da produção ao mercado: “delitos económicos”, penas e ... ·...

Download Da produção ao mercado: “delitos económicos”, penas e ... · PDF fileSantarém, Torres Novas, Évora e Beja) ... gmail.com. Dfl fiThffff flff ... agentes comerciais), os locais

If you can't read please download the document

Upload: truonghanh

Post on 06-Feb-2018

219 views

Category:

Documents


2 download

TRANSCRIPT

  • 514Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 17, n. 33, p. 514-534, jul./dez. 2016 | www.revistatopoi.org

    Da produo ao mercado: delitos econmicos, penas e controlo municipal na Idade Mdia, segundo o testemunho

    dos Costumes e Foros portugueses

    Maria Alice da Silveira Tavares*

    Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal

    RESUMOEste texto tem como objetivo principal fazer uma reflexo sobre conflitos e os delitos eco-nmicos, bem como os mecanismos de controlo penal e social ao dispor dos concelhos medievais portugueses (Alfaiates, Castelo Bom, Castelo Melhor, Castelo Rodrigo, Guarda, Santarm, Torres Novas, vora e Beja) para regulamentar os setores econmicos, defenden-do as suas populaes e garantindo-lhes o abastecimento de produtos e de gneros alimenta-res indispensveis no dia a dia, a partir dos seus direitos consuetudinrios, os seus costumes e foros (sculos XIII). Partindo destes pressupostos, possvel tambm conhecer algumas profisses (mesteres e agentes comerciais), locais de comrcio, entre outros detalhes relacio-nados com desenvolvimento das atividades econmicas urbanas. Palavras-Chave: Portugal, Idade Mdia; costumes e foros; delitos econmicos; Abasteci-mento.

    ABSTRACTThe aim of this study is to provide an analysis about the conflicts and economic crime, as well the social and penal laws mechanisms employed in the Portugueses town councils (Alfaiates, Castelo Bom, Castelo Melhor, Castelo Rodrigo, Guarda, Santarm, Torres Novas, vora e Beja), to regulate the economic sectors, defending their populations and guaranteeing the supply of products and that are food necessary in the daily routine, through common-laws, custumary and laws (13th Century). Leaving these assumptions is also posible to know any professions (mesteirais and commercial agents), commerce places, among other details related with development of urban economics activities. Keywords: Portugal; Middle Ages; customs and law; economic crime; supply.

    DOI - http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X017033009

    Artigo recebido em 20 de fevereiro de 2016 e aprovado para publicao em 10 de agosto de 2016. * Professora no Instituto de Estudos Medievais da Universidade Nova de Lisboa. E-mail: [email protected].

  • Da produo ao mercado: delitos econmicos, penas e controlo municipal na Idade Mdia, segundo o testemunho dos Costumes e Foros portugueses

    Maria Alice da Silveira Tavares

    515Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 17, n. 33, p. 514-534, jul./dez. 2016 | www.revistatopoi.org

    ***

    Os delitos econmicos e o abastecimento dos centros urbanos constituram um pro-blema para as autoridades municipais portuguesas, segundo os seus costumes e foros (sculo XIII).1 Atravs deles, podemos comprovar que nem sempre a produo de produtos e as tro-cas comerciais se desenrolavam nas melhores condies, causando uma srie de conflitos e de entraves que afetavam a circulao e o aprovisionamento de bens e de gneros alimentares s populaes, lesando particularmente os consumidores. Os concelhos intervieram assim no desenvolvimento dos setores da economia, regulando todas as etapas da produo at colocao dos produtos no mercado.

    As temticas sobre a criminalidade econmica na Idade Mdia no tm merecido es-pecial ateno por parte da historiografia portuguesa.2 Em Espanha assistimos, porm, a um maior interesse sobre estas problemticas, sobretudo numa perspetiva transdisciplinar, reunindo contributos nas reas da histria, do direito e da histria econmica.3 Esses estudos esto ainda relacionados com outras questes importantes para compreender os delitos e os problemas que costumavam ocorrer no desenvolvimento do trabalho mesteiral e das transa-es comerciais, essenciais para garantir o aprovisionamento das populaes medievas, tais como a organizao dos espaos de comrcio; os mecanismos de segurana e policiamento dos mesmos; a definio de preos, pesos e medidas e entre outras questes.

    1 Os costumes e foros objeto de considerao encontram-se conservados no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (IANTT), em Lisboa. Foram editados no sculo XIX por Jos Correia Serra, em 1824, e por Alexan-dre Herculano, em 1856. Os foros extensos de Santarm tiveram tambm uma outra edio, levada a cabo por Zeferino Brando, em 1883.2 So muito escassos os estudos sobre estes temas, sobretudo, a partir de fontes jurdicas, embora possamos encontrar alguns contributos. Veja-se, GONALVES, Iria. Defesa do consumidor na cidade medieval: os produtos alimentares (Lisboa sculos XIV-XV). Arquiplago. Revista da Universidade dos Aores, Ponta Delgada, n. 1, p. 29-48, 1995. Disponvel em: . Acesso em: 30 out. 2012.3 Por exemplo BONACHA HERNANDO, Juan Antonio. Abastecimiento urbano, mercado local y control municipal: la provisin y comercializacin de la carne en Burgos (siglos XV). Espacio, Tiempo y Forma. Se-rie III. Historia Medieval, Madri, n. 5, p. 140-141, 1992. Disponvel em: . Acesso em: 6 abr. 2013; ESCRIBANO ABAD, Jos Lus. La regulacin del mercado alimentario: el caso de la Guadalajara bajomedieval. Espacio, Tiempo y Forma. Serie III. Historia Medieval, Madri, n. 21, p. 109-137, 2008. Dispo-nvel em: . Acesso em: 21 jul. 2001; JARA FUENTE, Jos Antonio. lites urbanas: las polticas comerciales y de mercado como formas de prevencin de conflictos y de legitimacin del poder (la veda del vino en Cuenca en la Baja Edad Media). Brocar: cuadernos de investigacin histrica, Logroo, n. 21, p. 119-133, 1998. Disponvel em: . Acesso em: 30 dez. 2012; TORQUEMA-DA, Mara Jess. Algunos aspectos de la regulacin sobre consumo en la Baja Edad Media castellana: pesas y medidas, ocupacin de locales y horarios de comercio. Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense, Madri, n. 84, p. 447-468, 1992-1994.

  • Da produo ao mercado: delitos econmicos, penas e controlo municipal na Idade Mdia, segundo o testemunho dos Costumes e Foros portugueses

    Maria Alice da Silveira Tavares

    516Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 17, n. 33, p. 514-534, jul./dez. 2016 | www.revistatopoi.org

    Neste sentido, o presente texto tem assim como objetivo analisar os delitos econmi-cos, os conflitos, bem como as medidas preventivas e de controlo social, a par da fixao de um sistema de penalizaes que visavam punir todos aqueles que cometessem fraudes e ou-tras transgresses, minimizando os problemas na adquisio de bens e produtos nos ncleos urbanos, a partir de uma nica fonte de carter jurdico: os costumes e foros. A par destas reflexes que pretendemos fazer, daremos a conhecer ainda algumas profisses (mesteres e agentes comerciais), os locais de comrcio, entre outros detalhes relacionados com o desen-volvimento das atividades econmicas urbanas.

    Neste estudo sero portanto utilizados os regulamentos locais de carter consuetudi-nrio que chegaram at aos dias de hoje. So assim objeto de anlise os costumes e foros da regio de Riba-Ca (Alfaiates, Castelo Bom, Castelo Melhor e Castelo Rodrigo), atuais po-voados portugueses, aps a celebrao do Tratado de Alcanices, em 1297, que marcou uma etapa da definio da fronteira luso-castelhana, ao passo que as vilas Cceres, Coria, Usagre e Salvalen permaneceram no Reino de Castela e Leo, localizadas atualmente na Regio Autnoma da Extremadura. Excetua-se, porm, Salvalen, uma vez que esta vila desapare-ceu, com Carlos V (1500-1558), imperador do Sacro Imprio Romano-germnico. Comple-mentamos ainda a nossa anlise com os costumes e foros das cidades da Guarda, Santarm, Torres Novas, Beja e vora, com o fim de enriquecermos o nosso estudo, possibilitando-nos um cotejo mais minucioso entre fontes da mesma natureza. No obstante, esta ltima cida-de um caso particular, porque as suas normativas encontram-se atualmente desaparecidas. Sendo assim, recorreremos aos cdigos municipais dos povoados de Terena, Alcovas e Garvo, situados no Alentejo, visto que receberam os direitos locais eborenses, adaptando-os e modificando-os, segundo as necessidades das suas populaes.4 Deste modo, conseguimos fazer uma aproximao ao corpo costumeiro de vora, atravs das localidades recetoras do direito municipal eborense, embora para este estudo utilizemos como instrumento de tra-balho os preceitos de Terena, pelo facto de neles se encontrarem registadas normas sobre os delitos econmicos.

    Esto assim lanados os pontos de partida que nos acompanharo ao longo deste estu-do. Antes de avanarmos para uma anlise mais minuciosa dos delitos e dos conflitos que costumavam ocorrer durante os processos de produo e comercializao, convm chamar a ateno para um aspeto concetual, que estar presente ao longo deste trabalho e que ser o ponto basilar deste texto, lanando a seguinte questo: o que se entende por delitos eco-nmicos? So todas as atividades delituosas contra a economia,5 entre as quais podemos encontrar as infraes contra a qualidade e a composio dos bens e gneros alimentares,

    4 CINTRA, Lus Filipe Lindley Cintra. A linguagem dos Foros de Castelo Rodrigo, e seu confronto com a dos Foros de Alfaiates, Castelo Bom, castelo Melhor, Coria, Cceres e Usagre. Contribuio para o estudo do leons e do galego portugus do sculo XIII. Lisboa: INCM, 1984, p. XCI.5 Delitos antieconmicos. Ed. Polcia de Segurana Pblica Escola Prtica. Torres Novas: Escola Prtica, 2004, p. 3.

  • Da produo ao mercado: delitos econmicos, penas e controlo municipal na Idade Mdia, segundo o testemunho dos Costumes e Foros portugueses

    Maria Alice da Silveira Tavares

    517Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 17, n. 33, p. 514-534, jul./dez. 2016 | www.revistatopoi.org

    colocando em causa os valores da vida, da sade e da integridade fsica;6 o crime de aam-barcamento, a especulao etc. Apesar de estarmos diante de um conceito contemporneo e anacrnico, as fontes selecionadas deixam j transparecer uma clara conscincia das popu-laes medievas em regulamentar, prevenir e combater as transgresses e os crimes contra as atividades econmicas e o seu devido funcionamento,