor essa relação: “[...] o planejamento no sentido

forte do termo passa a ser algo não só desnecessário à ideia de Estado mínimo, como também

Page 111: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

109  

  

prejudicial à nova compreensão de desenvolvimento que se instaura”. A compreensão sobre o

desenvolvimento que predominava à época tangenciava a defesa pela redução do tamanho e

da atuação do Estado, bem como a transferência para o mercado, ou ao menos com atuação

inspirada nele, das funções do Estado.

Não obstante, ainda que a função planejamento tenha sido colocada em segundo plano

em relação à perspectiva gerencial de administração pública, a Constituição Federal de 1988

estabeleceu que a gestão fosse orientada por meio de três instrumentos: Plano Plurianual

(PPA); Lei de Diretrizes Orçamentárias; e Lei Orçamentária Anual. O PPA merece destaque

por ser um instrumento destinado a organizar e a viabilizar a ação pública, com vistas a

cumprir os fundamentos e os objetivos da República. Por meio dele, é declarado o conjunto

das políticas públicas do governo para um período de quatro anos e os caminhos trilhados

para viabilizar as metas previstas28. O Plano, cuja previsão de vigência já fora mencionada, é

iniciado no segundo ano de um mandato governamental federal e encerrado ao fim do

primeiro ano de mandado do governo seguinte. Apesar de previsto na Constituição Federal de

1988, o primeiro PPA só foi instituído em 1996, para o período de 1996 – 1999 e, acerca dele,

Paulo (2010, p. 174) argumenta:

É possível afirmar que o PPA foi concebido para ser um instrumento de planejamento estratégico, na medida em que estabelece um compromisso político para além do mandato presidencial, que vai orientar a formulação das leis orçamentárias e planos setoriais e regionais. É também um instrumento de gestão estratégica, uma vez que o cumprimento das metas estabelecidas deve ser avaliado pelos Poderes executivo, Legislativo e Judiciário.

Observa-se que o planejamento estratégico com ênfase na avaliação e no controle dos

resultados constitue a base dos PPA nacionais. Esses elementos também estão presentes na

reforma gerencial vivenciada no Brasil a partir de 1995, ocasião em que o ideário gerencial

foi incorporado à administração pública brasileira por meio do Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado (1995) durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique

Cardoso (1995-1998), sob os cuidados do então ministro da Reforma do Estado, Luis Carlos

Bresser-Pereira. A reforma tinha como objetivo reconstruir o Estado, aumentando sua

governança e limitando suas funções (BRASIL, 1995) e esteve alicerçada na Emenda

                                                           28 Disponível em http://www.planejamento.gov.br/ministerio.asp?index=10&ler=s1086. Acesso em 06 de abril de 2015.  

Page 112: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

110  

  

Constitucional nº 19/1998, que teve como finalidade oportunizar uma alternativa gerencial à

administração pública brasileira (BRESSER- PEREIRA, 1998).

Sob a justificativa de que o Estado brasileiro estaria em crise em razão do alargamento

de suas funções e de sua intervenção na economia, sendo essas as causas de seu desequilíbrio

econômico, deu-se a tentativa de implantar no Brasil a reforma gerencial, como pode ser

observado na citação a seguir:

No Brasil esta questão [da reforma do Estado] adquiriu importância decisiva, tendo em vista o peso da presença do Estado na economia nacional: tornou-se, conseqüentemente, inadiável equacionar a questão da reforma ou da reconstrução do Estado, que já não consegue atender com eficiência a sobrecarga de demandas a ele dirigidas, sobretudo na área social (BRASIL, 1995, p. 10, grifo nosso).

Uma breve análise do Plano Diretor de reforma do Aparelho do Estado torna clara a

defesa do que se convencionou chamar de nova perspectiva para o estado brasileiro, na qual

se prevê a redução da função deste de executor ou de prestador direto de serviços, embora se

mantivesse a de regulador e a de provedor. Assim, os formuladores do Plano Diretor

esperavam reforçar a capacidade de governar do Estado através da transição programada de

sua administração, considerando que a capacidade de implementar as políticas públicas era

limitada pela rigidez e pela ineficiência da máquina administrativa, esperava-se a transição de

um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e

para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada

para o atendimento do cidadão.

É importante destacar, conforme Diniz (2001), que no Brasil nunca houve uma

burocracia propriamente weberiana, apesar da tentativa de implementar uma burocracia

racional-legal realizada por Getúlio Vargas nos anos 1930. Conforme a autora: “Desde o

início, teve-se um sistema híbrido, marcado pela coexistência dos princípios universalistas e

meritocráticos, com as práticas clientelistas, tradicionalmente presentes no padrão de

expansão da burocracia brasileira” (DINIZ, 2001, p. 20).

No contexto de adoção dos princípios da Nova Gestão Pública na administração

pública brasileira, observa-se uma ressignificação do planejamento governamental no Brasil,

como bem observa Ferreira (2013, p. 68):

Podemos afirmar que ao longo das ultimas duas décadas do século 20, em um ambiente ideologicamente hostil à presença e à atuação do Estado, a função planejamento foi adquirindo feições muito diferentes, sendo

Page 113: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

111  

  

esvaziada de conteúdo político-estratégico, ao mesmo tempo que reforçada por ingredientes técnico-operacionais e de comando físico-financeiros.

Tendo como cerne da reforma a crise fiscal, a maioria das estratégias adotadas voltou-

se para o enxugamento do Estado e o planejamento governamental despontou mais como

estratégia de alocação de recursos do que como processo consciente que antecede e

condiciona a ação estatal. Isso porque, de acordo com Cardoso Junior; Gomide (2014, p. 34),

“O planejamento governamental, mesmo sob um regime político democrático e pluralista,

passou a ser visto como intervenção perniciosa em um espaço que deveria ser regido pelo

livre intercâmbio, considerado o mercado como único mecanismo capaz de gerar

autorregulação e promover a prosperidade material”.

É necessário destacar que a reforma gerencial do Estado brasileiro, proposta em 1995,

não se completou, sendo, na atualidade, objeto de críticas feitas por intelectuais que discutem

o caso nacional como também por aqueles que estudam os efeitos das reformas orientadas

pelo mercado nos diferentes países (COSTA, 2006; CARNEIRO; MENICUCCI, 2011).

A reforma gerencial e a adoção dos princípios da Nova Gestão Pública, no que se

refere ao caso brasileiro, vem sofrendo algumas críticas, segundo Cardoso Junior (2011),

referentes ao desenho e aos princípios gerais da reforma, em aspectos que dizem,

basicamente, que: a reforma gerencial brasileira foi incompleta e acabou gerando mais

fragmentação dos aparelhos do Estado; a reforma não democratizou o funcionamento dos

aparelhos do Estado, imprimindo na verdade um caráter manipulador à gestão participativa

que se considerava em curso; os controles sociais da gestão pública ou não existiam de fato,

ou eram ainda basicamente formais, bastante precários e limitados; a suposta “orientação para

o serviço público” não desprivatizou o Estado e o seu funcionamento orientado para e pelo

mercado.

No caso específico da reforma brasileira, Costa (2006, p. 153) afirma que as

estratégias adotadas não alcançaram o cerne do problema: “A reforma do aparelho de Estado

e as demais reformas (do Estado) empreendidas no governo Fernando Henrique Cardoso

tentaram enfrentar apenas o problema do esgotamento financeiro do Estado brasileiro, dando

uma solução conjuntural a problemas estruturais do processo de extração e alocação de

recursos”. Para o autor, ao focar na privatização, no ajuste fiscal, na abertura comercial –

estando, assim, em conformidade com o menu de reforma proposto por organismos

internacionais –, a reforma do Estado não foi capaz de alterar as relações entre Estado e

Page 114: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

112  

  

sociedade nem de ampliar e universalizar os direitos civis, garantindo assim o bem-estar (ou,

ao menos, o estar) dos cidadãos.

Dessa forma, a primeira década do século XXI foi marcada pelos questionamentos à

reforma do Estado realizada na década anterior, em razão dos resultados negativos

observados, e pelo fortalecimento das críticas às suas bases teóricas e empíricas, sendo

também alvo de críticas a Nova Gestão Pública. Para Cardoso Junior e Gomide (2014, p. 34),

“A partir do fim da década de 1990, o baixo crescimento econômico e a sequência de crises

econômicas que abalaram o mundo – e a América Latina, em particular – sinalizaram o

equívoco dessa visão, quando não a sua excessiva ideologização e instrumentalização pelos

interesses rentistas”. Nesse contexto, o Estado desponta novamente no centro do debate sobre

o desenvolvimento econômico e social.

Ocorre nesse período, o que Cardoso Junior (2011) chama de retomada da função

planejamento estatal, uma vez que houve, entre as décadas de 1940 e 1970, desmesurada

primazia da função planejamento sobre a função gestão; e, depois, entre as décadas de 1980 e

1990, primazia igualmente desmesurada da função gestão sobre a função planejamento. Para

o autor, a primeira década do século XXI apresentou condições objetivas favoráveis para

reequilibrar, tanto quanto ressignificar, as dimensões do planejamento e da gestão como

funções cruciais e inseparáveis da ação do Estado em sua missão de autocapacitação para o

desenvolvimento.

Ainda no que diz respeito às condições objetivas favoráveis às mudanças, é importante

destacar o papel desempenhado pela sociedade civil e a mobilização dessa classe no que diz

respeito à defesa de seus interesses. Em que pesem os diferentes graus de participação, a

sociedade civil tem tido cada vez mais espaço, não só no que se refere ao planejamento

governamental como também na implementação e na avaliação das políticas públicas. Como

exemplo, basta observar a quantidade de conselhos de controle social nas diferentes áreas que

surgiram nas últimas décadas. Em relação especificamente ao planejamento governamental,

Ferreira (2013, p. 69) argumenta que:

Ao contrário dos planos desenvolvidos no século 20, atualmente o planejamento é defendido como uma técnica que necessita de um amplo diagnóstico elaborado conjuntamente com a sociedade civil. A prioridade é ter um planejamento participativo, com respeito à pluralidade da representação política e dos movimentos sociais.

Para que ocorra a reconstrução do planejamento governamental, Cardoso Jr; Pinto;

Linhares (2010) destacam três pilares necessários: visão estratégica, capacidade de gestão e

Page 115: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

113  

  

um sistema eficiente de coordenação. Em relação ao primeiro, os autores reforçam a

necessidade de se considerar a realidade financeira e institucional do país, bem como a

manutenção de um planejamento de médio e longo prazos com as devidas revisões e

correções, sobretudo no que se refere aos Planos Plurianuais.

O segundo pilar diz respeito às capacidades que as organizações públicas detêm para

exercer suas responsabilidades, tendo em conta, inclusive, as limitações impostas pelas

normas vigentes, sendo a excessiva rigidez destas um obstáculo que precisa ser removido.

Por sua vez, quanto à coordenação, que é o terceiro pilar, é proposta a reconstrução do

planejamento governamental, tratando da necessidade de criação de conselhos

interministeriais com a atribuição de articular as ações relacionadas às principais áreas de

concentração das políticas públicas, bem como a necessidade de cooperação entre entes

federados na execução de políticas e de programas relacionados às prioridades estratégicas

nacionais.

A reconstrução do planejamento – ou, como afirma Cardoso Junior (2011), a retomada

da função planejamento estatal visando à reconstrução do Estado rumo ao desenvolvimento –

está posta como um grande desafio ao governo brasileiro, em todos os seus níveis, e se

apresenta como um instrumento favorável à construção de uma gestão pública eficiente,

eficaz, efetiva e transparente.

Essa é uma tarefa que parece ainda não ter sido iniciada no Brasil, considerando que

não é possível identificar as inflexões necessárias no âmbito da administração pública desse

início de século para fortalecer a máquina pública, levando à sua transformação. Não há,

portanto, um projeto de mudança para a administração pública que busque superar as

orientações gerencialistas em consonância com uma proposta de reconstrução do Estado

fundada em novas formas de relacionamento entre ele e a sociedade que busquem a ampliação

dos direitos civis, o bem-estar dos cidadãos e a superação das políticas clientelistas. Nesse

sentido, sobre o governo federal dos últimos anos, Cardoso Jr; Gomide (2014, p. 35) afirmam:

Passada mais de uma década com o Partido dos Trabalhadores (PT) à frente da coalizão partidária que governa o Brasil (governos Lula e Dilma), não se identifica qualquer reflexão estratégica sobre o Estado e o aparato administrativo que se deseja para dar continuidade às transformações que se verificam desde o início do novo milênio. Em outras palavras, uma reflexão que vincule o tema da administração pública a um projeto de desenvolvimento e a uma concepção de Estado.

Page 116: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

114  

  

A reconstrução do Estado, aliás, ganhou força nos últimos anos frente às críticas à

reforma neoliberal e da defesa pelo Estado mínimo. A crise financeira internacional de 2008

evidencia o insucesso do projeto neoliberal, do ponto de vista econômico, e a necessidade de

intervenção da atuação do Estado na economia para minimizar os efeitos da crise econômica.

Como exemplo, pode-se evidenciar a estratégia adotada pelo governo norte-americano de

injetar capital público nas empresas privadas para evitar suas falências e o consequente

agravamento da crise, a qual se estendeu a diversos países, ao passo que milhares de

americanos perderam seus imóveis, empregos e se aumentava ainda mais a pobreza e

desigualdade social no país. Essa ação vai de encontro à tese do Estado mínimo e da

autorregulação do mercado e comprova a afirmação de Politzer, Besse e Caveing ( 2002, p.

331), de que “[...] a ação do Estado é guiada pela necessidade de salvar o capitalismo e, em

particular, de retardar a hora da crise econômica”.

Ainda que o governo brasileiro tenha adotado, a partir de 2008, algumas medidas para

diminuir o efeito da crise financeira, tais como o aumento na oferta de crédito em diferentes

setores e a redução de impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), não é

possível considerar tais ações como uma tentativa de reconstrução do Estado e, por

conseguinte, de reconstrução e indissociação das funções de planejamento e da gestão estatal.

Conforme F. Costa (2010), nos últimos anos não houve da parte do governo federal nenhum

projeto de reforma democrática do Estado. Dessa forma, as mudanças realizadas não

alteraram substantivamente as relações com a sociedade e, em alguns momentos, até

contribuíram para aprofundar a crise. Para o autor, o Estado brasileiro ainda não consolidou

um modelo de atenção social capaz de lidar com as enormes assimetrias que separam regiões

e classes sociais. Dessa forma, afirma-se que as mudanças empreendidas na administração

pública brasileira não consideram aspectos peculiares da nação, tais como a formação

histórica do país, a diversidade social, cultural e econômica. Desconsiderando as

peculiaridades do federalismo brasileiro, a retomada da função planejamento estatal visando à

reconstrução do Estado tende a estar cada vez mais distante.

A reconstrução do Estado deve buscar outros fundamentos que não apenas

econômicos. Espera-se, portanto, que, para os próximos anos, a ação dos Estados nacionais,

no tocante ao seu planejamento e gestão, possa estar mais relacionada ao atendimento das

necessidades e anseios dos cidadãos por meio de ações que possam eliminar os efeitos

perversos da ideologia neoliberal na vida da classe trabalhadora, sobretudo no que se refere ao

planejamento de políticas públicas educacionais.

Page 117: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

115  

  

3.3 PLANEJAMENTO E GESTÃO EDUCACIONAL

Ao considerar a trajetória do planejamento e da gestão educacional no Brasil, desde as

primeiras décadas do século XX, observam-se mudanças em seu desenho. Concorda-se com

Saviani (2013) ao defender o planejamento enquanto instrumento de política educacional.

Esta, vale salientar, nunca será neutra, estará relacionada com os diferentes projetos de

desenvolvimento que se estabelecem nos diferentes momentos históricos e reflete as inúmeras

contradições presentes na sociedade capitalista.

Castro (2010, p. 01) concebe esse planejamento como “Todo ato intencional, político e

técnico para direcionar as atividades do campo educacional, buscando racionalizar os fins e os

meios para conseguir os objetivos propostos”. No que concerne à educação, ocorre em três

dimensões, as quais estão inter-relacionadas, segundo Castro (2010): planejamento do sistema

educacional; planejamento escolar; e planejamento do ensino. Conforme a autora, a primeira

dimensão diz respeito ao nível macro, ao planejamento do sistema educacional do país e aos

direcionamentos de sua política educacional. Além disso,

Reflete a visão que se tem de mundo, de homem, exigindo, portanto, um compromisso com a construção da sociedade e deve atender tanto às necessidades de desenvolvimento do país quanto às do indivíduo (corresponde ao planejamento que é feito em nível nacional, estadual ou municipal). É uma intervenção do estado visando à implantação de uma determinada política educacional, estabelecida com a finalidade de possibilitar que o sistema educacional cumpra as funções que lhe são próprias em determinado momento histórico (CASTRO, 2010, p. 02).

A segunda dimensão é aquela realizada no âmbito da escola, devendo refletir os

anseios da comunidade escolar. Na unidade de ensino concretiza-se pela elaboração do

Projeto Político-pedagógico (PPP), o qual expressa a cultura organizacional da escola.

Por sua vez, a terceira dimensão é aquela que trata do planejamento realizado pelo

docente, atividades a serem desenvolvidas pelos professores e alunos no cotidiano escolar,

tendo em vista a aquisição do conhecimento. Deve estar em sintonia com o planejamento

escolar e educacional e, sobretudo, precisa partir da realidade concreta do aluno (CASTRO,

2010).

Como se pode perceber, o planejamento em educação em suas diferentes dimensões

implica, portanto, a tomada de decisões para organização de ações futuras, seja a curto, a

médio ou a longo prazo. Essas decisões são, via de regra, relacionadas a um projeto de

desenvolvimento no qual “[...] a educação foi sendo pensada como um projeto social que

Page 118: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

116  

  

respondesse às demandas ou necessidades estabelecidas pelos grupos hegemônicos”

(OLIVEIRA, 2009, p. 238).

No caso brasileiro, uma primeira iniciativa de planejamento educacional data de 1932,

quando é lançado o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. O Manifesto se constituiu

num marco para a educação brasileira por defender uma escola única, pública, laica,

obrigatória e gratuita entre outras inúmeras mudanças, inclusive a adoção de uma visão

sistêmica, de construção de um projeto nacional de educação e, por conseguinte, do

estabelecimento de um plano nacional que estabelecesse metas para o desenvolvimento da

educação brasileira em todas as suas modalidades de forma integrada. Propunha que a

reconstrução da nação só aconteceria por meio da reconstrução educacional, como pode ser

observado no seguinte trecho do documento:

Na hierarchia dos problemas nacionaes, nenhum sobreleva em importancia e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caracter economico lhe pódem disputar a primazia nos planos de reconstrucção nacional. Pois, se a evolução organica do systema cultural de um paiz depende de suas condições econômicas, é impossível desenvolver as forças economicas ou de producção, sem o preparo intensivo das forças culturaes e o desenvolvimento das aptidões á invenção e á iniciativa que são os factores fundamentaes do accrescimo de riqueza de uma sociedade (AZEVEDO, 1984, p. 407).

Ainda que o Manifesto não tenha partido de uma iniciativa governamental, mas, sim,

de intelectuais brasileiros considerados renovadores e pioneiros, sendo dirigido ao povo e ao

governo, o Documento influenciou o texto constitucional de 1934 no que concerne ao campo

educacional. Em seu Art. 150, por exemplo, a referida Constituição estabelece como

competência da União fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos

os graus e ramos, comuns e especializados; e coordenar e fiscalizar a sua execução, em todo o

território do País.

De acordo com Fonseca (2013), a emergência do Estado Novo em 1937 impossibilitou

a concretização das propostas renovadoras presentes na Constituição de 1934, haja vista que o

planejamento governamental passou a ser realizado por um viés centralizador e estava mais

relacionado ao fortalecimento do protagonismo do Estado na área produtiva. Além disso, o

período que sucedeu a II Guerra foi marcado por altas taxas de inflação, de desemprego e de

migração campo-cidade, o que aumentou em potencial as demandas para o Estado, as quais

ultrapassavam sua capacidade de atendimento.

Page 119: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

117  

  

Em 1961 foi promulgada a Lei 4024/61, a primeira Lei de Diretrizes e Bases da

educação e, sob sua vigência, foi aprovado o primeiro Plano Nacional de Educação, em 1962.

Sobre esse:

Ele não foi proposto na forma de um projeto de lei, mas apenas como uma iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, iniciativa essa aprovada pelo então Conselho Federal de Educação. Era basicamente um conjunto de metas quantitativas e qualitativas a serem alcançadas num prazo de oito anos (BRASIL, 2001, p. 03).

O Plano sofreu revisões em 1965 e em 1966, mas mesmo que tenha se constituído num

conjunto de metas, elas não foram perseguidas, em razão inclusive das mudanças no contexto

político após o golpe militar de 1964.

A partir desse período, as propostas apresentadas nos planos de governo passaram a

vincular e a subordinar cada vez mais a educação ao desenvolvimento econômico. O governo

militar foi fortemente influenciado pela Teoria do Capital Humano29 desenvolvida na década

de 1950, nos Estados Unidos, que teve ampla repercussão internacional. A partir de então, os

planos econômicos passaram a incorporar ações educacionais, na crença de que a educação

levaria ao desenvolvimento econômico, como se essas, por si sós, fossem capazes de melhorar

o desempenho profissional, aumentar a eficiência e produtividade no trabalho.

Assim, buscava-se formar e capacitar recursos humanos, sendo uma das estratégias

adotadas a obrigatoriedade da educação profissionalizante no ensino de 2º grau. Favoreceram

essa perspectiva os acordos de caráter técnico e financeiro firmados a partir de 1967 com a

Agência para o Desenvolvimento Internacional, vinculada ao Departamento de Estado Norte-

Americano (Usaid) a qual defendia um método quantitativo de planejamento que fixava as

metas de um plano de educação, com base no mercado de trabalho, considerando o perfil e o

quantitativo de trabalhadores. Nessa mesma perspectiva, em 1974 também foram firmados

acordos do MEC com o Banco Mundial (Bird), visando a capacitar as secretarias estaduais de

educação para executar o novo formato de administração adotado no âmbito da administração

pública, a Administração por Objetivos, tendo sido treinados cerca de quatro mil professores e

administradores escolares (FONSECA, 2013).

                                                           29 Sua origem está ligada ao surgimento da disciplina Economia da Educação, nos Estados Unidos, em meados dos anos 1950. Theodore W. Schultz é considerado o principal formulador dessa disciplina e da ideia de capital humano. Esta disciplina específica surgiu da preocupação em explicar os ganhos de produtividade gerados pelo “fator humano” na produção. A conclusão de tais esforços redundou na concepção de que o trabalho humano, quando qualificado por meio da educação, era um dos mais importantes meios para a ampliação da produtividade econômica, e, portanto, das taxas de lucro do capital (MINTO, 2006b).

Page 120: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

118  

  

Outro fator que orientou o planejamento educacional no período do regime militar foi

a pedagogia tecnicista30, teoria que se relaciona harmoniosamente com um regime político

fechado, e que almejava a neutralidade, deixando à margem do debate educacional questões

relacionadas com democracia e participação, por exemplo. Assim, conforme Saviani (2006, p.

1) “Buscou-se, então, [...] planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional

capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem pôr em risco sua eficiência”.

Nos últimos anos do regime, já em um período de crise do governo militar e de

transição democrática, é elaborado o III Plano Setorial da Educação (1980 a 1985), o qual

“[...] introduz a ideia de planejamento participativo como estratégia política diante do

insucesso dos planos anteriores, atribuído à ausência da participação da comunidade nas

decisões” (AMORIM; SCAFF, 2013, p. 251). Acerca do Plano, Fonseca (2013, p. 91) afirma

que:

Mediante um processo de planejamento participativo, foi aberto um diálogo com entidades acadêmicas e representativas, além do pessoal técnico das secretarias estaduais e municipais de educação. Em meio à oscilação administrativa, a proposta do planejamento participativo foi descartada antes de completar um ano de experiência.

Dessa forma, em contraposição ao autoritarismo presente no regime, apostou-se na

participação popular, o que segundo Saviani (2013) gerou uma “racionalidade democrática”, a

qual acabou causando dispersão e descontrole de recursos e justificando práticas clientelistas.

Ou seja, o referido plano e a estratégia adotada não lograram êxito no campo educacional.

Ao final da década de 1980 e início da década de 1990, o Banco Mundial desponta, de

acordo com Fonseca (2013) como a principal entidade internacional de cooperação técnica e

financeira para a educação. Nesse contexto, o Banco Mundial, juntamente com a Organização

das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o Fundo das Nações

Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD) financiaram a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizado em Jontiem,

Tailandia, em 1990, a qual impulsionou a reforma educacional em vários países, inclusive no

Brasil. Nesse evento, líderes de 155 países, incluindo o Brasil, acordaram, como prioridade

política, o foco na educação básica para a década de 1990. A participação brasileira nessa

Conferência fomentou longas discussões em torno das bases políticas e ideológicas para a                                                            30 A partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios de racionalidade, eficiência e produtividade, a pedagogia tecnicista advogou a reordenação do processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional. De modo semelhante ao que ocorreu no trabalho fabril, pretendeu-se a objetivação do trabalho pedagógico (SAVIANI, 2006).

Page 121: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

119  

  

educação nacional, tendo resultado, em dezembro do mesmo ano, na divulgação do Programa

Setorial de Ação do Governo Collor para a Área da Educação (1991-1995), no Plano Decenal

de Educação para Todos, em 1993, e com repercussão também na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei nº 9.394/96).

De acordo com Aguiar (2004), a gestão do sistema educacional ganha relevância após

a participação brasileira nos referidos encontros, nos quais se defendeu a necessidade de

superação das práticas clientelistas e tradicionais da ação administrativa, cedendo lugar a

métodos administrativos norteados por critérios técnicos de eficiência e de eficácia.

Evidenciava-se, com isso, que o Brasil assimilaria e executaria o projeto educacional proposto

pelos organismos multilaterais, financiadores e planejadores dessa Conferência e promotores

das ideias neoliberais nos países em desenvolvimento.

Assim, a ideologia neoliberal também atinge o campo educacional, imprimindo a

defesa da racionalidade econômica, da eficiência e da eficácia no planejamento educacional,

num cenário de crise fiscal e econômica, no qual prevalecem políticas focalizadas de

atendimento à população em condições mais desfavoráveis. Ao longo da última década do

século XX e dos primeiros anos do XXI, as políticas educacionais nacionais estiveram e ainda

estão em convergência com tais orientações. Conforme Krawczyk (2002, p. 62):

A reforma educacional que se inicia no limiar do século XXI vem instaurando um novo modelo de organização e gestão da educação pública, tanto do sistema quanto de suas instituições que, sob o fetiche da modernidade e da democratização, vivifica os fundamentos neoliberais que estão experimentando nossas sociedades.

Quanto ao planejamento, a LDB 9394/96 em seu Artigo 87, em consonância com a

Constituição Federal de 1988, estipula para o prazo de um ano, a elaboração por parte da

União de um novo Plano Nacional de Educação. Nesse sentido, ainda que as Constituições

Federais desde 1934 (com exceção da Carta de 1937) tenham incorporado, implícita ou

explicitamente, a ideia de um Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001) –, apenas

um conjunto de metas foi criado em 1962, as quais sequer vieram a ser cumpridas.

A necessidade de cumprir a legislação que estabeleceu a elaboração de um PNE, fez

com que duas propostas chegassem ao Congresso Nacional em fevereiro de 1998: a primeira,

apresentada ao plenário da Câmara pelo Deputado Ivan Valente em dez de fevereiro,

denominada de proposta “da Sociedade Brasileira”, tendo sido elaborada por entidades

sindicais e científicas e pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública. A segunda, de

Page 122: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

120  

  

iniciativa do MEC, apresentou-se como a proposta “do Executivo ao Congresso Nacional”,

um dia depois da primeira. As propostas de Lei apresentavam distinção entre si e

representavam a tensão existente dois projetos antagônicos: de um lado, um projeto

democrático, representante dos interesses da sociedade civil organizada e, de outro, a proposta

do governo, que representava os interesses da ordem social-econômica vigente no país e os da

sua classe dominante.

Em 9 de janeiro de 2001 foi aprovado por meio da Lei 10.172, o Plano Nacional de

Educação para o período de 2001 a 2010, cujo fundamento está assentado na proposta do

governo, inspirado pela racionalidade neoliberal, pelos princípios da eficiência e da eficácia e

pela redução dos gastos públicos. De acordo com Fonseca (2013), esse Plano, mesmo

alicerçado na proposta governamental, perdeu força no âmbito do Ministério da Educação,

órgão que voltou sua atenção mais para a execução do Plano Decenal de Educação do que

para o próprio PNE.

Assim, finda a vigência do PNE 2001-201031, a avaliação em torno de sua efetivação

fora negativa e falha em alguns aspectos, de acordo com Dourado (2010), pela: ausência de

mecanismos de financiamento necessário ao atendimento das metas; não regulamentação do

regime de colaboração, posto que o PNE sinalizou metas a serem efetivadas pelos diferentes

entes federados; aprovação de planos estaduais e municipais, previstos no PNE como base

para a sua organicidade, não se efetivou como política concreta na maior parte dos estados e

municípios. Ainda para o autor, o PNE não se consolidou enquanto uma política pública de

Estado, tendo sido secundarizado nos processos de gestão e de decisão no âmbito do

Executivo federal. As ações e as políticas desenvolvidas por esse nível de governo no decorrer

da vigência do Plano, quer no governo FHC (1995-2002) quer no governo Lula (2003-2010),

não tiveram o PNE como o epicentro do processo político.

Em 2007, o governo federal lançou o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),

o qual, para Saviani (2007), deveria se constituir como uma estratégia para efetivação das

metas do PNE mas cujas ações não se articulam organicamente com este. O PDE, portanto, é

                                                           31 A Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, aprovou um novo Plano Nacional de Educação para o país, o PNE 2014-2024. Passados mais de dois anos de sua aprovação, no entanto, o referido PNE enfrenta severas dificuldades de financiamento e caminha para o esquecimento. A meta 19, por exemplo, que visava a assegurar condições, no prazo de 2 (dois) anos, para a efetivação da gestão democrática da educação, ainda não foi alcançada. A Conjuntura atual, com a aprovação da PEC 241, conhecida como “PEC da morte” – por comprometer os direitos da classe trabalhadora brasileira –, que institui um novo regime fiscal no Brasil para o prazo de 20 anos, iniciados em 2017, representa, portanto, a morte do PNE 2014-2024 ao congelar os recursos para a educação brasileira, básica e superior. Além da morte e do engavetamento do atual PNE, a PEC representa um retrocesso para todas as áreas sociais: educação, saúde, previdência social e assistência social.

Page 123: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

121  

  

mais uma política de governo que não busca dar continuidade às políticas de Estado32

estabelecidas por Lei, como no caso do PNE. O PDE se propõe a melhorar a qualidade da

educação brasileira em todos os níveis e modalidades, defendendo, em seu documento

normatizador, uma visão sistêmica da educação. Essa melhoria da qualidade dever ser um

compromisso de todos que fazem a educação, inclusive estados e municípios.

No que compete à educação básica, o PDE é operacionalizado pelo Decreto

6094/2007, o qual estabelece as formas pelas quais a União prestará apoio aos demais entes

federados que aderirem ao Plano e buscarem melhorar seus índices educacionais. Para tanto,

cada estado e município deverá elaborar seus respectivo Plano de Ações Articuladas (PAR).

Destarte, é no sentido de analisar o PAR enquanto política de planejamento e de gestão

educacional induzida pela União no contexto federativo brasileiro que as análises no próximo

capítulo serão guiadas.

A análise da trajetória do planejamento educacional no Brasil permite concluir que os

Planos elaborados, muitas vezes tendo como base um discurso inovador e transformador, não

lograram êxito nem sequer conseguiram se estabelecer como políticas de Estado, sucumbindo

às mudanças políticas e econômicas e à racionalidade predominante de cada contexto

histórico, como bem ressaltou Saviani (2013). Assim como o autor, espera-se que a política

educacional expressa por meio dos atuais e dos futuros planos educacionais, possa estar

fundada na racionalidade social, no atendimento efetivo às necessidades educacionais da

população como um todo e no uso adequado dos recursos para realizar o valor social da

educação.

3.4 GESTÃO DEMOCRÁTICA DA ESCOLA PÚBLICA  

Discutir a gestão da educação, quer seja da escola, quer do sistema educacional,

implica inicialmente considerar que essa gestão é um campo marcado por disputas entre

projetos distintos de sociedade, de homem e de educação, sendo sua prática constituída e

constituinte de relações sociais. Na perspectiva dos projetos de educação, destacam-se dois

                                                           32 Santos (2012) distingue os termos política de Estado e política de governo. Para o autor: “[...] enquanto uma política de governo refere-se a um plano, um programa ou uma ação desenvolvida para vigorar durante o período de um mandato governamental, uma política de Estado alude a um plano, uma ação ou um programa educacional com objetivos de longo prazo elaborado de modo a durar por um período de tempo que vai para além do exercício político de determinado partido (ou do representante deste) à frente de uma entidade do Estado (em nível municipal, estadual ou federal)” (SANTOS, 2012, p. 12).

Page 124: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

122  

  

projetos antagônicos: um deles concebe a educação como processo de apropriação da cultura

historicamente produzida com vistas à formação humana integral, física, social, cultural e

politicamente a fim de despertar a consciência crítica dos educandos, tendo em vista sua

inserção participativa na sociedade. Outro projeto seria aquele que, segundo Mészáros (2005),

concebe a educação como instrumento que possibilita os conhecimentos e o pessoal

necessário ao sistema capitalista de produção, que gera e transmite um quadro de valores que

legitima os interesses dominantes. Situar essas perspectivas é importante para se refletir

acerca do modelo de gestão educacional e escolar que se deseja adotar bem como sob qual

projeto de sociedade a gestão estará fundamentada.

Paro (2010) argumenta que uma gestão escolar constituída para atender ao sistema

capitalista de produção, tendo como parâmetro sua administração, mostra-se incompatível

com uma proposta de articulação da escola com os interesses da classe trabalhadora. Assim,

compreende-se que a escola que tem como objetivo a formação integral dos alunos visando a

sua inserção ativa na sociedade, socializando os conhecimentos historicamente produzidos,

precisa estar baseada em um modelo de gestão que se fundamente em outros valores e

princípios diferentes do modelo de gestão empresarial, cujo objetivo é gerar lucro para o

capital.

Historicamente, contudo, a administração escolar teve seus fundamentos na

administração científica do trabalho, tendo como algumas de suas características a

burocratização dos processos, o rígido controle pelo administrador, a verticalização da tomada

de decisões. Seus princípios foram transportados para a administração escolar, na ausência de

um corpo teórico próprio para a educação, o que ocasionou uma visão meramente técnica da

administração da educação, ficando à parte fatores políticos e sociais, intrínsecos a práxis

educativa, além de princípios próprios que lançassem luz sobre as finalidades específicas

dessa área. Essa perspectiva de gestão, convencionalmente chamada de burocrática, foi

predominante no cenário educacional até as últimas décadas do século XX.

Na contrapartida do modelo burocrático, vem se desenvolvendo a gestão democrática.

Oliveira (2004) destaca que a discussão sobre essa não é nova e, embora se encontre muito

distante de ser equacionada, apresenta-se como uma demanda crescente na constituição da

esfera púbica nacional desde os primórdios do século XX, tendo sido os anos 1970 aqueles

que inauguraram conquistas em torno da temática. No caso brasileiro, a construção e a

consolidação da gestão democrática têm sido uma bandeira constantemente defendida por

diversos segmentos da sociedade, notadamente dos trabalhadores em educação. As primeiras

discussões acerca da democratização da gestão remontam aos pioneiros da educação nova, em

Page 125: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

123  

  

1932, e são retomadas nos anos 1950 com os movimentos de educação popular. A partir da

década de 1970 e nos anos 1980, com o processo de redemocratização do país, acentuaram-se

os debates acerca da participação da sociedade na organização política e da democratização da

sociedade bem como acerca do direito à educação para todos. Para Lima (2004), os aspectos

que marcam a concepção de democratização da gestão nesse último período estão ligados à:

[...] perspectiva de redemocratização do Estado brasileiro que, ao início daquela década, viu instituída a abertura política, a distinção do regime autoritário, após a derrocada do modelo econômico, que se somou ao conclamo popular organizado em defesa de eleições diretas e de formas de participação da sociedade civil organizada no controle dos governos, ou seja, a democratização em seus aspectos sociais, políticos e econômicos (LIMA, 2004, p. 17).

Nesse contexto, defendeu-se o estabelecimento de mecanismos e de instrumentos que

pudessem construir uma cultura democrático-participativa no país em oposição ao modelo

ditatorial e autoritário de governo. Assim, cresceram as manifestações dos educadores em

defesa da democratização da gestão do público e de maior espaço para a participação da

comunidade escolar em sua gestão. A gestão democrática no Brasil, portanto, é resultado de

um movimento que se desenvolve ao longo do século XX e que tem no final desse século as

condições históricas propícias ao seu desenvolvimento.

Para Lima (2004), o vislumbre dos governos populares na década de 1980 trouxe para

as organizações educativas os preceitos presentes nas políticas descentralizadoras,

participativas e de autonomia, entretanto, esse postulado esbarrou em diversos entraves, não

se consubstanciando em práticas de relação democráticas entre os sujeitos e a consequente

democratização das organizações escolares. Ainda para o autor, nos anos 1990, tal perspectiva

de democratização com base no controle social e na participação ativa foi rompida e de um

conceito de “democratização política”, passou-se a uma “democratização mercadológica”,

vinculada à cidadania controlada, à participação instrumental e à competitividade individual.

Assim, é preciso ressaltar que a construção da gestão democrática não se faz

linearmente, sendo constituída por avanços, mas também recuos que se vinculam ao contexto

político-social do país. Melo (2004, p. 243) destaca que “No processo histórico de

organização e reorganização da sociedade brasileira, as relações de poder dão o tom do

avanço ou do retrocesso da democratização da gestão educacional”.

Em adição, Dourado (1998) evidencia a importância da gestão democrática da

educação na condição de instrumento de democratização das relações e de aprendizado

Page 126: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

124  

  

político e social permanente, cujos resultados podem vir a transcender os muros da escola,

intervindo na estrutura das relações de poder da sociedade brasileira. Assim, a define como:

[...] processo de aprendizado e de luta política que não se circunscreve aos limites da prática educativa mas vislumbra, nas especificidades dessa prática social e de sua relativa autonomia, a possibilidade de criação de canais de efetiva participação e de aprendizado do "jogo" democrático e, consequentemente, do repensar das estruturas de poder autoritário que permeiam as relações sociais e, no seio dessas, as práticas educativas (DOURADO, 1998, p. 79).

Tal processo, no entanto, ainda é permeado por muitos obstáculos os quais tornam a

gestão democrática da educação brasileira uma utopia, conforme afirma Paro (2008). Para o

autor, no entanto, a utopia nesse caso não se refere a algo que não exista e que não possa vir a

existir, mas, sim, a algo desejável e que pode vir a concretizar-se, cuja tarefa deve consistir,

incialmente: “[...] em tomar consciência das condições concretas, ou das contradições

concretas, que apontam para a viabilidade de um projeto de democratização das relações no

interior da escola” (PARO, 2008, p. 09). Um dos caminhos para a realização dessa utopia

seria, para o autor, a transformação do esquema de autoridade no interior da escola.

Quanto a isso, é preciso destacar que a estrutura social brasileira é profundamente

marcada pelo autoritarismo. Por isso, entende-se que a transformação da autoridade no

interior da escola não acontecerá de maneira isolada em relação às demais instituições da

sociedade, constituída historicamente pelo autoritarismo que se contrapõem diretamente à

democratização das relações sociais. Levando isso em conta, Chauí (2012) trata da

dificuldade de se instituir uma sociedade democrática no Brasil:

A sociedade brasileira é oligárquica e está polarizada entre a carência absoluta das camadas populares e o privilégio absoluto das camadas dominantes e dirigentes. A polarização entre a carência e o privilégio, expressão acabada da estrutura oligárquica, autoritária e violenta de nossa sociedade nos permitem avaliar o quanto tem sido difícil e complicado instituir uma sociedade democrática no Brasil e dar pleno sentido à cidadania (CHAUÍ, 2012, p. 161).

Conforme a autora, a carência da maioria da população restringe sua cidadania e, por

conseguinte, a democracia brasileira. Além disso, o poder do povo, significado do termo

democracia, é subsumido pelo privilégio de uma minoria dominante de modo que os três

grandes direitos que definiram a democracia desde sua origem – a igualdade, a liberdade e a

participação nas decisões – não conseguiram concretizar-se na frágil democracia brasileira.

Page 127: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

125  

  

Não obstante, essa fragilidade não é apenas brasileira, conforme argumenta Bóron

(2002). Para o autor, a democracia, sobretudo no continente latino-americano, possui uma

visão empobrecida e suicida dado que esse tema está associado apena ao sistema eleitoreiro.

Wood (2006) acrescenta que “As eleições transformaram-se no ‘todo’ – as eleições em que

cada indivíduo atua só, não unicamente em termos de privacidade, mas também em

isolamento com relação a todos os outros. Em tal circunstância, o voto individual substitui

qualquer tipo de poder coletivo” (WOOD, 2006, p. 389).

Santos e Avritzer (2005) convencionaram chamar de modelo hegemônico de

democracia aquele cuja principal característica é a democracia representativa limitada ao

direito ao voto. Esses autores apontam três limites da teoria democrática hegemônica: a

democracia como forma e não como substância; a forma como a burocracia e sua

indispensabilidade foi sendo trazida para o centro da teoria de democracia diante da

necessidade de controlar o processo de decisão política e econômica por meio da burocracia; e

a dificuldade de representar agendas e identidades especificas, como por exemplo o anseio

das minorias, como é afirmado pelos autores: Os grupos mais vulneráveis socialmente, os setores sociais menos favorecidos e as etnias minoritárias não conseguem que os seus interesses sejam representados no sistema político com a mesma facilidade dos setores majoritários ou economicamente mais prósperos. (SANTOS; AVRITZER, 2005, p. 54).

Ainda conforme esses autores, o estabelecimento de uma concepção hegemônica de

democracia foi consolidado pelas sociedades capitalistas, almejando estabilizar a tensão entre

capitalismo e democracia. Foram duas as vias escolhidas para essa estabilização: a prioridade

dada à acumulação do capital em detrimento da redistribuição social e a limitação da

participação cidadã, fosse individual ou coletiva, para não “sobrecarregar” o regime

democrático com o atendimento às demandas sociais e, assim, favorecer a acumulação de

capital (SANTOS; AVRITZER, 2005).

Wood (2006) destaca que a concepção hegemônica nada diz sobre a distribuição do

poder entre as classes, posto ser evidente seu interesse em manter o poder concentrado nas

mãos de uma pequena minoria. Por isso, destaca que essa concepção não se refere ao poder do

povo, atuando como soberano, mas, sim, à manutenção de seus direitos passivos e os cidadãos

despolitizados, uma vez que

Page 128: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

126  

  

[...] no melhor dos casos, aponta para a proteção de direitos individuais contra a ingerência do poder de outros. De tal modo, esta concepção de democracia focaliza meramente o poder político, abstraindo-o das relações sociais ao mesmo tempo em que apela a um tipo de cidadania passiva na qual o cidadão é efetivamente despolitizado (WOOD, 2006, p. 383).

Santos e Avritzer (2005) defendem uma concepção contra-hegemônica de democracia.

De acordo com essa postura, faz-se necessário recusar práticas que são caricaturas,

simplificações de democracia, bem como não aceitar como fatalidade a baixa intensidade

democrática imposta pelo modelo hegemônico à participação política dos cidadãos. Conforme

os autores, as experiências mais expressivas para modificar a democracia hegemônica têm

suas origens nos movimentos sociais ao questionarem as práticas sociais de exclusão

(SANTOS; AVRITZER, 2005). Os autores defendem, por conseguinte, uma combinação

entre elementos da democracia participativa e da democracia representativa, como

assembleias regionais, orçamentos participativos e conselhos de controle social.

Diante disso, é preciso questionar o discurso dominante, o qual argumenta que na

sociedade capitalista todos têm os mesmos direitos e oportunidades de participação política.

Tal ideologia reforça a crença de que a abertura de canais para a participação da população

seja suficiente para tornar uma sociedade democrática. Contudo, não se pode fazer vistas

grossas para o fato de que “[...] o modelo hegemônico de democracia tem sido hostil à

participação ativa dos cidadãos na vida política e, quando a tem aceitado, a tem confinado em

nível local” (SANTOS; AVRITZER, 2005, p. 73). Ou seja, algumas estratégias de

democratização, na verdade têm o objetivo de descentralizar do governo e passar à população

a responsabilidade por monitorar as políticas públicas em níveis locais, quando o ideal seria

que a população estivesse presente durante a formulação, a implementação, o monitoramento

e a avaliação para formulações de políticas nas áreas sociais. Logo, compreende-se que essa

participação minimalista33 do povo não condiz com uma concepção contra-hegemônica de

democracia, na qual não exista a dominação de uma minoria sobre a maioria e o povo possa

ser soberano.

Entretanto, a substituição do modo capitalista de produção e a consolidação da

democracia numa perspectiva contra-hegemônica não acontecerão de imediato, em que pesem

                                                           33 Essa perspectiva de participação e democratização relaciona-se com o ideário neoliberal e a gestão educacional e escolar gerencial dele emanada. Nesse caso, a educação é pensada sob a lógica do mercado e está centrada no produto final e nos resultados educacionais e não no processo; está focada na competitividade e na adequação à racionalidade econômica e mercadológica. É uma democratização mercadológica, com participação instrumental e que incentiva a competitividade entre os sujeitos, como afirma Lima (2004).

Page 129: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

127  

  

as dificuldades já apresentadas e haja vista que “[...] todos os processos participativos

profundos tendem a ser lentos” (DEMO, 2009, p. 19). Assim, é preciso ir buscando

alternativas que possam ir solidificando esse processo, sendo a administração da ação pública

um dos espaços a se democratizar.

No campo educacional, uma via possível é a gestão democrática da escola pública,

embora se compreenda que sozinha ela não transformará a sociedade. Dessa feita, retoma-se

Paro (2008) para afirmar que a gestão democrática da escola é uma utopia que pode vir a

tornar-se realidade. A participação da comunidade, considerando todos os seus segmentos –

pais, alunos, professores e demais servidores – nos processos decisórios, na escolha dos

dirigentes, na construção e na avaliação do projeto político-pedagógico e na organização do

trabalho pedagógico da escola pode ser um instrumento de fortalecimento desse modelo de

gestão que, embora esteja assegurada no arcabouço legal (Lei 9394/1996), ainda não se

efetivou no cotidiano das escolas. Diante dessa realidade, destaca-se a importância da criação

e da manutenção de mecanismos que favoreçam a participação da comunidade, que aliem

mecanismos de democracia representativa com mecanismos de democracia participativa no

seio das escolas e dos municípios, tais como órgãos colegiados e assembleias, por exemplo.

Acerca da participação, é preciso compreendê-la, conforme Demo (2009, p. 18),

enquanto uma conquista em permanente processo, infindável: “Não existe participação

suficiente, nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo começa a

regredir”. O autor destaca ainda que esse processo não é natural e que há uma tendência

histórica à dominação o que dificulta a participação. Isso significa que ninguém nasce

sabendo participar e que instituir mecanismos de participação na gestão da escola tende a ser

um processo árduo que certamente encontra resistência da própria comunidade, mas que nem

por isso deve deixar de ser provocado.

Ao pesquisar sobre a participação popular na gestão escolar, Paro (2007) ressalta a

ressignificação desse conceito adotado nos conselhos escolares, órgãos colegiados de caráter

deliberativo que requerem participação de representantes dos diversos segmentos que compõe

a escola. Em seus estudos, o autor pôde concluir que os Conselhos estavam inoperantes,

mergulhados numa estrutura avessa à participação e ao exercício da cidadania. Nesses casos, a

institucionalização de Conselhos Escolares pode existir por mera exigência legal, sem,

contudo, contribuir efetivamente para o exercício do jogo democrático. Isto ocorre quando

esse órgão que tem poder deliberativo sobre as questões referentes ao cotidiano escolar

assume uma postura passiva frente às questões levantadas e passa a atuar apenas para

referendar decisões tomadas pela direção e/ou pelas secretarias de educação.

Page 130: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

128  

  

Paro ressalta ainda que, “[...] com relação às pessoas envolvidas no cotidiano escolar,

parece que as políticas educacionais têm passado à margem da opinião, da vontade e da

disposição daqueles de quem o ensino depende inquestionavelmente para ser realizado”

(PARO, 2007, p. 28). Ou seja, apesar de toda a descentralização preconizada para o campo

educacional e da importância dada à escola enquanto núcleo da gestão para a qual convergem

as ações, o planejamento da educação ou a formulação das políticas educacionais acontece em

outras esferas de decisão, seja nas secretarias ou no Ministério da Educação, não tendo, pois, a

efetiva participação de docentes nem da comunidade escolar em geral, o que compromete a

autonomia da escola.

A autonomia, portanto, é outro pilar da gestão democrática, assim como a

participação. A seu respeito, é preciso ressaltar que, no papel de instituição pública sujeita a

normas e a leis que transcendem seu espaço físico e vinculada a um sistema de ensino, a

escola jamais será absolutamente autônoma em suas decisões e, por isso, a autonomia escolar

será sempre relativa.

Ademais, a autonomia é um conceito que pode carregar significados distintos,

conforme argumenta Barroso (2002, p. 2):

[...] sob uma mesma designação (autonomia da escola), escondem-se diferentes realidades com significados, objetivos, modalidades de operacionalização e resultados diferentes. Convém lembrar, contudo, que essas diferenças não são meramente semânticas nem resultam, unicamente, de modos de fazer distintos. Elas radicam em opções políticas diversas e o seu significado só pode ser percebido tendo em conta, por um lado, um conjunto mais vasto de transformações dos modos de governar a educação e, por outro, a especificidade dos contextos econômicos, sociais e históricos em que ocorrem.

Nesse sentido, as reformas educacionais neoliberais têm impulsionado uma

perspectiva de autonomia que se correlaciona mais com distribuição de competências do que

com o exercício de poder por parte da comunidade escolar. Para Cabral Neto e Sousa (2008)

no contexto brasileiro do Estado neoliberal, a autonomia escolar ficou restrita a alguns

aspectos de descentralização administrativa e financeira. Tem sido transferida para a escola a

responsabilidade pela execução das ações e das políticas quando a instituição, muitas vezes,

não tem autonomia para aderir ou não às propostas que chegam ou mesmo interferir no seu

desenho.

Outro pilar da gestão democrática que deve ser levado em conta é a descentralização, a

qual é entendida como um processo de divisão de poder entre os sujeitos que compõem a

Page 131: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

129  

  

comunidade escolar, ampliando a autonomia da escola, democratizando a gestão e as relações

sociais no seio desta. Viriato (2004), afirma que embora a descentralização venha sendo

utilizada ao longo da história educacional como estratégia política para resolver os males

educacionais, essa categoria não tem obtido o êxito esperado. Para a autora, os entraves em

torno da descentralização são complexos tendo em vista que descentralizar significa tirar o

poder do centro e transferi-lo para o poder local, assegurando assim, a eficácia deste. Tal

ação, segundo Viriato (2004), exigiria por parte do Estado e da sociedade civil organizada

comprometimento político e técnico com os preceitos que envolvem o processo de

transformação da sociedade.

A descentralização, por outro lado, é uma das dimensões da reforma do Estado

brasileiro nos anos 1990, que visava à transferência de encargos e de responsabilidades para

os subníveis de governo e para a o setor público não-estatal. No setor educacional, a

descentralização para os sistemas e unidades escolares foi elencada como estratégia para a

modernização da gestão, enxugando os gastos. Assim, o processo de construção desse pilar

tem sido marcado por um movimento contraditório que, por um lado, caracteriza-se mais pela

desconcentração de responsabilidades e pela cobrança pelos resultados alcançados sem a

correspondente divisão de poder para as tomadas de decisões e, por outro, também é

fortemente marcada pelas tentativas crescentes de democratização dos espaços de decisão e de

controle social com participação da comunidade escolar.

Assim, observa-se que a escola tem assumido novas responsabilidades sem os devidos

recursos necessários, quer sejam humanos quer sejam materiais ou, principalmente,

financeiros. É necessário destacar que não se pode tratar de gestão democrática, de

participação, de autonomia e de descentralização sem tratar da precariedade no financiamento

da educação brasileira, o qual não contempla as necessidades e as demandas das escolas

públicas. Como destaca Paro: [...] o problema da escola pública no país não é, na verdade, o

da administração de recursos, mas o da falta de recursos (PARO, 2008, p. 11).

Acerca da gestão democrática, é necessário, ainda, destacar que a LDB 9394/1996

estabelece o princípio da gestão democrática para as escolas públicas em conformidade com a

Constituição Federal de 1988. A LDB trata do tema com superficialidade e coloca sob

responsabilidade dos sistemas de ensino o estabelecimento de normas que tratem sobre o

desenvolvimento desse modelo de gestão. Mesmo assim, a Lei traz avanços para o campo da

gestão educacional ao estabelecer em seu Artigo 12º., por exemplo, que os estabelecimentos

de ensino terão a incumbência de elaborar e de executar suas propostas pedagógicas, de

administrar seu pessoal e também recursos materiais e financeiros. O Art. 13º incumbe os

Page 132: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

130  

  

docentes de participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino e

de colaborar com a articulação da escola com as famílias e a comunidade. Em seu 14º Artigo,

institui a participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico das

escolas, bem como a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou

equivalentes. Já em seu Artigo 15º, assegura às unidades escolares públicas de Educação

Básica graus progressivos de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira.

Acerca da autonomia, é preciso destacar que esse conceito denota graus de

relatividade, de modo que, na escola, a autonomia pedagógica, administrativa ou financeira

nunca será absoluta, mas, sim, relativa. A escola pública não tem autonomia administrativa,

por exemplo, para contratar ou demitir professor. Em seu planejamento, não pode prescindir

do plano municipal ou estadual e conduzir seu trabalho à revelia de um plano mais amplo. No

entanto, a autonomia relativa e processual tende a fortalecer a democratização da gestão no

instante em que os sujeitos se veem parte desse processo de construção coletiva da escola.

A LDB 9394/1996, no entanto, está situada em um contexto global de reformas

educacionais que têm defendido os eixos da participação, da autonomia e da descentralização

como meios para tornar as escolas mais flexíveis e autônomas, estando fundamentadas na

transferência de responsabilidades para a escola, para os profissionais da educação e no

aumento da participação da comunidade escolar na sua gestão e financiamento. Nesse sentido,

a gestão escolar pode vir a trilhar um percurso rumo à eficácia e à eficiência gerencial.

Observa-se, então, uma ressignificação de conceitos, os quais têm seu sentido político

modificado. Assim:

Autonomia é concebida como consentimento para construir, no setor público, uma cultura de empresa. A descentralização metamorfoseia-se na medida em que deixa de ser o mecanismo fundante da gestão democrática para se reconfigurar em um crescente processo de desconcentração de funções e de responsabilidades, e não do poder de decisão. A participação transforma-se em técnica de gestão que funciona, essencialmente como fator de coesão e consenso (CABRAL NETO, 2009, p. 201).

A participação, como se pode perceber, assume um caráter de regulação no instante

em que a comunidade é impulsionada a controlar e a regular as instituições escolares, ao

mesmo tempo em que assume responsabilidades perante essas instituições. Torna-se uma

participação controlada, considerando que, por vezes, não há transferência da tomada de

decisões nem de poder às instituições escolares, mas sim, apenas algumas competências e

recursos, tendo estes últimos sua utilização previamente determinada.

Dessa feita, é pertinente a argumentação de Castro (2016, p. 10) ao afirmar que:

Page 133: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

131  

  

Assim, se evidencia uma grande distância entre o que é promulgado na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases nº 9.394/96 que determinam uma gestão democrática da educação e os programas que são gestados pelo Ministério da Educação como forma de modernizar a gestão da escola e dos sistemas, permitindo o estabelecimento de modelo híbrido de gestão que não tem contribuído para a sistematização de uma prática democrática nas instituições escolares.

O hibridismo destacado por Castro (2016) em relação aos diferentes modelos de

gestão escolar e a ressignificação dos princípios basilares da gestão democrática apresentados

por Cabral Neto (2009) evidenciam que a gestão escolar tem sido um campo marcado pelo

embate entre concepções antagônicas de gestão, e, além disso, de educação e de sociedade.

Pode vir, portanto, a contribuir tanto para a apropriação da cultura historicamente produzida,

favorecendo a educação em uma perspectiva ampla de emancipação humana, quanto para

favorecer uma perspectiva limitada e instrumental da educação, com o objetivo de oferecer os

conhecimentos e o pessoal necessário ao sistema capitalista de produção.

O embate entre o modelo democrático e o gerencial precisa ser superado. Entende-se

que tal superação implica outras mudanças de ordem estrutural, para além de mudanças na

legislação específica, que estejam relacionadas ao exercício pleno da cidadania, como garantia

à alimentação, à habitação, à saúde, ao vestuário, ao lazer e à ampliação dos direitos sociais

que possam dar suporte a um projeto de educação que vise, para todos os sujeitos, sem

distinções de classe social, à apropriação da cultura historicamente produzida, tendo em vista

sua inserção participativa na sociedade.

Page 134: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

132  

  

4. O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS NO CONTEXTO DO PLANEJAMENTO E DA GESTÃO EDUCACIONAL

A gestão e o planejamento educacional apresentam as determinações sociais de seu

tempo histórico. Na atualidade esses elementos vêm sendo influenciados pela reorganização

dos Estados capitalistas, sobretudo a partir das modificações nos padrões de administração

pública vivenciados nas últimas décadas do século XX.

Esse capítulo se propõe a apresentar e discutir o Plano de Ações Articuladas (PAR)

enquanto política de planejamento e gestão dos sistemas de ensino, implementado nos

municípios, estados e Distrito Federal em colaboração com a União. Nesse sentido, é

necessário situá-lo no contexto do Plano de Desenvolvimento da Educação, Plano apresentado

pelo governo federal brasileiro em 2007, o qual é operacionalizado pelo Decreto 6094/2007, o

Decreto Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Em seu Art. 9, o Decreto institui

o PAR como instrumento para recebimento de assistência técnica e financeira da União aos

demais entes. Com esse Plano, o governo brasileiro espera concretizar o mandamento

constitucional que estabelece o regime de colaboração entre os níveis de governo quanto à

oferta de educação básica.

O Plano de Ações Articuladas está assentado na colaboração entre os entes federados,

na busca por um objetivo comum, qual seja, a melhoria da qualidade da educação básica em

todo o território nacional. Nesse sentido, o PAR se apresenta como uma possibilidade de

fortalecer o federalismo cooperativo preconizado na Constituição no campo educacional.

4.1 PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO E PLANO DE METAS

COMPROMISSO TODOS PELA EDUCAÇÃO: ORIGENS, BASES DE SUSTENTAÇÃO

E IMPLICAÇÕES NA GESTÃO EDUCACIONAL

O processo global de reestruturação do sistema capitalista de produção vem suscitando

modificações na organização dos sistemas educativos em diversos países. A educação passa a

ser compreendida nesse processo como condição para que os países possam competir entre si

no contexto de uma economia globalizada. Passa a ser considerada, portanto, um instrumento

que possibilitaria o crescimento econômico e social dos países, inserindo-os no mundo

Page 135: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

133  

  

globalizado, sendo o conhecimento tido como a chave do desenvolvimento econômico e

social dos Estados-nações. Nesse sentido, Oliveira, J. afirma:

Torna-se cada vez mais evidente que as transformações tecnológicas estão contribuindo para a constituição de uma sociedade marcada pela técnica, pela informação e pelo conhecimento. Desse modo, essa sociedade é caracterizada por um novo paradigma de produção e de desenvolvimento que tem como elemento básico a centralidade do conhecimento e da educação (OLIVEIRA, 2009, p. 239).

É preciso destacar, conforme salienta Corrêa (2003), que a relação entre educação e

globalização é extremamente complexa devido ao tensionamento global x local. Isso ocorre

tendo em vista a necessidade de atender as particularidades locais e a necessidade de

considerar as dimensões mais gerais das atuais políticas educacionais em nível global, em

suas convergências e divergências. Nesse sentido é preciso reconhecer a globalização dos

discursos ideológicos em âmbito internacional, os quais pretendem determinar as políticas

educacionais em nível nacional submetendo a educação ao econômico, transformando-a em

mercadoria.

Para atender a esses condicionamentos, uma série de reformas educacionais foi

implementada nos diversos países, sobretudo naqueles em vias de desenvolvimento, buscando

conformar seus sistemas educacionais ao novo paradigma produtivo, inserido na globalização

dos mercados e em novas formas de produção e consumo das mercadorias. Tais reformas

estiveram orientadas pelas diretrizes emanadas de organismos internacionais tais como o

Banco Mundial e CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas Para a América Latina),

cujos interesses estavam centrados na formação de capital humano para adequação dos países

aos padrões capitalistas de acumulação. No que se refere ao Banco Mundial, destaca-se sua

intervenção na definição das agendas educacionais dos países do Terceiro mundo,

endividados após a crise financeira das décadas de 1970 e 1980. Silva, Azzi e Bock (s/d, p.

06) destacam que “[...] a influência do Banco Mundial tem um impacto significativo nas

políticas educacionais, menos pelo investimento em projetos específicos e mais pela

influência nas grandes orientações das políticas públicas”.

No caso brasileiro, a influência do Banco Mundial pode ser observada com mais

ênfase nas reformas educacionais implementadas a partir da década de 1990, as quais

reiteraram novamente34 o discurso em defesa da centralidade da educação no âmbito dos

                                                           34 A centralidade da educação esteve presente no discurso oficial, no caso brasileiro, durante o Estado Novo (1930-1937) e durante as décadas de 1960 e 1970, influenciada pela Teoria do Capital Humano.

Page 136: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

134  

  

documentos e políticas educacionais. Cabe ressaltar que não se tratava da defesa de uma

educação de qualidade, gratuita e unitária para todos os educandos, mas sim de um modelo de

educação que promovesse a manutenção das bases de sustentação da configuração atual do

capitalismo, em consonância com os interesses dos organismos internacionais. Tais reformas

defendiam, entre outras bandeiras, a ênfase no ensino primário; melhoria da eficácia da

educação; ênfase nos aspectos administrativos; descentralização e autonomia das instituições

escolares e análise econômica como critério dominante na definição das políticas

educacionais (SILVA; AZZI; BOCK, s/d).

Os sucessivos governos que assumiram o Estado brasileiro desde então vem

mantendo os compromissos estabelecidos em âmbito internacional, buscando melhorar a

qualidade da educação básica, qualidade essa que possa ser medida tanto pela diminuição nos

índices de reprovação e evasão quanto nos resultados das avaliações externas realizadas nas

escolas.

Em conformidade com o direcionamento político defendido pelos organismos

internacionais, sobretudo aqueles delimitados pelo Banco Mundial, de acordo com Shiroma;

Garcia; Campos (2011), desde a década de 1990 que o empresariado brasileiro tem se

organizado, buscando a construção de uma agenda educacional que objetive produzir uma

nova sociabilidade mais adequada aos interesses privados do grande capital nacional e

internacional. Conforme essas autoras:

Na ótica dos empresários tratava-se, no entanto, não apenas de reformar a educação e a escola, buscando torná-la mais eficaz e adequada às novas demandas do capital, mas também de formar um “trabalhador de novo tipo”, com disposições subjetivas e atitudinais compatíveis com a chamada “sociedade do conhecimento” (SHIROMA; GARCIA; CAMPOS, 2011, p. 226).

Com esses objetivos, diversas iniciativas do empresariado brasileiro foram

desenvolvidas ao longo da década de 1990 e nos primeiros anos do século XXI, de modo a

apresentar propostas para adequação da educação pública aos interesses capitalistas35. No ano

de 2006, a partir de iniciativas já estabelecidas em anos anteriores, é criado o Todos Pela

Educação (TPE), movimento presidido por Jorge Gerdau Johannpeter, empresário brasileiro

presidente do Conselho de Administração da Gerdau, tendo como conselheiros outros

representantes do setor privado, bem como de bancos e terceiro setor. De acordo com Martins

(2008), o TPE foi criado por um grupo de intelectuais orgânicos do capital, os quais se                                                            35 Para maiores aprofundamentos, ver Shiroma; Garcia; Campos (2011).

Page 137: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

135  

  

reuniram para refletir sobre a realidade educacional brasileira na atual configuração do

capitalismo, cuja missão, de acordo com o próprio movimento, é mudar o quadro educacional

do país, principalmente no que se refere à qualidade da educação, comparada ao cenário

internacional36. De acordo com o site TPE: “O Todos Pela Educação é um movimento da

sociedade brasileira que tem como missão contribuir para que até 2022, ano do bicentenário

da Independência do Brasil, o País assegure a todas as crianças e jovens o direito a Educação

Básica de qualidade”37.

Já para os autores Haddad; Carvalho; Saraiva (2008, p. 16), o Movimento representa

um determinado segmento da sociedade brasileira e seus objetivos distinguem-se daqueles

proferidos em seu site:

O Compromisso Todos Pela Educação é uma organização da sociedade civil conduzida por um grupo de empreendedores e composta hegemonicamente por empresários e fundações empresariais. Este grupo, dotado de um importante peso político e econômico, reforçado por sua proximidade com as principais mídias do país, apresenta-se como um novo ator da sociedade civil de perfil mais conservador. A implicação dos setores empresariais sempre foi presente na defesa dos interesses privados na educação, no entanto, é crescente já há alguns anos na mobilização pela educação pública. Sua ação principal é a de trazer para o contexto da ação pública uma visão empresarial do sistema educativo onde a prioridade esteja colocada na gestão e na racionalidade dos recursos.

Observa-se o alinhamento do Movimento com a retórica neoliberal de submissão da

educação ao mercado e à economia, nos quais a ênfase na gestão e na racionalidade dos

recursos são caraterísticas essenciais.

O grupo estabeleceu cinco metas que a educação pública brasileira deverá alcançar até

2022: 1) Toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; 2) Toda criança plenamente

alfabetizada até os 8 anos; 3) Todo aluno com aprendizado adequado ao seu ano; 4) Todo

jovem de 19 anos com Ensino Médio concluído; 5) Investimento em Educação ampliado e

bem gerido. Nesse sentido, Martins (2008) chama atenção para o fato de que ainda que não

seja novidade a atuação do empresariado na educação brasileira, a criação de um organismo

específico para propor ações em defesa da escola pública e de qualidade para todos é um

                                                           36 Em 2012, o desempenho dos estudantes brasileiros no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) piorou em relação a 2009. Em leitura, o país ficou com a 55ª posição do ranking com 65 países, abaixo de países como Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia. Em ciências, o Brasil obteve o 59° lugar. Em matemática, o Brasil caiu para a 58ª posição. Disponível em <http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/12/03/pisa-desempenho-do-brasil-piora-em-leitura-e-empaca-em-ciencias.htm> acesso em 18 de jul de 2016. 37 <http://www.todospelaeducacao.org.br/quem-somos/o-tpe/> acesso em 01 de nov. de 2015. 

Page 138: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

136  

  

elemento novo em nossa história. Para tanto, o grupo conta com o apoio da inciativa privada,

do terceiro setor, da sociedade civil, intelectuais, universidades, sindicalistas, a grande mídia

brasileira e até do próprio governo federal. Contudo, a colaboração do movimento para

alcançar tais metas, tem acontecido mais no aspecto ideológico do que financeiro. A

contribuição do setor privado está mais relacionada à sua competência gerencial, enquanto

que os recursos financeiros continuariam provindos da esfera pública (SHIROMA; GARCIA;

CAMPOS, 2011).

O apoio do governo federal ao TPE é observado, entre outros fatores, no Plano de

Desenvolvimento da Educação (PDE), lançado em 2007 pelo então presidente Luíz Inácio

Lula da Silva e por seu ministro da educação à época, Fernando Haddad, o qual incorpora em

grande medida a agenda do movimento TPE.

O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi apresentado ao país em 15 de

março de 2007 e lançado oficialmente no dia 24 de abril do mesmo ano, como sendo uma

política de Estado e não de governo. O Plano tem como objetivo melhorar a qualidade da

educação brasileira, em todos os níveis e modalidades, com ênfase na educação básica.

Constitui-se, pois, e um conjunto de programas e medidas reunidas, previstas para todos os níveis de ensino e para diferentes necessidades institucionais, visando romper o que qualifica como falsas oposições entre educação fundamental e educação superior, entre educação fundamental e os outros níveis de ensino da educação básica, entre o ensino médio e a educação profissional, além de outras (NARDI; SCHNEIDER; DURLI, 2010, p. 553-554).

Conforme Krawczyc (2008), o MEC apresentou o PDE como expressão de uma

mudança essencial no papel do Estado brasileiro, fortalecendo ainda mais o seu papel

regulador. Para Barroso (2005), a regulação consiste em um modo de coordenação dos

sistemas educativos, compreendendo não só a produção de regras que orientam o

funcionamento do sistema, mas também o (re) ajustamento da diversidade de ações dos atores

em função dessas mesmas regras. Assim, com o PDE o Estado brasileiro teria maiores

possibilidades de regular os sistemas educacionais no sentido de estabelecer as “regras do

jogo”, as ações a serem desenvolvidas e as metas a serem alcançadas.

O PDE foi divulgado à sociedade como a reunião de diversos programas e ações

federais, alguns novos e outros já em funcionamento, tendo sido acrescentadas ao Plano,

novas ações desde sua criação, em 2007. A respeito da diversidade de programas ações, em

número de mais de 40, é possível inferir que estas se constituem como pontuais e

Page 139: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

137  

  

independentes umas das outras. Neste sentido, o PDE é classificado por Saviani (2007) como

um grande guarda-chuva da educação, tendo em vista que abriga praticamente todos os

programas que já estavam em desenvolvimento pelo MEC. Esta série de ações isoladas

também é criticada por Camini (2010a, p. 538-539), ao afirmar: “Apresentaram-se decretos,

resoluções, editais, programas, projetos e ações sem haver inicialmente articulações entre eles,

o que resultaria em um planejamento orgânico e bem dimensionado”.

Cabe ressaltar que mesmo com essa diversidade de ações, o Plano foi apresentado sem

que tivesse sido elaborado um documento base, um texto de referência que o fundamentasse,

por ocasião de seu lançamento. Nesse sentido, pode-se considerar o PDE como um plano de

metas e ações. Ghiraldelli Junior (2009, p.272) destaca que:

É estranho que o plano não tenha uma diretriz teórica explicita que, enfim, unifique os decretos e lhes dê uma consistência mínima em termos de política educacional e pedagogia. Isso, para um leitor que não possui o contexto, pode ser um sinal até mesmo de despreparo intelectual do MEC, o que pesa contra o texto do PDE, e pode prejudicar sua legitimidade e prestígio, que são essenciais para o seu êxito.

Cerca de um ano após seu lançamento, O Ministério da Educação (MEC) divulgou em

sua página na internet, um livro intitulado “O Plano de Desenvolvimento da Educação:

razões, princípios e programas”, o que pode corresponder a um texto base, divulgado

posteriormente. O texto apresenta o PDE, seus princípios, objetivos e ações que comporiam o

plano. A utilização da internet como meio de divulgação, inclusive para as ações, programas,

seus objetivos e valores investidos pelo MEC junto ao PDE, é considerada superficial e sem

fundamentação, semelhando-se a estratégias utilizadas pelo mercado, cujo objetivo é a

aceitação do “produto” sem problematização do processo de construção (CAMINI, 2009).

Outra particularidade acerca do PDE é que não houve consulta à sociedade, a

organizações de profissionais da educação, entidades científicas ou sindicais por ocasião de

seu planejamento. A respeito de sua elaboração, de acordo com Haddad, Carvalho e Saraiva

(2008), ao longo da elaboração do PDE, um dos poucos segmentos consultados pelo MEC foi

o movimento Compromisso Todos Pela Educação, inclusive adotando este nome para o

Decreto que operacionaliza o Plano. Freitas (2007, p. 14) faz o seguinte comentário a esse

respeito: “[...] o Ministério da Educação (MEC), ao eleger seus interlocutores válidos na

construção do plano atual, afasta outros interlocutores que há mais de duas décadas vêm

participando dos diferentes fóruns de definição das políticas, tanto em nível do próprio

Page 140: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

138  

  

Ministério, quanto da própria sociedade”. Ao privilegiar determinados interlocutores

vinculados ao setor privado, aos interesses do mercado e ao terceiro setor, os quais

participaram da elaboração do Plano e, por conseguinte, passaram a orientar as ações e dirigir

programas nas escolas de educação básica, o MEC deixa de lado segmentos do próprio

governo e da sociedade civil que historicamente tem lutado a favor de uma educação pública,

gratuita e de qualidade para todos. Essa, portanto, se caracteriza como uma das fragilidades do

plano: a ausência de diálogo e interlocução com a sociedade civil e entidades ligadas ao setor

educacional.

No mesmo ano em que foi lançado o PDE, fazendo parte de um mesmo programa de

ordenamento do Estado, foi lançado também o Programa de Aceleração do Crescimento -

PAC. Criado em 2007, no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2007-

2010), o PAC tem como objetivo promover a aceleração do crescimento econômico, o

aumento do emprego e a melhoria das condições de vida da população brasileira, por meio do

investimento em infraestrutura, estímulo ao crédito e ao financiamento, melhora do ambiente

de investimento, desoneração e aperfeiçoamento do sistema tributário e medidas fiscais de

longo prazo38. Assim, o PDE foi apresentado como o PAC da educação, por isso suas ações

deveriam se desenvolver de modo articulado ao segundo. Esta perspectiva pode denotar certa

orientação da educação ao desenvolvimento econômico, tendência que é criticada por Gadotti

(2008, p. 22-23): “[...] preocupa-me a associação entre o PDE e o Plano de Aceleração do

Crescimento (PAC). O PDE foi mesmo chamado de ‘PAC da educação’, fazendo uma

associação subordinada da educação ao crescimento econômico”. A referida subordinação,

contudo, não foi exclusividade do PDE, mas tem fundamento no discurso reformista

neoliberal o qual defende a educação como um instrumento para o desenvolvimento,

considerado apenas numa vertente econômica, das nações. Frigotto, Ciavatta e Ramos (2009)

destacam que ainda que exista uma relação entre educação e desenvolvimento, esta não é de

forma alguma linear e ilimitada embora esta seja uma visão que tenha se tornado senso

comum. Ainda para os autores:

Este senso comum, amplamente difundido pelos organismos internacionais, mormente pelo Banco Mundial (BIRD), Organização Mundial do Comércio (OMC), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), fortemente

                                                           38Disponível  em <http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/noticias/pac/070122_PAC_medidas_institucionais.pdf>. Acesso em: 06 de set. de 2013). 

Page 141: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

139  

  

apoiados pela grande imprensa, acaba incorporando nos governos e nas populações pobres dos países periféricos e semiperiféricos a ilusão do desenvolvimento. (FRIGOTTO; RAMOS; CIAVATTA, 2009, p. 05, grifo dos autores).

Possivelmente influenciado pela referida ilusão do desenvolvimento, por ocasião do

lançamento do PDE, o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu a relação

entre educação e desenvolvimento, afirmando, de acordo com Camini (2010, p. 536a) que o

PAC e o PDE são anéis de uma mesma corrente para a construção de um novo Brasil.

A relação entre os dois planos também está estabelecida no Plano Plurianual 2008-

2011, instrumento de planejamento e gestão estratégica do governo federal. O PPA 2008-

2011 estabeleceu para o desenvolvimento nacional a consecução de três agendas prioritárias:

a) Agenda Social; b) Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE); c) Programa de

Aceleração do Crescimento (PAC). De acordo com a mensagem presidencial enviada ao

Congresso nacional em 30 de agosto de 2007, por ocasião da aprovação do PPA pelo

Congresso, a consecução e integração dessas três agendas responderia ao desafio de acelerar o

crescimento econômico, promover a inclusão social e reduzir as desigualdades sociais

nacionais (BRASIL, 2007b).

O discurso presente nesse documento traz consigo uma concepção de educação

vinculada aos interesses econômicos. De acordo com Krawczyk, essa perspectiva reforça a

Teoria do Capital Humano no século XXI:

[...] a afirmação de que a educação deve ser o eixo estruturante da ação do Estado para que o país possa continuar se desenvolvendo é uma reviravolta dos velhos princípios da teoria do capital humano que inverte a relação entre educação e desigualdade social, colocando a responsabilidade sobre a primeira (KRAWCZYK, 2008, p. 814).

No PPA 2008-2011, a melhoria da qualidade da educação é elencada como um

objetivo estratégico sem o qual o projeto de desenvolvimento nacional em curso não se

viabilizaria. No documento, é apresentado o PDE como plano capaz de alcançar esse objetivo,

tendo, para tanto, quatro eixos de ação (BRASIL, 2007b, p. 17-18):

1. Educação Básica – tendo como objetivo prioritário a melhoria da qualidade da

educação básica pública medida pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(IDEB), enfrentando os problemas de rendimento, freqüência e permanência do aluno na

Page 142: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

140  

  

escola, a partir da mobilização social em torno do Programa Compromisso Todos pela

Educação. Inclui ações visando à melhoria da gestão escolar, da qualidade do ensino e do

fluxo escolar, valorização e qualificação de professores e profissionais da educação, inclusão

digital e apoio ao aluno e à escola;

2. Alfabetização e Educação Continuada e diversidade – tendo como objetivo

reduzir a taxa de analfabetismo e o número absoluto de analfabetos, com foco nos jovens e

adultos de 15 anos ou mais, com prioridade para os Municípios que apresentam taxa de

analfabetismo superior a 35%. O Programa Brasil Alfabetizado tem por meta atender 1,5

milhão de alfabetizandos por ano, assegurando a oportunidade de continuidade dos estudos

para os jovens e adultos acima de 15 anos de idade egressos das turmas de alfabetização de

adultos; também trata dos arranjos étnico-educacionais das comunidades;

3. Ensino Profissional e Tecnológico – com o objetivo principal de ampliar a rede

de ensino profissional e tecnológico do País, de modo que todos os Municípios tenham, pelo

menos, uma escola oferecendo educação profissional. A expansão da oferta da educação

profissional e tecnológica se dará prioritariamente em cidades-pólo respeitando as vocações

econômicas locais e regionais e reforçando a articulação da escola pública, em especial, o

ensino médio e a educação de jovens e adultos, com a educação profissional em todas as

modalidades e níveis;

4. Ensino Superior – com o objetivo de ampliar e democratizar o acesso ao ensino

superior no País e regulamentar sua avaliação. Algumas estratégias adotadas foram a

ampliação das vagas nas instituições federais de ensino superior e a oferta de bolsas do

Programa Universidade para Todos (Prouni), articulado ao Financiamento Estudantil (Fies).

Com a ação de apoio à Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) as

universidades deverão apresentar planos de expansão da oferta para atender à meta de dobrar

o número de alunos nas Instituições Federais de Ensino (IFES) no Brasil em 10 anos. O

Prouni será ampliado oferecendo 100 mil novas bolsas por ano e permitindo o financiamento

de 100% das bolsas parciais do Prouni por meio do Fies.

O PDE defende que os diferentes níveis e modalidades de ensino no Brasil estejam

articulados entre si, numa “[...] dependência mútua, evidente e positiva entre níveis

educacionais” (BRASIL, 2008c, p. 09). Contudo, para Saviani (2007), mesmo que o PDE

representasse um importante passo no enfrentamento do problema da qualidade da educação

pelo fato de pautar essa questão como meta da política educativa, em sua configuração atual,

Page 143: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

141  

  

o PDE não possuía garantia de êxito. Talvez essa afirmação se baseie no fato de que embora o

Plano defendesse uma visão sistêmica da educação, havia certa imprecisão quanto à

articulação entre os níveis e modalidades de ensino. Nesse sentido, o PDE não se constituiu

num Plano propriamente dito, mas sim num conjunto de ações.

O lançamento do PDE aconteceu de forma inesperada, assim como a falta de consulta

pública ou mesmo de um documento base, o que pode ser explicado pelo fato de Fernando

Haddad ser o terceiro ministro da educação durante o primeiro governo do presidente Luiz

Inácio Lula da Silva (2003-2006), e que este corria o risco de ser substituído e não

permanecer no segundo mandato (2007-2010), conforme explicitado por Gadotti (2008).

Neste sentido, para atender a uma solicitação direta do então presidente de dar prioridade à

educação, área que ganhou força na campanha eleitoral de 2006 tanto pela força do discurso

econômico que elencava a educação enquanto elemento promotor da competitividade

econômica entre as nações quanto pela pressão popular em torno da melhoria da qualidade da

educação, o ministro coordenou pessoalmente a elaboração do PDE. Gadotti (2008, p. 22),

comenta que “Haddad estava mais preocupado em apresentar um conjunto de metas

emergenciais do que um plano geral abstrato e inexequível. Tomou para si o ‘PAC’ da

educação (uma infeliz associação com o Plano de Aceleração do Crescimento)”.

Diante do exposto, ficam explicitados alguns dos motivos que levaram à elaboração do

PDE. Observa-se que não se trata apenas de um movimento linear, de uma força motriz, mas

de interesses e perspectivas antagônicas que reivindicavam uma ação mais consistente do

governo Luiz Inácio Lula da Silva para o campo educacional em seu segundo mandato (2007-

2011). Os compromissos assumidos perante os organismos internacionais, a influência do

empresariado brasileiro, a necessidade de dar à sociedade civil uma resposta quanto aos

problemas educacionais brasileiros na tentativa de convencê-la a reeleger o presidente Lula,

foram algumas das forças (umas com maior peso que outras) que influenciaram na criação do

Plano. Nesse sentido, Voss (2011, p.45) comenta:

As reformas nas políticas educacionais brasileiras não são apenas a expressão de acordos nacionais e internacionais. As reformas vêm sendo negociadas num contexto de profundos embates políticos, onde diversas forças sociais, como sindicatos, associações docentes e discentes, intelectuais e outros movimentos sociais, lutam para conquistar direitos sociais mais plenos e democráticos.

Page 144: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

142  

  

Outro aspecto do PDE que merece ser ressaltado, diz respeito aos seus seis pilares de

sustentação, conforme apresentado no documento do Plano: visão sistêmica da educação,

territorialidade, desenvolvimento, regime de colaboração, responsabilização e mobilização

social. O primeiro é defendido como uma possibilidade de integração de todos os níveis da

educação brasileira, uma vez que as ações orientadas para determinados níveis repercutirão

nos demais. O documento do Plano faz uma crítica às chamadas falsas oposições que

predominaram no contexto educacional brasileiro e apresenta o PDE como uma forma de

superar essa oposição:

Diferentemente da visão sistêmica que pauta o PDE, predominou no Brasil, até muito recentemente, uma visão fragmentada da educação, como se níveis, etapas e modalidades não fossem momentos de um processo, cada qual com objetivo particular, integrados numa unidade geral; como se não fossem elos de uma cadeia que deveriam se reforçar mutuamente (BRASIL, 2008c, p. 06).

Para Masson (2012), a visão sistêmica que embasa o PDE foi proposta tomando como

base a teoria geral dos sistemas do biólogo Von Bertalanffy que procurou introduzir, no

campo das ciências sociais, conceitos da física, da biologia e da cibernética, demonstrando

uma tendência de integração das ciências naturais e sociais. De acordo com Saviani, nessa

teoria:

[...] o enfoque sistêmico é um conceito epistemológico que está referido a uma determinada maneira de analisar os fenômenos, mais especificamente, ao método estrutural-funcionalista. Portanto, quando aplicado à educação, o referido enfoque diz respeito a um dos possíveis modos de se analisar o fenômeno educativo. Em contrapartida, a noção de sistema educacional tem caráter ontológico, pois se refere ao modo como o próprio fenômeno educativo é (ou deve ser) organizado (SAVIANI, 2008, p. 17).

Assim, na percepção do autor, o enfoque sistêmico proposto no documento do PDE

não seria capaz de superar as dicotomias presentes na educação brasileira, haja vista derivar

de uma concepção que tende a perpetuar a forma de sociedade existente.

Outro pilar de sustentação do Plano diz respeito à territorialidade, sob a justificativa

que: “O enlace entre educação e ordenação territorial é essencial na medida em que é no

Page 145: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

143  

  

território que as clivagens culturais e sociais, dadas pela geografia e pela história, se

estabelecem e se reproduzem” (BRASIL, 2008c, p. 05). Dessa forma, o documento apresenta

como a razão de ser do PDE a superação das desigualdades de oportunidades educacionais no

vasto território brasileiro. Essa perspectiva estabelece como únicas causas das desigualdades

que marcam nosso território as clivagens culturais e sociais que procedem da geografia e da

história. Deixa de lado fatores políticos e econômicos que historicamente beneficiam a classe

dominante, reforçando e aumentando as referidas desigualdades, como esclarece Masson

(2012, p. 172): “A consideração de que as clivagens culturais e sociais derivam da geografia e

da história é uma abstração mistificadora. O antagonismo estrutural entre capital e trabalho

como gerador das desigualdades sociais sequer é mencionado no plano”.

Além disso, de acordo com o documento, o PDE pretende responder ao desafio de

enfrentar a desigualdade de oportunidades educacionais através de um acoplamento entre as

dimensões educacional e territorial operado pelo conceito de arranjo educativo. Os arranjos

educativos estão relacionados aos arranjos de desenvolvimento da educação, os quais

objetivam promover o regime de colaboração numa perspectiva horizontal. A fim de

regulamentar os arranjos de desenvolvimento da educação, foi aprovado o Parecer do CNE

no. 09, de 30 de agosto de 2011, o qual tem por objetivo “[...] analisar proposta de

fortalecimento e implementação do regime de colaboração entre entes federados, basicamente

entre Municípios, numa espécie de colaboração horizontal, mediante arranjos de

desenvolvimento da educação” (BRASIL, 2011) e posteriormente a Resolução no. 01, de 23

de janeiro de 2012, a qual “Dispõe sobre a implementação do regime de colaboração mediante

Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE), como instrumento de gestão pública para a

melhoria da qualidade social da educação” (BRASIL, 2012, p. 01).

De acordo com o Art. 2º. da resolução 01/2012, “O ADE é uma forma de colaboração

territorial basicamente horizontal, instituída entre entes federados, visando assegurar o direito

à educação de qualidade e ao seu desenvolvimento territorial e geopolítico” (BRASIL, 2012).

Assim, os ADEs buscam o trabalho em conjunto dos municípios na condução das políticas

educativas por meio do trabalho em rede, na troca de experiências com municípios da mesma

região e com similitudes quanto ao desenvolvimento econômico e social. Poderiam, portanto,

ser um instrumento de fortalecimento do regime de colaboração, numa perspectiva horizontal

das relações intergovernamentais.

Page 146: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

144  

  

Argollo e Motta (2015) afirmam que os ADEs tendem a suprimir a responsabilização

compartilhada dos entes federados com o desenvolvimento da educação básica, ao aprofundar

o processo de municipalização do ensino fundamental sem alterar, qualitativamente, a política

de financiamento por parte da União, como também dos estados. Além disso, o parágrafo

primeiro do Art. 2º da resolução 01/2012, estabelece que a colaboração dentro dos Arranjos

de Desenvolvimento da Educação poderá contar com organizações privadas e não

governamentais mediante convênios ou termos de cooperação. O envolvimento de empresas

privadas nos ADEs é mais um instrumento de reforço da reforma da educação que tende a

adequar a educação à agenda empresarial e aos interesses do capital.

De acordo com Araújo (2012), os ADEs originam-se no Movimento Todos pela

Educação, sendo que os primeiros ADEs foram operacionalizados pelo TPE em 2009, na

região do Recôncavo Baiano, com apoio do Instituto Votorantim, e na linha férrea de Carajás

(MA), com o apoio da Fundação Vale. Na perspectiva do movimento, a lógica mercadológica

tende a se sobrepor à formação integral dos educandos, defendida pelos movimentos sociais.

Nesse caso, tal perspectiva pode vir a instituir mais responsabilidade aos municípios, sem o

devido apoio dos demais entes da federação, gerando até competição entre entes do mesmo

nível. Araújo (2012) conclui em seu estudo que os ADEs, potencializam, em vez de

resolverem, os conflitos federativos, ao desconsiderarem o caráter predatório da história da

federação brasileira. Além disso, para a autora os ADEs acirram as disparidades regionais,

além de não se constituírem mecanismos legítimos para a regulamentação do regime de

colaboração. Ao contrário, sem o devido apoio, sobretudo financeiro, dos demais entes

federados e mediante convênios com as organizações privadas e não-governamentais, os

ADEs podem constituir-se em instrumentos de legitimação da desregulamentação do regime

de colaboração.

No que concerne ao desenvolvimento, terceiro pilar do PDE, é reforçada no

documento a articulação entre educação e desenvolvimento, sobretudo na perspectiva

econômica. Essa relação também está estabelecida no Plano Plurianual brasileiro 2007-2011,

o qual traz o PDE e o PAC como elementos para acelerar o desenvolvimento econômico,

promover a inclusão social e reduzir as desigualdades regionais. A seguinte citação do

documento afirma: “O enlace entre educação e desenvolvimento é essencial na medida em

que é por meio dele que se visualizam e se constituem as interfaces entre a educação como um

todo e as outras áreas de atuação do Estado” (BRASIL, 2008c, p. 05-06).

Page 147: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

145  

  

O regime de colaboração, instituído Art. 211 da CF é outro pilar do PDE: “Os

propósitos do PDE, dessa forma, tornam o regime de colaboração um imperativo inexorável”

(BRASIL, 2008c, p. 09). O Art. 211 da Constituição Federal institui para o campo

educacional o regime de colaboração entre os entes federados e determina como papel da

União a função redistributiva e supletiva no tocante à educação, de modo a garantir a

equalização de oportunidades e um padrão mínimo de qualidade mediante assistência técnica

e financeira deste ente aos estados e municípios. Nesse sentido, o regime de colaboração está

relacionado ao federalismo cooperativo e a um modelo de relações intergovernamentais

interdependentes cuja negociação entre as esferas do governo venha a implicar numa

mudança na qualidade da educação brasileira.

Passados quase vinte anos da aprovação da CF de 1988, o regime de colaboração não

foi eficiente em sua função de eliminar as desigualdades educacionais existentes em nosso

país. Sua fragilidade, segundo Abrucio, Franzene e Sano (2013, p. 155), “[...] deveu-se à falta

de um modelo intergovernamental que organizasse o processo de descentralização na área da

educação. [...] Não houve incentivos financeiros, gerenciais ou de democratização que

guiassem a relação entre os níveis de governo e sua necessária colaboração”. O PDE é

lançado na perspectiva de reverter essa situação, o que:

[...] implicou revisão da postura da União, que a partir do PDE assumiu maiores compromissos – inclusive financeiros – e colocou à disposição dos estados, do Distrito Federal e dos municípios instrumentos eficazes de avaliação e de implementação de políticas de melhoria da qualidade da educação, sobretudo da educação básica pública (BRASIL, 2008c, p. 11).

Nesse quesito cabe uma ressalva, a de que não houve garantiras de que o PDE traria

novos recursos financeiros ao campo educacional, suficientes para que o financiamento da

educação ocorresse a contento das reais necessidades. Como afirmam Farenzena e Marchand

(2013, p. 809), acerca da assistência financeira voluntária da União para o PDE/Plano de

Metas/PAR:

O montante de recursos da assistência voluntária é, pois, relativamente reduzido, não apenas como proporção do gasto total do MEC ou do gasto com educação básica. O valor é inexpressivo diante dos objetivos e metas do Plano de Metas/PAR, como também dos compromissos que a União assume

Page 148: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

146  

  

com o PAR. Dito de outro modo: considerando o número de entes que potencialmente podem receber recursos, como também o número de matrículas na educação básica pública, não existe compatibilidade entre o gasto com assistência voluntária e o que é projetado ou prometido pela União no Plano de Metas/PAR.

Além disso, o recebimento dos recursos da União via PDE só esteve acessível aos

demais entes da federação mediante a adesão ao Plano de Metas Compromisso Todos pela

Educação e ao compromisso de cumprir as metas já pré-estabelecidas pela União. Dessa

forma, o conceito de colaboração não se efetivou com o PDE, pois esse Plano se traduz mais

como coordenação do que como colaboração. Araújo (2010, p. 238) distingue os dois termos:

É preciso que se faça uma distinção entre coordenação e colaboração federativa, pois enquanto a primeira se constitui em procedimento que busca resultado comum a partir do governo central, apesar da autonomia dos entes federados, a colaboração federativa se traduz no modo de atribuições e exercício das competências concorrentes e comuns, devendo a tomada de decisões e o exercício das competências serem conjuntas e não isoladas.

Diante do atual cenário educacional brasileiro, o Plano pode vir a não se tornar um real

instrumento para efetivação do regime de colaboração entre os entes federados, sua gestão

evidencia contradições quanto à intervenção direta da União no que diz respeito à formulação

do Plano, ações desenvolvidas e estabelecimento de metas, por exemplo, os quais são

determinados por este ente sem a participação e discussão dos demais.

Os dois últimos pilares do PDE são responsabilização e mobilização social. Sua inter-

relação está explicitada da seguinte maneira:

Se a educação é definida, constitucionalmente, como direito de todos e dever do Estado e da família, exige-se considerar necessariamente a responsabilização, sobretudo da classe política, e a mobilização da sociedade como dimensões indispensáveis de um plano de desenvolvimento da educação. Com efeito, a sociedade somente se mobilizará em defesa da educação se a incorporar como valor social, o que exige transparência no tratamento das questões educacionais e no debate em torno das políticas de desenvolvimento da educação. Desse modo, a sociedade poderá acompanhar sua execução, propor ajustes e fiscalizar o cumprimento dos deveres do Estado (BRASIL, 2008c, p. 11).

Page 149: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

147  

  

Tais pilares fazem parte também dos fundamentos da Nova Gestão Pública e das

orientações gerencialistas, as quais foram adotadas nas políticas educacionais brasileiras ao

longo da reforma educacional dos anos 1990, de modo especial nos governos do presidente

Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), com continuidade no governo Luiz Inácio Lula da

Silva (2003-2010). A responsabilização é tida como mecanismo que propicia a melhoria do

desempenho governamental por meio do controle das ações realizadas, exercido em parte

pelos cidadãos, mobilizados em prol desse objetivo. Na educação, a responsabilização está

relacionada não apenas ao controle dos gestores públicos em relação à execução das políticas

educacionais, mas, também, à responsabilização dos profissionais da educação pelos

resultados obtidos pelos alunos, bem como pelo acompanhamento dos índices de aprovação,

reprovação e evasão.

É preciso atentar para os conceitos e sentidos da mobilização social requerido da

sociedade no PDE. Castro (2009) ressalta que as reformas que apontam para a redução da

atuação do Estado, principalmente no tocante à oferta de serviços públicos através dos quais

os indivíduos são impulsionados a controlar a qualidade destes, mascaram o ideário

neoliberal, tentando, por vezes, associar tais políticas à necessidade de “modernização” da

máquina pública estatal. A adoção do novo modelo de gestão pública, fundada no

“gerencialismo científico”, está, todavia, situada no ordenamento neoliberal com vistas ao

redimensionamento do papel do Estado e dos serviços públicos.

No mesmo dia de lançamento do PDE, foi promulgado o Decreto nº 6094 de 24 de

abril de 2007 que dispõe sobre o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação,

instrumento que operacionaliza o Plano. Conforme Saviani (2007), o Plano de Metas é

considerado o carro-chefe do PDE, tendo em vista que foi por meio dele que o governo

federal fixou as diretrizes que municípios, Distrito Federal, estados deverão seguir em seus

respectivos sistemas de ensino.

O Decreto estabelece que a União Federal em regime de colaboração com estados,

municípios e Distrito Federal, bem como com a participação das famílias e comunidades,

empreendam uma mobilização social buscando a melhoria da qualidade da educação básica.

Com este Decreto, evidencia-se a responsabilização de todos em alcançar padrões de

desempenho para as redes de ensino e instituições escolares compatíveis com os índices

alcançados pelos países desenvolvidos. O desafio de melhorar a qualidade da educação

brasileira passa a ser, então, um “Compromisso de Todos com a Educação”.

Page 150: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

148  

  

No entanto, é arriscado assumir o discurso de que alcançar uma educação de qualidade

socialmente referenciada depende do esforço de cada um, quando se sabe que os baixos

resultados não são apenas fruto da falta de compromisso dos indivíduos, sejam eles

educadores, alunos, pais ou gestores públicos. Desta maneira, corre-se o risco de limitar os

problemas educacionais, esquecendo que a precariedade da educação se justifica por um

direcionamento na política educacional, a qual, historicamente, não consolidou efetivas

políticas de Estado, bem como não estabeleceu financiamento adequado à resolução dos

problemas educacionais (CABRAL NETO, 2009).

Tal afirmação vai ao encontro de Oliveira (2009, p. 206), ao afirmar que:

Esse argumento recorrente é bastante retórico no sentido que insiste em um discurso que evoca práticas de envolvimento e responsabilização social – como se estivesse nas mãos de cada indivíduo, em particular, melhorar o mundo, melhorando a educação – quando se sabe que fatores estruturais intra e extraescolares são determinantes do baixo desempenho obtido nos exames de “medição” de qualidade.

Contudo, os entes federados foram convidados a aderirem à proposta do Plano de

metas, firmando o compromisso de melhorar a qualidade da educação por meio da assinatura

de um termo de adesão, estabelecendo parceria com a União, a qual mediante assinatura de

convênio prestaria assistência técnica e financeira aos estados e municípios. O Plano de

Metas, portanto, é uma política intergovernamental proposta pelo governo federal, mas que

implica em participação dos demais entes, mediante a adesão de seus respectivos poderes

executivos.

Tal adesão, apesar de voluntária, pode ser considerada como um instrumento de

subordinação dos estados, municípios e Distrito Federal à União, tendo em vista a

dependência destes em relação à distribuição de recursos financeiros, bem como à prestação

de assistência técnica da União. É importante destacar que as vinte e oito diretrizes

estabelecidas no Plano de Metas que objetivam a melhoria da qualidade da educação básica e

que estão relacionadas ao acesso e permanência dos alunos nas escolas, à organização do

trabalho pedagógico, à gestão das escolas e redes de ensino, à formação e carreira dos

profissionais da educação, à avaliação da aprendizagem, entre outras, foram determinadas

pela União, sem consulta aos demais entes da federação, que não atuaram na elaboração do

processo. Mesmo assim, Oliveira (2009) destaca que no ano de 2008, todos os 5.563

municípios brasileiros haviam aderido ao Compromisso.

Page 151: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

149  

  

Ao induzir políticas nacionais que envolvem as três esferas de governo no que se

refere às arenas de decisão, o governo federal está exercendo a coordenação federativa e

assim, fortalecendo o federalismo cooperativo. No entanto, o PDE caracteriza-se mais como

uma política federal, sendo um plano elaborado pela União, com abrangência em todo o

território nacional, mas cujo desenho da política resultou exclusivamente de decisões do

Executivo federal. Nesse sentido, Camini (2010a, p.540) afirma:

Na medida em que os municípios e estados aderirem ao Plano de Metas Compromisso com diretrizes e metas já estabelecidas (decreto n. 6.094/2007), assumindo a responsabilidade de implementá-las como condição de acesso à assistência técnica e financeira disponibilizada pelo Ministério de Educação, pode estar ocorrendo, simultaneamente, ingerência e permeabilidade político-administrativas de uma instância sobre a outra. Por meio das diretrizes estabelecidas e assumidas pelas instâncias estaduais e municipais, a união estaria exercendo influência no direcionamento de projetos e ações educacionais com o consentimento das mesmas, condicionadas, no entanto, pelos critérios de adesão estabelecidos.

A adesão à proposta estava condicionada ao alcance de metas estabelecidas pelo

governo federal por meio do Inep. Assim, para monitorar o desempenho educacional dos

entes e medir a evolução do rendimento escolar das redes de ensino e escolas, a União criou o

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – Ideb. De acordo com o Art. 3º do Decreto

6.094/2007 “A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB,

calculado e divulgado periodicamente pelo INEP [...] O IDEB será o indicador objetivo para a

verificação do cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso”

(BRASIL, 2007a).

O índice é elaborado e divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

Educacionais Anísio Teixeira – INEP, e mede o desempenho dos sistemas de ensino,

estabelecendo uma escala que vai de zero a dez, em três categorias distintas: séries iniciais do

ensino fundamental, séries finais do ensino fundamental e ensino médio. É calculado “[...] a

partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos,

constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB,

composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica - ANEB e a Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar (Prova Brasil)” (BRASIL, 2007a, p. 3).

Page 152: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

150  

  

Com os dados do Saeb de 2005, o Inep calculou o Ideb desse ano das escolas e redes

de ensino, estabelecendo as projeções a serem alcançadas para os próximos biênios, período

em que o índice é calculado, como é explicitado a seguir:

A partir da criação do IDEB, calculado por escola, por rede e para o próprio País, foi possível fixar metas de desenvolvimento educacional de médio prazo para cada uma dessas instâncias, com metas intermediárias de curto prazo que possibilitam visualização e acompanhamento da reforma qualitativa dos sistemas educacionais (BRASIL, 2008c, p. 20).

Em 2005, a média nacional do Ideb para as séries iniciais do ensino fundamental foi de

3,8, e em 2007 foi 4,2. A meta do MEC é que em 2022, ano que celebra os duzentos anos da

independência do Brasil, tenha sido superado a média 6,0 para esse nível de ensino, nota

considerada compatível com os países desenvolvidos.

É preciso destacar que a avaliação da educação em larga escala não é novidade no

cenário educacional brasileiro, estando situada no contexto da reforma do Estado e da reforma

educacional vivenciada ao final do século XX. A avaliação da educação mediante exames

teve início ao final da década de 1980 com a criação do SAEB, reestruturado na década de

1990, década em que também foram criados o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e o

Exame Nacional de Cursos (SILVA, 2011). As avaliações externas realizadas em larga escala

estão relacionadas aos princípios do gerencialismo para o campo educacional e buscam, por

meio da racionalidade técnica, monitorar a educação de modo que essa possa estar a serviço

da reestruturação capitalista. Buscam, portanto, alcançar uma educação eficiente e eficaz, cujo

padrão de qualidade atenda aos interesses do capital. Nesse sentido, Lima (2011, p. 131)

afirma: “O império da racionalidade econômica institui a procura de eficácia à escala

universal, dispensando a história, menosprezando a pergunta essencial – eficácia para quê,

segundo quem e em benefício de quem?”.

De acordo com Krawczyk (2008), a originalidade da avaliação em larga escala no

contexto do PDE/Plano de Metas diz respeito ao fato de que os planos não apenas prescrevem

recursos financeiros vinculados a um bom rendimento na avaliação, mas também oferecem

atendimento prioritário àqueles municípios com menores resultados, como pode ser observado

no documento do PDE:

O IDEB permite identificar as redes e as escolas públicas mais frágeis a partir de critérios objetivos e obriga a União a dar respostas imediatas para

Page 153: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

151  

  

os casos mais dramáticos ao organizar o repasse de transferências voluntárias com base em critérios substantivos, em substituição ao repasse com base em critérios subjetivos. (BRASIL, 2008c, p. 23).

O Ideb pode ser considerado um avanço, pois contribui para monitorar os resultados

dos sistemas de ensino, em que pesem os limites que este tipo de avaliação apresenta.

Conforme argumenta Oliveira (2007, p. 33): “A implementação de um indicador de ordem

geral por parte do Ministério da Educação representa uma contribuição significativa por

tornar o debate em torno dos resultados do processo educativo mais transparente e objetivo e,

portanto, passível de verificação”.

No entanto, o mesmo autor chama atenção para a necessidade de se ponderar este

índice como o indicador de qualidade da educação pois este considera apenas os resultados do

produto, podendo disseminar a ideia de que os processos educativos não são importantes.

Assim, ao valorizar a cultura dos resultados desconsiderando o processo, ou seja, com foco no

produto, não se questionam as condições em que se dá o processo – a aprendizagem. Logo, ao

considerar o Ideb como principal alternativa para avaliar a qualidade da educação pode-se

correr o risco de se desconsiderar que “[...] na escola, a garantia de um bom produto só pode

acontecer garantindo-se um bom processo” (CASTRO, 2009, p. 40). Nesse sentido, afirma-se

que o Ideb é resultado de um modelo de avaliação racionalista e tecnocrático, o qual segundo

Lima (2012), centra-se na crença de que aquilo que se mede é verdadeiro, correspondendo à

realidade objetiva e a dados puros. Dessa forma, o Ideb tende a desvalorizar tanto o processo

em que se dá a aprendizagem quanto aspectos do processo de ensino e aprendizagem difíceis

de contabilizar mas essenciais para uma aprendizagem significativa.

Aprofundando a discussão, Argollo; Motta (2015), afirmam que a utilização

compulsória de ferramentas de gestão, avaliação e monitoramento para induzir resultados,

coincide com a inserção de mecanismos de controle externo na administração das instituições

escolares, tais como o Ideb, por intermédio da supervalorização de indicadores educacionais

supostamente eficazes. Ainda para as autoras, duas consequências desse processo podem ser

evidenciadas:

i) indução de determinado modelo de gestão escolar e de administração das redes públicas de ensino nos princípios da meritocracia, competitividade e produtividade, que secundariza ou até mesmo suprime o direito de a comunidade escolar construir, autônoma e relativamente, o projeto político pedagógico das instituições de ensino; e ii) expropriação do conhecimento, intensificação e precarização do trabalho docente e responsabilização dos gestores (ARGOLLO; MOTTA, 2015, p. 46).

Page 154: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

152  

  

As conclusões sobre o PDE/Plano de Metas, evidenciam que é necessário reconhecer a

sua relevância, especialmente no que diz respeito ao seu objetivo principal, de melhorar a

qualidade da educação básica tendo em vista que as políticas empreendidas na área ao curso

das últimas décadas focalizaram suas ações na expansão da quantidade de atendimento.

Entretanto, os critérios de avalição utilizados para medir a qualidade da educação

precisam considerar outros aspectos além do Ideb, como por exemplo as condições de

trabalho nas quais se desenvolvem o processo de ensino-aprendizagem, a remuneração e

carreira dos profissionais da educação, formação inicial e continuada dos professores,

violência nas escolas, relação professor/aluno por turma. Além disso, é importante que a rede

de ensino e as escolas também possam se avaliar, como afirma Camini (2010a, p. 545): “[...]

parece mais adequado que os próprios sistemas de ensino e as próprias escolas estabeleçam

processos seguros de avaliação, tendo por base a sua própria realidade”. Assim, a junção

desses fatores podem contribuir para aperfeiçoar o processo e não apenas o produto final.

Outro aspecto que merece ser reconhecido é o fato de o MEC ter reconhecido as

desigualdades existentes na sociedade brasileira, de modo especial entre os diversos sistemas

municipais, estaduais e federal de ensino, o que pode ser observado a partir da fala do então

ministro da educação, Fernando Haddad: “A razão de ser do PDE está precisamente na

necessidade de enfrentar estruturalmente a desigualdade de oportunidades educacionais.

Reduzir desigualdades sociais e regionais, na educação, exige pensá-la no plano do País”

(HADDAD, 2008, p. 6).

Entretanto, enfrentar as desigualdades educacionais brasileiras implica em refletir

sobre as contradições e limites presentes na relação entre a União, Distrito Federal, estados e

municípios e considerar, na configuração atual do Federalismo brasileiro, a dificuldade de

regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados.

4.2 O PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS COMO ESTRATÉGIA DE PLANEJAMENTO

E GESTÃO EDUCACIONAL

O PAR é uma política educacional voltada para o planejamento e gestão das

secretarias de educação. Estas, em conjunto com as equipes do governo federal, identificam as

ações que deverão ser executadas tendo em vista a melhoria da qualidade da educação básica.

De acordo com o Art. 9º do Decreto 6.094/2007, o Plano se trata de um “[...] conjunto

Page 155: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

153  

  

articulado de ações, apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, que

visa o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes”

(BRASIL, 2007a, p. 03). O PAR é realizado plurianualmente com duração de quatro anos. A

primeira versão dos Planos nos municípios e estados foi elaborada para o período de 2007 a

2011. Em 2011 uma nova versão foi elaborada para o período de 2011 a 2014.

Em de 20 de junho de 2007, foi instituída pelo FNDE a Resolução/CD n.º 029, a qual

estabelece os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da

assistência financeira suplementar a projetos educacionais, no âmbito do Compromisso Todos

pela Educação, no exercício de 2007. De acordo com a Resolução, a assistência técnica e

financeira do MEC seria organizada considerando quatro eixos temáticos: Gestão

educacional; Formação de professores e profissionais de serviço e apoio escolar; Prática

pedagógica e avaliação e Infraestrutura física e recursos pedagógicos. Além disso, seria

implementada por meio de programas e ações de caráter suplementar, realizadas em regime

de colaboração com os entes da federação, sobretudo naqueles municípios elencados na

Resolução enquanto municípios prioritários, em razão do baixo resultado alcançado no Ideb

(BRASIL, 2007c). Ainda de acordo com a referida Resolução, o Plano de Ações Articuladas,

elaborado em regime de colaboração com dirigentes e técnicos dos entes da federação,

configurava-se a base para a celebração dos convênios de assistência financeira a projetos

educacionais pelo FNDE/MEC.

Em 20 de setembro de 2009, o FNDE institui a Resolução nº 47, alterando da

Resolução 029/2007. A resolução 047/2007 surge a partir da necessidade de prestar maior

detalhamento quanto à operacionalização da assistência financeira bem como da participação

dos Estados e Distrito Federal. Assim, esse instrumento inclui, em seu Art. 15, a necessidade

de comunicação aos Estados e o Distrito Federal sobre a programação das atividades que

resultarão na visita técnica nos municípios e, ainda, a possibilidade de solicitação por parte de

Estados e Distrito Federal, quando necessário, de consultoria técnica ao MEC para prestar

assistência na elaboração do Plano de Ações Articuladas (BRASIL, 2007d). Para Ferreira

(2014), a Resolução 047/2007 evidencia prováveis tensões ocorridas entre as ações do MEC e

os governos estaduais, especificamente o Conselho Nacional de Secretários de Educação –

Consed. A análise da primeira Resolução evidencia que as possibilidades de recebimento de

assistência técnica e financeira por parte do MEC estava direcionada apenas aos municípios.

Com a nova Resolução, os estados passaram não só a receber assistência como também

Page 156: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

154  

  

estariam atualizados acerca da presença do MEC nos municípios de seu território. A autora

ainda ressalta que:

A importância de destacar as alterações feitas na legislação está em observar como são complexas as negociações para a implantação de uma política educacional em um país de regime federativo do modelo do Brasil com variados núcleos de poder. A efetivação de um planejamento nacional depende de muitos acordos políticos e de comportamentos cooperativos alinhados no projeto do bem comum. Para tanto, é fundamental a participação das instâncias de poder em todo o processo de formulação, implantação e avaliação de um plano (FERREIRA, 2014, p. 610-611).

Em um federalismo tripartite como é o caso do brasileiro, é fundamental que as três

instâncias governamentais estejam presentes na formulação e implementação das políticas,

estando o poder decisório compartilhado entre elas, havendo, portanto, cooperação entre os

entes governamentais. Convém destacar que no caso da elaboração do PDE e do Plano de

Metas, essa participação na elaboração foi inexistente.

Para a elaboração do PAR, a normativa jurídica estabelece a prestação de assistência

técnica aos entes da federação, aderentes ao Plano de Metas para a elaboração: a) do

diagnóstico do contexto educacional; b) das ações a serem implementadas e os respectivos

resultados esperados; c) das metas a atingir para o desenvolvimento do Ideb. A elaboração de

um plano a ser firmado entre os entes da federação, com indicação de ações a cumprir e metas

a alcançar, relaciona-se com os preceitos da NGP, especificamente ao contrato de gestão, o

qual versa sobre um conjunto de metas e indicadores a alcançar. Conforme Araújo; Pinheiro

(2010, p. 657):

O contrato de gestão é o instrumento preconizado pela reforma do Estado para introduzir um conjunto de mudanças na forma de operar da administração pública, na medida em que se acordam indicadores de desempenho, prazos, preços, duração do contrato, formas de avaliação, responsabilidades, multas, critérios de renovação e outros. A lógica do contrato é uma lógica centrada no resultado a alcançar. Logo busca a eficácia das ações executadas dentro de um padrão de eficiência e de maior grau de autonomia para os prestadores de serviço. A contratualização é vista como uma alternativa para trazer mais racionalidade, eficiência e eficácia ao gasto público.

A partir dessa etapa, aconteceria a análise técnica do Plano por parte da Secretaria de

Educação Básica (SEB) do MEC e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

(FNDE). Caso, aprovado, seria gerado o Termo de Cooperação Técnica, firmado e assinado

pelo ministro da educação e pelo chefe do executivo local, constando as ações a serem

Page 157: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

155  

  

executadas bem como o comprometimento de ambas as partes de perseguirem as diretrizes

estabelecidas no Decreto 6094/2007, visando a melhoria da qualidade da educação,

mensurada pela elevação do Ideb (BRASIL, 2007a).

Para a construção do PAR é necessário que as equipes técnicas dos municípios e

estados, juntamente com o comitê local de acompanhamento do PAR39 e com o auxílio de

uma consultoria disponibilizada pelo MEC, elaborem um diagnóstico de sua situação

educacional. Assim, toda a equipe de elaboração deve analisar as informações acerca: dos

dados demográficos e educacionais; dos dados dos dirigentes locais; das questões pontuais

sobre as quatro dimensões do PAR, suas áreas e indicadores; entre outros aspectos. Conforme

Ferreira (2014), para elaboração do primeiro PAR (2007-2011) tal consultoria aconteceu

presencialmente durante dois dias e visou a elaboração do diagnóstico educacional e a

avaliação de cada indicador previsto. No entanto, o documento elaborado pelo MEC para

orientar a aplicação voluntária dos instrumentos disponibilizados40 aos municípios que

fizeram a adesão ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, recomenda mais

dias para essas etapas: “Sugere-se que o trabalho seja executado em quatro dias, sendo dois

dias para a realização do diagnóstico e dois dias para a elaboração do PAR” (BRASIL, 2008b,

p. 06). Mesmo com a redução nos dias in loco, Ferreira e Fonseca (2013) analisando os dados

de pesquisa realizada sobre o PAR em municípios brasileiros, destacam como fator positivo a

aproximação do MEC com as secretarias municipais, o que possibilitou maior interação entre

os entes da federação e gerou estímulo e segurança aos municípios em relação à execução dos

programas e planos federais.

Acerca do diagnóstico, destaca-se que essa tem sido uma ferramenta de gestão

utilizada como estratégia para a elaboração de ações e objetivos em diferentes instituições,

para conhecer sua realidade visando a tomada de decisões na busca por melhores resultados.

No campo educacional, entende-se que esse é um processo fundamental para se conhecer a

realidade escolar ou educacional da rede de ensino e sua realização compreende o estudo de

indicadores sociais, econômicos, educacionais, culturais. No caso do PAR, o documento que

orienta sua elaboração destaca que: “É fundamental lembrar que a realização do diagnóstico,                                                            39 Este Comitê deverá ser formado por: Dirigente Municipal de Educação; técnicos da secretaria municipal de educação; representante dos diretores de escola; representante dos professores da zona urbana; representante dos professores da zona rural; representante dos coordenadores ou supervisores escolares; representante do quadro técnico-administrativo das escolas; representante dos conselhos escolares; representante do Conselho Municipal de Educação (quando houver) (MEC, p. 6, s/d).

40 O referido documento volta-se apenas para questões técnico-operacionais de preenchimento do sistema. Não apresenta questões mais amplas acerca do planejamento educacional que expressem seu embasamento político e/ou filosófico ou concepção de educação que o fundamente para ser refletido junto a equipe local.

Page 158: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

156  

  

bem como a elaboração do PAR, é de caráter participativo e tem por objetivo promover uma

análise compartilhada da situação educacional na rede municipal” (BRASIL, 2008b, p. 02).

No entanto, o referido documento volta-se apenas para questões técnico-operacionais de

preenchimento do sistema, sem conduzir o grupo para uma reflexão coletiva acerca da

realidade municipal. Não apresenta questões mais amplas acerca do planejamento educacional

que expressem seu embasamento político e/ou filosófico ou concepção de educação que o

fundamente para ser refletido junto a equipe local. Compreende-se que sem pressupostos

políticos e pedagógicos expressos, o diagnóstico pode vir a se tornar um instrumento voltado

para alcançar o consenso do grupo, pautado por uma racionalidade técnica característica da

NGP.

No PAR, o diagnóstico é realizado considerando as suas quatro dimensões: gestão

educacional; formação de professores e de profissionais de serviços e apoio escolar; práticas

pedagógicas e avaliação; infraestrutura física e recursos pedagógicos. As dimensões referem-

se a agrupamentos de grandes traços ou características referentes aos aspectos de uma

instituição ou de um sistema, sobre os quais se emite juízo de valor e que, em seu conjunto,

expressam a totalidade da realidade local (MEC, s/d, p. 09). Por sua vez, as áreas são o

conjunto de características comuns usadas para agrupar, com coerência lógica, os indicadores.

Entretanto, não são objetos de avaliação e pontuação (MEC, s/d, p. 09). Já os indicadores

representam algum aspecto ou característica da realidade que se pretende avaliar. Expressam

algum aspecto da realidade a ser observada, medida, qualificada e analisada. Os indicadores

foram construídos a partir das diretrizes estabelecidas no Decreto 6.094 de 24 de abril de 2007

(MEC, s/d, p. 09). Para a elaboração e execução do PAR no período de 2007-2011 dentro das

quatro dimensões haviam quinze áreas e cinquenta e dois indicadores possíveis de gerarem

ações a serem executadas. No caso dos Planos para o período 2011-2014, houve uma

reformulação no instrumento, mantando-se as dimensões e áreas mas ampliando o número de

indicadores para oitenta e dois.

Dessa forma, a equipe técnica local juntamente com a assessoria do MEC avaliarão

cada indicador a partir da realidade local, atribuindo uma pontuação determinada, a fim de

verificar se as ações serão ou não geradas. Os critérios de pontuação variam de 1 a 4, sendo:

Quadro 02 – Pontuação das ações do PAR

Critério de pontuação

Descrição

Critério de pontuação 4

A descrição aponta para uma situação positiva, ou seja, para aquele indicador não serão necessárias ações

Page 159: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

157  

  

imediatas. Critério de

pontuação 3 A descrição aponta para uma situação satisfatória,

com mais aspectos positivos que negativos, ou seja, o Município desenvolve, parcialmente, ações que favorecem o desempenho do indicador.

Critério de pontuação 2

A descrição aponta para uma situação insuficiente, com mais aspectos negativos do que positivos; serão necessárias ações imediatas e estas, poderão contar com o apoio técnico e/ou financeiro do MEC.

Critério de pontuação 1

A descrição aponta para uma situação crítica, de forma que não existem aspectos positivos, apenas negativos ou inexistentes. Serão necessárias ações imediatas e estas, poderão contar com o apoio técnico e/ou financeiro do MEC

Fonte: Brasil (2008)

A pontuação estabelecida pela equipe deve resultar da realidade local com relação à

cada indicador, e a partir dessa avaliação, as possíveis ações serão geradas. Assim, o

diagnóstico, os dados da rede de ensino e a pontuação de cada indicador são lançados no

Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle – SIMEC, o qual gera as ações

que serão desenvolvidas por cada município ou estado bem como aquelas que contarão com

assistência técnica e financeira da União. Para a primeira versão do PAR (2007-2011) apenas

os indicadores com avaliação 1 ou 2 geravam ações. Na segunda versão do PAR (2011-2014),

entretanto, qualquer pontuação (1, 2, 3 ou 4) gerava ação.

Quanto à utilização do módulo PAR no Simec, é importante destacar que essa foi uma

ferramenta liberada apenas em 2009, “[...] após muitos atropelos e experiências desastrosas

das equipes do FNDE e MEC” (FERREIRA, 2014, p. 616). Dessa forma, entre 2007 e 2009, o

PAR foi elaborado manualmente e após a liberação do módulo, em 23 de julho de 2009, os

municípios puderam lançar aos dados do PAR no sistema, de modo que em fevereiro de 2010

o Simec apresentava 3.952 registros de preenchimento (FERREIRA, 2014).

Convém destacar que o Simec, enquanto plataforma eletrônica de monitoramento dos

dados, é considerado uma forma de governo eletrônico e está inserido nas orientações da

NGP, na perspectiva de novas formas de controle. O governo eletrônico, conforme Silva;

Carvalho (2014), se refere ao controle das informações por parte dos órgãos de governo, ao

desenvolvimento de ferramentas gerenciais informatizadas que possibilitam ao governo e aos

gestores públicos terem uma consistente base de dados eletrônicos.

Por meio do Simec, compreende-se como o controle do trabalho, um dos princípios da

administração taylorista no início do século XX, mantém-se atual um século depois, embora

Page 160: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

158  

  

assumindo novas formas. Conforme Lima (2012), a alta racionalização do trabalho também é

propiciada pelo uso da internet, cujas redes de transmissão de dados, embora consideradas

“líquidas”, flexíveis e adaptáveis, não são incompatíveis com várias dimensões da burocracia

racional mas, ao contrário, parecem intensificar algumas delas. Ainda para o autor,

Apesar de remeterem para uma execução descentralizada, as redes permitem modalidades potentes de decisão centralizada, de coordenação, monitorização e controle daquelas execuções, revelando uma tendência organizacional para a “centralização no topo” acompanhada da inversa tendência para uma “descentralização na base” (LIMA, 2012, p. 144).

Dessa forma, compreende-se que o governo eletrônico realizado por meio do Simec

intensifica o controle do trabalho nas secretarias de educação por parte do governo central,

ainda que, em conformidade com o regime político brasileiro, ambos os níveis de governo

sejam autônomos. Além disso, o controle exercido pela plataforma eletrônica tende a

favorecer práticas de desconcentração conforme destaca Lima (2012) e não de

descentralização.

Sobre as ações a serem executadas, cabe ressaltar que essas são padronizadas e pré-

determinadas de acordo com a pontuação recebida para cada indicador de cada dimensão. Ou

seja, pode ocorrer que em municípios de regiões distintas com realidades distintas sejam

elencadas as mesmas ações.

As ações podem ser executadas de diferentes maneiras: apenas sob responsabilidade

do município, podem contar com assistência técnica do MEC mas executada com

contrapartida do município e também podem contar com assistência financeira do MEC. O

quadro a seguir explicita os tipos de execução das ações do PAR:

Quadro 03: Tipos de execução das ações do PAR

Tipo de execução Descrição Pelo município Quando a secretaria municipal de educação é a

responsável pela implementação da subação, sem a participação do MEC

Assistência técnica do MEC Quando o MEC se compromete a oferecer um apoio técnico para a realização da subação, seja disponibilizando recursos materiais, seja disponibilizando vagas para formação. É preciso ficar atento para a contrapartida do município; por exemplo: o MEC oferece as vagas nos cursos da Rede de Formação e o material dos cursistas, mas a secretaria municipal de educação deve garantir a participação do professor assumindo o transporte, alimentação e hospedagem

Page 161: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

159  

  

quando o curso for fora do município Assistência financeira do MEC

Quando o Ministério transfere recursos financeiros para que a secretaria municipal de educação realize a subação.

Fonte: Brasil (2009)

Sobre as possibilidades de assistência da União, é necessário refletir sobre o

significado do ato de assistir, o qual diz respeito ao ato ou efeito de proteger, de amparar, de

auxiliar. Desse modo, considerando que os sistemas de ensino são autônomos, a assistência da

União se daria pelo cumprimento de suas funções supletiva e redistributiva de maneira efetiva

que pudesse contribuir para equalizar as discrepâncias educacionais brasileiras. Nesse sentido,

Farenzena (2012, p. 14), argumenta que:

Desse modo, o esperado da União, por meio da assistência, não é um mero apoio, ou qualquer apoio, mas apoios capazes de suplementar as capacidades estaduais e municipais, bem como oferecer recursos técnicos e financeiros que tenham poder e efeito redistributivo, com a baliza de oferecer garantias colocadas num patamar elevado: equidade e padrão de qualidade da educação. Esses dois últimos, do meu ponto de vista, são os parâmetros que podem ser levados em conta para avaliar o cumprimento ou não da responsabilidade da União no setor educacional.

Ainda de acordo com a autora, no que compete à assistência financeira, a análise da

trajetória mais recente da (re)distribuição dos gastos federais em educação básica evidencia

uma evolução positiva no montante de recursos mas ainda incapaz de efetivar os objetivos

traçados com as funções supletivas e redistributivas da União por meio da assistência prestada

aos governos subnacionais (FARENZENA, 2012). A partir de uma política pública como o

PAR, espera-se que a União possa atuar com mais ênfase no sentido de suprir com as

necessidades dos estados, Distrito Federal e municípios no tocante à oferta de educação básica

com qualidade referenciada à toda a população brasileira.

As transferências de recursos da União aos demais entes da federação para além

daqueles recursos estabelecidos na Constituição Federal podem ser denominadas, segundo

Souza (1997) de transferências negociadas, prática comum em diversos países, ela destina-se

a áreas menos desenvolvidas ou afetadas por eventos inesperados. O PAR pode ser

classificado nessa modalidade de transferência pois “[...] elas podem ser destinadas ao

encorajamento dos níveis subnacionais para adotarem determinadas políticas ou

implementarem certos serviços considerados prioridade nacional” (SOUZA, 1997, p. 135).

Page 162: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

160  

  

No cenário internacional, o Brasil vem buscando melhorar seus indicadores de

desempenho e para tanto é necessário o esforço em conjunto dos entes da federação. Em

alguns aspectos tem obtido melhorias, como é o caso do Índice de Desenvolvimento Humano

– IDH. Mas no caso da educação, o Brasil ainda apresenta resultados insatisfatórios. É de

conhecimento público que o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, o qual

estabelece o PAR, foi criado tendo como objetivo articular todos os níveis subnacionais de

governo, bem como a sociedade civil de modo geral, a alcançarem a melhoria da qualidade da

educação em todo território brasileiro, tendo como parâmetro de medida, o Ideb, instrumento

criado pelo governo federal. A melhoria da qualidade da educação tem sido um compromisso

assumido pelo governo brasileiro em um cenário internacional em que a educação é ressaltada

como um fator de desenvolvimento econômico. Some-se a isso, os baixos resultados

apresentados nas avaliações internacionais, tais como o Pisa (Programa Internacional de

Avaliação de Estudantes). Nesse sentido, considera-se que a assistência financeira obtida via

PAR pode ser considerada uma transferência negociada que tem como objetivo o alcance do

Ideb estipulado pelo governo central.

Após aprovado e assinado os Termos de Compromisso e de Cooperação Técnica, a

execução das ações deverão ser monitoradas pela equipe técnica local, a qual colaborou para a

elaboração do PAR. Além dela, o Decreto 6094/2007, em sua diretriz XXVIII, traz a

necessidade de criação de um Comitê Local do Compromisso, com representantes das

associações de empresários, trabalhadores, sociedade civil, Ministério Público, Conselho

Tutelar e dirigentes do sistema educacional público, encarregado da mobilização da sociedade

e do acompanhamento das metas de evolução do IDEB (BRASIL, 2007a). Note-se que os

dois grupos possuem objetivos distintos e, de acordo com as orientações MEC, não devem ser

formados pelas mesmas pessoas, com exceção do dirigente local de educação. Enquanto o

primeiro cumpre a função de elaborar, implementar e monitorar a execução do PAR, o

segundo “tem um papel essencialmente mobilizador” (BRASIL, 2013, p. 13) em relação ao

cumprimento das metas do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Embora os

dois grupos possuam funções distintas, de acordo com o MEC:

A “Equipe Local” e o “Comitê Local” são experiências de participação democrática que orientam e fortalecem a gestão da educação básica pública em cada município brasileiro, constituindo-se num aprendizado coletivo dos processos decisórios a serem discutidos pela população (BRASIL, 2013, p. 13).

Page 163: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

161  

  

Tanto o Comitê quanto a Equipe local podem vir a fortalecer a gestão local, sobretudo

no que diz respeito à gestão democrática, a qual requer a criação de espaços de participação

dos diversos segmentos da sociedade civil, inclusive no compartilhamento das decisões,

favorecendo o exercício da cidadania por parte dos sujeitos. Além disso, o Comitê se

apresenta como um mecanismo de controle social das políticas educacionais, no sentido de

fiscalizar e acompanhar o Plano bem como a aplicação dos recursos materiais e financeiros

públicos, examinando as ações desenvolvidas e se essas atendem às metas estabelecidas. A

ideia de controle social, além da perspectiva de democratização, também está relacionada a

responsabilização, um dos fundamentos da NGP, no sentido de que os cidadãos possam

exercer controle sobre a ação do Estado, e por conseguinte, exigir que gestores públicos

prestem contas de sua ação. Não foi identificado nos documentos oficiais, no entanto,

qualquer menção à formação dos sujeitos para atuarem no Comitê de modo a qualificar o

controle social realizado por esses.

Ao finalizar a elaboração do PAR, as ações monitoradas pelo Comitê serão executadas

pelo governo local em colaboração com a União, à medida que parte delas poderão ser

executadas a partir da assistência técnica e/ou financeira desse nível de governo. Nesse

sentido, Nardi, Schneider e Durli (2010, p. 553), afirmam que através do PAR “[...] os

municípios se comprometem com as metas do PDE e implementação de programas e ações no

campo educacional e, em contrapartida, podem contar com duas benesses: transferência de

recursos e assessoria técnica da União”.

É importante destacar que a assistência técnica e financeira do MEC não é uma

benesse do governo federal para com os estados e municípios, mas se faz parte das

competências da União previstas no Art. 211 da Constituição Federal de 1988. Faz parte,

portanto, “[...] do quadro prescrito das responsabilidades ou competências governamentais no

setor da educação no Brasil, articulando-se, pois, a outras responsabilidades e à diretriz mais

ampla de organização dos sistemas de ensino em regime de colaboração” (FARENZENA,

2012, p. 12).

No atual contexto, a adesão ao PAR tem sido o único meio de oferta de assistência

técnica e financeira voluntária da União aos estados e municípios, o que, na concepção do

MEC, significa a concretização do mandamento constitucional que estabelece o regime de

colaboração e a divisão de competências entre os entes federados. Ou seja, no tocante à

educação, os recursos federais que não se tratam das transferências obrigatórias da União aos

Page 164: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

162  

  

demais entes só chegarão a esses mediante assinatura do Termo. Conforme D. Oliveira

(2009), não é de se estranhar que em 2008 todos os 26 estados, os 5.563 municípios

houvessem aderido ao PAR.

A adesão, apesar de voluntária, foi reforçada pela possibilidade de recebimento de

recursos técnicos e financeiros. Nesse sentido, convém destacar que governos federais,

estaduais e municipais apresentam diferentes capacidades arrecadatórias e administrativas as

quais podem significar o deslocamento do equilíbrio de poder nas arenas de tomadas de

decisão (SANO, 2008). Assim, determinados governos, de modo especial o central, dada a

arrecadação superior, podem utilizar-se do mecanismo de indução das políticas ao prestarem

apoio tanto técnico quanto financeiro aos demais para implementação de uma determinada

ação, como por exemplo o PAR, de modo que a colaboração, neste caso, esteja atrelada a

algum benefício recebido em troca (ARRETCHE, 2001; LOTTA; GONÇALVES;

BITELMAN, 2014).

4.3 RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NA IMPLEMENTAÇÃO DO PAR

A colaboração no sistema federativo recupera a noção de pacto, o qual se materializa

na Constituição e em distintos momentos de acordo e negociação de políticas entre os

governos. Mesmo havendo a separação de algumas funções governamentais entre os

diferentes níveis de governos no regime federalista, nota-se a importância da colaboração

intergovernamental haja vista a execução das políticas públicas ser de competência partilhada,

necessitando de um trabalho coordenado em sua implementação. Mesmo que no âmbito da

organização da educação nacional, CF 1988 e LDB 9394/96, haja divisão quanto às

incumbências de cada ente, a legislação estabelece uma ação coordenada entre estados,

municípios e União, visando o desenvolvimento da educação básica, ou seja, estabelece que

as relações intergovernamentais estejam fundadas na interdependência entre os entes

federados.

Para Araújo (2010), o debate denso e consistente acerca das relações

intergovernamentais no Brasil quanto à oferta educacional é um dos principais desafios postos

à educação nacional. Para a autora (2010, p. 240), a resolução deste desafio:

[...] pressupõe o estabelecimento de uma justa distribuição de poder, autoridade e recursos entre os entes federados, garantindo a interdependência e interpenetração dos governos nacional e subnacionais, sem que haja

Page 165: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

163  

  

comprometimento de um projeto de desenvolvimento nacional, do qual um dos elementos é a educação.

O arranjo proposto para o campo educacional no tocante à oferta da escolarização

obrigatória e a efetiva materialização do regime de colaboração requerem, portanto, relações

intergovernamentais fundadas no modelo caracterizado por Wright (1988) como o modelo de

autoridade interdependente ou sobreposta. Só se efetivarão a medida que houver interação

entre as unidades de governo com vistas à consecução de objetivos comuns, com áreas

comuns de atuação e poderes e influências limitados.

Quanto à oferta de educação básica, pela leitura do Artigo 211 da CF, observa-se que

existem áreas em que haverá atuação prioritária de determinado ente federado – educação

infantil e ensino médio, por exemplo – o que não significa jurisdição única, mas também

existem áreas com atuação simultânea dos três entes governamentais, a qual deverá estar

fundada na cooperação e na constante barganha e negociação entre as diferentes instâncias

governamentais. Na tentativa de consolidar o regime de colaboração e buscando melhorar a

qualidade da educação básica, o governo federal lançou o Plano de Ações Articuladas o qual

está assentado na colaboração entre os entes, na busca por objetivos comuns.

Sobre a implementação do Plano, considerando o contexto do federalismo brasileiro, é

necessário fazer algumas ponderações. Uma delas diz respeito ao seu processo de elaboração.

Ao elaborar o PAR, as equipes locais puderam contar com a consultoria de uma equipe do

MEC, principalmente naqueles municípios considerados prioritários por terem baixos

resultados do Ideb. A interação entre os funcionários das secretarias locais e do MEC

evidencia um tipo de relação intergovernamental que se aproxima daquele modelo que Wright

(1988) denomina de autoridade interdependente ou sobreposta. A relação com o modelo

torna-se ainda mais acentuada quando consideramos que o PAR se trata de um Plano voltado

para o campo educacional, área com significativas responsabilidades educacionais

compartilhadas pelos entes da federação, única em que a legislação prevê um regime de

colaboração para atuação conjunta por parte dos entes.

No entanto, mesmo observando que as relações intergovernamentais no tocante ao

PAR estejam relacionadas com o modelo de autoridade interdependente, uma fragilidade

observada no Plano diz respeito às ações que podem ser executadas pelos municípios e

estados a fim de alcançar a melhoria da qualidade da educação, mediante assistência técnica

e/ou financeira voluntária da União. As possíveis ações geradas pelo SIMEC já são pré-

determinadas e não são passíveis de alteração por parte dos comitês locais, o que pode vir a

Page 166: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

164  

  

comprometer a autonomia dos municípios, característica do federalismo brasileiro, uma vez

que não há negociação ou barganha no sentido de alterar as ações de modo a atender com

mais especificidade à realidade local de cada ente da federação.

Nesse sentido, para Camini (2010a), a adesão ao Plano, apesar de voluntária, pode ser

considerada como um instrumento de subordinação dos estados, municípios e Distrito Federal

à União, tendo em vista a dependência de muitos destes em relação à distribuição de recursos

financeiros, bem como à prestação de assistência técnica da União. Ainda para a autora, é

possível que esteja ocorrendo ingerência e permeabilidade político-administrativas de uma

instância governamental sobre a outra, já que a União estaria exercendo influência no

direcionamento de projetos e ações educacionais dos demais entes. A indução do Plano e das

ações nele contidas pode evidenciar relações intergovernamentais análogas ao modelo de

autoridade inclusiva ou hierárquica, em que a atuação dos governos subnacionais depende das

decisões tomadas pelo governo central.

Por outro lado, há que se fazer a ressalva de que a indução de ações como o PAR por

parte do governo federal torna-se uma necessidade no caso brasileiro em razão da

heterogeneidade presente em nosso território. Nesse caso, a coordenação federativa exercida

pela União ao induzir o Plano pode ser considerada positiva pois algumas das unidades

subnacionais por si próprias, não seriam capazes de planejar e executar ações que objetivem

superar as desigualdades educacionais, sendo necessária, portanto, a intervenção do governo

central. Na compreensão de Ferreira (2014, p.619-620): “[...] o PAR é um instrumento de

aplicação de diagnósticos e de organização racional das ações capazes de compensar a

fragilidade operacional e política dos entes, o que justifica uma intervenção planejada pelo

centro”.

Dessa forma, destacamos que com o PAR, a União tem exercido o papel de promover

a coordenação federativa no âmbito da educação, ao induzir o Plano como uma política de

governo que necessita da interdependência entre diferentes unidades de governo para sua

execução. O inter-relacionamento entre os governos visando a consecução de objetivos

educacionais comuns, as quais podem ser observadas na assessoria do MEC aos municípios e

na assinatura do Termo de Cooperação Técnica, são elementos fundamentais para o combate

às desigualdades regionais de nosso país, de modo a alcançar equidade e assimetria no

atendimento aos cidadãos.

No entanto, ao considerarmos o caso do PAR, alguns mecanismos precisam ser

reforçados visando aperfeiçoar as formas de integração, compartilhamento e decisão conjunta

presentes nas federações, ou seja, visando aperfeiçoar a coordenação federativa. Um deles

Page 167: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

165  

  

seria o funcionamento de instituições representativas, o que no caso do PAR pode ser

exemplificado por meio de seu Comitê local de acompanhamento. Pesquisa realizada por

Cunha; Costa e Araújo (2012), evidenciam, no entanto, a fraca participação dos membros

nesse Comitê, ficando suas responsabilidades a cargo dos técnicos das secretarias de

educação. Outro elemento seria a criação de espaços coletivos de tomada de decisão. Nesse

sentido, cabe retomar que o Plano de Desenvolvimento da educação (PDE), Plano que origina

o PAR, foi criado pelo governo federal sem consulta e participação dos demais entes em sua

fase de elaboração, tendo estados, distrito federal e municípios sido chamados a aderir ao

PDE e partir de então elaborar seu PAR sem participação em sua concepção.

Outro elemento que merece atenção, diz respeito ao fato de que mesmo com a adesão

ao PAR sendo feita por meio da assinatura de um termo no qual as duas partes assinam um

termo de compromisso, é possível que apenas uma das partes assuma o ônus de efetivar as

ações e, via de regra, apenas esta será cobrada diretamente pela elevação dos índices

educacionais. Considerando que já coube à União planejar e financiar, cabe aos demais entes

a execução bem sucedida. De acordo com Ferreira e Fonseca (2013), na fase de execução das

ações, a assistência técnica do MEC é traduzida por meio do controle permanente exercido via

SIMEC, o qual pode ser diferenciado, conforme a capacidade técnica e política de cada ente.

Ainda de acordo com as autoras: “As ações e metas do PAR são executadas ou alteradas

quando o FNDE as libera pelo Simec, pois, caso contrário, o município fica estático até o

FNDE se pronunciar” (2013, p. 295). A afirmativa das autoras corrobora a ideia de que não há

envolvimento direto da União com relação à execução das ações do PAR mas que sua

participação nessa fase se limita ao controle das ações que estão sendo executada pelos

municípios via Simec. Além disso, a afirmação também evidencia que embora o Plano esteja

fundado sob as bases da cooperação e colaboração entre os entes, há a separação entre as fases

de planejamento e execução.

Nesse sentido, retomamos a afirmação de Wright (1988), de que se faz necessário

repensar o sistema intergovernamental considerando não só a cooperação, mas também a

competição, os conflitos e até mesmo a coerção entre os diferentes níveis de governo,

elementos que podem existir mesmo em espaços em que predominem relações

intergovernamentais fundadas no modelo de interdependência. Exemplos como o do controle

do Simec por parte do governo federal e a conformação dos municípios diante do referido

controle, demonstram que não há o reconhecimento mútuo da integridade de cada parceiro do

pacto federativo, o que leva à necessidade de se buscar equilibrar as relações estabelecidas

entre os diferentes níveis de governos, ainda mais em casos como o do Brasil em que os

Page 168: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

166  

  

milhares de municípios também são entes autônomos da federação. Dessa forma estaria

estabelecida a parceria e partilha entre os governos que constituem a essência do federalismo,

conforme destaca Elazar (1987).

Destaca-se que mais importante do que o controle das ações executadas, seria o

acompanhamento destas ações por parte de uma equipe técnica qualificada na continuidade da

assessoria técnica aos municípios durante a vigência dos planos, inclusive no tocante a

utilização do Simec. Esse acompanhamento se torna ainda mais necessário em municípios de

médio e pequeno porte, os quais, via de regra, sofrem com a precariedade administrativa e

financeira, apresentam carência de recursos materiais e, sobretudo, insuficiência e despreparo

de pessoas nas secretarias (FERREIRA; FONSECA, 2013). As dificuldades encontradas pelas

secretarias de educação e equipes locais no tocante ao planejamento e execução do PAR

reforçam a necessidade de existência de contatos e trocas entre os funcionários dos governos,

característica do federalismo cooperativo.

Concorda-se com Araújo (2010) ao afirmar que a indução de políticas como o PAR

por parte da União se traduz mais como coordenação do que como colaboração. A primeira se

trata de um procedimento que busca resultado comum a partir da definição do governo

central, enquanto que na segunda a tomada de decisões e o exercício das competências devem

ser conjuntas e não isoladas. Conforme já foi discutido, o PAR está situado no contexto do

Plano de Desenvolvimento da Educação, o qual foi elaborado pelo Ministério da Educação

sem tomada de decisão em conjunto. Ademais, as ações propostas pelo PAR, geradas por

meio do SIMEC, são rígidas e inflexíveis, não havendo nesse caso negociação ou barganha

por parte dos entes federados envolvidos.

Assim, embora com o PAR, por um lado, a União esteja cumprindo em partes sua

função redistributiva e supletiva à medida que financia ações nos municípios e estados, por

outro lado, ela tem determinado o que deve ser feito e como deve ser feito a fim de alcançar

as metas estabelecidas por este ente sem existência de diálogo profícuo com os demais.

Assim, concorda-se com Abrucio, Franzene e Sano (2013, p. 156), ao afirmarem que: “Os

efeitos deste tipo de coordenação federativa são importantes, mas não resolvem

estruturalmente os problemas da cooperação e da responsabilização entre os níveis de

governo”.

O que se observa, entretanto, é que não se trata de uma relação hierárquica de

subordinação de municípios e estados diante da União, que dispõe de poder para muitas

decisões, mas não controla todas elas, sendo aqueles entes autônomos para aderir ou não às

políticas ( ARAÚJO, 2010). Identifica-se, portanto, o deslocamento da arena decisória em que

Page 169: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

167  

  

a União assume não só a coordenação federativa em termos de políticas educacionais, mas

também a indução de programas e metas.

O capítulo seguinte continuará analisando o PAR, agora na particularidade do

município de Riachuelo/RN, estudando a elaboração e implementação do PAR no referido

município visando apreender o fenômeno estudado em sua processualidade, como síntese de

múltiplas determinações instituídas no transcurso histórico. O capítulo buscará explicitar os

nexos existentes no PAR entre as dimensões singular, particular e universal dos fenômenos.

Page 170: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

168  

  

5. RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS ENTRE OS ENTES FEDERADOS NO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS DE RIACHUELO/RN: UMA ANÁLISE A PARTIR DA ÁREA GESTÃO DEMOCRÁTICA

Nos últimos anos, as políticas educacionais têm procurado atender aos princípios

constitutivos e normativos para consolidar o regime federalista no Brasil, o qual prevê o

fortalecimento dos diferentes níveis de governo, o estabelecimento de competências comuns

para estados e municípios no cumprimento das políticas públicas e a função supletiva da

União. A convivência entre os três entes federados na execução dessas políticas tem

determinado diferentes formas de relações intergovernamentais, essenciais para que os

objetivos de equalização das diferenças regionais sejam atendidas. Políticas induzidas pelo

governo federal, tais como o Plano de Ações Articuladas, são formuladas considerando o

inter-relacionamento entre diferentes entes federados visando o alcance de objetivos comuns.

Nesse sentido, o capítulo tem como objetivo analisar o processo de elaboração e

execução do Plano de Ações Articuladas do município de Riachuelo/RN para o período de

2007-2011, considerando as relações intergovernamentais estabelecidas entre Ministério de

Educação e Secretaria Municipal de Educação e as ações propostas para a dimensão da gestão

educacional na área 01 – gestão democrática. Dessa forma, procurará desvendar as

contradições, conflitos e processos que medeiam o Plano de Ações Articuladas na

especificidade do município mencionado, tomando como referência os dois planos elaborados

em 2007 e 2011, a fim de verificar o diagnóstico do sistema municipal de educação em dois

momentos distintos, identificando os possíveis avanços.

5.1 CARACTERIZAÇÃO DO MUNICÍPIO DE RIACHUELO/RN

Riachuelo é um município de pequeno porte, localizado na região do agreste potiguar,

a 71 km da capital do Rio Grande do Norte, Natal. Possui uma área de 262.887 km� e uma

população de 7.067 habitantes. Seu Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – (IDHM)

é 0,592, ocupando a 107ª colocação no ranking estadual de IDHM de um total de 167

municípios, de acordo com os dados do censo de 2010.

A origem do município está registrada por volta de 1866, com o início de um

povoamento, numa rica fazenda de criação de gado e com muitas lavouras, propriedades

pertencentes à Manuel Severiano de Macedo, que nasceu em um povoado, no município de

Page 171: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

169  

  

São Gonçalo do Amarante. Recebeu o nome de Riachuelo em homenagem à famosa batalha

naval da qual o fundador do povoado havia participado como combatente e voluntário da

pátria.

Em 1898, o povoado começava a se consolidar, mais precisamente, com a construção

da capela em homenagem ao Sagrado Coração de Jesus, por iniciativa de Manuel Severiano

de Macedo.

Foi através da produção do algodão, da criação de gado e da fabricação de queijo que

Riachuelo começou a progredir. No ano de 1943, passou a pertencer a São Paulo do Potengi,

desmembrando-se no dia 20 de dezembro de 1963, pela Lei n° 3.018 de 20 de dezembro de

1963, e elevando-se à categoria de município.

Na atualidade, o setor que mais emprega as pessoas da cidade na faixa etária acima de

18 anos ou mais é o setor de serviços, abarcando cerca de 37,50% das pessoas. Na sequência,

o setor da agropecuária emprega 30,92%, seguido do comércio (13,29%) e da construção civil

(11,81%). A indústria tem pouca expressividade no município, empregando apenas 4,58% das

pessoas com 18 anos ou mais. O setor que mais incide sobre o PIB municipal é o setor de

serviços, sendo responsável por 78,1% do montante do PIB per capita, que em 2012 foi de

5.972,00 reais.

Quanto à pobreza no município, os dados do PNUD mostram que tem diminuído o

percentual da população extremamente pobre e pobre, conforme o quadro abaixo:

Quadro 04 - Pobreza e desigualdade de renda no município de Riachuelo (2001-2010)

Fonte: UFRN (2014)

Observa-se que o percentual de pessoas pobres e extremamente pobres41 no município

vem diminuindo consideravelmente nos últimos anos. Entre 1991 e 2010 esses índices

sofreram redução de mais de 50%. No entanto, quando se observa o Índice Gini42, nota-se que

                                                           41 O Banco Mundial define a pobreza extrema como viver com menos de 1 dólar dos Estados Unidos por dia (em paridade do poder de compra) e pobreza moderada como viver com algo entre 1 e 2 dólares dos Estados Unidos por dia. Estima-se que 1 bilhão e 100 milhões de pessoas em nível mundial tenham níveis de consumo inferiores a 1 dólar por dia e que 2 bilhões e 700 milhões tenham um nível inferior a 2 dólares (BANCO MUNDIAL, 2015) 42É um instrumento usado para medir o grau de concentração de renda. Ele aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. Numericamente, varia de 0 a 1, sendo que 0 representa a situação

% DE EXTREMAMENTE POBRES

% DE POBRES ÍNDICE GINI

(desigualdade de renda) 1991 2000 2010 1991 2000 2010 1991 2000 2010

55,20 37,54 21,63 86,75 69,21 44,06 0,41 0,64 0,54

Page 172: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

170  

  

a desigualdade de renda apresenta-se maior em 2010 que em 1991 e que, em 2001 alcançou o

maior índice no período analisado. Ou seja, ainda que o percentual de pobreza tenha

diminuído, a desigualdade e, possivelmente, a concentração de renda aumentaram.

No que diz respeito ao sistema educacional de Riachuelo, o município dispõe de dez

escolas em sua rede de ensino, sendo sete de ensino fundamental, duas creches e uma pré-

escola. Das dez instituições, uma creche e duas escolas de ensino fundamental e de educação

de jovens e adultos funcionam na área urbana e as demais na área rural.

De acordo com os Microdados do Censo Escolar/INEP/MEC, o RN no ano de 2007,

apresentava como número total de matrículas 468.588, sendo - desse montante, 1.488

realizadas no município de Riachuelo. Em 2012, houve uma redução de 37.106 matrículas no

RN, totalizando 431.482 matrículas no estado; Riachuelo acompanha essa tendência e

também teve redução de 290 matrículas nas várias etapas e modalidades de ensino,

registrando 1.198 matriculados no total. A diminuição das matrículas na educação básica da

rede pública de ensino não é uma particularidade de Riachuelo ou do Rio Grande do Norte,

sendo, portanto, um fenômeno nacional. Tal fenômeno pode ser explicado, conforme Oliveira;

Araújo (2005) como uma consequência de uma tendência à regularização do fluxo escolar

vivenciada no Brasil durante a década de 1990, cujas ações adotadas foram a adoção de ciclos

de escolarização, a promoção continuada e a aceleração da aprendizagem.

O quantitativo de professores no RN, em 2007, perfazia o total de 33.120

profissionais, dos quais representa 0,36 %, está em Riachuelo, equivalendo a 120 docentes.

Os dados registrados nesse mesmo ano mostram que, dos cento e vinte professores que

atuavam em toda a educação básica, quatro possuíam o ensino fundamental incompleto e

quatro possuíam ensino fundamental completo. Vinte e seis possuíam ensino médio na

modalidade Normal/Magistério e dez professores possuíam o ensino médio. Além desses,

sessenta e oito havia concluído o ensino superior em cursos de licenciatura e oito tinham

concluído o ensino superior, mas não em cursos de licenciatura.

No ano de 2012, houve a contratação de mais 1.037 docentes no estado, enquanto, no

município de Riachuelo, ocorreu uma redução de 21 docentes, restando 99, o que equivale

0,29% do quadro docente do RN. Quanto à formação, em 2012, ainda permanecia um

professor com fundamental incompleto atuando na educação infantil/creche e um com ensino

fundamental completo atuando no mesmo nível. Nesse ano, os dados do censo demostraram

                                                                                                                                                                                     de total igualdade, ou seja, todos têm a mesma renda, e o valor 1 significa completa desigualdade de renda, ou seja, se uma só pessoa detém toda a renda do lugar (PNUD/Brasil, 2013).

Page 173: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

171  

  

que 97 professores possuíam ensino superior sendo que 14 desses haviam concluído cursos

de pós-graduação lato senso (especialização).

O sistema de ensino municipal possui treze escolas, sendo três creches e pré-escolas e

sete escolas de ensino fundamental, distribuídas na zona urbana e rural. Além das escolas

municipais, o município conta com uma escola estadual de ensino médio e duas escolas

particulares de ensino fundamental.

Em 2007, a Secretaria Municipal de Educação – SEMEC de Riachuelo era composta

por cinco servidores sendo um deles o secretário municipal de educação e os demais

assessores técnico-pedagógicos, professores da rede. Havia dois setores dentro da secretaria, o

setor administrativo e o setor pedagógico, mas os servidores não estavam divididos entre eles,

de modo que todos eles atendiam as demandas que surgiam independente de sua natureza ser

administrativa ou pedagógica.

Para o Plano Municipal de Educação 2015-2025, a Semec já apresenta uma estrutura

mais organizada, conforme dispõe o organograma abaixo:

Ilustração 05: Organograma da Secretaria Municipal de Educação de Riachuelo/RN em 2014

Fonte: Riachuelo (2015)

Page 174: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

172  

  

A secretaria dispunha em 2015 de nove servidores em seu quadro permanente para

atuar nas funções acima mencionadas, sendo: um secretário municipal; três técnicos

administrativos; duas coordenadoras pedagógicas, duas supervisoras; uma gestora escolar

responsável pela gestão das escolas do campo, além de um auxiliar de serviços gerais e dois

vigias. Em 2016 houve 01 aposentadoria e 01 pedido de exoneração, diminuindo esse quadro

para sete servidores. No diagnóstico do PME 2015-2025, é afirmada a insuficiência de

servidores na secretaria diante de suas demandas, inclusive aquelas relacionadas aos planos,

programas e projetos que são executados em colaboração os demais entes federados, estado

do Rio grande do Norte e/ou União, como é o caso do PAR:

Em virtude do porte financeiro a SEMEC do município está organizada de em setores específicos, porém reconhece que o número de técnicos é insuficiente se comparado com a complexidade que a articulação Município, Estado, Ministério da Educação exige, através do regime de colaboração com os programas e projetos (RIACHUELO, 2015, p. 10).

No que diz respeito aos dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(Ideb), o quadro abaixo apresenta os resultados do município, do estado e do Brasil.

Quadro 05 – Ideb - Riachuelo, RN e Brasil (2005 a 2013)

RIACHUELO RN BRASIL

5º ANO 9º ANO 5º ANO 9º ANO 5º ANO 9º ANO

2005 2,0 2,5 2,7 2,8 3,8 3,5

2007 2,3 2,2 3,4 3,1 4,2 3,8

2009 3,2 2,3 3,9 3,3 4,6 4,0

2011 3,1 2,4 4,1 3,4 5,0 4,1

2013 3,0 2,4 4,4 3,6 5,2 4,2

Fonte: UFRN (2014)

O município de Riachuelo tem apresentado baixos resultados desde a criação do

índice, encontrando-se abaixo da média nacional e da média estadual. Os resultados obtidos

Page 175: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

173  

  

para o 5º ano do ensino fundamental evidenciam uma melhora ao longo do período

observado, embora essa evolução não tenha acontecido na mesma proporção que o avanço

apresentado no resultado do RN e do Brasil. A média do 9º ano é ainda mais preocupante já

que o melhor resultado observado foi no primeiro ano do Ideb com a média 2,5. Já em 2007 o

resultado diminuiu para 2,2, obtendo uma leve melhora em 2009 e 2011. Mesmo assim, em

2013, a média foi inferior à de 2005.

O baixo Ideb foi um dos fatores que levou o governo federal a incluir Riachuelo na

lista de municípios prioritários para a operacionalização da assistência técnica e financeira por

parte da União no âmbito do Compromisso Todos pela Educação, e, por conseguinte, para a

elaboração do PAR. Nesse sentido, o trabalho segue discutindo a elaboração do Plano no

referido município.

5.2 RIGS E AUTONOMIA MUNICIPAL NA ELABORAÇÃO DO PAR DE

RIACHUELO/RN

A discussão central desse item é a implementação do Plano de Ações Articuladas no

município de Riachuelo/RN. O PAR é uma política de planejamento educacional que busca

criar condições para que ocorra a melhoria da qualidade da educação. Para atendimento

inicial, o MEC selecionou os municípios considerados prioritários em razão dos baixos

resultados apresentados no Ideb, podendo os demais municípios não relacionados, elaborar

seus Planos e receber assistência técnica e financeira do MEC, desde que houvesse

disponibilidade orçamentária (BRASIL, 2007d). As Resoluções 029, de 20 de julho de 2007,

e 047, de 20 de setembro de 2007, do FNDE trazem a lista dos municípios prioritários e

estabelecem os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da

assistência financeira suplementar e voluntária da União a projetos educacionais, no âmbito

do Compromisso Todos pela Educação.

A primazia de certos municípios pode ser identificada no seguinte trecho do

documento norteador do PDE: “O escopo é atender imediatamente os 1.242 municípios e as

7.085 escolas com os mais baixos indicadores e, em curto prazo, todos os que estejam abaixo

da média nacional” (BRASIL, 2007, p. 23). As regiões brasileiras que mais concentram

municípios considerados prioritários são o nordeste e o norte. Convém destacar que a

priorização de certos municípios em detrimento de outros não é uma ação isolada do Plano de

Metas Compromisso Todos pela Educação/Plano de Desenvolvimento da Educação, mas é

Page 176: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

174  

  

característica de um processo de focalização do atendimento ou, como afirma Oliveira D.

(2009, p. 205), são “[...] medidas de alívio à pobreza”. Essa é uma tendência observada nos

países da América Latina, cujas reformas do Estado no final do século XX se deram de acordo

com as orientações neoliberais, as quais enfatizam a necessidade de realizar um ajuste

estrutural dos Estados visando ao enxugamento dos gastos, especialmente daqueles voltados

para a área social. Assim, no contexto das políticas educacionais de cunho neoliberal, o

atendimento passa a ser focalizado para os mais necessitados, deixando de lado o universal, o

para todos.

O atendimento prioritário no PDE não é concedido, contudo, sem o estabelecimento de

medidas que devem ser perseguidas pelos municípios, ficando evidente a regulação do MEC,

conforme explicitam Adrião e Garcia (2008, p. 786):

[...] não é de se estranhar que, em um novo esforço de regulação, o MEC tenha proposto, em 2007, a instituição de um programa de apoio técnico e financeiro voltado prioritariamente aos municípios com piores desempenhos, desde que aceitem se submeter a certas medidas, aqui caracterizadas como de responsabilização (acountability).

Entre as ações propostas pelo governo federal que se caracterizam como medidas de

responsabilização, destacam-se o compromisso firmado em participar das avaliações externas

buscando a elevação de seus resultados bem como a publicização desses.

A participação dos municípios na execução das políticas públicas nacionais ou mesmo

federais tem sido cada vez mais intensa na história brasileira, especialmente a partir da

promulgação da Constituição de 1988. É a partir desse período que se observa uma diretriz

descentralizadora para os municípios bem como responsabilidades compartilhadas entre os

entes federados. Frazene; Abrucio (2013) destacam a forte diretriz de descentralização da

Constituição de 1988, mas fazem uma ressalva quanto à distribuição de poder entre os três

níveis de governo:

Embora a noção triádica de federalismo tenha se estabelecido constitucionalmente, a distribuição de poder nem sempre é assimétrica entre os níveis de governo. [...] Para além da estrutura legal, a configuração socioeconômica e administrativa dos governos locais é extremamente heterogênea, e muitos deles têm pouca capacidade de exercer sua autonomia (FRANZESE; ABRUCIO, 2013, p. 365).

A heterogeneidade dos municípios brasileiros, com suas diferentes capacidades

arrecadatórias e administrativas, pode ser considerada um dos fatores que fez o MEC se

Page 177: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

175  

  

aproximar mais daqueles para implementar o PAR. Nessa perspectiva, as análises deste item

continuarão buscando compreender as relações intergovernamentais estabelecidas entre o

município de Riachuelo/RN e o MEC na elaboração do Plano para o período de 2007-2011.

Reitera-se que Riachuelo é um dos municípios prioritários no tocante à implementação do

PAR.

Diante disso, eis alguns aspectos que nortearam as investigações desse item: a) adesão

do município ao PDE/Plano de Metas; b) elaboração do PAR, considerando as etapas de

diagnóstico do sistema educacional e de escolha das ações a serem implementadas; c)

contribuição do PAR para o sistema; d) PAR enquanto instrumento de fortalecimento do

regime de colaboração.

5.2.1 A adesão de Riachuelo ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação

Um dos primeiros aspectos analisados, diz respeito à adesão da prefeitura ao Plano de

Metas Compromisso Todos pela Educação, mediante assinatura do Termo de adesão. A

assinatura do chefe do executivo é condição indispensável para firmar o convênio que

estabelece a cooperação entre municípios e União para a implementação do Plano. Nesse

momento, municípios e estados, autônomos na opção de firmar o convênio, que aderiram ao

Compromisso se comprometem a seguir suas 28 diretrizes pautadas em resultados de

avaliação de qualidade e de rendimento dos estudantes, visando à melhoria da qualidade da

educação básica.

No caso de Riachuelo, ao se questionar o Secretário de educação à época sobre a

adesão do município ao Plano de Metas e, por conseguinte, ao PAR, foi afirmado o seguinte:

E o PAR eu digo sempre, eu me orgulho muito de ter feito parte desse período, porque foi exigência do Governo Federal, Lula na época exigiu que todo prefeito tinha que ir a Brasília assinar esse PAR, o meu prefeito não queria ir, e eu disse pra ele: se você não for, você vai arcar com as despesas, com os recursos para o município, porque o Ministério, o Presidente exigiu isso, a presença dos prefeitos, um encontro pra assinar o termo, como se fosse o termo de cooperação para avançarmos juntos na educação, Município, Estado e a União, que era chamado de tripartite, para todos trabalharem juntos (ENTREVISTADO 1, 2015, grifos nossos).

Na percepção do secretário em relação à adesão ao Plano de Metas, essa seria uma

exigência não apenas do governo federal, mas também do chefe do executivo federal. A fala

Page 178: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

176  

  

demonstra certa falta de compreensão do secretário acerca do regime político vigente no

Brasil, o federalismo, que pressupõe a autonomia dos três níveis de governo. Pode ser

também um indicativo de como o secretário situa o município de Riachuelo na dinâmica

federativa brasileira, numa perspectiva de aceitação e de legitimação das políticas propostas

pelo governo central em troca de recursos financeiros, em razão, provavelmente, de uma

baixa arrecadação municipal e da dependência dos recursos federais.

Além disso, a fala evidencia que, ao ser convidado para assinar o Termo de adesão,

prefeito e secretário não tinham conhecimento acerca dos Planos, o que pode ser justificado

pela afirmativa de que a exigência de ir a Brasília era para assinar o Termo, ou seja, aderir a

algo que estava pronto.

Ademais, é preciso ponderar que, embora o PDE/Plano de Metas tenha sido

considerado a grande política educacional do segundo governo Lula, ele foi elaborado pelo

governo federal sem a participação dos demais entes da federação ou mesmo organizações de

profissionais da educação, entidades científicas ou sindicais. Dessa forma, municípios e

estados foram alijados do processo de elaboração da política, não tiveram poder de veto,

tendo sido convidados apenas para aderirem à proposta já elaborada.

A Resolução 047, de 2007 do FNDE, em seu Artigo 14, exemplifica o argumento: “Os

Municípios, prioritariamente os relacionados no Anexo I desta Resolução, serão comunicados sobre a programação das atividades que resultarão na visita técnica e sobre o

regime de colaboração” (BRASIL, 2007d). Desse modo, a efetivação do regime de

colaboração no campo educacional é incompatível com o papel dos municípios como sendo

apenas executores da política, não possuindo autoridade para elaborar ou para alterar a

política, tendo de aguardar comunicado sobre a visita técnica do MEC.

O parágrafo acima, ademais, evidencia que o PAR é política federal e não nacional

que resulta exclusivamente de decisão da União, e as demais esferas não possuem poder

legítimo de interferir no desenho da política. Esse tipo de tomada de decisão remonta a

relações intergovernamentais fundadas no modelo de autoridade inclusiva ou hierárquica, nas

quais a atuação dos governos subnacionais depende das decisões tomadas pelo governo

central (WRIGHT, 1988). Além disso, RIG que sejam do tipo autoridade inclusiva salientam

o papel predominante do governo central e retomam os modelos hierárquicos propostos por

Elazar (1987). De acordo com Sano (2008), RIGs baseadas nesse modelo foram

predominantes no Brasil especialmente em períodos autoritários e ainda podem ser

observadas em diversas ações da esfera federal.

Page 179: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

177  

  

No caso do Plano de Metas/PDE pode-se afirmar, portanto, que há uma tensão entre

dois modelos de RIG propostos por Wrigth (1988): o de autoridade inclusiva e o de

autoridade interdependente. Através da fala do entrevistado, ficou claro que o governo federal

precisou da legitimação de Riachuelo para a implementação dos Planos no município, o que

foi alcançado mediante a assinatura do Termo de Adesão e, consequentemente, do

compromisso de atingir as diretrizes propostas.

É também possível concluir que houve ingerência por parte do MEC no que se refere à

adesão ao Plano de Metas/PDE, uma vez que se observa certa prevalência da política federal

no município. É preciso destacar que a ingerência do governo federal em relação aos

subníveis de governo faz parte da trajetória histórica da política educacional no Brasil,

constituindo-se como uma manutenção de relações de poder. Dessa forma, a ingerência “Não

é uma ocasião revolucionária que ocorre momentânea e inesperadamente, mas tem um ritmo

de desenvolvimento que pode ter momentos fortes e fracos, construindo-se ao longo do

tempo” (WERLE, 2006a, p. 30).

No caso da educação, a União vem mantendo historicamente uma postura

centralizadora no tocante à formulação das políticas. Não obstante, a partir da

redemocratização, ainda que essa tendência tenha permanecido, os governos subnacionais

fortaleceram-se enquanto diferentes centros de poder e à União coube buscar a adesão dos

demais governos mediante a oferta de recursos financeiros, o que ainda se configura como

ingerência. Conforme Werle (2006a, p. 30): “A ingerência envolve concessões, negociações,

omissões político-administrativas, revelando certa prevalência das instâncias que a produzem

sobre as demais”.

Associado à ingerência, a autora desenvolve o conceito de permeabilidade para

caracterizar as relações entre as instâncias político-administrativas da educação: municípios,

estados e União. Na concepção de Werle (2006a, p. 32), permeabilidade:

Consiste em um conjunto de assentimentos e práticas político-administrativas que permitem e favorecem a penetração das intenções e práticas de umas instâncias sobre as outras. A permeabilidade envolve, também, concessões, negociações, falta de posicionamento crítico e omissões político-administrativas, revelando uma certa subordinação e dependência da instância que a pratica, caracterizada como permeável diante das demais.

Assim, é possível identificar que há também permeabilidade no caso do PDE/Plano de

Metas uma vez que as intenções do governo federal foram aceitas pelo município de

Page 180: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

178  

  

Riachuelo, o qual teve de incorporar as metas do PDE em sua agenda política, possivelmente

redefinindo funções e rotinas dentro da Secretaria de educação ou mesmo estabelecendo uma

rotina e um planejamento para a secretaria.

Entretanto, ainda que Riachuelo, assim como os demais municípios brasileiros, não

tenha participado da elaboração do Plano, o secretário demostra conhecimento da perspectiva

do PDE/Plano de Metas, a de ser implementado e executado em regime de colaboração com

estados e municípios, ou como ele mesmo afirma: trabalharem juntos para avançarem juntos.

A compreensão desse entrevistado retoma as características do federalismo como um pacto,

uma aliança entre os diferentes entes federados visando ao alcance de objetivos comuns. Isso

também se relaciona com o que o MEC classifica como a razão de ser do PDE, a qual: “[...]

está precisamente na necessidade de enfrentar estruturalmente a desigualdade de

oportunidades educacionais. Reduzir desigualdades sociais e regionais, na educação, exige

pensá-la no plano do País” (BRASIL, 2007, p. 6). De acordo com o documento citado, pensar

a educação, no plano do país, significa realizar um trabalho em conjunto com as três esferas

do governo para que “[...] o todo seja maior do que a soma das partes” (BRASIL, 2007, p. 7).

Visto esse ponto, cabe relatar que, após a assinatura do Termo de adesão ao Plano de

Metas/PDE, procedeu-se à realização do diagnóstico da situação do sistema de ensino e, a

partir desses resultados, houve a escolha das ações a serem executadas considerando aqueles

indicadores que receberam pontuação 1 ou 2. Tais pontuações indicam uma situação crítica ou

insuficiente, sendo necessárias ações imediatas as quais poderiam contar com o apoio técnico

e/ou financeiro do MEC. Reitera-se que tanto os indicadores quanto as ações e subações

possíveis a partir da pontuação apresentada eram padronizados de acordo com o estabelecido

pelo MEC e eram as mesmas opções para qualquer município que elaborasse o PAR.

Concluída essa fase, procedeu-se à análise técnica pela Secretaria de Educação Básica

(SEB/ MEC) e pelo FNDE e, após aprovado, foi assinado o termo de cooperação entre MEC e

prefeito municipal.

5.2.2 Elaboração do Plano de Ações Articuladas: diagnóstico do município e escolha

das ações

No que diz respeito ao diagnóstico da rede e à elaboração do plano, no documento do

PAR 2007-2011 de Riachuelo, consta a relação da equipe que participou desse processo. No

total, são relacionadas onze pessoas, sendo: um dirigente municipal, uma representante do

Page 181: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

179  

  

Conselho Municipal de Educação, uma representante do quadro técnico-administrativo das

escolas, uma representante dos coordenadores escolares, uma representante dos diretores de

escola, uma representante dos professores da zona rural e outra da zona urbana, dois técnicos

da secretaria municipal de educação e duas consultoras do Ministério da Educação. A

consultoria do MEC nos municípios brasileiros foi, em geral, realizada por pessoas

contratadas por esse Ministério advindas das universidades ou de outras instituições para

assessorar a elaboração do PAR nos municípios prioritários. Em Riachuelo, a consultoria foi

realizada por duas técnicas da secretaria estadual de educação do Rio Grande do Norte.

No caso do PAR de Riachuelo, a participação de servidores do governo estadual na

equipe de elaboração aconteceu mediante assessoria do MEC, ou seja, as técnicas contratadas

estavam participando do processo enquanto representantes do órgão, e não da esfera estadual

do governo. Esse fato contraria uma das cinco características das RIG propostas por Wright

(1988; 1974), a que trata do envolvimento de todas as unidades de governo. Conforme o

autor: “Em resumo, RIG englobam todas as permutações e combinações de relações entre as

unidades de governo em nosso sistema43” (WRIGHT, 1988, p. 15, tradução nossa).

A articulação entre as três esferas governamentais quanto ao planejamento e à gestão

da educação básica deveria ser uma prerrogativa para a materialização do regime de

colaboração. No entanto, observa-se que o governo estadual esteve à margem do processo de

elaboração do PAR nos municípios, tendo apenas sido comunicado sobre o período de visita

da assessoria do MEC, conforme determina a Resolução 047/2007 do FNDE. Em uma área de

responsabilidades compartilhadas entre os três níveis governamentais como é o caso da

educação, sobretudo em um país de regime federativo no qual coexistem múltiplos centros de

poder, as tomadas de decisões bem como a execução das políticas deveriam ser conjuntas.

Não é o que foi identificado no PAR de Riachuelo, pois não houve inter-relação com um dos

níveis de governo, o estadual. A ausência deste também é um indicativo de que o PAR não

está assentado em um modelo de RIG de autoridade interdependente ou sobreposta, aquele

que mais se relaciona com o federalismo cooperativo, pois nesse modelo, conforme Whrigt

(1988) as operações governamentais irão envolver as unidades nacional, estaduais e locais,

simultaneamente.

Acerca da formulação do PAR, a Resolução 029 de 2007 do FNDE apresenta

ambiguidade quanto à equipe necessária. O parágrafo primeiro do Artigo 14, que trata das

                                                           43 “In short, IGR encompasses all the permutations and combinations of relations among the units of government

in our system”.

Page 182: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

180  

  

condições de participação, determina que para a efetivação da colaboração, é condição que

deve ser atendida pelos dirigentes locais: “[...] receber a consultoria disponibilizada pelo

MEC, garantindo a participação de seu dirigente municipal, dirigente educacional e outros representantes da sociedade civil e organizada, na formulação do Plano de Ações

Articuladas (PAR)” (BRASIL, 2007c, grifo nosso). Por seu turno, o Artigo 16 da mesma

Resolução estabelece que: “O PAR será elaborado em regime de colaboração com dirigentes e técnicos dos entes da federação aderentes, configurando-se base para a celebração dos

convênios de assistência financeira a projetos educacionais pelo FNDE/MEC” (BRASIL,

2007c, grifo nosso).

Na elaboração do PAR de Riachuelo não foram envolvidos representantes da

sociedade civil e organizada, como pode ser observado na seguinte afirmativa da entrevistada,

ao se questionar sobre quem havia participado da elaboração do Plano: “Éramos eu que era a

representante de diretores, representantes de professores e o pessoal da Secretaria”

(ENTREVISTADA 03, 2015). É possível que a ambiguidade da Resolução tenha dado

abertura para a ausência de um dos segmentos. Ainda que se reconheça a heterogeneidade da

sociedade civil, a qual suporta interesses de diferentes e antagônicas classes sociais – como,

por exemplo, trabalho e capital –, é necessário envolver representantes de outros segmentos

que não apenas os do governo na formulação do planejamento educacional do município. A

constituição da equipe para elaboração do Plano de Ações Articuladas de Riachuelo pode ter

comprometido a defesa dos interesses da população do município. Além disso, também é

possível que tenha havido superposição dos interesses governamentais, quer sejam os de

âmbito municipal quer os de âmbito federal, na política educacional do município,

considerando que não houve participação da sociedade civil no processo de deliberação da

política. Dessa forma, ratificando, o Plano pode ter ficado distante das necessidades da

população riachuelense. Concorda-se, portanto, com Silva; Ferreira; Oliveira (2014, p. 91),

quando afirmam que: A ausência de uma aliança entre os entes federados e as esferas governamentais em torno de um projeto educativo comum, consensuado entre os diversos segmentos da sociedade, resulta em um modelo de planejamento educacional distante da realidade dos municípios e com características autoritárias (SILVA; FERREIRA; OLIVEIRA, 2014, p. 91).

Retoma-se aqui o Artigo 205 da Constituição Federal de 1988, o qual estabelece que:

“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo

para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 2008a, grifo

Page 183: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

181  

  

nosso). A colaboração da sociedade objetivando a promoção da educação implica também a

participação no próprio planejamento educacional, o que não ocorreu no caso do PAR de

Riachuelo. Além disso, a ausência da sociedade no planejamento do sistema de ensino é

contrária ao princípio da gestão democrática para o ensino público, pois como afirma Gadotti

(2014, p. 01): “A gestão democrática – como princípio pedagógico e como preceito

constitucional – não se restringe à escola. Ela impregna todos os sistemas e redes de ensino”.

Questionou-se os entrevistados sobre como havia sido o processo de elaboração do

PAR, tendo sido obtidas as seguintes respostas:

Tivemos a assessoria de duas pessoas pra essa elaboração. Essas pessoas vieram e ficaram hospedadas em nosso município e durante esses três dias deram toda a assistência para essa elaboração. Foi construído dessa maneira junto com elas (ENTREVISTADA 2, 2015).

A assessoria foi muito boa, pelo menos elas tiraram todas as nossas dúvidas. Na época a informação era muito difícil. Elas trouxeram os recursos delas e ficaram mostrando como era. Então era feito através de reuniões, encontros. (ENTREVISTADA 4, 2015)

[...] estávamos na secretaria e chegaram lá duas pessoas, duas mulheres, e chegaram com esse objetivo de implantar o Plano de Ações Articuladas, chegaram lá, e a gente tinha informações que tem que ter esse plano, que seria o coração da educação para aquele período. E que tínhamos um prazo determinado para que elaborássemos o plano (ENTREVISTADO 1, 2015, grifo nosso)

Os depoimentos evidenciam, de modo geral, que o PAR foi elaborado por

representantes do município em colaboração com as assessoras contratadas pelo Ministério da

Educação para auxiliar tecnicamente na elaboração do Plano. Uma das assessoras foi

entrevistada e afirmou que: “eles [a equipe local] foram muito participativos durante o

planejamento, no seu desenvolvimento e na escolha das ações” (ENTREVISTADA 05, 2015,

grifo nosso).

Alguns aspectos, no entanto, chamam a atenção para o tipo de colaboração e de

participação que pode ter se dado naquele momento. Um deles diz respeito à compreensão da

equipe local acerca do PAR: a segunda fala evidencia que a entrevistada não tinha muita

informação sobre o Plano e que as assessoras “foram mostrando” como era e como deveria ser

feito; a terceira fala demostra até certa surpresa com a chegada das assessoras na Secretaria de

Educação do município. A certeza do entrevistado, era a de que o PAR seria algo que

obrigatoriamente o município deveria ter e que conduziria as ações na educação municipal

para um determinado período.

Page 184: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

182  

  

De forma geral, é possível concluir que houve interação entre os funcionários de

diferentes governos, sendo compreendida, nesse caso, como contato. Essa é uma das

características das Relações Intergovernamentais, conforme Wright (1974). O que se

questiona a partir dos depoimentos, é se houve colaboração entre esses servidores públicos de

diferentes instâncias governamentais e que tipo de colaboração pode ter havido quando as

partes estavam em condições desiguais no que competia ao conhecimento das diretrizes do

PAR. Fica evidente nos depoimentos que a formação dada à equipe local sobre o Plano foi

dada pelas assessoras do MEC. Nesses termos, alguns questionamentos feitos por Werle

(2006a) ao analisar a relação entre os governos no desenvolvimento do Programa de Apoio

aos Secretários Municipais de Educação (Prasem), podem ser refeitos aqui, examinando as

relações entre os funcionários da SEMED de Riachuelo e do MEC no contexto da elaboração

do PAR para o período 2007-2011:

Se o MEC “atualiza e capacita” um dos entes com os quais deveria estabelecer o regime de colaboração, qual a relação de poder que se estabelece entre os mesmos? São ambos igualmente atores, sujeitos de ação nesse programa? Como se construirá a colaboração pretendida neste quadro desigual? (WERLE, 2006a, p. 39).

A falta de conhecimentos sobre o Plano, pode ter comprometido a autonomia local

quando ao diagnóstico e o estabelecimento das ações a serem executadas, assim como a

relação desigual entre os membros da equipe. Mesmo tendo corrido o risco de ser mais um

espaço de condensação de forças e de reforço de ingerência da União, os entrevistados da

equipe local destacam a importância da presença de representantes do MEC na elaboração do

Plano. A fala a seguir reforça essa afirmação: “Foi muito boa a atuação delas, compreensivas

de acordo com a realidade do município, [...] a cobrança delas foi importante para que a

gente pudesse elaborar o PAR”. (ENTREVISTADO 01, grifo nosso). Ao mesmo tempo em

que reitera a importância das assessoras para a elaboração do documento, o entrevistado

evidencia uma possível subserviência, notada na aparente relação de controle do trabalho da

equipe local.

O exímio controle do trabalho alheio é uma das características do modelo burocrático

weberiano, o qual pode ser identificado no PAR, e, nessa perspectiva, o controle visa a

verificar se os objetivos estão sendo perseguidos, buscando alcançar tecnicamente o máximo

de rendimento. De fato, o modelo de planejamento educacional burocrático, o qual

supervaloriza a dimensão técnica do processo foi predominante em diferentes momentos da

trajetória brasileira e ainda não foi superado, como pode ser observado no PAR.

Page 185: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

183  

  

Em contraposição a isso, é preciso consolidar um modelo de planejamento educacional

que considere o princípio da gestão democrática em seu cotidiano, não devendo ser

compreendido como mais um procedimento burocrático que busca atender às exigências de

instâncias superiores. Compreende-se que o planejamento não é um ato neutro e, no caso em

análise, o controle exercido na elaboração do PAR refletiu-se nas relações de poder que se

estabeleceram entre MEC e Semec no delineamento da política educacional municipal para o

período de 2007 a 2011, visando a consolidar a concepção educacional da União.

“Evidentemente, todo processo de planejamento contém a tentativa política de privilegiar

determinados grupos para consolidar uma visão de sociedade” (SILVA; FERREIRA;

OLIVEIRA, 2014, p. 92).

Ainda em relação à elaboração do PAR, a entrevistada 05, uma das duas assessoras do

MEC, relata uma dificuldade encontrada ao chegar ao município:

Tinha um fator complicador comigo, porque o meu marido, pra você ver como é interior, o meu marido é de uma família de Riachuelo, uma família muito influente que comandou por muito tempo a política municipal de Riachuelo. Eu não o conhecia nesse tempo, o conheci bem depois. Então quando eu comecei a assessorar o PAR, o prefeito já sabia quem eu era, já sabia meu nome, já sabia o nome do meu marido. Então, assim, quando eu fui me apresentar no município, todo mundo já sabia quem eu era e na cabeça das pessoas eu já estava ali para fazer alguma coisa para beneficiar a família de qualquer maneira (ENTREVISTADA 05, 2015).

A entrevista, a priori, identificou resistência por parte da equipe local para a

elaboração do planejamento, por acreditarem que ela estava interessada em beneficiar a sua

família por meio do jogo político da troca de favores. Esse é um aspecto ainda muito presente

nos municípios brasileiros e que o próprio PAR se propõe a evitar, o clientelismo, a troca

política baseada numa relação assimétrica de poder. Ou seja, a equipe local acreditou, em um

primeiro momento, que a assessora estava buscando negociar os recursos federais com as

lideranças locais em troca de apoio local e de votos numa próxima eleição. A resistência foi

superada após, em conversa com a equipe, serem esclarecidos os motivos que levaram a

assessora a escolher o município de Riachuelo: proximidade com a capital e, por conseguinte,

a possibilidade de voltar para casa após o trabalho.

É oportuno destacar que as assessoras do MEC estiveram em Riachuelo apenas por

três dias, tendo de proporcionar formação sobre o PAR à equipe local, de analisar os dados

sobre os índices educacionais e a situação das escolas que haviam sido coletados com

antecedência pela secretaria municipal de educação a pedido das assessoras, de realizar o

Page 186: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

184  

  

diagnóstico do sistema de ensino e de elaborar as justificativas e as demandas para cada uma

das ações que foram geradas.

A esse respeito, a entrevistada 05 afirmou:

O tempo é curto para o diagnóstico, mas pra elaboração do PAR em si não é não. Mas para o diagnóstico, pra gente que tá de fora entender, pra realmente compreender a realidade do município não é fácil não. [...] eu acho que deveria ter um espaço maior pra gente poder passar pelo menos uma semana no município, andando mesmo, pelo menos uns três dias antes da elaboração (ENTREVISTADA 05, 2015)

O tempo foi exíguo diante da demanda e da complexidade das atividades que foram

desenvolvidas e que seria necessário mais tempo para formação dos sujeitos locais e a

reflexão acerca da situação educacional visando ao planejamento do sistema de ensino. Nesse

curto período, é possível que não se tenha construído um planejamento educacional com

sólidas bases no tocante às suas dimensões sociais e políticas. Mesmo a dimensão técnica do

planejamento local pode ter sido tangenciada em razão do tempo insuficiente.

No caso do PAR, é importante destacar que apenas foram contemplados com a visita

de assessores do MEC aqueles municípios considerados prioritários. Ainda que a permanência

das assessoras de apenas três dias no município de Riachuelo tenha levado a realização de um

trabalho que possa ser considerado aligeirado, destaca-se o tratamento diferencial do MEC

para com os municípios não prioritários que não dispuseram de assessoria externa para

compreensão do Plano, de seus objetivos e de sua elaboração. Santos (2016) tece críticas ao

MEC quanto ao seu tratamento diferenciado em relação aos municípios de baixo IDEB e os

demais, em condições menos desfavoráveis quanto à qualidade da educação medida por esse

indicador. Conforme a autora, esse tratamento relaciona-se à concepção de Estado mínimo e

prejudica aqueles municípios que conseguiram, por conta própria, sair da zona de penúria

educacional, os quais não podem contar com a assistência técnica e financeira do MEC. Esse

é o caso do município de Acari, no Rio Grande do Norte, objeto de estudo da autora, no qual

determinadas ações previstas em seu PAR, como a implantação do PDE Escola, não foram

executadas pois demandavam assistência da União, não prevista para o município, cujo IDEB

estava na média projetada pela União.

As entrevistadas 03 e 04, por outro lado, consideraram o tempo suficiente e afirmaram

que as dúvidas em relação ao PAR foram sanadas durante o período com as assessoras, como

pode ser observado nos fragmentos a seguir:

Page 187: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

185  

  

Dúvida não restou. Foi tudo esclarecido. Tudo, tudo, tudo. Até porque era novidade e a gente estava sempre questionando, porque a gente não sabia como é que funcionava (ENTREVISTADO 03, 2015).

Tivemos [dúvida] porque até então nós não conhecíamos o PAR [...]. As dificuldades foram com relação à documentação, às dificuldades de fazer aquele levantamento diagnóstico por escola, tudo tem que ter a caracterização, a problematização que existia na escola. As dificuldades foram essas mas como tínhamos a assessoria nos ajudou muito a esclarecer as dúvidas que tínhamos. (ENTREVISTADO 02, 2015)

Os depoimentos mostram o desconhecimento das entrevistadas em relação ao PAR.

Por isso, as entrevistadas reiteram a importância da assessoria e do esclarecimento realizado

pelas assessoras acerca da política. Reforçam, portanto, o questionamento de Werle (2006a)

acerca do tipo de colaboração que pode haver entre os sujeitos envolvidos, nesse caso, no

processo de planejamento municipal. Pode-se concluir que as relações de poder estavam

desiquilibradas, havendo certa dependência das assessoras, o que não se deveu apenas ao

contato dessas com a política, mas também em razão das suas formações e experiências

profissionais, como destaca o entrevistado 01:

Eu acho que se viesse assim: os municípios têm que formar, elaborar o Plano de Ações Articuladas, se não tivesse a orientação, a consultoria do MEC, a gente teria muito mais dificuldade em elaborar, porque vem aí a parte técnica, que é importante e a gente não tinha. A gente tem o conhecimento prático antes da realidade, mas precisa de uma técnica para colocar isso sistematizado no plano, a importância é mais ou menos por aí (ENTREVISTADO 01, 2015, grifo nosso).

Para o entrevistado, a fragilidade técnico-administrativa da equipe local viria a

impossibilitar a elaboração do PAR caso não houvesse assessoria. O mesmo entrevistado, que

era o secretário de educação à época, também afirma: “A questão de formação das pessoas

nessa área de gestão [...], nenhum dos meus auxiliares tinham formação em gestão, a gente

estava tipo que começando do zero, então essa foi a maior dificuldade da gente, saber

encaminhar esse a passo a passo” (ENTREVISTADO 01, grifo nosso).

A baixa capacidade técnica dos servidores das secretarias municipais de educação não

é uma especificidade de Riachuelo, mas é algo também constatado em outras pesquisas

realizadas em âmbito nacional sobre o PAR, tratando-se de um fator que pode vir a manter

“[...] o município em uma condição de submissão às normas definidas pela União e corrobora

a histórica visão restritiva do município como agente político capaz de induzir e formular

políticas públicas” (SILVA; FERREIRA; OLIVEIRA, 2014, p. 91).

Page 188: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

186  

  

A baixa capacidade técnica é, portanto, um aspecto que engessa o município quanto à

formulação de suas próprias políticas. Por não saber como fazer por conta própria, a

alternativa seria aguardar que o MEC mande a receita pronta. Diversos fatores podem ser

destacados para explicar a baixa capacidade técnica dos servidores públicos, especialmente

naqueles de municípios de pequeno porte tais como o clientelismo político, que tende a

indicar para cargos de gestão pessoas do mesmo grupo político do executivo mesmo que sem

formação adequada para o exercício da função.

Some-se a esse fator, a escassez de opções de cursos de formação inicial e continuada

nas cidades mais distantes da capital do estado. No caso dos programas dessa natureza

financiados pelo MEC, em linhas gerais, privilegiam a formação continuada dos docentes que

estão nas escolas, sendo raras as ações voltadas para os docentes lotados nas secretarias de

educação. É responsabilidade também do município buscar proporcionar a formação

continuada de seus servidores, embora outros aspectos como a insuficiente capacidade

arrecadatória interfiram nesse processo.

Nesse sentido, conclui-se que diversas dificuldades técnicas tais como a falta de

servidores qualificados em gestão educacional, a infraestrutura inadequada e a insuficiência

de recursos financeiros, dificultam e, muitas vezes, impedem que as secretarias municipais,

sobretudo aquelas de pequeno porte, possam formular e executar políticas próprias. Essas

dificuldades comprometem, portanto, a gestão educacional em âmbito local, sendo esse o caso

observado em Riachuelo, é algo ressaltado pelo entrevistado 01 (inclusive a dificuldade em

executar uma política já formulada em outra instância).

Os limites gerados pelas dificuldades técnico-administrativas, políticas e financeiras

também foram identificados por Farenzena et al (2012) em pesquisa realizada sobre o PAR

em quatro estados brasileiros das regiões sul e nordeste. As constatações dos autores também

podem ser relacionadas com a situação de Riachuelo e com a necessária mudança visando a

superar alguns desafios, sobretudo aqueles relacionados à qualificação político-administrativa

dos gestores locais:

De todo modo, a incidência desses limites manifesta o enorme desafio que é a qualificação político-administrativa local-municipal diante de precariedades financeiras e institucionais e de contextos heterogêneos e desiguais. Essa qualificação envolve tanto o fortalecimento financeiro das administrações locais quanto o fortalecimento da gestão local da educação, em termos de constituir estruturas mais sólidas nas secretarias de educação para a proposição e a execução de políticas educacionais continuadas e referenciadas no contexto local com o PAR e para além PAR (FARENZENA et al., 2012, p. 158).

Page 189: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

187  

  

5.2.3 Contribuições do PAR para a organização do sistema municipal de ensino

Em relação à contribuição do PAR para o sistema de ensino de Riachuelo, no geral, os

entrevistados avaliam-no de maneira positiva, como pode ser observado a seguir:

O PAR, ele foi o coração da educação, hoje ele ainda é atribuído essa função, é através do PAR que a gente estruturou nossas escolas, a formação dos professores também está contemplada nele, o piso salarial. Ele realmente veio como o “carro-chefe” da educação do município. (ENTREVISTADA 02, 2015)

Eu acho que a partir do PAR que a gente teve uma noção de como deve estar organizada uma Secretaria de Educação, aquela coisa de distribuir funções, a gente fez a estrutura da secretaria a partir do PAR, com as orientações dela a gente começou a ganhar uma ideia, e aí começando a definir a função de cada um. (ENTREVISTADO 01, 2015)

Foi muito bom, tirou a parte de politicagem e de política partidária da história e ficou a necessidade real do município e na hora que você desenvolve isso e você assina esse pacto com o governo, tanto o governo tá ciente das ações que você planejou e os recursos que você vai precisar, e sabe também o porquê você botou aquilo ali diante das necessidades, da justificativa que a gente colocava nas ações: isso aqui é pra isso, por isso e por isso (ENTREVISTADA 05, 2015)

Na compreensão dos entrevistados, o PAR trouxe grandes contribuições ao município.

Pode-se inferir que se tratou de um marco para a educação no município por proporcionar

melhorias na infraestrutura das escolas, na formação dos professores e por iniciar o debate

acerca do pagamento do piso salarial nacional que estava para ser assinado no ano seguinte,

conforme pode ser observado na fala da entrevistada 05:

Uma das coisas engraçadas que surgiu durante o planejamento, é que a gente tinha que prever o plano de cargos e salários de lá e os aumentos progressivamente até chegar ao piso. Então isso foi uma empolgação, teve uma empolgação muito grande por parte dos professores. Porque eles nem sabiam que o município não podia [descumprir a Lei do piso] (ENTREVISTADA 05, 2015, grifo nosso).

Além disso, o Plano também contribuiu para incentivar a cultura do planejamento e

da participação no planejamento municipal e na organização da Semec. Logo, a elaboração do

PAR trouxe um ganho maior para o município, além daqueles previstos em seus objetivos

iniciais, a partir do Plano, houve uma mudança na estrutura da secretaria. Assim, é preciso

Page 190: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

188  

  

reconhecer como relevante a reflexão sobre a situação educacional do município, bem como a

construção de conhecimentos sobre organização, gestão e planejamento do sistema de ensino

que o PAR, possivelmente de maneira inédita no município, oportunizou. Pela fala do

entrevistado 01, conclui-se que não havia organização da Semec mesmo que na perspectiva

burocrática weberiana, cuja ênfase centra-se na busca pela eficiência de maneira impessoal e

racional. Assim, pode-se inferir que a prática do planejamento sistemático de perspectiva

plurianual enquanto ferramenta orientadora da gestão educacional realizado pelo próprio

sistema de ensino não era algo presente em Riachuelo e que o PAR contribuiu nesse aspecto.

É oportuno destacar que pesquisas desenvolvidas por Silva (2015) e por Barleta

(2015), realizadas respectivamente em Natal, capital do Rio Grande do Norte e Macapá,

capital do Amapá, não destacam as contribuições do PAR sob o aspecto da organização da

rede. Dessa maneira, é possível concluir que, nas capitais e nas cidades de maior porte, as

contribuições do PAR não sejam as mesmas que em cidades de pequeno porte, como

Riachuelo.

Outro aspecto apresentado como positivo pelos entrevistados é o recebimento de

recursos federais vinculados à execução do PAR:

O LSE, no meu município, eu acredito que desde 2005 ele estava havendo, só que nós fazíamos o levantamento de toda a situação, tinha todo esse trabalho, mas os recursos não vinham. Era como se a gente arquivasse ali alguma coisa. Era como se a gente arquivasse, mandava para o MEC, para o FNDE e não vinha aquela política de incentivo e recurso para a Educação funcionar bem a gente também conta recurso (ENTREVISTADO 02, 2015).

Nesse caso, a entrevistada faz referência ao fato de que, embora o município realizasse

um levantamento das condições de infraestrutura e de equipamentos das escolas por meio de

uma outra ação do MEC, o Levantamento da Situação Escolar44 – LSE – esse ente não

dispunha de recursos financeiros para melhorar a situação identificada e ao demandar recursos

federais para resolução dos problemas indicados, nem sempre obtinha resposta. Nesse caso, o

PAR se apresenta como uma vantagem aos municípios, invertendo a lógica predominante até

então: a de os municípios irem até o MEC em busca de recursos. Assim, com o PAR: “[...]

não são os entes assistidos (governos estaduais e prefeituras) que propõem este ou aquele

projeto/ação, mas é o MEC que disponibiliza um menu de programas e ações” (FARENZENA

et al., 2012, p. 161). Diante disso, vê-se a importância da indução de ações e de programas por                                                            44 “Trata-se de uma ferramenta de suporte ao conhecimento, por meio de fatos e dados, do estado em que se encontra a infra-estrutura física, os equipamentos, os mobiliários e os materiais didáticos de cada uma das unidades escolares” Disponível em <ftp://ftp.fnde.gov.br/pub/lse/Parente_Produto1_Guia_Prefeito.pdf> Acesso em 22 de abril de 2016.

Page 191: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

189  

  

parte da União, nível de governo que detém a maior parte das receitas tributárias, que assistam

financeira e materialmente os demais entes da federação. O cumprimento do mandamento

constitucional que estabelece as funções redistributiva e supletiva em matéria educacional por

parte da União consiste nos fundamentos legais do federalismo cooperativo.

5.2.4 O PAR enquanto instrumento de fortalecimento do regime de colaboração

Outro aspecto abordado na entrevista tratou da compreensão dos entrevistados acerca

da contribuição do PAR para o regime de colaboração em educação:

Colaborou [com o regime de colaboração], porque ficou assim falando a mesma linguagem. De repente aquela linguagem foi unificada. O Ministério dizia uma coisa e você ia para o plano e estava lá contemplado do mesmo jeito que o Ministério dizia que ia ser (ENTREVISTADA 02, 2015).

A concepção de regime de colaboração apresentada pela entrevistada não se relaciona

com a cooperação estabelecida em conjunto a partir do compartilhamento vertical de poder. O

que fica claro no recorte da entrevista é que havia um alinhamento entre o discurso do MEC e

o texto da política educacional em análise, o PAR. Nesse sentido, ainda que o Plano, na

condição de uma política a ser desenvolvida de forma interdependente, requeira a participação

de dois entes federados, é possível inferir que apenas um era responsável por determinar “o

jeito que ia ser”. Logo, não existiu a colaboração enquanto “[...] processo colaborativo que se

constrói com o envolvimento de todos, numa perspectiva democrática e cidadã, cujas bases

não se restringem a documentos formais, mas que compreende a importância de uma cultura

de colaboração entre redes, sistemas, entre Executivo e Legislativo municipal, entre órgãos

normativos dos sistemas de ensino e todos os envolvidos com a educação” (WERLE, 2006b,

p. 07)

Na concepção de Cury (2002), a preponderância do MEC no que se refere ao regime

de colaboração é resultado da ausência de definições legais claras, tanto na Constituição

brasileira quanto em leis complementares:

“Sem essa definição, o avançado e conceituado regime de colaboração de nossa Lei Maior, em seu modus operandi, vem se revelando muito mais um regime de decisões nacionalmente centralizadas e de execuções de políticas sociais subnacionalmente desconcentradas” (CURY, 2002, p. 198).

Page 192: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

190  

  

Como já foi discutido anteriormente, não houve descentralização de poder no que se

referiu à formulação do PAR. O município de Riachuelo, assim como os demais municípios

brasileiros, aderiram ao Plano estabelecido como uma política formulada centralmente, mas

cuja execução foi desconcentrada.

Um dos princípios do federalismo conforme Elazar (1987), é o da não-centralização

para analisar a relação entre os entes que formam uma federação. Nesse sistema, não haveria

um centro de onde emana o poder, o federalismo é um regime no qual coexistem diferentes

centros de poder com autonomia e capacidade para formular regras próprias. Assim, nos

países que adotam tal regime seria impossível detectar essa dicotomia descentralização-

desconcentração. No entanto, ao se tomar como referência para análise o caso brasileiro, é

preciso considerar alguns fatores que interferem em sua organização política, tais como as

assimetrias causadas pelas diferentes capacidades dos entes da federação em arrecadar

recursos próprios e em formular e implementar políticas públicas, dificuldades observadas em

Riachuelo e a ausência de mecanismos legais que incentivem a cooperação bem como a

mudança nos padrões de relacionamento entre as esferas do governo nos diferentes momentos

da história.

A dificuldade em efetivar o regime de colaboração previsto para o campo educacional

se deve à complexidade do federalismo brasileiro e ao quanto ele está distante de se tornar

cooperativo. Por isso, é possível identificar a existência de políticas ora descentralizadas ora

desconcentradas no cenário brasileiro. O PAR, portanto, caracteriza-se como uma política

desconcentrada, na qual o governo central se estabelece enquanto instância privilegiada de

centralização do poder e de tomada de decisões sem a existência de um permanente processo

colaborativo e democrático mediante o envolvimento de todos os níveis de governo

envolvidos.

Acerca do inter-relacionamento entre secretaria municipal e MEC, no tocante ao PAR,

uma entrevista nos chamam a atenção pelo fato de destacar alguns avanços nas relações

intergovernamentais, mas também algumas permanências que evidenciam as fragilidades do

MEC em exercer a coordenação federativa:

A relação não só do município, da parte da educação com o Ministério avançou, mas ainda é muito precária, muito distante. Quando a gente consegue falar com algum deles, vocês conhecem o 0800-616161, você tira o dia todo ali pra tirar uma dúvida, então é deprimente até, cansativo até, e às

Page 193: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

191  

  

vezes você não consegue e a gente sabe que 8 anos depois ainda tem essa dificuldade (ENTREVISTADO 01, 2015).

O entrevistado reconhece certo avanço entre as relações do MEC com o município,

mas também destaca a precariedade quanto ao contato entre os governos. Essa evidência

contraria uma das características das RIG, conforme Wrigth (1988), que são relações

contínuas e cumulativas entre as autoridades governamentais. Elazar (1978) também defende

amplas e contínuas relações entre os governos dentro de um regime federativo. Ambos os

autores, como se percebe, defendem a regularidade das relações, as quais não devem ser

ocasionais, mas sim permanentes tanto nas relações formais quanto informais, no cotidiano do

governo.

No caso do PAR de Riachuelo, essa interação presencial ocorreu nos dias em que as

assessoras do MEC estiveram no município para a elaboração do documento, mas não houve

assessoria no município posteriormente. Uma das alternativas encontradas pela secretaria para

ter contato com o MEC parece ter sido o contato telefônico e, todavia, conforme depoimento,

não houve muito sucesso nem à época da elaboração do plano nem durante os oito anos que se

passaram entre a elaboração do plano e a realização da entrevista. O MEC afirmou no

documento norteador do PDE que alcançar os objetivos desse plano exigiria do Ministério da

Educação uma mudança de postura radical no atendimento aos entes federados, o que

implicaria sair de Brasília e conhecer seus parceiros (BRASIL, 2007, p. 23). Contudo, essa

mudança não aconteceu a contento, ao menos no sentido de aproximar o ministério das

secretarias de educação.

Considera-se a interação entre os governos um fator determinante para o sucesso de

uma política, especialmente aquelas projetadas para cumprimento em médio prazo, como é o

caso do PAR. O primeiro contato parece não ter sido suficiente para o encaminhamento das

etapas seguintes, o cumprimento das ações pactuadas e a falta de resposta pode vir a impedir a

realização das ações. Dessa forma, faltou o exercício da coordenação federativa por parte do

MEC em relação ao Plano, dado que não foram proporcionadas as formas de integração

necessárias.

Outra falha do MEC, na concepção do entrevistado, diz respeito à não instalação dos

computadores adquiridos por meio de ação estabelecida no Plano, conforme depoimento a

seguir:

Page 194: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

192  

  

Eu vejo que através do PAR a educação do país e não só do município ela avançou e quem soube fazer o PAR em cima de suas dificuldades teve resultado, claro que a gente percebe falhas do MEC, por exemplo, o laboratório de informática, chegava e tínhamos que esperar o técnico do Ministério da Educação para poder liberar ele para poder funcionar, e aí a gente ficou acho que dois anos esperando por esse técnico (ENTREVISTADO 01, 2015)

A espera de dois anos por um técnico para instalação dos equipamentos é um fator que

pode ter gerado frustração e comprometido a confiança do município em relação ao MEC. A

expectativa da equipe local em relação ao PAR era a de que o Plano resolvesse muitos dos

problemas educacionais do município, sobretudo aqueles relacionados ao recebimento de

recursos materiais e financeiros. A expectativa da equipe em relação ao PAR, segundo a

entrevistada 05, foi grande, mas também permeada por certa desconfiança desde a chegada

das assessoras ao município, ali representando o governo federal, o MEC:

Na cabeça deles [equipe local], era só mais um documento, mais um planejamento. Eles diziam: eu quero saber se vai vir o dinheiro porque a gente sempre tentou fazer isso e nunca vinha o dinheiro, e agora porque tá aí nesse papel, será que vai vir? Então assim, a gente recebeu muitas criticas, eu e minha colega, a gente olhava uma pra outra porque a gente também ficava receosa de estar ali representando o MEC, estar dizendo que esse dinheiro vem e de repente esse dinheiro não vem. Como é que eu também vou ficar, entendeu? Então o receio partia também de mim, quando eu olhava pra minha amiga eu acho que eles viam isso nos meus olhos (ENTREVISTADA 05, 2015, grifo nosso).

Em qualquer acordo, espera-se que as partes cumpram o papel estabelecido dentro do

cronograma previsto e, no caso do PAR, o não cumprimento do MEC de sua parte, enquanto

propositor da política, pode implicar na perda de confiança do município em relação ao Plano.

Camini (2010a, p. 543) faz uma ressalva quanto a isso:

Para o equilíbrio da relação intergovernamental em relação ao PAR, o essencial a ser preservado é a manutenção da confiança estabelecida entre os entes federados no momento da adesão ao Plano de Metas Compromisso, quando esses assumiram e pactuaram responsabilidades no propósito de buscar a melhoria da qualidade do ensino. A quebra de confiança pelo não cumprimento dos compromissos assumidos, especialmente por parte do MEC, como proponente do acordo, pode repercutir negativamente sobre os resultados dessa ação.

Page 195: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

193  

  

Nesse sentido, é possível concluir que o PAR em Riachuelo/RN foi uma política

induzida pelo governo federal que manteve centralizado o processo de tomada de decisões em

sua instância. Dificuldades técnicas, administrativas e financeiras se tornam um empecilho

para que municípios de pequeno porte, tais como Riachuelo/RN possam formular e executar

políticas próprias e até mesmo questionar as políticas concebidas centralmente. A ingerência e

a permeabilidade identificadas no processo evidenciam uma tensão entre modelos distintos de

relações intergovernamentais que ora se mostram interdependentes ora hierárquicas.

Dessa forma, ao se analisar a relação entre MEC e SEMEC de Riachuelo na adesão ao

PDE/Plano de Metas e elaboração do PAR, pode-se identificar uma dificuldade apresentada

por Werle (2006a), a crise do federalismo. É possível observar o descompasso entre a

possibilidade de o município se assumir como ente político ao mesmo tempo em que sua

autonomia é dificultada e esvaziada devido à ausência de recursos políticos e institucionais

capazes de instituí-lo como tal (WERLE, 2006a).

O item seguinte desta tese dará continuidade à análise do PAR, doravante na

perspectiva de estudar as implicações do referido plano para a gestão educacional do

município. No PAR, em consonância com a legislação nacional, é estabelecida a gestão

democrática como modelo a ser aperfeiçoado nos municípios. É preciso a compreensão, no

entanto, de que a construção da gestão democrática é processual, sendo tal processo resultado

de diferentes fatores, dos quais as ações realizadas em colaboração com diferentes entes da

federação são parte desse processo.

5.3 GESTÃO EDUCACIONAL EM RIACHUELO/RN: ANÁLISE DA DIMENSÃO

GESTÃO DEMOCRÁTICA

Em consonância com as mudanças ocorridas na gestão pública brasileira, a política

educacional, principalmente a partir da década de 1990, também passou por um processo de

mudanças, suscitando, na administração educacional, os fundamentos da nova gestão pública.

A “[...] administração escolar não se faz no vazio, realizando-se, em vez disso, no seio de uma

formação econômico-social, e sendo, portanto, determinada pelas forças sociais aí presentes”

(PARO, 2010, p 186). As reformas educacionais implementadas na América Latina,

Page 196: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

194  

  

particularmente no Brasil, visavam a modernizar a gestão escolar. Como mostra Cabral Neto

(2009, p. 196),

O argumento fundante desse movimento de modernização da gestão no setor público, no país, põe em relevo a necessidade de modernizar a gestão educacional em todas as suas instancias, abarcando os níveis macro (ministérios), intermediário (secretarias estaduais e municipais de educação) e micro (escola) dos sistemas de ensino.

Convém destacar que esse processo de mudanças dos sistemas de educação e suas

respectivas escolas, ainda que motivados pelo mesmo processo de reformas do setor, não

obedecem a uma perspectiva linear, as totalidades são relativas e mutáveis historicamente,

determinadas também pelas suas particularidades. Nesse sentido, ainda que em âmbito macro

o discurso da modernização educacional tenha ganhado força a partir da década de 1990, no

sistema de ensino de Riachuelo as referidas mudanças ainda não lograram êxito.

O sistema municipal não apresentava, até o PAR 2007-2011, um modelo de

organização que orientasse o planejamento e a gestão da rede, como pode ser observado na

fala do entrevistado a seguir: “Eu acho que a partir do PAR que a gente teve uma noção de

como deve estar organizada uma Secretaria de Educação, aquela coisa de distribuir funções, a

gente fez a estrutura da secretaria a partir do PAR” (ENTREVISTADO 01, 2015).

Dito isso, esse item trará uma análise dos indicadores da dimensão 01 – Gestão

Educacional, Área: 1. Gestão Democrática: Articulação e Desenvolvimento dos Sistemas de

Ensino, buscando compreender como as ações do PAR impactaram na construção ou mesmo

no fortalecimento da gestão democrática no município.

5.3.1 Órgãos colegiados no PAR de Riachuelo: espaços de deliberação ou consenso?

Os órgãos colegiados são espaços de participação que envolvem diferentes segmentos

em torno da gestão da coisa pública. Constituem-se em instrumentos de controle do Estado

por parte da sociedade, buscando fortalecer a cultura democrática e a participação dos sujeitos

na gestão. Contudo, não basta a existência formal dos órgãos colegiados, uma vez que sua

atuação pode ir na contramão dos seus objetivos caso a participação dos sujeitos seja

meramente instrumental, legitimadora das decisões já tomadas fora do âmbito dos conselhos.

Page 197: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

195  

  

Acerca disso, Gohn (2011, p. 112) chama atenção para o fato de que:

Os conselhos poderão ser tanto instrumentos valiosos para a constituição de uma gestão democrática e participativa, caracterizada por novos padrões de interação entre governo e sociedade em torno de políticas sociais setoriais, como poderão ser também estruturas burocráticas formais e/ou simples elos de transmissão de políticas sociais elaboradas por cúpulas, meras estruturas para transferência de parcos recursos para a comunidade, tendo o ônus de administra-los; ou ainda instrumentos de acomodação dos conflitos em esquemas definidos previamente.

A autora evidencia as diferentes dimensões que caracterizam os conselhos, podendo

constituírem-se enquanto espaços de ampliação da participação popular e da democratização

da gestão pública, mas também servir como espaços burocráticos de exercício de uma

pseudoparticipação, haja vista a ausência de diálogo e de momentos coletivos de tomadas de

decisões.

Feitas essas ponderações, este subitem dará continuidade às analises, estudando os

órgãos colegiados de educação de Riachuelo e buscando compreender se as ações do PAR

favoreceram a atuação destes à luz da primeira perspectiva apresentada pela autora, dos

conselhos enquanto espaços de constituição da gestão democrática e participativa.

O primeiro indicador analisado será “Existência e funcionamento de conselhos

escolares (CE)”.

Quadro 06 – Indicador: Existência e funcionamento de conselhos escolares (CE) nos Plano de Ações articuladas de Riachuelo/RN

PAR Pontuação Justificativa Demanda potencial

Ação

2007-

2011

1 A maioria das escolas não se mobiliza e a secretaria por sua vez não procura articular as escolas para tanto

Implantar conselhos escolares em todas as escolas da rede de ensino, articulados com os diretores, procurando conscientizá-los da importância da criação desse conselho na sua

Implantar Conselhos Escolares

Page 198: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

196  

  

escola.

2011-

2014

2 Os conselhos escolares estão sendo criados, pois a SME foi capacitada e está implementando nas escolas

Implementar em 100% das escolas conselho escolar com participação

de todos os segmentos.

Orientar a criação de conselhos escolares nas escolas que ainda não os implantaram, garantir condições de funcionamento, incentivar a atuação dos conselhos escolares existentes e a eleição democrática de todos os seus segmentos.

Fonte: elaborado pela autora (2016)

O conselho escolar é um órgão colegiado formado por representantes de todos os

segmentos que compõe a comunidade escolar (direção, professores, alunos, pais,

funcionários), constitui-se como um importante espaço de participação, de debate e de tomada

de decisões coletivas na escola. É uma possibilidade de incluir na gestão e na tomada coletiva

de decisões segmentos que historicamente foram excluídos desse processo. A instituição de

conselhos escolares que funcionem efetivamente torna-se, portanto, um instrumento de

fortalecimento da gestão democrática nas escolas públicas brasileiras, ainda tão marcadas por

relações autoritárias de poder e está relacionada à luta pela democratização da sociedade. De

acordo com Bordignon (2013, p. 61):

“Os movimentos pela democratização da gestão pública requerem, hoje, dos conselhos, nova posição: a de responder as aspirações da sociedade e, em nome dela, exercer suas funções. O exercício da voz se inverte: passam a falar ao governo em nome da sociedade”.

Em complemento, os Conselhos escolares possuem, conforme Veiga (2007), quatro

funções distintas que se complementam: deliberativa, consultiva, fiscal e mobilizadora.

Conforme a autora:

Page 199: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

197  

  

Em síntese o conselho escolar tem quatro grandes funções: deliberativa, consultiva, supervisora e mobilizadora. São funções interligadas e complementares pois ao conselho compete elaborar, aprovar, deliberar, discutir, assessorar, emitir pareceres, supervisionar, acompanhar, avaliar, estimular a participação, aflorar e promover a comunidade escolar e local, mobilizar entre outros (VEIGA, 2007, p. 124).

Arruda (2014) evidencia, no entanto, que as políticas públicas de educação nos últimos

anos têm aproximado os conselhos escolares a uma concepção mais fiscalizadora do que

propositiva, ou seja, a atuação desse órgão colegiado tem se aproximado mais da supervisão

das ações, sobretudo da equipe gestora, do que do processo de tomada de decisões. Sua

afirmação mostra a relação das políticas educacionais com as diretrizes da Nova Gestão

Pública. Nesse caso, a função fiscalizadora relaciona-se com o estabelecimento de novas

formas de controle do serviço público, sendo o controle social uma delas. Essa perspectiva de

atuação do CE remete ao conceito de accountability, e supre a necessidade da prestação de

contas a um órgão de controle, no caso, a própria comunidade escolar.

Os conselhos escolares para escolas públicas estão prescritos na LDB 9394/96, em seu

Artigo 14, no qual a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou

equivalentes é estabelecida como um dos princípios para a gestão democrática dos sistemas de

ensino. Também o PNE 2001-2010 estabelece como meta a promoção da participação da

comunidade na gestão das escolas, universalizando, em dois anos, a instituição de conselhos

escolares ou órgãos equivalentes.

Contraditoriamente à legislação nacional, no diagnóstico da situação educacional do

município de Riachuelo para elaboração do PAR 2007-2011 consta a informação de que até o

ano de 2007 nenhuma das escolas municipais possuía conselho escolar. Esse dado corrobora a

afirmação de Veiga de que: “Não é a legislação que vai transformar a realidade escolar, mas o

dia-a-dia da prática pedagógica na perspectiva de prática social específica” (VEIGA, 2007, p.

115). A justificativa apresentada para a pontuação 1 recebida pelo indicador em questão, a

qual adverte para uma situação crítica por parte do município, afirma que a secretaria

municipal de educação não promovia ou incentivava ações que buscassem construir uma

prática social democrática e participativa nas escolas. Não era interesse da gestão municipal

instituir mecanismos de democratização e de controle da gestão escolar antes do PAR, quando

eram fortes as relações clientelistas entre poder municipal e gestores escolares. Fundamentado

Page 200: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

198  

  

numa gestão patrimonialista, a troca de votos por cargos de gestão era (e ainda é) comum no

município.

Ressalta-se que a criação de CE é uma das 28 diretrizes do Decreto 6094/2007 que

dispõe sobre o Plano de Metas e institui o PAR: “XXV - fomentar e apoiar os conselhos

escolares, envolvendo as famílias dos educandos, com as atribuições, dentre outras, de zelar

pela manutenção da escola e pelo monitoramento das ações e consecução das metas do

compromisso” (BRASIL, 2007a, p. 02). Ainda que a perspectiva de fomento dos CE, no que

se refere à diretriz, seja do órgão enquanto responsável pela manutenção da escola e

fiscalizador das metas do Compromisso – atuando, talvez, como um preposto do Estado nas

escolas, fiscalizando as metas estabelecidas por ele – sua criação e postura atuante,

comprometida com a democratização da gestão escolar e das relações sociais, podem vir a dar

novo significado aos CE ao incluir as funções deliberativas, consultivas e mobilizadoras.

Ainda em relação ao primeiro PAR, foi gerada a ação de implantar o Conselho Escolar

nas escolas. De acordo com o documento, o período para realização da ação seria de

11/02/2008 a 11/03/2008 e, para tanto, quatro subações foram previstas: monitorar a atuação

dos CE; elaborar e aplicar instrumentos de acompanhamento e de realização de reuniões;

estudo do material instrucional sobre CE; qualificar técnicos da SME para atuarem como

multiplicadores da formação de conselheiros escolares. Diante da tarefa assumida, o tempo

previsto, um mês, foi insuficiente para a realização das quatro subações que buscaram

implantar o CE nas escolas da rede, sendo essa uma falha no planejamento do PAR. Cabe

também destacar que a formação dos multiplicadores foi a única sub-ação promovida

mediante assistência técnica da União, pois as demais seriam de responsabilidade do

município. A qualificação dos técnicos da secretaria aconteceu por meio do Programa

Nacional de Fortalecimento de Conselhos Escolares45, criado pela Secretaria da Educação

Básica do MEC através da Portaria Ministerial nº. 2.896/2004, estando vinculada a

participação ao programa através da adesão ao PAR após 2007. Ao participarem da

                                                           45 O Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares tem por objetivo fomentar a implantação dos conselhos escolares, por meio da elaboração de material didático específico e da formação continuada, presencial e a distância, para técnicos das Secretarias Estaduais e Municipais de educação e para conselheiros escolares, de acordo com as necessidades dos sistemas de ensino, das políticas educacionais e dos profissionais de educação envolvidos com gestão democrática. O Programa é composto por ações distintas com durações distintas, as quais podem ocorrer presencialmente ou a distância: oficinas de elaboração de projetos para implantação e fortalecimento de conselhos escolares; encontros municipais de formação de conselheiros escolares; curso de extensão a distância; formação continuada em conselhos escolares; curso de formação para conselheiros escolares; elaboração de material didático-pedagógico específico para a formação de conselheiros escolares. Disponível em <  http://portal.mec.gov.br/programa-nacional-de-fortalecimento-dos-conselhos-escolares>, acesso em 12 de maio de 2016.

Page 201: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

199  

  

qualificação, os técnicos seriam, posteriormente, multiplicadores do Programa nas escolas.

Acerca desse, um dos entrevistados, que participou da qualificação, afirma:

O Programa Nacional de Fortalecimento de Conselhos Escolares é importante demais, todas as ideias do MEC que estão aí nesse plano, todas as ideias elas são muito boas, o problema é a execução falha, as falhas são principalmente dos municípios. O MEC falha também, porque eu acho assim, o MEC tem feito muitas capacitações, inclusive do Conselho, mas eu ainda acho que é pouco, tem que ser mais insistente, tem que ser, vou dizer repetitivo (ENTREVISTADO 01, 2015).

Para o entrevistado, a referida assistência apresenta falhas, carecendo de mais

insistência do MEC, talvez no sentido de que a comunidade local seja mais incentivada a

participar das capacitações. Em que pese a responsabilidade do município em instituir ações

próprias de fortalecimento da gestão democrática, tais como a formação dos conselheiros, é

preciso problematizar o formato escolhido pelo MEC, o de qualificar agentes multiplicadores.

Seria essa estratégia a mais adequada e eficiente? Considera-se que a multiplicação pode não

ser suficiente para a devida formação dos conselheiros em razão de se tratar, no caso, de um

curso de curta duração cuja formação pode sequer não ter sido suficiente aos próprios sujeitos

que participaram desse momento.

O entrevistado ainda sugeriu que houvesse uma recompensa financeira para os

conselheiros para que o interesse em participar aumentasse. Nesse sentido, analisando a fala

dos sujeitos que perguntam o que vão ganhar ao se tornarem conselheiros escolares,

Domingos Sobrinho; Barbosa Junior (2014) argumentam que tal forma de pensar é fruto de

um processo histórico que leva alguns sujeitos a perderem a dimensão do público, ou seja,

não trabalham pensando na melhoria coletiva mas apenas em ganhos individuais. Para os

autores, essas estratégias: “[...] são sintomas de uma época na qual a hegemonia do modo de

pensar do capitalismo globalizado impõe a lógica do lucro a tudo e a todos que estão

submetidos aos seus desígnios” (DOMINGOS SOBRINHO; BARBOSA JUNIOR, 2014, p.

243).

A multiplicação da qualificação se configurava como uma sub-ação cuja execução era

responsabilidade do município, aspecto que também apresentou falhas. Uma das justificativas

apresentadas pelo entrevistado foi a dificuldade em:

Page 202: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

200  

  

[...] desenvolver o trabalho educacional nos municípios pequenos. Você convida o pessoal para fazer parte do Conselho e ninguém quer participar, está difícil de participar. Quando você faz uma reunião eles vêm, tipo para matar a curiosidade, na segunda já fica faltando gente, na terceira já não vem mais (ENTREVISTADO 01)

A dificuldade apresentada pelo entrevistado, pouca participação, não se circunscreve

apenas aos municípios de pequeno porte, mas é algo inerente à sociedade brasileira, dado seu

histórico centralizador. Na verdade, conforme Demo (2009), para se discutir a participação

social é preciso inicialmente reconhecer a tendência histórica à dominação presente na

sociedade, a qual se organiza através de polarizações hierárquicas, havendo um lado

minoritário que comande e um majoritário que seja comandado. Contudo, a falta de

participação não deve ser encarada como um problema em si, mas como um ponto de partida

para que ele aconteça nos conselhos escolares, o que depende da viabilização de uma cultura

democrática para além da estrutura dos Conselhos escolares, o que deve, portanto, anteceder

sua formação, extrapolando os muros da escola.

Em 2011, ano em que foi realizado um novo diagnóstico da situação educacional do

município de Riachuelo, o indicador referente aos conselhos escolares recebeu pontuação 2,

apresentando melhora em relação ao diagnóstico anterior. A pontuação recebida representa a

seguinte situação:

Quando existem conselhos escolares em menos de 50% das escolas, pouco atuantes (existem apenas no papel) e seus representantes não são eleitos democraticamente. A secretaria municipal de educação sugere, mas não orienta a implantação dos conselhos escolares. As escolas da rede, em parte, mobilizam-se para implantar conselhos escolares, mas não recebem orientação para isso (RIACHUELO, 2011, p. 08).

Durante a realização do diagnóstico para elaboração do segundo PAR (2011-2014), foi

constatado que das onze escolas municipais, seis ainda não haviam constituído seus

Conselhos. Diante disso, essas instituições receberiam a visita da equipe técnica da secretaria

para orientar o processo de implantação dos CE e do processo eleitoral para escolha dos seus

membros. Assim, as ações realizadas a partir do primeiro PAR contribuíram para que o

município instituísse o CE em cinco das onze escolas.

Page 203: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

201  

  

Quanto ao indicador 07, “Existência, composição e atuação do Conselho Municipal de

Educação (CME)” a pontuação obtida em 2007 foi 3, o que aponta para uma situação

satisfatória, com mais aspectos positivos que negativos, ou seja, o município de Riachuelo,

em sua avaliação, desenvolve, parcialmente, ações que favorecem o desempenho do

indicador.

Quadro 07 – Indicador: Existência, composição, competência e atuação do Conselho

Municipal de Educação (CME) nos Planos de Ações articuladas de Riachuelo/RN PAR Pontuação Justificativa Demanda

potencial Ação

2007-

2011

3 O CME é representado pelo segmento de classe entretanto não participa do planejamento Municipal da Educação

Sugerimos a participação do CME no planejamento Municipal de Educação e acompanhamento dos recursos e nas avaliações

Não gerou ação

2011-

2014

4 O município possui um conselho atuante com regimento interno aprovado e representado por todos os segmentos.

O conselho auxiliar à SME no planejamento, na distribuição dos recursos e na fiscalização.

Apoiar a atuação do CME, incentivando-o a participar do planejamento municipal da educação, da distribuição de recursos, do acompanhamento e da avaliação das ações educacionais.

Fonte: elaborado pela autora (2016)

O Conselho Municipal de Educação (CME), é um órgão colegiado que tem como

funções “[...] a formulação de políticas de articulação e qualificação da educação local e com

as de acompanhamento e desenvolvimento do sistema de ensino, em consonância com as

necessidades da comunidade e as legislações estadual e nacional” (WERLE, 2006c, p. 132).

Dessa forma, o CME é um órgão importante para o exercício da autonomia municipal em

Page 204: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

202  

  

correlação com os demais conselhos, o estadual e o nacional bem como para o

desenvolvimento da política educacional local, atento às necessidades do município e atuando

de maneira independente, inclusive em relação à fiscalização do poder executivo.

No município de Riachuelo, o CME foi criado em 27 de agosto de 1998 e é composto

por: um representante da SME; um representante dos professores das escolas públicas de

ensino fundamental; um representante dos diretores de escolas públicas de ensino

fundamental; um representante de pais de alunos; um representante dos servidores das escolas

públicas de ensino fundamental; um representante do sindicato dos servidores de Riachuelo;

um representante da Associação dos produtores rurais do Bandeira (RIACHUELO, 1998).

Segundo a fala de uma das entrevistadas, a criação do CME esteve relacionada à

implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério (Fundef) no município (ENTREVISTADA 02, 2015). Talvez seja

por isso que, das sete atribuições previstas para o Conselho em sua Lei de criação, cinco

estejam relacionadas à aplicação dos recursos financeiros. As outras duas não estão

diretamente vinculadas aos recursos financeiros, mas estão indiretamente ao FUNDEF, pois

tratam: da supervisão e da realização do censo educacional anual; e da supervisão e do

acompanhamento do desempenho dos profissionais do magistério do sistema municipal de

ensino (RIACHUELO, 1998).

No diagnóstico realizado em 2007 para elaboração do PAR, foi afirmado que o CME é

representado pelos segmentos, entretanto o Conselho não participa do planejamento municipal

de educação. Nesse sentido, a demanda potencial apresentada pela equipe de elaboração foi

que houvesse a participação do CME no planejamento municipal de educação e

acompanhamento dos recursos e nas avaliações. Ou seja, um órgão colegiado que tem como

função deliberar sobre os rumos educacionais do município, de propor normas pedagógicas e

administrativas não estava participando do planejamento junto à secretaria municipal de

educação.

No PAR 2007-2011, o indicador que trata do CME foi avaliado com pontuação 3,

significando uma situação satisfatória que apresentava mais aspectos positivos que negativos,

de acordo com os critérios de pontuação. Para esse índice, não foram propostas ação e nem

sub-ações, quer fossem de responsabilidade da União quer do município, ainda que a própria

justificativa e demanda elaboradas evidenciassem contradições diante da pontuação escolhida.

Page 205: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

203  

  

No que se refere ao segundo PAR, é importante destacar que ainda que a avaliação do

indicador tenha sido positiva e recebido pontuação 4, a demanda apresentada no documento

indica que as funções do CME continuam relacionadas apenas aos recursos financeiros,

cabendo ao conselho o planejamento da utilização desses, de sua distribuição e fiscalização,

conforme sua Lei de criação. A gestão dos recursos financeiros do município é, de fato, uma

das atribuições do CME, mas sua atuação não se restringe a esse campo, uma vez que deve

constituir-se como um mecanismo de gestão democrática do sistema de ensino, em suas

dimensões pedagógica, administrativa e financeira. Para a organização da educação

municipal, essas três dimensões devem ser consideradas como interdependentes e a

sobreposição de uma delas pode vir a comprometer o trabalho realizado pelo CME.

Uma das entrevistadas, representante do CME – tanto na equipe de elaboração do PAR

2007-2011 quanto no Comitê Local do Compromisso -, destaca algumas contribuições do

órgão para a educação no município, as quais vão além daquelas previstas na Lei municipal

de criação do órgão:

[Contribuiu] Principalmente com relação à efetivação de professores, ao acompanhamento, não apenas dos recursos, mas do que vem ocorrendo na educação, com relação a transporte... tem sido assim, eles acompanham, vê, como tem a questão de quando era o pau-de-arara, que nós não temos mais o pau-de-arara. A gestão atual aboliu o pau-de-arara. Eles acompanhavam bastante. [...] Foi uma atuação muito boa por parte de alguns conselheiros que já passaram pelo CME (ENTREVISTADA 02, 2015, grifo nosso).

Pelo depoimento da entrevistada, observamos que o CME tem exercido funções para

além da fiscalização dos recursos financeiros, contribuindo para a organização da educação no

município em diferentes aspectos. Um deles, de acordo com os entrevistados, diz respeito à

reformulação e implantação do Estatuto do Magistério e do Plano de carreira, atentando para a

remuneração dos profissionais da educação básica de Riachuelo, aprovado em 2009.

Um dos entrevistados traz um depoimento acerca da atuação da presidente do CME

que chama a atenção:

Nós tivemos na gestão passada do Conselho Municipal de Educação, uma presidente que não realizava reunião nenhuma e nessa gestão, como ela era aliada da prefeita, que o mal é esse, que é melhor ter um da oposição do que um da situação, aí pronto aí tá tudo bem, tudo ótimo, não vai fiscalizar, não vai querer se desentender com a prefeita, a prefeita vai dizer: “não coloque isso lá não”. (ENTREVISTADO 01, 2015).

Page 206: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

204  

  

O entrevistado destaca as relações de poder desiguais que se estabelecem entre CME e

executivo municipal, cujo resultado é a prevalência dos interesses do segundo. A situação

relatada evidencia que houve uma relação de poder desigual entre a presidente do CME e a

prefeita, estabelecendo-se, assim, um status de dominação entre elas. Tal associação

relaciona-se ao conceito de dominação tradicional conforme Weber (1982), discutido no

segundo capítulo, o qual não tem como preocupação a eficiência e o alcance dos objetivos

determinados, mas sim a obediência às tradições e ao senhor. A presidente do Conselho,

possivelmente ao direcionar a atuação do conselho neutralizando sua autonomia, buscava

satisfazer os interesses da liderança política local, mesmo que a falta de fiscalização viesse a

prejudicar a educação municipal.

Seguindo esse expediente, o CME pode vir a não atuar estabelecendo um contraponto

ao executivo, conforme destaca Bordignon (2013) e, portanto, pode não cumprir o seu papel.

Para o autor: “A efetivação da gestão democrática da educação encontra nos conselhos,

órgãos de representatividade social e deliberação plural, espaço privilegiado para estabelecer

o contraponto da deliberação singular do Executivo” (BORDINGNON, 2013, p. 53).

Dessa forma, conclui-se que ainda que o CME em Riachuelo tenha sido avaliado

satisfatoriamente em ambos os Planos de Ação Articulada, ações que discutam e que

redefinam as funções do CME se fazem necessárias, não só no âmbito do PAR mas também

de iniciativa municipal, para que o conselho possa atuar enquanto um órgão de Estado com

autonomia na gestão do sistema municipal de ensino.

O indicador “Composição e atuação do Conselho de Alimentação Escolar – CAE”

apresentou a seguinte avaliação nos planos:

Quadro 08 – Indicador: Composição e atuação do Conselho de Alimentação Escolar (CAE) nos Planos de Ação Articuladas de Riachuelo/RN

PAR Pontuação Justificativa Demanda potencial Ação

2007-

2011

1 Existe o Conselho, mas ele não se reúne regularmente, embora acompanhe parcialmente a

A nutricionista acatar as sugestões do conselho e procurar inovar no cardápio. [...] O CAE reunir-se mais vezes e acompanhar de perto o

Estruturar democraticamente o CAR

Page 207: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

205  

  

compra e a distribuição da alimentação escolar

processo de fiscalização na compra e na distribuição dos produtos.

2011-

2014

3 O conselho é bem representado, possui regimento interno e as reuniões são regulares. Possui cronograma de visitas às escolas, porém os conselheiros não foram capacitados.

Capacitar todos os conselheiros do CAE. Elaborar cronograma para reuniões mensais do conselho do CAE

Garantir condições para o funcionamento e a atuação Conselho de Alimentação Escolar (CAE), incentivar e acompanhar a sua atuação.

Fonte: elaborado pela autora (2016)

O Conselho de Alimentação Escolar (CAE) é um órgão deliberativo, fiscalizador e de

assessoramento, ao qual compete46: I - acompanhar a aplicação dos recursos federais

transferidos à conta do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE); II - zelar pela

qualidade dos produtos, em todos os níveis, desde a aquisição até a distribuição, observando

sempre as boas práticas higiênicas e sanitárias; III - receber, analisar e remeter ao FNDE, com

parecer conclusivo, as prestações de contas do PNAE encaminhadas pelos Estados, pelo

Distrito Federal e pelos Municípios.

No caso do CAE de Riachuelo, esse órgão foi criado por meio da Lei municipal

329/1995, em consonância com a Lei nacional Nº 8.913/1994 a qual dispõe sobre a

municipalização da merenda escolar. O CAE de Riachuelo tem como atribuições, de acordo

com o Artigo 4º da Lei 329/1995: “Fiscalizar e controlar a aplicação dos recursos destinados a

merenda escolar, bem como elaborar o seu regimento interno” (RIACHUELO, 1995).

O colegiado é composto por representantes da administração da educação pública, dos

professores, dos pais de alunos e dos trabalhadores, podendo também incluir representantes de

outros segmentos da sociedade local (RIACHUELO, 1995). O aspecto a ele concernente foi

avaliado de maneiras distintas nos dois Planos de Ações Articuladas, apresentando uma

melhora em 2011 em relação ao período anterior. No primeiro momento, o indicador recebeu

pontuação 1, o que indica uma situação insuficiente, sendo necessária a criação de ação                                                            46 De acordo com a Medida Provisória no 1.979-19, de 2 de junho de 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/Antigas/1979-19.htm> Acesso em 27 de maio de 2016.

Page 208: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

206  

  

imediata. Para tanto, foi proposto estruturar democraticamente o CAE do município, a

justificativa apresentada foi a de que existia o Conselho, mas que ele não se reunia

regularmente, embora acompanhasse a compra e distribuição da alimentação escolar.

Nas entrevistas, perguntamos a uma das participantes, membro do CAE, quais eram as

principais atividades desenvolvidas no âmbito do Conselho e obtivemos a seguinte resposta:

Vamos lá no setor [da escola], olhamos a cozinha, a alimentação, a qualidade, olhamos tudo. Tudo que tá funcionando. Se tá faltando alguma coisa, se tem algum problema elas dizem e agente anota em ata. (ENTREVISTADA 03, 2015, grifo nosso).

No depoimento observa-se que o CAE de Riachuelo cumpre parcialmente as funções

de um Conselho de Alimentação Escolar, haja visto que das três funções elencadas acima (I -

acompanhar a aplicação dos recursos federais transferidos; II - zelar pela qualidade dos

produtos; III - receber, analisar e remeter ao FNDE, com parecer conclusivo, as prestações de

contas do PNAE) apenas a segunda foi citada. Ressalta-se a importância de que os

conselheiros acompanhem in loco o armazenamento, as condições de higiene e de distribuição

da merenda, por exemplo. A entrevistada não menciona outras dimensões do trabalho do

CAE, igualmente importantes, tais como a fiscalização dos gastos e a sensibilização da

comunidade local.

Acerca da atuação do CAE, um dos entrevistados afirma:

Como a gestão anterior estava interessada em fiscalizar a gente [...], tivemos uma professora lá que fazia parte do Conselho e que inicialmente fez questão em ir em todas as escolas, toda semana, todo mês. Nós cedíamos o transporte e, quando ela percebeu que estava tudo ok, aí ficou quieta (ENTREVISTADO 01, 2015).

Em Riachuelo, até o ano de 2016, ainda predominava um modelo centralizado de

aquisição de merenda escolar em que esta é comprada pela prefeitura e distribuída às escolas

municipais. No caso destacado pelo entrevistado, é possível inferir que a fiscalização

aconteceu não pelo Conselho enquanto órgão colegiado e independente, mas de forma

individualizada, pela ação de uma conselheira em particular, cuja motivação se deveu a

critérios político partidários. O trabalho do CAE, assim como o de qualquer outro Conselho,

Page 209: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

207  

  

não pode ser exercido por um único conselheiro e muito menos motivado por questões

partidárias, precisa ser um trabalho coletivo que proporcione a participação dos sujeitos nas

tomadas de decisões, contribuindo assim para a formação social e política desses. Esse

aprendizado do jogo democrático trará benefícios para toda a comunidade local pois

contribuirá para a democratização das relações sociais no município.

Os três primeiros indicadores estão relacionados a órgãos colegiados e suas análises

evidenciam que os Conselhos Escolares nas escolas municipais, o Conselho Municipal de

Educação e o Conselho de Alimentação Escolar existem no município de Riachuelo, contudo,

apresentam fragilidades, tais como a composição e a atuação dos conselheiros, bem como as

funções desses órgãos colegiados.

A criação dos Colegiados esteve relacionada a demandas externas ao sistema de

ensino, notoriamente a partir de demandas da instância federal de governo. O CME foi criado

devido exigência do FUNDEB e o CAE se tornou necessário em função do repasse dos

recursos do PNAE. No caso dos CE, sua criação, na maioria das escolas, deveu-se à ação do

PAR. Assim, a indução do governo federal é identificada também na criação dos Conselhos.

Observa-se que foi necessária a intervenção da União, em distintos momentos históricos, para

que os órgãos colegiados escolares municipais de Riachuelo fossem criados. Dessa forma, a

autonomia municipal não foi suficiente para que o município tomasse a inciativa de instituir

tais órgãos.

A criação de mecanismos de democratização como os Conselhos, deveria ter sido uma

necessidade identificada pelo próprio município e, mesmo tendo sido criados por

determinações externas ao sistema de ensino, cabia aos gestores municipais fomentarem sua

atuação. Mas, em razão até mesmo de práticas patrimonialistas como a que foi relatada

anteriormente, os Conselhos no município não vêm funcionando a contento, mantendo-se, na

maioria das vezes, uma gestão verticalizada, comum a órgãos de governo. Nesse sentido,

compromete-se o princípio da democratização da educação, uma vez que os órgãos colegiados

têm sido instituídos a partir de uma dinâmica vertical, externa às escolas e ao sistema

educacional, funcionando, inclusive, como instância de legitimação das decisões do poder

executivo. Dessa forma, a atuação dos conselhos pode vir a constituir-se como mero

formalismo haja vista o seu poder de decisão limitado e controlado pelo governo.

Também se identifica a permeabilidade do governo federal no tocante à atuação dos

conselhos e à formação dos conselheiros. Dentre as sub-ações referentes aos indicadores que

Page 210: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

208  

  

tratam de conselhos, está a qualificação dos conselheiros, cuja execução acontece via

assistência técnica do MEC. Logo, pode-se inferir que a formação dos conselheiros pode

constituir-se como um mecanismo de adesão e de aceitação da política educacional. Convém

relembrar a esse respeito que o Decreto 6094/2007 destaca como atribuições dos conselhos

escolares zelar pelo monitoramento das ações e pela consecução das metas do compromisso.

Assim, a formação dos conselheiros exclusivamente via MEC é um instrumento de

manutenção dos interesses do Estado, podendo assumir características de permeabilidade da

instância federal sobre a municipal, tendo em vista que permite uma série de assentimentos,

além de subordinação e de dependência. A formação técnica e também política são quesitos

necessários à formação dos conselheiros de Riachuelo, a qual deve acontecer não apenas por

iniciativa do governo federal, mas também por iniciativa municipal e própria, no sentido de se

constituírem como órgãos autônomos e independentes.

Sem um trabalho de conscientização e de formação dos conselheiros e da comunidade

local em geral, a atuação dos Conselhos em Riachuelo pode apresentar uma ambiguidade que

não necessariamente representará os interesses da população do município, pois: “[...] se de

um lado pode representar um mecanismo de participação que permite o retorno do poder à

sociedade civil, por outro, pode caracterizar-se como uma forma de reforçar o aparelho de

dominação, encobrindo uma relação autoritária” (ABRANCHES, 2006, p. 13). Os conselhos,

quando não atuam com autonomia e independência constituem-se mais como mecanismos de

controle do próprio Estado do que como órgãos coletivos de controle social.

5.3.2 PPP e PME no PAR de Riachuelo: diferentes concepções de gestão em disputa

Nesta seção são analisados os indicadores que tratam do Projeto Político-pedagógico

das escolas municipais e do Plano Municipal de Educação de Riachuelo.

O planejamento em educação, quer seja no âmbito das escolas quer seja no âmbito dos

sistemas de ensino, tem sido marcado pelos embates entre diferentes concepções de educação

e de sociedade existentes no país, o que vem contribuindo para rupturas e descontinuidades no

campo das políticas educacionais. Mesmo assim, a elaboração de planos e de projetos em

educação são fundamentais para que escolas e sistemas de ensino expressem seus objetivos e

propostas que fundamentem uma concepção de educação que se espera coadunar bem com as

Page 211: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

209  

  

ações que serão desenvolvidas para alcançar os objetivos propostos. É nesse sentido que o

PPP e o PME podem constituir-se em instrumentos importantes para o fortalecimento da

gestão democrática, uma vez que pensar a democratização das relações sociais e a

transformação das práticas escolares e requerem a construção de um planejamento coletivo e

participativo.

O primeiro indicador desta seção é “Existência de projeto pedagógico (PP) nas escolas”, conforme quadro 09:

Quadro 09 – Indicador: Existência de Projeto Pedagógico (PP) nas escolas municipais

nos Planos de Ação Articuladas de Riachuelo/RN PAR Pontuação Justificativa Demanda

potencial Ação

2007-

2011

1 Não existe o PP de fato, apesar de, na prática as escolas já seguirem o PDE

Elaborar e implantar o PP nas escolas buscando o apoio da SME

Promover a implantação do PP nas escolas da rede, considerando as particularidades de cada estabelecimento

2011-

2014

3 Algumas escolas estão finalizando ou reformulando seu PP para serem apresentados à comunidade escolar.

Fazer com que todas as escolas construam e implementem seu PP respeitando suas especificidades.

Promover a revisão do projeto pedagógico (PP) nas escolas da rede que o possuem e a sua elaboração e implementação nas escolas que ainda não o fizeram, considerando as novas diretrizes do PNE, PME e as especificidades de cada escola.

Fonte: elaborado pela autora (2016)

O Projeto Político-pedagógico, conforme Veiga (2013, p. 163), é “[...] o documento da

identidade educativa da escola que regulariza e orienta as ações pedagógicas”. Por ser um

projeto inerente a cada realidade escolar específica, sua elaboração e materialização requer

um trabalho coletivo e participativo com todos os segmentos da comunidade escolar, sendo,

Page 212: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

210  

  

portanto, um processo amplo que deve ocorrer de dentro para fora da escola (FONSECA,

2009).

No quadro 09, referente ao indicador “Existência de projeto pedagógico (PP) nas

escolas e grau de participação dos professores e do CE na elaboração dos mesmos, de

orientação da SME, e de consideração das especificidades de cada escola”, é possível

observar um avanço na avaliação ao se comparar o primeiro e o segundo PAR. De pontuação

1 – que indica uma situação crítica, de forma que não existem aspectos positivos – o indicador

avançou para a pontuação 3 – que indica uma situação satisfatória, com mais aspectos

positivos que negativos.

Acerca desse indicador, uma primeira observação que deve ser feita diz respeito ao

fato de os documentos do PAR fazerem referência ao Projeto Pedagógico da escola e não ao

Projeto Político-pedagógico. Ainda que se compreenda que há indissociabilidade entre os

elementos políticos e pedagógicos de um projeto educacional e que, portanto, deve-se

concordar com a afirmação de Veiga (2002, p. 13) de que “[...] todo projeto pedagógico da

escola é, também, um projeto político por estar intimamente articulado ao compromisso

sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária”, a supressão do

termo político pode esvaecer o compromisso do PPP com a transformação da sociedade e com

a formação do cidadão. Diante disso, o termo político não deve ser omitido dos documentos

sob pena de se perder de vista o referencial político que norteará a prática pedagógica da

escola.

No caso do primeiro PAR, a equipe local apresentou a justificativa de que não existia

o PP nas escolas, mas destaca a existência do Plano de Desenvolvimento da Escola (PDE),

instrumento de planejamento estratégico do programa Fundescola, financiado pelo Banco

Mundial e com duração de doze anos, de 1998 a 2010. Ambos estão voltados para a gestão e a

organização da escola, no entanto, fundamentam-se em perspectivas diferentes e antagônicas

de gestão. Enquanto a proposta do PPP assenta-se em bases democráticas e participativas, o

PDE fundamentava-se no modelo de gestão gerencial, instituindo na escola os moldes de uma

organização empresarial bem como utiliza vocábulos próprios do mundo empresarial, tais

como metas, valores, missão de futuro e visão estratégica.

Além de fundamentarem-se em modelos distintos de gestão, Fonseca (2009) destaca a

distinção entre o sentido semântico dos termos projeto e plano. Conforme o autor, o projeto é,

pois, um planejamento em longo prazo, atividade racional, consciente e sistematizada que as

Page 213: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

211  

  

escolas realizam para traçarem a sua identidade como organização educativa. Um plano seria

uma previsão de caráter mais restrito, em que se enumeram ações, tarefas, objetivos e metas,

definidas pelo projeto da escola. Com esse esclarecimento, podemos concluir que não é

possível que um plano substitua um projeto, ou que o PDE substitua o PPP das escolas.

Ainda que o PDE seja um plano, de caráter mais restrito que um projeto e

fundamentado num modelo de gestão contrário ao princípio da gestão democrática, pesquisas

tais como a de Fonseca (2003) e Oliveira; Fonseca; Toschi (2005) concluíram que o PDE foi

privilegiado nas escolas e redes de ensino em detrimento do PPP, como evidencia a seguinte

citação:

Por meio do PDE, as escolas concretizam um projeto de modernização, diretividade e controle da gestão e do trabalho escolares, impulsionadas pelo próprio prestígio dos acordos internacionais, com sua aura de modernização gerencial e aporte de recursos financeiros. Dessa forma, o PDE sobrepõe-se ao PPP, instituindo uma forma de gestão que fragmenta as ações escolares, sem uma direção política que as aglutine em proposta educacional mais articulada e com sentido político (TOSCHI; FONSECA; OLIVEIRA, 2005, p. 144).

No caso das escolas municipais de Riachuelo, observamos que o PDE antecedeu o

PPP, ainda que a elaboração do PPP precedesse a implementação do PDE. É possível inferir

que a secretaria inicialmente motivou as escolas a elaborarem seus respectivos PDE, talvez

pela possibilidade de recebimento de recursos financeiros, enquanto a construção do PPP

parece só ter sido impulsionada pela ação do PAR, ainda que os projetos pedagógicos estejam

determinados na LDB 9394/96, em seu Artigo 14. Mesmo assim, a equipe de elaboração do

PAR parece ter confundido os dois planejamentos na justificativa apresentada no primeiro

Plano. É possível que não houvesse, à época, clareza por parte da equipe em relação ao

antagonismo desse Plano e Projeto, clareza quanto ao fato de que “[...] diferentemente do

PPP, o PDE afeta o cotidiano da escola, mas não se configura como uma ação política, capaz

de construir a identidade da escola e de projetá-la para o futuro” (FONSECA, 2009, p. 276).

O desconhecimento das diferenças entre PPP e PDE, bem como a crença de que ambos são

um planejamento só, não é específico de Riachuelo, sendo também observada nas pesquisas

de Fonseca (2009) e Oliveira, Fonseca e Toschi (2005).

Page 214: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

212  

  

No primeiro PAR de Riachuelo, das cinco sub-ações demandadas a partir da ação de

implantar o PP nas escolas, duas estão relacionadas ao PDE, o que exemplifica nossa

afirmação quanto à confusão entre os Planos. São elas: “Promover a implantação do PDE-

Escola47 nas escolas da rede” e “Reforçar institucionalmente as escolas, bem como seus

processos gerenciais, por meio da implantação de metodologia de planejamento da escola”

(RIACHUELO, 2007). No segundo PAR também há uma sub ação relacionada ao PDE e ao

planejamento estratégico de dentro da ação que trata de PP: “Reforçar institucionalmente as

escolas, bem como seus processos gerenciais, após a elaboração ou revisão do projeto

pedagógico (PP) na rede de ensino, por meio da implantação de metodologia de planejamento

estratégico na escola (PDE Escola)”.

Considerando que as sub-ações já estavam elaboradas, fazendo parte do menu de

opções criado pelo MEC, conclui-se que esse ministério optou por não esclarecer as

diferenças entre os planos, incentivando a convivência desses dois instrumentos antagônicos

nas escolas por meio das sub-ações do indicador 4 - Existência de Projeto Pedagógico (PP)

nas escolas. Há uma contradição interna no tocante ao referido indicador do PAR, o qual

estimula a tensão entre modelos antagônicos de gestão escolar. Essa contradição representa

um risco à consecução do princípio da gestão democrática nas escolas da rede municipal de

ensino de Riachuelo, o qual pode ser subsumido por uma concepção gerencial de

administração escolar, cujos fundamentos remontam à administração das empresas privadas e

enfatizam elementos como eficácia, eficiência e produtividade.

Em relação à avaliação do indicador nos dois Planos, evidencia-se uma significativa

melhora na quantidade de escolas que elaboraram seus PP. A pontuação do indicador subiu de

1 para 3 no PAR 2011-2014:

Quando 50% ou mais das escolas, considerando, inclusive, as de alfabetização de jovens e adultos (AJA) e de educação de jovens e adultos (EJA), possuem o projeto pedagógico (PP), elaborado com a participação de alguns professores, mas sem a colaboração do conselho escolar. A secretaria municipal de educação apoia, orienta a elaboração e respeita as especificidades de cada escola” (RIACHUELO, 2011).

                                                           47  Concluído o projeto Fundescola, o MEC instituiu em 2007 o PDE-Escola, instrumento de planejamento estratégico que conserva a mesma lógica gerencialista do PDE, a ser executado pelas escolas públicas brasileiras com o menor IDEB.  

Page 215: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

213  

  

A melhoria na avaliação do indicador tem relação apenas com a construção do PPP

pelas escolas, mas não considera fatores essenciais para que o PP se torne referência para toda

a escola, tais como a participação dos diferentes segmentos em sua elaboração ou mesmo a

atuação do conselho escolar na elaboração e implementação do Projeto. Conforme Veiga

(2007), o conselho escolar é o sustentáculo do PPP na escola, pois ele demanda uma ação

colegiada para verificar se as atividades estão coerentes com os objetivos propostos. Em

Riachuelo, até o segundo PAR, essa ação colegiada não se fazia presente quanto à elaboração

do PPP.

Acerca da elaboração dos PPP por parte de mais de 50% das escolas de Riachuelo,

uma das entrevistadas afirma: “Eu acho que a elaboração dos PPP já foi consequência do

PAR. Porque a gente já tem 8 ou 9 anos de PAR até agora. E antes a gente não tinha essa

visão, de planejar, de fazer um planejamento pedagógico na escola né?” (ENTREVISTADA

04, 2015). Assim, vemos que o primeiro PAR, ainda que não tenha conseguido efetivar a

meta em 100% das escolas, trouxe parcialmente benefícios à rede, no que se refere ao

indicador “Existência de projeto pedagógico (PP) nas escolas”.

O próximo indicador analisado será “Existência, acompanhamento e avaliação do

Plano Municipal de Educação (PME), desenvolvido com base no Plano Nacional de Educação

– PNE”.

Quadro 10: Indicador: Existência, acompanhamento e avaliação do Plano Municipal

de Educação (PME), desenvolvido com base no Plano Nacional de Educação (PNE) nos Planos de Ação Articuladas de Riachuelo/RN

PAR Pontuação Justificativa Demanda

potencial Ação

2007-2011 1 O município ainda não possui o PME, seguindo apenas o PES

Elaborar e implementar o PME no município

Implantar e/ou reestruturaro PME

2011-2014 1 O plano está sendo elaborado

Elaborar e implementar o plano municipal de educação

Garantir condições para a elaboração, implantação eimplementação do PME, com a participação derepresentantes dos diversos segmentos com a

Page 216: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

214  

  

atribuição de acompanhar o cumprimento das metas do PME no município.

Fonte: elaborado pela autora (2016)

O indicador retrata a inexistência de um Plano Municipal de educação no município,

instrumento norteador das políticas públicas educacionais, tanto a curto quanto a médio e

longo prazo, o que pode vir a assegurar a continuidade das políticas e das ações públicas para

além de um mandato governamental. Esse plano deve estar em consonância com o Plano

Nacional de Educação, mas sem desconsiderar as especificidades locais. Conforme Bordignon

(2013, p. 96):

O PME define a concepção e viabiliza a realização do projeto municipal de educação, superando rotinas, ações segmentadas e improvisações. O foco da ação será a cidadania, tendo a escola, e nela o educando, como eixos principais de sua efetivação. [...] quando o município não tem plano, fica à mercê de ações episódicas que, mesmo planejadas caso a caso, representam improvisações. Sem plano municipal não há visão de Estado nas ações, não há caminho a percorrer, mas apenas passos ao sabor das circunstâncias de cada governo.

Ainda de acordo com Bordignon (2013) o PME é um instrumento importante para a

efetivação de uma política educacional de Estado, cujas ações foram propostas a partir da

realidade local e planejadas tendo como razão primeira a garantia de uma educação pública de

qualidade social. No caso do PAR de Riachuelo, tanto em 2007 quanto em 2011, o indicador

recebeu pontuação 1 com a demanda potencial de elaboração e implantação do PME no

município, até então inexistente.

Acerca da existência do PME no município na condição de instrumento orientador das

ações para o campo educacional, os entrevistados afirmaram o seguinte:

A gente era quem realizava as ações de forma aleatória, de acordo com as necessidades, fazendo algumas ações, mas não como documento (ENTREVISTADO 01, 2015).

Até então, já tinha política da criação do PME, que o município em nenhum momento não tinha se reunido, porque antes do PAR a gente sabe que já era para ter instituído o PME, porque o PME já é uma política bem extensa, nós

Page 217: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

215  

  

não tínhamos, viemos ter o PME a partir do ano passado [2014] para cá, foram quando começaram os estudos do PME. Até então, nós não tínhamos tido nenhum estudo sobre o PME, e o PME está contemplado dentro das ações do PAR (ENTREVISTADA 02, 2015, grifo nosso).

Nós nos reuníamos e fazíamos nosso próprio planejamento. (ENTREVISTADA 03, 2015)

Nós planejávamos algumas ações que iam ser desenvolvidas no decorrer do ano. Mas, assim, um plano mais bem elaborado, sendo acompanhado por um documento nacional, nunca tinha tido (ENTREVISTADA 04, 2015).

As entrevistas evidenciam a ausência de um planejamento educacional municipal a

longo prazo. A entrevistada 02, inclusive, reconhece a necessidade de o município ter um

plano próprio e que a elaboração do PME foi demandada anteriormente, no caso, mediante a

aprovação do PNE 2001-2010. De fato, não foi só Riachuelo que não elaborou seu PME.

Conforme Dourado (2011, p. 30): “A aprovação de planos estaduais e municipais, previstos

no PNE como base para sua organicidade, não se realizou como política concreta na maior

parte dos estados e municípios”. Conforme as demais entrevistas, o município manteve a

dispersão das ações e a fragmentação das iniciativas, incoerentes com um planejamento local

(que deveria levar à reflexão sobre a realidade atual e o delineamento de objetivos e ações

para superação dos problemas identificados) articulado ao planejamento nacional.

À semelhança do observado no indicador referente ao PP, o documento do PAR de

2007 apresenta como justificativa o fato de o município ainda não possuir o PME, mas seguir

o Planejamento Estratégico da Secretaria (PES). Essa é outra evidência que pode demonstrar a

convivência de diferentes concepções de gestão no que se refere à gestão educacional do

município de Riachuelo.

É imporrante ressaltar que o PES é um instrumento de planejamento voltado para as

secretarias de educação. Assim como o PDE, também faz parte do Programa Fundescola. O

PES:

Consiste no processo gerencial desenvolvido pela secretaria de educação para o alcance de uma situação desejada, de maneira efetiva, com a melhor concentração de esforços e recursos. Ao realizá-lo, a secretaria analisa seu desempenho, processos, relações internas e externas, condições de funcionamento e resultados. A partir dessa análise, projeta o futuro, define aonde quer chegar, as estratégias para alcançar os objetivos, quais os processos e as pessoas envolvidas. O PES promove o fortalecimento institucional da secretaria visando à melhoria da gestão da escola e do desempenho do aluno (MEC, S/D, p. 18).

Page 218: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

216  

  

O documento local, intitulado PES 2007, traz o plano de suporte estratégico da

secretaria municipal de educação para o referido ano. O documento apresenta: o levantamento

da situação institucional; os dados do rendimento escolar; uma relação dos problemas

considerados mais graves para a educação do município; uma relação dos problemas

considerados mais graves do ponto de vista da gestão da secretaria; uma relação dos

problemas considerados mais graves do ponto de vista da qualificação do pessoal técnico-

gerencial; um quadro com os recursos financeiros da secretaria; os valores, visão de futuro,

missão e objetivos estratégicos da secretaria e, por fim, os objetivos estratégicos, estratégias e

metas a serem alcançadas no ano de 2007. O ato de planejar é essencial para o alcance dos

objetivos previstos, sendo necessário questionar a serviço de quem/do que o planejamento

estará, com que finalidades fora elaborado. Dessa feita, consideramos o planejamento

estratégico como sendo uma das orientações da NGP que não tende a beneficiar os interesses

da população, da sociedade. O PES de Riachuelo não apresenta os pressupostos nos quais se

fundamentam a concepção de educação, de sujeito e de conhecimento para o município, ao

contrário, traz a missão, os valores, a visão de futuro da secretaria, recorrendo a termos

oriundos da esfera econômica. Pode-se observar como a lógica do mercado se insere na escola

por meio do planejamento estratégico através da imagem a seguir, retirada do PES 2007:

Ilustração 06: Objetivo Estratégico 03 – PES 2007 Riachuelo/RN

Fonte: Riachuelo (2007, p. 25)

Page 219: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

217  

  

O uso dos termos “objetivo estratégico”, “líder de objetivo” e “gerente da meta”, por

exemplo, evidenciam a influência da ideologia gerencial, a qual defende o mercado como

parâmetro de qualidade a ser seguido pelas instituições escolares e pelos sistemas de

educação. Além disso, também está presente como objetivo estratégico a modernização da

gestão da secretaria de educação, ideia defendida no curso das reformas educacionais

vivenciadas nos anos 1990, visando a tornar os sistemas escolares e as escolas modernas,

produtivas, eficientes e eficazes para o mercado. É possível que, no objetivo de modernizar a

gestão, esteja implícito o argumento de que o modelo atual de gestão não é válido,

necessitando substituí-lo por outro, considerado moderno.

A este ponto é preciso fazer referência ao fato de que a legislação define o princípio da

gestão democrática para o ensino público e que, em que pese toda a dificuldade de efetivá-la

nas escolas e sistemas de educação, o discurso da NGP já apresenta o gerencialismo como o

modelo moderno de gestão capaz de tornar a educação eficiente e produtiva e a gestão

democrática, por conseguinte, já é apresentada como como algo ultrapassado e ineficiente,

conforme os defensores do gerencialismo. A ação de “apresentar” o PES aos profissionais da

educação, contudo, evidencia alguns dos limites do modelo gerencial de gestão educacional,

pois não considera o planejamento como um ato político que requer ampla discussão e

construção coletiva.

O PAR e o PES de Riachuelo datam do mesmo ano, 2007. Dessa feita, destaca-se, no

âmbito da secretaria, a convivência supostamente positiva e harmoniosa entre o PAR,

composto por ações que buscaram consolidar a gestão democrática, e o PES, orientado por

ações fundamentadas no gerencialismo. A fala seguinte, da entrevistada 02, mostra a relação

entre PAR e PES:

O PAR foi estruturado a partir do diagnóstico realizado no PES, que foi o Planejamento Estratégico da Secretaria, que vinha o diagnóstico de todas as escolas, o perfil dos professores, entendeu? Os avanços, o quadro situacional dos alunos que estavam em defasagem. [...] Nós tínhamos o PES, criamos primeiro, que também foi com a ajuda da equipe via UNDIME. E antes de criarmos o PES, tivemos o PDE nas escolas (ENTREVISTADA 02, 2015, grifo nosso).

O trecho evidencia a confluência entre os planos no interior da secretaria e que o PAR

teve como referência para seu diagnóstico os dados do segundo, o que pode ter sido

Page 220: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

218  

  

considerado pela equipe local como uma espécie de continuidade dos planos. Ainda que

ambos tenham fundamentos políticos distintos, podemos inferir que a entrevistada não

compreende as diferenças entre eles. Quanto à convivência de ambos os planos no interior da

secretaria, os resultados de nossas pesquisas mostram que as ações do PAR conseguiram

alcançar um êxito maior, possivelmente em razão dos recursos materiais e financeiros

envolvidos, enquanto que o PES parece ter sido elaborado mais como uma exigência do MEC

no âmbito do Programa de Apoio aos Dirigentes Municipais de Educação (PRADIME).

O PME de Riachuelo foi aprovado em 24 de junho de 2015, por meio da Lei

573/2015. A elaboração do referido Plano se deu por força da Lei nacional que cria o Plano

Nacional de Educação, Lei nº 13.005/2014, a qual, em seu Art. 8º determina: “Os Estados, o

Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação,

ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e

estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei”

(BRASIL, 2014). Considera-se que a ação de criação do PME via PAR não foi suficiente para

que o município elaborasse seu Plano, sendo necessária a exigência legal de uma Lei

nacional. No entanto, ainda que a ação só tenha se efetivado dessa forma, com a exigência da

aprovação do PME, é possível que o PAR tenha contribuído para sensibilizar e informar a

equipe local quanto à necessidade do Plano para o município.

A análise dos indicadores referentes ao Projeto Político-pedagógico e ao Plano

Municipal de Educação no PAR de Riachuelo reitera a importância do planejamento para a

gestão educacional quer seja em âmbito municipal quer seja no âmbito das escolas. O

planejamento, no entanto, não é um ato neutro e seus objetivos estão vinculados ao tipo de

sujeito que se espera formar, à concepção de mundo e de educação nas quais o planejamento

está assentado. No caso do município de Riachuelo, identifica-se nos planos e projetos um

embate entre concepções distintas de gestão educacional, uma que visa a superar as relações

históricas de dominação, que defende o diálogo e a ampliação dos espaços de participação e

de proposição de ações, buscando democratizar a educação, tornando-a de qualidade

socialmente referenciada; e outra que objetiva perpetuar as relações históricas de dominação,

que estimula o individualismo e a competitividade, estando baseada no gerencialismo e

voltada para o atendimento às demandas do mercado.

Page 221: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

219  

  

5.3.3 Escolha de diretores no PAR de Riachuelo: quando critérios político-clientelistas são

determinantes

A última seção deste capítulo analisa o indicador referente à escolha de diretores

escolares.

Discutir o acesso ao cargo de diretor escolar implica considerar a conjuntura atual, na

qual cada vez mais as escolas vêm assumindo novos papeis e funções e, havendo, por isso,

mudanças no trabalho do gestor, como assegura pesquisa realizada por Oliveira (2002). Os

diretores escolares são considerados os principais responsáveis pela unidade escolar e,

segundo Paro (2010b, p. 766), “[...] é o diretor que, de acordo com a lei, responde, em última

instância, pelo bom funcionamento da escola – onde se deve produzir um dos direitos sociais

mais importantes para a cidadania”.

O diretor, considerado pela comunidade e pelas instâncias governamentais o principal

“representante” da escola, aquele que personifica os novos modelos de gestão (OLIVEIRA,

2009), precisa atender a novas exigências, tanto na dimensão pedagógica quanto na

administrativa, na financeira e na política. Nesse sentido, a modalidade de acesso ao cargo

pode reforçar o modelo de gestão que se espera implementar.

Isso vem à baila porque a forma de acesso ao cargo de diretor escolar é um tema de

extrema relevância para a democratização da gestão escolar. Isso se dá porque pode-se ou não

possibilitar a participação da comunidade escolar no processo de escolha de seu dirigente e

pode-se, também, interferir na relação desse profissional com a escola na medida que ele

tende a atuar ora como um representante do Estado, como um preposto, ora como um

representante da comunidade, a depender de sua forma de acesso ao cargo.

Padilha (1998) destaca as categorias mais comuns no Brasil de escolha de diretores

escolares, quais sejam: nomeação, concurso e eleição. Conforme o autor, na nomeação, o

diretor é indicado pelo chefe do executivo, passando a ser seu representante na escola e, por

isso, pode ser substituído de acordo com os interesses políticos e com as conveniências

daqueles que o escolheram. Os critérios político-clientelistas são determinantes para essa

escola nesse caso. A esse respeito, Paro (2011, p. 45) complementa:

Page 222: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

220  

  

A nomeação por critério político, em que o secretário da educação ou o chefe do poder executivo escolhe o ocupante do cargo, tendo como base o critério político-partidário, é comumente considerada a pior alternativa, em virtude do clientelismo político que ela alimenta e a falta de base técnica que a sustente, já que o candidato escolhido não por sua maior experiência e conhecimento de gestão e de educação, mas por sua maior afinidade com o partido ou o grupo no governo do estado ou do município.

Quanto ao concurso, ainda que se argumente que essa estratégia evita o

apadrinhamento político, apenas critérios técnicos são considerados sem que a liderança do

diretor diante da comunidade escolar ou mesmo sua concepção de educação e seu

compromisso político e pedagógico sejam considerados e aprovados pela comunidade. Ou

seja, o a escola é obrigada a aceitar o diretor aprovado, mesmo sem conhecê-lo. Dessa forma,

Paro (2011, p. 48, grifos do autor) pondera que “O concurso é igualmente uma medida ruim,

mas não parece ruim porque se esconde sob a capa protetora da ‘impessoalidade’ e da

‘igualdade de oportunidades’”.

Em contrapartida, a eleição caracteriza-se pelo voto direto da comunidade para a

escolha de seu dirigente, o que favorece a discussão democrática na escola, implicando na

distribuição do poder. Contudo, embora a participação na escolha seja importante, a

representatividade da comunidade não é suficiente para democratizar a gestão, sendo

necessário também o estabelecimento de mecanismos de participação direta dessa

comunidade no cotidiano da direção. A esse respeito, Paro (2011) afirma que a modalidade de

escolha que mais se adequa às peculiaridades da função do diretor é sua eleição pela

comunidade escolar. Ainda para o autor, a eleição não significa nenhuma certeza em termos

da completa democratização da escola, é apenas uma das medidas necessárias. Entretanto sem

ter os vícios das demais alternativas de provimento, a eleição é a única que tem a virtude de

contribuir para o avanço de tal democratização.

Em Riachuelo, dados do indicador “Critérios para escolha da direção escolar” podem

ser observados no quadro a seguir:

Quadro 11: indicador: Critérios para escolha da direção escolar nos Planos de Ação Articuladas de Riachuelo/RN PAR Pontuação Justificativa Demanda potencial Ação

2007-

2011

1 Há, tradicionalmente, uma indicação

Estabelecer critérios para escolha dos dirigentes escolares

Implantar política democrática de

Page 223: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

221  

  

para direção escolar

e publicar em forma de lei municipal

escolha dosdiretores escolares.

2011-

2014

1 Não existem critérios definidos para escolha, pois a indicação fica por conta do poder executivo, todavia está assegurado no plano de carreira dos profissionais de educação básica o processo de gestão democrática.

Elaborar critérios definidos e claros para escolha de diretores de escola, preferencialmente na gestão democrática, pois já está contemplada no plano de carreira da educação que já foi aprovado e publicado em diário oficial.

Implantar política democrática para escolha dos diretores escolares.

Fonte: elaborado pela autora (2016)

Em ambos os planos, o indicador obteve a mesma pontuação, embora certo avanço

possa ser observado no segundo plano, haja vista que o tema foi inserido no Plano de carreira

dos profissionais de educação básica. A pontuação 1 remete à situação em que não existem

critérios definidos para a escolha do diretor das escolas. Dessa forma, foi demandada a mesma

ação para os dois planos, a de implantar uma política democrática de escolha de diretores

escolares. Ainda que o PAR não especifique qual modalidade de escolha seria essa, a eleição

direta seria a modalidade mais democrática de escolha de diretores. A eleição, associada a

outras formas de participação social, de prática democrática e de exercício da autonomia dos

sujeitos que compõem a comunidade escolar poderia fortalecer o princípio da gestão

democrática na escola.

Essa indefinição, contudo, não é exclusiva do PAR. A própria legislação não é clara

quanto o acesso ao cargo: a LDB 9394/96 institui o princípio da gestão democrática, mas não

esclarece de que forma está relacionado com a escolha do diretor; o PNE 2001-2010

determina que cada sistema de ensino defina normas de gestão democrática do ensino público,

com a participação da comunidade, entretanto, não discute especificamente a questão em

análise. O atual PNE (2014-2024) também não recomenda uma forma de acesso ao cargo,

Page 224: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

222  

  

tratando da gestão democrática na meta 19 e estabelecendo na estratégia: “Desenvolver

programas de formação de diretores e gestores escolares, bem como aplicar prova nacional

específica, a fim de subsidiar a definição de critérios objetivos para o provimento dos cargos,

cujos resultados possam ser utilizados por adesão” (BRASIL, 2014).

No primeiro PAR de Riachuelo, quatro sub-ações foram relacionadas para executar a

ação de implantar política democrática de escolha dos diretores escolares: a) elaboração de

critérios de escolha de diretores, fundamentados nos princípios democráticos e na legislação

vigente; b) elaboração e divulgação de documentos com critérios de escolha dos dirigentes; c)

promoção de amplo debate com os profissionais da rede e comunidade; d) qualificação dos

diretores escolares. Dentre essas, as três primeiras seriam de execução do município e apenas

a última contaria com a assistência técnica do MEC, via programa Escola de Gestores48 (na

modalidade de educação a distância) para capacitação daqueles que ocuparão o cargo.

A subação da qualificação dos gestores via assistência técnica do MEC foi cumprida

mediante a oferta de curso de especialização em gestão escolar. A formação de diretores

escolares tem sido um tema de grande relevância no cenário educacional brasileiro, dadas as

mudanças no perfil desse profissional e diante das novas demandas para a educação. Nesse

sentido, Lima (2007) afirma que, para o gestor se configurar em uma liderança reflexiva e

crítica, é necessário, além do compromisso político-pedagógico, embasamento teórico. É

essencial a atualização e a formação pedagógica, sempre em consonância com a prática

produzida, visando à análise crítica dos procedimentos adotados. Complementando esse

mesmo raciocínio, Vasconcellos (2007) destaca que “[...] a direção deve se capacitar, buscar

crescer, se fortalecer também no conhecimento, para enfrentar os conflitos do cotidiano de

maneira mais qualificada e produtiva” (VASCONCELLOS, 2007, p. 61).

As outras três sub-ações, de responsabilidade do município, entretanto, não lograram

êxito, ainda que o indicador tenha sido avaliado negativamente e que a descrição tenha

indicado uma situação crítica, sendo necessárias ações imediatas. Ao questionarmos o

entrevistado 01 sobre os motivos que dificultaram a realização da ação, obteve-se a seguinte

resposta:

                                                           48 O programa Escola de Gestores é uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O programa oferece três tipos de cursos de formação a distância – especialização em gestão escolar para diretores e vices, com 400 horas e duração média de 18 meses; especialização em coordenação pedagógica para orientadores e pedagogos, com 405 horas; e aperfeiçoamento em gestão escolar também para diretores e vices, com 200 horas. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/33600>. Acesso em 09 de agosto de 2016.

Page 225: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

223  

  

O que tem atrapalhado é a política, os compromissos dos prefeitos. Nós tínhamos uma diretora lá, na maior escola, escola sede, uma pessoa competente demais, mas que não era da área, mas que tinha compromisso assumido com o prefeito. Nos municípios, tem muito daquela coisa, você votou em mim e eu estou na obrigação de fazer alguma coisa com você e se eu não fizer isso por você a oposição vai jogar você contra mim, que sou o prefeito. Então o prefeito fica naquela situação, se eu não colocar, ela vai se revoltar contra mim, e eu preciso dela. E aí todas essas pessoas que têm funções, têm famílias, e no momento que você falha com uma pessoa dessas, você perde a família inteira, essa é a realidade dos municípios pequenos. Isso atrapalha demais para a implantação da gestão democrática (ENTREVISTADO 01, 2015).

O depoimento do entrevistado evidencia que, em Riachuelo, os interesses político-

partidários sobrepuseram-se à concretização da ação. A troca do cargo de diretor por votos

parece ser algo ainda determinante para a escolha do profissional a assumir o cargo. Nesse

sentido, critérios técnicos, tais como formação e experiência ou mesmo o compromisso com a

comunidade e a escola, não parecem ser relevantes, pesando mais sobre a decisão, tomada

exclusivamente pelo prefeito, o número de votos que os possíveis diretores podem trazer ao

candidato ao executivo municipal. De acordo com o entrevistado, a indicação pode atrapalhar

a implantação da gestão democrática. De fato, a atuação do diretor indicado pelo prefeito,

estando o primeiro isento do respaldo da comunidade, pode vir a favorecer práticas

autoritárias e clientelistas, cujos fundamentos encontram-se no modelo de administração

patrimonialista, que validem as decisões daqueles que o colocaram no cargo. Em

contrapartida, estudos realizados por Medeiros (2015) constataram que a escolha do diretor

por vias menos clientelistas e arbitrárias, tais como a eleição direta, sinaliza possibilidades de

minimizar práticas que dificultam o avanço da democracia nos contextos locais. Assim, para a

autora,

[...] a democratização de escolha do gestor escolar consiste numa estratégia capaz de, pelo menos, minimizar práticas clientelistas no âmbito das políticas educacionais, bem como de contribuir com o desenvolvimento da democracia no contexto local. Outra premissa dessa decorrente é a de que a democratização da gestão a partir de mecanismos da escolha de diretores pode influenciar o comprometimento desses profissionais frente à instituição na qual atuam e, consequentemente, a educação que se pretende nela (MEDEIROS, 2015, p. 81).

Ainda que o PAR não tenha sido suficiente para mudar a situação quanto ao indicador

em questão, o entrevistado reconhece que o plano trouxe esclarecimento, possibilitando a

Page 226: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

224  

  

reflexão sobre a importância de estabelecer outros critérios de seleção, incluindo aspectos

técnicos:

Então, trouxe esse conhecimento, mas que não é a realidade de Riachuelo e da maioria dos municípios do país. Ainda tem a força política, as indicações, que se sobrepõem sobre o que é mais lógico na educação, o que é mais razoável, porque o lógico é você colocar para exercer determinadas funções quem tem habilidade naquela área, especialização naquela área, graduação naquela área, tem estudos naquela área, ficou essa noção (ENTREVISTADO 01, 2015).

O depoimento evidencia a força que as práticas tradicionalistas, vinculadas ao

clientelismo político e ao favorecimento pessoal, ainda possuem na conjuntura atual. Paro

(1996) afirma que, no Brasil, há registros de experiências de escolha de diretores pela

comunidade desde a década de 1960, tendo sido ampliadas as experiências a partir de 1980,

com a redemocratização política do país. Mesmo assim, ainda é alto o número de indicações.

Estudo realizado por Drabach (2013), a partir dos dados informados no SAEB/Prova Brasil

pelos diretores de escolas municipais e estaduais de ensino fundamental no Brasil, destaca

que, em 2007, 42% dos diretores tiveram acesso ao cargo por meio da indicação; apenas

24,7% assumiram o cargo por meio de eleição; 10,7% tiveram acesso via concurso público

para o cargo; e 14,9%, mediante processos mistos de seleção. Como o entrevistado afirma, a

indicação não é realidade apenas nas escolas municipais de Riachuelo mas tem sido a forma

de acesso ao cargo de diretor escolar em quase metade das escolas públicas de ensino

fundamental no Brasil.

No que diz respeito ao indicador “Critérios para escolha da direção escolar”, as ações

do PAR 2007-2011 e do 2011-2014 não foram capazes de alterar a forma de acesso ao cargo.

Em 2016, ainda permanece a indicação do diretor pelo poder executivo.

Conclui-se disso que a inter-relação entre município de Riachuelo e União via PAR

não foi suficiente para superar o clientelismo político nesse aspecto. A falta de clareza na

legislação nacional e, sobretudo, a falta de vontade política de implementar critérios

democráticos para a escolha de diretores, tem perpetuado práticas patrimonialistas na gestão

municipal.

Depreende-se, por fim, que as ações planejadas no PAR 2007-2011 de Riachuelo não

foram suficientes para consolidar a gestão democrática no sistema de ensino municipal. Esse

modelo, no entanto, é algo a ser construído processualmente e, em alguns indicadores, tais

Page 227: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

225  

  

como aquele que trata da elaboração e da implantação do PPP nas escolas, é possível

identificar avanços; enquanto para outros, como a escolha de diretores, a ação não trouxe

resultados, permanecendo com o mesmo diagnóstico nos dois planos (2007 e 2011). O desafio

de democratizar a gestão escolar e educacional é tarefa que não se esgota na execução, ainda

que bem sucedida, de políticas educacionais. Democratizar a gestão implica repensar as

estruturas de poder não só na escola mas em toda a sociedade.

Page 228: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

226  

  

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse trabalho foi desenvolvido tendo como norte o seguinte questionamento: as

relações intergovernamentais estabelecidas entre União e município de Riachuelo/RN através

do Plano de Ações Articuladas (2007-2011) foram capazes de fortalecer a gestão democrática

na rede de ensino do município? A busca pela resposta desse problema de pesquisa permitiu

compreender que estudar as relações intergovernamentais e as mediações que nela se

estabelecem, assim como a gestão democrática e seus avanços e recuos, requer considerar que

esses campos de estudo compõem totalidades dotadas de mediações e contradições.

Dessa feita, em sua etapa conclusiva, o trabalho confirma as hipóteses formuladas na

introdução do texto e apresenta a seguinte tese: as relações intergovernamentais estabelecidas

na trajetória do federalismo brasileiro ainda não se instituíram enquanto relações

interdependentes e equilibradas de modo a consolidar o pacto federativo brasileiro e a aliança

entre os diferentes níveis de governo. Há um predomínio do governo central na federação

brasileira, inclusive na proposição de políticas públicas, cuja adesão voluntária dos demais

entes federados é reforçada por suas baixas capacidades arrecadatória e técnica, dependentes,

assim, da assistência técnica e financeira da União, o que provoca o desequilíbrio das relações

entre os governos nas arenas decisórias. O PAR é um exemplo de política induzida pelo

governo federal, elaborada unilateralmente, embora executada de forma compartilhada, que

não repercute na efetivação do regime de colaboração previsto para o campo educacional na

Constituição Federal de 1988, mas ainda distante de se efetivar na realidade brasileira,

possivelmente pela permeabilidade e ingerência da União em relação aos demais entes. Uma

das áreas de atuação do PAR nos municípios é a gestão educacional, estabelecendo ações que

visam fortalecer a gestão democrática nas redes de ensino, tais como a criação de órgãos

colegiados, de planos municipais de educação, de projetos pedagógicos e escolha de diretores

escolares. Contraditoriamente, o PAR foi formulado e executado tendo como parâmetro os

princípios de outro modelo de gestão, a gestão gerencial. O menu de ações pré-determinadas e

rígidas do PAR, elaborado exclusivamente pelo governo federal sem participação dos demais

entes federados, o controle realizado via governo eletrônico (SIMEC) e a contratualização das

metas a serem alcançadas, tendo a elevação do Ideb como meta maior, são alguns dos

exemplos de gestão gerencial que podem ser observados na gestão do PAR.

Page 229: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

227  

  

A tese elaborada evidencia o quanto o movimento da realidade concreta é

contraditório. Ao se estudar o terreno das tensões e contradições em que se assentam o objeto

de estudo, é que foi possível compreender que a desigualdade quanto à distribuição de poder

no Brasil, que é histórica, política e social, atravanca não só o processo de democratização das

relações entre os entes federados, mantendo as relações intergovernamentais desequilibradas

em razão da preponderância do governo federal nas arenas de tomadas de decisões, mas

também da gestão escolar e educacional e da própria sociedade brasileira. Essa compreensão

foi alcançada após o esforço realizado ao longo do texto para desvendar a constituição das

categorias de análise da tese, por meio de aproximações sucessivas, contextualizadas

historicamente, buscando apreender suas mediações com a dinamicidade do real.

O trabalho realizado visando à sistematização do real, na tentativa de avançar do

concreto real para o concreto pensando, possibilitou a construção de algumas sínteses. Em

relação ao federalismo, modelo de organização político-territorial brasileira, compreendeu-se

que é um regime caracterizado pela desconcentração de poder entre os níveis de governo, pela

autonomia e interdependência entre esses. Assim, nas nações federalistas não há soberania

absoluta por parte de um único governo. Os diferentes níveis de governo possuem autonomia

para elaborar suas próprias regras (self-rules) bem como influenciar na formulação das

políticas advindas do governo central, mas precisam respeitar a existência de regras comuns e

compartilhadas entre eles (shared rules). Nas nações federadas é estabelecido um pacto entre

as diferentes esferas de governo visando manter a unidade das partes na diversidade da nação.

Para que haja equilíbrio entre a autonomia e a interdependência dos diferentes

governos em uma nação federalista, é preciso evitar relações intergovernamentais – RIGs do

tipo inclusiva ou hierárquica, nas quais um único nível de governo é responsável pelas

decisões. RIGs do tipo autoridade independente também impedem o referido equilíbrio pois

não há relação entre os níveis de governo, caracterizando total autonomia e independência

entre os governos. Nesse entendimento, é necessário que sejam estabelecidas RIGs do tipo

interdependentes, no qual o processo de tomada de decisões acontece em conjunto pelos entes

da federação tanto no âmbito das relações estabelecidas entre distintos subníveis (União,

estados e municípios), quanto entre entes do mesmo subnível de governo (estado-estado;

município-município). Um dos fatores que podem favorecer RIGs interdependentes, é o

exercício da coordenação federativa como possibilidade de se encontrar o ponto de equilíbrio

entre a autonomia e os direitos originários das partes com as regras do pacto federativo

assumidas por todas as partes envolvidas como forma de preservar a unidade territorial.

Page 230: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

228  

  

No caso específico do federalismo brasileiro, o estudo possibilitou a compreensão de

alguns dos múltiplos aspectos que o compõe, desde a sua origem. Diferentemente de outras

nações, o federalismo no Brasil foi adotado para atender aos interesses das elites dominantes e

suas características e constituição ao longo do tempo reafirmam essa tendência. O federalismo

brasileiro apresenta-se mais complexo do que a simples metáfora amplamente utilizada na

literatura específica para explicá-lo: a da sístole/diástole, ou seja, a da alternância de períodos

de centralização e de descentralização. Este tem assumido arranjos distintos, orientados pelas

relações de poder, em conformidade com o contexto histórico social e político que ocasionam

mudanças nos padrões de relacionamento entre as esferas do governo. Observa-se que o

federalismo brasileiro está distante de se consolidar como pacto, aliança e parceria entre os

níveis de governo.

Nesse sentido, o tipo de RIGs estabelecidas entre os níveis de governos no Brasil

também varia em relação ao contexto histórico. Varia ainda de acordo com a área de atuação

de determinada política pública, registrando-se a criação de arenas intergovernamentais de

discussão e deliberação em áreas nas quais a coordenação federativa tem obtido mais

resultados na atualidade, a saber, educação, saúde e assistência social. Os avanços observados

nessas áreas, no entanto, não são aleatórios e não acontecem ao acaso, tratando-se de avanços

duramente conquistados ao longo de lutas e embates travados entre distintos projetos políticos

de sociedade. Além disso, tais arenas de negociação, de forma geral, ainda não têm sido

suficientes para equilibrar as inter-relações, prevalecendo as orientações e decisões tomadas

pelo governo central. As arenas de deliberação – no caso da educação pode-se citar o exemplo

da Conferência Nacional de Educação – constituem-se mais como espaços de legitimação e

consenso das decisões do governo central do que como espaços de democratização das

relações.

Alguns fatores tais como as diferentes capacidades arrecadatórias e dificuldades de

formulação e implantação de políticas públicas dos governos subnacionais bem como a

ausência de mecanismos constitucionais ou institucionais que estimulem a cooperação,

dificultam o exercício da coordenação federativa e tornam assimétricas as RIGs. Tal tendência

acentua-se com o êxito do Plano Real, em 1994, e fortalece o governo central, tornando o

federalismo cooperativo anunciado na Constituição Federal de 1988 mais difícil de ser

alcançado. Logo, ainda que a Carta Magna tenha preconizado um federalismo na perspectiva

do pacto e da aliança entre os diferentes governos, o estudo concluiu que a trajetória do

Page 231: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

229  

  

federalismo brasileiro tem apontado para a predominância da União nas tomadas de decisões

no âmbito do sistema federativo.

Assim, mesmo na perspectiva do “Estado mínimo” inspirado pelo ideário neoliberal

adotado no Brasil com mais ênfase a partir da década de 1990, observou-se a atribuição de

mais recursos e poderes ao governo federal, o que ocasionou o fortalecimento dessa esfera de

governo. Em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, deu-se início à reforma gerencial

do Estado brasileiro com adoção dos princípios da Nova Gestão Pública – NGP. Uma das

características desse modelo de gestão é o planejamento estratégico de caráter técnico, com

foco nos resultados, mas esvaziado de conteúdo político. A reforma gerencial do Estado

brasileiro no contexto do fortalecimento da União na arena política contribuiu para a indução

de ações por parte desse governo às demais esferas pautadas pelo seu controle, regulação e

orientadas a resultados pré-estabelecidos, em conformidade com os preceitos da NGP.

As orientações da NGP alcançam o campo educacional. Desponta a ideia de que a

educação é fator de competitividade internacional, sendo necessário, portanto, estabelecer

mudanças que tornem os sistemas de ensino mais eficientes, eficazes e produtivos. A busca

pela qualidade em educação, qualidade do tipo que interesse ao mercado e ao capital, passa a

ser perseguido por diferentes países, sobretudo aqueles em desenvolvimento.

É nesse contexto que se situa o PDE, plano lançado pelo governo federal em 2007 com

o objetivo de melhorar a qualidade da educação brasileira em todos os níveis e modalidades.

O Decreto presidencial que operacionaliza o plano, Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007

que trata do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, estabelece dezoito metas

para o alcance da melhoria da qualidade, a qual deve ser buscada em regime de colaboração

com Municípios, Distrito Federal e Estados, e a participação das famílias e da comunidade.

Logo, compreende-se que o PDE/Plano de Metas responsabiliza diversos atores pela

requerida melhoria. A colaboração prevista no PDE/Plano de Metas, no entanto, pode ser

melhor compreendida como sendo uma colaboração que vem do centro (OLIVEIRA; SOUSA

2010), tratando-se de uma política concebida pelo governo central sem participação dos

demais entes da federação. A participação desses se deu na adesão à proposta já elaborada e

no compromisso assumido de alcançar as metas definidas pela União.

Elaborado pelo governo brasileiro em um cenário de consolidação da NGP são

perceptíveis as orientações desse modelo de gestão no PDE/Plano de Metas. Destaca-se a

criação do Ideb enquanto instrumento de medida para medir a qualidade da educação; os

Page 232: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

230  

  

contratos de gestão entre governo federal e os subníveis de governo nos quais foram

pactuadas as metas que deveriam ser alcançadas; o controle dos resultados a posteriori através

dos índices; o governo eletrônico como mais uma possibilidade de controle das ações

executadas pelos governos locais; a responsabilização de professores, gestores escolares e

locais pelo rendimento dos alunos.

Conclui-se que na qualidade almejada pelo PDE/Plano de Metas a preocupação está

centrada no produto final e não no processo; está focada na competitividade e na adequação à

racionalidade econômica e mercadológica. Reitera-se que pensar a educação sob a lógica do

mercado, voltada exclusivamente para os interesses do capital, é ir contra o desenvolvimento

integral do ser humano, em suas múltiplas dimensões.

No âmbito do PDE/Plano de Metas, ao assinarem o termo de adesão, municípios

comprometem-se a elaborar o Plano de Ações Articuladas, instrumento de planejamento

educacional com ações a serem executadas visando alcançar os objetivos do Decreto

6094/2007.

No que diz respeito ao PAR, é necessário reconhecer a relevância do Plano,

especialmente quanto ao seu objetivo principal, de melhorar a qualidade da educação básica

por meio de uma visão sistêmica de educação, a qual envolve a atuação conjunta das esferas

governamentais. Ações como o PAR reiteram o papel da União em promover a coordenação

federativa. Além disso, também pode ser considerado um avanço quanto a superação da

lógica patrimonialista ainda muito vigente, da instituição de balcões de negociação que

trocam recursos por votos.

Por outro lado, é preciso considerar que o PAR representa um avanço para a educação

e as relações intergovernamentais, mas é limitado quanto ao seu objetivo precípuo de

melhoria da qualidade da educação básica e de resolução do problema da desigualdade

educacional entre União, estados e municípios. Políticas de governo como o Plano de Ações

Articuladas não serão capazes de resolver os problemas educacionais brasileiros como os que

o PAR se propõe a resolver dado que estes estão vinculados a fatores de ordem estrutural que

vão além das possibilidades do Plano.

Isto posto, conclui-se que mesmo que o Plano de Ações Articuladas tenha em sua

estrutura relações intergovernamentais fundadas na interdependência entre os entes federados

e que a autonomia de estados e municípios seja respeitada em sua totalidade no tocante a

Page 233: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

231  

  

adesão ao Plano e parcialmente no que concerne às metas e ações previstas, este Plano não

tem proporcionado uma efetiva cooperação intergovernamental no campo educacional.

No caso do município de Riachuelo, o primeiro PAR data de julho de 2007. A análise

dos dados possibilitou a compreensão de que a adesão do município ao PDE/Plano de Metas

aconteceu mediante pressões do então secretário de educação junto ao prefeito, na expectativa

de que o PAR trouxesse novos recursos financeiros para a educação do município, conforme

se observa a seguir: “[...] eu me orgulho muito de ter feito parte desse período, [...] todo

prefeito tinha que ir à Brasília, assinar esse PAR, o meu prefeito não queria ir, e eu disse para

ele: se você não for você vai arcar com as despesas” (ENTREVISTADO 01, 2015).

A expectativa da comunidade em relação a adesão ao PAR era alta, sobretudo em

relação a um possível aumento no volume de recursos recebidos da União pelo município. No

entanto, a assistência financeira da União à Riachuelo no PAR 2007-2011 pode ser

considerada irrisória, diante da capacidade arrecadatória daquele nível de governo e das

necessidades desse.

A assistência financeira da União só é identificada no PAR 2007-2011 para a compra

de recursos pedagógicos e materiais didáticos e apenas em três indicadores da dimensão 4 -

Infra-Estrutura Física e Recursos Pedagógicos, área 3 - Recursos pedagógicos para o

desenvolvimento de práticas pedagógicas que considerem a diversidade das demandas

educacionais. Os indicadores foram: existência, suficiência e diversidade de materiais

pedagógicos (mapas, jogos, dicionários, brinquedos); suficiência e diversidade de

equipamentos e materiais esportivos; existência e utilização de recursos pedagógicos que

considerem a diversidade racial, cultural e de pessoas com necessidades educacionais

especiais. A assistência financeira da União via PAR ao município de Riachuelo foi ínfima

diante inclusive das funções redistributivas e supletivas da União, conforme preconiza a CF

1988 quanto trata do regime de colaboração em educação. Esse dado não é exclusivo da

realidade de Riachuelo mas também constatou-se em pesquisas realizadas em outros

municípios do RN, tais como a de Santos (2017) acerca do PAR em Acari. Conforme a

autora, das 77 ações previstas no PAR de Acari para o período de 2007-2011, 44 foram de

responsabilidade exclusiva do município, 29 contaram com assistência técnica da União e

apenas 4 com assistência financeira deste ente da federação. Identifica-se que ainda que o

PAR seja um plano que prevê a colaboração entre os entes federados, há sobreposição de

responsabilidade no ente que menos dispõe de recursos financeiros para materializar as ações.

Page 234: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

232  

  

Dessa feita, o dispositivo constitucional que estabelece o regime de colaboração carece

de regulamentação em lei complementar de forma a ampliar as responsabilidades da União no

tocante a educação básica na perspectiva de equalizar as divergências entre os sistemas de

educação no Brasil, consolidando assim o federalismo cooperativo.

É preciso, também, situar o plano enquanto uma ação induzida pelo governo federal na

qual não houve o inter-relacionamento dos diferentes governos no tocante ao desenho da

política nacional. A execução da política no município de Riachuelo contou com a inter-

relação de funcionários do município e da União e no que diz respeito à fase de elaboração do

diagnóstico da rede os dados evidenciaram que a autonomia dos entes foi respeitada. Contudo,

as ações possíveis de serem executadas via PAR pelo município em colaboração com a União

encontravam-se dentro de um menu previamente elaborado pelo governo federal de modo que

não havia possibilidade de a equipe local alterar a estrutura das ações e sub-ações. Dessa

forma, observa-se o hibridismo no modelo de RIGs estabelecida pelo PAR que ora

proporciona a interdependência ora conserva a autoridade da União.

O hibridismo no tipo de RIGs é contrário ao federalismo cooperativo já que

desequilibra o poder entre as esferas de governo e, por conseguinte, os princípios self rules e

shared rules na medida em que esses atuam de diferentes maneiras na arena política. O PAR,

portanto, é uma política federal elaborada pelo governo central na qual a decisão desse nível

de governo foi determinante para seu desenho e execução. Dessa forma, é necessária a criação

de políticas nacionais e não federais, conforme argumenta Sano (2008), as quais favoreçam a

coordenação federativa, pois nesse tipo de política os governos subnacionais participam dos

processos decisórios acerca de uma determinada política nacional, podendo levar a um

fortalecimento da articulação entre os governos, visando garantir sua autonomia e

interdependência. O desenvolvimento de políticas nacionais e o equilíbrio socioeconômico e

financeiro entre as diferentes esferas de governo poderiam reforçar o pacto federativo

brasileiro.

Em relação à dimensão da gestão educacional, dimensão estudada nessa tese, os

indicadores analisados foram selecionados da área 01 - gestão democrática: articulação e

desenvolvimento dos sistemas de ensino. Foram aqueles referentes ao conselho escolar,

Conselho de Alimentação Escolar, Conselho Municipal de Educação, Projeto Pedagógico,

Plano Municipal de Educação e escolha de dirigentes escolares.

Page 235: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

233  

  

No que concerne aos órgãos colegiados, a pesquisa evidenciou que são muitas as

dificuldades para torná-los atuantes no município. As principais dificuldades relacionam-se à

falta de participação da comunidade, especialmente no caso dos conselhos escolares, falta de

formação adequada aos conselheiros, a relação de poder desigual entre os representantes dos

conselhos municipais – CME e CAE – e executivo municipal, que levou os referidos

conselhos a atuarem como órgãos de governo e não de Estado.

Quanto ao PPP e PME, esses dois mecanismos estão evidenciados no PAR em uma

perspectiva de gestão democrática, na qual a participação da população civil e da escola são

priorizadas. No entanto, a operacionalização das ações do PAR evidenciam uma concepção

gerencialista de gestão. As estratégias de implementação apontam para atividades que

remetem à NGP. Considera-se essa a maior contradição dos indicadores e, por isso mesmo, o

maior empecilho para a concretização dos planos na perspectiva da gestão democrática uma

vez que gestão gerencial e gestão democrática são modelos antagônicos de gestão.

Quanto ao indicador “Escolha de dirigentes” as sub-ações previstas não foram

executadas em sua totalidade. As de iniciativa do município não obtiveram avanço e por isso

a ação não se concretizou. Nesse caso, a autonomia do município em definir formas próprias

de escolha do dirigente tem contribuído para a predominância de práticas clientelistas que

favorecem os interesses político-partidários do chefe do executivo. Na ausência de definição

por parte da legislação nacional, o município tem indicado os diretores com base na troca de

votos, excluindo a participação da comunidade escolar no processo de escolha. Nesse

indicador, é importante destacar que embora o plano e, por conseguinte, as ações nele

constantes tenham sido pactuadas por município e União, o não cumprimento das sub-ações

de responsabilidade do município evidencia a opção do executivo municipal em manter a

escolha do dirigente sob sua determinação. Houve exercício da autonomia municipal diante

do não cumprimento de sua contrapartida no pacto estabelecido e da manutenção da

modalidade de escolha, ainda que não para beneficiar a democratização da gestão, mas sim os

interesses pessoais do prefeito.

A conclusão do trabalho é a de que as ações do PAR 2007-2011 não alcançaram o

êxito esperado. As inter-relações estabelecidas entre município de Riachuelo e União a partir

do Plano de Ações Articuladas favoreceram, ainda que minimamente, a construção da gestão

democrática pois contribuíram para gerar reflexão acerca da temática e para sistematizar os

mecanismos de participação no município. A contribuição, contudo, ocorreu em pequena

Page 236: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

234  

  

escala, pois se consubstanciou em ações fragmentadas e sem a efetiva participação da

comunidade escolar. A pesquisa concluiu que o plano trouxe outros avanços não só no que se

refere à gestão democrática, como também à organização e planejamento da rede de ensino e

da secretaria de educação. Antes do PAR, a secretaria não tinha uma organização por setores,

com assessores técnico-pedagógicos responsáveis por áreas específicas. Como afirmado nas

entrevistas, embora houvesse uma organização da Semec por setores, administrativo e

pedagógico, as demandas eram atendidas de acordo a com urgência em que chegavam, pelo

técnico que tivesse à disposição para atender. A cultura de planejamento também foi

destacada como um dos avanços do PAR no município pelos entrevistados.

A consolidação do princípio da gestão democrática nos sistemas de ensino brasileiros,

portanto, é uma tarefa complexa que não se executa em uma única política pública pontual. É

tarefa que requer RIGs interdependentes entre os diferentes níveis de governo no tocante à

formulação, execução e avaliação de políticas tais como o PAR. Requer que a União atenda

devidamente ao princípio constitucional de redistribuir os recursos financeiros na federação

brasileira, de modo a e suprir adequadamente as demandas educacionais considerando a

desigualdade educacional. O aumento dos recursos financeiros dos municípios também é um

fator que pode aumentar a autonomia municipal e fortalecer o pacto federativo.

Além disso, a consolidação do princípio da gestão democrática também requer uma

normativa jurídica que esclareça as formas de efetivar o princípio da gestão democrática nas

escolas públicas brasileiras, embora a democratização da gestão educacional e escolar seja um

processo contínuo que não se esgota apenas por meio da instituição de leis, normatizações ou

políticas públicas. É, também, prática instituída por aqueles que fazem as escolas e os

sistemas de ensino. Por isso, é preciso avançar quanto às condições de participação da

comunidade nos espaços decisórios de descentralização do poder, na formação política dos

sujeitos que fazem as instituições de ensino e, por conseguinte, na autonomia das próprias

instituições.

   

Page 237: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

235  

  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRANCHES, Mônica. Colegiado escolar: espaço de participação da comunidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2006. (Coleção Questões de Nossa Época) ABRUCIO, Fernando L. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas de aperfeiçoamento. In: OLIVEIRA, Romualdo Portela de; SANTANA, Wagner (Orgs.). Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: Unesco, 2010a. _______. Federalismo e políticas públicas: o impacto das relações intergovernamentais no Brasil. In: MEDEIROS, Paulo Cesar e LEVY, Evelyn (Org). Construindo uma Nova Gestão Pública – Coletânea de textos do I Ciclo de Palestra organizado pela Escola de Governo do RN –Natal, RN: SEARH/RN, 2010b. _______. Os avanços e dilemas do mundo pós-burocrático: a reforma da administração pública à luz da experiência internacional recente. In: PEREIRA, Luíz Carlos B.; SPINK, Peter K. (Org.). Reforma do Estado e administração pública gerencial. 7. 235P. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. _______. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Revista de Sociologia Política, Curitiba, 24, p. 105-121, jun. 2005. _______. A reconstrução das funções governamentais no federalismo brasileiro. In: HOFMEISTER, Wilhelm; CARNEIRO, José M B. (Org.) Federalismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, Série Debates, v.1, n. 22, 2001. _______. Os barões da federação: os governadores e a redemocratização brasileira. São Paulo: Hucitec/Departamento de Ciência Política, USP, 1998. _______. O impacto do modelo gerencial na administração pública. Um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Brasília: ENAP,1997 (cadernos ENAP, n.10) ABRUCIO, Fernando Luiz; FRANZENE, Cibele; SANO, Hironobu. Trajetória recente da cooperação e coordenação no federalismo brasileiro: avanços e desafios. In: CARDOSO JUNIOR, José Celso; BERCOVICI, Gilberto (Org.). República, democracia e desenvolvimento: contribuições ao Estado brasileiro contemporâneo. Brasília: Ipea, 2013. ADRIÃO, Tereza; GARCIA, Teize. Oferta Educativa e Responsabilização no PDE: o plano de ações articuladas. Cadernos de Pesquisa, v. 38, n. 135, p. 779-796, set./dez. 2008.

Page 238: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

236  

  

AGRANOFF, Robert; RADIN, A. Beryl. Deil Wright’s Overlapping Model of Intergovernmental Relations: The Basis for Contemporary Intergovernmental Relationships. In: Deil S. Wright Symposium: Understanding Intergovernmental Relations: Reflections and Directions, March 14, 2014, Rhode Island. AGUIAR, Márcia Ângela da S. Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004. ALMEIDA, Maria Hermínia T. Federalismo, democracia e governo no Brasil: ideias, hipóteses e evidências. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB, São Paulo, n. 51, p. 13-34, jan./jun. 2001, AMORIM, M. D.; SCAFF, E. A. S. O planejamento como instrumento de gestão da educação básica: tendências das políticas atuais. In: LIMA, Antônio Bosco de; FREITAS, Dirce Nei Teixeira de. (Org.). Políticas sociais e educacionais: cenários e gestão. 1. ed.Uberlandia, MG: EDUFU, 2013, v. 1, p. 247-266. ANASTASIA, Fátima. Responsabilização pelo controle parlamentar. In: BRESSER-PEREIRA, luiz Carlos; GRAU, Nuria C. (Coord.). Responsabilização na administração pública. São Paulo: CLAD/Fundap, 2006. ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, Amir; GENTILI, Pablo (Orgs.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006. ARAÚJO, Gilda Cardoso de. Políticas educacionais e Estado Federativo: conceitos e debates sobre a relação entre município, federação e educação no Brasil. Curitiba: Appris, 2013. _______. Direito à educação básica: a cooperação entre os entes federados. Retratos da Escola, Brasília, v. 4, n. 7, p. 231-243, jul./dez. 2010 _______. Federalismo cooperativo e arranjos de desenvolvimento da educação: o atalho silencioso do empresariado para a definição e regulamentação do regime de cooperação RBPAE, v. 28, n. 2, p. 515-531, maio/ago. 2012.

Page 239: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

237  

  

ARAÚJO, Maria Arlete Duarte. Responsabilização na reforma do sistema de saúde: Catalunha e Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010 ARAÚJO, Maria Arlete. D.; PINHEIRO, Helano D. Reforma Gerencial do Estado e rebatimento no sistema educacional: um exame do REUNI. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, v. 18, n. 69, p. 639-892, 2010. ARGOLLO, Juliana; MOTTA, Vânia. Arranjos de desenvolvimento da educação: regime de colaboração de ‘novo’ tipo como estratégia do capital para ressignificar a educação pública como direito. Universidade e Sociedade. ano 24, n.56, ago. 2015. ARIZNABARRETA, Koldo E. Capital social, cultura organizativa y transversalidad en la gestion pública. In: VI CONGRESO INTERNACIONAL DEL CLAD SOBRE LA REFORMA DEL ESTADO Y LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA, 2001. Buenos Aires. Anais... Buenos Aires, 5-9 nov. 2001. ARRETCHE, Marta. Federalismo e Democracia no Brasil: a visão da ciência política norte-americana. São Paulo em Perspectiva, v.15, n.4, 2001. ARRUDA, Maria da Conceição Calmon. A gestão democrática e os conselhos escolares: interseções e confluências. In: PAULA, Lucília Augusta L. de; OLIVEIRA, Lia Maria T. de (Org.). Conselho Escolar: formação e participação. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2014. AURELIANO, Francisca Edilma B. S. A formação de professores e o planejamento no contexto do Plano de Ações Articuladas: repercussão das ações do município de Mossoró/RN (2007-2011). 2016. 280 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. UFRN. Natal, 2016. AZEVEDO, Fernando de. Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 407-425, maio/ago. 1984. BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BANCO MUNDIAL. The State in a changing world. World Development Report, de 1997: summary.1997. Disponívem em: < www.eldis.org/static/DOC3863.htm>. Acesso em: 20 mar. 2015.

Page 240: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

238  

  

_______. Relatório Anual de 2015 do Banco Mundial. 2015. Disponível em: < http://documents.worldbank.org/curated/pt/963041467987822424/Relat%C3%B3rio-anual-de-2015-do-Banco-Mundial> Acesso em: 21 jan. 2017. BARLETA, Ilma de Andrade. A gestão educacional no Plano de Ações Articuladas do município de Macapá-AP: concepções e desafios. 2015. 220f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Pará. Belém, 2015. BARROSO, J. Autonomia da escola. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte:UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CDROM. ______. O Estado, a Educação e a Regulação das Política Públicas. Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 92, p. 725-751, especial, out. 2005. BORDIGNON, Genuíno. Gestão da educação no município: Sistema, Conselho e Plano. 2. ed. São Paulo: Editora e Livraria; Instituto Paulo Freire, 2013. BÓRON, Atílio A. Estado, capitalismo e democracia na América Latina. 2. ed. Rio de janeiro: Paz e Terra, 2002. BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/92 a 56/2007 e pelas Emendas Constitucionais de revisão nos 1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008a. 464p. _______. Orientações gerais para aplicação dos instrumentos. Brasília, 2008b. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/manual_passo-a-passo_set_2008.pdf. Acesso em: 21 jan. 2017. _______. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE): razões, princípios e programas. Brasília, 2008c. _______. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas compromisso Todos pela Educação. 2007ª. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6094.htm>, Acesso em: 22 set. 2010. _______. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação.2001. Disponível em: < www.portal.mec.gov.br > Acesso em: 14 abr. 2015.

Page 241: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

239  

  

_______. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências.2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm> Acesso em: 11 jun. 2016. _______. Ministério da Educação. Instrumento de Campo. Brasília/DF: MEC, Agosto de 2008. _______. Ministério da Educação. Orientações gerais para elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR) dos municípios (Versão revisada e ampliada). Brasília/DF: MEC, 2009. _______. Ministério da Educação. Orientações para elaboração do Plano de Ações Articuladas (PAR) dos municípios (2011-2014). Brasília/DF: MEC, 2013. _______. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Plano plurianual 2008-2011: projeto de lei / Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos. Brasília: MP, 2007b. _______. Parecer no. 9, de 30 de agosto de 2011. Análise de proposta de fortalecimento e implementação do regime de colaboração mediante arranjos de desenvolvimento da educação. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação, 2011. Disponível em:< http://www.portal.mec.gov.br>. Acesso em: 27 nov. 2015. _______. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. 1995. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/colecao/plandi.htm. Acesso em: 12 dez 2011. _______. Resolução n. 029, de 20 de junho de 2007. Estabelece os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da assistência financeira suplementar a projetos educacionais, no âmbito do compromisso todos pela educação. Brasília, DF: MEC/FNDE, 2007c. _______. Resolução n. 047. Altera a Resolução CD/FNDE n. 29, de 20 de julho de 2007, que estabelece os critérios, os parâmetros e os procedimentos para a operacionalização da assistência financeira suplementar e voluntária a projetos educacionais, no âmbito do Compromisso Todos pela Educação. Brasília, DF: MEC/FNDE, 2007d. _______. Resolução no 1, de 23 de janeiro de 2012. Dispõe sobre a implementação do regime de colaboração mediante Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE), como instrumento de gestão pública para a melhoria da qualidade social da educação. Ministério da

Page 242: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

240  

  

Educação. Conselho Nacional de Educação, 2012. Disponível em:<http://www.portal.mec.gov.br>. Acesso em: 30 nov. 2015. _______. II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979). 1974. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/anexo/ANL6151-74.PDF. Acesso em: 25 maio 2015. BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Democracia, Estado social e reforma gerencial. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.50, n.1, jan./mar. 2010. _______. Reforma do Estado para a Cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: Ed. 34; Brasília: ENAP, 1998. CABRAL NETO, Antônio. Gerencialismo e gestão educacional: cenários, princípios e estratégias. In: FRANÇA, Magna; BEZERRA, Maura Costa (orgs.). Política Educacional: gestão e qualidade do ensino. Brasília: Liber Livro, 2009. CABRAL NETO, Antônio; SOUSA, Luiz Carlos M. Autonomia da Escola Pública: Diferentes Concepções em Embate no Cenário Educacional Brasileiro. In: ROSÁRIO, Maria José A.; ARAÚJO, Ronaldo Marcos de L. (ORG.) Políticas Pública Educacionais. Campinas, SP: Editora Alínea, 2008 CAMINI, Lucia. A política educacional do PDE e do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Revista da RBPAE, v. 26, n. 3, p. 535-550, set./dez. 2010a. _______. A relação do MEC com os entes federados na implantação do PDE/Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação: Tensões e Tendências. Jornal de políticas educacionais, n. 8, p. 03–13, jul./dez. 2010b. _______. A gestão educacional e a relação entre entes federados na política educacional do PDE/Plano de metas compromisso todos pela educação. 2009. 294f. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação, Porto Alegre. 2009. CARDOSO JUNIOR, José C. ; GOMIDE, Alexandre de A. Elementos para a Reforma do Estado e da Administração Pública no Brasil do Século XXI: a década de 2003-2013 e a economia política do desenvolvimento. Boletim de Análise Político-Institucional/IPEA, Brasília: Ipea, n. 5, 2014.

Page 243: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

241  

  

CARDOSO JUNIOR, José Celso. Planejamento governamental e gestão no Brasil: elementos para ressignificar o debate e capacitar o estado. Brasília: Ipea, 2011. CARDOSO JUNIOR., J. C.; PINTO, E. C.; LINHARES, P. T. (Ed.). Estado, instituições e democracia: desenvolvimento. Brasília: Ipea, 2010. v. 3 . CARNEIRO, Ricardo; MENICUSSI, Telma Maria Gonçalves. Gestão pública no século XXI: as reformas pendentes. Brasília: Ipea, 2011. CASASSUS, Juan. Descentralização e desconcentração educacional na América Latina: fundamentos e críticas. Cadernos de pesquisa, São Paulo, n.74. p.11-19, nov. 1990. CASTRO, Alda Maria Duarte de Araújo. Apresentação. In: GARCIA, Luciane Terra dos Santos; FREITAS, Alessandra Cardoso de (Org.). Gestão educacional democrática: avaliação e práticas. Natal, RN: EDUFRN, 2016. _______. Planejamento educacional. In: OLIVEIRA, D.A.; DUARTE, A.M.C.; VIEIRA, L.M.F. Dicionário: trabalho, profissão e condição docente. Belo Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2010. CDROM _______. A qualidade da educação básica e a gestão da escola. In: FRANÇA, Magna; COSTA, Maura (Orgs.). Política educacional: gestão e qualidade do ensino. Brasília: Liber Livro, 2009. p. 21-44. _______. Gerencialismo e Educação: estratégias de controle e regulação da gestão escolar. In: CABRAL NETO, Antônio et al. (Org.). Pontos e contrapontos da política educacional: uma leitura contextualizada de iniciativas governamentais. Brasília: Líber livro editora, 2007, p. 115-144 CENTRO LATINO-AMERICANO DE ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO (CLAD). Uma nova gestão pública para a América Latina. 1998. CENTRO LATINO-AMERICANO DE ADMINISTRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO (CLAD). A responsabilização na Nova Gestão Pública latino-americana. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria C. (Coord.). Responsabilização na administração pública. São Paulo: CLAD/Fundap, 2006. CHAUÍ, Marilena. Democracia e sociedade autoritária. Comunicação & Informação, v. 15, n. 2, p. 149-161, jul./dez. 2012

Page 244: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

242  

  

CORRÊA, Vera. Globalização e Neoliberalismo: o que isso tem a ver com você, professor? 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Quartet, 2003. COSTA, Frederico Lustosa da. Reforma do Estado e contexto brasileiro: crítica ao paradigma gerencialista. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2010. _______. Condicionantes da reforma do Estado no Brasil. In: MARTINS, Paulo E. M.; PIERANTI, Octávio P. (Org.). Estado e gestão pública: visões do Brasil contemporâneo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. COSTA, Valeriano M. F. Federalismo e relações intergovernamentais: implicações para a reforma da educação no Brasil. Educação & Sociedade. Campinas, v. 31, n. 112, p. 729-748, jul.-set. 2010. CRUZ, Gersonita Paulino de Sousa. A política de avaliação da aprendizagem da Secretaria Municipal de Educação de Natal no contexto do PAR 2007-2011. 2015. 181f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2015. CUNHA, Maria C.; COSTA, Jean M. A.; ARAÚJO, Rosemeire B. M de. O Plano de Ações Articuladas: percepções e expectativas na gestão da educação municipal. Série-Estudos – Periódico do Programa de Pós-Graduação em Educação da UCDB, n. 34, jul./dez., 2012. CURY, Carlos R J. A questão federativa e a educação escolar. In: OLIVEIRA, Romualdo Portela de; SANTANA, Wagner (Orgs.). Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: Unesco, 2010. _______. Sistema Nacional de educação: desafio para uma educação igualitária e federativa. Educação e sociedade, Campinas, v. 19, n. 105, set./dez. 2008. _______. A educação básica no Brasil. Educ. Soc., Campinas, v. 23, n. 80, p. 169-201, set. 2002. Disponível em: < www.scielo.br/pdf/es/v23n80/12929.pdf> Acesso em: 04 maio 2016. DAVIES, Nicholas. FUNDEB: a redenção da educação básica? Campinas, SP: Autores Associados, 2008. (Coleção polêmicas do nosso tempo) DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009. _______. Introdução à metodologia da ciência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985.

Page 245: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

243  

  

DINIZ, Eli. Globalização, reforma do estado e teoria democrática contemporânea. São Paulo em Perspectiva, v.15, n.4, p. 13-22, 2001. DOMINGOS SOBRINHO, Moisés; BARBOSA JUNIOR, Walter P. Cultura de gestão democrática no Brasil: participação popular e controle social. In: FRANÇA, Magna; MOMO, Mariangela (Org.). Processo democrático participativo: a construção do PNE. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2014. DOURADO, Luiz F. Plano Nacional de Educação como política de estado: antecedentes históricos, avaliação e perspectivas. In: _______. (Org.). Plano Nacional de Educação (2011-2020): avaliação e perspectivas. 2. ed. Goiânia: Editora UFG; Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011. _______. Avaliação do Plano Nacional de Educação 2001-2009: questões estruturais e conjunturais de uma política. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 31, n. 112, p. 677-705, jul.-set. 2010. _______. A escolha de dirigentes escolares: políticas e gestão da educação no Brasil. In: FERREIRA, Naura S. Carapeto (org.). Gestão Democrática da educação: atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 1998. DUMÉNIL, Gerard; LÉVY, Dominique. A crise do neoliberalismo. Tradução Paulo Cezar Castanheira. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2014. DRABACH, Nadia Pedrotti. As mudanças na concepção da gestão pública e sua influência no perfil do gestor e da gestão escolar no Brasil.2013. 251f. Dissertação (Mestrado em educação), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2013. DRAIBE, Sônia Miriam. O “Welfare State” no Brasil: características e perspectivas. Ciências Sociais Hoje. São Paulo: ANPOCS, 1989. ELAZAR, Daniel J. Exploring Federalism. Tuscaloosa: The University of Alabama Press, 1987. FARENZENA, N. et al. Implementação de planos de ações articuladas municipais: pontuando achados importantes. In: FARENZENA, Nalú. Implementação de planos de ações articuladas municipais: uma avaliação em quatro estados brasileiros. Pelotas: Ed. Gráfica Universitária/UFPel, 2012.

Page 246: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

244  

  

FARENZENA, Nalú. A implementação de Planos de Ações Articuladas municipais: marcos e trajetórias de uma pesquisa de avaliação. In: FARENZENA, Nalú (Org.). Implementação de Planos de Ações Articuladas Municipais: uma avaliação em quatro estados brasileiros. Pelotas: Ed. Gráf. Universitária/UFPel, 2012. _______. Descentralização e federalismo: algumas implicações para as responsabilidades (inter)governamentais no financiamento da educação brasileira. In: PERONI, Vera M. V.; BAZZO, Vera L; PEGORAZO, Áurea de Carvalho C. (Orgs.). Dilemas da educação brasileira em tempos de globalização neoliberal: entre o público e o privado. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. FARENZENA, Nalú; LUCE, Maria Beatriz. Financiamento da educação e responsabilidades federativas: 25 anos de agenda constituinte. RBPAE, v. 29, n. 2, p. 263-281, maio/ago, 2013. FARENZENA, Nalú; MARCHAND, Patrícia S. Relações intergovernamentais na educação à luz do conceito de regulação. Cadernos de Pesquisa v.43 n.150 p.788-811 set./dez. 2013. FERREIRA, Eliza Bartolozzi. Federalismo e planejamento educacional no exercício do PAR. Cadernos de pesquisa, v.44, n.153, p.602-623, jul./set. 2014. _______. Democracia e tecnocracia no planejamento educacional brasileiro: tensões permanentes na educação do século XXI. In: FERREIRA, Eliza B.; FONSECA, Marília (Org.). Política e planejamento educacional no Brasil do século 21. Brasília: Liber Livro, 2013. FERREIRA, Eliza B.; FONSECA, M. O PAR no contexto de planejamento estatal brasileiro. In: SOUSA JUNIOR, L. de; FRANÇA, Magna; FARIAS, Maria da S B de F. (Org.) Políticas de gestão e práticas educativas: a qualidade do ensino. Brasília: Liber Livro, 2011. FERREIRA, Eliza B.; FONSECA, Marília. Plano de Ações Articuladas (PAR): discutindo dados da pesquisa em rede. In: FERREIRA, Eliza Bartolozzi; FONSECA, Marília (Org.). Política e planejamento educacional no Brasil do século 21. Brasília: Liber Livro, 2013. FERREIRA, Maria Aparecida dos S.; FRANÇA, Magna. Financiamento da educação básica, o federalismo e o regime de colaboração. In: CASTRO, Alda Maria D A; FRANÇA, Magna (Orgs.). Política educacional: contextos e perspectivas da educação brasileira. Brasília: Líber Livro, 2012. FONSECA, M. Planejamento educacional no Brasil: um campo de disputas entre as políticas governamentais e as demandas da sociedade. In: FERREIRA, E. B.; FONSECA, M. (Org.). Política e planejamento educacional no Brasil do século 21. Brasília: Liber Livro, 2013.

Page 247: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

245  

  

_______. É possível articular o projeto político-pedagógico e o plano de desenvolvimento da escola? Reflexões sobre a reforma do Estado e a gestão da escola básica. In: FERREIRA, Eliza B.; OLIVEIRA, Dalila Andrade (Org.). Crise da escola e políticas educativas. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. _______. O Projeto Político-pedagógico e o Plano de Desenvolvimento da Escola: duas concepções antagônicas de gestão escolar. Cad. Cedes, Campinas, v. 23, n. 61, p. 302-318, dez. 2003. FRANZENE, Cibele. Federalismo cooperativo no Brasil: da Constituição de 1988 aos sistemas de políticas públicas. 2010. 210f. Tese (Doutorado da Escola de Administração de Empresas de São Paulo), Fundação Getúlio Vargas, São Paulo,2010. FRANZENE, Cibele; ABRUCIO, Fernando L. Efeitos recíprocos entre federalismo e políticas públicas no Brasil: os casos dos sistemas de saúde, de assistência social e de educação. In: HOCHMAN, Gilberto; FARIA, Carlos A. P. de. (Orgs.). Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013. FREITAS, Helena. PDE – responsabilidade e desafios. Retratos da Escola. Brasília/DF, n. 01, 2007. FRIGOTO, Gaudêncio. O Enfoque da Dialética Materialista Histórica na Pesquisa Educacional. In: FAZENDA, I. (Org.). Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 1989. p. 69-90. FRIGOTTO, Gaudêncio; CIAVATTA, Maria ; RAMOS, Marise. Vocational Educatión ande Development. In. UNESCO. Internacionl Handbook of Education for Changing World of Work. Bom, Germany, UNIVOC, 2009. p. 1 307-1319. GADOTTI, Moacir. Gestão democrática com participação popular no planejamento e na organização da educação nacional. Brasília: Ministério da Educação, 2014. _______. Convocados, uma vez mais: ruptura, continuidade e desafios do PDE. São Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008. (Educação Cidadã; 1) GARGARELLA, Roberto. Em nome da constituição. O legado federalista dois séculos depois. In: BÓRON, A. (org.). Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias

Page 248: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

246  

  

Politicas, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, USP, Universidade de São Paulo. 2006. GENTILI, Pablo. Adeus à escola pública: a desordem neoliberal, a violência do mercado e o destino da educação das maiorias. In: GENTILI, Pablo (org.) Pedagogia da exclusão: o neoliberalismo e a crise da escola pública. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995. GETE, Blanca O. de L. La evolución de la gestión pública: la nueva gestión pública. In: GETE, Blanca O. de L. La nueva gestión pública. Madrid: Pearson Educación S.A., 2001. GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. Filosofia e História da educação brasileira: da colônia ao governo Lula. 2. ed. Barueri/SP: Manole, 2009. GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002. GOHN, Maria da Glória. Conselhos gestores e participação sociopolítica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Coleção Questões de Nossa Época) GRAU, N Cunill. Responsabilização pelo controle social. In: BRESSER-PEREIRA, L. C.; GRAU, N. Cunill (Coord.). Responsabilização na administração pública. São Paulo: CLAD: Fundap, 2006. GRODZINS, Morton. The American System. Chicago: Rand McNally, 1966. GROISMAN, Enrique; LERNER, Emília. Responsabilização pelos controles clássicos. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria C. (Coord.). Responsabilização na administração pública. São Paulo: CLAD/Fundap, 2006. HADDAD, Sérgio; CARVALHO, Ludmila; SARAIVA, Sabine. Uma avaliação da participação da sociedade civil e da colaboração interministerial no Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE. São Paulo: Ação Educativa, 2008. HAMILTON, Alexander. O Federalista. Belo Horizonte: ed. Líder, 2003. HARVEY, David. Condição pós-moderna. 9. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2000.

Page 249: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

247  

  

KRAWCZYK, Nora Rut. Em busca de uma nova governabilidade na educação. In: OLIVEIRA, Dalila A.; ROSAR, Maria de Fátima F. (Org.). Política e gestão da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. KRAWCZYK, Nora Rut. O PDE: novo modo de regulação estatal? Cadernos de Pesquisa, v. 38, n. 135, set./dez. 2008. KUGELMAS, Eduardo. A evolução recente do regime federativo no Brasil. In: HOFMEISTER, Wilhelm; CARNEIRO, José M B. (Org.) Federalismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, Série Debates, v.1, n. 22, 2001. KUGELMAS, Eduardo; SOLA, Lourdes. Recentralização/Descentralização: dinâmica do regime federativo no Brasil dos anos 90. Tempo Social, S. Paulo, 11(2): 63-81, out. 1999. (editado em fev. 2000). LESSARD, Claude; CARPENTIER, Anylène. Políticas educativas: a aplicação na prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016. LEFEBVRE, Henri. Lógica formal/ lógica dialética. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. LIJPHART, Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 2. ed. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2008. LIMA, Licínio C. elementos da hiperburocratização da administração educacional. In: LUCENA, Carlos; SILVA JUNIOR, João dos Reis (Org.). Trabalho e educação no século XXI: experiências internacionais. São Paulo: Xamã, 2012. _______. A escola como organização educativa: uma abordagem sociológica. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011. LIMA, Antônio B. de. Políticas educacionais e o processo de “democratização” da gestão educacional. In: LIMA, Antônio B. de et al. (Org.). Estado, políticas educacionais e gestão compartilhada. São Paulo: Xamã, 2004. LIMA, Márcia Regina Canhoto de. Paulo Freire e a administração escolar: a busca de um sentido. Brasília: LiberLivro Editora, 2007. LIMONGI, Fernando P. “O Federalista”: remédios republicanos para males republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da política, Vol. 1. 14. ed. São Paulo: Ática, 2006.

Page 250: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

248  

  

LOTTA, Gabriela S.; GONÇALVES, Renata; BITELMAN, Marina. A Coordenação Federativa de Políticas Públicas: uma análise das políticas brasileiras nas últimas décadas. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 19, n. 64, p. 2-18, 2014. LUCE, Maria Beatriz; FARENZENA, Nalú. O regime de colaboração intergovernamental. In: MARIANA, Graciano. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). São Paulo: Ação Educativa, 2007. (Em Questão, v. 4) LÜCK, Heloisa. A gestão participativa na escola. Petrópolis, RJ: Vozes, 2006. (Série Caderno de gestão). LUKÁCS. Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética marxista. 2. ed. São Paulo: Martins fontes, 2012. LUDKE, M. ; ANDRÉ, M.E.D. A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MARSHALL, T. H. Cidadania e classe social. In:_______. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, s/d. p. 57- 114. MARTINS, André Silva. “Todos pela Educação”: o projeto educacional de empresários para o Brasil século XXI. .In: REUNIÃO DA ANPED. 31., 2008. Caxambú. Anais... Caxambú, 2008. MARTINS, Humberto Falcão. A ética do patrimonialismo e a modernização da administração pública brasileira. In: MOTTA; Fernando C. P.; CALDAS, Miguel P. (Org.) Cultura organizacional e cultura brasileira. São Paulo: Altas, 1997. MARTINS, Paulo de Sena. FUNDEB, federalismo e regime de colaboração. Campinas, SP: Autores Associados, 2011. MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. Tradução Florestan Fernandes. 2. ed. São Paulo: Expressão popular, 2008. _______. O capital: crítica da economia política. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Coleção Os economistas)

Page 251: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

249  

  

MASSON, Gisele. Implicações do plano de desenvolvimento da educação para a formação de professores. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 20, n. 74, p. 165-184, jan./mar. 2012. MEC. Guia de programas para os municípios. Brasília/DF, S/D. Disponível em :<portal.mec.gov.br/docman/marco-2010-pdf/4298-guia> Acesso em: 09 jun. 2016. MEDEIROS, Arilene Maria Soares de. Discurso da democratização da gestão à deriva do clientelismo. In.: GARCIA, Luciane Terra dos Santos; FREITAS, Alessandra Cardoso de (Org.). Gestão educacional democrática: avaliação e práticas. Natal, RN: EDUFRN, 2016. MELO, Maria Teresa L de. Gestão educacional: os desafios do cotidiano escolar. In: FERREIRA, Naura S. C.; AGUIAR, Márcia Ângela da S. (Org.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004. MÉSZÁROS, István. A montanha que devemos conquistar: reflexões acerca do Estado. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015. _______. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005. MINTO, Lalo. W. Estado mínimo. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D.; NASCIMENTO, Maria Isabel M. (Org.) Navegando pela história da educação brasileira. Campinas, SP: Graf FE: HISTEDBR, 2006a. (Verbete). _______. Teoria do capital humano. In: LOMBARDI, J. C.; SAVIANI, D.; NASCIMENTO, Maria Isabel M. (Org.) Navegando pela história da educação brasileira. Campinas, SP: Graf FE: HISTEDBR, 2006b. (Verbete). MOTTA, Fernando C. Prestes; PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Introdução à organização burocrática. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. NARDI, Elton L.; SCHNEIDER, Marilda P.; DURLI, Zenilde. O Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE e a visão sistêmica de educação. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação (RBPAE), Porto Alegre, v. 26, n. 3, p. 551-564, set./dez. 2010. NOGUEIRA, Marco Aurélio. Um Estado para a sociedade civil: temas éticos e políticos da gestão democrática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.

Page 252: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

250  

  

OLIVEIRA, Dalila Andrade. As políticas educacionais no governo Lula: rupturas e permanências. RBPAE, v. 25, n. 2, p. 197-209, maio/ago. 2009. _______. A gestão democrática da educação no contexto da reforma do Estado. In: FERREIRA, Naura S. C.; AGUIAR, Márcia Ângela da S. (Org.). Gestão da educação: impasses, perspectivas e compromissos. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2004. _______. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na escola. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima F. (Org.) Política e Gestão da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. OLIVEIRA, João Ferreira de. A função social da educação e da escola púbica; tensões, desafios e perspectivas. In: FERREIRA, Eliza B.; OLIVEIRA, Dalila A. (Org.) Crise da escola e políticas educativas. Belo Horizonte: Autência Editora, 2009. OLIVEIRA, João F. de; FONSECA, Marília; TOSCHI, Mirza S. O Programa Fundescola: concepções, objetivos, componentes e abrangência a perspectiva de melhoria da gestão do sistema e das escolas públicas. Educ. Soc., Campinas, v. 26, n. 90, p. 127-147, jan./abr. 2005. OLIVEIRA, R. P. de. Qualidade com garantia de respeito às diversidades e necessidades de aprendizagem In: GRACIANO, M. (coordenadora) O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). São Paulo: Ação Educativa, 2007. (Em Questão, v. 4) OLIVEIRA, Romualdo Portela de. A transformação da educação em mercadoria no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 108, p. 739-760, out. 2009. OLIVEIRA, Romualdo Portela de; SOUSA, Sandra Zákia. Introdução. In: OLIVEIRA, Romualdo Portela de; SANTANA, Wagner (Orgs.). Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: Unesco, 2010. OLIVEIRA, Romualdo Portela de; ARAÚJO, Gilda Cardoso de. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação. n. 28. Jan/Abr. 2005. PADILHA, P. R. Diretores e gestão democrática da escola. In: BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Salto para o futuro: construindo a escola cidadã, projeto político-pedagógico. Brasília: MEC, 1998. p. 67-78. PARO, Vítor Henrique. Crítica da Estrutura da Escola. São Paulo: Cortez, 2011.

Page 253: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

251  

  

_______. Administração escolar: introdução crítica. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2010. _______. A educação, a política e a administração: reflexões sobre a prática do diretor da escola. Educação e pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 3, p. 763-778, set./dez. 2010b. _______. A utopia da gestão escolar democrática. In: PARO, Vítor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 12. ed. São Paulo: Editora Ática, 2008. _______. Gestão Escolar, Democracia e Qualidade do Ensino. São Paulo: Ática, 2007. (Série Educação em Ação) PAULO, Luiz Fernando Arantes. O PPA como instrumento de gestão estratégica. Revista do Serviço Público, Brasília, 51 (2), p. 171-187, abr./jun. 2010. PAULO NETTO, José. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011. POLITZER, Georges; BESSE, Guy; CAVEING, Maurice. Princípios fundamentais de filosofia. Tradução de João Cunha Andrade. São Paulo: Hemus editora, 2002. PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e social-democracia. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. QUIRÓS, Mário Mora. Responsabilização pelo controle de resultados. In: BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos; GRAU, Nuria C. (Coord.). Responsabilização na administração pública. São Paulo: CLAD/Fundap, 2006. RAMOS, Marise N. A educação da classe trabalhadora e o PNE (2014-2024). HOLOS, ano 32, v. 6, p. 3-21, 2016. REGIS, André. O novo federalismo brasileiro. Rio de janeiro: Forense, 2009. REZENDE, Fernando. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução. In: CARDOSO JUNIOR, José Celso (Org.). A reinvenção do planejamento governamental no Brasil. Brasília: Ipea, 2011. v.4. (Diálogos para o Desenvolvimento)

Page 254: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

252  

  

RIACHUELO. Lei n.º 573 de 24 de junho de 2015. Institui o Plano Municipal de Educação do município de Riachuelo estado do Rio Grande do Norte e dá outras providências, 2015. Riachuelo/RN, 2015. _______. Lei nº 329 de 29 de março de 1995. Dispõe sobre a criação do Conselho de Alimentação Escolar. Mimeo. Riachuelo/RN, 1995. _______. Lei nº 363 de 27 de agosto de 1998. Dispõe sobre a criação e funcionamento do Conselho Municipal de Educação e dá outras providências. Mimeo. Riachuelo/RN, 1998. _______. Secretaria Municipal de Educação. Plano de Ações Articuladas: 2011-2014. Riachuelo/RN, 2011. _______. Secretaria Municipal de Educação. Plano de Ações Articuladas: 2007-2011. Riachuelo/RN, 2007. RIZZOTTO, Maria L. F. Neoliberalismo e saúde. In: PEREIRA, I. B.; LIMA, Júlio César F. (Org.). Dicionário da educação profissional em saúde. 2. ed. Rio de Janeiro: EPSJV, 2008. SANFELICE, José Luís. Dialética e Pesquisa em Educação. In. LOMBARDI, José Claudinei; SAVIANI, Dermeval (Org.). Marxismo e educação: debates contemporâneos. 2. ed. Campinas-SP: Autores Associados, 2008, p. 69-94. SANTOS, Pablo Silva M. Bispo dos. Guia Prático da Política Educacional no Brasil: ações, planos, programas e impactos. São Paulo: Cengage Learning, 2012. SANTOS, Boaventura de Sousa; AVRITZER, Leonardo de. Para ampliar o cânone democrático. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.) Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. SANO, Hironobu. Articulação horizontal no federalismo brasileiro: os Conselhos de secretários estaduais. 2008. 308 f. Tese (Doutorado da Escola de Administração de Empresas de São Paulo), Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2008. ____. Nova Gestão Pública e accountability: o caso das Organizações sociais paulistas., 2003.113 f. (Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Pós-graduação na FGV/EAESP, Área de Concentração: Governo e Sociedade Civil no Contexto Local). São Paulo: FGV/EAESP, 2003.

Page 255: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

253  

  

SAVIANI, Demerval. Apresentação. In: FERREIRA, Eliza B.; FONSECA, Marília (Org.). Política e planejamento educacional no Brasil do século 21. Brasília: Liber Livro, 2013. _______. Desafios da construção de um sistema nacional articulado de educação. Trabalho, educação e saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 213-231, 2008. _______. O Plano de Desenvolvimento da Educação: análise do projeto do MEC. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, Especial, p. 1231-1255, out. 2007. _______. Pedagogia tecnicista. Campinas/SP: Graf. FE/Unicamp: HISTEDBR, 2006. (Verbete) _______. O Legado Educacional do “Longo Século XX” Brasileiro. In: SAVIANI, Dermeval et al. (Orgs). O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas,SP: Autores Associados, 2004. (Coleção Educação Contemporânea). p. 9-57. SHIROMA, Eneita Oto ; GARCIA, Rosalba M. Cardoso; CAMPOS, Roselane Fátima. Conversão das “almas” pela liturgia da palavra: uma análise do discurso do movimento Todos pela Educação. In: BALL, Stephen J.; MAINARDES, Jefferson (Org). Políticas educacionais: questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011. SILVA, Andreia Ferreira da. Avaliação da educação básica, gestão escolar e trabalho docente. In: DOUSA JUNIOR, Luiz de ; FRANÇA, Magna ; FARIAS, Maria da Salete B de (Org.). Políticas de gestão e práticas educativas: a qualidade do ensino. Brasília: Liber Livro, 2011. SILVA, Camila Crosso; AZZI, Diego; BOCK, R. (Org.) Banco Mundial em foco: um ensaio sobre a sua atuação na educação brasileira e na da América Latina. Ação Educativa, s/d. SILVA, LUÍS Gustavo A da; FERREIRA, Suely; OLIVEIRA, João Ferreira de. O planejamento educacional no Brasil: políticas, movimentos e contradições na gestão dos sistemas municipais. RBPAE , v. 30, n. 1, p. 79-95, jan./abr. 2014. SILVA, Marcelo Soares P. da ; CARVALHO, Lorena Sousa. Faces do gerencialismo em educação no contexto da nova gestão pública. Revista Educação em Questão, Natal, v. 50, n. 36, p. 211-239, set./dez. 2014. SILVA, Rute Régis de Oliveira da. O PAR do município de Natal: o regime de colaboração e a gestão educacional. 2015. 196 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal:UFRN, 2015.

Page 256: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

254  

  

SOUZA, Celina. Instituições e mudanças: reformas da Constituição de 1988, federalismo e políticas públicas. In: HOCHMAN, Gilberto; FARIA, Carlos A. P. de. (Orgs.). Federalismo e políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2013. _______. Federalismo: teorias e conceitos revisitados. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais – BIB, São Paulo, n. 55, p. 27-48, 1º semestre de 2008. _______. Federalismo, desenho constitucional e instituições federativas no Brasil pós-1988. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, 24, p. 105-121, jun. 2005. _______. Federalismo e gasto social no Brasil: tensões e tendências. Lua Nova, São Paulo, n. 52, 2001. _______. Federalismo, descentralização e reforma constitucional em contextos de desenvolvimento regional desigual. Organizações & Sociedade, Brasília, DF, vol. 4.n. 9, maio/ago 1997. STEPAN, A. Para uma nova análise comparativa do federalismo e da democracia: federações que restringem ou ampliam o poder do Demos. Dados, Rio de Janeiro , v. 42, n. 2, 1999. TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democracia e administração pública no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN. Avaliação do Plano de Ações Articuladas (PAR): um estudo em municípios dos estados do Rio Grande do Norte, Pará e Minas Gerais no período de 2007 a 2012. Relatório descritivo final do PAR (2007-2011) dos municípios do Rio Grande do Norte, NATAL/RN, 2014 VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. 8. ed. São Paulo: Libertad Editora, 2007. VEIGA, Ilma P. A. A escola em debate: gestão, projeto político-pedagógico e avaliação. Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 7, n. 12, p. 159-166, jan./jun. 2013. Disponível em: <http//www.esforce.org.br> VEIGA, Ilma P. A. Conselho escolar e Projeto Político-pedagógico. In: _______. (Org.). Quem sabe faz a hora de construir o Projeto Político-pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2007. (Coleção Magistério: formação e trabalho pedagógico)

Page 257: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

255  

  

_______. Projeto Político-pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: VEIGA, Ilma P. A. (org) Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. 14. ed. Campinas/SP, Papirus, 2002. VOSS, Dulce Mari da S. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE): contextos e discursos. Cadernos de Educação, Pelotas, v. 38, jan./abr. 2011. WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1991. _______. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. _______. O que é a burocracia? Conselho Federal de Administração. S/D. WERLE, Flávia O. C. Contexto histórico e atual das políticas educativas: autonomia e regime de colaboração. In: WERLE, Flávia Obino Corrêa (Org.). Sistema municipal de ensino e regime de colaboração. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006a. _______. Apresentação. In: WERLE, Flávia Obino Corrêa (Org.). Sistema municipal de ensino e regime de colaboração. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006b. _______. Submissão-colaboração: uma história de alternância no berço dos Conselhos Municipais de Educação. In: WERLE, Flávia Obino Corrêa (Org.). Sistema municipal de ensino e regime de colaboração. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006c. WOOD, Ellen M. Estado, democracia e globalização. In: BÓRON, Atílio A.; AMADEO, Javier ; GONZÁLEZ, Sabrina. A teoria marxista hoje: problemas e perspectivas. Buenos Aires: Consejo Latino Americano de Ciencias Sociales – CLACSO, 2006. WRIGHT, Deil S. Understanding intergovernmental relations. 3. ed. California: Books/Cole Publishing Company. 1988. _______. Del federalismo a las relaciones intergubernamentales em los Estados Unidos de America: una nueva perspectiva de la actuacion reciproca entre el gobierno nacional, estatal y local. Revista de Estudios Políticos, n. 6, 1978. _______. Intergovernmental Relations: an Analytical Overview." The Annals of the American Academy of Political and Social Science. 1974. Disponível em: http://hdl.handle.net/2027.42/67379 Acesso em:

Page 258: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

256  

  

 

Page 259: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

257  

  

APÊNDICES

Page 260: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

258  

  

APÊNDICE A – INSTRUMENTO DE PESQUISA DESTINADO À EQUIPE TÉCNICA LOCAL DE ELABORAÇÃO DO PAR

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GREDUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO OBEDUC - AVALIAÇÃO DO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS: UM ESTUDO NOS MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO NORTE,

PARÁ E MINAS GERAIS, NO PERÍODO DE 2007 A 2012

ROTEIRO DE ENTREVISTA

QUESTÕES GERAIS SOBRE O PAR 1. Como foi a elaboração do PAR? 2. Quem participou da elaboração do PAR? 3. Quais as principais dificuldades enfrentadas na elaboração do PAR? 4. O PAR tem contribuído na organização da rede de ensino? Em que aspectos? 5. Em que o PAR mais influenciou no município? 6. Que mecanismos de acompanhamento/avaliação do PAR o município tem

adotado? 7. O PAR foi elaborado tomando como referência as metas do PME? 8. Antes do PAR o município tinha algum tipo de planejamento geral da rede? 9. Em que o PAR contribuiu no regime de colaboração?

DIMENSÃO 01: GESTÃO EDUCACIONAL

ÁREA 01: GESTÃO DEMOCRÁTICA

INDICADORES QUESTIONAMENTOS ➢ Conselhos

Escolares

1. Como funcionam os Conselhos nas escolas da rede?

2. Como é a sua dinâmica de funcionamento? (quais os membros mais frequentes e atuantes? Quais os principais assuntos/temas da pauta das reuniões? Qual a frequências das reuniões?)

3. Como a Secretaria de Educação orienta e acompanha a atuação dos Conselhos Escolares?

➢ Conselho Municipal de Educação

1. Como é a dinâmica de funcionamento do Conselho Municipal de Educação? (quais os membros mais frequentes e atuantes? Quais os principais assuntos/temas da pauta das reuniões? Qual a frequências das reuniões?)

2. Que aspectos você destacaria como mais importantes na atuação do Conselho Municipal de Educação?

➢ Conselho de Alimentação escolar

1. Como é a dinâmica de funcionamento do Conselho Alimentação Escolar? (quais os membros

Page 261: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

259  

  

mais frequentes e atuantes? Quais os principais assuntos/temas da pauta das reuniões? Qual a frequências das reuniões?)

2. Que aspectos você destaca como mais

importantes na atuação do Conselho Municipal de Educação?

➢ Comitê de Elaboração e Acompanhamento PAR

1. Como é a dinâmica de funcionamento do Cômite Local do PAR? (quais os membros mais frequentes e atuantes? Qual a frequências das reuniões? Quais foram as principais dificuldades enfrentadas pelo comitê?)

2. Qual o papel ou contribuição deste Comitê na elaboração e acompanhamento do Plano de Ações Articuladas (PAR), inclusive no processo de sua elaboração?

3. Que aspectos você destaca como mais importantes na atuação do Comitê?

➢ Projeto Pedagógico

1. De que forma a Secretaria orientou as escolas para à elaboração dos seus Projetos Pedagógicos? E quais os resultados alcançados?

2. As escolas da rede elaboram seus PP? 3. Como a Secretaria acompanha a

implementação dos Projetos Pedagógico na escolas? 4. É feito algum tipo de acompanhamento

quanto ao seu desenvolvimento, seja no âmbito das escolas ou pela Secretaria?

5. Quais as principais dificuldades encontradas pela equipe da secretaria no processo de elaboração e acompanhamento dos PP?

➢ Escolha do diretor

1. Quais os procedimentos e critérios utilizados na escolha do diretor de escola?

2. Quais as características que a Secretaria destacaria como mais relevantes no perfil do diretor de escola na rede de ensino?

➢ Plano Municipal de Educação

3. Como foi o processo de elaboração do Plano Municipal de Educação?

4. O município acompanhou e avaliou o PME?

5. Quais as principais dificuldades encontradas na elaboração e avaliação do PME?

6. Existe relação entre o PME e o PAR?

Page 262: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

260  

  

APÊNDICE B – INSTRUMENTO DE PESQUISA DESTINADO À TÉCNICA DO MEC QUE ASSESSOROU O PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PAR DE RIACHUELO (2007-2011).

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GREDUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

PROJETO OBEDUC - AVALIAÇÃO DO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS: UM ESTUDO NOS MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO NORTE,

PARÁ E MINAS GERAIS, NO PERÍODO DE 2007 A 2012

ROTEIRO DE ENTREVISTA

QUESTÕES GERAIS SOBRE A ELABORAÇÃO DO PAR

Roteiro direcionado ao Técnico do MEC que assessorou o processo de elaboração do PAR (2007-2011).

1. Qual sua compreensão sobre o regime de colaboração entre os entes federados na educação?

2. Você considera que o PAR tenha contribuído para fortalecer o regime de colaboração? De que maneira?

3. Como foi a elaboração do PAR no município de Riachuelo? 4. Quem participou? 5. Em sua compreensão, faltou a representação de algum segmento

na composição da equipe de elaboração? 6. Como a equipe local compreendia o PAR? 7. Como você avalia a interação entre os técnicos do município e

os técnicos do MEC na elaboração do PAR? 8. Quais as principais dificuldades enfrentadas na elaboração do

PAR? 9. O PAR foi elaborado tomando como referência as metas do

PME e PNE? 10. Você considera que o diagnóstico realizado pela equipe de

elaboração do PAR representava a situação educacional do município?

11. Qual sua avaliação em relação a autonomia do município na elaboração do PAR?

12. Você considera que o PAR alterou o planejamento e a gestão educacional do município? De que maneira?

13. Como você avalia o processo de elaboração do PAR do município de Riachuelo? Aspectos positivos e negativos.

14. Como você avalia o PAR enquanto uma política pública nacional? Aspectos positivos e negativos.

Page 263: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

261  

  

APÊNDICE C – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN LINHA DE PESQUISA: POLÍTICA E PRÁXIS DA EDUCAÇÃO

PROJETO DE PESQUISA: OBSERVATÓRIO DE EDUCAÇÃO (CAPES) –

AVALIAÇÃO DO (PAR): UM ESTUDO EM MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO NORTE, PARÁ E MINAS GERAIS (2007 A 2011)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado Participante, Este é um convite para você participar da pesquisa OBSERVATÓRIO DE

EDUCAÇÃO (CAPES) – AVALIAÇÃO DO (PAR): UM ESTUDO EM MUNICÍPIOS DO RIO GRANDE DO NORTE, PARÁ E MINAS GERAIS (2007 A 2011). Sua

participação é voluntária, o que significa que você poderá desistir a qualquer momento,

retirando seu consentimento, sem que isso lhe traga nenhum prejuízo ou penalidade.

Essa pesquisa analisa a implementação do PAR no município de Riachuelo/RN, nas

dimensões: gestão educacional, formação de professores, práticas pedagógicas e avaliação,

infraestrutura e recursos pedagógicos. Os aspectos abordados são de fundamental importância

para compreender a gestão municipal da educação no desenvolvimento, monitoramento e

avaliação do planejamento da rede de ensino de educação básica. Vislumbra, portanto, a

pesquisa contribuir para a compreensão das ações implementadas pelo município no

transcurso do PAR 2007-2011.

Assim o termo de consentimento livre e esclarecido de sua parte para participar

enquanto sujeito dessa pesquisa por meio de entrevista semiestruturada, representa uma

atitude de cidadania. Ao fornecer informações fidedignas acerca dos temas investigados,

contribui para a compreensão da realidade da educação e do ensino. Tem, no entanto, inteira

liberdade de emitir opinião ou de se recusar de apresentá-la.

Para manter a autenticidade dos dados produzidos, as entrevistas serão gravadas e em

seguida transcritas. Caso decida aceitar o convite, você participará de entrevistas (individuais)

de acordo com a sua disponibilidade de tempo.

Ademais, seu consentimento livre e esclarecido implica, também, autorização para

publicar os dados obtidos na investigação, em relatórios e em outras formas de publicação de

trabalhos, em eventos científicos, concedendo ainda o direito de retenção ou de uso para

quaisquer fins de ensino e divulgação em jornais e/ou revistas científicas nacionais e

Page 264: DANIELA CUNHA TERTO - Universidade Federal do Rio Grande ... · DANIELA CUNHA TERTO RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS E O FORTALECIMENTO DA ... Prof. Dr. Marcelo Soares Pereira da Silva

262  

  

internacionais. Mantém-se, portanto, o sigilo sobre sua real identidade. Ou seja, o seu nome

não será identificado em nenhum momento, senão por meio de codinomes e, os dados serão

guardados de forma segura. Os sujeitos da pesquisa, não arcam com nenhum gasto, em

decorrência de sua participação.

Qualquer dúvida acerca da pesquisa poderá ser esclarecida pelos pesquisadores por

ocasião da entrevista, e os sujeitos ficarão com uma cópia desse termo por ele assinada.

Outras dúvidas podem ser esclarecidas junto à coordenação da pesquisa Observatório da

Educação a professora Drª. Alda Maria Duarte Araújo Castro, no Campus Universitário da

UFRN-, CEP 59078-97, Centro de Educação. Telefone (84) 3342-2270.

Consentimento Livre e Esclarecido

Declaro que compreendi os objetivos desta pesquisa, como ela será realizada,

os riscos e benefícios envolvidos e concordo em participar voluntariamente da mesma na

condição de sujeito objeto da ação.

Participante da pesquisa:

Nome:________________________________________________________________

Assinatura:____________________________________________________________

Pesquisador Responsável:________________________________________________ Programa de Pós-Graduação em Educação Projeto do Observatório da Educação: “Avaliação do Plano de Ações Articuladas

(PAR): um estudo em municípios dos estados do Rio Grande do Norte, Pará e Minas Gerais no período de 2007 a 2011”

Campus Universitário – Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Natal (RN) Natal, RN, _________________________de 2015.